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A reflexão sobre o papel da escola pública no Brasil tem muito a ga- nhar se situada no âmbito dos estudos sobre o processo de afir- mação das instituições derivadas da Constituição de 1988, tornando possível o seu diálogo com estudos sobre os desafios inerentes à demo- cratização de outros campos institucionais, como os da polícia e das instituições do Direito. De modo mais específico, este artigo parte da premissa de que o princi- pal desafio colocado para a escola pública brasileira é o de redefinir os termos da sua relação com o meio popular, de onde vem a maior parte de seu público: do padrão assimétrico e frequentemente paternalista que tradicionalmente a caracteriza, ela está obrigada a construir um padrão igualitário e equitativo. Ou seja, um padrão capaz de interpelar tanto a desigualdade social que caracteriza a estrutura social brasilei- ra, quanto a diversidade presente no próprio meio popular. Da nossa perspectiva, a realização dessa transição institucional condi- ciona a plena realização da missão que o projeto constitucional atri- buiu à escola, de ensinar e educar para a vida em sociedade; de contri- buir para a formação cidadã; e de proporcionar o ingresso em um mer- cado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo. Missão esta que, afinal, situa a escola como uma das principais referências institu- cionais em uma sociedade com um passado autoritário, e que pretende 1015 Revista Dados – 2012 – Vol. 55 n o 4 1ª Revisão: 23.12.2012 DADOS – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, vol. 55, n o 4, 2012, pp. 1015 a 1054. Escola Pública e Segmentos Populares em um Contexto de Construção Institucional da Democracia Marcelo Baumann Burgos Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected].

Escola Pública e Segmentos Populares em um Contexto … · forjar indivíduos livres, autônomos e integrados em uma comunidade fraterna1. Pensara escola pública à luz doprocessodeafirmaçãodas

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A reflexão sobre o papel da escola pública no Brasil tem muito a ga-nhar se situada no âmbito dos estudos sobre o processo de afir-

mação das instituições derivadas da Constituição de 1988, tornandopossível o seu diálogo com estudos sobre os desafios inerentes à demo-cratização de outros campos institucionais, como os da polícia e dasinstituições do Direito.

De modo mais específico, este artigo parte da premissa de que o princi-pal desafio colocado para a escola pública brasileira é o de redefinir ostermos da sua relação com o meio popular, de onde vem a maior partede seu público: do padrão assimétrico e frequentemente paternalistaque tradicionalmente a caracteriza, ela está obrigada a construir umpadrão igualitário e equitativo. Ou seja, um padrão capaz de interpelartanto a desigualdade social que caracteriza a estrutura social brasilei-ra, quanto a diversidade presente no próprio meio popular.

Da nossa perspectiva, a realização dessa transição institucional condi-ciona a plena realização da missão que o projeto constitucional atri-buiu à escola, de ensinar e educar para a vida em sociedade; de contri-buir para a formação cidadã; e de proporcionar o ingresso em um mer-cado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo. Missão estaque, afinal, situa a escola como uma das principais referências institu-cionais em uma sociedade com um passado autoritário, e que pretende

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Escola Pública e Segmentos Populares em umContexto de Construção Institucional daDemocracia

Marcelo Baumann BurgosProfessor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected].

forjar indivíduos livres, autônomos e integrados em uma comunidadefraterna1.

Pensar a escola pública à luz do processo de afirmação das instituiçõesde 1988 coloca no horizonte uma agenda de pesquisas empíricas queenvolve, sobretudo, a sua relação com o que temos chamado de “mun-do do aluno”, que vai além da sua família, incluindo também suas ou-tras esferas de sociabilidade, especialmente as de vizinhança.

Foi a partir desse entendimento que concebemos e realizamos um sur-vey com pais (responsáveis pedagógicos) de alunos de escolas públicasque atendem basicamente a crianças/adolescentes moradores de fave-las2. Neste artigo apresentamos os principais resultados alcançadospor essa pesquisa.

A ESCOLA E O “MUNDO DO ALUNO”

O estudo da relação da escola com o “mundo do aluno” mostra-se es-pecialmente relevante quando se considera que, na cena contemporâ-nea, a presença da escola na vida popular de sociedades muito desi-guais e com longa exposição a regimes autoritários, como são as lati-no-americanas, assume um certo protagonismo na formação de suasculturas de democracia.

A universalização do acesso ao ensino fundamental, que vem ocorren-do em países da América Latina, sobretudo a partir dos anos 1990, e achegada maciça de jovens periféricos ao ensino médio na Europa e nosEstados Unidos, levou a uma convergência da bibliografia internacio-nal em torno dos problemas da massificação da educação escolar. Masos próprios efeitos desse processo de massificação, que fizeram a for-tuna crítica da chamada sociologia da reprodução, tão associada amarcos teóricos de autores como Bernstein e Bourdieu, levaram à im-plosão desse paradigma3. A complexa combinação entre desigualdadesocial e diversidade cultural que passa a desafiar a estrutura escolarvai, pouco a pouco, deslocando a premissa lógica da reprodução, queafinal pressupunha uma escola capaz de legitimar a ideologia do méri-to, sublimando a violência simbólica cometida contra as classes popu-lares4. Contra os efeitos da massificação surge uma demanda crescentepelo reconhecimento da diversidade e da individualidade (Touraine,2003). A violência simbólica, que pressupunha que a escola “engendrahabitus capazes de predizer práticas de acordo com a cultura legítima”

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(Dubet e Martuccelli, 1996:318) dá lugar ao tema da indiferença escolare à violência na escola5.

A reação teórica a esse desafio à escola tem sido o gradual desloca-mento – mais do que a crítica radical – da visão sistêmica proposta pelasociologia da reprodução, em favor de uma perspectiva interacionis-ta que compreende a escola como parte de configurações mais comple-xas de construção de sentidos para o projeto educacional (Dubet eMartuccelli, 1996). O curioso é que essa redefinição dos marcos da so-ciologia da educação vai se comunicar com o campo da gestão escolar,abrindo caminho para uma inédita valorização do poder da escola,vale dizer, do poder de cada escola para realizar de modo mais ou me-nos eficiente sua missão institucional. Forma-se, assim, uma espéciede “otimismo pedagógico”, que acaba por atrair para a escola pesadasdemandas que não apenas aumentam sua responsabilidade sobre aeducação para um mercado de trabalho extremamente competitivo,mas também depositam na escola uma parte da responsabilidade pelaformação para a cidadania.

Com isso, especialmente a partir dos anos de 1990, ganha crescente im-portância o debate sobre políticas públicas em educação, estimulandoa produção de pesquisas e de instrumentos de avaliação sobre o “efeitoescola”, “efeito classe”, “efeito professor” etc. De outra parte, tambémganha renovada importância a discussão sobre diferentes aspectos darelação da escola com o “mundo do aluno”. O tema do efeito do lugar so-bre a escola, por exemplo, atrai a atenção de estudiosos da educação eda cidade6. Por seu turno, a discussão sobre a relação entre a escola e afamília ganha centralidade na sociologia da educação7. Em linhas ge-rais, reconhece-se que a segregação urbana – articulada ou não com va-riáveis relacionadas ao multiculturalismo – pode ter importante im-pacto sobre a atividade escolar, ao mesmo tempo em que se valoriza arelação com a família popular como uma importante fronteira para aqualificação da performance escolar8. Desse esforço vem se constituin-do um conjunto novo de questões que tanto dialogam com aspectos ca-ros ao debate sobre a gestão escolar, quanto com o debate sobre a cida-dania e a integração dos espaços populares.

Nosso entendimento é o de que mobilizar essa linha de investigaçãopara o estudo da escola em um país como o Brasil implica considerarque a sua relação com o mundo do aluno coloca face a face indivíduosque dramatizam posições marcadas por uma distância social que é tan-

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to fruto da desigualdade social quanto de configurações específicas desua ecologia urbana9. O fato é que essa relação tem, de um lado, profes-sores e gestores escolares representando o Estado e a cultura oficial e,de outro, estudantes e famílias pobres, em geral moradores de territó-rios que sofrem alguma forma de segregação urbana, e que personifi-cam uma cultura popular que não é valorizada pela escola.

O ponto fica mais evidente quando se compara o universo escolar como do Direito e suas instituições. Neste caso, apesar da histórica assime-tria presente na relação entre o Judiciário e o meio popular, o respeitoaos procedimentos impõe, ainda que formalmente, uma condição deigualdade. E o Brasil tem feito avanços importantes com a criação demecanismos processuais que asseguram mais equidade na relação domeio popular com o Judiciário, do que são exemplos instituições comoos juizados especiais, que permitiram ao pequeno litigante acesso àjustiça, e a radical ampliação da assistência jurídica gratuita por meioda Defensoria Pública (Vianna et alii, 2009).

No caso da escola, a situação se mostra mais complexa, pois os procedi-mentos têm que ser adequados às exigências de equidade, as quais es-tão relacionadas a configurações sempre específicas de articulação en-tre desigualdade e diversidade. Disso se segue não apenas a necessida-de de autonomia escolar – sempre difícil de ser sustentada (Neubauer eSilveira, 2009), mas também a necessidade de construção de arranjoslocais que dependem muito da constelação de atores ali existentes.Como se vê, não é por acaso que a concepção sistêmica da sociologia daeducação cede lugar a uma abordagem interacionista. Afinal, para co-nhecer o que a escola fabrica, afirmam Dubet e Martuccelli(1996:66-67), “é necessário se voltar para a experiência dos indivíduos,buscar compreender como eles entendem, compõem e articulam as di-versas dimensões do sistema com as quais constroem suas experiên-cias e se constituem eles mesmos”10.

A questão escolar se torna ainda mais relevante para o estudo da cons-trução institucional da democracia quando se considera que a escolavem assumindo crescente protagonismo na vida popular. Para algunscontextos populares, não há exagero em afirmar que a escola é a únicaagência pública a ter uma relação abrangente e duradoura com as suasfamílias (Ribeiro e Katzman, 2008). Não raro, ela chega a famílias quenem mesmo as políticas sociais focalizadas nos segmentos mais pobresconseguem alcançar. Na pesquisa apresentada neste artigo, teremos

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oportunidade de verificar que famílias muito vulneráveis alcançadaspelas escolas estudadas sequer fazem parte do Bolsa Família. Talvez,somente a polícia consiga chegar de modo tão universal quanto a esco-la ao mundo popular, mas quase nunca para garantir a sua segurança,e, sim, para lembrá-lo que o Estado pode significar coisas muito dife-rentes, dependendo da posição social que se ocupe, e do lugar em quese more.

É nesse quadro mais geral que surgiu a pesquisa cujos resultados apre-sentamos neste artigo. Muitas pesquisas realizadas no Brasil têm ex-plorado a relação da escola com os alunos e famílias do mundo popu-lar; menos frequente tem sido o movimento inverso, sobre como famí-lias e vizinhanças têm lidado com a escola. Uma referência importantede esforço nesta segunda direção é o trabalho realizado por Maria Lí-gia Barbosa e Maria Josefina Sant’Anna (2010). Após definirem o índi-ce de “valor da educação”, as autoras constatam que os pais do mundopopular, e especialmente as mães mais vulneráveis, conferem elevadovalor à educação11. Mas as escolas, afirmam as autoras, “parecem inca-pazes de valorizar esse capital social que é o valor atribuído à educa-ção” (ibidem:174).

Embora convirjam com o achado empírico de Barbosa e Sant’Anna, rei-terando a constatação de que as famílias populares conferem elevadovalor à educação, os estudos realizados por Patricia Novaes (2010) epor Zaia Brandão, Maria Luiza Canedo e Alice Xavier (2012) trazem as-pectos que permitem matizar o debate. Partindo de um estudo qualita-tivo com seis famílias moradoras de favelas, três das quais com filhosestudando em uma escola de baixo desempenho localizada dentro dafavela, e três em uma escola com bom desempenho fora da favela, No-vaes chama a atenção para o fato de que, embora a valorização da edu-cação esteja presente nos seis casos, a sua tradução em práticas mais oumenos favoráveis à escolarização de seus filhos depende muito do tipode relação estabelecida entre a escola e a família. Assim, para a autora,se é verdade que a escolha de uma escola mais distante da casa, mascom melhor desempenho já seria reveladora de um melhor capital so-cial da família, incluindo melhores condições para arcar com eventuaiscustos decorrentes do deslocamento do aluno, também é verdade queessa predisposição familiar somente se traduz em mais capacidadepara atuar na escolarização quando ativada pela escola. Com isso, aprópria escola se transforma em um ativo da família, diferenciando a

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atuação na escolarização entre famílias que, no entanto, têm igualadesão ao valor educação.

A ênfase na necessidade de se levar em conta o “efeito escola” para sepensar a tradução da adesão ao valor da educação escolar em uma atu-ação mais efetiva da família na escolarização também aparece no estu-do de Brandão, Canedo e Xavier. Com base em questionário aplicadoem mais de mil responsáveis por alunos de quatro escolas públicas debom desempenho e quatro escolas privadas de elite, as autoras encon-tram uma grande convergência no padrão de resposta de ambos osgrupos, o que as leva a sugerir que estaria em curso um processo de di-ferenciação na rede pública ordinária, que decorreria de uma combina-ção de fatores envolvendo a postura da família e a postura da escola.No contexto das escolas públicas estudadas, afirmam as autoras, “nãoencontramos indícios de culpabilização das famílias, mas um compro-metimento consciente da ação da escola na construção e manutençãodo habitus escolar” (Brandão, Canedo e Xavier, 2012:26).

A pesquisa que apresentamos neste artigo pretende contribuir para oaprofundamento deste debate, tomando como referência um questio-nário com 133 questões, com perguntas fechadas12. Além da bateria dedados pessoais, o questionário pretendeu contemplar dois núcleoscentrais de questões: 1) aferir o grau de compromisso dos pais/respon-sáveis com a escola; e 2) identificar os diferentes padrões de expectati-vas em relação à escolarização do estudante.

Esses dois núcleos deram lugar aos seguintes eixos de indagações:

– relação do entrevistado com sua própria escola e trajetória escolar;

– relação com a escola do estudante;

– percepção sobre a relação do estudante com a escola;

– percepção sobre a escola do estudante; e

– percepção do efeito da vizinhança sobre a escola.

Com base nessa pesquisa será possível colocar sob novos termos o pro-blema da relação da escola com a família popular, chamando a atençãopara o fato de que a adesão à escola por parte dessas famílias é um trun-fo fundamental para a afirmação institucional da escola. Mas, por ou-tro lado, estamos diante de um processo que traz consigo um potencialde conflito, decorrente da própria valorização crescente da escola por

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parte do mundo popular. Afinal, quanto mais valorizam a escola, maisas famílias populares tendem a assumir uma leitura crítica da mesma.

A PESQUISA

O survey foi realizado com 323 pais/responsáveis pedagógicos poralunos de seis escolas públicas localizadas no bairro da Gávea13. Situa-do na Zona Sul do Rio de Janeiro, o bairro é habitado por uma popula-ção de classe média/alta, e suas crianças e adolescentes não frequen-tam essas escolas, que foram quase inteiramente colonizadas pelosmoradores das favelas do entorno. De fato, nada menos que 90% deseus estudantes moram nas favelas situadas nas margens do bairro, so-bretudo na Rocinha (85%), que é uma das maiores favelas brasileiras.Trata-se, portanto, de uma situação ecológica bastante peculiar, de es-colas localizadas em um bairro de classe média/alta que atendem basi-camente moradores de favelas. Nossa premissa, no entanto, é a de que,ao menos em seus aspectos mais importantes, os dados produzidospela pesquisa têm um alcance válido não apenas para dar conta de es-colas públicas expostas ao mesmo tipo de situação ecológica – no casodo Rio de Janeiro, isto corresponde a boa parte das escolas localizadasem pelo menos três de suas regiões: Zona Sul, Centro e Zona Norte. Istovale também para outras situações ecológicas nas quais as escolas li-dem basicamente com alunos moradores de favelas e periferias.

O Perfil do Entrevistado

Os responsáveis pedagógicos entrevistados são basicamente mães(70,3%) e pais (22,3%), e 82,3% têm entre 31 e 50 anos. Quanto ao graude instrução, 38,7% deles têm o 1o segmento completo e 20,4% têm o en-sino médio completo (apenas 0,3% têm o superior completo).

Quanto ao tipo de ocupação, no conjunto dos responsáveis pedagógi-cos entrevistados, quase 60% são domésticas, do lar e auxiliares de ser-viços gerais (ver Gráfico 1). Mulheres com esse perfil são, portanto, asmais frequentes interlocutoras das escolas pesquisadas. Quanto à ocu-pação dos homens entrevistados, nota-se uma grande diversidade,quase todas ligadas aos serviços que exigem qualificação média oubaixa. Tomada isoladamente, a única categoria com expressão estatís-tica entre os pais é a de porteiro, com 7,3%.

A Tabela 1, a seguir, apresenta as faixas de ocupação dos responsáveisentrevistados, classificadas segundo sua condição de manual e não

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manual e segundo seu grau de qualificação. Como se pode constatar,54,2% dos entrevistados desempenham ocupações manuais, sendo42,1% de baixa qualificação. Por outro lado, 20,4% desempenham ati-vidades não manuais (apenas 7,1% de tipo mais qualificada).

Tabela 1

Faixa de Ocupação

N %

Ocupação manual pouco qualificada 136 42,1

Ocupação manual mais qualificada 39 12,1

Ocupação não manual pouco qualificada 43 13,3

Ocupação não manual mais qualificada 23 7,1

Do lar 55 17,0

Desempregado 11 3,4

Outros14 16 5,0

Total 323 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Para melhor compreensão do perfil dos entrevistados, elaboramos umíndice socioeconômico15. Com esse procedimento, foi possível identifi-car de modo mais preciso o grau de diversidade dos pais/responsá-veis. Como indica a Tabela 2, é possível divisar três grupos de respon-

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30,5

22,4

7,3

7,3

6,9

5,3

4,5

3,3

2,8

2,4

2,4

2,4

2,4

Doméstica

Do lar

Aux. de serviços gerais

Porteiro

Atendente

Autônomo(a)

Desempregado(a)

Cozinheiro(a)

Comerciante

Assistente administrativo(a)

Manicure

Motorista

Vendedor(a)

Gráfico 1

Ocupação

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

sáveis pedagógicos, com a maioria no nível intermediário, e dois gru-pos menores nas extremidades.

Importa salientar que esse índice deve ser lido como um procedimentode comparação no interior do grupo estudado, portanto, quando sefala em nível alto é preciso ter em conta que esse segmento, de 12,1%,também pertence ao estrato popular da sociedade, embora apresentepadrões altos relativamente aos demais.

Tabela 2

Índice Socioeconômico do(a) Responsável Pedagógico(a)

Nível N %

Baixo 61 20,0

Médio 207 67,9

Alto 37 12,1

Total 305 100,0

Sem Informação 18

Total 323

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Como informa a Tabela 3, 12,5% dos entrevistados estão inscritos noprograma Bolsa Família. Como era de se esperar, o percentual de ins-crição decresce à medida que se sobe no nível socioeconômico16.Importa salientar que entre os que estão situados no nível baixo, so-mente 24,6% estão inscritos no programa, o que revela que mesmo oBolsa Família não consegue chegar onde a escola está chegando17.

Tabela 3

Bolsa Família por Índice Socioeconômico

Índice SocioeconômicoBolsa Família

Não Sim Total

Baixon 46 15 61

% 75,4 24,6 100,0

Médion 184 23 207

% 88,9 11,1 100,0

Alton 37 0 37

% 100,0 ,0 100,0

Totaln 267 38 305

% 87,5 12,5 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.Obs.: Qui-quadrado: 0,00

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Além das variáveis socioeconômicas, recorremos também a informa-ções sobre o tipo de relação do responsável pedagógico com a sua vizi-nhança e sua vida comunitária. Esse tipo de informação é importantepara compor o perfil do entrevistado, na medida em que permite veri-ficar seu maior ou menor isolamento na vida local. Uma das hipóteses,a ser testada adiante, é a de que o tipo de relação do responsável peda-gógico com a sua vizinhança se reflete na forma pela qual ele se relacio-na com a escola.

O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos entrevistados segundo o graude intensidade de sociabilidade18. Como se pode observar, quase 60% dosrespondentes têm uma sociabilidade muito baixa ou baixa com sua vi-zinhança, o que indica atomização alta. Somente a atividade religiosaparece romper com esse isolamento. De fato, 87% afirmam ter religião,sendo quase 60% católicos e 21,1% evangélicos.

Embora os evangélicos sejam praticantes mais assíduos, canalizandomuito da sua sociabilidade para atividades direta ou indiretamente re-lacionadas à religiosidade, o fato é que mesmo os católicos – quase 68%frequentam a igreja pelo menos uma vez por mês – apresentam umaassiduidade relativamente alta (ver Gráfico 3).

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Gráfico 2

Intensidade de Sociabilidade (Relação com a Vizinhança)

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

É nesse contexto, de baixa intensidade de sociabilidade na vizinhança,e de forte dependência das igrejas para a vida social, que se deve consi-derar a importância relativa da escola enquanto referencia institucio-nal portadora de valores universalistas.

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Tabela 4

Religião do(a) Responsável Pedagógico(a)

Religião N % % Acumulado

Católico 191 59,3 59,3

Evangélico 68 21,1 80,4

Espírita 8 2,5 82,9

Testemunha de Jeová 6 1,9 84,8

Umbandista 6 1,9 86,6

Budista 1 ,3 87,0

Não tem religião 42 13,0 100,0

Total 322 100,0

Não Respondeu 1

Total 323

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Gráfico 3

Religião do(a) Responsável por Frequência a Igreja/Templo/Centro

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

O Responsável e o Valor da Educação Escolar

Antes de considerar o tipo de relação do responsável com a escola doestudante, e a sua percepção sobre o trabalho escolar, é necessário co-nhecer a importância e o significado que a escola tem na trajetória dopróprio entrevistado. Embora a pesquisa não tenha explorado em pro-fundidade esse aspecto, traz alguns dados interessantes.

A primeira informação a ser valorizada diz respeito ao grau de escola-ridade dos respondentes. Como se verifica no Gráfico 4, 38,8% dos res-pondentes têm até cinco anos de escolarização, o que corresponde a nomáximo o 1o segmento do fundamental completo (inclui os 8% que sedeclararam analfabetos). No outro extremo, observa-se que quase 30%dos respondentes têm mais de 10 anos de estudo, ou seja, têm pelo me-nos o ensino médio incompleto.

Apesar das diferenças de grau de exposição à escola, a quase totalida-de dos entrevistados travou contato direto com ela, sendo que mais de60% dos entrevistados tiveram pelo menos seis anos de exposição à es-cola.

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Gráfico 4

Anos de Estudo do Responsável Pedagógico

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

É relevante também que 74,3% dos entrevistados tenham afirmado quegostariam de estudar mais, o que denota uma valorização da esco-larização (Gráfico 5). Complementa essa tendência o fato de a grandemaioria dos responsáveis, cerca de 75%, lembrarem do nome de um deseus professores escolares, sendo que 46,8% lembram do nome de maisde um professor (Gráfico 6).

Portanto, apesar de se tratar de um universo, em sua maior parte, comescolaridade média e baixa, os indícios produzidos pela pesquisa são

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Gráfico 5

Gostaria de Estudar Mais

Gráfico 6

O Responsável Pedagógico Lembra-se do Nome de Algum dos seus Professores

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

de que o responsável entrevistado traz em seu imaginário a presençada instituição escolar, e valoriza o saber escolar. Essa linha de argu-mentação ganhará mais consistência na medida em que os dados sobrea relação que o entrevistado mantém com a escola do estudante foremapresentados.

Dois dados consolidam a argumentação sustentada nesta seção. O pri-meiro, apresentado na Tabela 5, deixa evidente que o entrevistadoacredita que a escola está preparando o estudante para o futuro: 81,1%responderam que ela está preparando “muito” ou “um pouco” para fu-turo.

Tabela 5

Acredita que a Escola está Preparando o Estudante para o Futuro?

N %

Sim, muito 157 48,6

Sim, um pouco 105 32,5

Quase nada 20 6,2

Acho que não 36 11,1

Não sabe 4 1,2

Não respondeu 1 ,3

Total 323 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

O segundo dado diz respeito à expectativa do responsável em relação àescolarização do estudante. Como se vê na Tabela 6, quase 90% dos en-trevistados esperam que o estudante chegue à faculdade, em uma con-sagração do lugar da escola no projeto de mobilidade social da famí-lia19.

Tabela 6

Espera que o Estudante Estude até que Ano?

Espera que Chegue até que Ano N %

Pelo menos até completar o fundamental (8a série, 9o ano) 8 2,5

Pelo menos até completar o ensino médio (científico) 26 8,0

Quero que ele(a) faça faculdade 289 89,5

Total 323 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

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Essa última tabela precisa ser cotejada com a Tabela 7, que apresenta aresposta a uma pergunta mais direta feita ao entrevistado, sobre o queele acha que a escola pode fazer de mais importante pelo estudante. Apergunta foi propositalmente formulada de modo a obrigar o respon-dente a escolher uma única alternativa, mesmo sabendo que elas nãosão excludentes. Como se vê, 43,7% dos entrevistados reiteram a ex-pectativa de que ela faça o estudante chegar à faculdade, indicandoque esse tipo de expectativa é consistente no universo analisado. Mas aTabela 7 também apresenta um subgrupo, de 35,9% dos responsáveis,que optou por enfatizar a expectativa de que a escola possa ensinar oestudante a ser um bom/boa cidadão/cidadã. Aadesão até certo ponto sur-preendente a essa alternativa pode ser interpretada como uma mani-festação de que, para além do efeito mobilidade social associado à escola –e que o sonho de acesso à universidade parece representar –, a escolatambém é percebida pelas famílias pobres a partir de um outro tipo deexpectativa, mais diretamente orientada para o seu papel socializadorem uma cultura democrática.

Essa dupla valorização da escola por parte das famílias populares, en-quanto lugar de apreensão de saberes fundamentais ao ingresso nomercado de trabalho, e enquanto espaço de socialização, é conhecidada bibliografia especializada. O papel socializador da escola, como su-gere Nadir Zago (2010:24), tem sido muito associado a aspectos como“proteção aos filhos do contato com a rua, do mundo da droga, das máscompanhias”. Contudo, os dados levantados por esta pesquisa, comoveremos, sugerem um cenário mais ambíguo, já que a escola tanto apa-

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Tabela 7

O Que Você Acha que a Escola Pode Fazer de Mais Importante pelo Estudante?

N %

Fazer com que ele(a) possa chegar à faculdade 141 43,7

Fazer com que ele(a) aprenda a ser um cidadão/cidadã 116 35,9

Fazer com que ele vá mais longe do que eu nos estudos 46 14,2

Ensiná-lo a ser uma pessoa trabalhadora 08 2,5

Ensinar matemática e a ler e a escrever 7 2,2

De tudo um pouco 3 0,9

Dar bolsas de instituições particulares para os mais inteligentes 1 0,3

Não sabe 1 0,3

Total 323 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

rece para os responsáveis como uma agência que pode realizar uma in-serção mais ampla do estudante na vida da cidade, quanto, em outradireção, aparece como espaço em si mesmo ameaçador, que não neces-sariamente se opõe à rua, mas, ao contrário, pode expor mais do que arua.

Como se vê, embora construído a partir de outros instrumentos, as evi-dências por nós encontradas corroboram as constatações feitas pelaspesquisas anteriormente citadas, quanto ao alto valor conferido à edu-cação por famílias populares. E mesmo admitindo a relevância dasconsiderações feitas por Lahire (2004) quanto à necessidade de se ob-servar as diferentes configurações familiares, é plausível esperar que,de algum modo, essa valorização da educação se projete no comporta-mento do aluno. E se é verdade que, como adverte Zago, a postura dafamília “não é condição suficiente para garantir uma permanência du-radoura do estudante na escola”, dependendo fundamentalmente“dos veredictos da escola” (2010:34), também é verdade que o signifi-cado do veredicto escolar depende muito do tipo de relação existenteentre a escola e a família. Afinal, tais veredictos tanto podem se conver-ter em ativo das famílias, tornando-as mais fortes para participar dojogo escolar quanto, ao contrário, em um fator que leva a escola a des-perdiçar a predisposição das famílias populares à valorização daeducação escolar.

A análise da relação entre o responsável e a escola, e da sua percepçãosobre o trabalho escolar, realizadas nas próximas seções, permitirá umaprofundamento da discussão.

A Relação do Responsável com a Escola

Para melhor medir padrões de relação dos responsáveis com a escola,formulamos quatro indicadores, e a partir daí fizemos vários cruza-mentos para identificar algum tipo de variação significativa no padrãode resposta: o mais importante foi o do segmento do estudante. Porisso, sempre que consideramos relevante para a análise, apresentamosos dados com essa variável. Quanto aos demais cruzamentos, verifica-mos que pai e mãe respondem de forma muito semelhante; fizemos al-guns testes para verificar se mães sozinhas e mães de famílias que vi-vem com o pai/padrasto do estudante apresentam alguma especifici-dade, mas não encontramos nenhuma evidência disso; o mesmo seaplica ao índice socioeconômico: para a maior parte dos casos não se

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verificou variação importante, salvo para algumas variáveis, oportu-namente salientadas.

O primeiro indicador procura capturar a intensidade da presença da es-cola no cotidiano doméstico do estudante, isto é, em que medida as ativida-des escolares participam da rotina doméstica20. Como se pode verificarna Tabela 8, para nada menos que 73,5% dos casos a presença da escolano cotidiano do estudante seria “alta” ou “muito alta”. Para os respon-sáveis por estudantes de 1o segmento, esse percentual é de quase 82%.O indicador sugere, portanto, que a escola é uma instituição com pre-sença significativa na rotina das famílias dos entrevistados.

Tabela 8

A Presença da Escola no Cotidiano Doméstico do Aluno, por Segmento

Presença da Escola no Cotidiano Doméstico do Aluno1o

segmento(%)

2o

segmento(%)

Total(%)

Presença muito baixa da escola no cotidiano do aluno 1,7 3,6 2,9

Presença baixa da escola no cotidiano do aluno 16,8 27,8 23,6

Presença alta da escola no cotidiano do aluno 52,1 49,5 50,5

Presença muito alta da escola no cotidiano do aluno 29,4 19,1 23,0

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

O segundo indicador construído para medir, sob diferentes aspectos, arelação do entrevistado com a escola do estudante, corrobora essa afir-mação. Como se pode verificar na Tabela 9, é alto o índice de intensidadede relação pedagógica entre o pai/responsável e o estudante. O resultado des-

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Tabela 9

Intensidade da Relação Pedagógica entre o(a) Responsável e o(a) Aluno(a),

por Segmento

Intensidade da Relação Pedagógica com o Estudante1o

segmento(%)

2o

segmento(%)

Total(%)

Baixa 4,2 6,5 5,6

Alta 38,3 45,5 42,8

Muito alta 57,5 48,0 51,6

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

se índice, que reúne um conjunto de variáveis que procuram identifi-car o quanto a relação entre o respondente e o estudante é permeadapelos assuntos escolares, leva a crer que a escola está muito presentenas relações sociais construídas no interior da família21. Ela é “alta” ou“muito alta” para quase 95% dos casos. E não deixa de ser relevanteque mesmo entre os responsáveis por estudantes de 2o segmento, parasomente 6,5% dos casos a intensidade pode ser considerada baixa.

Procuramos medir, também, o grau de presença do responsável pedagógicona escola do estudante. Este é um ponto muito sensível da análise, pois ébastante conhecida da literatura especializada a crítica comumente fei-ta pelos profissionais da escola quanto ao que se denomina, em lingua-gem cara ao meio escolar, de “omissão parental”. Mesmo tendo sido ri-goroso com a delimitação dos graus de presença do responsável na es-cola, ainda assim 60,4% teriam presença média (ver Tabela 10)22. De ou-tra parte, apenas 7,1% poderiam ser caracterizados como ausentes, ou“omissos”. E se não surpreende o maior percentual de presença alta deresponsáveis “de 1o segmento”, o fato de o percentual de ausentes dosresponsáveis de “2o segmento” ser quase igual aos de “1o segmento”deve ser valorizado23.

Tabela 10

Presença do(a) Responsável Pedagógico na Escola do Estudante, por Segmento

Presença do Responsável na Escola1o segmento

(%)2o segmento

(%)Total(%)

Ausência 6,6 7,5 7,1

Presença baixa 21,3 28,9 26,0

Presença média 59,8 60,7 60,4

Presença alta 12,3 3,0 6,5

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Essa linha de interpretação é ainda mais reforçada quando se avalia oresultado do índice de proximidade do responsável em relação à escola do es-tudante. Enquanto o índice anterior pretende medir o grau de partici-pação em reuniões, o de proximidade mede o grau de conhecimentoque os responsáveis têm da escola do estudante24. Como se verifica naTabela 11, com base neste critério, cerca de 70% dos entrevistados po-dem ser considerados “próximos” ou “muito próximos” da escola. E,aqui, como era de se esperar, a diferença entre os segmentos se mostra

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mais relevante: enquanto 40,2% dos responsáveis de “1o segmento”são muito próximos da escola, esse índice cai para 14,4% entre os de “2o

segmento”; na outra ponta, 23,8% dos responsáveis de “1o segmento”são distantes da escola, contra 34,3% dos de “2o segmento”.

Tabela 11

Proximidade do(a) Responsável Pedagógico(a) com a Escola do Aluno,

por Segmento

Proximidade do Responsável com a Escola1o segmento

(%)2o segmento

(%)Total(%)

Distante da escola 23,8 34,3 30,3

Próximo(a) da escola 36,1 51,2 45,5

Muito próximo(a) da escola 40,2 14,4 24,1

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

O conjunto de indicadores reunidos nessa seção aponta, portanto, paraum quadro muito distinto daquele correntemente difundido no meioescolar. Como é bastante conhecido, inclusive na bibliografia interna-cional, é recorrente entre as escolas que lidam com segmentos pobres eperiféricos o senso comum de que as famílias são muito pouco presen-tes na rotina escolar, e que isso explicaria o baixo interesse dos estu-dantes pela escola e, por conseguinte, seu fracasso escolar.

Neste caso, importa levar em conta também a posição socioeconômicados responsáveis. Mesmo sem apresentar diferenças muito expressi-vas entre os três níveis socioeconômicos, a Tabela 12 traz resultados in-teressantes para o índice de proximidade do responsável com a escola doaluno25: os responsáveis situados no nível mais baixo da escala socio-econômica são também os mais “distantes” da escola (37,7%), enquan-to aqueles posicionados no topo dessa escala têm o maior percentualrelativo de “muito próximos” da escola (27,0%).

Considerando que esse índice foi construído a partir de variáveis queindagavam sobre o grau de conhecimento e relação do responsávelcom profissionais da escola, esses resultados pontuais podem estar su-gerindo que, apesar de sua predisposição para participar da vida esco-lar, e apesar da importância da escola em seu cotidiano, vistos acima, épossível que o responsável de menor nível socioeconômico tenda a sesentir mais intimidado diante dos profissionais da escola. E, aqui, fazsentido aventar a hipótese de que a representação negativa dos profes-

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sores acerca do grau de comprometimento das famílias em face do pro-jeto escolar, e os estereótipos fundados na hipótese de que o nível soci-oeconômico seria diretamente proporcional ao grau de compromissocom a escola, se transformem em práticas que acabam por contribuirpara tornar a escola mais distante das famílias mais pobres. Nessa li-nha de interpretação, poder-se-ia afirmar que a escola é, no mínimo,corresponsável pela definição do padrão de sua relação com a família.

Tabela 12

Proximidade do (a) Responsável Pedagógico(a) com a Escola do Aluno,

por Índice Socioeconômico

ÍndiceSocioeconômico

Proximidade do(a) Responsável Pedagógico com aEscola do Aluno

TotalO(A) Responsávelé Distante da

Escola

O(A) Responsá-vel é Próximo(a) da Escola

O(A) Responsá-vel é Muito Pró-

ximo(a) da Escola

BaixoN 23 26 12 61

% 37,7 42,6 19,7 100,0

MédioN 57 99 51 207

% 27,5 47,8 24,6 100,0

AltoN 10 17 10 37

% 27,0 45,9 27,0 100,0

TotalN 90 142 73 305

% 29,5 46,6 23,9 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.Obs.: Qui-quadrado = 0.614.

A Percepção do Responsável sobre a Escola

A enfática resposta afirmativa, dada por 92,5% dos entrevistados,quando indagados se, caso pudessem, matriculariam o estudante emuma escola particular, não deixa de ser um indício de que a aposta naeducação escolar, verificada na seção anterior, faz com que o responsá-vel esteja atento às oportunidades de melhoria da escolarização do es-tudante (ver Tabela 13).

Também é verdade que a quase unanimidade da resposta dada a essapergunta não deixa dúvida de que está sedimentado no senso comumque a escola pública é inferior à particular. O dado indica que a escolapública é, de um modo geral, vista como uma espécie de alternativa ne-gativamente selecionada, o que leva a crer que colocar um filho em

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uma escola particular significa um investimento que, quando possível,vale a pena fazer. Isso não significa que não esteja em curso, como no-tam Brandão, Canedo e Xavier (2012), um interessante processo de di-ferenciação no interior das próprias escolas públicas da rede munici-pal, processo esse que pode levar a um cenário de mais competição en-tre escolas e entre famílias no interior da própria rede pública.

O dado mais interessante, contudo, aparece na resposta à pergunta so-bre por que eles colocariam o estudante em uma escola particular.Como se verifica na Tabela 14, o principal motivo (com 39,8%) é a cren-ça de que a particular “cobraria mais do estudante”. Essa opção sugereque os respondentes identificam na escola particular uma melhor pre-disposição para a escolarização. A isso se soma, com 27,4% das prefe-rências, o universo dos que apontam que a escola particular teria umaestrutura melhor do que a pública. Portanto, para quase 70% dos res-pondentes, o que distingue a escola particular da pública é fundamen-talmente a sua melhor condição para realizar o trabalho escolar. Ouseja, é porque valorizam o trabalho escolar que os respondentes prefe-rem a particular à pública, e não por se verem como clientes de um ser-viço que, por ser pago, funcionaria melhor (apenas 18,4% dos entrevis-tados ficaram com essa última opção).

Reforça essa linha de argumentação o fato de os responsáveis acharemque a escola deveria ser mais exigente com o estudante. Como se podeconstatar no Gráfico 7, 37,5% dos responsáveis consideram a escola doestudante “quase nada” ou “nada” exigente, e outros 32,8% “um pou-

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Tabela 13

O(A) Responsável Pedagógico(a), se Pudesse, Gostaria que o(a) Aluno(a)

Estudasse em uma Escola Particular?

N % % acumulado

Sim 296 92,5 92,5

Não 24 7,5 100,0

Total 320 100,0

Não respondeu 1

Não se aplica 2

Total 323

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

co exigente”. Apenas 27,9% consideram a escola do estudante “bastan-te exigente”.

Mas é na resposta dada à pergunta se ele acha que a escola tem que sermais exigente, que o responsável pedagógico deixa mais explícita suaexpectativa em relação à escolarização. Como indica o Gráfico 8, nada

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Tabela 14

Motivo mais Importante que Leva o(a) Responsável Pedagógico a Querer que o(a)

Aluno(a) Estude em uma Escola Particular

N %

Porque na escola particular eles cobram mais dos alunos 119 39,8Porque a estrutura da escolar particular é em geral melhor 82 27,4Porque tudo que é pago funciona melhor 55 18,4Porque os professores da escolar particular são melhores 30 10,0Porque na escola particular o ambiente é melhor 8 2,7Não sabe 3 1,0Outro 2 ,7

Total 299 100,0

Não se aplica 24

Total 323

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Sim, bastante

27,9%

Sim,um pouco

32,8%

Não, quase nada

16,4%

Não, nada exigente

21,1%

Não sabe

1,9%

Gráfico 7

Acha a Escola Rígida e Exigente com o(a) Aluno(a)

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

menos que 71,2% respondem que acham que a escola deveria ser “mui-to mais” exigente, e apenas 9% responderam estarem satisfeitos com ograu atual de exigência.

De modo a testar o grau de aceitação do respondente diante de umaagenda de aproximação da escola em face do mundo dos alunos, submetemostrês propostas à sua apreciação. O resultado, descrito na Tabela 15, nãodeixou de surpreender, pois quase 75% dos entrevistados se mostra-ram favoráveis a medidas como a de fazer com que a escola trate mais

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Gráfico 8

As Escolas Têm que Ser mais Exigentes

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Tabela 15

Adesão dos(as) Responsáveis a uma Agenda de Aproximação da Escola em Face do

Mundo do(a) Aluno(a), por Segmento

1o Segmento(%)

2o Segmento(%)

Total(%)

Adesão baixa 6,9 9,1 8,3

Adesão média 19,0 16,2 17,3

Adesão alta 23,3 23,4 23,3

Adesão muito alta 50,9 51,3 51,1

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

da realidade do aluno em sala de aula, ou realize visitas às casas das fa-mílias26. E o fato de a variável “segmento” ter pouca importância nessecaso, sugere que tal agenda remete a expectativas que estariam muitosolidamente presentes no imaginário dos responsáveis. É como se aoaderir tão fortemente a ela os responsáveis estivessem deixando claroque percebem criticamente a distância da escola em relação ao seu coti-diano. Assim é que, cotejando essa observação com a caracterizaçãofeita na seção anterior, pode-se concluir que embora o responsável sesinta próximo da escola, sente a escola distante dele.

Neste caso, o cruzamento com o índice socioeconômico mostra-se par-ticularmente significativo. Como se pode verificar na Tabela 16, sãojustamente os de nível socioeconômico mais baixo aqueles que mais seidentificam com a agenda de aproximação: quase 85% desses têm“adesão muito alta” ou “alta” a essa agenda, contra cerca de 65% dosque estão situados no nível socioeconômico alto.

Tabela 16

Adesão dos(as) Responsáveis a uma Agenda de Aproximação da Escola em Face do

Mundo do Aluno, por Índice Socioeconômico

ÍndiceSocioeconômico

Adesão dos Pais a uma Agenda de Aproximação daEscola em face do Mundo do Aluno

TotalAdesãoBaixa

AdesãoMédia

AdesãoAlta

AdesãoMuito Alta

Baixon 3 7 13 34 57

% 5,3 12,3 22,8 59,6 100,0

Médion 17 35 48 102 202

% 8,4 17,3 23,8 50,5 100,0

Alton 4 9 8 16 37

% 10,8 24,3 21,6 43,2 100,0

Totaln 24 51 69 152 296

% 8,1 17,2 23,3 51,4 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

A adesão a uma agenda de aproximação encontra respaldo na respostaque os entrevistados deram à pergunta se eles acham que a escola co-nhece a realidade de seus alunos: 35% entendem que a escola não co-nhece “nada” ou “quase nada” da sua realidade, e outros 38,7% enten-dem que a escola conhece “um pouco”. Por outro lado, apenas 25% fi-caram com alternativa “conhece muito” (ver Gráfico 9).

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A Tabela 17, produzida a partir da solicitação de que o entrevistado se-lecionasse três opções – entre as dez oferecidas – que considerasse pri-oritárias em uma “escola de seus sonhos”, apresenta uma hierarquiza-ção que, de certo modo, sistematiza o quadro até aqui encontrado comos dados apresentados. A opção mais votada pelos responsáveis reme-te à necessidade de “professores mais bem preparados”. Essa escolhaevidencia que os responsáveis percebem que uma boa escola dependefundamentalmente de professores qualificados e motivados. Trata-sede uma dimensão que dialoga claramente com sua preocupação com aestrutura e nível de exigência da escola, anteriormente comentada.

A segunda opção mais votada pelos respondentes aponta para outradimensão, menos obviamente identificada com o trabalho escolar. Aênfase na presença de psicólogos e assistentes sociais revela que os res-ponsáveis percebem a escola não apenas como um lugar de escolariza-ção no sentido estrito, mas como um lugar de educação, inclusive mo-ral e sentimental. É possível que a alta adesão a essa alternativa esteja,de algum modo, relacionada à tendência de psicologização dos proble-mas de aprendizagem, que é tão recorrente no senso comum dos pro-

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Gráfico 9

A Escola Conhece a Realidade dos seus Alunos

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

fessores – com o que também se transfere para o estudante a responsa-bilidade principal pela aprendizagem27. Mas ela não deixa de exprimiruma preocupação com a socialização escolar que, para as famílias po-pulares, assume um papel dramaticamente importante na medidamesmo em que o ingresso precoce no mercado do trabalho se tornoumenos provável, com a criminalização do trabalho infantil. E o fato daterceira opção mais votada ter sido aquela que fala de uma escola “dis-ciplinadora”, no sentido de formar “estudantes mais respeitadores”, éconvergente com o entendimento de que menos do que a ênfase emuma escola rígida no sentido tradicional do termo, os responsáveis pa-recem inclinados a apostar em uma escola que também deve educar, enão apenas ensinar.

Caso se quisesse fazer a crítica dessa percepção dos pais, talvez se pu-desse alegar que é pedir demais da escola que incorpore outras funçõespara além da escolarização, mas uma interpretação plausível do con-junto dos dados é a de que na concepção dos entrevistados a escola boaé aquela que concilia as funções de ensinar e de educar. Enfim, o elencoselecionado pelos entrevistados não deixa de indicar que se espera quea escola preencha um vazio que, talvez, não seja tanto o da família,como se costuma perceber, mas, sobretudo, o de sociedade civil. Esseachado se torna visível quando se leva em conta a interdependênciadas diferentes esferas do mundo da vida da qual a escola faz parte. E,aqui, o isolamento dos responsáveis em sua vida social, anteriormenteassinalado, pode ganhar novo significado para a análise. É como se asfamílias percebessem que sua atuação educacional fica seriamente li-mitada em um contexto de baixa densidade da sociabilidade da sua vi-zinhança, e que tal situação produz uma lacuna na formação do estu-dante para a vida na cidade que nem mesmo os círculos formados emtorno das igrejas são capazes de suprir. Daí porque o responsável semostre mais sensível ao papel institucional da escola.

Em suma, os dados apresentados na Tabela 17 apontam para a necessi-dade de se ter presente que uma ênfase muito exagerada na instruçãoescolar, que deixasse em segundo plano a dimensão do trabalho educa-tivo da socialização escolar, colocaria em risco a própria integridadeinstitucional da escola, que, afinal, deve se basear no equilíbrio entreas duas dimensões. Mas é preciso considerar que os termos dessa inte-gridade precisam ser definidos em cada caso concreto. Em um ambien-te caracterizado por mais isolamento dos responsáveis em face da vidasocial na vizinhança e no qual a “rua” tem menos a ensinar, o papel

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educador da escola tem que ser maior. E para escolas que lidam com fa-mílias moradoras de territórios populares segregados como são as fa-velas, é de se esperar que seu papel enquanto agência promotora deacesso à cidade e à sua diversidade cultural seja mais realçado.

Tabela 17

Como Seria a Escola dos seus Sonhos*

Classificação Respostas %

1o lugar Uma escola com professores bem preparados 20,20

2o lugar Uma escola com mais psicólogos e assistentes sociais paraconversar mais com os alunos

16,40

3o lugar Uma escola com mais disciplina e rigor, para formar estudan-tes mais respeitadores

12,00

4o lugar Uma escola com bons equipamentos, como ar-condicionadoe computadores

11,10

5o lugar Uma escola com muitas atividades fora de sala de aula, espor-tivas e culturais

10,50

6o lugar Uma escola que tivesse mais presença dos pais/responsáveis 8,80

7o lugar Uma escola com mais incentivo à leitura 7,60

8o lugar Uma escola que ensinasse os alunos a lutarem por seus direi-tos

7,10

9o lugar Uma escola com horário integral 3,80

10o lugar Uma escola com mais jogos e brincadeiras 0,90

Não respondeu 1,40

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.* Perguntamos aos responsáveis: “Como seria a escola dos seus sonhos? Escolha os três fatores queconsidera mais importantes”. Como o entrevistado deveria apontar três fatores, o n (969) é maiorque o número da amostra (323). Para rodar a frequência dessa variável utilizamos o comando doSPSS chamado Multiple response, indicado para as perguntas com respostas múltiplas.

O Gráfico 10 apresenta um índice que sintetiza três das variáveis quetemos utilizado para medir a avaliação que o responsável faz da esco-la. A primeira, que pedia para ele comparar sua escola com a escola doestudante; a segunda, quanto à sua expectativa em relação ao efeito daescola no futuro do estudante; e a terceira, que indagava ao responsá-vel se acha que a escola do estudante é rigorosa e exigente. Como sepode verificar, embora a maioria tenha uma percepção positiva da es-cola, quando adotamos um critério mais rigoroso, 40,6% teriam umaleitura francamente “positiva”, enquanto outros 35% teriam uma per-cepção “moderadamente positiva”. Por outro lado, quase 25% dos en-trevistados teriam uma percepção “negativa” ou “moderadamentenegativa”.

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Ao explorar como os três grupos do índice socioeconômico se compor-tam diante do índice de percepção sobre o trabalho da escola, nota-seuma diferença, ainda que discreta. A Tabela 18 apresenta os resultados

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Gráfico 10

Índice de Percepção sobre o Trabalho da Escola

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Tabela 18

Índice de Percepção sobre o Trabalho Escolar, por Índice Socioeconômico

Índice SocioeconômicoTotal

Baixo Médio Alto

Percepção positiva21 80 9 110

45,7% 41,7% 29,0% 40,9%

Percepção moderadamente positiva16 66 13 95

34,8% 34,4% 41,9% 35,3%

Percepção moderadamente negativa5 28 7 40

10,9% 14,6% 22,6% 14,9%

Percepção negativa4 18 2 24

8,7% 9,4% 6,5% 8,9%

Total46 192 31 269

100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

do cruzamento. Nela, fica clara a existência de uma maior predisposi-ção dos responsáveis com baixo índice socioeconômico a terem umapercepção mais positiva da escola: 45,7%, contra apenas 29% dos queestão situados no nível socioeconômico alto. Quando se consideratambém aqueles que têm uma percepção moderadamente positiva, adiferença entre esses dois grupos também é considerável: 80,5% contra70,9%. Por outro lado, quase 30% dos situados no nível alto do índicesocioeconômico têm uma percepção negativa ou moderadamente ne-gativa da escola, contra menos de 20% dos situados no nível baixo.

É verdade que a diferença socioeconômica entre os três grupos identi-ficados pela pesquisa não deve ser exagerada; afinal, são todos perten-centes à base da pirâmide brasileira, sendo a esmagadora maioria mo-radora de favelas, condição importante para definir seu lugar na estru-tura de status da sociedade. Mas reconhecer isso não é a mesma coisaque ignorar essas diferenças que, afinal, fazem com que a escola públi-ca tenha que lidar com uma diversidade frequentemente pouco valori-zada pelos próprios profissionais da escola.

Fizemos ainda alguns outros cruzamentos entre o índice de percepçãoda escola e os outros índices anteriormente apresentados. Nesse caso,ficou muito evidente que a percepção acerca da escola varia com o graude proximidade do responsável em face dela: 83,6% dos “muito próxi-mos” têm uma percepção positiva, contra 67,9% dos “muito distan-tes”; e apenas 16,2% dos “muito próximos” têm uma visão negativa,contra 32,1% dos “muito distantes” (ver Tabela 19).

Isso significa que a percepção do responsável pedagógico sobre a esco-la parece mais dependente do tipo de relação existente entre a família ea escola do que do seu nível socioeconômico. E caso se admita que umapercepção positiva da escola é desejável para o processo de escolariza-ção, sendo mesmo um trunfo com o qual a escola pode contar, uma vezque aumenta a predisposição do responsável para participar do traba-lho escolar, tem-se aí uma boa evidência do quanto a aproximação coma família pode trazer importante repercussão para o processo de ensi-no aprendizagem. E nessa matéria a gestão escolar pode jogar um pa-pel decisivo.

A Tabela 20, que cruza o índice de percepção com a resposta à perguntase o responsável acha que a sua opinião é considerada pela escola, é,sob esse aspecto, muito convincente: quanto mais o responsável enten-de que a escola considera sua opinião, mais sua percepção é positiva:

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Tabela 19

Proximidade do(a) Responsável Pedagógico(a) com a Escola do Aluno, por Índice

de Percepção sobre o Trabalho Escolar

Índice de Percepção so-bre o Trabalho Escolar

Proximidade do(a) Responsável Pedagógico(a) com aEscola do Aluno

0 O(A) Responsá-vel é Distante da

Escola

1 O(A) Responsá-vel é Próximo(a)

da Escola

2 O(A) Responsá-vel é muito Pró-

ximo(a) da Escola

Percepção positiva34 47 34

42,0% 35,1% 50,0%

Percepção moderada-mente positiva

21 55 23

25,9% 41,0% 33,8%

Percepção moderada-mente negativa

16 20 6

19,8% 14,9% 8,8%

Percepção negativa10 12 5

12,3% 9,0% 7,4%

Total81 134 68

100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

Tabela 20

Acha que a Opinião dos Pais/Responsáveis é Considerada pela Escola, por Índice

de Percepção sobre o Trabalho Escolar

Índice de Percepção sobre oTrabalho Escolar

Acha que a Opinião dos Pais/Responsáveis éConsiderada pela Escola

Sim,muito

Sim, umpouco

Quasenunca

Não éconsiderada

Percepção positiva66 38 4 7

53,7% 41,3% 16,0% 16,3%

Percepção moderadamente positiva44 36 9 10

35,8% 39,1% 36,0% 23,3%

Percepção moderadamente negativa10 13 7 12

8,1% 14,1% 28,0% 27,9%

Percepção negativa3 5 5 14

2,4% 5,4% 20,0% 32,6%

Total123 92 25 43

100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados da pesquisa realizada.

quase 90% dos que acham que a escola considera sua opinião têm umapercepção positiva da escola; em contrapartida, 48% dos que achamque sua opinião quase nunca é considerada, e mais de 60% dos que en-tendem que ela nunca é considerada, têm uma percepção negativa daescola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados na presente pesquisa remetem a questõesimportantes para o debate contemporâneo sobre a escola pública. Noque se refere à gestão escolar, pode-se afirmar que os dados permitemsustentar que a família popular quer mais escola. Essa indicação, quenão deixa de ser, em alguma medida, um efeito positivo da atuação daescola, torna especialmente relevante aprofundar a investigação sobrepor que as escolas, ainda que em diferentes graus, sigam se mostrandopouco confiantes na possibilidade de mobilizar as famílias.

De nossa perspectiva, será necessário ir além da frequente acusação deque a escola opera com estereótipos, investigando como e por que elesse formam e se reproduzem. Uma boa hipótese para nos guiar em no-vos estudos diz respeito à dificuldade inerente às culturas profissiona-is forjadas em um contexto pré-democrático, que por isso mesmo têmmuita resistência em lidar com seu público segundo um padrão deigualdade e de equidade. Como já sugerimos, algo disso também podeser verificado na relação que o Judiciário mantém com os litigantes po-bres. E o mesmo pode ser verificado na polícia. Mas também sugeri-mos que para as escolas essa mudança no padrão de uma relação histo-ricamente assimétrica com o “mundo de alunos” majoritariamente po-bres talvez seja mais complexa, porque fortemente dependente de umasociabilidade que, por principio, depende muito da qualidade das in-terações, não podendo ser resolvida pela lógica procedimental dodireito.

Para levar essa hipótese adiante é necessário estar atento para a arma-dilha da responsabilização da escola pelo problema. Tudo indica queela tem, de fato, parcela da responsabilidade, mas o fenômeno é bemmais complexo, demandando que se considere a relação da escola comoutras esferas do mundo da vida em cada contexto específico28. Vê-se,assim, que o problema está tanto dentro quanto fora da escola, e caso sequeira modificar para melhor o padrão de mediação da escola com o“mundo do aluno”, será preciso envolver mais a sociedade civil, a co-

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meçar pela própria universidade, além da vida associativa, do conse-lho tutelar e das igrejas.

Esse tipo de consideração está em sintonia com a noção de educabilida-de proposta por López (2005). Como sustenta o sociólogo argentino,para se alcançar uma melhor educabilidade dos estudantes, ou seja,mais predisposição para participar do processo de escolarização, é ne-cessário atuar dentro e fora da escola. De um lado, cobrando do poderpúblico e das escolas uma gestão atenta às especificidades do mundodo aluno, e que seja obcecada por conhecê-lo e valorizá-lo. De outro,cobrando do poder público e da sociedade civil um conjunto de açõesque tanto envolvem políticas sociais quanto um comprometimentocom ações de mediação entre espaços da cidade e grupos sociais.

Mas os resultados encontrados pela pesquisa também sugerem pontosimportantes para uma nova agenda de debate público sobre a relaçãoda escola com o mundo do aluno, ao deixar entrever que, quanto maiso responsável valoriza a escola, maior a tendência a ser mais exigenteem relação a ela; e por isso mesmo mais crítico. Daí se segue um hori-zonte em que novos conflitos deverão aparecer no espaço escolar, con-flitos esses já muito explícitos em escolas públicas europeias e nor-te-americanas. Na França, como nota Benjamin Moignard, o clima emmuitas escolas é de “barricada”, enquanto no Brasil prevalece um“modo de gestão afetivo e paternalista [...] que mantém os alunos emuma situação de dependência que bloqueia todo projeto realmenteemancipador para a escola” (2008:187, tradução livre realizada peloautor).

No entanto, acreditamos que, no Brasil, a tendência é a de uma famíliacada vez mais atuante na cobrança por resultados – e, como vimos, osresultados esperados já não são apenas “ensinar a ler e a escrever”. Osresponsáveis pedagógicos do mundo popular esperam que a escolanão apenas leve seus estudantes mais longe do que eles nos estudos,sendo a esperança de que ingressem na faculdade a melhor evidênciadisso. Mas também esperam que ela assegure acesso à cidade, ou seja,acesso à diversidade urbana (no sentido empregado por Lefebvre,2006), não deixando de perceber que a escola é a principal agência cul-tural com que seus estudantes têm contato, e que por isso mesmo de-pende dela uma mediação entre seu lugar de moradia – no caso, basica-mente favelas – e a cidade29. Corrobora essa linha de interpretação ofato de que quando indagados se gostariam que o aluno estudasse em

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uma escola na Rocinha (na favela existem quatro escolas de ensino fun-damental), apenas 10,9% respondeu que sim, “pois seria mais prático”,enquanto 49,2% ficaram com a alternativa “não, pois fora da Rocinhaas escolas são melhores”, e 29,3% com a alternativa “não, pois achobom ter contato com pessoas de fora da comunidade”.

Desse conjunto de expectativas das famílias populares não é difícilimaginar, por exemplo, uma disputa em torno do currículo, que ques-tione por que a escola – na maior parte dos casos – se mantém tão afas-tada das especificidades da realidade concreta de seus alunos. Masesse cenário de conflito pode ganhar configurações diversas, depen-dendo do comportamento dos atores políticos. Quando se consideraque os responsáveis elegem “o professor bem preparado” como amaior prioridade da escola de seus sonhos, não seria exagero sustentarque a família popular é, ao contrário do que frequentemente os profes-sores costumam afirmar quando a vê como hostil ao projeto escolar,sua principal aliada: não apenas para o êxito de seu trabalho na sala deaula; mas também em um sentido político mais amplo, de valorizaçãoprofissional (Burgos, 2011).

A predisposição das famílias para o jogo escolar e sua crescente depen-dência e expectativa em face da escola poderá levar a uma redefiniçãoquanto ao entendimento da gestão escolar. Em vez de concebida comouma ferramenta tecnocrática, em tensão com a autonomia das escolas,a gestão escolar poderá ser compreendida como uma dimensão centralao reformismo institucional impulsionado pela Carta de 88.

De fato, quando se presta mais atenção à perspectiva da família popu-lar sobre a escola, tal como procuramos fazer neste artigo, fica evidenteque mais do que eficiência e eficácia, metas normalmente atribuídas àadministração de serviços públicos, para a gestão escolar está em jogoa busca daquilo que Philippe Nonet e Philip Selznick (2009) definiramcomo “responsividade”. Apesar de formulada no campo da sociologiado direito, a noção de responsividade parece particularmente adequa-da para pensar uma escola que tende a ser cada vez mais desafiada aconstruir padrões igualitários e equitativos de relação com o mundodo aluno, abrindo-se para ele, interagindo com ele, ao mesmo tempoem que preservando um necessário distanciamento institucional. Umainstituição responsiva, afirmam Nonet e Selznick, “conserva a capaci-dade de compreender o que é essencial à sua integridade e ao mesmotempo leva em consideração novas forças do ambiente social”

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(2009:126). Ela “percebe as pressões sociais como fontes de conheci-mento e de oportunidades de autocorreção”. Mas, para isso, deve sercapaz de valorizar os procedimentos: “a autoridade deve estar aberta àparticipação; estimular a discussão e deliberação coletiva; explicar osmotivos das decisões; acolher positivamente as críticas; encarar o con-sentimento como uma prova de racionalidade” (idem:143).

Pode-se afirmar que a escola age responsivamente quando, ao mesmotempo em que preserva a responsabilidade sobre a aprendizagem, for-mula procedimentos que assegurem a abertura do ensino a novas de-mandas e novos aprendizados que têm como fonte os alunos e seu mun-do. Fazendo isso, a escola transforma expectativas de mobilidade sociale de acesso à cidade em mais institucionalidade e mais democracia.

(Recebido para publicação em junho de 2012)(Reapresentado em outubro de 2012)

(Aprovado para publicação em dezembro de 2012)

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NOTAS

1. No que se refere especificamente ao ensino fundamental, a base valorativa e princi-piológica introduzida pela Constituição de 1988 e pela legislação que se segue a ela étraduzida em um conjunto de objetivos que trazem uma concepção generosa do pa-pel da educação escolar na formação de uma cultura democrática, concepção essaque parece ter sido diretamente inspirada pelo preâmbulo da Constituição, ao fazerde valores como solidariedade, justiça social, respeito à pluralidade, e participaçãoativa na transformação socioambiental, objetivos centrais ao ensino fundamental(Burgos, 2009).

2. A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto Gestão Escolar e Territórios Populares,coordenado pelos professores Marcelo Burgos e Ralph Bannell (Departamento deEducação da PUC-Rio). O projeto, que contou com o apoio da Financiadora de Estu-dos e Projetos (Finep), e apoio institucional do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), envolveu 30 estudantes de graduação epós-graduação da PUC-Rio, e oito professores da rede estadual e municipal de ensi-no do Rio de Janeiro.

3. Em López (2005) e Forquin (1997) encontram-se boas resenhas da bibliografia da So-ciologia da Educação.

4. Mesmo quando orientado para constatar a atitude de indiferença e até mesmo deafronta de estudantes do mundo popular em face do projeto escolar, trabalhos comoo de Paul Willis (1991) seguiam comprometidos com o paradigma da reprodução, de-nunciando o fato de que a escola acaba por desviar – por exclusão consentida pelosestudantes – os operários da cultura intelectual.

5. O próprio Bourdieu (1997) admite isso em alguns dos capítulos dedicados à educa-ção em seu A Miséria do Mundo.

6. Estudos como os de Van Zanten (2001), Moignard (2008), Ribeiro e Katzman (2008),Marques e Torres (2004), Burgos e Paiva (2009), e esforços de organização institucio-nal como o Observatório Cidade e Educação, vinculado ao Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), e com a participação de pesquisa-dores de diversas universidades brasileiras, são evidências disso.

7. São muitos os estudos que tratam desse tema. De especial interesse para este artigosão os livros de Pedro Silva (2003) e de Cleopatre Montandon e Philippe Perrenoud(2001). No Brasil, a produção do Observatório Escola e Família, vinculado à UFMG,sob a coordenação de Maria Alice Nogueira, demonstra bem a maturidade instituci-onal da discussão,

8. Estudos como o realizado por Castro e Regattieri (2009); e pelo MEC (2007) sobre oefeito escola, são boas referências da valorização da importância da família para o bomdesempenho escolar.

9. Não por acaso, como demonstra Monica Peregrino (2010), a chegada crescente dasfamílias pobres à escola pública a partir dos anos de 1970 e, sobretudo, dos 80, coinci-de com a sua precarização institucional, e a sua conversão em uma instância de “ges-tão da pobreza”, que leva ao que Peregrino define como a “desescolarização da esco-la”.

10. A valorização da relação da escola com a vida local coloca em questão o tipo de auto-nomia que se pretende conferir à escola. Como afirma Néstor López, “a coexistência

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de princípios orientados para respeitar a diversidade e a heterogeneidade culturalsocial nas práticas educativas, e ao mesmo tempo erradicar as desigualdades noacesso ao conhecimento, nos confrontam com a necessidade de reabrir o debate so-bre o lugar do centro e o local no desenho de uma política educativa que garanta umaeducação de qualidade para todos” (2006:158-159).

11. Para a definição do índice do “valor da educação”, as autoras levaram em conta as se-guintes variáveis: distância do lugar de moradia até a escola (a hipótese é a de quequanto maior o valor mais o pai se dispõe a colocar o filho em uma escola distante);expectativa dos pais em relação ao desempenho dos filhos na escola; o interesse dacriança pelas atividades escolares; e a realização de deveres escolares em casa peloaluno (Barbosa e Sant’Anna, 2010:158).

12. A aplicação do questionário ocorreu ao longo de 2010, e a amostra partiu de informa-ções básicas de matrícula em 2009 dos 3.525 alunos das seis escolas públicas envolvi-das no projeto. A amostra foi realizada por Paulo Cesar Greenhalgh de CerqueiraLima, e a pesquisa de campo foi coordenada por Leo Castro Ramos.

13. O termo “responsável pedagógico” é uma terminologia oficial, adotada pela Prefei-tura do Rio de Janeiro, na ficha de matrícula e no sistema informatizado de controleacadêmico. Com ele, o governo pretende delimitar claramente quem responde peloestudante junto à escola. Como a delimitação da amostra foi organizada a partir des-sa informação, optamos por mantê-la na presente exposição.

14. “Outros” corresponde a 16 casos, incluindo as seguintes atividades: autônomo(a)(13), estudante (1), funcionário público (1), pensionista do INSS (1).

15. Para a produção desse índice foram mobilizadas as seguintes variáveis: renda indivi-dual mensal, grau de instrução, faixa de ocupação, e se o responsável tem computa-dor em casa. A construção desse e dos demais índices apresentados neste artigo con-tou com a preciosa colaboração de Vanusa Queiroz da Silva.

16. Na Tabela 3, o qui-quadrado igual a zero confirma a interdependência das variáveis.

17. Um dado importante refere-se ao perfil de renda das mães – de estudantes que mo-ram apenas com elas (31,5%). Nada menos que 46,5% dessas mães recebem no máxi-mo 1 salário mínimo (SM), e 81,2% delas até 2 SM. Apenas 7,9% dessas mães têm ren-dimentos situados em uma faixa superior de 2 a 5 SM. As demais 10,9% declara-ram-se sem renda no momento da pesquisa. Desse universo, somente 12% são con-templadas pelo Bolsa Família.

18. Esse índice foi produzido a partir da reunião de variáveis que indagavam se o entre-vistado tem amigos na vizinhança, se costuma participar de reuniões para tratar deproblemas de seu bairro, e se costuma participar de eventos organizados por mora-dores na vizinhança.

19. Essa ênfase na Faculdade como projeto familiar popular também foi verificada porBarbosa e Sant’Anna (2010:164). Com base em dados de pesquisa realizada em BeloHorizonte e no Rio de Janeiro, as autoras afirmam que “90% das mães desejam queseus filhos cheguem à universidade”, mas lembram, com razão, que quando indaga-das se “acreditam, realisticamente, que os filhos sejam capazes de atingir, as respos-tas são mais variadas”.

20. As variáveis reunidas para a composição desse índice indagavam sobre o contato doestudante com colegas fora da escola, se ele traz e costuma fazer dever de casa, se cos-tuma ler, e se sua casa tem um bom lugar para ele estudar.

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21. Esse índice foi construído a partir de quatro variáveis: se o respondente costuma con-versar com o estudante sobre a escola; se conhece os colegas do estudante; e se o estu-dante costuma reclamar – ou elogiar – de aspectos do cotidiano da escola.

22. O índice reuniu variáveis que indagavam se o responsável participou de reuniões co-letivas na escola e se lembrava dos assuntos tratados.

23. A hipótese de que os respondentes, por alguma razão, tenham se sentido compelidosa sobrestimar sua participação nas reuniões escolares encontra sua melhor contesta-ção na tendência, amplamente verificada entre os respondentes, de imediatamenteapós responder que se lembravam das reuniões acrescentarem informações sobre osassuntos nelas tratados.

24. O índice é composto de variáveis que indagavam sobre o conhecimento do responsá-vel sobre o nome dos professores e se conhece e já conversou com diretor e coordena-dor pedagógico.

25. O qui-quadrado distante de zero indica a independência estatística entre as variá-veis.

26. Além dessas duas propostas, também se indagou se o responsável achava que a esco-la deveria conversar mais com as famílias. As questões foram apresentadas em formade sentença, e pedia ao respondente que indicasse seu grau de concordância.

27. Esse aspecto apareceu de forma muito nítida na pesquisa que realizamos com profes-sores e cujos resultados foram publicados em A Escola e a Favela (ver Burgos e Paiva,2009).

28. O que dizer, por exemplo, de um bairro em que parte dos moradores são bastantehostis às escolas que recebem crianças e adolescentes das favelas? Há várias evidên-cias disso, a nós relatadas tanto por profissionais da escola quanto por gestores da Se-cretaria de Educação do Rio de Janeiro. Uma das escolas por nós estudada está situa-da entre prédios residenciais, e moradores chegam ao ponto de jogar ovos e outrosobjetos quando os alunos cantam o hino nacional de manhã cedo; duas das escolaspúblicas (que praticamente não contam com área livre em seu interior) estão situadasao lado da principal praça do bairro, que conta com uma generosa área, quase sem-pre ociosa. Apesar disso, é comum moradores reclamarem do fato de seus estudantesutilizarem a praça como área de lazer. Outra evidência do quanto o bairro é poucoamável com as escolas são os pontos de vans/ônibus, que não têm a estrutura neces-sária para comportar o grande número de estudantes que aguarda o transporte –quase sempre na direção da Rocinha.

29. Lefebvre define o direito à cidade como o direito “à vida urbana, à centralidade reno-vada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo quepermitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais” (2006:143).

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ABSTRACTPublic Schools and Communities in a Context of InstitutionalDemocracy-Building

This article's basic premise is that the main challenge for Brazilian publicschools is to redefine the terms of their relationship with the community, fromthe prevailing asymmetric and paternalistic pattern to an egalitarian andequitable one. This institutional challenge has been raised by a researchagenda on the relationship between public schools and the "students' world",including their families and neighborhoods. The article presents an analysis ofdata from a survey with the schoolchildren's parents and guardians, nearly allof whom were slum residents. Based on a reading of the data, we reflect on theschool's value for low-income communities and how this points to a horizon ofconflicts in the school's context. To deal with this scenario from the schooladministration's perspective, we draw on the notion of responsiveness fromthe sociology of law, which allows conceiving ways of turning expectations ofsocial mobility and access to the city into greater institutionality and moredemocracy.

Key words: school; city; family

RÉSUMÉÉcole Publique et Segments Populaires dans un Contexte de ConstructionInstitutionnelle de la Démocratie

Cet article part de la prémisse selon laquelle le principal défi qui se pose àl´école publique brésilienne concerne la redéfinition de ses rapports avec lesmilieux populaires. Il s´agit en effet de passer d´un modèle asymétrique etpaternaliste à un modèle égalitaire et équitable. Ce défi institutionnel aalimenté un agenda de recherches sur les rapports qui relie l´école au "mondede l´élève" dont fait partie sa famille et son voisinage. Cet article présente lesdonnées obtenues lors d´une enquête auprès de parents et de responsablesd´élèves, habitant presque tous des favelas. La lecture des données recueilliesnous a conduit à une réflexion sur la valeur que l´école assume auprès dessegments populaires. Elle met en évidence un horizon de conflits au sein del´espace scolaire. Afin de faire face à ce scénario sous l´angle de la gestionscolaire, nous avons emprunté à la sociologie du droit la notion de"responsivité" qui permet de penser la façon de transformer des expectativesde mobilité sociale et d´accès à la cité en une institutionnalité accrue, endavantage de démocratie

Mots-clés: école; cité; famille

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Marcelo Baumann Burgos

Revista Dados – 2012 – Vol. 55 no

4

1ª Revisão: 23.12.2012

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