Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ESCOLA SULIVAN SILVESTRE OLIVEIRA: HISTÓRIA, FORMAÇÃO E
CULTURA NA ALDEIA URBANA MARÇAL DE SOUZA
Renata Leny Costa de Oliveira1 Kátia Cristina N. Figueira2
RESUMO:
Este trabalho integra os estudos em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Educação, ofertado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Campo Grande. A proposta da pesquisa em curso origina-se da necessidade em contextualizar o aspecto histórico, o processo de formação e a construção da identidade da Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira – Tumune Kalivono “Criança do Futuro” localizada na comunidade Marçal de Souza, que se constitui como a primeira aldeia urbana indígena dos povos Terena no Brasil. Problematizamos o processo de constituição dessa escola que possui, em sua singularidade, 30% (trinta por cento) do alunado constituído por grupos indígenas de maioria Terena, sendo os demais não indígenas. O trabalho em andamento é realizado sob uma perspectiva qualitativa e fundamentado por teóricos da Antropologia, da Educação e da História que se empenham nos estudos da temática. Os procedimentos metodológicos selecionados para a coleta de dados foram a análise documental e o registro de narrativas dos sujeitos envolvidos no processo de formação da escola, a saber: docentes que estão ou estiveram na instituição desde o início do funcionamento das atividades, sendo eles três Terena que também residam na comunidade desde sua criação e suas lideranças. A relevância da pesquisa dá-se pelo fato de esta procurar produzir fontes históricas que possam contribuir para um melhor entendimento dos educadores que atuam na comunidade sobre os desafios e as possibilidades de avanços, a inserção dos estudantes na escola e a formação da cultura escolar.
Palavras-chave: Escola; História; Formação; Cultura; Aldeia Urbana Marçal de Souza.
INTRODUÇÃO
O objeto de investigação da presente pesquisa é descrever e analisar como se
configuram as relações sociais da Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira – Tumune
Kalivono “Criança do Futuro”, localizada na Aldeia Urbana Marçal de Souza em Campo
1 Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu-Mestrado Profissional em Educação, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Campo Grande. Professora da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande. E-mail: [email protected] 2 Professora Doutora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Campo Grande. Professora gestora da unidade. E-mail: [email protected]
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
2
Grande-MS, além de buscar apresentar as contribuições sociais e culturais dessa comunidade
ao longo do processo histórico de formação da referida instituição, de modo a compreender as
ideias e conceitos que foram e estão sendo formulados a respeito do formato da escola em
tela, sua relação com a comunidade, a cultura, os valores e as transformações vividas pela
comunidade escolar.
Corroborar esse intuito Vieira (2015, p.48) que assevera que:
É importante mencionar que a falta de informação contribui para a reprodução de equívocos e concepções aprendidas durante os primeiros anos de escolarização. Essas concepções foram reproduzidas para atender ao interesse dos colonizadores com discursos marcados pela negação, subalternização e inferiorização.
O autor considera a importância de se obter informação e conhecimentos que possam
diminuir conceitos errôneos que foram construídos nas sociedades desde o início da
colonização do país a respeito da cultura dos povos indígenas.
Nesse sentido, o projeto curricular da escola a identifica como uma instituição
multicultural, por apresentar propostas que visam à valorização da cultura dos sujeitos que
nela estudam e implementa ações direcionadas ao grupo Terena. Para tanto, além de oferecer
duas disciplinas que a caracterizam como bilíngue, quais sejam: “Arte e Cultura Terena” e
“Língua Terena” contributivas para que as crianças indígenas estejam em contato diário com
um pouco da arte e da sua língua materna a escola também desenvolve vários projetos que
valorizam as culturas e as diferenças dos sujeitos escolares e da comunidade local.
Desse modo, a relevância da pesquisa dá-se pelo fato de esta produzir fontes
históricas que possam contribuir para um melhor entendimento dos educadores que atuam na
comunidade sobre os desafios e as possibilidades de avanços, a inserção dos estudantes na
escola e a formação da cultura escolar.
Pretende-se, ainda, após o término da pesquisa possibilitar à comunidade em geral o
acesso aos dados históricos da instituição escolar que, apesar de não ser indígena, localiza-se
em uma aldeia urbana, tendo sido concebida de forma hegemônica com muitas culturas
tentando, a partir do processo de ensino e aprendizagem, despertar nos sujeitos o sentimento
de pertencimento e de acolhimento das diferenças nas relações sociais no ambiente escolar.
Por consequência, fora desse espaço, intenta-se contribuir para a formação da cidadania, dos
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
3
valores pessoais e culturais dos atores nesse cotidiano e sobre tudo o respeito às diferenças e
às suas singularidades.
Diante do exposto e dada a importância da escola para a comunidade e seu olhar para
sua especificidade, diferenciando-se das demais, vejo a necessidade de realizar um estudo
histórico desse espaço pedagógico com a finalidade de produzir conhecimentos e informações
para a comunidade e para as futuras gerações sobre a formação da comunidade escolar e sobre
como se configuram as relações sociais na diversidade cultural dentro do ambiente escolar e
em seu entorno.
Nessa perspectiva, ao pesquisar a história e a formação da escola na comunidade
Marçal de Souza, pretende-se discutir como ocorre à inserção dos sujeitos escolares no
contexto urbano, em que a construção do conhecimento para os indígenas é intermediada por
tensões e conflitos de culturas dos não índios. Isso requer o entendimento da relação com o
outro e o respeito às condições étnico-raciais, culturais e saberes que permeiam o contexto
escolar, visto que a história dessa instituição se deu por um legado de lutas de homens e
mulheres indígenas que batalharam muito para sua concretização.
1. Povos Terena, aldeia Marçal de Souza: breve histórico
Reportando-nos ao início da história da colonização do país pelos portugueses e
fazendo uma comparação ao tratamento e valor dado aos povos indígenas, vemos que a
herança das marcas culturais deixadas pelos europeus desde o primeiro contato com os povos
indígenas ainda se fazem muito presentes em nosso contexto social, sempre marcado, porém,
por processos de exclusão, principalmente dos conhecimentos indígenas em relação à cultura
europeia. A esse respeito, os estudos do autor (FLEURI, 2012 apud VIEIRA, 2015, p.66)
constatam que:
A colonialidade do saber iniciou seu desenvolvimento a partir do momento em que o pensamento moderno se articulou para marginalizar, silenciar, invisibilizar e esteotipar o conhecimento produzido e localizado fora de seus parâmetros. Em outras palavras, presenciamos a constituição da Europa como centro de produção do conhecimento, e, assim, “as outras racionalidades epistêmicas e os demais conhecimentos que não sejam os dos homens brancos europeus ou europeizados” acabam sofrendo um processo de exclusão e subalternização.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
4
Isso se dá em decorrência de interpretações equivocadas fundadas na visão
eurocêntrica, que reforçam o preconceito e a desvalorização da cultura e dos conhecimentos
dos povos indígenas.
Em relação à realidade sul-mato-grossense e com base em estudos de autores como
Mussi (2006), (Urquiza), 2012 e Vieira (2008, 2015), sabe-se que Mato Grosso do Sul é o
segundo estado brasileiro com a maior população indígena, e em seu território, encontram-se
várias etnias com histórias de lutas diferenciadas e de deslocamentos de suas aldeias. Fazem
parte desse contexto os povos Terena, que migraram para a cidade de Campo Grande, a
capital do estado, tendo em vista a possibilidade de melhorar sua qualidade de vida.
A etnia Terena é a segunda maior população indígena de Mato Grosso do Sul,
originária da família Aruak, e se localizava no altiplano andino, nas planícies da Colômbia,
Venezuela e nas várzeas do Equador. Devido à ocupação espanhola nesses territórios, ela
migrou para a região sul do Mato Grosso, no Pantanal, mais especificamente para a área do
Chaco paraguaio.
Nesse sentido, (URQUIZA, 2010, p.61) afirma que, entre os povos indígenas que
habitam o estado de Mato Grosso do Sul, vigoram os Kaiowá, Guarani e Terena, que:
Apresentam-se com o maior contingente populacional. Considerados umas das mais importantes do país, registros apontam que os Terena viviam no Chaco Paraguaio a partir do século XVI e conhecidos como índios Guaná e também Txané. Outra informação importante é que após a Guerra do Paraguai ocorreram grandes perdas do seu território (URQUIZA, 2010, p.76).
O autor nos esclarece ainda que a etnia Terena, dependendo da região em que
habitava, recebia outras denominações. Entretanto, sempre se diferencia das demais pelo seu
aspecto de organização social e pelo espírito de luta diante do enfrentamento de batalhas e de
perdas de seu território.
[...] Com pouca terra e muita pressão de invasores, criadores de gado, muitas famílias viram-se obrigadas a trabalhar para eles. Outras tiveram a sorte de conseguir voltar a plantar suas pequenas roças e comercializar seus produtos nas cidades próximas às aldeias. Outras famílias decidiram tentar a vida na cidade, enfrentando os infortúnios do preconceito, da pobreza e do abandono (URQUIZA, 2010, p.61).
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
5
Esse pesquisador enfatiza características dessa etnia, como o fato de serem
agricultores que lutam pelas terras, sua principal fonte de renda e subsistência. Os terenas
procuram se adaptar ao meio social e, sendo assim, deslocam-se com facilidade, habitando
vários municípios do estado, tais como: Miranda, Sidrolândia, Aquidauana e Anastácio, além
de outras cidades, transitando pelas aldeias dessas regiões e em seu contexto urbano
enfrentando todo tipo de sorte.
Mussi (2006, p.93), por sua vez, acrescenta que:
Os grupos do Tronco Aruak, de modo geral, assim como os Terena, possuem um sistema específico na ocupação do espaço destinado ao preparo do solo para o plantio. Antes de começar o cultivo, primeiramente derrubavam matas nativas e, no espaço da derrubada, plantavam as suas lavouras; só onde a terra era suficientemente úmida e fértil que servia para a plantação do milho ou da mandioca, principal produto cultivado pelos grupos.
A autora destaca, pois, alguns aspectos da herança cultural dessa etnia no que se
refere à organização familiar, à forma como o trabalho é realizado e ao sistema de utilização
da terra nas lavouras.
Urquiza (2012, p.23), contribuindo para nossos estudos, também esclarece que:
Esses índios, em sua grande maioria mulheres, viram na cidade a oportunidade de melhorar suas condições de vida, principalmente no tocante aos laços de parentescos, às relações de trabalho, à falta de terra, aos problemas políticos na aldeia e à educação.
Para esses estudiosos, a falta de terras para plantar é um dos principais fatores que
impulsionam os terenas a saírem de suas aldeias para a cidade em busca de melhorias de vida
para sua família, tanto à procura de bens materiais quanto de estudos e educação. Dessa
forma, organizam-se em aldeias urbanas para não perderem o vínculo com a cultura e os
hábitos de seu povo.
Sobre esse aspecto, Mussi (2006) evidencia que em Campo Grande, a capital do
estado de Mato Grosso do Sul, a população indígena encontra-se em 5 (cinco) aldeias: Marçal
de Souza, Água Bonita, Tarsila do Amaral, Darcy Ribeiro e Núcleo Industrial. A Marçal de
Souza foi a primeira aldeia constituída no contexto urbano, ainda em 1999. Como podemos
constatar:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
6
[Ela] é formada por famílias da etnia Terena que se deslocaram principalmente dos municípios de Aquidauana, Sidrolândia, Miranda e de outras cidades do estado e até mesmo fora dele. A aldeia encontra-se em uma área de 4 (quatro) hectares e 9.300 (nove mil e trezentos) metros quadrados, doada no dia 25 de janeiro de 1973 pelo prefeito municipal Antônio Mendes Canale, à FUNAI, em ocasião à Lei Municipal de nº 1.416 (MUSSI,2006, p. 265).
De acordo com a autora citada acima, podemos refletir que o povo Terena, mesmo
desaldeado, organiza-se na luta pela conquista de melhorias para sua gente no espaço urbano.
Esses avanços se constatam por dados que registram um crescimento populacional
expressivo dessa etnia, haja vista as estatísticas figuradas anteriormente sobre sua migração
para o espaço urbano: “[...] em comparação com os dados anteriores, e se levarmos em
consideração o número de índios no espaço urbano, é possível perceber que houve um
aumento gradativo do número de crianças indígenas e de adultos na cidade” (VIEIRA, 2015,
p. 105).
Tais informações são muito relevantes, uma vez que no cotidiano escolar os
professores regentes observam um aumento do alunado indígena nas salas de aula no ensino
regular.
Um fator que contribui para esse aumento no ambiente escolar é a legislação
educacional, que preconiza a população indígena ao estabelecer, a partir da Constituição
Federal (BRASIL, 2002[1988], p.73), em seu artigo 231, que “[...] são reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”.
O artigo 210 da mesma lei, por seu turno, apresenta: “[...] a educação é direito de
todos e dever do estado e da família, [e] será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento das pessoas, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2002 [1988], p.73). Tendo então
como base “a educação como direito de todos”, um conjunto de documentos legais foi criado
e regulamentado para que esses direitos se constituam de fato.
Ademais, documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº
9.394/1996 (BRASIL, 1996) apresentam uma nova forma de abordagem com base na
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
7
aplicação da Lei 11.645/2008 e da Lei 10.639/2003, que alteram a referida legislação para
atender ao reconhecimento e à valorização da diversidade étnica e cultural instituída pela
Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990),
representando parte das implementações legais brasileiras advindas a partir da promulgação
da Carta Magna.
Com o amparo de dispositivos legais, os sujeitos se fortalecem para lutar em busca
de melhores condições de vida e passam a exigir seus direitos como cidadãos de fato.
2. Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira: alguns aspectos
Ao reconhecer que o Brasil é um país que se constitui no âmbito da diversidade, com
raças e etnias que se misturam no meio social, observamos que essa pluralidade está inserida
no contexto escolar. Sendo assim, a escola assume a responsabilidade de articular os saberes
diversos que circulam na sociedade moderna.
Com base nas pesquisas de Mussi (2006), compreendemos que a comunidade escolar
em análise se inscreve nesse movimento: a migração dos povos indígenas Terena para a
cidade demandou esforços do poder público para a viabilização de moradias, saúde e espaço
físico para que suas crianças pudessem ter a oportunidade de estudar, uma vez que as
circunstâncias do contexto urbano trouxeram várias expectativas para eles, inclusive a
educação.
É assim, configurada a construção de uma nova história, a transformação na vida de
muitas famílias que deixaram para trás suas tradições para entrar em contato com outros
grupos sociais que detêm códigos culturais estranhos à sua cultura.
Sobre o tema, Mussi (2006, p. 262) acrescenta que:
A ocupação da área pelos povos indígenas ocorreu em 09 de junho de 1995 com um total de 100 famílias, sendo 353 indivíduos (158 adultos e 195 crianças). Após inúmeras iniciativas de moradores da aldeia indígena ante o poder público, cobrando melhores condições de vida e a inserção definitiva ao contexto urbano, a prefeitura no ano de 1999 inaugurou 163 casas, sendo todas de alvenaria, cujos telhados lembram muito a antiga disposição das aldeias em forma de círculos, ou seja, o antigo sistema tradicional.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
8
Notamos então a união desses povos e sua força política diante das autoridades
competentes, assim como os enfrentamentos dos Terenas para alcançar os seus objetivos.
Nesse cenário, a instituição reconhecida no contexto atual como Escola Municipal
Sulivan Silvestre Oliveira – Tumune Kalivono “Criança do Futuro” constitui uma expressão
viva desse movimento histórico, social e cultural e principalmente na impressão do processo
inicial escolar das crianças indígenas. Localizada dentro da Aldeia Urbana Marçal de Souza,
próxima ao conjunto habitacional Dalva de Oliveira, no bairro Tiradentes, a escola oferece o
Ensino Fundamental, da Pré-escola ao 5º ano. Estima-se que aproximadamente 30% (trinta
por cento) de seus estudantes fazem parte da comunidade indígena, sendo que o restante
origina-se em outras comunidades, ou seja, não indígenas.
Dados do Projeto Político Pedagógico da escola indicam que no mesmo ano de
ocupação da área pelo grupo, também em 1999, ela foi inaugurada. Originou-se de um anexo
da Escola Municipal Professora Oliva Enciso, implantado no loteamento desbarrancado,
atendendo crianças em idade escolar e filhos de índios Terena que se fixaram nessa área, na
época pertencente à Fundação Nacional do Índio (ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN
SILVESTRE OLIVEIRA - TUMUNE KALIVONO “CRIANÇA DO FUTURO”).
Já a identificação Sulivan Silvestre Oliveira surgiu para homenagear o relevante
papel social e público ocupado no país pelo presidente da FUNAI, oficialmente registrando-se
a instituição escolar como Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira - Tumune Kalivono
“Criança do Futuro” (ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN SILVESTRE OLIVEIRA -
TUMUNE KALIVONO “CRIANÇA DO FUTURO”, 2015, p. 32).
As proposições da escola, no que se refere à inclusão educacional, têm muito a nos
revelar, especialmente suas atividades, introduzidas desde que se instalou na comunidade.
Verificam-se, por exemplo, algumas ações direcionadas à valorização das crianças indígenas,
ao acolhimento de seus saberes e à afirmação de sua cultura, com projetos desenvolvidos pela
equipe pedagógica. A escola se apresenta como defensora de um programa que a qualifica
como uma instituição diferenciada, sendo a única que inseriu no plano curricular as aulas de
Arte e Cultura Terena, em que as crianças podem vivenciar a língua materna, o que as insere
na comunidade local:
[...] As famílias constroem um vínculo forte com o local, por se sentirem respeitadas pela sua simplicidade, forma de ser e viver e essa aproximação se traduzem como um referencial para que a diversidade existente no local não
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
9
represente barreiras nas interações com crianças não indígenas nos espaços partilhados (ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN SILVESTRE OLIVEIRA - TUMUNE KALIVONO “CRIANÇA DO FUTURO”, 2015, p. 60).
Nesse aspecto, a escola procura sempre o contato direto com as famílias dos
estudantes, solicitando suas presenças regularmente e sua participação em atividades, eventos
realizados em datas comemorativas e decisões que impliquem melhorias para a comunidade
escolar.
Entre suas ações, o Projeto Político Pedagógico contempla alguns projetos, quais
sejam: Valores, Liderança, Recreio orientado, Educação, sexista, não! Inclusiva, Sim!,
Respeito à diversidade - igualdade e equidade de gênero, Reconstruindo a escola, Eu atinjo as
minhas metas, além de outros, alguns deles em parceria com a Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul por meio do Programa de Iniciação à Docência (PIBID).
Segundo o documento:
Os projetos acima mencionados já estão em prática, alguns desde o início letivo e outros que começarão no 2º bimestre que se constituem em espaço de inclusão, valorização do ser humano atendendo seus interesses, necessidades e linguagens próprias das faixas etárias dos estudantes. (ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN SILVESTRE OLIVEIRA - TUMUNE KALIVONO “CRIANÇA DO FUTURO”, 2015, p. 15).
Entre os projetos mencionados e em andamento no local está o que enfoca os
Valores, “[...] com o objetivo de melhorar as práticas educativas provendo a educação para a
paz” (ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN SILVESTRE OLIVEIRA- TUMUNE KALIVONO
“CRIANÇA DO FUTURO”, 2015, p. 21), uma das razões que nos levaram a compreender e a
refletir sobre a história e a formação desse espaço escolar, bem como as relações sociais e
culturais dos professores com a comunidade.
A Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira sinaliza a preocupação em oferecer
um espaço que acolha as diferenças de classes e as diversas condições étnico-raciais
identificadas quando da elaboração de projetos voltados para a inclusão social. A proposta da
instituição considera a perspectiva da educação intercultural, de forma que todos os alunos
possam aprender os conteúdos escolares desprovidos de preconceitos e se apropriem de
valores morais, éticos, religiosos e ambientais. Assim, a educação intercultural se propõe a:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
10
Promover uma educação para o reconhecimento do ‘outro’, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade (CANDAU, 2011, p.27).
Essa afirmação nos leva a compreender que a educação escolar é um dos principais
mecanismos que podem contribuir para a formação de sociedades democráticas, em que se
respeitem as diferenças, as culturas e os costumes dos sujeitos em sua totalidade, sem
qualquer distinção. Nesse aspecto, a instituição escolar tem função primordial para a
formação de conceitos, elaborando conhecimentos que possam dar subsídios para que os
indivíduos se tornem menos preconceituosos e mais acolhedores e democráticos, construindo
assim uma sociedade mais plural.
Isso porque:
O Brasil é reconhecidamente um país pluriétnico, constituído por uma considerável variedade de sociedades indígenas, cada uma delas com histórias saberes, tradições, usos, línguas e costumes próprios (MACIEL, 2009; SILVA, 2009), reconhecemos que a função escolar diante dessa diversidade é complexa e ampla, pois incidem sobre ela vários aspectos que precisam ser considerados no trabalho pedagógico, como a organização das atividades que atendam as especificidades das crianças indígenas no contexto em que estão inseridas. Essa constatação também mostra uma demanda por conhecimentos sobre a infância por parte dos profissionais envolvidos com a educação, que consistem em conhecer e reconhecer as diferenças culturais e suas implicações no ambiente onde circulam diferentes grupos sociais (MACIEL, 2009, p.267).
Nesse movimento, identificamos ainda a organização de políticas públicas federais e
estaduais que fomentam o debate sobre a inserção dos povos indígenas no cenário
educacional. E a necessidade de compreender as especificidades da etnia terena nos mobilizou
para participar da formação para professores na temática “Culturas e histórias dos povos
indígenas” oferecida pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em parceria com a
SEMED/MEC (Secretaria Municipal de Educação/Ministério da Educação). A referida
formação era coordenada por uma equipe da SEMED e ministrada por um grupo de
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
11
professores do mesmo órgão – dois deles, inclusive, eram doutorandos da Universidade
Católica Dom Bosco e também desenvolviam pesquisa na escola.
A formação se estendeu por um período de três anos, ocorrendo duas vezes por
semana. Essa capacitação também constituiu um grupo permanente de formação inicial e
continuada com leituras de textos, discussões presenciais e atividades on-line. Assim, por
meio de metodologias de Educação a Distância, os estudos tinham o objetivo de disseminar
conhecimentos envolvendo os temas da diversidade étnico-racial a fim de fazer reflexões
acerca da formação, das concepções e dos estereótipos construídos na sociedade e
relacionados aos negros e aos povos indígenas.
Também na escola em estudo temos o desenvolvimento do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), com a participação de acadêmicos dos Cursos de
Licenciatura de Artes Cênicas e Dança; Geografia, Letras Inglês; Letras Espanhol e
Pedagogia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), constituindo uma
experiência ímpar junto aos acadêmicos que trazem a temática focando a Educação das
Relações Étnico-Raciais, a Diversidade Sexual e de Gênero e a Educação Ambiental.
O desenvolvimento desse programa coloca os professores participantes em contato
com os acadêmicos em um processo dinâmico de interação e articulação com conhecimentos
inovadores discutidos na universidade, além de ampliar as possibilidades de estudo nessa
área, o que vem contribuindo para o entendimento do processo de inclusão, para a valorização
cultural e para o reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos de direitos educacionais
no contexto social. Nessa perspectiva, de valorização das diferenças, observa-se o esforço
escolar no enfoque a práticas pedagógicas favoráveis à inclusão de todos os educandos, numa
abordagem intercultural.
3. Percurso metodológico da pesquisa
A pesquisa Escola Sulivan Silvestre Oliveira: história, formação e cultura na Aldeia
Urbana Marçal de Souza está sendo desenvolvida na Escola Municipal Sulivan Silvestre
Oliveira – Tumune Kalivono “Criança do Futuro” por meio do levantamento de documentos,
legislações e de fontes bibliográficas de autores que pesquisam a temática indígena, mais
especificamente o processo histórico das instituições escolares, a formação da escola nas
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
12
comunidades indígenas, a história dos povos Terena e as relações sociais e culturais dessa
etnia na comunidade Marçal de Souza.
Estão sendo realizados ainda registros de entrevistas na referida comunidade
indígena com as lideranças locais e com docentes que fizeram ou fazem parte do quadro de
funcionários da escola desde sua formação. Assim, depoimentos de professores estarão
presentes, a percepção de suas histórias de vida e de formação, além de sua relação com a
escola e com a comunidade.
A perspectiva teórica se fundamenta na abordagem fenomenológica por considerar
que o estudo por essa vertente é um campo rico para a pesquisa, uma vez que valoriza as
vivências e a particularidade do ser humano.
Atuando para a compreensão do fenômeno,
A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas segundo ela tornam a definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas também a fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências na existência e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra forma senão a partir de sua facticidade (TRIVIÑOS, 2012, p.43).
Em Bicudo (2000), por sua vez, observamos que a Fenomenologia trabalha com os
dados fornecidos pela descrição e vai além, analisando-os e interpretando-os. A descrição dos
fatos observados para a obtenção de dados, por essa abordagem como procedimento
metodológico, fornece elementos que contribuem para a compreensão do estudo em análise.
Além disso, para Merleau-Ponty (2006), na concepção fenomenológica, o olhar vai
mais além: ele envolve, apropria-se das coisas visíveis e, não raras vezes, o que torna visível
pode tornar vidente, mas pode se ocultar também.
Por essas considerações, requer-se um olhar atento, da percepção do outro em
diferentes dimensões, a compreensão do mundo do sujeito e a busca dos fatos para explicar as
relações humanas em sua essência.
Nota-se então que o campo da Fenomenologia é amplo e sugere a possibilidade de se
analisarem as percepções dos fenômenos sociais e culturais em seu âmago. Nesse sentido,
essa abordagem pode contribuir para a discussão da questão pelo estudo investigada.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
13
Para Triviños (2012), a pesquisa qualitativa com apoio teórico na Fenomenologia é
essencialmente descritiva. Segundo o autor, existem várias formas de se fazer em pesquisas e
um dos caminhos que respondem sobre a natureza de um problema é a descrição dos
fenômenos culturais e sociais dada sua vertente referencial, pois se trata de um povo, de uma
etnia, postas suas formas de viver e de existir no mundo e que precisam ser interpretadas nas
suas relações com o outro.
Considerações em processo
As análises realizadas sinalizam a importância de se contextualizar o processo
histórico e a formação da Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira, bem como suas
relações com os sujeitos da comunidade Marçal de Souza, na qual está inserida. Isso porque
essa instituição demonstra peculiaridades por atender várias etnias, em maior número os
povos indígenas, especialmente os Terena, um povo singular que se faz presente no contexto
urbano.
Outro aspecto a ser considerado é que se trata de uma escola diferenciada das
demais, que se constitui como multicultural bilíngue inclusiva, primando pelo acolhimento
dos sujeitos escolares. Assim sendo, ela promove o respeito às culturas e aos costumes das
minorias sociais.
Em vista disso, faz-se necessário produzir conhecimentos a partir de pesquisas que
possam dar subsídios para o enfrentamento dos desafios dos professores na docência, de
forma que possam compreender melhor o processo de evolução do ensino e da aprendizagem
dos estudantes respeitando suas especificidades, as diferenças culturais e refletindo sobre suas
práticas pedagógicas e ações, de modo a mudarem posturas e reformularem novos conceitos
que possam proporcionar um ambiente mais acolhedor e menos preconceituoso, distante da
discriminação e do silenciamento por falta de conhecimento, principalmente acerca da
formação histórico-cultural dos povos indígenas.
Em síntese, deve-se contribuir não só com a comunidade escolar, mas também com a
sociedade, para que os sujeitos tenham um olhar menos distante e mais atento aos valores
culturais desses primeiros povos que habitaram e ainda habitam esse país: os povos indígenas.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
14
Referências
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei Federal nº. 8069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm. Acesso em: 09 out. 2016.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei nº. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 13 out. 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº. 1/92 a 38/2002 e pelas Emendas Constitucionais de revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas, 2002.
BRASIL. Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Disponível em: http://www.Planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L11645.htm.Acesso em: 11ago. 2016.
BICUDO, Maria Aparecida Viggiani Bicudo. Fenomenologia: confrontos e avanços. São Paulo: Cortez, 2000.
CANDAU, Vera Maria. Educação em direitos humanos e diferenças culturais: questões e buscas. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Diferenças culturais e educação: construindo caminhos. Rio de Janeiro: 7 letras, 2011, p. 101-126.
CUNHA, Manuela Carneiro da. O Futuro da Questão Indígena. Estud. Av., vol.8, no.20. São Paulo, Jan./Abr.1994. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141994000100016&script=sci abstract. Acesso em: 14 out. 2016.
ESCOLA MUNICIPAL SULIVAN SILVESTRE DE OLIVEIRA TUMUNE KALIVONO CRIANÇA DO FUTURO. Projeto Político Pedagógico. Campo Grande MS, 1999-2015.76 páginas.
MACIEL, Léia Teixeira Lacerda: JOSÉ DA SILVA, Giovane. “Nem Programa de Índio”, nem “Presente de Grego”. In: Revista Brasileira de História da Educação, nº. 19, p. 205-226, jan./abr. 2009. Disponível em:www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/download/84/92. Acesso em: 09 nov. 2015.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MUSSI, Vanderléia Paes Leite. As estratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005). 330 páginas. (Tese de Doutorado em História).Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2006.
MUSSI, Vanderléia Paes Leite. Questões Indígenas em Contextos Urbanos: outros olhares, Novas Perspectivas em Semoventes Fronteiras. História Usinos, Maio/agosto. 2011.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação.1. Ed. 21reimpr. São Paulo: Atlas, 2012.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
15
URQUIZA, Antônio H. Aguilera et al (Orgs.). Conhecendo os povos indígenas no Brasil Contemporâneo. Módulo 2. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2010.
URQUIZA, Antônio Hilário; VIEIRA, Carlos Magno Naglis. Educação escolar e os índios urbanos de Campo Grande/MS: considerações preliminares sobre as práticas de ensino nas escolas. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino. Campinas: UNICAMP, 2012.
VIEIRA, Carlos Magno Naglis. A criança indígena no espaço escolar de Campo Grande/MS: Identidades e diferenças. 229 páginas. Tese (Doutorado em Educação). Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, 2015.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/