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Simpósio Temático:
Solar Decathlon: o desafio do projeto colaborativo e interdisciplinar
Espaços de Oportunidade Projetual:
Pousada Solar e Vila Caiçara em Paraty-RJ
Raquel Tardin Arquiteta e Urbanista Doutora pela Universidad Politécnica de Cataluña – Barcelona Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo - PROURB Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo
Podemos observar, em inúmeros municípios brasileiros, uma tendência à
fragmentação das relações estabelecidas entre os sistemas da paisagem, sejam
urbanos, biofísicos, socioculturais ou econômicos, sobretudo a partir da implantação
de conjuntos edificados relacionados com a exploração turística em áreas de proteção
ambiental (APAs).
Este artigo1 pretende apontar as áreas ocupadas e ocupáveis dentro das
APAs, como espaços de oportunidade projetual voltadas para o turismo, enquanto
lugar onde a intervenção para a ocupação humana pode se desenvolver a partir dos
sistemas da paisagem, suas relações sinérgicas, e com as respectivas comunidades
que as habitam, resultando em projetos sistêmicos.
Neste sentido, apresenta-se a APA de Cairuçu em Paraty-RJ e os projetos:
Pousada Solar, construído por unidades da Casa Solar Flex2, e Vila Caiçara.
1 Este artigo deriva do desenvolvimento do projeto de pesquisa e extensão que vem sendo desenvolvido desde 2009 no Observatório da Paisagem (OBPA) do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas em Paisagismo (NEP). O OBPA/NEP se insere no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O projeto se desenvolve em parceria com o Núcleo UFRJ Mar e conta com a participação de diversos profissionais de outros centros da UFRJ e do IPHAN-RJ. A duração prevista para o desenvolvimento do projeto é de 4 anos.
Em termos gerais, esse projeto de pesquisa e extensão pretende fornecer subsídios para a Ordenação da Paisagem do Município de Paraty através da proposta de diretrizes para a intervenção urbanística e para a adoção de políticas públicas com foco no desenvolvimento sustentável. O projeto parte da interface entre a participação social, para a definição cidadã do destino de sua paisagem, e os argumentos técnicos provenientes da análise dos sistemas da paisagem: urbano, biofísico, sociocultural e econômico, como subsídio para estabelecer um diálogo entre os distintos atores sociais responsáveis pelas definições de planos, projetos e políticas públicas urbanas locais.
Um dos objetivos é contribuir para o desenvolvimento sustentável e incentivar a participação e a organização da população local em estreita relação com os setores público, privado e o terceiro setor, resultando em sugestões de intervenções urbanísticas e em indicações para a implementação de políticas públicas permanentes. 2 A Casa Solar Flex foi concebida pelo Consórcio Brasil visando a participação no concurso Solar Decathlon
2
Abstract
We can see, in many brazilian municipalities, a tendency to fragmentation of
relations between the systems of the landscape, namely: urban, biophysical, socio-
cultural or economic, especially since the implementation of settlements related to
tourist operation in environmental protection areas.
This article points to the occupied areas and areas that can be occupied inside
environmental protection areas as places of projetual opportunity for tourism, where
intervention for human occupancy can be developed from the systems of the
landscape, its synergistic relationships, and with the communities that inhabit them,
resulting in systemic projects.
In this sense, it presents the APA Cairuçu in Paraty-RJ and the projects:
Pousada Solar, built by units of Casa Solar Flex, and Vila Caiçara.
Palavras-chave Áreas de Proteção Ambiental, Turismo, Projeto da Paisagem.
Introdução
Este artigo propõe a reflexão sobre as áreas ocupadas e ocupáveis dentro de
Áreas de Proteção Ambiental (APAs), como espaços de oportunidade projetual para a
consolidação de projetos voltados para o turismo, que fomentem a relação sinérgica
entre a exploração turística, a preservação da natureza e os modos de vida das
comunidades tradicionais, como o são os projetos: Pousada Solar e Vila Caiçara,
propostos a partir da realidade da APA de Cairuçu em Paraty-RJ.
Neste contexto, são valorizadas as relações entre os sistemas da paisagem,
quais sejam: o urbano, o biofísico, o sociocultural e o econômico, como detentores de
elementos e processos que devem ser observados e mantidos na elaboração e
implementação de projetos de ocupação em APAs em pro da conquista de paisagens
sustentáveis3.
Europe, onde o objetivo era construir e habitar a casa mais atraente e eficiente tendo o sol como única fonte de energia, além de proporcionar o tratamento de suas águas usadas (Casa Solar Flex, 2010). 3 Considera-se sustentabilidade como o consumo respeitoso dos recursos do território, mantendo suas funções e sua distribuição eqüitativa no espaço e no tempo (Rogers, 2000; Folch, 2003; entre outros),
3
O município de Paraty, no sul do Estado do Rio de Janeiro, com 32.838
habitantes (IBGE, 2007), possui um território com 928 km² e uma densidade
demográfica de aproximadamente 28,3 h/ km². Localizado entre Rio de Janeiro e São
Paulo, na Baía da Ilha Grande, entre o mar e a Serra da Bocaina, em seu domínio se
encontram importantes remanescentes da Mata Atlântica, ainda preservados. Além
disso, a área é drenada por rios navegáveis e apresenta um relevo singular,
conformado por uma parte montanhosa e uma parte de baixada ao longo do litoral,
com recortes peculiares que conformam praias paradisíacas.
O centro histórico da cidade, muito preservado, constitui um dos principais
atrativos locais. A preservação do centro histórico se deu, por um lado, devido à
relativa estagnação do desenvolvimento urbano da área, que permaneceu
praticamente inerte até a década de 70, por questões históricas relacionadas à
decadência econômica da região e à dificuldade de acesso. Até a década de 70, as
principais vias de acesso até Paraty eram a Estrada Paraty-Cunha e a ligação, via
mar, com Angra dos Reis, e a economia do município era uma economia de
subsistência baseada na produção de aguardente e pesca artesanal.
4
Figura 1 – Localização de Paraty no Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: http://www.guiavegano.com.br/vegan/images/stories/mapas/rio-de-janeiro.gif [Consulta em 01/11/2010]
Figura 2 – Vista aérea de Paraty.
Fonte: http://farm3.static.flickr.com/2467/3660054954_f31380b28e.jpg [Consulta em 01/11/2010]
Por outro lado, teve forte influência neste processo de preservação do centro
histórico do município a declaração de Paraty como Monumento Histórico Estadual,
em 1945 (tombamento do Bairro Histórico), assim como a declaração do mesmo como
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1958, e a declaração deste como
Monumento Histórico Nacional (tombamento da zona urbana e zona rural) em 1966.
A facilitação do acesso rodoviário, através da construção da BR-101 (Rodovia
Rio-Santos) ao longo do litoral, nos anos 70, permitiu que o crescimento urbano
retomasse impulso, ajudado pelo avanço da indústria do turismo, a exploração dos
atrativos naturais, e o aumento da oferta de serviços urbanos.
Hoje, além do turismo, que corresponde à maior parcela da economia local,
parte da população vive da pesca, de pequenos comércios e serviços e de atividades
de subsistência, entre elas a agricultura, com a plantação de itens como a banana, a
cana-de-açúcar e a mandioca.
Entre a população local podem ser encontrados índios, caiçaras, quilombolas,
5
residentes permanentes e um grande número flutuante de turistas, que desfrutam do
lugar durante todo o ano, mais propriamente nos finais de semana e nas temporadas
de verão.
Pelas peculiaridades de seu sistema biofísico (relativas aos atributos
referentes à: vegetação, fauna, hidrografia, oceanografia, solos, topografia, geologia e
clima), e de seu sistema sociocultural (relativas à existência de importantes
comunidades tradicionais: quilombolas, indígenas e caiçaras, residentes em áreas de
natureza preservada), o município conta com seis unidades de conservação4: Parque
Nacional da Serra da Bocaina (1971 – Decreto Federal Nº 68.172), Área de Proteção
Ambiental – APA Federal de Cairuçu (1983 – Decreto Federal Nº 89.241), Estação
Ecológica de Tamoios (1990 - Decreto Federal Nº 98.864), Reserva Ecológica da
Juatinga (1992 - Decreto Estadual Nº 17.981), Parque Estadual de Paraty-Mirim (1972
- Decreto Estadual Nº 15.927), Área de Proteção Ambiental – APA Municipal da Baía
de Paraty e Saco de Mamanguá (1984 - Lei Municipal Nº 685). Por outro lado, estas unidades de conservação também são consideradas, desde 1992, reserva da biosfera
da Mata Atlântica, como parte do ecossistema Mata Atlântica, e, nesta mesma direção,
estão sob a normativa de outras leis Federais e Estaduais que buscam a proteção da
Mata Atlântica.
4 Segundo a Lei Federal No. 9.985 de 18 de julho de 2000, a unidade de conservação “consiste no espaço territorial e nos seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo setor público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.” As Unidades de Conservação podem ser Unidades de proteção Integral (Reserva Biológica, Parque e Bem Natural) ou Unidades de Uso Sustentável (Áreas de Proteção Ambiental - APA, Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana - APARU). As APAs distintamente dos parques são conformadas por propriedades privadas, as quais, a partir do Plano de Manejo da APA, estão sujeitas a regras estritas de ocupação e/ou exploração do lugar com atividades produtivas.
6
Figura 3 – Unidades de Conservação e APA de Cairuçu.
Neste contexto, a indústria do turismo vem, cada vez mais, exercendo forte
pressão no município, principalmente em direção ao município de Angra dos Reis,
através da construção de hotéis, resorts, pousadas e condomínios para veraneio, o
que tende a incentivar a ocupação humana nesta área. Também há o interesse no
investimento turístico nas áreas das APAs, onde existem terras de propriedade privada
que podem receber alguma ocupação e estão sob as restrições estabelecidas pelos
planos de manejo das unidades de conservação (Gomes, Carmo e Santos, 2004). E
as próprias comunidades tradicionais, principalmente caiçaras5, que ocupam terras
costeiras em áreas de difícil acesso dentro das APAs em Paraty, também têm
interesse em desenvolver a exploração turística em suas terras.
5 Caiçaras são descendentes de portugueses, índios e negros libertos que desenvolveram seus modos de vida junto ao mar, estabelecendo uma relação estreita com este para sua sobrevivência (Diegues, 2000).
7
Figura 4 – Pouso da Cajaíba e vila caiçara. Fonte: http://www.caronainterativa.com.br/
[Consulta em 01/11/2010]
Dentre as especificidades da indústria do turismo em Paraty, pode-se
destacar os investimentos de pequeno porte, pequenas pousadas, hotéis e
restaurantes, pertencentes a pessoas locais e imigrantes, e os investimentos de
grande porte, como resorts e grandes hotéis, pertencentes a grupos investidores
nacionais e internacionais (Oliveira, 2009). Estes empreendimentos, sobretudo os de
grande porte, seguem uma lógica de ocupação que interpreta a paisagem como objeto
de consumo, sobre a qual se podem gerar bens e serviços relacionados com a
exploração do turismo, o que tende a causar inúmeros impactos na paisagem, sejam
urbanos, biofísicos, socioculturais ou econômicos. Por outro lado, nos últimos anos,
pode-se observar o crescimento de atividades voltadas para o turismo nas vilas
caiçaras, como, por exemplo, a venda de bebida e comida e a construção de casas
para aluguel por temporada, com o incentivo da ocupação urbana desordenada
(Oliveira, 2009).
Diante desse quadro, observou-se uma lacuna referente à reflexão sobre
padrões alternativos de ocupação voltados para o turismo nestas unidades de
conservação, como espaços de oportunidade projetual, onde se pudesse pensar e
propor, espacial e funcionalmente, a sinergia entre elementos e processos urbanos,
naturais, socioculturais e econômicos. A fim de desenvolver esta hipótese, o artigo se
8
divide em 3 tópicos: 1) APAs e espaços de oportunidade projetual para o turismo; 2) O
Projeto Pousada Solar e 3) O Projeto Vila Caiçara.
APAs e espaços de oportunidade projetual para o Turismo
Os casos apresentados, dentro do processo de desenvolvimento turístico,
constituem um dos conflitos existentes na APA de Cairuçu, que consiste na difícil
relação entre a preservação da natureza, a preservação da cultura caiçara, os
empreendimentos imobiliários voltados para o turismo, existentes ou previstos, e o
desenvolvimento imobiliário e de atividades relacionadas ao turismo nas vilas caiçaras,
a partir da maneira como estes empreendimentos turísticos e o crescimento das vilas
vêm se dando, estabelecendo uma relação fragmentária entre os sistemas da
paisagem.
Em termos urbanos, os padrões de edificação de resorts, grandes hotéis ou
condomínios fechados tendem a se repetir, independente do lugar onde se inserem.
De um lado, são padrões que atendem a demandas de turismo massivo, com grandes
blocos de edifícios, infra-estrutura de lazer e algumas vias. De outro lado, são padrões
que conformam conjuntos de residências, em geral, segundas residências, também
com infra-estruturas de serviço, lazer e ruas internas. Ambos costumam ser limitados
por cercas, grades ou muros, o que inibe o estabelecimento de conexões físicas com
outros conjuntos edificados, quando os há. São padrões introvertidos, ocupam áreas
extensas, estão voltados para dentro de si mesmos, também em termos funcionais,
com pouca ou nenhuma relação com seu entorno, a não ser as relações que se
estabelecem com o desfrute da paisagem: a possibilidade de vistas cênicas, o uso de
praias, cachoeiras e matas.
Por outro lado, o crescimento desordenado das vilas caiçaras, seja por causa
do turismo e da construção de casas para aluguel, ou pelo aumento da própria
comunidade, traz em si a ameaça do adensamento excessivo, do aumento da área
ocupada, do agravamento da falta de saneamento e da descaracterização
arquitetônica das vilas.
Em termos biofísicos, os “padrões introvertidos”, como “ilhas” edificadas, em
geral tendem a não incorporar a vegetação, a água ou o relevo original em seus
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projetos, como estruturantes das formas propostas, como elementos que estão em
sistema e cujas dinâmicas podem direcionar a ocupação, como, por exemplo: a
penetração da vegetação nativa, que pode conformar áreas internas em torno das
quais podem se desenvolver edificações; a água e seu traçado, que pode delimitar os
lotes e marcar as principais vias; o relevo que, a partir de sua estrutura original, pode
acomodar vias e edificações, com atenção às áreas de risco de desmoronamento e
inundação, etc. Estes “padrões introvertidos” promovem, ao contrário, a adaptação
destes elementos e processos biofísicos ao projeto que se pretende realizar.
Comumente, a vegetação original dá lugar aos terrenos a serem edificados e aos
espaços livres internos do empreendimento e permanece nos limites destes. A água
tende a ser integralmente domesticada na área a ser ocupada, canalizada ou
desviada. E o relevo tende a sofrer as adaptações necessárias para a construção das
edificações.
Neste sentido, o crescimento das vilas caiçaras também apresenta problemas
e tende, entre outras possibilidades, a ocasionar um maior consumo e
impermeabilização do solo, com a retirada da vegetação nativa, e a aumentar a
contaminação dos solos e das águas, pela presença de esgotos a “céu aberto”, já que
há ausência de infra-estruturas de esgotamento sanitário.
Em termos socioculturais e econômicos, os “padrões introvertidos”, entre
outros fatores, representam a freqüência selecionada e homogênea de pessoas
pertencentes à determinada classe social, que podem pagar por seus serviços, com a
inibição da entrada e freqüência públicas, gerando espaços socialmente segregados.
Também tendem a privatizar as praias, tanto para o banho quanto para a pesca ou o
uso hidroviário, quando existe infra-estrutura, inclusive anterior à instalação do
empreendimento, como é o caso do Condomínio Laranjeiras em Trindade (Fórum de
Comunidades Tradicionais, 2010). Deve ser considerado que esses empreendimentos
turísticos, sobretudo os condomínios, fomentam a freqüência de pessoas nos fins de
semana ou para veraneio, o que não favorece a freqüência contínua e a integração
das pessoas com o lugar, permanecendo, grande parte do tempo, desabitados e com
pouca dinâmica social e econômica, tanto interna quanto externa. Por outro lado, a
possível instalação de empreendimentos turísticos no interior da APA dá margem ao
aumento do valor das terras nesta área e à existência de uma disputa de terra com a
população tradicional local, o que gera inúmeros conflitos e estimula a expulsão dos
10
caiçaras, os quais, em geral passam a habitar a cidade em bairros com população de
baixa renda e deficientes em termos de infra-estrutura urbana (Gomes, Carmo e
Santos,2004; Fórum de Comunidades Tradicionais, 2010). Economicamente, os
grandes empreendimentos turísticos representam um grande investimento realizado
em um dado momento por um empreendedor ou um grupo de empreendedores,
distintamente de pequenos empreendimentos que podem se desenvolver ao longo do
tempo, envolvendo um maior número de empreendedores, de preferência pessoas ou
grupos engajados com o desenvolvimento da cadeia local do turismo, alimentando-a e
agregando a esta mais pessoas em distintas instâncias, com uma melhor divisão dos
recursos ao longo do tempo. Assim, se os grandes empreendimentos oferecem alguns
postos de trabalho, as perdas sociais e econômicas tendem a ser grandes, gerando a
necessidade de se realizar essa conta, entre custo e benefício, para uma reflexão
cuidadosa sobre o tema.
Neste sentido, as vilas caiçaras, ao se direcionarem para o turismo de massa,
acabam se afastando de suas práticas tradicionais, sejam relativas às atividades
voltadas para a agricultura, a pesca, a produção de artesanato e farinha, pois as
atividades voltadas para o turismo, como a venda de itens para consumo nas praias,
por exemplo, são mais rentáveis. Também colabora para isso o desestímulo às
práticas de sustento diretamente vinculadas à natureza que, por serem desenvolvidas
dentro de uma APA e contarem com uma série de restrições, são dificultadas ou
impossibilitadas, empurrando os caiçaras para outras fontes de sustento (Diegues,
1999).
De fato, a ocupação por grandes investimentos turísticos e a crescente
ocupação pelas comunidades tradicionais em áreas da APA constituem riscos
eminentes para a unidade de conservação, tanto em termos urbanos, biofísicos,
socioculturais e econômicos. Diante disso, há que considerar que os conflitos também
são gerados pelo modo como é elaborado, gerido e fiscalizado o manejo de tais
unidades, embora se saiba as dificuldades e a complexidade que envolvem tais
tarefas, onde se pode observar, na maioria dos casos: a predominância dos valores
relativos aos elementos e processos naturais nas decisões normativas, em detrimento
dos valores socioculturais e econômicos das comunidades tradicionais; a existência de
deficiências no processo de participação das comunidades envolvidas na criação da
unidade de conservação; a fiscalização deficitária com a permissão de inúmeras
11
irregularidades; as dificuldades em lidar com um complexo processo fundiário; a
possibilidade de desenvolvimento de empreendimentos turísticos, que podem afetar
tanto o sistema biofísico quanto o sociocultural e econômico local; entre outros fatores.
Isso leva a pensar que esses conflitos poderiam ser minimizados, sobretudo
com a valorização das questões socioculturais e econômicas das comunidades
tradicionais em relação à proteção dos elementos e processos naturais (Diegues,
2000), através, por exemplo: da participação das comunidades nos conselhos das
unidades de conservação; da fiscalização efetiva e da devida aplicação das normas
estabelecidas; de um controle sobre a implantação de empreendimentos turísticos de
grande porte. No caso de Paraty, os órgãos ambientais competentes, as associações
de comunidades tradicionais e demais atores envolvidos nesta problemática, vêm
estabelecendo um profícuo diálogo neste sentido, o que indica a possibilidade do
alcance de resultados concretos nesta direção.
Diante dos problemas encontrados relativos à exploração turística em áreas
de proteção ambiental, entende-se os espaços onde estas podem acontecer como
espaços de oportunidade projetual. Espaços onde se podem propor alternativas de
ocupação relacionadas com a atividade turística que estejam, espacial e
funcionalmente, diretamente relacionadas com os sistemas da paisagem: urbano,
biofísico, sociocultural e econômico e suas relações sinérgicas (Tardin, 2008). Ou seja,
alternativas de ocupação que estabeleçam relações que não apenas “respeitem” os
sistemas da paisagem, seus elementos e processos, mas que possam criar novas
oportunidades de projeto que visem o desenvolvimento, a manutenção e a gestão dos
sistemas da paisagem, através de soluções que contemplem a complementaridade
dos fenômenos envolvidos nos sistemas e resultem em soluções de projeto. Nesta
direção apresentam-se os projetos: Pousada Solar e Vila Caiçara.
O Projeto Pousada Solar
O projeto Pousada Solar consiste na busca de alternativas para a
conformação de empreendimento turístico, em área de proteção ambiental, cujas
propostas de intervenção tendem a incorporar os sistemas da paisagem e suas
relações, nas diversas instâncias que se apresentam.
A Pousada Solar parte do princípio de que o empreendimento turístico deve
12
absorver e ser absorvido pela paisagem pré-existente, a partir de uma relação onde a
paisagem e seus sistemas condicionam a estruturação desta ocupação, direcionam, e
dão o tom de sua conformação física e funcional, são diretrizes que estão
incorporadas nas “lógicas” espaciais e funcionais do projeto. Neste sentido, conforma-
se um terceiro padrão, onde arquitetura e paisagem se encontram e estabelecem um
código de construção conjunta de uma paisagem humana, que se pretende integrada
em seus processos naturais e culturais.
O projeto estabelece uma relação de respeito, observação, reconhecimento e
introjeção dos valores pré-existentes na paisagem, incorporando-os e transformando-
os em seus próprios valores, com a compreensão de que no território da área de
proteção ambiental interessa, sobretudo, a preservação dos valores biofísicos e
socioculturais, incluindo os desafios da sustentabilidade econômica e relativa às infra-
estruturas de serviço.
Nesta direção, o projeto da Pousada Solar6 foi concebido como possibilidade
de ocupação de zonas previstas, por planos de manejo de APAs, como de expansão
residencial e turística (ZERT), preferencialmente onde não haja infra-estrutura viária e
de serviços (fornecimento de energia, saneamento, abastecimento de água) e onde o
sistema biofísico encontra-se muito preservado.
O projeto da Pousada Solar está composto por dois elementos físicos
principais: as Casas Solar Flex (Casa Solar Flex, 2010) e as conexões entre as Casas,
e por três vertentes que regem as relações funcionais: a economia e o aproveitamento
dos recursos naturais, a implantação menos impactante possível em termos biofísicos
e visuais, a abertura para a cooperação com as comunidades tradicionais e a
valorização de sua cultura. A Casa Solar Flex constitui o núcleo do projeto e são as
unidades da Pousada Solar, tanto para hospedagem quanto para recepção e áreas de
uso coletivo.
Para seu funcionamento, a Casa Solar Flex possui o sol como única fonte de
energia, captada através de painéis solares distribuídos por toda sua superfície
externa. A energia produzida pelas Casas tende a ser superior à necessária para seu
uso e pode ser repassada para as comunidades que eventualmente residam nas
proximidades.
6 É importante deixar claro que esse projeto constitui uma hipótese, que ainda deveria ser submetida a um estudo de viabilidade econômica, ou mesmo às normativas dos órgãos públicos competentes.
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Figura 5 – Casa Solar Flex. Fonte: Casa Solar Flex, 2010.
A Casa se abastece de água potável proveniente de lençóis freáticos, e
apresenta a proposta de reduzir o seu consumo através da utilização de dispositivos,
como as torneiras automáticas. O projeto da Casa propõe um sistema de
aproveitamento de águas de chuva e de tratamento de águas usadas, através de
zonas úmidas, com a redução da matéria orgânica, nutrientes e microrganismos
patogênicos, assim como o tratamento químico para os banheiros, que acelera e
aperfeiçoa a decomposição biológica, produzindo um componente do solo que pode
ser colocado de volta à natureza, como um fertilizante. O lixo produzido pelas
unidades das Casas seria coletado seletivamente, com o aproveitamento do material
orgânico e reciclável O projeto das Casas prevê, no terreno onde serão implantadas,
uma área interna de jardim, onde se propõe o plantio de espécies nativas da Mata
Atlântica (Casa Solar Flex, 2010).
As conexões entre as Casas foram propostas como passarelas (ou decks
quando for o caso) que tocam o solo em alguns pontos e sob as quais passam as
tubulações necessárias, sejam para água, energia, telecomunicações, etc. Por outro
lado, o acesso à Pousada seria estrito, realizado apenas por barco, o que elimina a
presença do automóvel.
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Figura 6 – Casa Solar Flex.
Fonte: Casa Solar Flex, 2010.
A proposta é que a Pousada Solar possua poucas unidades da Casa Solar
Flex, o suficiente para viabilizá-la economicamente, e que estas estejam implantadas
de modo a acomodar-se nos sistemas biofísico e visual do lugar, com mínimo impacto.
Estes impactos podem ser medidos de acordo com a análise da capacidade de
suporte dos sistemas biofísicos e a demarcação das visadas e corredores cênicos
(Tardin, 2008). Isto é, a partir da compreensão e respeito às dinâmicas da água, dos
solos e da declividade, da fauna, da flora, também relativas à ventilação, à insolação,
às características do clima, à existência e à localização dos elementos cênicos e vistas
cênicas, que devem ser valorizados e aproveitados como diretrizes para a implantação
das Casas, e também para o projeto do conjunto da Pousada, através, por exemplo,
da criação de mirantes.
Os serviços a serem oferecidos pela Pousada seriam mínimos, pois as
unidades das Casas estão equipadas com banheiro, quarto, cozinha, copa e sala,
onde os hóspedes poderiam cozinhar, etc. A proposta é que a pousada “alugasse” as
Casas equipadas com aparelhos, roupa de cama, móveis, dentre outros artefatos, e
que a oferta de serviço tivesse um papel educativo e social. Por exemplo, prazos pré-
fixados para a troca de roupa de cama, mesa e banho, com a cobrança de uma taxa
extra, caso esse prazo não fosse cumprido, etc. ao mesmo tempo, a Pousada poderia
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estar equipada com um mini-mercado, um restaurante e uma loja de artesanatos.
Neste sentido, relativo à cooperação com as comunidades caiçaras do
entorno e à valorização de sua cultura, o projeto da Pousada prevê a priorização
destas comunidades para a oferta desses produtos e serviços. Estes podem ser, por
exemplo, a venda, no mini-mercado, de produtos orgânicos produzidos pelas
comunidades para serem utilizados pelos hóspedes; a oferta de uma cozinha típica
caiçara através do restaurante, que também consuma os produtos orgânicos vendidos
e que possa ser explorado por uma cooperativa caiçara; a venda de artesanato
caiçara; o transporte para passeios locais em canoas, tipicamente caiçaras, e
realizados por estes; a contratação de guias locais e seu treinamento para um turismo
ecológico; entre outras possibilidades que podem incluir a visitação às vilas, o
conhecimento de seus modos de vida e o consumo de produtos ali produzidos.
Figura 7 – Casa Solar Flex.
Fonte: Casa Solar Flex, 2010.
Paralelamente, poder-se-ia propor um projeto de educação ambiental para os
turistas, uma espécie de guia sobre o uso sustentável da paisagem a ser oferecido aos
hóspedes, junto à divulgação e conhecimento da cultura caiçara. Ao mesmo tempo em
que, nesta direção, um outro projeto de educação ambiental pode ser direcionado aos
caiçaras, sobretudo aos interessados em prestarem serviços para a Pousada, onde
pode haver a conscientização sobre alguns valores que, junto às práticas produtivas e
cotidianas tradicionais, podem significar maior qualidade para o ambiente biofísico, em
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termos de agricultura e pesca, por exemplo. Por outro lado, pode haver a divulgação
de técnicas construtivas populares utilizadas na Casa Solar Flex, e que podem ser
adotadas nas edificações das comunidades, como o tratamento das águas com áreas
úmidas.
Na realidade, a proposta da Pousada Solar, com o uso da Casa Solar Flex,
apenas pode ser o início da definição de novos padrões arquitetônicos, paisagísticos e
de inserção social para o desenvolvimento de empreendimentos em áreas de proteção
ambiental. Não necessariamente com o uso da Casa em si, mas sim de seus
princípios de edificação, dos padrões na composição do conjunto (conexões,
quantidade de unidades, implantação, etc.), e de sua inserção sociocultural e
econômica no lugar, privilegiando as sinergias com os modos de produção da
população local.
Neste marco de relações, ainda que preliminar e conceitual enquanto
proposta projetual, pode-se vislumbrar alguns atributos positivos da proposta da
Pousada Solar em relação aos problemas elencados anteriormente decorrentes da
implantação de empreendimentos turísticos, como resorts ou condomínios, como, por
exemplo: a implantação de um padrão “aberto”, sem limites físicos, que não pretende
a privatização de espaços, tradicionalmente e por lei, públicos, como a costa e os
caminhos tradicionais; a incorporação do sistema biofísico e de visuais em seu projeto;
a apresentação se soluções técnicas para o aulto-metabolismo dos serviços da
edificação, evitando a necessidade de urbanização; a consideração, como vital para o
projeto, da presença e da cooperação com as comunidades tradicionais.
O Projeto Vila Caiçara
O projeto Vila Caiçara busca atuar junto às comunidades caiçaras no intuito
de reconhecer suas práticas tradicionais e as iniciativas de produção e organização
comunitárias que já estão sendo levadas a cabo e, a partir de projetos de extensão
desenvolvidos na Universidade, disponibilizar técnicas que possam lhes interessar
nestes processos, a partir de duas vertentes: a ordenação do crescimento das vilas e
a cooperação na organização das atividades de produção.
O objetivo é colaborar para que o caiçara permaneça na sua terra e tenha
condições de vida que atendam suas reais expectativas relativas aos anseios para seu
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presente e seu futuro em relação à sua paisagem.
A ausência de recursos existentes nas vilas, principalmente em relação à
moradia, à educação e à saúde, com poucas escolas e postos de saúde existentes, e
seu funcionamento deficiente, com a ausência de saneamento e fornecimento de
energia, leva ao anseio das comunidades à conquista de melhores condições de vida,
o que significa, ao mesmo tempo, uma maior necessidade de renda e maior pressão
sobre o setor público para investimentos nas vilas, sobretudo quanto à infra-estrutura
básica e equipamentos coletivos (Fórum de Comunidades Tradicionais, 2010).
Uma maior necessidade de renda também encontra eco na relação
conflituosa entre a proteção do sistema biofísico existente e o modo de vida caiçara,
onde há controvérsias, pois pesam as necessidades e tradições dos caiçaras na
exploração dos recursos naturais para sua sobrevivência e as restrições estabelecidas
pela normativa da APA, sob a alegação de possíveis danos que podem causar à
fauna, à flora e ao sistema biofísico em geral, sem a proposta de alternativas,
principalmente econômicas, que recompensem possíveis perdas pela proibição de
práticas anteriores, dado que os caiçaras, tradicionalmente, vivem dos recursos que
podem extrair do mar, da mata e de sua agricultura (Fórum de Comunidades
Tradicionais, 2010).
A possibilidade de aumento da renda caiçara a partir do turismo vem
estimulando o crescimento das vilas, ao mesmo tempo em que este vem se dando a
partir das relações entre as próprias famílias locais que, ao aumentarem o número de
integrantes, tendem a aumentar o número de residências. Por outro lado, o
crescimento das vilas enfrenta uma complexa questão fundiária que gera inúmeros
conflitos entre caiçaras, grileiros e outros atores envolvidos no interesse pela
propriedade da terra (Oliveira, 2009).
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Figura 8 – Vila caiçara na Praia do Sono. Fonte: http://pro.casa.abril.com.br/
O crescimento das vilas está previsto no plano de manejo da APA, dentro de
certos parâmetros, e de acordo com as limitações existentes relativas ao sistema
biofísico7.
7 “Objetivos:
• Fazer cumprir as determinações da Lei Estadual que criou a Reserva Ecológica da Juatinga - Lei Estadual nº 1.859/91, e da Lei Estadual nº 2.393/95, que dispõe sobre a permanência de populações nativas residentes em Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro. • Viabilizar a conservação e valorização do assentamento e do estilo tipicamente caiçara, que ainda predomina nas comunidades do Pouso, Praia Grande, Sono, Calhaus, Ponta Negra, Saco das Enchovas, Cairuçu das Pedras, Ponta da Juatinga e Cruzeiro. • Estimular a operação do turismo sustentável pelos próprios caiçaras
Normas Gerais
Uso proibido:
• Qualquer tipo de supressão ou corte raso da vegetação nativa ou exploração de madeira de plantas ornamentais, cipós e palmeiras sem elaboração e autorização de plano de manejo. • A exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença; • Aterros ou canais de drenagens; • Abertura ou alargamento de trilhas ou acessos existentes para tráfego de qualquer tipo de veículo motorizado sem autorização dos órgãos gestores; • Qualquer tipo de movimentação de terra, quebra ou retirada de rochas nas costeiras e principalmente no costão rochoso; • Expansão da ocupação residencial por pessoas que não sejam nascidas e moradoras das comunidades caiçaras; • A construção de novas residências e quaisquer edificações que não se destinem exclusivamente ao atendimento das necessidades de moradia, trabalho, lazer, religião e sobrevivência das comunidades caiçaras nativas e residentes locais, com exceção para aquelas destinadas à realização de pesquisas, ao monitoramento e controle ambiental e à implantação de infra-estrutura para a comunidade tradicional ou para apoio à visitação turística e ao ecoturismo pela comunidade nativa e moradora no local, desde que autorizada pelo IBAMA e IEF/RJ, ouvido o Conselho da APA e da REJ quando a intervenção ocorrer nos limites desta unidade ou sua sucessora; • Abertura de novas vias de acesso e logradouros sem autorização dos órgãos gestores para a abertura do acesso e para a atividade prevista na sua área adjacente;
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Relativo à ordenação do crescimento das vilas, um dos pontos onde interessa
tocar com o projeto Vila Caiçara é a compreensão dos recursos existentes na
paisagem caiçara, que sejam importantes para o modo de vida da coletividade. Ao
mesmo tempo, interessa perceber como esses recursos podem ser reconhecidos e
incorporados no projeto das Vilas, sobretudo no projeto de novas edificações com a
expansão controlada da vila, considerando que, pela normativa do plano de manejo da
APA, é desaconselhada a abertura de novas vias, a menos que seja fruto de um
acordo entre comunidade e órgão gestor da APA.
O reconhecimento das dinâmicas biofísicas: fauna, flora, água, solos
(inclusive fertilidade), topografia, ventilação, insolação, entre outros fatores, pode ser
determinante para a definição da implantação das casas, assim como para os padrões
de construção da edificação, que usando tecnologia local (com uso de bambu,
madeira, sapê) e a introdução adequada de novos elementos, podem, ao mesmo
tempo, oferecer conforto ambiental, atender a demandas estéticas das comunidades e
racionalizar o uso de materiais.
Por outro lado, interessa ao projeto o incentivo do uso alternativo de energia,
como a solar, ao mesmo tempo em que é sabido que a utilização da energia solar traz
em si alguns custos e restrições, como: a grande quantidade de placas necessárias
para a produção de energia suficiente para satisfazer o consumo de uma residência, o
custo da aquisição destas placas e o custo da sua manutenção. Para o projeto Vila
• Abertura de canais e retificação de rios; • Exercício de atividades capazes de provocar acelerada erosão das terras ou acentuado assoreamento das coleções hídricas; • Quaisquer atividades que venham contribuir para a redução ou alteração do equilíbrio ambiental dos manguezais bem como a qualidade de suas águas; • A implantação de atividades potencialmente poluidoras que possam afetar a qualidade da água no interior desta Zona ou em seus ambientes marinhos adjacentes; • Lançamento de resíduos sólidos e efluentes sem tratamento com filtros anaeróbicos ou outros sistemas que não impliquem na utilização de nenhum componente químico que altere a pureza das águas; • Penetrar nesta Zona conduzindo substâncias ou instrumentos para caça ou exploração de produtos ou subprodutos florestais, principalmente moto-serra sem licença do IBAMA e IEF quando na REJ; • A pesca e coleta de caranguejos, outros crustáceos, e moluscos, fora dos padrões e períodos estabelecidos em legislação própria; • A realização de atividades degradadoras ou potencialmente causadoras de degradação ambiental, inclusive o porte de armas de fogo e de artefatos ou instrumentos de destruição da biota; • A entrada de tratores de esteira ou quaisquer outras máquinas de terraplenagem, com exceção daquelas a serviço da prefeitura para manutenção das estradas existentes e mapeadas neste Plano de Manejo, a não ser para atividades autorizadas pelo IBAMA; • A criação de gado bovino; • A supressão da vegetação arbórea existente nesta Zona, em estado médio e avançado de regeneração, bem como de fruteiras e outras árvores isoladas e nativas de grande porte, a não ser em caso de risco para residências pré existentes e sempre mediante autorização do órgão gestor; • A implantação de muros de alvenaria ou alambrados metálicos na divisa dos terrenos; • O fechamento ou alteração dos caminhos tradicionais de acesso às residências da comunidade, a não ser em pleno acordo com seus representatnes. (Plano de Manejo da APA de Cairuçu, 2004)”.
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Caiçara, como possibilidade de dotar as Vilas com fonte de energia alternativa,
sugere-se o custeio de placas solares, sua instalação e manutenção, junto à oferta de
geradores de energia movidos a diesel, como fonte complementar de energia, por
parte da concessionária de energia elétrica. Visto que as concessionárias de energia
elétrica são obrigadas a levar energia a essas comunidades e os altos custos da
instalação da rede de energia elétrica até os lugares remotos onde estas se
encontram, poder-se-ia sugerir à concessionária uma possível negociação para a troca
da oferta energia elétrica pela oferta de fontes alternativas de energia.
Assim como nas Casas Solar Flex, interessa ao projeto Vila Caiçara a
melhora no abastecimento de água, o tratamento alternativo do esgoto através de
zonas úmidas, o reaproveitamento das águas usadas e das águas de chuva, como
também, por outro lado, o incentivo da construção de fossas sépticas. Do mesmo
modo, propõem-se a coleta seletiva do lixo e a reutilização do material reciclável e do
material orgânico, esse último como adubo.
É importante ressaltar que entre as novas edificações poderia estar a
proposta de construção, de acordo com técnicas construtivas locais, de equipamentos
coletivos que sejam necessários, como escola, posto de saúde e igreja, assim como
edificações destinadas à prática de atividades extrativas como a pesca, ou o
atendimento ao turista. Como a construção de novas edificações vem sendo
acompanhada do interesse na oferta de casas e/ou leitos para turistas, faz-se
premente a necessidade de controle de tal atividade, assim como do comércio local,
frente ao risco de descaracterização das vilas e, consequentemente, das praias, pela
proliferação de casas e pequenos comércios, principalmente de bebidas e comidas, ou
pelo incentivo que pode significar o aluguel de casas aos turistas à saída de caiçaras
de suas vilas.
Neste processo, e na contramão da descaracterização, pode haver a
valorização dos caminhos tradicionais, das casas de farinha, dos alambiques e dos
ranchos, com sua apresentação aos turistas através de guias locais, o incentivo ao
turismo de observação, tanto na mata como no mar, e a valorização das
manifestações culturais locais, como são as festas e os bailes “de bate-pé”, por
exemplo. Estes princípios seguem a tendência de um turismo baseado no interesse
pelo conhecimento e desfrute das dinâmicas da paisagem local, com a inserção do
turista na vida cotidiana nativa, que, permitindo constituir-se como mais uma fonte de
21
renda, apresenta-se de modo a manter o maior bem da comunidade local, sua
paisagem, com seus elementos e processos, e razão na qual se baseia o próprio
turismo (Bartholo et al, 2009).
Figura 9 – Restaurante caiçara na Praia do Sono. Fonte: http://pro.casa.abril.com.br/
Paralelamente à ordenação física das edificações e caminhos, pode-se
propor a presença da agricultura de subsistência (principalmente mandioca, cana-de-
açúcar, banana, plantas medicinais) de base comunitária junto às vilas, e também
como uma alternativa de transição entre as vilas e a Mata Atlântica, onde for
conveniente.
Na direção das iniciativas comunitárias e exploração/produção podem estar o
turismo e a pesca de base comunitária, e a oferta de serviços em cooperativas, como
transporte marítimo, restaurante, produção e venda de artesanatos, etc. (Bartholo et
al, 2009).
Também pode estar presente o estímulo ao uso sustentável da mata com a
extração de frutos, piaçava, o controle da caça de animais para abate, a extração de
madeira para as jangadas e casas e seu reflorestamento.
Do mesmo modo que o projeto anterior, como estudo preliminar e conceitual,
também pode-se vislumbrar alguns atributos positivos da proposta do projeto Vila
Caiçara em relação aos problemas descritos anteriormente, relativos às
22
transformações pelas quais vêm passado estas vilas, entre eles, o controle do
crescimento destas, a possibilidade de fornecimento de energia e tratamento de
esgoto, e a manutenção e valorização das tradições socioculturais.
Conclusão
É notória a existência de relações conflituosas em áreas de proteção
ambiental relativas à existência de assentamentos humanos e à proteção da natureza
e das características socioculturais tradicionais, como, por exemplo, as que permeiam
as ocupações humanas pré-existentes à delimitação das APAs e seu possível
crescimento (como o que ocorre com as vilas das populações tradicionais existentes
no interior de inúmeras APAs no litoral brasileiro), e as ocupações permitidas pelos
planos de manejo, voltadas para o turismo (como resorts, hotéis e pousadas), os quais
vêm sendo construídos a partir de padrões que resultam na fragmentação dos
sistemas da paisagem: urbanos, biofísicos, sociocultural e econômico.
Os empreendimentos turísticos, em geral, se dão de modo singular, através
da aplicação de lógicas introvertidas e a produção de espaços que tendem a não se
relacionar com seu entorno, onde natureza e ocupação constituem elementos
antagônicos e reflexos de uma leitura segmentada de ambas as partes, o que inclui
segmentações espaciais, funcionais e sociais. Por outro lado, com o crescimento da
demanda turística e da população interna, as vilas tradicionais tendem a se expandir
desordenadamente, também provocando segmentações na paisagem, principalmente
em relação aos sistemas biofísico e sociocultural, com a ameaça à desaparição de
práticas tradicionais relativas ao modo de vida local.
Neste sentido, é importante considerar que muitos dos efeitos desta realidade
se devem às posturas assumidas pelo planejamento urbano e ambiental, que,
tradicionalmente, tendem, por um lado, a incentivar a ocupação extensiva, e, por outro,
à proteção da natureza de modo estrito. Estas posturas tendem a aguçar o conflito
entre a existência de assentamentos humanos e a proteção da natureza e a restringir
a possibilidade de diálogo entre as partes envolvidas, e pouco colaboram para a busca
de alternativas que possam considerar as necessidades existentes e as relações entre
estas e os sistemas da paisagem como ponto de partida para propostas concretas de
projeto.
23
A existência de uma tendência à fragmentação entre os sistemas da
paisagem abre, portanto, espaço para a reflexão a cerca da possibilidade de se
estabelecer novos padrões de ocupação, considerando a realidade das APAs,
principalmente relacionadas com o turismo, mais acordes com a visão integrada da
paisagem, onde sistema biofísico e ocupação humana, em sentido amplo, compõem
um só sistema. Nesta direção, os projetos apresentados: Pousada Solar e Vila
Caiçara, vêm de encontro a essa possibilidade, e representam espaços de
oportunidade projetual, cuja proposta é oferecer alternativas de intervenção que
pensem os sistemas da paisagem de modo coeso, e não segmentado, para a
construção de novas paisagens.
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24
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