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ii ESMP - ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO UECE - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FRANCISCO OLIVEIRA PEIXOTO MAIA ih PISTOLAGEM NO VALE DO JAGUARIBE o ia FORTALEZA - CEARÁ 2007 1

ESMP - ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO UECE ... · pois tratava do contexto geral sempre citava de modo especial o Vale do Jaguaribe, como nos livros de Peregrina Cavalcante

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iiESMP - ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

UECE - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FRANCISCO OLIVEIRA PEIXOTO MAIA

ih

PISTOLAGEM NO VALE DO JAGUARIBE

o

ia

FORTALEZA - CEARÁ

2007

1

ElESMP - ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

UECE - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FRANCISCO OLIVEIRA PEIXOTO MAIA

PISTOLAGEM NO VALE DO JAGUARIBE

FORTALEZA - CEARÁ2007

4 4Universidade Estadual do Ceará - UECE

*

Centro de Estudos Sociais Aplicados - CESACoordenação do Programa de Pós-Graduação - Lato Sensu

COMISSÃO JULGADORA

JULGAMENTO

A Comissão Julgadora, Instituída de acordo com os artigos 24 a 25 do

Regulamento dos Cursos de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Ceará / HECE

aprovada pela Resolução e Portarias a seguir mencionadas do Centro de Estudos Sociais

Aplicados - CESAJÍUECE, após análise e discussão da Monografia Submetida, resolve

considerá-la SATISFATÓRIA para todos os efeitos legais:

Aluno (a):

Monografia:

Curso:

Resolução:

Portaria:

Data de Defesa:

Francisco Oliveira Peixoto Maia

Pistolagem no Vale do Jaguaribe.

Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal

2516/2002 - CEPE, 27 de dezembro de 2002

12/2007

25/5/2007

Fortaleza (Ce), 25 de maio de 2007

1

£-

94arcus 't2iníciusfimotim tfr Oliveira Sani'fra Maria Pereira fMe&,

Orientador/Presidente/Mestre Membro/Mestre

4

SiMa Lúcia Correia Lima

Membro/ Mestre

3241.213

HZL

(5JiJi2i

FRANCISCO OLIVEIRA PEIXOTO MAIA

Is

Is

IsPISTOLAGEM NO VALE DO JAGIJARIBE

li

Monografia apresentada ao Curso de Especialização daUniversidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para

• obtenção do titulo de especialista em Direito Penal eProcessual Penal.

Orientador: Professor Marcus Vinícius Amorim de Oliveira

Fortaleza - Ceará2007

1*

1s

1

AGRADECIMENTOS

o Este trabalho além de ser uma exigência para o término CURSO DE

ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL, é

antes de tudo, um trabalho de uma área que sempre tive muita curiosidade e

vontade de realizar por isso me deu forças para pesquisar, me esforçar ao

máximo para que pudesse retratar um pouco do que penso sobre o assunto,

mas nada tinha sido possível se não tivesse contado com a contribuição

valiosíssima de vários amigos e familiares.

A minha esposa Edilanda e meus filhos Mayane e Emanuel, que do

pouco tempo que tenho para lhes dar atenção, pois trabalho em Jaguaribara e

moro em Fortaleza com eles, ainda renunciava o convívio de final de semana

para me dedicar à pesquisa, entenderam o porquê da minha ausência e me

incentivaram.

A minha filha Geórgia, estudante de Direito que mora e estuda em

1• Recife, e durante o período de férias que veio passar comigo, ficou curiosa com

o tema, também pretende se especializar em direito penal, será uma grande

advogada.

Meu muito obrigado a vocês.e

Quero agradecer especialmente ao Professor Marcus Amorim, meu

orientador, por seu estímulo, orientação e por toda paciência e disponibilidade

no processo de orientação.

Oliveira Maia

9

Is

RESUMO

i•

Este trabalho analisará os crimes de pistolagem no Vale do Jaguaribe, procurando

demonstrar através de leituras de livros e entrevistas com pessoas consideradas

Pistoleiros, desvendar o que leva um homem enveredar por esse caminho, e o que foi

feito entre 1980 e 1990. A maioria dos entrevistados se dizem justiceiros e tem uma

História para contar do passado e de seu primeiro crime. A pistolagem remonta aos

tempos dos coronéis, dos grandes latifundiários, que no início tinham seus capangas

para protegê-los e defender suas terras, posteriormente passaram a ter guarda -

costas e homens de confiança. O pistoleiro de hoje tomou-se independente, "Pistoleiro

Profissional", fazendo o "serviço" para qualquer pessoa que em troca tenha um

• pagamento. Dai nasceu o Sindicato do Crime. A década de oitenta foi considerada a

de maior combate a esse tipo de crime. Houve várias prisões de "famosos Pistoleiros",

inclusive do Mainha, conhecido como maior Pistoleiro do Nordeste. Depois de sua

prisão, houve urna pequena trégua nos crimes praticados com características de

Pistolagem, mas, ele continua preso e os crimes de pistolagem continuam

acontecendo com mais intensidade e freqüência. É como o povo daquela região diz:•

"eles tem peças de reposição, é como enxugar gelo, nunca vão conseguir êxito total no

combate a esse tipo de crime".

Palavras-chave: Jaguaribe, Jaguaribara, Pistolagem, Mainha, Pistoleiro.

1*

Is

1s

1

SUMÁRIO

1.

1 INTRODUÇÃO. 07

1.1 A HISTÓRIA DA PISTOLAGEM, O CORONELISMO E SUA1

INFLUENCIA NO SERTÃO ............................... ..............................................10

1.2 A pistolagem..........................................................................................17

1.30 perfil do pistoleiro...............................................................................19

2. JAGUARIBARA TERRA E PISTOLA...........................................................23'e

2.1 Os esquemas dos pistoleiros.................................................................25

2.2 Da preparação ao crime.......................................................................29

Is 2.3 A tocaia e o silêncio da morte...............................................................31

2.4 Os Diógenes..........................................................................................33

3. MAINHA: PISTOLEIRO, JUSTICEIRO OU VINGADOR..............................40'e

3.1 Mainha o maior pistoleiro do Nordeste.....................................................41

3.2 A carta do pistoleiro Mainha a sociedade ....... ........................................... 43

IsCONCLUSÃO...................................................................................................53

REFERÊNCIAS................................................................................................55

1•

Is

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar os Crimes de Pistolagem no Vale do

Jaguaribe e o que foi feito para combater este tipo de delito tão característico

daquela região, procurando retratar o drama da vida do homem sertanejo, sua

condição, profissão, sonhos e suas incertezas.Is

Ser filho da região jaguaribana, e ser um assunto que muito tem

preocupado a todos que ali habitam e as autoridades do Estado, foi o principal

motivo que me levou a desenvolver esse trabalho, mesmo sabendo ser uma

pesquisa difícil por se tratar de um assunto, que na maioria das vezes é

guardado no mais absoluto sigilo, o que ás vezes toma-se até perigoso procurar

entender ou desvendar o sub-mundo do crime de pistolagem.

Escolhi a década de 80, por ter sido na minha opinião, a década que

mais se investiu no combate a pistolagem, quando foram presos os mais

1 famosos Pistoleiros inclusive o mais famosos dos Pistoleiros do Nordeste como

era publicada na imprensa local, foi capa de uma grande revista de circulação

nacional e hoje se encontra preso na cadeia pública de Maranguape - Ce, esse

famoso Pistoleiro a quem vou dedicar o terceiro capítulo é o Mainha (ldelfonso

Maia Cunha, famoso pistoleiro atualmente preso na cadeia pública de

Ia Maranguape) pessoa que tinha conhecido antes de sua prisão e voltei a

conversar com ele em entrevistas na cadeia de Maranguape, durante os meses

de fevereiro e março do corrente ano.

Em 1980 conclui minha primeira graduação em Recife, estudeiIs odontologia na Faculdade de Odontologia de Pernambuco, antiga FOP- PE, no

inicio de 1981 voltei para morar com minha mãe em Jaguaribara, terra onde

nasci e agora voltava para trabalhar, onde poderia desenvolver minha profissão

1s

Is 8

e ajudar meus conterrâneos depois de alguns anos fora, embora tenha nascido

e vivido sempre em Jaguaribara, tive os meus primeiros contatos com pessoas

ligadas ao assunto, quando fui procurado por dois homens, em minha

1* residência para atender um paciente à noite, pois um deles sofria de uma

odontalgia insuportável, e cumprindo o meu dever de profissional de saúde e o

juramento que tinha feito, fui atendê-lo já bem tarde da noite no consultório do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaguaribara, onde exercia minha

profissão, fiquei curioso quando todas as perguntas que eu fazia tinha comoIa resposta o silêncio ou monossilábicas, sim ou não. Foi feito o atendimento,

sanada a dor e os dois foram embora: paciente e acompanhante. No outro dia,

soube se tratar de dois famosos pistoleiros: Mainha e Zé de Judite.

Nos meses de duração do trabalho iniciando pelas leituras aos livros

que se referiam a Pistolagem percebi que embora fossem mais abrangentes,

pois tratava do contexto geral sempre citava de modo especial o Vale do

Jaguaribe, como nos livros de Peregrina Cavalcante - Como se Fabrica um

Pistoleiro e o do Professor César Barreira - Crimes por Encomenda. Nas visitas

ao presídio que optei, pude conhecer uma realidade, o contato com pessoas

1• rotuladas pelo estigma da criminalidade e como eles sobrevivem na

comunidade carcerária, um ninho de cobras, onde se respeitam mutuamente,

não sei se pelas condições que vivem, ou pelo medo uns dos outros, sem

dúvida foram partes inevitáveis de um processo para quem preferiu trabalhar

um tema insalubre que proporcionaria perigo.

Is

Essa pesquisa fica difícil e perigosa por tratar de um assunto

melindroso tomou-se uma ameaça, "remexer no passado pode trazer à tona

crimes que são verdadeiras feridas abertas de difícil cicatrização. Enquanto que

ela representa um esforço arqueológico de resgatar a moralidade, a justiça e aIsverdade soterradas com o abandono e descaso em que viveu o Vale do

Jaguaribe e Jaguaribara no período que compreende de 1980 a 1990.

o

is

o

Esses 10 anos foram marcados por uma violência maior onde a

pistolagem, homicídio misterioso praticado por um profissional do gatilho

mediante recompensa financeira, esteve em evidência, uma grande incidência

is criminosa ocorreu em Jaguaribara, clamando da cúpula judiciária uma maior

atenção para a segurança de nosso povo, e eu que havia chegado de um

grande centro não me conformava com aquilo, mas logo tive que me acostumar

e aceitar a maior lei que se imponha naquela época na região à lei do silêncio.

is No ano de 1988, reduz-se o índice de violência e dos crimes de

pistolagem dada à implantação pelo governo do Estado de uma campanha

objetivando o fim da pistolagem e a paz no Vaie do Jaguaribe, a prisão daquele

que era conhecido na imprensa como o "maior matador de aluguel do

Nordeste", veio coibir a ação de outros homicidas, decretando uma trégua, eraIs hora de baixar as armas em nome de uma paz pouco duradoura.

A agropecuária sempre foi à base econômica do nosso município,

mas a realidade hoje é outra, com a construção da Barragem Castanhão e a

implantação da criação de peixes em gaiola, a nossa economia também passou

1 a ter esse novo tipo de cultura. A agropecuária tem se tomado inviável ao longo

dos anos, pois muitos pequenos criadores tiveram que vender seus rebanhos,

porque a produção leiteira desses não custeava a ração industrializada

indispensável para a vida do rebanho, nas épocas de estiagem onde não se

podia contar com os pastos naturais, além disso, ainda existia uma exagerada

Is concentração de terras em todo o município. inviável e deficiente, essa

atividade econômica não proporcionada ao homem do campo perspectivas de

vida e para ele que "está em função direta da terra" (Os Sertões - Euclides da

Cunha. V ed.p.141) , abandonar o campo é perder muito de sua tradição, a

saída foi pegar as armas e sair sem alvo certo.1s

lo

1.1 História da Pistolagem, o Coronelismo e a sua influencia no Sertão

1. A política de compromissos evidenciada pelo coronelismo tem suas

raízes na presidência de Campos Sales que sacramentou o famoso pacto de

poder.

A chamada política dos governadores ou "pirâmide de compromissos

recíprocos" que tinha por finalidade manter a harmonia entre os poderes

estadual e federal veio a completar os vícios e a malandragem do novo regime.

Esse jogo de interesses se dava especialmente para conciliar forças

com os Estados mais ricos, Minas Gerais e São Paulo, detentores da política doIscafé com leite, que detinham os principais produtos da economia, e por isso

reivindicavam uma maior participação no processo decisório do País.

O apoio massivo de todos os governadores ao Presidente daria as

condições para a manutenção dos governadores ou seus representantes no

1 i poder. Essas eram as bases ideológicas dos governos, pois desprovidos de

propostas políticas capazes de mantê-los nos cargos, lançavam mão do

favoritismo e do tráfico de influência para garantir os seus privilégios.

No interior do Nordeste brasileiro vivemos até a quarta década desteIs século, num regime político e econômico chamado de coronelismo: "poder

exercido por chefes políticos sobre parcelas do eleitorado, objetivando a

escolha de candidatos por eles indicados".

Inicialmente coronel era uma patente da guarda nacional. Logo apósIsveio a se popularizar como título de honra para cidadãos comuns que possuíam

algum prestigio frente aos poderes municipais, estaduais e federais e, com isso,

construíam teias de trocas de influência e compromissos. As bases eleitorais

5

o 11

dos coronéis eram "seu pessoal", famílias humildes que diante da submissão

econômica dispunham seu voto como prova de fidelidade.

• O coronelismo deixa claro que nosso povo ainda conseguiu construir

caminhos sem a tutela de um senhor ou de partidos políticos. Para o nosso

camponês, ficar sem terras para plantar era difícil, mas sem um dono era

impossível sobreviver.

As relações eram construídas na recíproca afeição e obrigatoriedade.

O Coronel dava proteção paternal, terras para o plantio e seu aval, substituindo

contratos formais para adquirir empréstimos junto aos sistemas financeiros. Ele

oferecia seu referencial de homem respeitado e honrado para em troca exigir

tratamento de autoridade, respeito, fidelidade eleitoral, exigindo o voto como

uma recompensa afetiva, além de "serviços" extras, culminando assim os

extravios da força e do poder.

A superioridade da figura do coronel mostra que o meio rural estava à

mercê do poder público, necessitando de uma maior assistência. O sertão se

• encontrava em completo abandono.

As secas típicas da região nordestina desestruturam periodicamente

a vida do sertanejo. Quando as secas eram prolongadas ocorriam graves

desajustes sociais.

O deslocamento de famílias de uma região para outra, a construção

de poços profundos e de canais para o transporte de águas, são alguns dos

caminhos alternativos que foram se construindo no Nordeste na luta pela

sobrevivência.

Seria ingenuidade admitirmos as secas apenas como um fenômeno

meteorológico naturalizado pelas forças divinas, pois ela é, sobretudo, uma

s

*

Is

12

deficiência política e administrativa; uma indústria capaz de canalizar recursos

para o enriquecimento de um grupo e levar ao poder políticos aqueles que se

elegem as custas da exploração e do sofrimento dos pobres. Portanto, nosso

i• corpo político é co-responsável por esse quadro de miséria, produto tanto das

secas, quanto da apropriação desta pelos coronéis e latifúndios do Nordeste,

que somente na década de 80 despertaram para a construção de grandes

reservatórios a fim de que garantir a vida nas épocas de estiagem.

l0 Esta, entre tantas outras saídas, como: democratizar as águas,

fazendo pequenas barragens para favorecer a piscicultura e evitar desperdício

para o mar, criar condições, junto a essas pequenas barragens, para

desenvolver distritos irrigados; transpor as águas do rio São Francisco, tão

alardeado em épocas eleitorais; enfim, politicamente as secas têm solução ei. são essas omissões por parte dos órgãos competentes que nos fazem

desacreditar das intenções de se fazer na prática uma política séria, voltada

para a coletividade, para essa gente tão calejada pelo sofrimento e pela fome.

Sem nenhuma perspectiva de melhoria o sertanejo vivia em continua

is dependência as terras arrendadas, que era paga em dinheiro ou equivalente em

produtos, sendo a extensão distribuída de acordo com o grau de amizade entre

os plantadores. O pagamento se faria mediante a vontade do proprietário que

variava de 113 a 112 de tudo que fosse produzido de agricultura na propriedade.

Na criação o pagamento se fazia por meio do que eles chamavam de "sorte", a1•

cada quatro animais nascidos o vaqueiro teria direito a um, sem nenhum

respeito ao Estatuto da Terra que estabelece o seguinte:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os

seguintes princípios;Is

s

o

13

Vi - na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser

superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua; (Redação da LEI NO

11,443 /05.01.2007)

(Redação anterior) - a) dez por cento, quando concorrer apenas coma terra nua;

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada: (Redação da LEI

a N°11.443/05.01.2007)

(Redação anterior) - b) vinte por cento, quando concorrer com a terra preparada e moradia;

e) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia; (Redação da

LEI NO 11.443 105.01.2007)

(Redação anterior) - c) trinta por cento, caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído

especialmente de casa de moradia, galpões, banheira para gado, cercas, valas ou currais, conforme o

caso;

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias,

constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas

ou currais, conforme o caso; (Redação da LEI N° 11443 105-01-2007)

(Redação anterior) d) cinqüenta por cento, caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de

benfeitorias enumeradas na alínea c e mais ofomecimento de máquinas e implementos agrícolas, para

atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária,

qpcom animais de cria em proporção superior a cinqüenta por cento do número total de cabeças objeto de

parceria;

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico

de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fb.mecimento de máquinas e

implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e

animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção

superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria,

(Redação cia LEI N° 11.443 / 05.01.2007)

[1

Is

Is 14

(Redação anterior) - e) setenta e cinco por cento, nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os

animais de cria em proporção superiora vinte e cinco por cento do rebanho e onde se adotem a meação

deleite e a comissão mínima de cinco por cento por anima! vendido;

O 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem

os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e

onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por

animal vendido; (Redação da LEI N° 11.443 105.01-2007)

1 (Redação anterior) -fi o proprietário poderá sempre cobrar do parceiro, pelo seu preço de custo, o valor

de fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação deste, em qualquer

das modalidades previstas nas alíneas anteriores;

g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será

fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou

dos bens postos à disposição do parceiro;

Porém, a dependência não pára por ai. A água era cedida pelo

coronel, de seu açude, reservatório construído em sua propriedade, pelo poder

municipal ou estatal através de um órgão Governamental existente na época a

'e COMPANHIA CEARENSE DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - CODAGRO.

A educação se dava em casas particulares, sendo os professores também

patrocinados pelo coronel. De fato, este gerava um enorme sentimento de

gratidão por parte pais que viam seus filhos com oportunidades de se projetar e

poder um dia conseguir um diploma. Tal sonho dificilmente se realizava.

Is

O coronel era também proprietário de uma bodega, termo que apesar

de pejorativo, se denomina no interior, pequeno comércio, onde era fornecido o

abastecimento das famílias que trabalhavam na propriedade quase que a base

de farinha e rapadura, em troca de trabalho ou produtos da terra..

As medidas de combate a todo esse estado de calamidade pública a

que estava submetido o Nordeste, só vieram a se efetuar a partir de 1980,

quando foram formadas frentes de serviço, cestas básicas e muito

s

Is

15

posteriormente o abastecimento por carros pipa. O curioso é que nenhuma

dessas medidas tencionava acabar com a fome e a miséria, mas somente

visavam criar o imaginário de um governo sensível ao flagelo de seu povo, de

estar cedendo o pouco para não perder o muito e especialmente impedir a

exposição pública desse quadro de miséria aos possíveis deslocamentos das

populações pobres para os grandes centros industriais. Passados mais de 20

anos, a história se repete com os mesmos carros pipas, mudaram apenas o

nome dos programas sociais, que hoje são as famosas bolsas: Bolsa Escola -

Lei 10219,de 11 de abril de 2001; Bolsa Alimentação - MP N°.206-1, de 06 de

setembro de 2001 e a Bolsa Família - Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004.

O inescrupuloso processo eleitoral gerava mortes e demonstrava a

fortaleza do poder dos coronéis, que usavam da força para que as umas lhes

garantissem resultados satisfatórios, amparados por uma polícia privada que

fazia de suas vontades leis, as leis do Sertão.

Estes coronéis se aproveitam de todo esse descaso político que vivia

o sertão para atuarem como juiz, padre, prefeito, administradores e muitas

e outras atribuições que faziam crescer sua influência a nível regional.

Um exemplo clássico de um coronel e seu poderio exacerbado é do

Pe. Cícero Romão Batista, que no Canri atuou como sacerdote, político e líder

daquele povo. Na década de 20, o reverendo fez de Juazeiro do Norte palco deIa sangrentas lutas solicitando o apoio do grupo de cangaceiros de Virgulino, o

Lampião, para combater os integrantes da coluna Prestes, por se sentir

ameaçado diante das novas forças.

O uso constante do pronome possessivo meu, ao se referir aos

vaqueiros, agregados e demais funções que exercia o homem do campo,

deixava clara a idéia de propriedade que o senhor tinha sobre seus

subordinados.

1i

Is

16

A Igreja aparece como conivente a essa dominação, legitimando o

poder dos coronéis através das relações de compadrio. Como parte da cultura

romano - brasileira, baseada nos vícios da religião, foram criadas relações de

compadrio, que eram laços de amizade e respeito onde se reconhece uma

pessoa como pequeno pai (padrinho) e pequena mãe (madrinha).

No Sertão esses laços de compadrio serviam para sempre revitalizar

o poder dos coronéis Os mais agraciados tinham o título de padrinho.

A forte incidência de padrinhagem autorizava os coronéis a tomar as

mais desproporcionais decisões a respeito de sua região, pois para isso o

compadrio delegou-lhe poder mediante a submissão das famílias de posições

econômicas e sociais desfavoráveis.

As crianças afilhadas, os homens em especial, sempre partilhavam

das conversas e do cotidiano dos fazendeiros e estes não perdiam a

oportunidade de incutir neles valores de bravura e coragem para responder as

provações quando fosse necessário lavar a honra com sangue. Ademais, os

coronéis habituavam os afilhados a defender suas imagens de homens

poderosos e viris, mas, sobretudo ensinavam a defender suas propriedades.

Consta em muitos casos que esses mesmos padrinhos eram os primeiros a

fornecer armas para sua autodefesa e de seu protetor. Pais e padrinhos antes

mesmo de mandar seus filhos a escola ensinavam-lhes a atirar.

A partir de então surgiram os 'capangas', os 'jagunços', os 'cabras de

confiança' que se colocam a serviço do coronel para todo tipo de trabalho, por

se verem em déficit com o patrão, iniciando daí um desvio de comportamento.

Estes homens confundiam sua identidade com a de seu patrão, perdendo assim

os limites e as dimensões de suas singularidades.

a-:

Is

4

e 17

Estes rústicos senhores feudais, provenientes de uma certa

deformação da patente da guarda nacional, passaram a ser defendidos por

seus capangas, à base de afiadas lâminas de punhal ou por arma de fogo, sem

• se reconhecer um poder maior.

O coronelismo foi sem dúvida, um compromisso, uma troca de

proveitos, uma superação do poder privado sob o poder público. Todo esse

poder não está relacionado somente a sua posição econômica na escala social,e

mas, sobretudo no número de bandidos de que ele podia dispor..

Foi assim, nesse clima de insegurança, que o sertão registrou as

mais sangrentas páginas de nossa história. Iniciado no período colonial,

passando pelo Império e instalando-se na República, o coronelismo

profissionalizou seus fiéis afilhados no gatilho, seus cabras de confiança

aterrorizaram todo o sertão.

Para corroborar com todo esse conteúdo bélico e repressivo reinante

de norte a sul do Pais, Joaryvar Macedo escreveu a obra: "Império do

e Bacamarte. 1990", onde evitou qualquer eufemismo e registrou o fenômeno do

coronelismo na Região do Canil Cearense.

1.2 A PISTOLAGEM

Ia

Não se sabe precisar quando a pistolagem teve início, pois remete o

nosso imaginário à época da colonização e escravidão - meados do século

XVIII - onde a figura do capataz e do capitão do mato representava a figura do

pistoleiro, desenvolvida ao longo dos séculos.

Is 18

De lá pra cá, no decorrer dos séculos, a pistolagem ganhou força,

pois os fazendeiros adquiriram uma feição de senhor feudal, dando moradia,

pedaços de terra e assistência médica em troca de obediência cega por parte

• de seus empregados. Os coronéis agiam como déspotas, explorando seus

agregados, mas se dizendo bons patrões. Os miseráveis, tacitamente

submetiam-se ao arbítrio deles.

O recrutamento do pessoal para as lutas fazia-se utilizando os

critérios de fidelidade e de coragem pessoal. Os que assumiam

responsabilidades do grupo eram os de maior confiança do coronel.

As fazendas funcionavam nos moldes de uma instituição. Os

pistoleiros não podiam morar em outro local; o contato com pessoas de outros

lugares só deveria ser feito comas ordens do patrão.

Quando o pistoleiro já não servia mais por saber demais, o fazendeiro

o enviava ao encontro de outro pistoleiro com um bilhete que dizia: mercadoria

estragada". O pistoleiro que recebia o bilhete já sabia o que fazer executar o

e portador do bilhete. Este, por obediência cega e muitas vezes analfabeta, não

lia o que tinha escrito e acabavam por encontrar-se com seu destino fatal.

Entre os anos de 1980 e 1990 a pistolagem viveu seu momento de

glória e depois decaiu. No segundo mandado do governo de Virgílio Távora

como governador do Ceará - 1979 a 1982 - implantou um plano que visava a

diminuir a pistolagem no Vale do Jaguaribe. Porém, esta somente foi

efetivamente combatida quando, em 1987, a Secretaria de Segurança

organizou um plano de segurança para acabar com a pistolagem no Estado do

Ceará. A nova ordem social almejada pela Secretaria de Segurança do Estado

combateria o crime de pistolagem e o deixaria para trás como uma marca do

tempo dos coronéis.

1s

'e 19

Nós vamos acabar com os pistoleiros no Ceará . Em qualquer

município onde estiver um, a polícia está lá para trazê-lo preso, seja protegido

por quem for. (Declaração do Secretário de Segurança Pública do Estado do

Ceará, jornal O Povo, 2911211988).

A campanha contra a pistolagem não conferiu apenas visibilidade ao

uso de ilegalidades, tentando reprimir e extinguir estas ações. Anunciou-se um

novo momento quando o Estado passou a ter o controle sobre o crime,

e negando a existência de um "poder paralelo" mantido, em parte, pelos grandes

proprietários de terras conjugados com os «políticos tradicionais". Diariamente

foram estampados nos jornais de Fortaleza nomes de "perigosos pistoleiros",

bem como de mandantes pertencentes a «importantes famílias" do Estado.

(Barreira, 1992).Is

A pistolagem não foi extinta, o que acontece atualmente, é que os

pistoleiros não mais figuram como capatazes ou seguranças, são homens

independentes, que possuem casa e meio de transporte próprios, não se

expondo tanto quanto em épocas passadas. Seus serviços são contratados

e diretamente ou através de um intermediário, que geralmente é um pistoleiro

'aposentado'. Tal intermediário é quem estabelece o contato entre o mandante

e o executor. O que acontece é que os cumes por encomenda são executados

de forma silenciosa, sem muita exposição do mandante ou executor.

1.3 PERFIL DO PISTOLEIRO

Os pistoleiros antes conhecidos por cabras, capangas ou guarda -

costas, hoje são pessoas livres que atuam tanto nas cidades grandes, quanto

no interior, amparados por poderosos mandantes de crimes, são pessoas de

natureza fria, covarde e traiçoeira, ao mesmo tempo em que são homens

1s

Is 20

corajosos, que matam por dinheiro, capazes de arriscar suas próprias vidas por

seu patrão nos serviços que lhe são conferidos.

No momento da ação, os pistoleiros normalmente utilizam automóvel

ou moto, dando preferência à moto por facilitar a fuga do local do crime; logo

após ficam foragidos por alguns meses, num local, na maioria das vezes,

escolhido pelo mandante.

1 41

Existem três tipos de pistoleiros:

O pistoleiro tradicional: tipo que está ligado a um dono, a um patrão, sem

autonomia para praticar crimes de pistolagem se não houver a ordem desse

mesmo patrão. A ligação ocorre por laços de fidelidade, existindo entre as

partes uma troca de favores e um rígido código de honra, justificando assim,

quaisquer "serviços arbitrários". O pistoleiro tradicional jamais se ausenta dos

limites geográficos determinados pelo patrão, permanecendo cativo" a esse

espaço, que, na maioria das vezes é a fazenda. É interessante afirmar que esse

tipo está em extinção, por causa da "modernização" das estruturas de poder

• local.

O pistoleiro avulso: tipo caracterizado pela autonomia, funcionando como um

prestador de serviços sem ligação a nenhuma hierarquia de mando, É dono da

própria força de trabalho e é seu próprio patrão. Encara a prática da pistolagem

como uma profissão. Seu código de honra está circunscrito ao que chama de

"fazer o serviço bem feito", não existindo laços de fidelidade com um patrão da

hora, com um proprietário. O seu corpo é móvel e nômade, em deslocamento

constante, não se fixando, assim, em um só lugar. A sua trajetória espacial é

determinada pela procura de seus serviços. Existe na vida do pistoleiro avulso

ooutro agente - o intermediário: é por ele que se arma a sua teia de relações e

trabalho.

21

O pistoleiro bandido: tipo com atividades múltiplas: mata, rouba, assalta,

seqüestra, estupra. Ele é um agente de práticas "marginais" múltiplas, não se

define só como matador. O roubo, prática marginalizada pelo pistoleiro

• tradicional, é integrada ao comportamento do pistoleiro bandido. A honra e o

grupo em que atua são efêmeros, fazendo-se e desfazendo-se na velocidade

do dia, no jogo das temporalidades e dos movimentos transitórios ( ... ). "O

pistoleiro bandido envolve-se constantemente com a rendosa profissão de

assaltante de bancos e cargas de caminhão" (CAVALCANTE, Peregrina,2003,

'ep155).

O trabalho dos pistoleiros é chamado de 'serviço' ou 'empreitada'. O

valor de uma empreitada depende do grau de dificuldade em executar a vítima.

Um bom pistoleiro custa caro.

Existem serviços que precisam de informações precisas sobre a

vítima, nestes casos os pistoleiros vão á localidade onde mora a vítima e fazem

um estudo prévio sobre conduta, horários, caminhos que percorre, chegando

até a fazer amizade com a própria vítima, antes de ceifar-lhe a vida.

'4Já em outros serviços, não há necessidade de recomendação: é

simplesmente chegar até a vítima e executar o serviço.

A pistolagem de aluguel possui um conjunto de normas no que diz

respeito à contabilidade: quando existe a figura do intermediário, o dinheiro que

vem do mandante passa primeiro pelas mãos dele, para só então o pistoleiro

receber. Acontece de o pistoleiro sequer saber o preço que foi pago pelo

mandante, visto que uma parte fica com o intermediário. Alguns pistoleiros

ficam 'mordendo' depois de um serviço, ou seja, ficam pressionando o

mandante ou o intermediário por mais dinheiro e acabam sendo assassinados.

e

Is

22

O valor pago pelo 'serviço' deve ser suficiente para que o pistoleiro

fuja e consiga sustentar-se enquanto estiver longe de onde foi executado o

serviço. Normalmente o mandante providencia o lugar onde o executor possa

1 s se esconder.

e

Is

Is

Is

Is

5

o

2. JAGUARIBARA: TERRA E PISTOLA

IsA pecuária foi uma atividade de destaque e permanente, fazendo

do leite, queijo e manteiga, ingredientes da cultura sertaneja. O gado apresenta

a extensão do círculo familiar. A lida com o rebanho significa para o fazendeiro

e sua gente uma terapia e amansar o touro bravo para o vaqueiro e

admiradores da tradição sertaneja, uma massagem ao ego.

As relações que se construíam no campo entre moradores e

proprietários consolidaram a dominação fincada na condição de morar de favor,

sem direito a um salário decente. A forma de pagamento que se realizava era a

quartiação, ou seja, para cada quatro bezerros nascidos, um era a recompensa

pelos serviços prestados: "a Sorte", acrescido de alguns litros de leite para

alimentar sua família, de acordo com o tamanho da família.

A tradição da família era orientar os jovens desde criança, antes

i o mesmo de saberem escrever seu próprio nome, a manejar um rifle ou um

revólver. Os pais chegavam a falar com orgulho da pontaria de seus filhos, pois

era proibido errar tiros. Na oportunidade de ensinar seu filho a atirar, um

pequeno fazendeiro que conheci dizia: "não quero que aconteça comigo o que

aconteceu com fulano foi morto na presença dos filhos e eles não fizeram nada,

1 • pois não sabiam atirar, mesmo com bastante arma em casa",

A falta de proteção às testemunhas e a certeza da impunidade

impuseram o silêncio na Região. Mesmo que alguém presenciasse um crime,

jamais teria coragem de testemunhar. O caso mais contundente e que serviu de

o exemplo, segundo populares que viveram na época do fato, aconteceu em

Jaguaribara, no assassinato do Sr. Fransquinho Comélio, morto a facadas no

centro da cidade, na presença de todos; o senhor Gentil Quinze da Silva, além

Is

24

de presenciar tudo, ainda chegou a socorrê-lo, mas quando foi arrolado como

testemunha, começou o interrogatório dizendo ao Juiz que ele estava lá para

falar do que sabia a respeito da morte do senhor Fransquinho, mas quando

perguntado o que sabia a respeito do citado crime, respondeu como se nada

soubesse: "Esse homem era gente boa, tô sabendo agora porque o senhor está

me dizendo, é verdade esse homem morreu?"

O magistrado insistiu: "mas dizem que o senhor sabe tudo sobre o

5ocorrido", e ele continuou: "nem sei e nem vi, tava dormindo e até logo Doutor',

e tratou logo de ir se retirando do Fórum e essa história foi sendo passada de

pai para filho, como uma alerta de como se comportar caso chegasse a

presenciar um crime.

a Berço dos Diógenes, Jaguaribara passou momentos de muito medo

e muita apreensão, pois jamais alguém poderia discordar de um Diógenes.

Contam os residentes de Jaguaribara, que um dos capangas dos Diógenes

tentou assassinar um policial desferindo-lhe várias facadas, numa festa que se

realizava na quadra de esportes daquele município. Foi montado um cerco

1 • policial nas proximidades da fazenda, mas o Diógenes patrão do criminoso

passou com seu protegido dentro de uma uma funerária na carroceria de uma

camioneta no meio da polícia simulando um enterro. Esta não teve coragem de

conferir quem era o morto, pois quem estava no caixão era o capanga do

Diógenes que tentara assassinar o policial e estava sendo transferido para

1 a outra fazenda. Após este fato eles (os Diógenes) contavam como se tivessem

conseguido uma medalha.

Jaguanbara foi presença marcante no noticiário e reportagens

sobre assassinatos e crimes de pistolagem, chegou uma época que chamava5

pejorativamente de JaguariBALA, dada a freqüência com que aconteciam

mortes por bala em nosso município.

5

25

2.1 Os esquemas dos pistoleiros

O termo pistolagem não consta no dicionário da língua portuguesa,

mas no cotidiano do brasileiro é bastante comum. Bem antes, o crime de

pistolagem era designado somente àqueles homicídios praticados com arma de

fogo, pistola, porém hoje ganhou um novo sentido nos autos dos processos

criminais. O crime de pistolagem é aquele em que se identifica uma terceira

1 a pessoa no conflito, alguém que entra na questão e vai silenciar uma das partes.

Ele é identificado, sobretudo pelo mistério em que foi praticado e pelo uso de

armas de fogo, pistola de onde advém à derivação ou qualquer outra arma

similar.

e A encomenda da morte no crime de aluguel é resultado da vontade

de um e da ação criminal de outro, punidos pelo Código Penal Brasileiro com

sanção de 12 a 30 anos de reclusão, in vestis:

Homicídio simples

TIRArt 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1 0 Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social

ou mora?, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta

1 • provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 20 Se o homicídio é cometido:

- mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio

insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que

dificulte ou tome impossível a defesa do ofendido;

26

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de

outro crime:

Pena - reclusão de dose a trinta anos.

Aquele cidadão que geralmente ocupa uma posição privilegiada na

escala social, não pode arriscar ver seu nome envolvido em escândalos, na

imprensa, por isso vai lançar mão de uma prática atrasada para cometer

* homicídios, mas que nunca deixou de existir. Daí advêm o trabalho dos

pistoleiros, matadores profissionais, valentes, corajosos, de pontarias certeiras,

que não são mais capangas ou jagunços, mas profissionais do gatilho, bem

armados, instruídos, sanguinários e mercenários que realizam qualquer

"serviço" por uma recompensa financeira ou como pagamento de uma dívida

• moral.

A natureza do crime de aluguel é suja em nossa sociedade, pelo

fato do pistoleiro não estar envolvido na questão, agindo somente pelo dinheiro,

é considerado "homicida pecuniário".

Os "pistolas", termo pejorativo pelo qual são conhecidos os

matadores de aluguel nos cárceres públicos, são homens: frios; que falam e

bebem pouco evitando revelações de sua verdadeira identidade; normalmente

não usam drogas porque não precisam fugir de nada; seus mundos foram

criados por eles próprios; suas leis são suas vontades; seus discursos justificam

suas ações delituosas; o tempo e a fama instituem seu nome nas agências da

morte.

Portanto, para iniciar a análise sobre os esquemas da pistolagem,

* já vimos no organograma do crime dois de seus constituintes: o mandante,

encomendador da morte, e o pistoleiro, o braço armado e autor material do

crime, que movido pela ambição econômica vai "apagar" a vítima e solucionar a

questão.

é 27

Uma terceira pessoa nesse quadro é o "corretor' da morte (César

Barreira, 1998, p55), ou seja, aquele que faz a negociação e estipula os preços

mediante a posição social da vítima, sua influencia e seu prestígio social. Daí

decorrem as oscilações dos preços como também a qualidade da mão de obra

do profissional.

Na maior parte das vezes os papéis se invertem no mercado da

morte, o matador mesmo quando é impossibilitado de matar, não abandona o

crime, age como intermediário, repassando o serviço para outro profissional.

Portanto, matadores de hoje poderão ser amanhã corretores da morte.

Essa impossibilidade de matar pode ocorrer tanto quando a idade

não mais permite, como em casos de reclusão penitenciária ou por outraso razões que os deixam inoperantes.

O corretor é o aproveitador da situação, é mercenário por extorquir

dinheiro numa negociação ilegal, onde a vida deixa de ser vista como um bem

supremo do ser humano e condição fundamental e imprescindível para o gozo

• de todos os outros bens possíveis e passa a ser considerada por alguns como

mera mercadoria.

No entanto, somente o pistoleiro aparece, embora seja "apenas a

ponta do iceberg, e um quadro da patologia política, econômica e social"

• (BARREIRA,1998.P.46). Os demais sempre ficarão no anonimato, nunca

dividirão as pocilgas, melhor dizendo, as celas de uma penitenciária com um

pistoleiro, como dividiram a necessidade de "fechar" as vítimas.

Não se conhece em Jaguaribara a história de um só mandante a

pagar pelo crime. Os matadores não revelam seus nomes e os intermediários

sequer são mencionados. Surge dai uma indagação: existe uma ética nos

*

* 28

crimes de pistolagem ou o silêncio significa medo de uma possível queima de

arquivo?

"Olha, se eu lhe disser uma coisa que eu nem conheço ele, você

acredita? Ele falou para um amigo meu e esse amigo me pediu: rapaz ele fez

isso.. ele tem muita raiva e vontade de fazer o serviço. O cara estuprou a

sobrinha dele, fez a maior estripulia com uma menina de 14 anos, só basta ser

pai de família para se revoltar com isso. Então eu disse: ah peste, você fez isso,

pois você vai pagar caro, e fiz" (Mainha , em uma das entrevistas na cadeia de

Maranguape).

As palavras desse presidiário vêm evidenciar o fato de que

mandantes e matadores se desconhecem, bem como atesta a existência de um

* agente intermediário, aquele que além de ganhar dinheiro no esquema da

pistolagem, ainda garante a segurança do mandante omitindo sua identidade

para o matador. Quando ele atimia: "Só basta ser pai de família para se

revoltar" ele está advogando em causa própria dando ao seu discurso um

caráter justificador, ao mesmo tempo em que tenta sensibilizar e conseguir a

• simpatia da opinião pública. Durante nossa conversa o matador me interpelava

com as seguintes indagações: «num tõ certo?", "o que o senhor acha?", "é certo

estuprar uma menina de 14 anos?". Minhas respostas seriam para ele

corroboradoras ou legitimadoras de seus crimes? O crime, depois de justificado,

passa a ser visto como algo inevitável, natural, premente e comercial.

O organograma do crime deixa claro que cada um de seus

constituintes age ferindo o código da honra e da moralidade.Cabe a nossa

meritíssima sociedade julgar cada um pelo seu grau de periculosidade e

nocividade aos demais homens.o

1s

a 29

2.2 Da Preparação ao Crime

• Por conta do descaso em que ficou relegado o sertão, os

matadores atuaram e se especializaram no ramo da pistolagem a ponto de

receber ofertas de serviços fora de seu Estado. O intermediário se incumbia de

identificar aquele que melhor realizaria o serviço no mais curto espaço de

tempo e de forma que parecesse um crime perfeito. Numa entrevista realizada

e com o Mainha, falávamos sobre seu rosário de crimes, nessa conversa ele nos

revelou o principio dessa preparação, onde tudo se inicia pela condução do

matador ao local do crime. Este nos falava de uma proposta que recebeu, mas

que recusou, motivo pelo qual fez questão de enaltecer a hombridade da

vitima. Esse seria o inicio da trama que iria vitimar Margarida Alves, lider

sindicalista da Paraíba que instalou um sindicato dos trabalhadores dentro de

uma empresa para que estes reivindicassem seus direitos.

° Não fui eu quem matou aquela sindicalista, porque quando eles

vieram me buscar de avião, se eu vou era eu quem tava respondendo, mas eu

e não fui, veio o homem e mais dois pistoleiros, os irmãos Vinícios e Venancio,

eles vieram me buscar aqui, pra você ver as coisas como é"(relatava o Mainha).

É preciso muitas vezes que o pesquisador saiba discernir o que é

real e o que é imaginário nesses depoimentos, aquilo que o próprio criminoso

1 4 criou no seu universo. Quando nós falamos algo repetidas vezes, o dizer acaba

por se tomar uma verdade construída mediante uma necessidade ou vontade

do ego. O que para o pesquisador pode representar algo fora dos códigos de

honra e da moralidade, para o matador pode representar uma resposta à

virilidade masculina, pois quando é procurado está atestada sua fama e sua1•

coragem, ao mesmo tempo em que se mostra como melhor solução para

ultrapassar os limites de seu Estado.

a 30

Retomando a preparação do crime, as despesas começam a correr

desde o transporte, o fornecimento de armas, munição e uma posterior

proteção que pode ter um preço bem maior para o mandante.

Normalmente, se o pagamento para o crime for uma recompensa

financeira, não se tratando de crime por camaradagem, amizade ou afeição, o

matador recebe 50% do que ficou contratado antes e a outra parte depois de

executar a vítima.

São algumas as precauções que constituem a fase preparatória,

como essa que mostrarei abaixo, tentando furar os cercos e evitar o confronto

com a polícia. O mapa possibilita conhecer a geografia que servirá de cenário

para o extermínio daqueles que estão provocando mal estar aos poderosos,0

sejam líderes sindicais, religiosos, políticos e até para por fim às disputas

amorosas, senão vejamos:

"O bandido quando vai operar numa área ele compra logo o mapa

da região, vai conhecer todos os caminhos, as veredas, aquela Jaguaribara eu

e conheço como a palma da minha mão, assim como o INCRA( INSTITUTO

NACIONAL DE COLONIZAÇÂO E REFORMA AGRÁRIA) conhece ali, eu fiz

isso, conheci a área todinha pra depois fuzilar Delmiro Ferreira" (Mainha em

uma das entrevistas).

"A preparação do homicídio é realizada pelo pistoleiro. Uma

pessoa mostra a vítima de longe e começam então os preparativos: saber o

endereço... saber os lugares que mais freqüenta..." (BARREIRA, 1998,P.83)

A partir de então, somente contarão a coragem e a astúcia doo

matador que agora estará sozinho, sem mandante para proteger, nem

intermediário experiente para instrui-lo. Nesse momento, tudo vale a pena para

EL

31

evitar o flagrante, os mais variados disfarces indumentários, acessórios ou

profissionais.

• A identificação pela própria vitima, ou seja, a confirmação de que

se trata de seu alvo é a fase final desse esquema e indispensável a fim de que

se possa evitar um erro irreparável no alvo do crime, fato, aliás, inadmissível no

mundo da pistolagem.

ti O crime acontece conforme foi planejado, após vem o silêncio e a

fuga imediata. Vejamos o que nos conta um matador sobre seus momentos de

fuga:

"Essas fugas custava alto preço porque eu passava de cinco meses

sem ver ninguém. Teve época que aconteceu que eu me montava no mato, a

noite eu ia em determinados cantos do açude, tomava banho, eu sempre me

amoitava perto de açudes, levava água para lavar as vasilhas e fazer o de

comer, tinha que ficar caçando pra não ficar no mesmo ponto. No dia caçava

aves e ainda tinha certas pessoas que iam me deixar o que estava faltando

(Mainha).

2.3 A tocaia e o silêncio da morte

• Em Jaguaribara muitos foram os crimes de pistolagem, mas o que

mais chocou a população foi o que temos como paradigma da pistolagem: o

assassinato de Chico Pinheiro. Os Pinheiros tinham na família marcas de

tragédias e conflitos insuflados por questões de terras, pois viram na morte as

resoluções jurídicas para o caso, eliminando a outra parte. Chico acompanhado

• de sua família numa manhã de domingo retomava de sua fazenda e no único

portão de acesso à propriedade encontrou estranhas e exageradas

amarrações. Este era, portanto o prólogo da maquinação mortífera que deveria

anular o rico fazendeiro.

Is

1.

e 32

No interior é de praxe que a tarefa de abrir os portões seja

reservada ao passageiro. O jovem menino espantado com os empecilhos no

• portão e não conseguindo desfazê-los pede ajuda ao patrão, chamando-o para

a morte. Tão logo Chico entra em cena, ouvem-se os disparas vindos de uma

única direção, de uma tocaia, local de emboscada onde se oculta a pessoa que

se quer matar. Apavorados, todos correram abandonando no local o carro e lá

só retomaram quando perceberam a ausência de Chico Pinheiro, que já estava

com o corpo inerte coberto de sangue e crivado de balas.

A esposa e alguns dos empregados foram testemunhas oculares

do crime. Ninguém sequer saiu arranhado "serviço de profissional". Os

comentários na cidade, diziam que somente Chico Pinheiro era alvo desseIR

1

grupo que desafiou a todos, polícia e vizinhança, sem deixar rastros. Para

alguns foi um crime perfeito, para outros significou o pagamento de uma dívida.

Para o ex-delegado de polícia responsável pelo inquérito na época,

este era um ranço guardado por aqueles a quem Chico Pinheiro no passado

• vitimou em via pública, uma cena cinematográfica e inesquecível para quem

presenciou.

A relação dessas mortes feitas pelo delegado transparece a idéia

de vingança que viveu alimentado pelo ódio da morte do pai Manoel Pinheiro.

Tal fato nos levou a ver os herdeiros de Manoel Pinheiro foram indiciados pelo

crime de pistolagem, conjeturas do ex-delegado.

Passados muitos anos da morte de Manoel Pinheiro nada foi feito

para punir os culpados, porém, seu visível assassino foi morto misteriosamente,

restando claro as marcas da pistolagem, segundo nos afirmou o próprio ex-

delegado.

1e

* 33

Procurei a família da segunda vítima Chico Pinheiro para nos falar

do caso, numa tentativa de ver todos os lados do jogo da morte. O filho se

recusou a falar do assunto argumentando que "o melhor é deixar como está

porque quanto mais se fala mais cresce a revolta e a saudade, relembrar é o

mesmo que sofrer tudo de novo".

Em todos os casos de homicídio, principalmente homicídio

qualificado, a família da vitima sofre demasiadamente ao falar do assunto, mas

consegue enxergar na entrevista uma oportunidade para pedir justiça,

desengavetar processos e punir os culpados. A reação dessa família foi

contrária ao esperado, o silêncio imperou.

e 2.4 Os Diógenes

Os dois casos da família Pinheiro que também eram Diógenes,

assim como tantos outros, permanecem na impunidade. O trabalho da polícia

•parece ter sido modificado mediante a condescendência do poder judiciário com

a violência institucionalizada:

t'Mainha em companhia do delegado o sargento Geraldo Diógenes

tomavam porres e juntos caminhavam a desafiar aqueles que ousassem

enfrentá-los. Insatisfeitos eles transformavam sede da delegacia municipal em

cabaré em companhia de mulheres em celas obviamente abertas pelas mãos

coniventes dos poderosos" (Diário do Nordeste, 1508.1988).

Certamente foram essas atribulações no cotidiano do delegado que

não lhes propiciou tempo para as atividades próprias de autoridade policial

máxima da cidade, como instaurações de inquéritos policiais para apurar todos

os crimes ocorridos, conforme dispõe o Código de Processo Penal.

o

e 34

Na Delegacia de Jaguaribara não existe nada que registre esse

passado, nada dos crimes da época, nada de inquéritos abertos, concluídos ou

não. Pergunta-se: Onde estão esses inquéritos se foram feitos? E por que não

• existem cópias das portarias e dos relatórios que, segundo o delegado, foram

enviados á justiça? Não existe sequer registro no livro de tombo, imprescindível

na burocracia da delegacia. Faz-se impossível que o tempo sozinho tenha

danificado todos esses registros. Entre o indiciamento e a sentença, o homicida

é registrado numa longa burocracia, no entanto, não há nenhum registro

existente em nossa delegacia entre o período dos anos de 1980 a 1990.

O ex-delegado que presidiu os inquéritos na época, que ainda mora

em Jaguaribara, nos informou que nenhum dos casos foi elucidado ou julgado,

absolutamente nenhum. Ele atribui esse não cumprimento da lei à falta de

condições, provas e testemunhas. Vejamos a reportagem de um jornal da

época:

"O silencio é lei- Os comentários furtivos não são permitidos, os

idosos impõem as normas, nada de entrevistas, quem sabe o dia de amanhã,

• Mainha hoje está preso, amanhã solto" (Diário do Nordeste, 15.08.1988).

A dificuldade era também gerada pela inexistência de outros

recursos indispensáveis ao trabalho da justiça, tais como: corpo militar

insuficiente para enfrentar bandidos de alta periculosidade, falta de viaturas, de

• munições, de armamentos e de comunicação. Por último, consideramos que o

que realmente faltou foi garra, coragem e determinação daqueles que detinham

o poder de fazer a justiça acontecer. Observemos as palavras do ex—delegado:

"Eu pensava na minha própria vida, como, eu ia morrer e deixar meus filhos

abandonados? Porque naquela época se eu prendesse de manhã morria a

tarde",

1•

iS 35

Estas palavras traduzem as limitações do ex-delegado, que usou

de eufemismos para disfarçar sua incompetência profissional e conivência com

os poderosos, resultando daí impunidade e selvageria no vale do Jaguaribe.

Toda a flexibilidade do Poder Judiciário foi fundamental para dar

sustentação aos desmandos dos donos do poder, que encontraram na estrutura

jurídica uma grande aliada.

Conheci um fazendeiro amigo e parente do Mainha, inclusive

sempre o hospedava em sua fazenda, que me informou que naquela época

Mainha era muito amigo do Delegado de Jaguaribara, in verbis: "eu cansei de

levar revólver, bala, duas três caixas de bala que o doutor delegado mandava

para ele".

Essas afirmações e muitas outras que constatei conduzem-nos à

reflexão do mau funcionamento da Policia em nosso Estado.

Em 1988 foi instalada no Ceará uma campanha do Governador

Tasso Jereissati que prometia o fim das práticas ultrapassadas dos crimes de

pistolagem. A campanha obteve êxito enquanto durou, mas deixou fortes

suspeitas quanto a sua intencionalidade porque logo em seguida, houve o

lançamento da candidatura a Deputado Federal do heróico Secretário de

Segurança do Estado. Pergunta-se: Ele não deveria ter permanecido na

Secretaria de Segurança, já que havia iniciado todo um trabalho de moralização

e segurança no Estado?

Parceria e camaradagem eram bases das estreitas relações entre

os "fora da lei", enquadrados em diversos artigos do código penal, e seus

protetores, que ocupavam altos cargos no escalão do Governo.

IS

is

Is 36

"Te livra da morte que eu te livro da prisão", era esse o lema dos

protetores e padrinhos do braço armado que se incumbia das questões

burocráticas relativas ao crime. A condescendência da Polícia e do Poder

1 Judiciário incentivou a violência na região Jaguaribana, levando as pessoas a

se considerarem juizes e advogados de causas próprias, porque nos sertões

não havia um poder neutro capaz de fazer a justiça acontecer em todas as

classes sociais. Contam casos, que quando a Policia organizava uma operação

para prender um pistoleiro, por exemplo, o Mainha, alguém ficava encarregadoIs de avisar para o pistoleiro o dia e hora em que a operação seria iniciada. Então,

quando a Policia chegava não encontrava ninguém, dai o povo da região

comentava: "à bicho de sorte, parece que adivinha".

Mas a questão não deve ser vista apenas do ponto de vista local,

Es existia uma estrutura maior responsável por este desalinho. O processo de

nomeações para esses delegados era inescrupuloso. A própria Secretaria de

Segurança perdeu as rédeas da situação, relegando as regionais do interior às

insanas prefeituras municipais, que abusando das atribuições legais,

ultrapassavam os limites da jurisdição do executivo apontando qualquer

Is

cidadão para o cargo de delegado, esquecendo a preparação, os

conhecimentos e a maturidade necessários para esta árdua função.

A impunidade reinante em todo o Vale do Jaguaribe existiu graças

aos poderosos protetores, que para se manter com poder exacerbado1• precisavam dos serviços dos matadores de aluguel.

"A prisão de Mainha demorou na opinião de Silvio, porque ele

contava com a proteção de gente grande. No Ceará o rol de protetores passa

1s pelos Diógenes"(Diário do Nordeste de 15.08.1988).

3 37

Tais afirmações sugerem que os Diógenes não eram vistos com

bons olhos na região do Vale do Jaguaribe, atribuindo a essa amizade o fato de

Mainha ser considerado um exímio matador de aluguel.

o Foram os Diógenes que mais facilitaram a vida do matador, dando-lhe proteção,

condições de moradia, de trabalho e informações preciosas dentro da cúpula do

Estado quando eram decretadas as preventivas em seu desfavor. Era assim,

driblando a justiça e burlando as leis, que os matadores de aluguel furavam os

cercos policiais montados para prendê-los. Tal proteção os fazia andar nas ruas

e da cidade, em forrós e vaquejadas sem temer a justiça. Toda essa liberdade era

concedida pelo próprio delegado, um "Diógenes", um nome que por muito

tempo desafiou a lei e instaurou seu império. Notemos: "Quem manda aqui são

os DIÓGENES e a bala, quem pelejar pra mandar mais, morre, e no Mundo são

três "Dês", "D" de Deus, "D" de dinheiro e "D" de Diógenes"(Dizia um membro

da família Diógenes).

A proteção dispensada aos matadores se dava desde as famílias

de pequenas posses aos grandes proprietários. O próprio Mainha nos revelou

nomes ligados tanto ao governo quanto a pessoas da cúpula da Secretaria de

Segurança que no passado teriam facilitado sua vida tomando-o nômade e

fazendo-o percorrer de Norte a Sul do País, munido de armas e dinheiro.

Os nomes dos ricos proprietários da região aos poucos foram

citados mesmo quando o pistoleiro não admitiu revelar os nomes de seus

o "amigos". Sem sombras de dúvidas podemos considerá-los mandantes, pois

eram homens que contraíam uma divida sem preço pago em moeda corrente.

Após a prisão do pistoleiro, os mandantes assumiam papéis diversos, uns no

pagamento de honorários advocatícios, outros no abastecimento da família do

condenado e ainda outros que garantiriam a manutenção do sentenciado nos3

longos e intermináveis anos de reclusão.

wJ

0 38

No entanto ) a reciprocidade das relações entre mandantes e

pistoleiros era baseada em trocas, cada um dava aquilo que dispunha, um dava

a proteção e o outro realizava o serviço. Mainha confessou: "Eu chegava num

canto, passava dois a três meses, o pessoal já queria que eu fizesse uma coisa

para eles (matar), aí eu ia embora, chegava noutro canto do mesmo jeito".

Ao consultar jornais da época em que a pistolagem estava em

evidencia, verifiquei sempre a presença dos Diógenes. Esta família quando não

e se configurava vítima aparecia como mandante, e isso levou nossa cidade a ser

reconhecida como JaguariBALA, deixando mais evidente nosso apelo às

autoridades para desestruturar o "sindicato da morte", pois esse é o único

caminho para quebrar o silêncio, moralizar a cidade, civilizar os sertões e

extirpar esse câncer maléfico, a pistolagem.

Havia um fazendeiro muito conhecido na Região, Sr. Pedro Calixta,

que tinha uma eterna briga com os Diógenes, por questão de terras, dizia ele,

na época, pois hoje é falecido, que certa vez recebeu um bilhete do chefão dos

Diógenes que dizia mais ou menos assim: "Caro Pedro Calixta, se você não

• retirar a cerca de tal localidade eu vou mandar derrubar'. Ao receber o bilhete

das mãos do portador, Pedro Calixta se dirigiu a Fazenda do seu desafeto

levando consigo o bilhete. Ao chegar lá, todos os jagunços o acompanharam

até o alpendre da casa grande para ouvir e ver o que ele tinha vindo fazer. Ao

ver o Diógenes, deu bom dia e foi logo dizendo: "o motivo da minha vinda aqui é

para o senhor ler esse bilhete que me mandou, pois lá em casa é eu, a mulher

e doze filhos e ninguém sabe ler". O rico fazendeiro Diógenes prontamente leu

o bilhete da maneira que estava escrito: "Caro Pedro Calixta, se você não

retirar a cerca da divisa de tal localidade eu vou mandar demjbar". Após a

afirmação o Sr. Pedro ainda perguntou: "é isso mesmo que está escrito aí?', eo

Diógenes respondeu que sim. Antes do Sr. Pedro se retirar disse: "como eu não

sei escrever minha resposta eu vou lhe dar agora: Doutor lá em casa ninguém

sabe ler, como eu já disse, mas todos sabem atirar, até o filho mais novo eu já

IP

39

ensinei, e se você derrubar minha cerca não vai dar certo ". Como podemos

observar, a cultura das armas está enraizada no povo daquela região, quando

afirmam que não sabem ler, mas sabem atirar, como se em termos de beneficio

• pessoal fossem iguais. Conversei muitas vezes com Sr. Pedro, era um senhor

alto moreno que cultivava um bigode bem grande. Lembro-me de algumas

frases que ele costumava dizer quando alguém o cumprimentava: "como vai Sr.

Pedro?", ele respondia: "não vou muito bem não, porque para viver bem no

Ceará tem que ter três vezes cem, cem vacas no curral, cem mil no Banco e

cem léguas longe de um Diógenes".

s

o

o

o

o

*

3. MAINHA - PISTOLEIRO, JUSTICEIRO OU VINGADOR?

• Pelo fato do MAINHA ser sempre citado em quase todos os livros que

tratam de pistolagem que li, em razão de ter sido considerado o maior matador

de aluguel da época e por ter se mostrado mais aberto e receptivo que os

demais entrevistados, que dedicarei este capítulo a ele, a sua vida, a sua

história e a seus crimes.ih

MAINHA, famoso pela midia como o maior matador de aluguel do

Nordeste, o rei do gatilho, teve uma vida marcada por muito sangue. Ainda no

ventre materno já recebia as vibrações negativas de dor e sofrimento

decorrentes da empreitada na qual seu pai estava marcado para morrer. Essa

tentativa fracassada de assassinato fez com que sua família perdesse tudo e

saísse do Estado, para se refugiar no Rio Grande do Norte. Chegando lá, o pai

de MAINHA se desentendeu com o patrão e isso o fez voltar à terra natal no

mais completo estado de miséria, contando apenas com a sorte e com alguns

amigos que aqui deixou. "Lá em casa 6 horas todos ficavam dentro de casa, ninguém saia

pra canto nenhum, meu pai tinha inimigo e podia querer matar a gente" (Mainha em

entrevista).

Esse clima de ameaça e insegurança fez com que Mainha logo de

menino portasse arma, empurrando-o para o crime. O assassinato de sua irmã

e culminou com a sua revolta levando-o a abandonar os estudos e a oficializar

sua entrada no mundo do crime. A simpatia pelas armas vem desde a época do

tiro de guerra, no qual foi agraciado o melhor atirador, mas foi sua experiência

no crime que fez sua fama.

1•Depois de várias tentativas, finalmente a policia conseguiu prender o

rei da pistola, em agosto de 1988 Por mais de uma década Mainha driblou

tanto a polícia do Ceará quanto de outros Estados. Tal prisão, noticia em todos

.

t 41

os jornais, escrito e falado, foi também amplamente divulgada através da

literatura de cordel.

• Vários foram os cordéis lançados à época de sua prisão, que eram

lidos em praças públicas e feiras. Porém, os mais vendidos e apreciados pelos

sertanejos foram os seguintes:

a3.1. Mainha, o maior pistoleiro do Nordeste

Autor: Guaipuan Vieira

Todo o sertão nordestinolã

Assim como as capitais

Têm uma marca sangrenta

De assassinatos brutais

Que mesmo o tempo querendo

Não acabará jamais.

Estes crimes foram feitos

Pelo rei da pistolagem

Conhecido por Mainha

Homem de cruel bagagem

Pois descrevo sua história

No mundo da bandidagem.

Região jaguaribana

Onde reina o pistoleiro.

É filho de Cândido Maia

Homem de grande cultura

E Carmélia Diógenes

Também ótima criatura

Que pelo filho lutaram

ta 42

(.. .)Dizia pra todo mundo

Na sua terra natal

• - Sou um bom atirador

E provo o meu natural

Assim sacava da arma

Provando ser marginal.

(..No ano setenta e seis

Bem no mês de fevereiro

Dezessete foi o dia

Lá no bar de seu Pinheiro

Matou João Feitosa Costa

Com um tiro bem certeiro,

Este crime cometido

Foi por simples discussão

Pois Mainha discordou

Da estória de seu João

• Por dizer que seu cavalo

Era o melhor alazão.

Por viver sempre impune

Jamais fora a julgamento

E dado por esquecido• O tal cenário cruento

Matou Paulino da Silva

E o Antônio do Jumento.

(. ..)Pois do Rei da Pistolagem

Que muita gente tombou

Tirando as sua vidas

Por contrato que assinou

Is

43

Alguns crimes descrevi

Como a imprensa registrou

• Da Policia Secretário

O terrível pistoleiro

Que já quase era lendário

Já deixou de ser o mito

Hoje é presidiário.e

Fim

3.2. A carta do pistoleiro Mainha a sociedade

*Autor: Guaipuan Vieira

Eu escrevi um folheto

De grande repercussão

A respeito de Mainha

• E sobre a sua prisão

Cujo folheto atingiu

A sua quinta edição.

Por causa disso Mainha

Me mandou uma mensagem• Me enviando a mensagem

(. .

Que assim começo dizendo:

-"As duas grandes famílias

Com muito orgulho pertenço

Aos Maias pelo meu pai

Que sempre teve bom senso

Da mamãe herdei Diógenes

o

t 44

Que tem um padrão imenso.

Muitos pensam que eu sou

Um terrível pistoleiro

• Um sujeito endiabrado

Perverso e arruaceiro

Pensam que eu sou também

Um filho de cangaceiro.

A mente do nosso povo

Muitas vezes é enganada

Com especialidade

Quando é mal informada

E a vítima com as notícias

É a mais prejudicada.e

Eu nunca fui pistoleiro

A todos posso provar

Se matei foi por vingança

Assunto particular

Pistoleiro que eu saiba

• É pago para matar.

Se eu fosse perigoso

Não teria sido preso

(..)De a polícia vir dizer

Que eu era um foragido

Por muitos crimes dever

Coisa que não é verdade

Todos vocês podem crer.

O crime que pratiquei

Já está esclarecido

Se matei foi por vingança

Não estou arrependido

o

Is 45

Só dei fim no assassino

Que matou meu "pai"querido.

• Que pratiquei por vingança

Por ele estou amargando

Numa cela em segurança

Esperando a liberdade

Porque tenho confiança.

G.)

Sou um bode expiatório

Por um grupo fabricado

Que talvez este é quem seja

O bandido procurado

IsQue sempre vive julgando

E nunca quer ser julgado.

-Termino assim a mensagem

Enviada por Mainha

Repito o que disse antes:

a Que não é invenção minha

Todos sabem que eu sou

Um cordelista de linha.

Fim

Apesar de Mainha usar de um discurso que procurava justificar suas

ações transgressoras, o uso das expressões: "matei a pedido de um amigo",

"eu fui chamado pra matar um rapaz", "num foi só uma nem dez vezes que

vieram me chamar pra matar gente", provam o contrário. Estas expressões

explicitam que ele apesar de não assumir a personalidade de matador de

aluguel, procurava demonstrar a qualidade da oferta de seus "serviços". Seu

discurso tinha o objetivo de tirá-lo da condição de pistoleiro e colocá-lo na

1s

0.

posição de justiceiro ou vingador, aquele que insatisfeito com a sociedade, a vê

cúmplice de seus inimigos poderosos, e se coloca acima da justiça e da lei.

"Onde está essa que se diz tal sociedade, mora aonde? Eu não conheço, os mais ricos são os

mais ladrões, os políticos são os mais safados, eu não conheço uma sociedade, me mostre um

rico que não é corrupto, eu digo isso porque já convivi com certos deles por aqui (Ceará). Os

caras que deram os tiros no meu pai foram pelo menos numa delegacia? Quem matou minha

irmã foi na delegacia? Nunca foi" (Desabafo do Mainha entrevistado em 25022007.)

IsHá alguma justificativa para a entrada no mundo do crime? Para

Mainha, considerado o maior matador de aluguel do Nordeste, há sim: a honra.

Caçula de uma prole de dez filhos, Mainha teve boa instrução

escolar, estudou num colégio de princípios católicos, considerado o melhor da

5Região Jaguaribana. No tempo certo serviu ao Exército, no quartel de Tiro de

Guerra, onde foi considerado um bom atirador.

Mainha justifica sua "sede de justiça em nome da honra" depois que

viu sua irmã ser morta aos sete anos- Desde rapaz, antes mesmo de servir ao

Exército, já se interessava por armas e treinava tiro ao alvo com o pai na

fazenda, com um revólver comprado com o dinheiro da venda de algumas

vacas.

A seqüência de crimes atribuídos a Mainha, com traços de resolução

1 a de conflitos teve início em 1975, quando duas pessoas queriam matar dois

amigos seus. Depois matou um homem em Quixadá que o chamou de ladrão.

E um ladrão que possivelmente havia lhe roubado uma vaca. E outra pessoa

que disse que ele era casado quando não era. Até chegar a um prefeito de uma

cidade da Região Jaguaribana, em 1977, porque este havia mandado matar um

primo seu. Mainha chegou a confessar este crime após 11 anos depois de tê-lo

cometido, todavia o processo havia 'desaparecido' do Cartório do Júri.

47

Depois de preso, em 1988, em seu primeiro depoimento, afirmou:

"matei todas essas pessoas porque quis. Ninguém me mandou praticar os

crimes e não recebi nenhum dinheiro para isso. Se isso fosse verdade, eu hoje

estaria rico, mas pelo contrário, sou pobre" (O Povo, 07.08.88). Em outro

depoimento disse: "não sou santo. Mas por dinheiro nunca matei. Agi por

vingança e para me proteger, não sou pistoleiro" (O Povo, 10.11.91). Em todos

os depoimentos Mainha fez referência ao seu ex-patrão de nome Chiquinho

Diógenes, com quem tinha uma divida de gratidão. Seu ex-patrão foi

assassinado e Mainha jurou que vingaria a sua morte, assim como o fez.

Mainha passou quase 14 anos fugindo da Polícia, sempre protegido

por pessoas influentes, fossem fazendeiros ou políticos, contando inclusive com

a ajuda da Polícia, pois quando morava em Jaguaribe, circulava normalmente

pela cidade e nunca houve qualquer menção de prendê-lo. Este fato resultou na

exoneração dos delegados de Jaguaribe, Jaguaretama e Pereiro, cidades do

vale Jaguaribe, acusados de conivência com o pistoleiro. Mainha nunca

manteve residência fixa em um só lugar, sempre levou uma vida nômade.

Numa de suas fugas, Mainha morou no Pará e obteve a proteção de

um patrão, que adiantou-lhe uma parte de seu pagamento para que pudesse

comprar um revólver e vingar a morte de Chiquinho Diógenes. Houve uma

tentativa de prisão a Mainha nessa fazenda, mas a polícia não contava com um

pequeno 'exército' mantido pelo fazendeiro e seu envolvimento com políticos

importantes.

Um Juiz me contou que certa vez na cidade de Pereiro, tinha sido

convidado para uma solenidade na casa de um amigo e ao cruzar com um

homem louro, no corredor da grande casa, percebeu que ele estava armado e

muito bem armado. Então chamou o delegado que também estava na festa

para que tomasse as providências necessárias, pois aquilo não podia

e

"

1

48

acontecer. Algum tempo depois o delegado retomou e disse que como

providencia tinha mandado aquele homem embora. Somente depois o Juiz

soube que o indivíduo com quem cruzou no corredor se tratava de Mainha.

IsFinalmente, em 06 de agosto de 1988, Mainha foi preso na cidade de

Quiterianópotis - Ceará em uma churrascaria. Não foi difícil prendê-lo, pois ele

encontrava-se desarmado e houve a ação de quatro policiais fortemente

armados.1

Logo após a prisão de Mainha, a Policia realizou uma busca de

armas em sua casa e, segundo a versão do delegado, o preso tentou esconder

uma arma que havia ganhado de seu ex-patrão, alegando ser um "bem afetivo".

Nesta casa também foram encontrados um longo pente de batas, com cápsulas

s cortadas de 7.65 mm e outros calibres, uma jaqueta de nylon e um par de luvas

de cano longo, possivelmente usados na ocasião dos homicídios, além de mais

dois revolveres.

A Polícia teve dificuldades para trabalhar com um assassino confesso

o como Mainha, porque os traços de sua personalidade fugiam a estereótipos

comuns.

"Criminoso desenvolvido e porque vingativo, pretensamente justiceiro, também

popular, de índole pretensamente pacata, tanto que sempre conseguiu fazero boas amizades nos lugares por onde andou" (Diário do Nordeste, 1408.88).

Com sua prisão, a Policia passou a preocupar-se com uma possível

"queima de arquivo" e o local para onde ele seria conduzido passou a ser de

crucial importância para a conservação de informações que certamente Mainha

levaria com ele caso fosse assassinado. Por conta disso, houve sempre um

forte esquema de segurança para protegê-lo.

0

49

Em pouco tempo os julgamentos de Mainha começaram a ser

marcados. Foram cinco julgamentos no total. Em dois ele foi absolvido e em

1 * três condenado, totalizando uma pena de 94 anos de reclusão.

Os advogados de defesa alegaram questões de "hombridade" e

vingança em todos os processos, inclusive nos que foi condenado.

A primeira condenação decorreu do assassinato de um prefeito,

morto em sua própria casa; a segunda adveio do assassinato a um homem em

Quixadá que o teria chamado de ladrão; e a terceira de uma chacina realizada

na BR 116, onde foram assassinados um ex-prefeito, a mulher dele, o motorista

e um soldado. Segundo contam os populares da região, Mainha teria sangrado

o ex-prefeito e decepado-lhe a orelha como prova do assassinato ao mandante,

que seria um irmão do seu ex-patrão. Por essa chacina, Mainha foi condenado

a 64 anos de prisão.

Passados quase 19 anos de sua prisão seus argumentos são os

S mesmos: "não sou pistoleiro, só matei por vingança". O matador ainda se auto-

analisa como um homem amigo e fiel, que matou por camaradagem e mesmo

nos crimes onde não conhecia a vítima, se sentia insultado e na obrigação

"real" de vingar.

1 o Durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2007, em todos os

domingos fui entrevistar o Mainha. Numa das conversas, ele disse algo que me

deixou curioso: afirmou que as pessoas têm tendências assassinas e utilizou o

exemplo de um rapaz que assumiu ter matado duas pessoas, quando na

verdade ele (Mainha) era que havia praticado os assassinatos. Procurado pela

família dos mortos, tal rapaz nunca negou o fato. Um dia o Mainha perguntou a

ele porque fez aquilo, se era para protegê-lo e ele respondeu: "estou querendo

ficar famoso como você".

50

Segunda a Mainha, a atribuição de sua autoria a maioria dos crimes

em que foi acusada nasceu principalmente da vontade da povo de sempre ter

Is um herói bandido para criar estórias e contar causos. Dizia certa vez estar em

Tabuleiro, cidade do Vale do Jaguaribe, com um amiga, quando chegou um

curioso perguntando de que ele vivia e ele respondeu que estava com uma

saciedade com um amigo: "a amigo faz caixão para defunta e eu faço defunto

para caixão'. A afirmação foi suficiente para que acreditassem ser verdadeirasII

as palavras por ele proferidas. Finalmente, declarou: "imagine se uma

saciedade dessas pode dar certo" (risos).

Outro fato interessante que ele me contou foi que certa vez foi

"peitado" para fazer um "serviço" e o mandante foi logo lhe perguntando se eleIs tinha coragem, no que prontamente respondeu: "não tenho coragem, tenho

costume" e encerrei o papo com esse cidadão pois não senti a firmeza

necessária e gente assim não merece confiança, e continuou: "você sabe que

eu não gosto muito que fiquem me perguntando as coisas, se eu quiser contar

uma coisa eu conto, se eu não quiser nem na peia".

IsNa versão de Mainha sua prisão serviu para muita coisa: "serviu para

mostrar que eu não era o único matador como queriam; que os crimes de

aluguel não diminuíram, fizeram foi aumentar, para eleger um deputado federal;

para vender matérias sensacionalistas; só não serviu para mim que até hoje'e ainda estou preso".

Em nossos diálogos a frase: "me lembro como se fosse hoje" era por

ele bastante repetida. Isso vem transparecer a lógica de que Mainha vive preso

Is ao passado marcado pela violência e injustiça, onde firmou seus valores,

construiu sua identidade e projetou seus referenciais de vida.

1

51

Nas últimas entrevistas que tive com Mainha, ele sempre perguntava

se hoje um advogado podia acreditar na Policia e na Justiça e Jogo em seguida

respondia: "não dá para acreditar, no Rio Grande do Norte eu era acusado de

Is três crimes, dos três eu cometi dois, pois bem, fui julgado dos três, dos dois que

cometi fui absolvido e fui condenado pelo que não cometi, de qualquer maneira

saí lucrando (risos)", outra frase que sempre dizia era: "durante todo esse

tempo aprendi uma coisa, com Polícia não se briga, se corrompe, sai muito

mais barato". Em seguida disse que no vale do Jaguaribe há mais de quarentaIs assassinatos insolúveis, por motivos diversos, uns porque a Polícia não quer

desvendar, outros porque a justiça não tem interesse e outros porque os

mandantes são inatingíveis. Por fim asseverou: testa é quem entrega um

mandante".

Is Mainha fez um breve relato da sua prisão, disse que tinha ido embora

do Vale do Jaguaribe porque tinha feito um acordo com gente ligada ao

Governo, nos seguintes termos: ia embora, deixava de matar gente e em troca

a Polícia cessava as buscas. No mais, concluiu: "é tanto que quando me

pegaram eu estava desarmado, estava mesmo pensando em deixar essa vida";

Is (...)"veja como são as coisas, das pessoas que se diziam pistoleiros na minha

época, o único que está vivo sou eu e talvez porque estou preso", procurando

demonstrar que o crime não compensa.

Por conta de pedido de prisão preventiva expedido pelo Juiz da 4

Vara do Júri de Fortaleza, Mainha, hoje está preso na Cadeia Pública de

Maranguape, acusado de um assassinato ocorrido em Fortaleza, que diz não

ter sido autor, pois não conhecia a vítima. Segundo ele, a acusação do

promotor feita apenas com base em características do assassino que eram

Is

parecidas com as suas, contudo, nunca foi reconhecido pelas testemunhas,

nem houve nada que provasse ser ele o executor do crime.

s 52

No ano de 2000, Mainha conseguiu o beneficio da progressão do

regime passando para o semi—aberto, recolhendo-se à noite no presídio

Amanari. Todavia, por causa de perseguições, disseram que estava ele

viajando para Bahia, o que não era verdade. Mesmo assim, regrediu para o

regime fechado e ficou preso durante 25 dias, tendo voltado ao regime anterior

até 2003, quando mais uma vez foi preso em Campos Belos - Caridade -

Ceará, segundo ele sem motivos, pois estava apenas participando do batizado

de uma afilhada quando foi cercado pela Policia e recolhido por 10 meses. Após

foi solto, e, em 2004, foi novamente preso por conta de uma ordem de prisão

preventiva expedida pelo Juiz da 4a Vara do Júri da Comarca de Fortaleza -

Ce.

i.

i•

1t

o

CONCLUSÃO

Um tema como pistolagem por ser bastante complexo e cheio de

Is subterfúgios não permite falar em conclusão, mas somente consente o traço de

linhas gerais de construção dessa teia de significados e valores determinantes

para a criação desse comércio no Nordeste, no Vale do Jaguaribe e em

Jaguaribara - Ceará.

E O vocábulo Pistolagem vem de pistola e popularmente significa

crimes praticados com pistolas ou qualquer arma de fogo, desde a mais simples

até a mais sofisticada. Entenda—se também por pistolagem, a denominação de

grupos de homicidas que matam auxiliados por arma de fogo.

1. Num segundo momento podemos identificar a pistolagem pela

dubiedade existente entre o mandante e o pistoleiro. O primeiro é o agente

principal do conflito e da hierarquia do crime, porque apesar de não dispor dos

atributos necessários para eliminar quem ele considera seu arquiinimigo, tem

condições financeiras para contratar o segundo para ceifar a vida de outrem,

IP em troca de uma boa quantia em dinheiro ou como pagamento de uma dívida

moral. Daí surgem os pistoleiros, profissionais matadores de aluguel.

Os matadores de aluguel não mais se identificam como homens do

campo, não têm mais vínculo com a terra, perderam seu lado rústico e

tradicional para acompanhar a evolução social ocorrida nas últimas décadas,

onde cavalos e fazendas foram substituídos por motos possantes e cidades que

possibilitem seus raios de atuação. No Vale do Jaguaribe, a disputa por terras

foi principal causa dos crimes de pistolagem registrados. Tal conclusão foi feita

com base em minha pesquisa de informações.

Existem ainda os intermediários, aqueles que vão irão mediar a

negociação de vidas humanas. Eles ocupam um lugar nojento e insalubre em

nossa sociedade, os sindicatos da morte.

1 54

Penetrando nos esquemas de pistolagem, identifiquei como genitora

deste, a própria estrutura social, fincada no abandono em que viveu o Sertão

pela falta de assistência dos órgãos competentes que deixaram nosso homem

o do campo na dependência de coronéis e latifundiários, criadores e protetores do

braço armado.

Os latifundiários, coronéis e políticos poderosos pensaram que

dariam existência apenas a matadores de ocasião, mas estes se transformarame

em profissionais violadores da lei maior, a lei da vida.

Os matadores profissionais são anomalias da natureza e da

sociedade injusta e desigual que criou todas as condições para as mais

variadas formas de protesto social, resultando daí toda a violência que hoje€

ganha ares de calamidade publica.

Importante também é a participação dos fascináides governistas

que deram promessa de vida longa a pistolagem, através de um Poder

Judiciário tênue que não mais consegue controlar a violência. A prova cabal

disso é a constatação de que Mainha, sendo autor de muitos homicídios,

responde apenas a alguns processos criminais. Indaga-se: nosso Poder

Judiciário é incompetente ou conivente?

A justiça fechou os olhos para o Vale Jaguaribe por muito tempo,

deixando que a violência e pistolagem se instalassem, ganhando visibilidade e

avanços.

As discussões sobre pistolagem devem ser ampliadas, porque não

podemos ser cúmplices desse mal social. Devemos ter consciência e

compromisso social com a solidariedade pela VIDA e pela PAZ.

REFERENCIAS

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BARREIRA, César, Crime por encomenda Violência e pistolagem no cenáriobrasileiro. Rio de Janeiro: Relume Deusdará,1998

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