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Estudos Feministas, Florianópolis, 14(1): 336, janeiro-abril/2006 243 Josué Laguardia Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ No fio da navalha: anemia No fio da navalha: anemia No fio da navalha: anemia No fio da navalha: anemia No fio da navalha: anemia falciforme, raça e as implicações falciforme, raça e as implicações falciforme, raça e as implicações falciforme, raça e as implicações falciforme, raça e as implicações no cuidado à saúde no cuidado à saúde no cuidado à saúde no cuidado à saúde no cuidado à saúde Resumo: esumo: esumo: esumo: esumo: As propostas de políticas de saúde para a população negra têm uma história recente no cenário político brasileiro, com um destaque especial para o Programa Nacional de Anemia Falciforme (PAF). Esse programa é o resultado das ações políticas do movimento negro em prol do reconhecimento da anemia falciforme como uma doença prevalente na população negra brasileira. No seio dessa ação política foram elaborados discursos sobre a anemia falciforme que ressaltam, a partir de pressupostos biológicos e epidemiológicos, o caráter racial dessa doença. O propósito deste artigo é criticar tais pressupostos, enfatizando as implicações éticas decorrentes da racialização das doenças. Palavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: anemia falciforme, racialização, ética, cuidados em saúde. Copyright 2006 by Revista Estudos Feministas 1 Peter FRY, 2000. As propostas de políticas de saúde para a população negra têm uma história recente no cenário político brasileiro. Em 1995 o Governo Federal instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra (GTI) composto por oito membros da sociedade civil vinculados ao Movimento Negro e oito representantes de ministérios federais, dentre os quais o Ministério da Saúde, com a função de elaborar, propor e promover políticas governamentais relacionadas à cidadania da população negra. Juntamente com a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos, nesse mesmo ano, o governo brasileiro reconhece e formaliza a raça como critério para definição e direcionamento das políticas públicas. 1 No ano seguinte, os representantes do grupo temático da saúde vinculado ao GTI realizaram uma reunião técnica intitulada “Mesa redonda sobre a saúde da população negra” que contou com a participação de pesquisadores, militantes, médicos e técnicos do Ministério da Saúde. O relatório final dessa reunião apresentava um

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Josué LaguardiaEscola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ

No fio da navalha: anemiaNo fio da navalha: anemiaNo fio da navalha: anemiaNo fio da navalha: anemiaNo fio da navalha: anemiafalciforme, raça e as implicaçõesfalciforme, raça e as implicaçõesfalciforme, raça e as implicaçõesfalciforme, raça e as implicaçõesfalciforme, raça e as implicações

no cuidado à saúdeno cuidado à saúdeno cuidado à saúdeno cuidado à saúdeno cuidado à saúde

RRRRResumo: esumo: esumo: esumo: esumo: As propostas de políticas de saúde para a população negra têm uma história recenteno cenário político brasileiro, com um destaque especial para o Programa Nacional de AnemiaFalciforme (PAF). Esse programa é o resultado das ações políticas do movimento negro em proldo reconhecimento da anemia falciforme como uma doença prevalente na população negrabrasileira. No seio dessa ação política foram elaborados discursos sobre a anemia falciformeque ressaltam, a partir de pressupostos biológicos e epidemiológicos, o caráter racial dessadoença. O propósito deste artigo é criticar tais pressupostos, enfatizando as implicações éticasdecorrentes da racialização das doenças.PPPPPalavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave: anemia falciforme, racialização, ética, cuidados em saúde.

Copyright 2006 by RevistaEstudos Feministas

1 Peter FRY, 2000.

As propostas de políticas de saúde para apopulação negra têm uma história recente no cenáriopolítico brasileiro. Em 1995 o Governo Federal instituiu oGrupo de Trabalho Interministerial para Valorização daPopulação Negra (GTI) composto por oito membros dasociedade civil vinculados ao Movimento Negro e oitorepresentantes de ministérios federais, dentre os quais oMinistério da Saúde, com a função de elaborar, propor epromover políticas governamentais relacionadas àcidadania da população negra. Juntamente com acriação do Programa Nacional de Direitos Humanos, nessemesmo ano, o governo brasileiro reconhece e formaliza araça como critério para definição e direcionamento daspolíticas públicas.1 No ano seguinte, os representantes dogrupo temático da saúde vinculado ao GTI realizaram umareunião técnica intitulada “Mesa redonda sobre a saúdeda população negra” que contou com a participação depesquisadores, militantes, médicos e técnicos do Ministérioda Saúde. O relatório final dessa reunião apresentava um

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quadro esquemático dos agravos relacionados à saúdeda população negra, divididos em quatro grupos segundoum continuum de vulnerabilidade que se estendia dobiológico ao ambiental. No primeiro grupo encontram-seas doenças classificadas como geneticamentedeterminadas, de berço hereditário, ancestral e étnico, emque se destaca a anemia falciforme. A etiologiamonogênica da anemia falciforme e a sua maiorprevalência entre negros e pardos são tidas como atributosque justificariam o destaque dado a essa patologia entreaquelas geneticamente determinadas. Nos outros trêsgrupos estão um conjunto de ocorrências, condições,doenças e agravos adquiridos, derivados de condiçõessocioeconômicas e educacionais desfavoráveis, além daintensa pressão social que caracterizaria, segundo Fry,2 umaelisão entre raça e classe atribuindo uma especificidadecultural à população negra que a tornaria mais suscetívela essas doenças.

A proposição nessa reunião de um ProgramaNacional de Anemia Falciforme (PAF) pelo Ministério daSaúde teve importante contribuição feminina e feministado Movimento Negro, que vê sua ligação com as iniciativasgovernamentais como uma conquista própria.3 Emacréscimo, diversos trabalhos de intelectuais negrasbuscaram destacar a relevância do enfoque racial naepidemiologia da anemia falciforme entre as mulheresnegras e suas repercussões na saúde reprodutiva dessapopulação.4 Vale ressaltar que no tocante às questõesrelativas à procriação e anemia falciforme, embora osdocumentos elaborados pelo Ministério da Saúde5

enfatizem o papel do aconselhamento genético como umcomponente assistencial importante,6 os aspectos maiscontroversos de alguns dos seus desdobramentos, como odiagnóstico pré-natal e a interrupção da gestação,carecem de uma abordagem crítica que oriente osprofissionais de saúde quanto aos procedimentos a seremadotados na entrevista com o paciente.

Decorridos quatro anos da elaboração do PAF,alguns militantes do Movimento Negro cobravam uma maiorsensibilização das autoridades para a gravidade doproblema de saúde pública (a anemia falciforme) e umaação política do Ministério da Saúde na divulgação,promoção e acompanhamento da implantação doprograma no nível nacional. As mudanças ocorridas nosúltimos anos no Programa Nacional de Sangue eHemoderivados, responsável pela coordenação do PAF, sãoapontadas como fatores adicionais que restringiram asações do Governo Federal, na maioria das vezes, àsatividades de informação e educação genética para a

6 Débora DINIZ, Cristiano GUEDESe Alexandra TRIVELINO, 2005.

4 Marcos C. MAIO e SimoneMONTEIRO, 2005.5 MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001a;2001b.

3 FRY, 2005.

2 FRY, 2004.

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NO FIO DA NAVALHA: ANEMIA FALCIFORME, RAÇA E AS IMPLICAÇÕES...

anemia falciforme.7 A publicação pelo Ministério da Saúde,no ano de 2001, da Portaria nº 822 que incluiu ashemoglobinopatias, dentre elas a anemia falciforme, noPrograma Nacional de Triagem Neonatal criou uma situaçãode impasse entre os especialistas e militantes do MovimentoNegro. Para alguns especialistas, os benefícios dessaportaria resultariam da garantia de igualdade de acessoaos testes de triagem a todos os recém-nascidos brasileiros,independentemente da origem geográfica, raça e classesócio-econômica, adequando essa triagem àscaracterísticas étnicas da população brasileira.8 Odesenvolvimento de ações de confirmação diagnóstica,acompanhamento e tratamento das doenças falciformes,de outras hemoglobinopatias de interesse à saúde públicae de algumas doenças genéticas (fenilcetonúria,hipotireodismo congênito, fibrose cística) contrapunha ocaráter mais abrangente do Programa Nacional de TriagemNeonatal ao particularismo do PAF. Para alguns militantesdo Movimento Negro, a Portaria nº 822 foi interpretadacomo desconhecimento, omissão e desrespeito doMinistério da Saúde a uma conquista do movimento e àspróprias definições políticas do governo.9

A distinção nas tomadas de posição dos militantesdo movimento negro e dos especialistas acerca dos rumospolíticos do PAF revela as tensões decorrentes de um espaçode interlocução com interesses distintos, sendo que adinâmica do processo, descrita por José Carlos dos Anjos,10

é caracterizada pela simultaneidade da consolidação daproblemática de saúde dos negros nas arenas públicas eda gênese do próprio grupo étnico como portador dessaproblemática. Assim, de acordo com Anjos, “a luta peladefinição do caráter da relação entre o problema social eo grupo social é uma típica luta que reinventa o grupo aoinventar o princípio de legitimidade de sua demanda”.11

Na opinião desse autor, as intervenções dos especialistasmuniciariam os grupos excluídos para a reivindicação depolíticas especiais e favoreceriam a emergência deprocessos de mediação que se contrapõem ao processode racialização de populações pelo registro biológico depureza racial. Entretanto, se tomamos um conjunto deproposições e recomendações12 para uma política desaúde direcionada à população negra, o que se destacanesses documentos é a associação de uma experiênciaespecífica de adoecimento pautada pela afirmação deuma singularidade biológica que atribui um caráter étnico-racial a um grupo de doenças, dentre as quais se encontraa anemia falciforme. No tocante à saúde, o MovimentoNegro critica o mito da brasilidade inclusiva por meio dadesconstrução étnico-cultural e a afirmação do caráter

7 MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001a;2001b; e DINIZ e GUEDES, 2003.

8 Antônio RAMALHO, Luis MAGNAe Roberto PAIVA-E-SILVA, 2003.

9 Fátima OLIVEIRA, 2002.

10 ANJOS, 2004.

11 ANJOS, 2004, p. 111.12 Pré-Conferência Cultura &Saúde da População Negra,Brasília, de 13 a 15 de setembrode 2000; Substitutivo ao Projeto deLei 3.198/2000 do deputadoPaulo Paim (PT/RS); Moção dosPesquisadores no VII Congressode Saúde Coletiva da ABRASCO,em 2003; OLIVEIRA, Fátima. Saúdeda população negra: Brasil ano2001. Brasília: OPAS, 2002; Secre-taria de Estado de DireitosHumanos. Plano Nacional deCombate ao Racismo e à Intole-rância. Carta do Rio; Relatório doSeminário Nacional de Saúde daPopulação Negra, Brasília, 18 a20 de agosto de 2004.

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multicultural.13 Nesse movimento que reivindica alegitimidade da medicina popular de matriz africana e ascontribuições das manifestações afro-brasileiras napromoção à saúde, tal crítica convive de maneira pacíficacom o essencialismo racial e a racialização das doenças.Como nota Fry, o Programa da Anemia Falciforme nãoapenas associa essa doença genética a um corpo negro.No Brasil ela tem “um efeito pragmático: o de contribuirpara a constituição da ‘raça negra’ como algo real enatural”.14

Tomando como ponto de partida os pressupostosbiológicos e epidemiológicos que sustentam as afirmaçõessobre o caráter racial da anemia falciforme, busquei criticarnesse artigo tais fundamentos, ressaltando as implicaçõeséticas da racialização da anemia falciforme e possíveisconseqüências aos cuidados em saúde.

Crít ica da racialização da anemiaCrít ica da racialização da anemiaCrít ica da racialização da anemiaCrít ica da racialização da anemiaCrít ica da racialização da anemiafalciformefalciformefalciformefalciformefalciforme

Do ponto de vista do conhecimento biomédicocontemporâneo, a anemia falciforme é uma doençahereditária monogênica causada pela mutação do geneda globina beta da hemoglobina, originando umahemoglobina anormal, a hemoglobina S (HbS), que substituia hemoglobina A (HbA) nos indivíduos afetados e modificaa estrutura físico-química da molécula da hemoglobina noestado desoxigenado. À medida que a porcentagem desaturação de oxigênio da hemoglobina diminui, essasmoléculas podem sofrer polimerização, com falcização dashemácias, ocasionando encurtamento da vida média dosglóbulos vermelhos, fenômenos de oclusão vascular,episódios de dor e lesão de órgãos. Em geral, os pais sãoportadores assintomáticos de um único gene afetado(heterozigotos), produzindo HbA e HbS (AS) e transmitem ogene alterado para a criança, que assim recebe o geneanormal em dose dupla (homozigoto SS), situação quecaracteriza a anemia falciforme. A heterozigose parahemoglobina S define uma situação relativamente comum,mas clinicamente benigna. Além disso, o gene da HbS podecombinar-se com outras anormalidades hereditárias dashemoglobinas, como hemoglobina C (HbC), hemoglobinaD (HbD) e beta-talassemia, entre outras, gerandocombinações que também são sintomáticas,denominadas, respectivamente, hemoglobinopatia SC,hemoblobinopatia SD e S/beta-talassemia. No conjunto,todas essas formas sintomáticas do gene da HbS, emhomozigose ou em combinação, são conhecidas comodoenças falciformes.15

15 MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001a;2001b.

13 Sérgio COSTA, 2002.

14 FRY, 2004, p. 127.

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NO FIO DA NAVALHA: ANEMIA FALCIFORME, RAÇA E AS IMPLICAÇÕES...

No campo da saúde pública, a ênfase na anemiafalciforme como doença étnico-racial apóia-se em trêsaspectos relacionados a essa patologia que caracterizariamuma maior suscetibilidade da população negra e parda:origem geográfica, etiologia genética e as estatísticas deprevalência.

A hipótese mais comum entre os geneticistas para odesenvolvimento do traço da anemia falciforme seria a deque se trata de um evento de seleção natural em sereshumanos cuja forma heterozigótica oferece proteçãoparcial à malária.16 Disso decorre que a anemia falciformepode ser encontrada primariamente naquelas populaçõescujos ancestrais são provenientes de regiões onde a maláriaapresenta ou apresentou um padrão endêmico – ÁfricaCentral e Ocidental, região mediterrânea (sul da Itália,Grécia, Turquia), Península Arábica e Índia. A pigmentaçãoda pele, a textura do cabelo e a forma dos lábios e donariz são determinadas por traços oligogênicos queemergiram como adaptações a forças seletivas, tais comoa radiação solar e o calor. Entretanto, a associação entrepigmentação da pele e alta transmissão de malária não ésignificativa para a ocorrência da anemia falciforme, comodemonstram os dados da Papua Nova Guiné, onde seushabitantes apresentam a cor da pele e as taxas deincidência de malária semelhantes às da África. Naquelaregião, a seleção de um gene deletério pela vantagemde sobrevivência para a malária resultou na maiorincidência de um traço genético para ovalocitosemelanésia, agravo distinto da anemia falciforme.17 Arelevância dada à pele negra e à origem africana, emdetrimento das demais cores de pele e áreas geográficas,é significativa porque, ao associar a anemia falciforme aum corpo negro específico, ela tanto reforça vínculos deidentidade com uma África ancestral, origem dos escravosque introduziram a doença no continente americano,quanto marca esse corpo com os estereótipos dedebilidade e defeito atribuídos a essa doença. Comoassinala Paul Brodwin,18 a associação entre genética eancestralidade anuncia uma conexão geracional de longoprazo que ratifica ou mesmo cria conexões sociais nopresente, dando um cunho científico às questõesrelacionadas ao campo cultural e político.

A racialização da anemia falciforme foi possível, deacordo com Melbourne Tapper,19 quando a ciência médicaabraçou a noção antropológica de diferença e deespecificidade racial, tendo a hereditariedade e a raçadesempenhado papéis importantes na classificação dasanemias. Essas anemias, por sua vez, serviram deparâmetros para a classificação de populações e raças,

19 TAPPER, 1999.

18 BRODWIN, 2002.

17 Louis MILLER, 1994.

16 Alan FIX, 2003.

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em que as diferentes taxas de uma dada anemia eramtidas como expressões inequívocas de especificidadesraciais. O que estava em questão não era a entidadeclínica, mas a identidade racial do indivíduo diagnosticadocom uma dada anemia, sua pureza racial, inseridas emum projeto colonialista justificado pelo discurso dominantede raça que identificava a anemia falciforme como umadoença dos negros e contribuía para associar abranquidade à noção de invulnerabilidade e saúde.

A classificação étnico-racial é construída com baseem diferenças reais ou atribuídas e reflete a interseção decondições históricas, fatores econômicos, políticos, legaise socioculturais específicos. A adequação do uso científicodas categorias raciais pode ser avaliada pela capacidadede replicabilidade dos resultados obtidos quando sãoutilizadas as categorias raciais, consolidando informaçõesconsistentes em diferentes contextos por meio de métodoscomparáveis. Para os propósitos da vigilância em saúdepública, a classificação étnico-racial deveria ser idênticaquando medida com diferentes instrumentos em períodossimilares de tempo.20 Todavia, o que se observa é que asclassificações étnico-raciais variam ao longo do tempodentro de um mesmo país, entre países ou de acordo como modo de atribuição, as características particulares dapopulação e do contexto urbano.21 A forma como sãoformuladas as perguntas sobre raça ou etnicidade (grupoétnico, origem étnica, ancestralidade) e as categoriasraciais utilizadas nos formulários também contribuem paraentendimentos distintos quanto à herança que sãoindependentes da cor da pele e da hemoglobinopatia.Essa variabilidade na classificação racial pode repercutirnas estatísticas de uma doença segundo o grupo étnico-racial. Vejamos, por exemplo, os critérios utilizados paraclassificação racial dos progenitores de crianças rastreadasem triagem neonatal para hemoglobinopatias no Brasil.22

Nesses estudos, os grupo étnicos foram definidos levandoem consideração a cor da pele e olhos, a textura do cabeloe o formato do nariz e lábios (espessura). Desse modo, umindivíduo que fosse considerado branco no Brasil poderiaser classificado como negro nos EUA, o que resultaria navariação tanto do numerador quanto do denominador doindicador e conseqüentemente das taxas estimadas paraa prevalência da doença nos negros. Podemos tambémsupor que a inclusão da categoria “mestiço” naclassificação racial norte-americana provocaria mudançasnas estatísticas da anemia falciforme daquele país.

Do ponto de vista da saúde pública e daepidemiologia, o uso da classificação étnico-racial érecomendado como uma medida substituta para a

21 Raj BHOPAL e Liam DONALDSON,1998; Edward TELLES, 2001; eMelissa NOBLES, 2000.

20 Robert HAHN e Donna STROUP,1994.

22 Liane DAUDT, DéboraZECHMAISTER, Liliana PORTAL,Eurico NETO, Lúcia SILLA e RobertoGIUGLIANI, 2002; e Maria ARAÚJO,Édvis SERAFIM, Wivel CASTROJUNIOR e Tereza MEDEIROS, 2004.

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NO FIO DA NAVALHA: ANEMIA FALCIFORME, RAÇA E AS IMPLICAÇÕES...

ancestralidade e, por conseguinte, para o risco da herançade traços genéticos mais prevalentes em determinadasáreas geográficas. Nos estudos genéticos, o uso daancestralidade auto-relatada reduz a proporção de falso-positivos quando há uma forte correlação entre o risco dadoença e a ancestralidade genética. Porém, dado queesses estudos buscam identificar loci de suscetibilidade compequenos efeitos utilizando um grande número departicipantes e testes de significância para análise dosdados, pequenas diferenças na ancestralidade entre casose controles podem produzir associações estatisticamentesignificativas incorretas.23 No Brasil, dado o alto grau demistura genética, Flávio Parra et al.24 ressaltam que aclassificação por cor da pele não é uma boa preditorapara a ancestralidade africana, pois pessoas classificadasem categorias distintas de cor compartilham a mesmaproporção de ancestralidade africana. No caso depopulações com miscigenação mais recente, por exemploa Grã-Bretanha, Peter Aspinall et al.25 assinalam que aadequação da classificação para identificação daspopulações sob risco de hemoglobinopatias depende dainclusão nas categorias raciais de todos os grupos étnicospassíveis de serem portadores dos traços genéticos. Porém,esses autores destacam a dificuldade na identificaçãoétnica, ressaltando que as perguntas dos questionários têmutilizado uma gama variada de termos e levam osrespondentes a interpretá-las de maneiras distintas. Asrevisões sistemáticas referentes ao uso das variáveis deidentificação étnico-racial nas pesquisas em saúde têmapontado a ausência tanto de definições conceituais eoperacionais de raça e etnicidade quanto de justificativaspara o seu uso que podem repercutir no modo como sãointerpretadas as associações e correlações entre doençae grupo étnico.26

Além disso, a etiologia e a variabilidade do quadroclínico, a interação entre fatores genéticos e ambientais nagravidade da doença e a correspondência entremarcadores genéticos e características fenotípicas colocamdúvidas quanto à relevância da raça na etiologia dashemoglobinopatias. A transmissão dos alelos susceptíveis nashemoglobinopatias apresenta um padrão de segregaçãopor parentesco conformando linhagens de risco e nãogenótipos raciais. No caso da anemia falciforme, ospacientes apresentam uma variabilidade clínica que podecursar com quadros de maior gravidade, outros maisbenignos e alguns quase assintomáticos.27 A variabilidadeclínica depende tanto de fatores ambientais, por exemploo nível sócio-econômico, o acesso à assistência médica ea prevenção de infecções, quanto de fatores adquiridos,

23 Noah ROSENBERG, JonathanPRITCHARD, James WEBER, HowardCANN, Kenneth KIDD e LevZHIVOTOVSKY, 2002.24 Flávio PARRA, Roberto AMADO,José LAMBERTUCCI, Jorge ROCHA,Carlos ANTUNES e Sérgio PENA,2003.

25 Peter ASPINALL, Simon DYSON eElizabeth ANIONWU, 2003.

26 Camara JONES, Thomas LaVEISTe Marsha LILLIE-BLANTON, 1991;David WILLIAMS, 1994; RafaelHERNÁNDEZ-ARIAS e CarlesMUNTANER, 2002; e RichardCOMSTOCK, Edward CASTILLO eSuzanne LINDSAY, 2004.

27 MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001a.

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como os níveis de hemoglobina fetal (HbF), a concomitânciade alfa-talassemia e os haplótipos associados ao gene daHbS. As anemias falciformes com níveis mais elevados deHbF associadas a talassemia ou com os haplótipos Senegal,Árabe-Indiano e Benin apresentam um curso mais benignoda doença.28 A combinação desses fatores genéticos noindivíduo está relacionada à ancestralidade e não guardauma vinculação com a ocorrência de traços fenotípicosassociados à raça negra. Os estudos de genéticapopulacional mostram que a variação humana não éconcordante, ou seja, alguns traços genéticos tendem avariar independentemente de outros traços.29 A ocorrênciada mutação no gene da hemoglobina, que dá origem àhemoglobina S da anemia falciforme, não está associada àpresença do gene (ou grupo de genes) que define umadeterminada cor da pele ou textura dos cabelos. Dessemodo, grandes diferenças no genótipo parahemoglobinopatias (genes da anemia falciforme, beta-talassemia e hemoglobinas C, D e E) correspondem adiferenças variadas, algumas vezes imperceptíveis, nostraços fenotípicos, ou seja, pessoas classificadas comobrancas, pardas e negras compartilham de um mesmodiagnóstico para a anemia falciforme. Além disso, asmudanças na freqüência de alelos nas populações queproduzem a diferenciação genética entre grupamentoshumanos devem-se à seleção natural, resultante da variaçãopopulacional entre genótipos individuais nas suasprobabilidades de sobrevivência e/ou reprodução, assimcomo à mutação, à deriva genética, à migração e acondicionantes socioculturais.30 Esses fatores interferem nofluxo gênico das populações e contribuem para apersistência de um traço ou doença genética emdeterminados grupos, sem que por isso se constituam emum atributo biológico de grupos étnico-raciais. Simon Dyson31

assinala que os profissionais de saúde, ao apoiarem suascondutas práticas em noções de raça como entidadebiológica fundamentada no senso comum (ingenuidadebiológica) ou mesmo na formalização de categorias étnicasconstruídas socialmente, tais como as classificações docenso (ingenuidade sociológica), terão dificuldades emcompreender as diversas dimensões do plano onde sedesenrola a doença, comprometendo, dessa maneira, aprovisão de um serviço apropriado.

Implicações da racialização no cuidado àImplicações da racialização no cuidado àImplicações da racialização no cuidado àImplicações da racialização no cuidado àImplicações da racialização no cuidado àsaúdesaúdesaúdesaúdesaúde

Robert Proctor32 assinala que as discussões sobreraça, genética e doença têm lugar em um espaço político

32 PROCTOR, 1992.

31 DYSON, 1998.

30 Luigi CAVALLI-SFORZA e MarcusFELDMAN, 2003.

29 Allan GOODMAN, 2000.

28 Allison ASHLEY-KOCH, Qu YANGe Richard OLNEY, 2000.

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NO FIO DA NAVALHA: ANEMIA FALCIFORME, RAÇA E AS IMPLICAÇÕES...

onde as questões de poder, ética, cidadania e identidadese entrelaçam conformando práticas discursivascontraditórias e onde indivíduos e profissionais de saúde, apartir dos conhecimentos disponíveis, estão envolvidos naconstrução e negociação de sentidos e significados. Esseautor reitera que o uso de argumentos biológicos paraexplicar problemas sociais intratáveis tem sido umaestratégia comum e conveniente no campo científico e,na sua opinião, o estudo das diferenças humanas nãoconstitui um empreendimento inerentemente maléfico.Todavia, o fator de preocupação estaria nas explicaçõesgenéticas que apontam para uma certa continuidade entregenômica e eugenia33 no que diz respeito a uma fortetendência ao determinismo biológico correlacionado auma visão reducionista da genética, segundo a qual odestino dos indivíduos é definido pelos seus genes. Isso levaa uma ênfase maior nos ‘defeitos’ individuais do que nasalterações produzidas no/pelo meio ambiente e, por suavez, ao fortalecimento de uma concepção errônea de quea natureza (nature) é mais importante que o ambiente(nurture) no desencadeamento de certas doenças.Algumas das metáforas utilizadas na genética como mapase códigos, através de catacreses, reforçam a idéia de quebasta conhecer a localização dos genes para interpretá-los e compreender o seu significado, sem se levar em contao contexto e a influência dos fatores ambientais.34

No contexto da saúde ambiental, no que se refereàs questões da exposição, toxicidade e suscetibilidade dosgrupos populacionais, os desdobramentos das pesquisasgenéticas podem produzir mudanças na avaliação eregulamentação do risco com sérias conseqüências paraas populações minoritárias.35 A mais citada é o uso dainformação genética por empresas ou seguradoras paranegar emprego ou cobertura de saúde sob a alegaçãoda presença de causas preexistentes ou maiorsuscetibilidade à doença (por exemplo leucopenia emtrabalhadores negros), tomando por base os resultados detestes genéticos positivos ou achados de estudos queapontam que um determinado grupo étnico possui maiorfreqüência de um determinado alelo. A presença deexposições ambientais específicas poderia levar osempregadores a utilizar a raça como medida substituta parauma suscetibilidade aumentada e a exclusão de membrosde grupos étnicos para determinados postos de trabalhosob alegação de que estariam protegendo-os de umadada exposição.

Na anemia falciforme, os efeitos de umadiscriminação genética podem se manifestar na indistinçãoentre o status de portador e o status de homozigoto; na

33 Eugenia: expressão cunhadapelo cientista inglês FrancisGalton para abarcar os usossociais que o conhecimento dahereditariedade poderia proverpara alcançar uma melhorprocriação, melhoria da raçahumana ou preservação dapureza de determinados grupos.Nancy STEPAN (2005) assinala quea eugenia buscou o gerencia-mento científico e racional daconstituição hereditária daespécie humana sustentada emidéias e políticas inovadorasacerca do controle social dosindivíduos considerados biologi-camente inaptos, incluindo aesterilização cirúrgica involuntá-ria e o racismo genético. Vertambém Daniel J. KEVLES (1995)e STEPAN (2004).34 Maria DAVO e Carlos ALVAREZ-DARDET, 2003.35 Julie SZE e Swati PRAKASH, 2004.

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compreensão errônea da variabilidade clínica da doença,da severidade ou de sua relevância para o desempenhode determinadas atividades laborais; no duplo padrão dediscriminação com relação ao teste (discriminado setestado, discriminado se não é testado) e na sobreposiçãode discriminações pela associação entre doença e gruposétnicos. Medidas discriminatórias, tais como a suspensãona concessão de benefícios pelas empresas ou nacontratação de mão-de-obra, e um desinteresse peloslegisladores na aprovação de medidas mais fortes deprevenção da exposição ambiental ou de proteção doconsumidor são o resultado da genetização da saúde.

Por seu turno, a racialização das doenças naspesquisas sobre as diferenças raciais em saúde gera umapercepção, por alguns segmentos da população, de quea saúde dos grupos étnico-raciais é ‘ruim’, reforçando acrença de que eles são uma carga aos serviços de saúde,ignorando a qualidade dos serviços e alimentandopreconceito racial por meio de pesquisas que retratamesses grupos como inferiores.36 Nessas pesquisas, a limitaçãodos fatores de risco às características individuais ou de umdado grupo fortalece o pressuposto de que as condiçõesde saúde dos grupos étnico-raciais são de inteiraresponsabilidade dos seus membros, culpando suas vítimas,minimizando o papel do Estado na perpetuação dascondições sócio-econômicas e ambientais desfavoráveisa que estão submetidos esses grupos e estigmatizando seusmembros por sua suposta predisposição a determinadosagravos. A estigmatização enfrentada pelas pessoas comdoenças genéticas, uma conseqüência da dificuldade dasociedade em acomodar aqueles que são de algum mododiferentes, torna-se ainda mais grave quando acrescidada discriminação racial. A associação entre condiçãogenética e raça pode reforçar idéias de que determinadosgrupos étnicos são desviantes e vulneráveis, portanto sujeitosa um controle mais estrito pelas autoridades sanitárias. Soba justificativa da prevenção e da melhoria das condiçõeshumanas, essas ações governamentais podem seassemelhar a projetos eugênicos.

Um aspecto ético relevante da associação entreraça e genética é a adoção de perfis ou estereótipos raciais(racial profiling/estereotyping) na prática de saúde, quepodem influenciar as decisões tomadas pelos profissionaisacerca do diagnóstico e tratamento dos pacientes e,conseqüentemente, com efeitos negativos na qualidadeda atenção e na evolução clínica desses pacientes. O viésracial (racial bias) faz com que o profissional de saúdejulgue o paciente com base na percepção de que esseindivíduo pertence a uma única categoria humana (raça

36 BHOPAL, 1998.

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ou etnicidade), ignorando outros atributos ou categoriasde pertença. O viés racial pode levar a duas formas dediscriminação estatística que influenciam na probabilidadediagnóstica subjacente – a assunção de que o pacienteapresenta uma dada doença (hipótese da prevalência)ou maior ocorrência de erros na leitura dos sinaisdiagnósticos de membros de minorias étnico-raciais.Michelle Ryn e Jane Burke37 mostraram como a percepçãodos médicos acerca dos seus pacientes com doençaarteriocoronariana era influenciada pelas característicassociodemográficas desses pacientes, sendo os pacientesnegros e de mais baixa renda vistos de maneira maisnegativa do que os pacientes brancos e de estratos sociaismais elevados. Nesse estudo, os médicos relataram os maisbaixos sentimentos de afiliação com os pacientes negros,associando-os a uma maior probabilidade de serem nãoaderentes à reabilitação cardíaca, ao abuso desubstâncias e à precariedade quanto ao apoio social, alémde serem percebidos como menos inteligentes que ospacientes brancos, mesmo quando o sexo, a idade, arenda e a educação eram controlados na análise. Essascrenças implicavam uma avaliação diferenciada segundoa raça para revascularização, independentemente daadequação clínica desse procedimento e dascaracterísticas demográficas do paciente. Na saúdemental, Lonnie Snowden38 destaca duas conseqüências doviés racial – a sobrepatologização, na qual o compor-tamento pouco familiar aos médicos de indivíduospertencentes a minorias é interpretado como umamanifestação de doença, e a minimização, quando osprofissionais ignoram manifestações genuínas de doençamental, compreendendo-as como especificidadesculturais.

Embora descrito mais freqüentemente no âmbitoindividual, o viés racial pode ocorrer também no nívelcoletivo quando pressupostos infundados tornam-secrenças normativas compartilhadas por membros de redesde profissionais e organizações ou quando as autoridadese membros da comunidade preconizam normas decomportamento aceitável segundo os padrões de gruposétnico-raciais majoritários. Dentre as causas apontadaspara a ocorrência de vieses e estereotipias raciais está oerro de aplicação,39 ou seja, a incorporação e atribuição,pelos provedores e profissionais de saúde, a cada indivíduodo grupo das probabilidades estimadas para o grupo nosestudos epidemiológicos, levando a uma associaçãoetiológica e estigmatização genética de grupos étnico-raciais específicos – por exemplo judeus asquenazis ecâncer de mama; negros e anemia falciforme. As

37 RYN e BURKE, 2000.

38 Lonnie SNOWDEN, 2003.

39 Jack GEIGER, 2001.

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estatísticas populacionais, consistentes com os viesesdominantes de especificidades biológicas das raças,acabam por fortalecer e manter intocadas essasassociações mesmo diante das críticas que ressaltam quea única essência irredutível da natureza é a variação eque as medidas estatísticas são meras abstrações darealidade.

A designação racial no contexto do manejo clínico,de acordo com Robert Schwartz,40 não apenas contradiz oque aprendemos da biologia, da genética e da história,mas também abre as portas para iniqüidades no cuidadoà saúde. O autor questiona a concepção biológica deraça na criação de drogas direcionadas a grupos étnico-raciais específicos, levantando dúvidas sobre acapacidade de como um médico saber se dado paciente,que pode se identificar como pertencente a mais de umgrupo étnico-racial, tem ou não a combinação de alelosque garantirá a eficácia de uma determinada droga.Michael Root41 sublinha que, se um médico deseja ser justocom seu paciente, ele não deve tratá-lo comorepresentante de um grupo racial, uma vez que a raçapode mascarar outras variáveis de nível populacional queestão relacionadas a exposições relevantes à saúde. Alémdisso, é improvável que os genes responsáveis peladeterminação de certas características físicas possam serlogicamente vinculados à complexidade de doenças deetiologia multifatorial ou a efeitos terapêuticos de drogas.

Estereótipos étnicos ou raciais pejorativos,incapacidade em responder à diversidade, julgamentosnegativos e atitudes racistas são fatores que afetam aautonomia e a escolha individual dos pacientes oriundosde grupos étnicos minoritários que buscam os serviços desaúde, em especial os serviços de aconselhamentogenético. Esses fatores comprometem a comunicaçãoefetiva entre paciente e profissional de saúde e,conseqüentemente, a satisfação, adesão, confiança,utilização dos serviços e o resultado final da ação em saúde.A baixa qualidade do cuidado, a informação inadequada,a insensibilidade às preocupações, interesses eperspectivas individuais contribuem, desse modo, para amanutenção e ampliação das iniqüidades étnico-raciaisno cuidado em saúde. Vários autores42 ressaltam que falhasna comunicação durante a troca de informações entreprofissionais e pacientes são mais prováveis de ocorrerquando há diferenças de poder entre esses dois grupos,agravando-se quando elas refletem relações históricas deexploração e subordinação.

As implicações no cuidado à saúde dos gruposétnico-raciais pela atribuição de estereótipos negativos a

40 SCHWARTZ, 2001.

41 ROOT, 2002.

42 Patricia KING, 1992; Karl ATKIN,2003; e Michelle RYN e Steven FU,2003.

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determinados segmentos da população, sua correlaçãocom categorias de risco e a construção de vulnerabilidadestêm na AIDS um campo prolífico e exemplar para que sereflita sobre as inflexões morais e políticas que permeiam odiscurso científico sobre as relações entre raça e saúde.Tanto no discurso moral quanto no discurso médico, a‘culpa’ pela AIDS foi atribuída a estilos de vidacaracterizados pela hiperatividade sexual e à sua noçãomoral correlata – a promiscuidade. As categorias adotadaspela ciência para identificar os grupos de riscorelacionavam prostitutas, homossexuais e africanos,refletindo no discurso epidemiológico expressões sociaisde sexofobia, homofobia e xenofobia que correspondiama diferentes facetas da mesma repugnância – arepugnância pelos pobres, pelos diferentes.43 A proibiçãoda doação de sangue por homossexuais, regulamentadapela Portaria nº 1.376/93 do Ministério da Saúde brasileiro,é um reflexo dessa estratégia de identificação dos perigosossociais e ilustra a prática da discriminação e da estereotipianegativa nas instituições de saúde. Ao assumir que todosos homossexuais tinham práticas sexuais que resultariamem maior risco para a transmissão do HIV/AIDS,desconhecendo que as práticas de risco não estãovinculadas à orientação sexual como demonstram asestatísticas oficiais, o Ministério da Saúde perpetuava oestereótipo do homossexual promíscuo e irresponsável, umaameaça à saúde pública e objeto de medidas restritivastradicionais e conservadoras da Saúde Pública que feremos princípios contemporâneos dos Direitos Humanos.

A atribuição de um caráter étnico-racial adeterminadas doenças genéticas retoma uma tradiçãomédica que enfatiza a qualidade hereditária dasuscetibilidade a esses agravos pelo reconhecimento deque certas doenças são seletivas quanto aos seus alvos. Aepidemiologia dos fatores de risco, em conjunto commodernas técnicas da bioestatística e de desenhos deestudo, ao tornar-se o locus de um saber hegemônicorelativo à causalidade das doenças, oferece um potencialsignificativo para a categorização moral de um amploespectro de comportamentos e fenômenos sociais. Aoassociá-los às questões ligadas à sexualidade e àreprodução de grupos étnico-raciais, essa epidemiologiadá-lhes maior valência moral vinculando-os a associaçõeshistóricas de vulnerabilidade, ócio e devassidão moral. Asmarcas da sua suscetibilidade não estão limitadas apenasà superfície dos seus corpos e a cor da pele, formato doslábios ou textura do cabelo, mas também impressas nospadrões de alterações genéticas do DNA.

43 Geneviéve PAICHELER, 1992.

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ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Embora já se tenha um conhecimento razoável sobrea magnitude das diferenças étnico-raciais na saúde, aindaestamos pouco cientes das dinâmicas causais quedeterminam a distribuição diferencial dos problemas desaúde, pré-requisito para o desenvolvimento edirecionamento de programas e serviços efetivos pararedução das iniqüidades. A correlação pouco crítica entredoença e raça tomada como ente natural nas explicaçõessobre as iniqüidades em saúde pode limitar a prevençãoprimária e perpetuar idéias que de modo simplista einadequado atribuem à raça o que é devido, na realidade,a fatores sócio-econômicos e ambientais. O benefício dasações em saúde para os grupos étnico-raciais e para ospobres depende de um entendimento, pelos programasde saúde, do conceito e do significado das diferençashumanas e como essas diferenças interagem criticamentena apropriação das informações sobre saúde e doençadiante de normas e valores que se distanciam dosestereótipos tradicionais.

O predomínio de uma visão reducionista acerca dopapel dos fenômenos sociais na origem e manutenção decondições desiguais de saúde decorre, em grande medida,de uma abordagem metodológica hegemônica nasciências da saúde que trata os fatores sociais comoexposições, que considera o indivíduo como um agenteque cria o seu próprio status de saúde e que vê o racismocomo uma propriedade psicológica dos indivíduos e nãouma correlação de saberes e poderes que estruturam ossistemas sociais e promovem benefícios econômicos epolíticos para os grupos dominantes. Esses aspectosinfluenciam a maneira como os pesquisadores pensam suashipóteses, a coleta e o manejo dos dados e a elaboraçãode argumentos científicos para corroborar os seus achados.Por essa razão, faz-se necessária uma crítica dos marcosteóricos subjacentes aos modelos explicativos daassociação entre raça e doenças, de modo a construiruma concepção de processo saúde-doença quereconheça os caminhos nos quais as ideologias de raça,de classe e de gênero estão, inevitavelmente, incorporadasàs teorias científicas.

Essa crítica deve levar em conta as transformaçõesna moderna economia representacional que reproduzema raça e que são afetadas, segundo Gabriel Gudding44 ePaul Gilroy,45 por um lado, pelas mudanças tecnológicas ecientíficas que se seguiram à revolução na biologiamolecular e, por outro lado, pelas mudanças nas formasde escrutínio dos corpos, nos modos como são feitas as

44 GUDDING, 1996.45 GILROY, 1998.

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suas assinaturas visuais. Essas mudanças provocaram umaprofunda inflexão perceptual do corpo, em que acompreensão dos cromossomos e da genética ganha umaprecedência sobre o corpo e o gen é dotado de identidade(testes para o cromossomo XX, impressão do DNA), demoralidade (egoísta, altruísta, frugal) e de intenção(perpetuação da herança gênica). Para Gilroy,46 essasmudanças demandariam dos pesquisadores aidentificação e exploração de tecnologias políticas queatuam nas relações que mantemos com a nossahumanidade e nossa espécie e o confronto constante como modo como sensorialmente percebemos as raças,possibilitando desenvolver um imaginário racial maisdistante da autoridade da razão e mais sintonizado com afenomenologia do visual.

No caso brasileiro, isso implica a avaliação dospressupostos subjacentes às propostas de políticas de saúdepara a população negra e como eles se relacionam àsespecificidades históricas e sociais da construção da raçano nosso país, às características particulares daclassificação racial e da percepção da discriminaçãoracial, às resultantes éticas das propostas políticas e aosprincípios de universalidade, integralidade e eqüidade queorientam as ações do Sistema Único de Saúde. No quetange ao PAF, o controle da reprodução por meio daracionalidade médica e das metas epidemiológicas deredução da prevalência da anemia falciforme choca-secom os ditames da autonomia reprodutiva e demanda umaação crítica com respeito às implicações éticas e políticassubjacentes às ações desse programa.

A maneira como operacionalizamos as respostas àquestão racial na saúde pode nos levar a dois caminhosdistintos – desnaturalizar a raça, tratá-la como umaadscrição social que molda as oportunidades de indivíduose grupos, direcionando os nossos esforços para aeliminação do racismo e das iniqüidades raciais na saúde,ou naturalizar a raça, tomando a realidade da doençacomo reflexo unilateral da estrutura biológica/genética,perpetuando, nas palavras de Gilroy,47 a assinatura maisperniciosa da modernidade.

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46 GILROY, 1998.

47 GILROY, 1998.

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JOSUÉ LAGUARDIA

262 Estudos Feministas, Florianópolis, 14(1): 243-262, janeiro-abril/2006

[Recebido em agosto de 2005 e aceito para publicação em março de 2006]

On The ROn The ROn The ROn The ROn The Razorazorazorazorazor’s Edge: Sickle Cell Anemia, R’s Edge: Sickle Cell Anemia, R’s Edge: Sickle Cell Anemia, R’s Edge: Sickle Cell Anemia, R’s Edge: Sickle Cell Anemia, Race and The Implications in Health Careace and The Implications in Health Careace and The Implications in Health Careace and The Implications in Health Careace and The Implications in Health CareAbstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: The political propositions in health for the black population have a recent history in theBrazilian political setting, with a special highlight to the National Program on Sickle Cell Anemia.This program is an output of political actions launched by the black movement on behalf of therecognition of sickle cell anemia as prevalent disease among Brazilian black population.Discourses on the sickle cell anemia have been built in the core of that political action, stressing,based in biological and epidemiological assumptions, the racial character of this disease. Theobjective of this article is to criticize those assumptions, emphasizing the ethical implications ofdisease racialization.Key WKey WKey WKey WKey Words:ords:ords:ords:ords: sickle cell anemia, racialization, ethics, health care.