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Espaços e Identidades Culturais: o caso das Minas do Camaquã - Caçapava do Sul – RS 1 Stefanie Kohn Winter 2 Dr. Dário de Araújo Lima 3 Localização Minas do Camaquã é uma pequena vila situada no 3° distrito do município de Caçapava do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, localiza-se nas coordenadas 30°47’ de latitude sul e 52°24’ de longitude oeste. O acesso de Porto Alegre faz-se pela BR-290 (220 Km), após pela BR-153(52 Km) e finalmente pela RS-635 (26 Km) totalizando 300 Km. Dista 70 Km de Caçapava do Sul, 130 Km de Bagé e 310 Km do porto do Rio Grande. Mapa 01- Mapa de localização das Minas da Camaquã 1 Resumo a ser apresentado no 9° Encontro de Geógrafos da América Latina em Montevideo, Uruguay, no eixo temático: Mobilidade da População e Identidade Cultural (Espaços Culturais: identidade e paisagem). 2 Pesquisadora do Arca – Núcleo de Estudos Agrários e Culturais (FURG). 3 Orientador Prof. Dr. do Instituto de Ciências Humanas e da Informação e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGEO - FURG.

Espaços e Identidades Culturais: o caso das Minas do Camaquã · capital ingleses criaram a infra-estrutura inicial para a exploração do cobre, com a abertura da galeria dos Ingleses,

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Espaços e Identidades Culturais: o caso das Minas do Camaquã -Caçapava do Sul – RS1

Stefanie Kohn Winter2

Dr. Dário de Araújo Lima3

Localização Minas do Camaquã é uma pequena vila situada no 3° distrito do município de

Caçapava do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, localiza-se nas coordenadas 30°47’ de latitude sul e 52°24’ de longitude oeste.

O acesso de Porto Alegre faz-se pela BR-290 (220 Km), após pela BR-153(52 Km) e finalmente pela RS-635 (26 Km) totalizando 300 Km. Dista 70 Km de Caçapava do Sul, 130 Km de Bagé e 310 Km do porto do Rio Grande.

Mapa 01- Mapa de localização das Minas da Camaquã

1 Resumo a ser apresentado no 9° Encontro de Geógrafos da América Latina em Montevideo, Uruguay, no eixo temático: Mobilidade da População e Identidade Cultural (Espaços Culturais: identidade e paisagem).2Pesquisadora do Arca – Núcleo de Estudos Agrários e Culturais (FURG).3Orientador Prof. Dr. do Instituto de Ciências Humanas e da Informação e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGEO - FURG.

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Estando enquadrada na região denominada como Escudo Sul Rio-Grandense, ou também chamada serra do sudeste, na região sudoeste do Rio Grande do Sul, tendo como principal característica sua formação geológica, devido a isso se pode entender porque se deu a exploração do minério de cobre e de outros subprodutos, os quais foram responsáveis pelo desenvolvimento deste lugar.

Mapa 02- Mapa da Divisão das Paisagens Naturais do Rio Grande do SulBreve Histórico

Tudo começa em meados de 1865, quando o então proprietário das terras João Dias dos Santos encontra em suas terras, com a ajuda de geólogos que estavam em Lavras de Sul em busca de ouro, um potencial minerador com a presença de cobre e outros subprodutos.

A vila surge e começa a se desenvolver no instante em que as diversas empresas mineradoras iam se instalando e beneficiando o minério que ali ia sendo encontrado. Vários foram os grupos ali presentes. Inicialmente, os investimentos realizados com capital ingleses criaram a infra-estrutura inicial para a exploração do cobre, com a abertura da galeria dos Ingleses, funcionou entre os anos de 1870 a 1887. A segunda iniciativa de trabalho na mina se deu mediante um grupo de empresários alemães que continuaram investindo na exploração, entre os anos de 1888 a 1899. Porém devido o encarecimento dos transportes e a queda do preço do produto no mercado, fizeram com que os mesmo desistissem do negócio.

Posteriormente, com a Companhia Belga, as atividades de mineração intensificaram-se através de novos trabalhos subterrâneos e da instalação de uma usina de concentração do minério. Sendo criada também uma barragem no arroio João Dias para o fornecimento de água e energia para as atividades mineradoras. A empresa assim, dinamizou as atividades na mina. Encerrando suas atividades em 1908, após sete anos de exploração.

Com a crise de 1929, o governo brasileiro buscando diversificar sua economia, até então baseada na produção agrícola, elabora uma legislação mineral e cria órgãos como o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) em 1934, além importantes geólogos começarem a publicar novamente artigos científicos sobre as Minas do Camaquã.

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A criação de CBC (Companhia Brasileira de Cobre) em 1942 de capital misto entre o governo do estado do Rio Grande do Sul e a Laminação Nacional de Metais de Francisco Pignatari, embora com manifestações de governantes contra essa sociedade a empresa funcionou até 1975, quando passou para o controle do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). De 1977 a 1979 realizaram-se mapeamentos e sondagens reavaliando as reservas contratando uma empresa para preparar a infra-estrutura.

A retomada ocorreu em 1981, sendo inaugurada a mina a céu aberto, como a produção não correspondia as projeções iniciais, cogitava-se a sua privatização, dando o encerramento desta fase em 1988. Sendo marcado um leilão para a concorrência de empresas.

Entretanto um grupo de administradores e funcionários assumiu o controle da empresa e continuaram a extração até 1996, quando se encerra a extração do minério economicamente viável. O processo de liquidação realizou-se em conformidade com a assembléia de 31/03/1997 com a venda das ações, que aos poucos foram sendo adquiridas pela empresa de Mineração Mônego Ltda que detém hoje a maioria das ações, e, ocorreu também a venda de parte do patrimônio da empresa (casas, hotel), ficando a empresa restrita a área industrial-mineral.Introdução

A vila Minas do Camaquã teve seu desenvolvimento oriundo da mineração do minério de cobre e de seus subprodutos. Aos poucos, foram sendo construídas as residências para, dessa maneira, poder abrigar os mineiros e suas famílias. Além de outras infra-estruturas necessárias para o beneficiamento e para o atendimento de outras atividades sociais.

Penteado (1998), apud Ronchi e Lobato (2000, p. 64) assim se referem à vila “Vista do alto, Minas do Camaquã mostra um planejamento urbano impecável. As ruas têm uma pavimentação invejável...”.

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As identidades foram se formando pelo próprio cargo que os operários exerciam nas empresas. A profissão mineiro, desenvolveu-se em virtude da necessidade de trabalho, ocasionando com isto um novo modo de vida. Por trabalharem em atividades com um alto nível de insalubridade e periculosidade, era motivo de preocupação com a manutenção da vida fosse levada em consideração por eles e também por seus familiares, e, ao mesmo tempo motivo de alegria por terem um trabalho e poderem assim sustentar os seus.

A identidade, assim, começa a se formar mediante o ato de morar nas Minas do Camaquã, as residências foram sendo construídas por níveis hierárquicos pelos cargos ocupados. Os mineiros residiam em casas cedidas pela empresa, próximas umas das outras, sendo de um tipo de construção denominada de casas geminadas, por terem sua arquitetura conjugada, a qual passava a abrigar os mineiros (operários) e suas famílias.

Ronchi e Lobato (2000, p. 66) assim se referem as residências

“Na parte mais alta em relação ao centro da vila, localizam-se as melhores residências. As casas, construídas pelo industrial “Baby” Pignatari, têm características marcantes. Base de pedra e pavimento superior em madeira, cada uma com uma cor diferente. A que foi construída para ele ocupa a parte mais alta do terreno, assim como o centro da rua onde se localizam as demais. Possui piscina própria e vista sobre a vila.o grupo de casas foi construído na década de 60”.

De igual modo também, foram edificados espaços que passaram a abrigar atividades sociais para descanso, lazer e entretenimento para os moradores locais. Além das infra-estruturas funcionais como posto de combustível, armazéns, bares, restaurantes, hotéis, escolas, ginásio de esportes, todos eles existentes no entorno da vila, foram criados espaços comunitários para entretenimento.

Um dos primeiros prédios edificados do lugar, anterior a mineração pertencia ao então proprietário das terras, o coronel, o Sr. João Dias dos Santos, o qual abrigava a sede de sua fazenda, visto que a atividade desenvolvida era a criação de bovinos e caprinos, tudo muito relacionado com a cultura gaúcha, com cavalos e com as questões militares riograndenses.

Este prédio foi abrigando muitas funções no transcorrer dos períodos, desde gabinete dentário, armazém e posteriormente, no ano de 1969 passou a abrigar o Clube dos Engenheiros. Sendo a partir desta data, comprado pela empresa para abrigar o clube, o qual recebia em fins de tarde os funcionários que buscavam lazer, descanso e que tinham por hábito também tomar a sua bebida, entre elas, a que merece destaque é a cachaça.

Entre os anos de 1969 e 1974, mesmo em funcionamento, o clube passa por reformas, se dando a melhoria das suas instalações, construção de uma quadra esportiva, piscina, compra de móveis e utensílios, mesas de sinuca, entre outros. Abrigava também, bailes, festas e churrascos. Foi em 1971, quando o presidente Gastarrazu Médici se fez presente nas Minas do Camaquã para a inauguração de um novo departamento da CBC, que foi organizado um grande churrasco, onde toda a comunidade foi convidada a participar.

É um evento muito lembrado e contado pelos moradores locais, os quais, também falam com muita alegria e emoção do famoso e playboy industrial Francisco Matarazzo Pignatari. Proprietário também da Caraíba Laminação de Metais e de muitos outros negócios no estado de São Paulo. Este, era muito querido pela população local, embora existam controvérsias sobre o seu temperamento forte e incisivo.

Pignatari, como era conhecido pelos moradores do local, também possuía uma residência na vila, na qual recebia seus convidados ilustres, e na qual mantinha uma governanta, que reside na casa até os dias de hoje.

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Outro importante espaço edificado na década de 70 é o Cine Rodeio, o nome é sugestivo, obra planejada também por Pignatari durante a fase em que ele era um dos diretores. Nas palavras de Ronchi e Lobato (2000, p.65) “Na praça central, o prédio do cinema ocupa lugar de destaque com linguagem arquitetônica que faz referência aos filmes do velho oeste. O nome Rodeio, reforça a idéia da linguagem. Um grande galpão, com telhado de duas águas, fachada principal com frontão, trabalhado com desenhos característicos do Far West americano, em madeira. O acesso principal é feito por porta vaivém lembrando os saloons. O prédio desenha na paisagem uma situação totalmente insólita ou surrealista na sua relação com a praça, na qual, vagonetes, como esculturas, nos lembram a existência de minas próximas, definem um espaço urbano de boa qualidade. Esse cenário nos transporta para longe do estereótipo de uma vila no interior do Rio Grande do Sul”.

Nos arredores se encontram distribuídos também, outros prédios públicos como o ginásio de esportes, o hospital, a escola, a igreja de Santa Bárbara e o CTG Ronda Crioula. Nesses espaços edificados podemos perceber a importância que o lugar teve no contexto histórico e econômico gaúcho.

A vida social neste lugar tinha toda a infra-estrutura necessária para uma emancipação municipal no seu período de auge. O CTG reforça o que foi anteriormente colocado, onde se preserva a cultura gaúcha mesmo em meio a um cenário minerador.

Como momentos de lazer em fins de semana e também como um identidade do minerador, organizava-se na vila, campeonatos de futebol, onde o Minerador Atlético Clube era o favorito, pois era por assim dizer, o time dos mineiros. O campeonato era organizado pela diretoria da empresa, a qual convidava os times dos municípios vizinhos para participarem, reunindo sempre um grande público.

Outra importante identidade cultural percebe-se, no que se refere à religiosidade. Numa relação direta entre o minerador e sua devoção a Santa Bárbara, intitulada como a padroeira dos mineiros. A qual tem um significado significativo, pois ela, no entendimento deles, é que permitia a manutenção da vida, da saúde e do trabalho no interior das galerias subterrâneas.

Em cada entrada de galeria que ia sendo inaugurada, havia um local apropriado para a colocação de uma imagem da santa, e em cada grupo de mineiros que entrava para realizar o seu trabalho, a ela faziam reverência, simbolizando desta maneira o pedido de proteção.

Outra manifestação religiosa se fazia presente na organização da festa da padroeira Santa Bárbara, sempre no primeiro domingo do mês de dezembro. Como parte das comemorações, organizava-se uma procissão que saía da entrada da galeria da Mina Uruguai (situada no interior da CBC) em direção à igreja, realizava-se uma missa comemorativa e após havia uma confraternização festiva. ObjetivosGeral: analisar os espaços culturais que se formaram a partir do desenvolvimento da extração do minério de cobre no lugar Minas do Camaquã e apresentar as identidades que se fazem presentes, visualizadas através da cultura, dos espaços edificados e dos modos de vida destes moradores. Específicos: - contribuir para a ciência geográfica, buscando um aprofundamento dos estudos na geografia cultural, a partir do lugar Minas do Camaquã.

- entender melhor os conceitos de cultura e memória nas pesquisas etnográficas

- resgatar o contexto histórico e cultural deste lugar

Metodologia e Técnicas de Pesquisa

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De acordo com Minayo (2000, p. 16) “Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas”. Na concepção da autora a metodologia não significa apenas técnicas e instrumentos, mas sim uma interação, ou seja, “... articulação entre conteúdos, pensamento e existência”.

As metodologias utilizadas nas diversas fases percorridas pelo investigador não devem ser confundidas com o método. O método vem antes do estabelecimento dessas fases.

No que se refere ao método Severino (1996, p. 118) entende que

“... do mesmo modo como existem vários processos de levantamento de dados empíricos, existe igualmente vários modos de interpretação lógica destes dados. Trata-se de vários métodos epistemológicos utilizáveis para a compreensão significativa dos dados reais. Por isso, a ciência não pretende mais atingir uma verdade única e absoluta; suas conclusões não são consideradas verdades dogmáticas, mas como formas de conhecimento, conteúdos inteligíveis que dão um sentido a determinado aspecto da realidade”.

O método dialético foi utilizado para a investigação de um problema, pelos filósofos, desde a Grécia Antiga. Partia de uma discussão sobre um tema a ser conhecido onde a contradição movia o discurso, ou seja, a refutação consistia em se opor as afirmações do adversário. Nesse discurso, a negação era um instrumento útil para a reflexão, na busca pela verdade.

O método dialético tem como princípio que todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios que são ao mesmo tempo unidos e indissolúveis. O método dialético em Marx parte do concreto procurando abarcar a totalidade do fenômeno estudado em toda a sua complexidade com as conexões de inúmeras variáveis.

Nas palavras de Demo (1996, p. 35)

“A vantagem de posturas dialéticas está precisamente em colocar o questionamento não apenas no método, mas igualmente na própria realidade, até porque a ideologia não aparece só no sujeito mas na realidade como tal por ser histórica e prática. Não somente o método é dialético, sobretudo a realidade é dialética na substância. Por isso, nela mesma se elabora o contrário, que leva à superação histórica”.

Portanto o trabalho utiliza o método dialético por ser ele adequado ao

entendimento da realidade, por ser constituído do fator historicidade, estudar o objeto de analise em suas várias conexões, ou seja, na totalidade, não dissociando natureza e sociedade.

Além do método o pesquisador necessita também optar por uma das abordagens em sua pesquisa. As técnicas utilizadas nesta pesquisa, fazem parte da pesquisa qualitativa, pois inicialmente foram realizadas as saídas de campo e as observações na área em estudo, sendo aplicadas posteriormente entrevistas aos moradores mais antigos do lugar e do município, as quais permitiram juntamente com bibliografias relacionadas a temática elaborar um resgate histórico cultural da sociedade estabelecida neste lugar e permitir entender os conceitos de cultura e memória para aplicá-las na ciência geográfica e para a geografia cultural.Embasamento teórico e principais contribuições geográficas

Para se trabalhar a geografia cultural, com identidades culturais, com a cultura e tudo o que ela engloba, é necessário buscar autores que trabalhem com essas temáticas e então organizar o pensamento e trabalhar da melhor forma, dentro da geografia.

Conforme nos mostra Claval (2001, p.58)

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“As circunstâncias solicitam, hoje, uma reconstrução mais sistemática ainda, da geografia cultural. As pesquisas do início do século tinham como modelo as ciências naturais. Os trabalhos dos anos 1950 e 1960 calcavam-se sobre as ciências sociais então em moda, a economia ou a lingüística, por exemplo. Estas abordagens esforçavam-se para apagar os aspectos subjetivos da realidade; supunham que as decisões tomadas pelos homens eram racionais. Recusavam-se a levar em consideração os sonhos, os símbolos, as ideologias ou as aspirações místicas”.

As referências bibliográficas realizadas para a elaboração deste trabalho, que serviram de suporte durante toda a pesquisa, têm destacado a geografia cultural que permite aos geógrafos não negligenciarem as dimensões culturais dos fatos observados, orientando para uma nova direção onde as representações merecem ser estudadas. As bibliografias utilizadas na abordagem dos espaços edificados, da cultura e dos modos de vida podem ser citadas mediante os seguintes autores: CLAVAL 2001, CORREA e ROSENDAHL 2003, HALBWACHS 2006, MENESES 1999, SANTOS 1994, RONCHI e LOBATO 2000.

A cultura é rodeada de muitas identidades culturais, que acaba moldando os indivíduos, ao mesmo tempo, os meios de organizar e dominar o lugar. Nas palavras de Claval 2001, “a cultura é indispensável ao individuo no plano de sua existência material. Ela permite a sua inserção no tecido social. Dá uma significação à sua existência e à dos seres que o circundam e formam a sociedade da qual se sente membro”.

O lugar é resgatado na geografia cultural, constituindo a dimensão da existência que se manifesta mediante um cotidiano compartilhado entre várias pessoas, instituições em que cooperação e conflito são a base da vida em comum, ou seja, compreende o mundo vivido.

De acordo com, Correa e Rosendahl 2003 “a cultura resulta da capacidade de os seres humanos se comunicarem entre si por meio de símbolos, estando à cultura também assentada em uma base geográfica, pois é provável que só ocorra à comunicação regular e compartilhada entre pessoas que ocupam uma área em comum”.

Ainda sobre o conceito de cultura, como um instrumento de transmissão da experiência coletiva, é importante a contribuição de Claval 2001

“A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em uma outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestaram. Não é portanto um conjunto fechado e imutável de técnicas e de comportamentos. Os contatos entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma fonte de enriquecimento mútuo. A cultura transforma-se, também, sob efeito das iniciativas ou das inovações que florescem no seu seio”.

O trabalho em torno dos espaços edificados, das identidades culturais e dos modos de vida das Minas do Camaquã só é possível mediante uma reconstrução chamada memória.

Neste sentido, o que tem orientado as pesquisas foi à leitura de HALBWACHS 2006, que nos mostra “que não podemos reunir em um único painel a totalidade dos eventos passados a não ser retirando-os da memória dos grupos que guardavam sua lembrança, cortando as amarras pelas quais eles participavam da vida psicológica dos ambientes sociais em que ocorreram, deles não reter apenas o esquema cronológico e espacial. Não se trata mais de revivê-los em sua realidade, mas de recolocá-los nos

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contextos em que a história dispõe os acontecimentos, contextos esses que permanecem exteriores aos grupos, e defini-los cotejando uns com os outros”.

Ainda de acordo com Meneses 1999, “o suporte da identidade é a memória, mecanismo de retenção da informação, conhecimento, experiência quer em nível individual, quer social e, por isso mesmo, é eixo de atribuições, que articula, categoriza os aspectos multiformes da realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade”. É com este resgate da cultura mediante a memória que se pode apresentar os modos de vida da população das Minas do Camaquã, bem como o resgate das identidades culturais como as seções de cinema reproduzidas no Cine Rodeio, os campeonatos de futebol com a participação do Minerador Atlético Clube, os valores, as histórias e a religiosidade.

No que se refere a religiosidade e toda a identidade simbólica nela existente, Claval 2001 assim se refere “o símbolo torna sensíveis os valores partilhados, o símbolo reúne: ele faz esquecer as diferenças que existem entre os membros de um grupo de uma mesma cultura; ele realça aquilo que compartilham”.

Mesmo que a sociedade mundial acabe pregando a homogeneização das culturas impostas pelo domínio do modo de produção capitalista, vale lembrar que o resgate da cultura, a vida cotidiana dos mineiros, a devoção a Santa Bárbara, a maneira como o trabalho era executado, os espaços culturais edificados, as referências aos períodos históricos, as histórias ocorridas ao longo das décadas e as estórias também lá contadas foram vividas, outras foram sendo transmitidas de geração a geração, e hoje, merecem importância porque mesmo em meio a um mundo em transformação, a geografia cultural se preocupa com os lugares, porque estes, não têm somente uma forma, uma racionalidade funcional e econômica, mas estão carregados de sentido, de sentimento e de símbolos para aqueles que os habitam.Referências

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