ESSENCIAL DA FORMAÇÃO [UE - 2001]

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    1/130

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    2/130

    Bem-vindo coleco de Mochilas Pedaggicas!

    A HUMANA GLOBAL Associao para a Promoo dos Direitos Humanos, da Cultura e do Desenvol-vimento props-se em 2006 traduzir e adaptar uma srie de manuais de ormao sobre vrias temti-cas relacionadas com o trabalho com jovens. Estes manuais, resultado prtico de uma parceria entre oConselho da Europa e a Comisso Europeia, tm provado ser uma erramenta de grande utilidade e a suatraduo e adaptao para Portugus tornava-se assim imperativa!

    A verso inglesa e rancesa desta coleco tem como ttulo no Mochilas Pedaggicas mas sim T-Kits. O quesignica T-Kit? A esta questo podemos dar duas respostas. A primeira, a mais simples, encontra-se na

    ormulao completa desta abreviatura, em ingls: "Training Kit", quer dizer, Kit de ormao. A segundaest ligada sua sonoridade que lembra a de bilhete (Ticket), o ttulo de transporte que nos permite viajar.

    Assim, encontramos neste manual uma pequena personagem chamada "Spiy" que segura um bilhete,graas ao qual vai poder partir descoberta de novas ideias. Imaginmos o T-Kit (Kit de Formao ou, nonosso entendimento Mochila Pedaggica) como uma erramenta susceptvel de servir a todos e a cada um dens no seu trabalho. Mais precisamente, desejaramos destin-lo queles que trabalham com jovens e aos

    ormadores, a m de lhes dar erramentas tericas e prticas para trabalharem com e/ou ormarem jovens.Uma mochila com a qual tambm se pode partir descoberta de novas ideias e uma mochila onde se podearrumar tudo o que vamos encontrando!

    Esta publicao ruto de esoros colectivos desenvolvidos por jovens de diversas culturas, prosses eorganizaes. Formadores de jovens, responsveis de ONGs de juventude e autores prossionais trabalha-ram em conjunto para a realizao de produtos de grande qualidade, que respondem s necessidades de umgrupo-alvo, tendo em conta a diversidade das abordagens de cada um dos temas na Europa.

    Este T-Kit no uma publicao isolada. Faz parte de uma srie de ttulos. Outros se seguiro nos prxi-mos anos. Inscrevem-se no quadro de um Programa Europeu de Formao de Responsveis pela Educaodos Jovens, conduzido em parceria, desde 1998, pela Comisso Europeia e pelo Conselho da Europa. Paraalm dos T-Kits, a parceria entre as duas instituies engloba outros domnios de cooperao tais como:estgios de ormao, a revista "Coyote" e um website interactivo e dinmico.

    Para mais inormaes respeitantes parceria (novas publicaes, oertas de estgios de ormao, etc.) ouat mesmo azer o download da verso electrnica dos T-Kits, visite o website www.training-youth.net.

    The Portuguese translation and publication o this T-Kit was initiated and carried out by the Portuguese NGO, HUMANA GLOBAL (www.humanaglobal.org)with the authorisation o the Partnership Programme on European Youth Worker Training. HUMANA GLOBAL assumes ull responsibility or the accuracy othe Portuguese translation. The project received unding rom the European Social Fund trough Operational Programme or Employment, Training and SocialDevelopment, Action Type 4.2.2.2. Didactical Resources.

    A traduo portuguesa deste T-Kit da responsabilidade da HUMANA GLOBAL Associao para a Promoo dos Direitos Humanos, da Cultura e do Desen-volvimento (www.humanaglobal.org) com a autorizao da Parceria entre o Conselho da Europa e a Comisso Europeia sobre Trabalho Juvenil. A HUMANAGLOBAL assume toda a responsabilidade pela traduo Portuguesa. Este projecto, inserido no Projecto PUBLICAES HUMANAS, oi aprovado e nanciado

    pelo Fundo Social Europeu atravs do POEFDS Programa Operacional de Emprego, Formao e Desenvolvimento Social, Eixo: 4 Promoo da Eccia eda Equidade das Polticas de Emprego e Formao, medida 4.2. Desenvolvimento e Modernizao das Estruturas e Servios de Apoio ao Emprego e Formao,aco-tipo 4.2.2.2. Recursos Didcticos.

    Edies do Conselho da EuropaF-67075 Estrasburgo Codex

    Publicaes HUMANASwww.humanaglobal.org

    Conselho da Europa e Comisso Europeia, Janeiro de 2001

    A reproduo de textos e imagens est autorizada apenas para

    ns pedaggicos no comerciais, desde que a onte seja citada.Este documento no expressa necessariamente a posio ofcial da Comisso Europeia ou do

    Conselho da Europa, dos seus Estados membros ou de organizaes que colaborem com estas instituies.

    Mochila Pedaggicasobre o Essencial daFormao

    ISBN Edio Papel978-989-8098-08-5

    ISBN Edio PDF978-989-8098-09-2

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    3/130

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    4/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    ndice

    Introduo ........................................................................................................................................................7

    1. Contexto da ormao .................................................................................................................... 11

    1.1 Formao, objectivos da ormao e educao no ormal ....... ............. .............. .............. .............. . 11

    1.1.1 O que a ormao? ............ .............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. ........ 11

    1.1.2 Objectivos da Formao Europeia dos Animadores Juvenis ........... .............. ............. ............. 11

    1.1.3 A ormao na ordem de trabalhos ............................................................................................. 13

    1.1.4 Educao inormal e no ormal .............. .............. .............. .............. .............. ............. ............. 131.1.5 Em resumo: alguns elementos-chave para a ormao do trabalho com jovens numa

    dimenso internacional ou Intercultural ............................................................................................. 15

    1.2 A ormao e o ormador .. .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. .............. ...... 16

    1.2.1 Dierentes perspectivas sobre o ormador ............. .............. ............. .............. .............. .............. .. 16

    1.2.2 Valores do ormador e o seu impacto na ormao ............. .............. .............. .............. .......... 17

    1.2.3 O que que torna um ormador tico? ...................................................................................... 18

    1.2.4 Os papis do ormador ........ .............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. ........ 21

    1.2.5 Bem-estar: tambm uma questo para os ormadores ....................... .............. .............. .......... 21

    1.3 Aprendizagem Intercultural e ormao ............................................................................................... 24

    1.3.1 Cultura .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. .. 24

    1.3.2 Cultura, Identidade e Formao .................................................................................................. 25

    1.3.3 Aprendizagem Intercultural? ....................................................................................................... 27

    2. Formao em equipa ....................................................................................................................... 30

    2.1 Trabalho em equipas multiculturais ...................................................................................................... 30

    2.1.1 Porqu trabalhar numa equipa multicultural? .......................................................................... 30

    2.1.2 O que que az de uma equipa uma equipa? ..... .............. ............. .............. .............. .............. . 30

    2.2 Construo da equipa e a vida da equipa ............. .............. .............. .............. .............. .............. .......... 31

    2.2.1 Formar a equipa ............ .............. .............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. . 31

    2.2.2 Criar um clima de conana, apoio e expresso pessoal ............. .............. .............. .............. . 32

    2.2.3 Liderana, apropriao e tomada de deciso participativa ...... .............. .............. ............. ...... 342.2.4 Papis numa equipa: contribuir com os recursos, qualidades e competncias pessoais ..... 35

    2.2.5 Olhar para o confito como uma oportunidade de melhoria e de criatividade ..................... 35

    2.2.6 Tolerncia das tenses e da ambiguidade .................................................................................. 36

    2.3 Da preparao prtica: trabalho de equipa durante o curso ........................................................... 36

    2.3.1 A antecipao dos problemas ............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. ....... 36

    2.3.2 Avaliao eeedback .................................................................................................................... 37

    2.3.3 E agora? Para onde vamos? ............... .............. .............. .............. .............. .............. ............. ...... 39

    3. Formao em movimento ............................................................................................................. 41

    3.1 Avaliao das necessidades .................. .............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. . 413.1.1 O processo de avaliao das necessidades .................... .............. .............. .............. ............. ...... 41

    3.1.2 Validao da ormao ................................................................................................................. 45

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    5/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    3.2 Aprendizagem, resultados de aprendizagem e estilos de aprendizagem .......................................... 463.2.1 A Aprendizagem ........................................................................................................................... 46

    3.2.2 Resultados da aprendizagem ....................................................................................................... 47

    3.2.3 Denir objectivo ........................................................................................................................... 49

    3.2.4 Estilos de aprendizagem ............ .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. .. 51

    3.2.5 A Aprendizagem Intercultural ..................................................................................................... 52

    3.3 Estratgias e metodologias ......... .............. .............. .............. .............. ............. .............. .............. ........... 53

    3.3.1 Estratgias de Formao ..................... .............. ............. .............. .............. .............. .............. ....... 53

    3.3.2 Mtodos e Metodologia ................................................................................................................ 55

    3.3.3 Os mtodos e o Formador ............................................................................................................ 57

    3.4 Consideraes logsticas .......................................................................................................................... 573.4.1 Antes ............................................................................................................................................... 58

    3.4.2 Durante ........................................................................................................................................... 60

    3.4.3 Depois ............ .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. .............. .............. .... 61

    3.4.4 Reunies da equipa preparatria Porqu, quando e por quanto tempo? ........................... 62

    3.4.5 O perl dos participantes ............................................................................................................. 62

    3.4.6 Dierentes tipos de aces de ormao ..................................................................................... 63

    3.4.7 Apoio ormao ......................................................................................................................... 65

    3.4.8 O Relatrio porqu, por quem e para quem? ......................................................................... 66

    3.5 Conceber o programa .............................................................................................................................. 67

    3.5.1 Claricar a estrutura e o objectivo da ormao ............ .............. .............. .............. ............. .. 683.5.2 Denir os elementos do contedo programtico ...................................................................... 69

    3.5.3 Criao de um programa com oportunidades de aprendizagem ............ .............. .............. .... 70

    3.5.4 Concentrar o programa nos participantes ... .............. .............. .............. .............. .............. ........ 71

    3.5.5 Fases e corrente do programa .. .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. .. 72

    3.5.6 Tipos e componentes de programas: alguns exemplos ............................................................ 73

    3.5.7 Planeamento da sesso ................................................................................................................. 75

    3.6 Avaliao .................................................................................................................................................. 77

    3.6.1 O que que signica avaliar? ..................................................................................................... 77

    3.6.2 Avaliao no contexto de organizao de um curso de ormao para jovens Europeus .. 78

    3.6.3 Qual a necessidade de avaliar? ... .............. ............. .............. .............. .............. .............. ............. 78

    3.6.4 Quando que devemos avaliar? ................................................................................................. 78

    3.6.5 O que que avaliamos? ............................................................................................................... 79

    3.6.6 Um modelo de avaliao na prtica ........................................................................................... 80

    3.6.7 Avaliao diria e contnua ......................................................................................................... 82

    4. Formao em aco .......................................................................................................................... 85

    4.1 Vida do grupo e o processo de ormao ............................................................................................. 85

    4.1.1 Vida do grupo em ormao ........................................................................................................ 85

    4.1.2 Fases de desenvolvimento do grupo ............ .............. .............. .............. .............. .............. ........ 86

    4.1.3 Interaco Centrada no Tema (ICT) .............. .............. .............. .............. .............. .............. ........ 864.1.4 Gerir o processo de ormao ...................................................................................................... 89

    4.1.5 Dinmica de grupo e linguagem alada ..................................................................................... 90

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    6/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    4.2 Lidar com confitos .................................................................................................................................. 924.2.1 Tipos de confito ................ .............. ............. .............. .............. .............. .............. .............. .......... 92

    4.2.2 Porque que os confitos acontecem? ....................................................................................... 92

    4.2.3 Intensicao de confitos ........................................................................................................... 94

    4.2.4 Formas de resoluo de confitos .. ............. .............. .............. .............. .............. .............. .......... 95

    4.2.5 Usar a ICT na anlise de confitos .............................................................................................. 96

    4.2.6 Desenvolver prtica pessoal ............. .............. .............. ............. .............. .............. .............. ........ 97

    4.3 Os papis, o grupo, a equipa e as suas responsabilidades .................................................................. 97

    4.3.1 Possveis papis ............................................................................................................................. 97

    4.3.2 Dinmica de grupo e planeamento do programa ...... ............. .............. .............. .............. ........ 98

    4.3.3 Responsabilidades durante um curso de ormao ... .............. ............. .............. .............. ...... 100

    4.3.4 Interaco grupo-equipa e tomadas de deciso ...................................................................... 102

    4.4 Adaptar e dirigir o programa ............. .............. ............. .............. .............. .............. .............. .............. . 105

    4.4.1 Expectativas ................................................................................................................................. 105

    4.4.2 Feedback ....................................................................................................................................... 106

    4.4.3 Capacidade de Facilitao ............ .............. .............. .............. .............. .............. ............. ........... 107

    4.4.4 Refexo e Avaliao .................................................................................................................. 109

    4.4.5 Gesto do tempo ......................................................................................................................... 109

    5. Depois da ormao ............ .............. .............. .............. .............. .............. .............. ............. ........... 111

    5.1 Transerncia e multiplicao: como usar os resultados da ormao e como multiplic-lo ....... 111

    5.2 Multiplicao Quais as responsabilidades? ...................................................................................... 111

    5.3 Preparar os participantes para a transerncia e multiplicao durante um curso deormao ..... 113

    5.4 O impacto da ormao: a experincia de alguns participantes depois de uma ormao a longo-prazo sobre o desenvolvimento de projectos internacionais e interculturais .................. 115

    Anexos ............................................................................................................................................................ 117

    Bibliograa ................................................................................................................................................. 124

    Os autores ................................................................................................................................................... 128

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    7/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    7

    Introduo

    Uma clebre histria Su, atribuda ao poeta persa do sculo XIII, Rumi, conta o que sentiu um grupo decegos a quem oi pedido para tocar num eleante. Um deles esticou o brao, tocou na orelha e disse queera um leque. Um outro agarrou na cauda e concluiu que seria uma corda. Outro ainda agarrou numa patae anunciou que era uma rvore. A histria no nos diz quanto tempo durou o exerccio, mas podemos tera certeza de que o eleante no se esqueceu.

    Esta bula muitas vezes utilizada em ormao para ilustrar uma srie de questes: percepes e realidade,aprendizagem intercultural, natureza do trabalho de equipa e a origem de certos tipos de confitos. De certaorma, ilustra tambm a prova que a equipa de ormadores enrenta ao planear um curso para um grupo quelhes ainda desconhecido. E pode tambm ilustrar a prova que a equipa de escritores enrentou ao tentar

    identicar e discutir o essencial da ormao. No primeiro encontro desta equipa, todos tnhamos listadodetalhadamente o que constitui, em ormao, questes importantes, e muito possivelmente prioridades quepartilhvamos, mas e o essencial? Longe de renunciarmos ao desao, somos obrigados a reconhecer quequalquer pessoa que j tenha trabalhado na rea da ormao internacional de jovens, por um qualquerperodo de tempo, oi com certeza conrontada por uma diversidade mltipla de objectivos, questes egrupos-alvo, estruturas e imperativos ticos, ormas de ver e de azer, de animar, de implementar e de avaliar.Deste modo, a ormao pode ser comparada a um grande e muito complexo eleante. No entanto, ao mesmotempo, e continuando a usar a mesma comparao, existe o eleante e existem questes essenciais consi-deraes undamentais, tareas e refexes que a ormao exige na prtica. Assim, esta Mochila Pedaggicatenta denir elementos educativos, estratgicos, ticos e experimentais essenciais ormao. Ao mesmotempo, procura deixar ao leitor um espao de refexo crtica e encoraj-lo a questionar-se quanto ao que essencial sua ormao? O objectivo desta introduo apresentar as escolhas de base que adoptamos, osvalores e as ideias em que assentamos esta publicao e ainda dar alguns pontos de orientao ao leitor.

    Parece-nos bvio comear por explicar o porqu de uma Mochila Pedaggica sobre ormao. Os outrosvolumes desta coleco abordam temas especcos tais como: a aprendizagem intercultural, a gestode projectos e por a ora. Estes so normalmente os tpicos utilizados numa ormao, o assunto sobreo qual se constri o processo educativo. Esta Mochila Pedaggica existe para momentaneamente nosdesviarmos da temtica central, existe para perguntar como que planeamos processos educativos paraexplorar e trabalhar com os diversos temas apresentados. Torna o processo visvel e ajuda-nos a perceberas perguntas que dele advm. Se a ormao implica um processo, este um processo que de certa ormaassocia o tema, os ormadores e o grupo, mas que se integram tambm num contexto mais geral. Cada umdestes actores levanta questes de ordem educativa, pessoal, tica e prtica, dimenses proundamenteinterconectadas entre si. Por conseguinte, se a ormao requentemente entendida como a orma deabordagem destes temas num contexto de trabalho internacional com jovens, ela pode ser tambm vistanum outro ngulo como um tema complexo por si s. E isso acontece cada vez mais j que, tal como aseco 2.1 nos ilustra, a oerta e a procura da ormao a nvel europeu nunca oi to elevada.

    No entanto, limitarmo-nos a descrever a ormao apenas como um processo educativo pode ser igual-mente enganador, visto que o tipo de ormao com que estamos a lidar no nem um processo neutral,nem to pouco uma abordagem geral acilmente aplicvel a todas as situaes.

    A ormao tornou-se um conceito um pouco generalizado para a aprendizagem contnua numa sriede contextos. No entanto, vale a pena lembrar que, integrada nesta generalidade, existe uma diversidadede objectivos, de abordagens educativas, relaes entre actores e resultados desejados e atingidos. Nestapublicao, a ormao encarada como um processo de aprendizagem centrado no participante, baseadonuma equipa e integrado na estrutura da educao no ormal.

    Estes termos e a sua relevncia sero discutidos detalhadamente nos seus devidos captulos, bastando, porisso, reerir aqui que a nase dada infuencia imensamente o que oi includo como sendo essencial, e oque oi omitido. Enatizam tambm que a realidade de ormao no um processo neutro, invisvel, quepossa ser orado sobre qualquer tema. O trabalhar em equipa, criar os participantes como educadorespor pares, avorecer os processos de aprendizagem participativos e experimentais, assumindo um compro-

    misso com as exigncias de ser um ormador numa actividade intensa e de pouca durao requer refe-xo sobre como ormamos e sobre quem somos enquanto ormadores. Esta Mochila Pedaggica oerecedierentes ormas de desenvolver as habilitaes e competncias necessrias, mas -lo com a integrao

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    8/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    8

    de ormadores convidados a considerar a vida e as experincias que trazem com eles para a ormao, odinamismo de que aro parte, e a aprendizagem com que todos precisamos constantemente de assumirum compromisso.

    Esta Mochila Pedaggica oi criada a pensar nos ormadores que trabalham integrados numa estruturaeuropeia. Segue assumindo que estes ormadores trabalham num grupo e numa equipa multicultural,numa actividade que exige um planeamento cuidadoso e contribuies da sua parte, em situaes de or-mao que levantam uma srie de questes pessoais e prossionais. Embora seja este o leitor imaginadopara o qual escrevemos esta publicao, isso no signica que os ormadores, noutros contextos, estejamproibidos sequer de espreitar. Signica, apenas, que eles tero de avaliar cuidadosamente o que oerece-mos relativamente s suas necessidades e ao seu contexto, embora isso seja algo que esperamos que todosos ormadores aam. Esta uma questo que vale a pena considerar enquanto l esta Mochila Pedaggica,uma vez que a equipa de autores oi sempre unnime quanto sua deciso de no produzir uma caixade erramentas. Isto no um livro de receitas, ou um manual de aa voc mesmo, acompanhado de

    um programa de televiso matutino. Todas as ormaes so dierentes, e em cada uma das seces quevai ler, sublinhmos a necessidade de considerar e adaptar modelos, teorias e mtodos sua situao,ao seu momento com o grupo, aos seus meios, competncias e valores. Pensamos que isso algo que osormadores azem naturalmente, mas armamo-lo sem deixar espao para dvidas, uma vez que essa alosoa undamental deste trabalho.

    Esta publicao tambm no o Momento Zen da Formao, um documento de trabalho para orma-dores, que precisam de ser capazes de consult-la, por vezes, com alguma pressa. Para isso, o texto estcheio de reerncias cruzadas, de orma a possibilitar a procura de um exerccio em especial ou apenasde rerescar uma dada rea, enquanto anota ligaes ou ideias que deve rever. Esperamos que encare estelivro como se osse o seu ca preerido, onde pode parar para levar, mas, por vezes, tambm pode carpor mais um tempo para uma conversa apropriada.

    Da mesma maneira, esta Mochila Pedaggica az curtas reerncias cruzadas aos restantes volumes dasrie de Mochilas Pedaggicas. Embora no tenhamos assumido que todos os leitores tero acesso a

    outros volumes, esta Mochila Pedaggica no duplica material que j est disponvel. O espao limitadoe as restantes Mochilas Pedaggicas abordam elementos de ormao que podem estar em sua casa emdierentes volumes. Encontrar reerncias e aluses a bibliograa complementar ou mais aproundadanas restantes Mochilas Pedaggicas, em reas como estilos de aprendizagem, planeamento e gesto deormao e, claro, aprendizagem intercultural. Esta diviso permitiu-nos oerecer um leque mais abran-gente de perspectivas tericas e modelos relativamente a determinados assuntos. Queremos tambmdeixar claro, ao mencionar aprendizagem intercultural, que a aprendizagem mais do que apenas umelemento na nossa discusso global sobre a ormao. Se esta Mochila Pedaggica tivesse um subttulo,esse seria O essencial da ormao (com uma dimenso intercultural). A aprendizagem interculturalornece uma estrutura educativa e tica global para este texto, uma vez que acreditamos que todas asacetas da vida e do trabalho em actividades desta natureza tm uma dimenso intercultural. A aprendi-zagem intercultural requentemente abordada como um mdulo de ormao, e sob esse prisma quea encaramos tambm aqui. Contudo, a ormao no nosso contexto luta pela riqueza e diversidade de

    maneiras de encarar o mundo, de aprender, de valorizar e de ser, e precisa de ter isso em conta em todosos aspectos de planeamento e de implementao.

    Um ltimo aparte dos autores desta Mochila Pedaggica relativo ao material terico. Ainda que nos aas-temos das divises entre a teoria e a prtica, abordmos a teoria como uma orientao, mapas que podemou no ser teis enquanto navega pelas suas paisagens de ormao. Empenharmo-nos com a investigaoe com material inovador az parte do caminho de aprendizagem dos ormadores, todavia levanta duasquestes: porque que inovamos e qual o contexto do material? Achamos que, por vezes, existe algumapresso sobre os ormadores para que usem algo novo, que o aparecimento de um modelo de icebergue nasala provoca a mesma reaco dos passageiros do Titanic. Cada ormador deve avaliar o que apresentamosnesta publicao, e nas restantes, e julgar por eles mesmos a dierena entre inovao e novidade.

    Assim, os modelos tericos apresentados, por exemplo, os relacionados com a dinmica de grupo, comos estilos de aprendizagem ou com a transormao de confitos, oram desenvolvidos a partir da inves-tigao aplicada integrada em disciplinas e tradies especcas. Por vezes, estes modelos surgem nas

    actividades de ormao aplicados em contextos onde no azem qualquer sentido. Em consequncia,sublinhmos a histria e o contexto dos materiais includos, mais uma vez de orma a permitir que oormador os consiga ajustar de acordo com o seu grupo e situao. Esse acto infuenciou as nossas

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    9/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    9

    decises ao preerirmos material inovador a material que parece estar em circulao desde a IdadeMdia. O resultado uma mistura do possivelmente amiliar e possivelmente novo, sempre com baseem critrios como a relevncia, a aplicabilidade e a coerncia.

    Esta Mochila Pedaggica tem como ormato uma ormao, desde o incio ao m, admitindo, claro, que certoselementos podem ser considerados em dierentes momentos, em simultneo, ou em diversas ocasies.

    Parte 2: ormao em contexto considera o campo da ormao no momento, e o contexto de onde surgiuesta publicao. Abrange desde o meio aos ormadores que l trabalham, e comea por refectir algumasquestes relativas a papis, tica e s competncias necessrias, que, consideramos, sempre um trabalhoem progresso. Conclui-se a seco com uma considerao inicial sobre a aprendizagem intercultural, e aorma como permeia a ormao como um todo.

    Parte 3: ormao em equipas aborda o desao de trabalhar no apenas numa equipa, mas sim numaequipa multicultural de ormadores. O objectivo desta seco oerecer uma viso do tema, com activida-

    des aplicadas, que podem ajudar as equipas na construo de relaes sustentveis e a prever diculdadesao refectir sobre as dierentes ormas de trabalhar em conjunto. A seco maior, Parte 4: ormao emmovimento aborda o processo, requentemente cansativo, do planeamento logstico e educativo. Estaseco lida com o processo educativo, desde a avaliao de necessidades, concepo das sesses e ava-liao, tentando oerecer um guia que o lado organizativo se torne o menos penoso possvel. Uma vezem movimento, passamos para a Parte 5: ormao em aco, uma seco concentrada dos processos quesurgem durante uma actividade e no seu signicado para os indivduos, para o grupo e para o tema. Con-sidera tambm os temas que exigem alguma fexibilidade, avaliao contnua e adaptao por parte doormador, tais como os confitos dentro do grupo e a necessidade de re-conceber e planear um programade ormao.A Parte 6: depois da ormao, aborda os temas de transerncia e de multiplicao, e comodevemos preparar os participantes para a vida e o trabalho aps o curso de ormao.

    Esperamos que goste de utilizar esta Mochila Pedaggica, e estamos ansiosos por ouvir o seueedbacksobre a orma como se adapta ao mundo da ormao. Acima de tudo, esperamos que contribua para a

    ormao e para os ormadores, a nossa inspirao para o escrever.

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    10/130

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    11/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    11

    1. Contexto da ormao

    1.1 Formao, obectivos da ormaoFormao, obectivos da ormaoe educao no ormal

    Abracem a mudana, mas no larguem nunca os vossos valores.

    Dalai Lama

    1.1.1 O que a ormao?

    A ormao est presente em quase todos os campos da nossa sociedade actual, nos negcios e na poltica,nos nossos papis pblicos e nos diversos aspectos das nossas vidas privadas. Esta publicao tem comoobjectivo abordar a ormao no contexto especco da cooperao e do trabalho internacional ou inter-cultural com jovens, bem como da educao ou aprendizagem inormal e no ormal.

    No existe nenhuma denio nica de ormao no trabalho com jovens. Ao invs, a ormao podereerir-se a uma srie de processos e de aces dependendo do contexto organizacional e cultural onde temlugar e dos objectivos e valores dos organizadores. No entanto, existem alguns elementos gerais comunsa qualquer ormao no campo do trabalho internacional e Intercultural com jovens.

    Como ponto de partida, o dicionrio Oxord apresenta a seguinte denio de ormao Alcanar um dese-jado nvel de desempenho ou comportamento atravs da instruo ou da prtica, podendo claramente variaro desejado nvel e at mesmo a maneira como este alcanado. Quando pedimos a animadores juvenis paradenirem ormao, ou desenharem um smbolo, durante um curso, surgiram as seguintes denies:

    Formar dotar os outros com as erramentas necessrias para que consigam atingir certos objectivos. ornecer as capacidades e competncias para agir.

    Formar envolver e capacitar as pessoas.

    Formar como uma rvore que cresce. uma metora para ilustrar o desenvolvimento das pessoas. Arvore transorma-se depois em sol, que o smbolo da vida.

    Formar como duas mos abertas. A primeira experincia quando se conhece algum passa por apertaras mos. um gesto que simboliza o dar, o receber e o apoiar. E deve manter-se sempre as mos abertas,prontas a receber.

    Formar como dois elementos: experincia e teoria. A teoria vem antes da experincia. Quanto maislonge se or, mais se recebe. Existem dierentes experincias e trocas de experincias.

    Formar uma histria interminvel. Assim que se obtm uma resposta, surgem pelo menos mais trs perguntas.

    (Formao de Formadores, Relatrio Final 2000, p. 11 da verso Inglesa)

    Olhando para estas denies, a ormao abrange envolvimento, troca e o desenvolvimento de umarelao entre a experincia e a teoria. Exige uma abertura de esprito que permite dar e receber apoio, e oseu objectivo a cultura da capacitao e do crescimento. Signica levantar questes, mas tambm trazeros participantes ao nvel de prtica to desejado.

    1.1.2 Objectivos da Formao Europeia dos Animadores Juvenis

    Formar multiplicadores uma longa batalha para a qual existem poucos recursos sendo, no entanto, umanobre tarea. A tarea clarssima. Inelizmente, so poucos os ormadores que se atrevem explicitamentea dar prioridade a esta tarea: problemas ligados globalizao, o aumento do racismo e do regionalismo,o conceito de identidade intercultural (Laconte e Gillert, in Coyote, nmero 2, Maio de 2000, p. 29).

    Inserida nos programas Europeus de juventude, a ormao serve essencialmente para apoiar os programasda juventude das Instituies europeias e o trabalho levado a cabo pelas organizaes de jovens, grupos eservios a dierentes nveis. Mais especicamente os cursos de ormao organizados, atravs dos programaseuropeus de Juventude, tm como objectivo capacitar aqueles que esto envolvidos nas questes da juventude

    a representar um papel mais activo, mais eciente e melhor inormado na animao internacional e inter-cultural (Conselho da Europa, 2000, doc. DJ/G (2000) p. 2). Desta orma, a ormao tem como principalobjectivo desenvolver o conhecimento, as capacidades e as competncias, consciencializar e mudar atitudes

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    12/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    12

    ou comportamentos, de orma a aumentar a eccia e a qualidade do trabalho dos animadores e lderes juve-nis, ao nvel internacional, ou a nvel local e nacional com uma dimenso europeia ou Intercultural.

    As organizaes de juventude e os projectos dos jovens so as plataormas adequadas para o desenvolvimentode iniciativas e para o envolvimento a nvel poltico, social e cultural. So tambm meios privilegiados paraa educao e aprendizagem no ormal. Quando questionados pelo Frum Europeu da Juventude sobre o queos jovens aprendiam atravs da participao na animao de jovens organizada, os ormadores sublinharamessencialmente o desenvolvimento pessoal e social. No que concerne ao desenvolvimento pessoal, oram men-cionados os eeitos do reoro da auto-estima, o aumento da responsabilidade, criatividade, tolerncia e pensa-mento crtico. No que se reere ao desenvolvimento social, oi mencionada a armao de uma cidadania activae da participao, a aquisio de competncias de trabalho de grupo e liderana, estratgias de comunicao e oconhecimento das problemticas sociais (1999, pp. 24-25). Visto que a ormao tem como objectivo equiparos animadores e os lderes juvenis para o seu trabalho, ento estes so denitivamente os actores que preci-sam de ser tidos em considerao. No undo, a ormao deve deixar espao para o desenvolvimento pessoal e

    social, no descurando a capacitao para a participao poltica, social e cultural.A ormao na animao juvenil europeia baseada essencialmente em valores. No assume a pretenso deser um processo educativo neutro; a ormao deve apoiar o trabalho dos jovens tendo em vista a edicaode sociedades baseadas em valores undamentais. De acordo com a Comisso Europeia, estes valores incluem asolidariedade entre os jovens dentro e ora das ronteiras da Europa, aprendizagem intercultural, mobilidade eum esprito de iniciativa e de empreendorismo. E isto passa essencialmente por combater a marginalizao dosjovens na sociedade, lutar pelo respeito dos Direitos Humanos e contra o racismo, a xenoobia e a discrimina-o. Implica tambm empenhar-se com a diversidade cultural, com a nossa herana comum e com os valoresque partilhamos, promover a igualdade e sensibilizar o trabalho dos animadores juvenis locais para a dimensoeuropeia. (2000, pp. 3-4). Estes valores bsicos so partilhados pelas instituies europeias e por inmerasassociaes juvenis. (veja o ponto 2.2.1-3 para mais consideraes sobre ormao e valores).

    Tendo em conta esta estrutura, a ormao pode assumir vrias ormas. Certas organizaes de jovens, servi-os ou centros estabeleceram estratgias de ormao contnuas em torno da cultura e valores da organizao,

    que asseguram o nvel de competncia na contnua renovao das vrias geraes de animadores e lderesjuvenis. Outras organizaes apostam numa ormao mais espordica, baseada em necessidades ou interessesdiagnosticados ou emergentes. Dependendo do objectivo das actividades, a ormao pode dar prioridade acertos resultados ou processos, pode concentrar-se no desenvolvimento de capacidades especcas, omentaro desenvolvimento pessoal, ou ainda planear uma aco especial que esteja a ser preparada pela organizao.A ormao pode tambm ser temtica. Por exemplo, o Conselho da Europa preparou uma srie de cursos deormao com o objectivo de capacitar os jovens dirigentes pertencentes a minorias, inserido na estruturada sua Campanha contra o Racismo, o Anti-semitismo, a Xenoobia e a Intolerncia, em 1995; actualmenteconduz uma srie de eventos ormativos sobre os temas relativos educao para os Direitos Humanos para2001-2003. (veja os recursos desenvolvidos durante a campanha RAXI na bibliograa).

    TE-1

    Cursos de ormao propostos pelo Conselho da Europa

    ou pela parceria entre o Conselho da Europae a Comisso Europeia

    Cursos de ormao SALTO1, actividades de ormaode organizaes internacionais no governamentais de jovens

    Oerta ormativa das Agncias Nacionais

    Actividades de ormao para jovens ao nvel local

    1. Estes cursos tm vindo a ser implementados pelos centros de ormao SALTO-YOUTH das Agncias Nacionais (Bona, gabinete alemo da Juven-tude pela Europa; Bruxelas, JINT; Londres, YEC; Paris, INJEP), que tiveram incio a Setembro de 2000. SALTO um acrnimo para Support or

    Advanced Learning & Training Opportunities (Apoio para a Aprendizagem Avanada & Oportunidades de Formao)

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    13/130

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    14/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    14

    A educao no ormal e a educao inormal, podem ser denidas essencialmente em contraposio aosector ormal, onde os jovens participam a vrios nveis.

    O conceito da educao no ormal emergiu nos anos 70 tendo como objectivo alcanar um maior reco-nhecimento da educao e da aprendizagem que acontece ora das escolas, universidades e sistemas deavaliao. A adopo do termo veio sublinhar a importncia do reconhecimento dos novos contextoseducativos e do valor das dierentes contribuies. Este o sentido com que o termo utilizado no FrumEuropeu da Juventude, que dene a educao no ormal como as actividades educativas organizadas esemi-organizadas que se desenrolam ora das estruturas e da rotina do sistema educativo ormal.

    A educao inormal tem sido denida de variadssimas ormas, sendo a mais comum a educao mul-tiplicada ora do sistema educativo ormal. Claro que esta denio extremamente abrangente, con-tribuindo assim para que o termo seja aplicado na descrio de vrias actividades. Alguns encaram-nacomo a aprendizagem do dia-a-dia, as diversas ormas que aprendemos para uncionar e interagir noseio das nossas sociedades. Neste sentido, o conceito de educao inormal reere-se socializao, como

    alis est descrita na denio dada pelo Frum Europeu da Juventude: aprendizagem no organizadae no planicada do dia-a-dia (ibid). Esta no , no entanto, a utilizao mais comum do conceito; oconceito tambm aproveitado para a descrio de ormas mais activas e empenhadas de aprendizagem.Alguns consideram que a educao inormal se reere aos projectos de aprendizagem com que ocupa-mos o nosso tempo livre, sejam eles passatempos ou aquisio de novas competncias. Neste contexto, otermo reere-se normalmente aprendizagem que adquirimos, ruto do nosso envolvimento no trabalhocom jovens ou, com a comunidade. Apesar de todas estas divergncias, a educao inormal pode serconsiderada como um processo inserido num quadro onde se desenrola uma aprendizagem (veja a biblio-graa reerente s discusses da aprendizagem) e tambm como as actividades que ajudam as pessoas aaprender (ver Smith, Mark K. 2000). De orma a evitar conuses, utilizaremos o termo da educao noormal para nos reerirmos ao mundo da ormao dos jovens tendo, no entanto, conscincia de que hainda muito a discutir quanto utilizao desta terminologia.

    A educao no ormal normalmente denida em oposio educao ormal, e esta conotao extre-

    mamente importante e no deve ser negligenciada. Muitos prossionais sublinham a importncia dasorganizaes de jovens e de outras instituies como alternativa educativa, para alm da diversidade e dascapacidades oerecidas pelas escolas. Contudo, os que insistem no valor da complementaridade de abor-dagens entre os dierentes sectores educativos contestam esta distino (ver tambm o ponto 4.2.2). Umaabordagem complementar pode envolver uma educao de tipo no ormal, desenvolvendo e ampliandoa variedade de assuntos com que as escolas requentemente lidam, ou enatizando uma abordagem parti-cipativa aprendizagem. Pode tambm implicar uma reproduo de algumas das caractersticas do sectorormal no quadro no ormal, tendo como objectivo dar algum crdito ormao ou a actividades simila-res. A actual abordagem das instituies europeias e do Frum Europeu da Juventude passa por estabelecerpadres de qualidade e meios de certicao para a educao no ormal ao nvel europeu, especialmentepara a ormao. No entanto, o reconhecimento do valor da educao no ormal apenas um dos ladosda discusso, pois algumas das pessoas envolvidas no trabalho com a juventude temem que a animao ea ormao de jovens perca algumas das suas caractersticas inerentes durante este processo. Temem, por

    exemplo, que a abertura generalizada a todos os jovens, o envolvimento voluntrio sem medo da ava-liao das realizaes pessoais, a fexibilidade das estruturas e da planicao, a aprendizagem baseadanas necessidades e nos interesses dos participantes, e a possibilidade de trabalhar a dierentes ritmos e dedierentes ormas, se diluam perante as exigncias impostas s estruturas e programas escolares.

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    15/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    15

    1.1.5 Em resumo: alguns elementos-chave para a ormao do trabalho comjovens numa dimenso internacional ou intercultural

    Em jeito de concluso, podemos sugerir algumas caractersticas undamentais para a ormao levada acabo no nosso contexto de reerncia. Os pilares so:

    Convico de que os jovens devem ser capacitados de orma a participarem plenamente nas suascomunidades e sociedades envolvidos num esprito de respeito pela dignidade e igualdade para todos.E isto inclui o compromisso com as sociedades multiculturais existentes hoje na Europa.

    Participao voluntria.

    Uma losoa centrada no sujeito que tenha em considerao as necessidades e os interesses dos participantes.

    A experincia dos participantes e a relao com as suas situaes.

    Um processo orientado para a aco, com nase particular na multiplicao.

    Aprendizagem de capacidades, competncias e conhecimentos susceptveis de avorecer uma transor-mao em termos de tomada de conscincia, atitudes e comportamentos.

    Utilizao da experincia ou da prtica, do envolvimento emocional e intelectual (mos, corao e cabea).

    Uma dinmica no prossionalizante. No entanto, as qualidades adquiridas no quadro de uma or-

    mao de trabalho com jovens podem ter o seu valor para o desenvolvimento pessoal e prossional,elementos undamentais num processo de aprendizagem.

    A opo de no medir as realizaes pessoais por sistemas de avaliao.

    Formao: olhar para alguns conceitos

    No se pode ensinar nada a um homem. Apenas se pode ajud-lo a aprender.

    Galileo Galilei

    As discusses suscitadas pela terminologia lembram-nos que a linguagem utilizada no trabalho inter-nacional com os jovens no linear nem to pouco estvel. E no passa apenas pela dierena doscontedos e dos processos que so usados para descrever as situaes, mas tambm pelas dierenas dasdiversas lnguas e contextos culturais, onde as situaes podem at adquirir dierentes conotaes, indi-cativas de valores e estilos educativos divergentes. Tendo estas dierenas em considerao, o melhor amiliarizar-se com alguns termos usados na ormao e repetidos nesta Mochila Pedaggica.

    Educao e aprendizagem: normalmente, quando nos reerimos a educao, pensamos nas activida-des educativas estruturadas; ou seja, nas actividades que seguem um processo e estrutura direcciona-

    dos para a aprendizagem. A aprendizagem coloca a nase essencialmente nos participantes, nas suasnecessidades e interesses reere-se ao processo cognitivo interno pessoa que se inscreve no processode aprendizagem. A aprendizagem pode acontecer acidentalmente ou no quadro de actividades educa-tivas estruturadas. As pessoas aprendem de dierentes ormas. Reconhecer este acto e ter a capacidadede ter isto em conta na planicao da ormao so duas caractersticas undamentais em contextosmulticulturais. (ver o ponto 4.2.1-3 para uma discusso mais aproundada sobre aprendizagem).

    Formao, animao e acilitao: muito natural que se aa conuso entre estes trs termos. Vejamos, a pr-pria palavra ormar. Em rancs, por exemplo, ormer signica literalmente moldar ou adaptar atravsda disciplina ou educao, mas tambm pode signicar o processo de ormao de carcter. Em ingls, otermo ormao pressupe uma conotao mais orientada para a aquisio de capacidades e competncias,como no caso da ormao desportiva ou ormao prossional. Outros termos tambm importantes nestecontexto so animao e acilitao, que so por vezes utilizados indiscriminadamente no contexto daormao. O dicionrio Oxord dene acilitar como tornar mais cil ou menos dicil; tornar a aco ouo resultado mais acilmente realizvel, enquanto que animar signica literalmente dar vida a algumacoisa. Ainda que as denies do dicionrio no prescrevam a utilizao de palavras, cil imaginar situaesonde se podem usar uma srie de palavras para descrever um processo educativo, ou situaes que podem serdescritas apenas com uma palavra. Para uma equipa multicultural de ormao, a discusso sobre o signicadodestes termos para cada um dos ormadores, pode ser uma tarea extremamente rutera e esclarecedora. Porexemplo, como que usam estas palavras? Como ormador, anima ou acilita um grupo de trabalho? Para si, oque que est em jogo nestes debates sobre a terminologia? (denies retiradas de Smith, Mark K. 2000).

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    16/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    16

    A necessidade de ter em conta os valores e percepes especcas da organizao responsvel, doambiente e do grupo-alvo.

    1.2 A Formao e o ormador

    1.2.1 Dierentes perspectivas sobre o ormador

    J vimos que existem vrias concepes de ormao, por isso no nos espanta que a palavra ormador possatambm assumir mltiplos signicados e dierentes ligaes. E para complicar ainda mais a situao, os partici-pantes com dierentes backgrounds culturais e educativos podem ter variadssimas expectativas quanto ao or-

    mador, baseadas nas dierentes percepes que azem do seu papel e do seu lugar no processo de aprendizagem.Tirando o acto de o ormador ser uma pessoa que est envolvida no processo educativo, e com quem os orman-dos aprendem alguma coisa, todos os outros pressupostos so bem mais ambguos. E este acto no satisatriopara uma equipa de ormadores. Para que possam lidar com dierentes e, muitas vezes, imprevisveis exigncias deuma situao, os ormadores devem avaliar bem o seu papel em relao uns aos outros. O exerccio que a seguirpropomos d-vos a oportunidade de explorar a vossa percepo como ormadores numa ormao.

    Qual a sua posio?

    Nota: este exerccio uma verdadeira erramenta todo o terreno: pode us-lo com quase todos os temas!

    Instrues: Desenhe uma linha imaginria ou real (com ta-cola ou corda) na sua sala de ormao.Coloque um sinal em cada extremidade, um onde se leia SIM e no outro NO. Leia (e escreva num cava-

    lete de papel) as armaes que se seguem. Tenha ateno s questes que surgirem medida que oexerccio se concentrar mais na percepo de conceitos ou em temas centrais.

    Armaes

    1. Qualquer pessoa pode ser um bom ormador.

    2. A ormao deve ser divertida.

    3. O ormador deve orientar o ormando para a concluso a que o ormador espera que ele mesmochegue.

    4. O objectivo de toda a ormao o desenvolvimento pessoal.

    5. O ormador deve despir-se de valores pessoais.

    6. As competncias e os mtodos so o corao da ormao.

    7. Os resultados da ormao devem poder ser quanticados.

    8. A prtica a melhor escola.

    9. A ormao serve para transmitir conhecimento.

    10. Num curso de ormao, os participantes necessitam de receitas.

    (Adaptado de Formao de Formadores, 2000, do Conselho da Europa e da Comisso Europeia)

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    17/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    17

    A tabela que se segue tenta delinear o perl do ormador em relao a outros papis educativos, e com-para-o a proessores e a acilitadores atravs de dierentes actores.

    Papis educativos Proessor Formador Facilitador

    Processo Menos importante Importante Importante

    Tarea/contedo Papel central Papel importante Co-responsvel

    Mtodos educativos Frequentemente Combinao de mtodos Combinao derontal mtodos

    Estilo de comunicao Maioritariamente Depende do grupo Teoria mnimaterico

    Poder Absoluto Partilhado em absoluto Partilhado

    Exemplos Proessor de escola Formador AIC Moderador de confitos

    Na realidade, parece-nos bvio que na maioria dos casos no seja linear a segmentao dos dierentes papis.Veja-se em particular o ormador, a quem pode ser pedido que exera vrias unes no quadro de um programa,desde coordenar uma componente de ormao, a acilitar um processo de tomada de deciso de um grupo ou aapresentao numa exposio ou conerncia. Dito isto, o ormador deve sempre equilibrar estes papis com o seupapel principal como ormador, evitando que da surja algum confito de poder. Por exemplo, se um ormador acilitador de uma actividade de grupo e a certa altura se apercebe de que a actividade est a ser contraproducentepara o processo de ormao, ter o ormador poder suciente para decidir parar a sesso, ou ter ele de prosseguircom o papel de acilitador? (Nas prximas seces abordaremos uma srie de questes desta natureza).

    A maneira como o papel tradicional do proessor se tem vindo a alterar nos ltimos anos mais umasituao onde os papis se conundem, j que se tm vindo a integrar mais elementos prprios da orma-o e acilitao. E os debates contemporneos que tm lugar em muitos pases europeus que abordama escola mais como um local orientado para a aprendizagem social e no apenas para a transerncia deconhecimento intelectual ilustram esta evoluo.

    1.2.2 Valores do ormador e o seu impacto na ormao

    Sbio aquele que conhece o seu povo, iluminado aquele que se conhece a si prprio.

    Laotse

    Esta Mochila Pedaggica oi escrita com base em certos valores educativos, culturais, polticos e ticos.No nosso contexto de reerncia, os valores undamentais devem passar pelo respeito mtuo, diversidade,capacitao, democracia e participao. Esta seco analisa a natureza dos valores do ormador, a suarelao com as motivaes e a sua infuncia no processo de ormao.

    Sugestes para reexo

    1. Qual o ormador ou ormadores que mais o impressionaram na sua vida? Porqu?

    2. Qual oi a sua pior experincia educativa como participante numa ormao? Porqu?

    3. Concorda com a ideia do quadro anterior em que um proessor tem mais poder do que um ormadorde jovens?

    4. Que dierentes ormas de poder podem estar envolvidos?

    Pode tambm tentar dar resposta por si mesmo aos vrios pontos do exerccio.

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    18/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    18

    Numa situao de ormao, a maneira como conduzimos e planeamos, e mesmo a orma como nos con-duzimos a ns prprios durante a ormao, guiada pelos nossos valores undamentais. Os valores quetemos em relao ormao revelam-se, por exemplo:

    Na escolha dos temas de ormao;

    Na orma como essa escolha eita, incluindo os actores como a avaliao das necessidades (ver ponto4.1) e o nvel de integrao dos participantes no processo de planicao;

    No nvel de participao na ormao, atravs das escolhas metodolgicas adoptadas (temos em contaas expectativas e oeedback, avorecemos a possibilidade de avaliao e aplicamos mtodos activos eexperimentais?).

    Os nossos valores undamentais so ulcrais na orma como avaliamos e interagimos com o processo deormao. Eles tm um impacto no que podemos chamar de estilo de liderana (ver tambm a MochilaPedaggica sobre Gesto das Organizaes, pp. 46-48). Num contexto de ormao, pode ser pedido a umormador que adopte vrios papis, que podem bem como os valores subjacentes - entrar em confito.

    Consideremos a situao que se segue:

    A hora j vai avanada num curso de ormao intensivo. Alguns dos participantes parecem ter entradonuma espcie de transe, exaustos mas com vontade de continuar as actividades educativas. Apesar docansao, muitos esto preparados para continuar; os outros no se opem com medo de perderem estatutodentro do grupo. O que que deve azer o ormador?

    Dever o ormador respeitar a vontade do grupo, na medida em que esta actividade exige a participaodos ormandos, sabendo que uma deciso autoritria entrar em confito com os prprios valores-chave daactividade? Mas ser que no undo ele no acha que os ormadores, como responsveis, precisam de, porvezes, impor certas decises, mesmo quando as actividades prejudicam o processo ormativo, ou quandoexiste um dano sico ou psicolgico para algum dos participantes? Por outro lado, como participantes,no deveriam os ormandos ter o direito de escolher se e como querem participar? No entanto, se o seupressentimento estiver certo, muitos dos ormandos no querem continuar com a actividade hoje, e odireito destes est a ser inevitavelmente aectado.

    Estas questes mostram-nos que deve ser aqui mencionado um conjunto essencial de valores, que pode-mos chamar de tica prossional. As discusses sobre a tica prossional podem ser-nos amiliares do

    mundo da poltica ou do jornalismo, mas tambm um conceito que os ormadores devem considerar emrelao sua lista pessoal de coisas a azer e coisas a no azer na ormao.

    Sugestes para reexo

    1. Porque que sou ormador?

    2. Quando estou a trabalhar como ormador, qual o meu papel avorito? Amigo, proessor, parceiro,educador, gestor, protector, tutor, treinador, supervisor, brincalho, participante, sedutor, pensador,estrela porqu?

    3. Como que o meu papel avorito est relacionado com os meus valores pessoais?

    4. Porque que me tornei um membro da organizao para a qual estou a trabalhar?

    5. Na minha organizao, quais os valores que transmitimos durante a ormao? Quais os valores quetransmito? Sero os mesmos da organizao?

    6. Como qualicaria os objectivos de ormao da minha organizao: polticos, sociais, educativos,culturais, prossionais, religiosos?

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    19/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    19

    1.2.3 O que que torna um ormador tico?Uma mulher levou o lho a ver Ghandi, que lhe perguntou qual era o seu pedido. Eu queria que ele parassede comer acar, respondeu-lhe a mulher. Volta a traz-lo daqui a duas semanas, disse-lhe Ghandi. Duassemanas depois a mulher voltou com o lho. Ghandi voltou-se para o rapaz e disse: Pra de comer acar.A mulher, muito surpreendida, perguntou-lhe Porque que tive de esperar duas semanas para que lhepudesse dizer isso?. E Ghandi respondeu-lhe Porque h duas semanas atrs eu comia acar.

    Como ilustra a histria, ser ormador (e animador) implica assumir um papel que pode ser extremamenteexigente. Colocarmo-nos numa situao de ormao signica desenvolver a conscincia do que somos,do que temos para oerecer, dos limites que estabelecemos e, tambm muito importante, como que lida-mos com as expectativas dos outros.

    Eu ocupo sempre uma posio pblica e o papel de modelo, quer goste ou no, quer como pessoa quer comoormador. O meu comportamento pode ser um recurso importante para o processo de aprendizagem. Isto sig-

    nica tambm que eu no posso comportar-me incorrectamente (tal como eu no posso no comunicar ver por exemplo Watzlawick e outros autores, 1967). Tenho de ter conscincia de mim prprio e ser capaz derefectir nas consequncias do meu comportamento sobre o processo e para os participantes. Devo ser capaz departicipar e, ao mesmo tempo, manter uma certa distncia (ter uma viso panormica!). Devo ser aberto com aspessoas, mesmo quando elas no parecem muito simpticas no incio. Devo estar em contacto permanentementecom os participantes, mesmo quando no tenho vontade de o azer. Devo manter-me concentrado, mesmo que,no momento, esteja cansado ou sem energia. Devo ter conscincia que, s vezes, posso atrair um sentimentode raiva, que no verdadeiramente dirigido minha pessoa. Devo assumir um papel de substituto para outrosparticipantes, para os temas delicados ou para rustraes em geral e devo saber lidar com essas situaes. Devoenvolver-me nos acontecimentos, misturar-me rapidamente com as pessoas, com os processos e com os proble-mas, e recuperar a orma o mais rapidamente possvel. Testemunho de um ormador que conhecemos, duranteuma discusso.

    No se espera da nova gerao de ormadores que seam super homens ou supermulheres!

    JoWag 2001

    NESSA ALTURA SEREI UM SUPER FORMADOR...!

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    20/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    20

    Esta descrio, se bem que incompleta, quis apenas salientar que ser um ormador (e um lder) uma tareamuito complexa chegando, muitas vezes, a ser um ardo bem pesado. Exige auto-conscincia, ormaoconstante e uma grande abrangncia de conhecimentos sobre as realidades com as quais trabalhamos. Exigetambm capacidade de descontraco para evitar erver em pouca gua e inovao para que as ormaes nocaiam na rotina e no conduzam a menos motivao e envolvimento. O ponto 2.2.5 prope estratgias activasque desenvolvem o nosso bem-estar enquanto ormadores. No que concerne a questo da tica, no existe umperl ideal, embora a descrio que se segue ornea uma boa base para refexo e discusso.

    Torna-se assim evidente que, para desenvolverem o seu trabalho com um grande nvel de prossionalismo,os ormadores precisam de ter certas competncias relacionadas com a ormao. As associaes juvenistm uma grande responsabilidade nesta matria. Elas so responsveis pela qualidade das suas actividadeseducativas e devem assegurar que os seus ormadores tm um perl de ormao adequado, antes de lhe serconado um grupo num cenrio scio-educativo complexo. Da perspectiva do ormador, comprometer-secom uma aprendizagem ao longo da vida signica procurar oportunidades de ormao complementares emanter-se inormado sobre as problemticas educativas, os debates e as questes emergentes.

    O conceito de um bom ormador , claro est, extremamente subjectivo; depende das nossas experincias,dos nossos estilos de aprendizagem preeridos, dos valores do ormador, da ormao e da organizao,para reerir apenas algumas condicionantes. Tendo estes actores em conta, as caractersticas enumeradaspodem uncionar como um bom ponto de partida para uma refexo sobre os programas de ormao ecompetncias-chave que devem permitir omentar:

    A capacidade para manter a aprovao e aceitao dos ormandos;A capacidade para unir e controlar o grupo sem, contudo, impor limites ou prejudic-lo;

    Um estilo de ensino e de comunicao que consiga gerir e aproveitar os conhecimentos e competncias dosparticipantes;

    Os conhecimentos e a experincia sobre o tema em estudo;

    A capacidade de organizao, para que os recursos estejam disponveis e que as questes logsticas sejamresolvidas sem problemas;

    A capacidade para identicar e resolver os problemas dos participantes;

    O entusiasmo com o tema e a capacidade de o apresentar de uma orma interessante e envolvente;

    A fexibilidade para responder s alteraes das necessidades dos participantes.

    (Adaptado de Pretty e autores, 1995)

    O ormador tico pode ser caracterizado como sendo algum que:

    um eterno aluno.

    Assumiu um compromisso com o seu prprio desenvolvimento (prossional).

    Assumiu um compromisso com o desenvolvimento (prossional) dos outros.

    Tem conscincia dos riscos que a ormao pode trazer aos participantes e tenta geri-los. Partilha conhecimentos e competncias com os outros.

    Consegue manter o equilbrio certo entre a proximidade e a distncia em relao aos participantes.

    auto refexivo e crtico.

    Sabe transmitir as capacidades e os programas de orma precisa.

    sensvel s necessidades dos ormandos.

    Explora os contedos e os programas de acordo com as competncias disponveis.

    Promove um ambiente de aprendizagem cooperativa.

    (Adaptado de Paige, 1993)

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    21/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    21

    1.2.4 Os papis do ormador

    Nas nossas vidas, desempenhamos vrios papis, dependendo dos ambientes onde estamos envolvidos. Emtermos sociolgicos, um papel um conjunto razoavelmente xo de comportamentos, valores e cdigos decomunicao, que se relacionam com o ambiente onde o papel se desenrola. Assim, em casa, por exemplo,podemos ser lhos ou lhas, mes ou pais e, consequentemente, comportamo-nos por norma de acordocom o papel que representamos. Caso contrrio, ser rapidamente constatado. Na escola ou na universidade,podemos ser estudantes ou proessores, ou um tipo especial de estudantes ou proessores. No nosso traba-lho, os nossos papis prossionais tendem a estar muito melhor denidos. Os advogados tendem a alar e acomportar-se de uma determinada maneira, e ningum est a espera que eles se levantem, saltem para cimade uma mesa e comecem a danar, excepto se or um lme do Woody Allen. Contudo, para um ormador, aquesto do papel a desempenhar pode constituir alguma diculdade, uma vez que os contextos de trabalho eas expectativas que os outros trazem podem variar. O papel do ormador pode ser muito complexo e diverso,

    pois engloba dierentes responsabilidades em relao aos dierentes actores que esto envolvidos no processode ormao, desde a preparao at avaliao. Alguns dos sub-papis podem passar por amigo, proessor,educador, companheiro, gestor, coordenador do programa, organizador, irmo mais velho, o senhor do pasX, tutor, treinador, supervisor, brincalho, participante, amante, pensador, estrela.

    Numa ormao, ou num outro tipo de processo de aprendizagem estruturado, damos vida ao nosso papelde ormador com as nossas qualidades, capacidades, competncias e interesses pessoais e prossionais. Aorma como o papel evolui infuenciada pelas expectativas dos participantes e pelo contedo da orma-o. O papel do ormador vivo envolve, acima de tudo, um certo nvel de poder. Tudo isto sugere queuma equipa de ormao pode precisar de algum tempo, no incio, para negociar os seus papis de acordocom os pers necessrios e as expectativas conhecidas dos participantes.

    1.2.5 Bem-estar: tambm uma questo para os ormadores

    O pior que podes azer esquecer-te de ti prprio.

    Laotse

    As ormaes, especialmente as ormaes que se destinam aos jovens, podem ser exigentes, cansativas eat mesmo stressantes (podemos encontrar inormao geral e til sobre o stress na Mochila Pedaggicasobre Gesto das Organizaes).

    Sugestes para reexo

    1. Quais so os dierentes papis que representa enquanto ormador? Correspondem lista apresentada?

    2. Qual o seu papel preerido?

    3. Falta algum dos seus papis preeridos na lista?

    4. Tem algum papel escondido que ningum conhece?

    5. Existe algum papel que se v normalmente orado a desempenhar (por presso externa ou interna)durante uma ormao?

    6. Como negoceia o seu papel/os seus papis e o seu poder com o grupo de participantes (e com oscolegas da sua equipa)?

    7. Como que lida com a ambiguidade da posio do ormador ligada ao acto de assumir um papel deautoridade num contexto do grupo de pares?

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    22/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    22

    Facilite a sua vida! Truques e sugestes

    Antes da ormao

    Durante a ormao

    Quais as condies do meio (ambiente, conorto, tempo pessoal, desportos ehobbies, alimentao) de que eu preciso para esta ormao?

    Que questes do exterior (da minha organizao, outros projectos) que pre-ciso de despachar ou de delegar para poder dedicar toda a minha ateno aesta ormao e no estar preocupado com outros assuntos?

    Caso me aperceba de que estou a beber ou a umar em demasia durante aormao, quais as estratgias alternativas que posso adoptar para aliviar omeu stresse?

    Qual a bagagem (em termos de sade ou problemas privados) que trans-porto? Com quem (da equipa) posso alar e que tipo de apoio posso precisardurante a ormao?

    O programa est adaptado ao clima e esto previstas pausas sucientes(mesmo para a sesta)?

    Como posso dormir bem durante a ormao? (chegando mais cedo para veri-car o quarto e o seu conorto; est perto de ambientes potencialmente ruidosos?Outras estratgias: usar tampes nos ouvidos, trazer a sua prpria almoada emanta, utilizar mtodos de relaxamento quando estiver stressado)

    Que tipo de apoio necessrio durante a ormao ou durante um curto pe-rodo de tempo no local (pessoas, materiais, livros, recursos)

    Como que posso partilhar a responsabilidade das noites com os meus cole-gas para beneciar de algumas noites livres ou mais umas horas de sono?

    Que tipo de comida e de actividades ldicas que eu preciso para me sentirbem com o meu corpo, mente e alma?

    Como que me posso manter em contacto com a minha amlia/meus amigos

    e com o resto do mundo?

    Provavelmente j todos passmos pela experincia de ir para casa no nal de uma semana de ormaocompletamente exaustos, talvez elizes, talvez vazios, ou talvez sentindo uma mistura de ambos. Podemosat saber que uns dias de rias nessa altura seriam muito bem-vindos (mesmo que muitas vezes no sejampossveis) para recuperar e estabelecer outra vez contacto com o nosso dia-a-dia, com a nossa amlia ouos nossos amigos e com o resto do mundo!

    Participar na vida de uma ormao no tem nada a ver com a rotina de um trabalho clssico das nove scinco. Para a equipa de ormadores, normalmente signica que o dia comea com o pequeno-almoo detrabalho e termina, com alguma sorte, por volta da meia-noite, durante ou depois de alguma actividadesocial ou estiva.

    A situao articial que a de uma ormao e que passa muitas vezes por aprender e viver em conjunto,pode ser extremamente propcia para o processo de aprendizagem, pois permite que os participantesestejam em contacto permanente uns com os outros, partilhando momentos ormais e inormais. Estarenvolvido num processo deste gnero, sem alar nas questes de organizao e no programa de ormao,pode ser uma tarea totalmente devastadora para o ormador.

    Por outro lado, um ormador em exerccio no apenas responsvel pelo bom uncionamento da ormao e(dentro de certos limites) pelo bem-estar dos participantes, mas tambm tem de ter em ateno o seu prpriobem-estar e os seus nveis de energia para manter (e s vezes melhorar) a qualidade do seu trabalho.

    Existem alguns truques para acilitar a vida no contexto da ormao antes, durante e depois da orma-o. As questes que se seguem podem ser encaradas como uma checklistde cuidados pessoais que podemajudar durante uma aco de ormao e nas sesses subsequentes.

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    23/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    23

    Como que organizei o meu prprio processo de aprendizagem e desenvolvi-mento prossional?

    Como que posso avaliar o equilbrio entre os velhos e os novos temas domeu dossi de ormao?

    Como que avalio a simplicidade ou complexidade dos temas de orma-o e dos participantes com que trabalhei no ano passado? Quais as reas emque exijo demais de mim e nas quais acontece exactamente o contrrio?

    Quando que posso ser apenas um participante e quando que posso ser umlder? Como que me sinto em ambas as situaes?

    O que que a minha vida de ormador e as minhas ausncias signicam paraaqueles com quem me envolvo a nvel particular e prossional? Neste con-texto, qual o preo que estou disposto(a) ou terei de pagar para ter estavida? Qual o preo que os outros tero de pagar?

    Quais as antasias ou receios que a minha amlia pode ter sabendo queconheo e trabalho com imensa gente, homens e mulheres, em circunstnciasto pessoais e to ora do comum? Como que lidamos com o erotismo e coma sexualidade? (ver tambm o ponto 5.3.3 sobre relaes) Como que deve-mos abordar estas questes das expectativas e receios e outras similares?

    Como que o meu crculo de amigos? Que tipo de contacto tenho com osdierentes grupos ou amigos ora do meu contexto de trabalho?

    Com quem que eu posso partilhar as minhas diculdades pessoais e pros-sionais?

    O que que eu z ou li nos ltimos meses que no estivesse relacionado coma minha actividade prossional?

    Quanto tempo que eu tenho realmente para mim? Quanto tempo sobradepois de todos os compromissos pessoais e amiliares, com o meu trabalho,

    participantes ou outras pessoas?

    Que importncia tm o desporto e as actividades de lazer no meu estilo de vida?Como a minha alimentao? Que importncia tm os estimulantes, as drogaslegais ou ilegais para a minha vida?

    Sendo um(a) ormador(a) reelancer, quanto dinheiro que tenho de ganharpara conseguir viver? Tendo isto em conta, estou a trabalhar demais e a rece-ber pouco dinheiro e/ou estou a trabalhar para demasiadas entidades que nome conseguem pagar o que mereo? O que que recebo em troca?

    Depois da ormaoAspectos gerais

    Exerccio: Respirao e relaxaoO stresse tem uma grande infuncia na nossa respirao: quando estamos stressados, a nossa respiraotorna-se irregular, curta, estando limitada a uma pequena regio da parte superior do peito e no expi-ramos correctamente. O resultado bvio: a maior parte do nosso corpo est sob tenso permanente. Oexerccio que descrevemos de seguida (que alis muito cil de aprender e pode ser eito em qualquerlado, excepto debaixo de gua) concentra-se exactamente neste sintoma. O princpio subjacente o que aexpirao desacelera os batimentos cardacos enquanto que a inspirao os acelera.

    2-4-2 Respirar

    1. Inspire durante 2 segundos para a parte baixa do estmago (barriga). Use o seu nariz mas no dilate opeito, concentrando-se apenas na sensao de entrada do ar.

    2. Expire durante 4 segundos; depois de exalar, continue o exerccio usando os msculos do estmagopara azer sair o ar que ainda tem nos pulmes.

    3. Fique sem respirar por mais dois segundos.

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    24/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    24

    Inspire Expire Sustenha Inspire Expire

    4. Repita os passos 1 a 3 (um ciclo completo pelo menos seis vezes; observe tambm o relaxamento dalngua, dos dentes e do queixo).

    TE-2

    1.3 Aprendizagem Intercultural e Formao

    O tema da aprendizagem intercultural na ormao dos jovens o tema central da Mochila Pedaggica

    nmero 4 desta srie. No entanto, de alguma orma, esta tambm uma Mochila Pedaggica inteiramentededicada a esse tema. Por outras palavras, esta publicao tem como base a losoa da interculturalidadee os vrios aspectos da ormao so abordados de acordo com esta premissa undamental. Segundo oponto de vista dos autores, a aprendizagem intercultural no apenas algo que se aprende num workshop,ou durante uma qualquer tarde chuvosa (embora seja naturalmente importante que se aborde o temacomo uma componente especca de um programa). uma losoa poltica que motiva o trabalho dosjovens internacionalmente, que cobre o conjunto das prticas educativas que deve, sem sombra de dvida,estar omnipresente; e claro, uma onte de conhecimentos que exige refexo e o desenvolvimento decapacidades-chave por parte do ormador. Tal como j oi sublinhado na introduo, este um pontoimportante a ter sempre presente na leitura das diversas seces e a aprendizagem intercultural um temaexplicitamente abordado em vrias partes desta publicao. O objectivo desta seco comparvel ao dacontracapa de um romance best-seller: dar uma ideia geral (caso exista) e estimular o leitor a descobri-ladentro da capa. A noo de aprendizagem oi considerada em quase todos os pontos desta publicao

    (4.2.1-3), mas abordar a aprendizagem intercultural signica de alguma orma conrontarmo-nos com umdos termos mais controversos, o da cultura.

    1.3.1 Cultura

    Falando de orma directa, cultura um termo complexo e controverso. Cliord Geertz, no seu clebretrabalho A Interpretao das Culturas, az notar que muitos trabalhos que tentam explicar a culturatendem a criar ainda mais ambiguidades na busca de certezas. Esta constatao encontra ecos no traba-lho de Jacques Demorgon e Markus Molz, onde se l que as tentativas para denir cultura no podemescapar ao acto de ser, ela prpria, um produto cultural. Esta uma premissa evidente e undamental;tal como ilustrado pelo escritor ingls Raymond Williams em Keywords, cultura um conceito com umahistria no podendo, por isso, ser abordado como um postulado cientco, mas sim como uma concep-

    tualizao, socialmente construda, da maneira como vivemos.Esta acepo de cultura veio pr em causa duas noes do termo que estavam j pereitamente enraiza-das. O termo cultura tem muitas vezes um signicado avaliativo, associando-se produo artstica de

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    25/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    25

    uma sociedade ou, em particular, de uma nao. Esta denio oi amplamente criticada, ao concentrar-seno elitismo e no poder social para denir o que representa. Outro conceito criticado prende-se com a nooantropolgica de cultura como um modo de vida, aberta descrio e anlise pelos especialistas de culturamais distintos e normalmente provenientes de uma cultural ocidental. Paralelamente, esta noo conheceuum declnio porque a anlise cultural sobre estas dierentes prticas conheceu um ponto de viragem, e pelanova nase colocada no poder de descrever o que esteve presente nestes intercmbios interculturais.

    As denies contemporneas de cultura (para uma discusso mais aproundada sobre as teorias maisrelevantes, ver a Mochila Pedaggica sobre Aprendizagem Intercultural) tendem a apreender a culturacomo o sotwareque permite o hardwarehumano uncionar, enquanto disputa os nveis de infunciaque o pacote do sotwaretraz. O sotware carregado por um processo de enculturao; assimilamosvalores, costumes, padres normativos, noes de senso comum e a nossa capacidade de interpretar omeio ambiente simblico a partir dos actores de infuncia presentes nesse ambiente. Por outras pala-vras, aprendemos a interpretar e a comunicar sobre a realidade a que estamos expostos e pela qual somos

    ormatados. A aprendizagem por enculturamento um processo verdadeiramente natural, muitas vezescomparado respirao; signicados arbitrrios e relativos, associaes e dierenas azem parte do sot-warenormal que utilizamos naturalmente nas nossas vidas.

    , no entanto, enganador alar de cultura como uma espcie de sistema echado e da enculturaocomo um processo comum e linear. Como seres culturais que somos, podemos perguntar-nos se possvelrotular a nossa cultura. Mas ao az-lo, estamos a assumir que todos os processos que nos infuenciamesto em harmonia e que so indiscutveis aos nossos olhos de seres experienciais. Por norma, constata-mos uma associao de cultura exclusivamente s culturas nacionais, mas mesmo em naes isoladas eaparentemente homogneas existem diversos actores de dierena e diversidade que so infuncias un-damentais. Num mundo cada vez mais globalizado, esses contextos nacionais so cada vez mais diceisde imaginar, quanto mais de manter. A ampliao sem precedentes dos movimentos humanos (desde amobilidade privilegiada do turismo s migraes oradas associadas pobreza), o desenvolvimento dossistemas de comunicao escala global, o incremento das relaes econmicas e a expanso dos sistemas

    internacionais e mundiais, so enmenos que ilustram bem como se torna cada vez mais dicil de nosignorarmos uns aos outros. O reportrio de infuncias culturais a que as pessoas esto expostas aumentaconstantemente, e alguns autores argumentam at que o mundo est a experimentar o desenvolvimentode terceiras culturas atravs do processo de hibridismo. Por outras palavras, o constante fuxo e intercm-bio de pessoas, objectos, ideias e imagens esto na base da criao de culturas que se estendem para almdas tradicionais ronteiras de nao, amlia, etnia, religio e por a adiante.

    De certa orma, os encontros internacionais de jovens podem ser vistos de acordo com esta perspectiva. Osparticipantes so enculturados de dierentes maneiras, embora se deva tambm sublinhar que eles tm muitascoisas em comum: quadros de reerncia, valores, tipo de educao, estilos de vida sub-culturais tpicos dosjovens, culturas organizacionais, tendncias polticas, e podamos continuar a enumerar muitos mais.

    Por conseguinte, se as culturas existem, podemos discutir se conseguimos equacionar as pessoas, ou nsmesmos, com uma nica cultura, e isto supondo que conseguimos descrever essa cultura e estabelecer oslimites que a dierenciam das restantes. O conceito de identidade permite-nos abordar estas contradiesculturais em relao s nossas prprias experincias. Imagine que uma boneca Russa, com uma capaci-dade inndvel de produzir uma outra boneca de dentro da primeira. De quantas bonecas precisaria pararepresentar os actores que so importantes para a sua identidade? A refexo sobre identidade umacomponente muito importante para a aprendizagem intercultural, como alis veremos mais rente. Nestaaltura, vale a pena pensar nestes argumentos tericos em relao a uma situao de ormao.

    1.3.2 Cultura, Identidade e Formao

    Uma questo dicil com que os ormadores normalmente se deparam a de quando que uma situao cultural. Suponhamos, por exemplo, que o Miguel chega constantemente atrasado s sesses; como que o or-mador sensvel s dierenas culturais reage? Dever sorrir tolerantemente ao aperceber-se da gesto do tempotpica do sul da Europa? Ou dever dirigir-se ao rapaz preguioso com um ultimato e exigir o mesmo respeito e

    nvel de entrega demonstrado por um grupo europeus do norte com os seus grandes relgios de pontualidade?O exemplo claramente um clich e um esteretipo, mas evidncia uma srie de questes que nos so exigidasque saibamos interpretar e avaliar as inormaes nos diversos contextos, que o aamos em relao aos nossos

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    26/130

    Mochila Pedaggicasobre

    Essencial da Formao

    26

    conhecimentos, as nossas experincias e inormaes culturais, e que devemos negociar a interaco entreos seres culturais e a cultura em evoluo do grupo em si mesmo (Questo para discusso: um grupo deormao tem uma cultura? Se sim, de que noo de cultura que estamos a alar?). Existe tambm a pos-sibilidade de que o Miguel se divirta a manipular constantemente os esteretipos que ele sabe que existemintroduzindo, desta maneira, a hiptese de que as pessoas tambm representam papis e articulam as suasculturas de orma dierente, consoante o contexto em que se encontram. Assim, argumenta-se que as pes-soas assumem papis culturais que se espera que representem como orma de lidar com as ambiguidadestpicas de um ambiente multicultural.

    Estes processos comeam com o nico momento previsvel numa ormao o primeiro encontro.

    Pense numa actividade internacional em que tenha participado recentemente. Quando conheceu osrestantes participantes, como que representou a sua identidade e as ormas visveis de cultura?Pensou sobre as roupas que usou, nas piadas que disse, e no tipo e na velocidade com que transmitiu a

    inormao sobre si prprio(a)? Estas caractersticas variaram de pessoa para pessoa? Consegue traaro desenvolvimento dos seus papis dentro do grupo? Qual das suas Bonecas Russas se exprimiu empblico, e a que momento do seminrio?

    Apesar de podermos tentar controlar o modo como somos interpretados pela orma como representamosa nossa identidade, refectir na maneira como interpretamos os outros pode constituir um indicador doquo bem sucedidos podemos ser.

    H pouco, usmos a metora do sotwarepara alar de cultura. Pense em algumas pessoas que conhece bemdo seu grupo de trabalho com jovens. Quando se conheceram inicialmente, oi possvel l-las com a poucainormao e contacto limitado que tinham estabelecido? Quais os esteretipos e categorias de interpretaoque lhe oram ornecidos pelo seu sotware? Vericaram-se algumas dessas interpretaes? Conseguiu per-ceber a leitura que aziam de si, e em caso armativo, tentou adaptar ou reorar algum ponto?

    Estes processos de negociao de identidade so ulcrais para a compreenso da dinmica de grupos cultu-rais. As pessoas com biograas scio-culturais complexas tendem a projectar e interpretar-se mutuamente tentamos identicar-nos e identicar as outras pessoas. No estamos habituados a mover-nos no vazioe por isso que conseguimos ornecer estruturas slidas de leitura a partir do mnimo de inormao. Osocilogo rancs Roland Barthes armou que estes sinais na sociedade tm um nvel denotativo e cono-tativo. Assim, quando vemos uma cadeira, isso no denota apenas o objecto do nosso quotidiano, masconota (sugere) tambm todas as cadeiras que j vimos, que conhecemos, com as quais sonhmos, emque nos sentmos, que odimos. Da mesma maneira, os ormandos portadores de sinais complexos podemser imediatamente interpretados, apesar de termos pouca ou nenhuma inormao pessoal sobre eles. Osesteretipos so assim uma nova orma de gerir a complexidade e os problemas surgem quando no temosacesso a nenhuma nova ou estimulante inormao no nosso sotware.

    Esta viso implica tambm que ns estamos constantemente a comunicar inormao cultural, e que a

    comunicao mais infuente acontece ora da linguagem alada. No entanto, quando as pessoas alama mesma lngua, desenrolam-se processos culturais semelhantes. Tambm encontramos os conceitos dedenotao e conotao na linguagem; logo, um grupo pode partilhar um mesmo vocabulrio, mas essevocabulrio pode ter conotaes pessoais e culturais subtis que so extremamente diceis de identicar.Quando as pessoas discutem, por exemplo, a justia, podem no s ter conceitos dierentes de justia,como tambm a orma como aprenderam a usar o conceito de justia pode ser dierente de uma comuni-dade lingustica para outra.

    A interpretao envolve sempre algum tipo de avaliao. Um bom exemplo a orma como podemosinterpretar o estilo de vestir de cada um. Permite-nos no s azer o download de inormao, mastambm avaliar essa inormao de dierentes ormas - veja-se por exemplo, uma cabea rapada. As cono-taes deste estilo no so apenas associaes neutras, mas esto sobretudo relacionadas com os nossosvalores relativamente ao mundo que nos rodeia. Os nossos downloads culturais esto carregados de pre-

    conceitos; ou seja, a possibilidade de tecer juzos de valor com pouca inormao. Considere novamenteuma situao de ormao: qual o tipo de pessoa pela qual se sente inicialmente atrado(a), e porqu?Para quem que nunca olha?

  • 7/29/2019 ESSENCIAL DA FORMAO [UE - 2001]

    27/130

    Mochila Pedaggicasobre

    O Essencial da Formao

    27

    At ao momento, esta seco passou em revista os actores identicados como culturais quando um grupose rene. No nos devemos esquecer de que estes padres de resposta culturais no esto predetermina-dos, mas que so altamente infuenciados pelo grupo em si mesmo. Stuart Hall reeria-se aos grupos emtermos de ormaes discursivas, querendo com isto dizer que os dierentes aspectos das identidades dosparticipantes as bonecas russas se articulam de maneira dierente uns com os outros, dependendo docontexto, da vida do grupo, do momento que esto a atravessar, e por a adiante. Os elementos determi-nantes da nossa identidade e cultura no se apresentam numa ordem xa, mas o seu nvel de importnciapode ser alterado dependendo da orma como interpretamos a situao e da orma como sentimos que asnossas interpretaes vo ser percepcionadas e avaliadas. Pense, por exemplo, em dierentes discussessobre o mesmo tpico que tenha tido em dierentes ormaes. As suas contribuies, ideias ou posiesvariaram? Como? O que que lhe parece que contribuiu para que isso acontecesse?

    1.3.3 Aprendizagem Intercultural?

    De uma maneira geral, a aprendizagem intercultural pode ser vista como uma resposta losca e educa-tiva complexidade das situaes culturais. Um ponto de que no nos podemos esquecer em relao aosprocessos discutidos anteriormente que a nossa cultura, independentemente da maneira como a conce-bemos, legitima as nossas interpretaes e avaliaes da realidade social, reconhecendo-as como normaise naturais. As pessoas vivem, e nessa dinmica de vida, todos os dias interpretam e processam quantidadesmassivas de inormao cultural, e s o conseguem porque conam nas suas estruturas interpretativas. no quadro destas certezas que a dierena e os outros podem ser avaliados negativamente, e podemmesmo ser encarados como ameaas. E no precisamos de procurar muito para encontrar estes processosem movimento nas sociedades que nos rodeiam.

    Seria muito estranho se o sistema losco e o verdadeiro sistema do cosmos tivessem surgido na Prssia.Este po