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ESSLIM, Martin - Uma Anatomia Do Drama(1)

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Anatomia do drama

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  • Livros de interesse relacionado

    METATEATROLionel AbelUma viso inteiramente nova e rcvolucion ri I li Iorm Idramtica, elaborada por um dramatur 'o laur 'ado ' r ticoteatral renovador; atuando nas principais puhlica norte-americanas de vanguarda.

    fORMAS DA LITERATURA ORAM TI(Ronald PeacockProfunda anlise do teatro, de sua relao com as outr ISartes e da mecnica da expresso criadora. Um livro cujointeresse no se limita arte cnica, valendo tamb mcomo uma pesquisa esttica da literatura, poesia m i .

    O TEATRO DO ABSURDOMartin EsslinDefinio do chamado teatro do absurdo pela apresentaoda obra de algumas de suas figuras exponenciais, almda anlise e elucidao do significado e objetivo de suaspeas mais importantes.

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    ZAHAR

    ~ cullur a aEDITORES

  • UMA ANATOMIA DO DRAMA

    Por que razo os que se interessam por 'Arte recorrem ao drama e no a qualqueroutra forma de comunicao? Qual anatureza subjacente da forma dramtica e oque que a dramaturgia pode expressarmelhor do que qualquer outro veculo decomunicao humana?

    Eis algumas das perguntas a que MARTINESSLlN procurou responder neste livro.E esclarece: "Ao escrev-lo, tentei manter oesprito liberto das muitas teorias e dosmuitos sistemas de esttica com os quaisestou por demais familiarizado em funodo meu trabalho como crtico e estudioso doTeatro. .Esforcei-me, pelo ,contrrio, atonde era humanamente possvel, por apoiareste estudo em minha experincia' prticacomo diretor dramtico".

    Vma Anatomia do Drama comea pordefinir o que drama. Mostra at que pontoqualquer drama est profundamenteenraizado na sociedade. Como o teatro uma experincia coletiva, da qual a reaodo pblico uma parte vital, ele podeser usado no s para propagar mas tambmpara testar objetivamente certas verdadessobre ns mesmos.

    o autor explora ainda a conexoentre sociedade e teatro, a natureza da ilusodramtica, a relao entre o estilo dodramaturgo e o desempenho do ator, e olugar do palco entre os outros meios decomunicao. Em suma, ,.9 livro oferece-nos,em termos de uma clareza magistral, uma

    (Continua na 2.' aba)

    UMA ANATOMIA DO DRAMA

  • TEATRO E CINEMA

    Volumes publicados:Metateatro, Lionel AbelO Teatro Engajado, Bric BentleyO Teatro de Protesto, Robert BrusteinO Cinema como Arte, Ralph Stepbenson e J. R. DebrixO Teatro do Absurdo, Martin EsslinFormas da Literatura Dramtica, Ronald PeacockReflexes de um Cineasta, Serguei EisensteinO Teatro de Brecht, John Willett

    !I~,II

    1

    MARTIN ESSLIN

    UMAANATOMIADO DRAMA

    Traduo deBARBARA HELIOOORA

    ZAHAR EDITORESRIO DE JANEIRO

  • Ttulo original:An Anatom1l 01 Drama

    Traduzido da primeira edio inglesa, publicada em 1976 porMAURICE TEMPLE SMITH LTD., de Londres, Inglaterra

    Copyright 1976 by Martin Esslin

    capa deJANE

    1978

    Direitos para a lngua portuguesa adquiridos porZAHAR EDITORES

    Caixa Postal 207, ZC-OO, Rioque se reservam a propriedade desta verso

    Impresso no Brasil

    ; ",

    /

    fNDICE

    Prefcio

    1. Definies e delimitaes .2. A natureza do drama .3. O drama como experincia coletiva: O ritual .4. Estilo e caracterizao .5. A estrutura do drama .6. O vocabulrio crtico .7. Tragdia, comdia, tragicomdia .8. O palco e os meios de comunicao de massa .9. Iluso e realidade .

    10. O drama e a sociedade .11. A verdade do drama .

    7111626374760738494

    10l115

  • Prefcio

    Muito se tem escrito a respeito do teatro e do drama: eboa parte disso tem sido rica em percepes sutis, teoriasbrilhantes e descobertas esclarecedoras sobre a estruturae significao de peas. No entanto, uma questo bscaainda continua em aberto: por que haveriam os que seocupam com arte de buscar o drama em vez de qual-quer outra forma de comunicao, qual ser a naturezasubjacente, bsica, da forma dramtica e o que ser que odrama pode expressar melhor do que qualquer outroveculo de comunicao humana?

    Essa a questo que tentei responder neste livro. Aoescrev-lo, tentei manter minha mente liberta das muitasteorias e dos muitos sistemas de esttica com os quaisestou por demais familiarizado em funo de meu traba-lho como critico e estudioso voltado para o drama.Bus-quei, ao contrrio, calcar-me na medida mxima do hu-manamente possvel em minha experincia prtica comodiretor de dramas. Uma coisa um estudioso asseverarque tal ou qual pea fascinante, outra porm, muito di-versa, tomar efetivamente a resoluo de lev-la parao terreno da produo e oferec-la ao pblico. Como chefe

  • 8 UMA ANATOMIA DO DRAMA PREFCIO 9

    de uma unidade de produo responsvel por cerca demil decises desse tipo por ano (o departamento de ra-dioteatro da BBC), muito natural que o segundo aspecto,com suas consideraes prticas e pragmticas, prevale-a em mim. Como diretor militante, sou igualmente com-pelido a pensar nas peas com que me defronto em ter-mos mais de prtica do que de teoria: o que fazer paraque juncumem. A maior parte das decises prticas e prag-mticas dessa natureza baseia-se numa experincia . quej se tornou segunda natureza e que opera quase queao nvel do subconsciente. O que tentei fazer aqui foi ele-var o contedo essencial desse conhecimento instintivo,experimentado, ao nvel de uma conscientizao capaz -espero -'-de ser comunicada.

    No pretendo afirmar que as vises que esta minhatentativa possa ter produzido difiram essencialmente da-quilo que j aceito pela doutrina acadmica. possvel,porm, que o processo de raciocnio e a evocao de expe-rincias passadas por meio das quais elas foram atingidas

    .possam fazer com que vises j consagradas apaream sobnova luz; e at mesmo que alguns ngulos novos consi-gam ampliar sua compreenso. Onde minhas conclusesdiferem do pensamento acadmico j consagrado, elastalvez possam conduzir adoo de um novo enfoque emrelao a alguns de seus aspectos; afinal, as teorias de-vem, de tempos em tempos, ser testadas por meio daexperincia prtica.

    Ao mesmo tempo, exatamente porque tentei restrin-gir-me a consideraes simples e bsicas, espero que olivro possa servir como uma introduo til tanto ao estu-do quanto prtica do teatro.

    O primeiro impulso no sentido de escrever esse tipode introduo veio-me quando fui convidado pela Univer-sidade Aberta para participar, com algumas palestras, emseu curso de Arte Dramtica. Sou grato Dra. -Relen

    ~\

    . ..

    Rapp, do departamento da Universidade Aberta da BBC deLondres, que atuou como produtora dessas palestras radio-fnicas, auxiliando-me grandemente com seus conselhose crticas.

    Londres, abril de 1976MARTIN ESSLIN

  • 1 Definies e delimitaes

    Muitos milhares de volumes tm sido escritos a respeitodo drama e, no entanto, parece no existir uma definiodo termo que seja universalmente aceita. "Uma composi-o em prosa ou verso", diz minha edio do DicionrioOxford, "adaptvel representao em um aplco, na qualuma histria relatada por meio de dilogo e ao, e que representada com acompanhamento de gestos, figurinose cenrios, como na vida real; uma pea." Esta definiono s prolixa e canhestra; tambm positivamente in-correta. "Uma composio em prosa ou verso" parece im-plicar um texto previamente composto, de modo que taldefinio no possa ser aplicada ao espetculo dramticoimprovisado; " na qual uma histria relatada pormeio de dilogo ": o que sero, ento, aqueles fascinan-tes dramas em pantomima com os quais eram entretidasmultides parisienses no sculo XIX, ou que artistas comoMarceI Marceau continuam a oferecer-nos hoje em dia?" ... adaptvel represeniaa em um palco ... ": o quedizer do drama na televiso, no rdio ou no cinema?" .. , representada com acompanhamento de gestos, figu-rinos e cenrios ... ": gestos, sim; porm j tenho vistomuito drama bom sem figurinos e sem cenrios! " . .. comona vida real . . .": bem, isto j ir um pouco longe demais.

  • DEFINIES E DELIMITAES 13

    Parece pressupor que todo drama tem de ser realista. Serque Esperando ooaot ou, nesse caso, A Viva Alegre socomo a vida real? E, no entanto, ambos so dramas, semsombra de dvida.

    Outras definies de dicionrio que consultei resulta.ram igualmente enganadoras e incorretas. Pois o fato que a arte - atividade, anseio humano ou instinto - quese corpirifica no drama to profundamente emaranhadana prpria natureza humana, e em tal multiplicidade deinquietaes humanas, que praticamente impossvel tra-ar uma linha divisria precisa no ponto ,em que terminauma espcie de atividade mais geral e comea o dramapropriamente dito.

    Pode-se, por exemplo, encarar o drama como manifes-tao do instinto de jogo: as crianas que brincam de Pa-pai e Mame ou de Mocinho e Bandido esto, de certa for-ma, improvisando um drama. Ou podemos ver o dramacomo manifestao de uma das primeiras necessidades so-ciais da humanidade, a do ritual: danas tribais, ofcios re-ligiosos, grandes cerimnias de Estado, tudo isso contmfortes elementos dramticos. Ou podemos encarar o dra-ma como algo que se vai ver, que est sendo apresentadoe organizado como algo que deve ser visto, um espetculo:em grego, teatro (theatron) significa um lugar onde se vaiver alguma coisa: a entrada triunfal de um imperadorvitorioso em Roma continha elementos dramticos, assimcomo os combates de gladiadores ou entre cristos e lees,ou as execues pblicas, bem como todos os esportes queatraem espectadores. Nenhuma dessas atividades pode serconsiderada como drama em seu sentido adequado, pormas linhas divisrias entre elas e o drama so, na verdade,extremamente fluidas: ser que deveramos considerar umcirco no qual acrobatas exibem sua proeza fsica comouma atividade esportiva? E o que fazer, ento, com ospalhaos que realizam acrobacias em conjunto com suaspequenas cenas farsescas? Ou dos cavaleiros que deixam

    12 UMA ANATOMIA DO DRAMAevidente sua destreza em assaltos simulados a diligncias?Johann Wolfgang von Goethe, o prncipe do poetas ale-mes, demitiu-se de seu cargo de diretor artstico do Tea-tro da Corte de Weimar em protesto contra uma pea naqual eram apresentadas as proezas de um co amestrado. possvel que ele tenha tido toda razo ao faz-lo, mesmoassim,' porm, no seria sua definio de drama um ' tantoestreita? Ser que o drama deixa de ser drama no mo-mento em que nem todos os seus atores so seres huma-nos? ,O que ser, ento, do teatro de bonecos ou de som-bras (como os de Java), o que ser dos desenhos anima-dos nos quais os atores so meros desenhos?

    Talvez devssemos tentar chegar definio do dra-ma por esse ngulo: no h drama sem atores, estejameles presentes em carne e osso ou sejam apenas sombrasprojetadas em uma tela, ou bonecos. "Fico representa-da" 'poderia ser uma definio breve e percuciente dedrama) 'se no exclusse o drama documentrio, que ,umarealidade representada. Ser que "uma forma de arte ba-seada em ao mimtica" seria mais satisfatrio? Mas te-mos, de lembrar-nos de que existem bals abstratos e, naverdade, filmes de animao que, muito embora perma- :nearn ao, no so, estritamente falando, mmtcos.Ser que ainda so drama? De certo modo, sim; de outro,no. ..

    As definies - e o pensar a respeito ,de definies -so coisas valiosas e essenciais, porm jamais devem sertransformadas em absolutos; quando o so, transformam..se em :obstculos "ao desenvolvimento orgnico de novasformas, experimentao e inveno. precisamenteporque ' uma atividade como o drama tem delimitaesfluidas que ela pode renovar-se continuamente a partir

    * A traduo exata de "enacted fiction" impossvel; to enact querdizer literalmente tornar ao e, no original, h todo tipo de ligaocom to oet (agir), que ns chamamos de representar ou interpretar.

    (~ da~) .

  • 14 UMA ANATOMIA DO DRAMA DEFINiES E DELIMITAES lS

    de fontes que, at aquele momento, haviam sido conside-radas como residindo para alm de seus limites. No im-porta realmente se o circo ou o teatro de variedades, odesfile cvico ou o concerto pop ainda podem ser ou noestritamente definidos como formas de drama. O que certo que a arte do drama tem recebido, dessas mani-festaes, inspiraes e impulsos importantes e, por vezes,de avassaladora significao. E, de modo semelhante, dasformas mais estritamente definidas do drama podem apa-recer novos desdobramentos, como o happening ou Oss1wws de multimedia. Haver muita discusso sobre seestes ltimos ainda podero, ou no, ser chamados de dra-ma; tais discusses sero valiosas no processo do esclare-cimento de idias e mtodos, porm seu resultado pro-priamente dito - sero eles drama ou no - ter relati-vamente pouca importncia.

    Existe, no entanto, um ponto bsico, de importnciafundamental, que precisa ser salientado porque, emborabvio, continua a ser persistentemente ignorado, parti-cularmente por aqueles que, como crticos e professoresem cursos regulares de drama, so os guardies de suahistria e tradio: e esse ponto que o teatro - dramapara palco - , na segunda metade do sculo XX, apenasuma das formas - e forma relativamente menor - daexpresso dramtica, e que o drama mecanicamente re-produzido dos veculos de comunicao de massa (o ci-nema, a televiso, o rdio), muito embora possa diferirconsideravelmente em virtude de suas tcnicas, tambm fundamentalmente drama, obedecendo aos mesmos prin-cpios da psicologia da percepo e da compreenso dasquais se originam todas as tcnicas da comunicao dra-mtica.

    O drama como tcnica de comunicao entre sereshumanos partiu para uma fase completamente nova dedesenvolvimento, de signicao realmente secular emuma era que o grande crtico alemo Walter Benjamin

    caracterizou como sendo a da "reprodutividade tcnica daobra de. arte. Aqueles que ainda consideram o teatro comoa. nica forma verdadeira do drama podem" ser compara-dos aos contemporneos de Gutenberg que S admitiamcomo livro verdadeiro aquele que era manuscrito. Atravsdos veculos de comunicao de massa, o drama transfor-mou-se em um dos mais poderosos meios de comuncaaoentre os seres humanos, muito mais poderoso do que amera palavras impressa que constituiu a base da revoluode Gutenberg.

    :In por isso que um certo conhecimento da natureza do.drama, uma certa compreenso de seus princpios funda.mentais e suas tcnicas, bem como a necessidade de sepensar e falar a respeito dele criticamente, tornaram-se,em verdade, exigncias do nosso mundo. E isso no seaplica apenas a obras grandiosas do esprito humano, taiscomo as peas de Sfocles ou de Shakespeare, mas tam-bm comdia de situaes da televiso ou at mesmo mais breve de todas as formas dramticas, o comercialde rdio ou televiso. Vivemos cercados pela comunicaodramtica em todos os pases industrializados de hoje emdia; deveramos ser capazes de compreender e analisarseu impacto sobre ns mesmos - e sobre nossos filhos.A exploso das formas dramticas de expresso confron-ta-nos a todos com riscos considerveis de sermos escra-vizados por formas insidiosas de manipulao sublmnarde nossos conscientes; mas, tambm, com imensas opor.,tundades criativas.

  • A NATUREZA no DRAMA 17

    2 A natureza do drama

    Em grego, a palavra drama significa apenas ao. Drama ao mimtica, ao que imita ou representa comporta.mentos humanos ( exceo dos poucos casos extremos deao abstrata que j mencionei). O que crucial a n-fase sobre a ao. De modo que o drama no simples-mente uma forma de literatura (muito embora as pala-vras usadas em uma pea, ao serem escritas, possam sertratadas como literatura). O que faz com que o drama sejadrama precisamente o elemento que reside fora e almdas palavras, e que tem de ser visto como ao......,. ourepresentao - para que os conceitos do autor alcancemsua plenitude.

    Ao falarmos a respeito de uma forma de arte - e aotentarmos usufruir dela um mximo de prazer e enrque-cimento - de importncia fundamental compreenderem que essa forma de arte especfica poder contribuirpara a soma total do instrumental de expresso do ho-mem, bem como, na verdade, para sua capacidade deconceituao e pensamento. Se em msica lidamos coma capacidade do som em fazer-nos recriar o fluxo e o

    Novamente, h um problema com o termo em portugus. O autordiz "acted", isto , agido. A palavra representar ter sempre tal sen-tido. (N. da T.)

    \

    refluxo da emoo humana; se na arquitetura e na escul-tura somos capazes de explorar as potencialidades expres-sivas da organizao dos materiais e das massas no espa-o, se a literatura preocupa-se com os modos pelos quaissomos capazes de manipular - e reagir a - linguagem econceitos; se a pintura, em ltima anlise, concerne aosrelacionamentos e ao impacto de cores, formas e texturassobre uma superfcie plana, qual ser, ento, a provnciaespecffica do drama? Por que, por exemplo, haveramosde representar um incidente, em vez de apenas contar umahistria a respeito?

    Permitam-me comear com um depoimento absoluta-mente pessoal. Nas dcadas de 40 e 50, eu trabalhei comoautor de roteiros para o Servio Europeu da BBC. OS pro-gramas que se esperava que escrevssemos tinham comoobjetivo dar a um grande nmero de ouvinte que nofalava ingls uma idia do que. fosse a vida na Inglaterra.Esperava-se que fossem programas documentrios, o maisprximo possvel da realidade. Contudo, se quisssemos.por exemplo, descrever como funcionava uma agncia deempregos, em razo da barreira da lngua entre nossosouvintes e a vida na Inglaterra, no nos era possvel sim-plesmente sair de gravador em punho e produzir umagravao das inmeras coisas que aconteciam ali. Lem-bro-me de me terem mandado fazer um programa exata-mente assim. Visitei uma agncia de empregos e tqueimpressionado com a mescla de formalidade burocrtica.cortesia e bondade genuna por parte dos funcionrios p-blicos que l trabalhavam.

    Como poderia transmitir da melhor maneira possvelminhas impresses? Poderia ter escrito uma descrio pu-ramente literria, discursiva, mais ou menos assim:

    o funcionrio pede ao candidato ao empregoque lhe d as Informaes relevantes. No dei-xa de ser amigvel, embora mantenha certa re-

  • 18 UMA ANATOMIA no DRAMA A NATUREZA no DRAMA 19

    I

    serva e distncia; ao mesmo tempo, porm, tor-na-se perfeitamente aparente, pelo tom de vozque usa, que ele est realmente interessado emauxiliar a pessoa que est sua frente ...

    E assim por diante. Tal descrio jamais seria muitoconvincente, porque sempre soaria como uma interpreta-o bastante especiosa de intenes puramente propagan-dsticas. E seria, tambm, extremamente prolixa - umainterminvel anlise psicolgica. Em vez disso, resolvi dra-matizar a cena:

    FUNCIONRIO: Sente-se, por favor.CANDIDATO: Obrigado.FUNCIONRIO: Vamos ver. Seu nome ... ?CANDIDA'DO: John Smith.FUNCIONRIO: E seu ltimo emprego foi de ...CANDIDATO: Torneiro mecnico.FUNCIONRIO: Compreendo.

    E assim por diante. Quando esse pequeno dilogo re-presentado no esprito adequado, o tom de voz - a re-presentao, a ao - transmite incomparavelmente maisdo que as palavras que efetivamente so ditas. Na reali-dade, as palavras (o componente literrio do fragmentodramtico) so secundrias. A informao real transmi-tida pela pequena cena quando representada reside norelacionamento, na interao de dois personagens, pelomodo como reagem um ao outro. Mesmo no rdio isso eracomunicado apenas por meio do tom de voz. No palco, omodo de os olhares se encontrarem ou no, o modo peloqual o funcionrio pode indicar uma cadeira ao convidaro candidato a sentar-se, seriam igualmente significativose importantes. Nas pginas do roteiro, esse pequeno di-logo transmite apenas uma pequena frao do que a cenarepresentada expressar. Isso ilustra a importncia dos.atores e diretores na arte do drama. E indica tambm v

    'uto de que um dramaturgo realmente bom precisa deuma enorme habilidade para transmitir o clima dos -gee-lOI, do tom de voz que deseja de seu atores atravs dos

    dhUogos que escreve. Tais consideraes conduzem-nos,porm, a reas muito mais tcnicas e complexas. De me-mento, permaneamos com os conceitos bsicos.

    Nas artes, como na filosofia, o princpio da navalhade Occam continua a ter validade permanente - a ex-presso de pensamento mais econmica, a que consumirmenos tempo, a mais elegante, ser a mais prxima daverdade. Para expressar climas imponderveis, tenses esimpatias ocultas, as sutilezas dos relacionamentos e dainterao humanos, o drama incomparavelmente o meiodQ expresso mais econmico..

    Raciocinemos nos seguintes termos: um romancistatem de descrever o aspecto de seu personagem. Numa pe-a, a aparncia e o aspecto do personagem so imediata-mente transmitidos pelo corpo do ator, suas roupas e suamaquilagem. Os outros elementos visuais do drama, oquadro da ao, o ambiente no qual ela se desenrola, po-dem igualmente ser instantaneamente comunicados peloscenrios, a iluminao, as marcaes dos atores no palco.(O mesmo se aplica ao cinema e ao teleteatro.)

    Estas so as consideraes mais primrias. Muito maisprofundo, muito mais sutil, o modo pelo qual o drama capaz de operar simultaneamente em vrios nveis. Aliteratura discursiva, o romance, o conto, o poema ptco,operam, a cada dado momento, apenas segundo uma ni-ca dimenso. Sua narrativa linear. Complexidades taiscomo a ironia e o ouble-take esto naturalmente aoalcance dos escritos discursivos, mas tm de ser construi-dos mediante o acmulo do panorama global pela adio

    , 'lo No h expresso em portugus para esse recurso cnico em queA v B, passa adiante o olhar e s6 ento percebe quem , voltando-aorpido j o mesmo recurso pode ser usado em relao a uma fala, Icompreendida na "segunda tomada". (N. da T.)

  • 20 UMA ANATOMIA DO DRAMA A NATUREZA DO DRAMA 21

    sucessiva de elementos. E h um alto grau de abstraoem qualquer histria narrada de tal modo: o autor podeser visto constantemente a trabalhar na seleo de seumaterial, a decidir-se a respeito do elemento a ser intro-duzido a cada etapa. O drama, por ser uma representaoconcreta de uma ao medida que ela efetivamente sedesenrola, capaz de mostrar-nos vrios aspectos simul-tneos da mesma e tambm de transmitir, a um s tempo,vrios nveis de ao e emoo. Por exemplo, uma linhade dilogo como "Bom dia, meu querido amigo!" pode serdita em grande variedade de tons de voz e expresses. Se-gundo esses tons, a platia pode perguntar-se se a pessoaque disse tais palavras foi sincera, se usou-as com sarcas-mo ou se no haveria nelas at uma nota de hostilidadeoculta. Num romance, o autor teria de dizer algo assim:

    "Bom dia, meu querido amigo" - disse ele. MasJack teve a impresso de que ele realmente noqueria dizer exatamente aquilo. Estaria ele sen-do sarcstico, perguntou-se, ou estaria reprimin-do alguma hostilidade profundamente sentida...

    A forma dramtica de expresso deixa o espectador livrepara decidir por si mesmo a respeito do subtexto escon-dido por trs do texto ostensivo - em outras palavras,ela o coloca na mesma situao em que se encontra o per-sonagem a quem so dirigidas aquelas palavras. E porisso mesmo permite que o espectador experimente dre-tamente a emoo do personagem, em vez de ter que ace ,tar uma simples descrio dele. Alm do mais, essa ne-cessidade de os espectadores decidirem" por si mesmoscomo interpretar a ao acresce ao suspense com que aplatia acompanhar a histria. Ao invs de serem infor-mados a respeito de uma situao, como inevitavelmenteacontece ao leitor de um romance ou conto, os espectado-res do drama so efetivamente colocados dentro da si-

    1,IuuJno em questo, sendo diretamente confrontados com(Ilu.

    De modo que podemos dizer que o drama a formamuls concreta na qual a arte pode recriar situaes e rela-eonamentos humanos. E essa sua natureza concreta de-riva do fato de que, enquanto que qualquer forma narra-tiva de comunicao tende a relatar acontecimentos quetie deram no passado e j esto agora terminados, a con-cretividade do drama acontece em um eterno presente doindicativo; no ento e l, mas agora e aqui.

    H uma aparente exceo a essa idia: a tcnica mo-derna do monlogo interior, no qual o romanc sta

  • 22 UMA ANATOMIA DO DRAMA A NATUREZA DO DRAMA 23

    Ora, a diferena entre a realidade e o jogo dramtico a de que o que acontece na realidade irreversvel, en-quanto que em uma pea, que um jogo, possvel come-ar-se tudo de novo, da estaca zero. Uma pea um s,mulacro da realidade. Isso, longe de fazer de uma peaum passatempo frvolo, na realidade sublinha a imensaimportncia de toda atividade ldica para o bem-estar edesenvolvimento do homem.

    As crianas brincam para familiarizar-se com os es-quemas de comportamento que tero de usar e vivenciarna vida, na realidade. Os filhotes de animais brincampara aprender a caar, a fugir, a orientar-se. Toda ativi-dade ldica desse tipo essencialmente dramtica, por-que consiste em mimese, em imitao de situaes davida real e de esquemas de comportamento. O instinto l-dico uma das foras bsicas da vida, essencial sobre-vivncia do indivduo tanto quanto da espcie. De modoque o drama pode ser considerado como mais do quemero passatempo. Ele profundamente ligado aos compo,nentes bsicos de nossa espcie.

    possvel objetar que isso verdade quando se falado jogo das crianas e dos .animais; mas pode-se dizer omesmo a respeito de uma comdia de Noel Coward ou umafarsa da Broadway?

    Eu argumentaria que, por estranho que parea, o caso exatamente o mesmo, por mais indiretamente que seja,ou por maior que seja o nmero de diferenciaes neces-srias.

    Encaremos o problema do seguinte modo: em seu jo-go, as crianas experimentam e aprendem os papis (no-tem a terminologia, que vem do teatro) que desempenha-ro na vida adulta. Boa parte dos debates atuais a res-peito da igualdade para as mulheres, por exemplo, estligada demonstrao de que as menininhas recebemuma espcie de lavagem cerebral que as reduz a uma po-sio de inferioridade ao aprenderem um determinado tipo

    uo comportamento feminino na infncia, em grande partepor serem levadas a jogar (brincar) de modo diferenteelos meninos. Se esse o caso, igualmente evidente quen socedade continua a instruir (ou, se preferem, a aplicarlavagens cerebrais) seus membros nos diferentes papissociais que tero de desempenhar atravs de suas vidas.() drama um dos mais poderosos instrumentos desse pro-cesso de instruo ou lavagem cerebral - os soclogoschamam a isso o processo por meio do qual os ndv duoslnternalizam seus papis sociais.

    As formas dramticas de apresentao - e em nossasociedade todo e qualquer indivduo submetido a elasdiariamente por intermdio dos veculos de comunicaode massa - so um dos principais instrumentos por meiodos quais a sociedade comunica a seus membros seuscdigos de comportamento. T,al comunicao funcionatanto pelo estmulo imitao quanto pela apresentaode exemplos de comportamento que devem ser evitados ourepudiados. Mas s vezes ocorrem casos graves de linhascruzadas: o filme sobre aneters, que foi concebido parademonstrar que o crime no compensa, pode, na verdade,demonstrar a um gangster em potencial como deve proce-der na prtica. Mas seja por estmulo ou repdio, pelaatividade vicria do jogo (que o que o drama representa,parao adulto) que muitos desses esquemas de comporta-mento so transmitidos, de forma positiva ou negativa.

    A comdia de ambiente requintado Noel Cowardtambm transmite claramente esquemas de comporta-mentosob a forma de costumes, normas sociais e cdigossexuais exibidos; e mesmo a farsa de adultrio, ao fazercom que se ria dos chocantes maus passos de clrigos en-contrados em bordis, tambm refora cdigos de com-portamento. O riso uma forma de liberao de ansieda-des subconscientes. A farsa, como espero demonstrar maistarde, trata das ansiedades nutridas por muita gente emtorno de possveis deslses de comportamento aos qua1l

  • 24 UMA ANATOMIA DO DRAMA A NATUREZA DO DRAMA 25

    as pessoas podem ficar expostas por intermdio de vriostipos de tentao.

    Mas alm de tudo isso, o drama pode ser mais doque um mero instrumento por meio do qual a sociedadetransmite a seus membros normas de comportamento. Elepode tambm ser instrumento de reflexo, um processocognitivo.

    Pois o drama no apenas a mais concreta - isto .a menos abstrata - imitao artstica do comportamentohumano real, mas tambm a forma mais concreta na qualpodemos pensar a respeito de situaes humanas. Quantomais alto o nvel de abstrao, mais remoto da realidadehumana se torna o pensamento. uma coisa argumentarque, por exemplo, a pena de morte possa ser eficaz ouineficaz, e outra .bem diversa traduzir esse conceito abs-trato, que pode ser corroborado por estatsticas, em termosde realidade humana. Isto s poderemos fazer imaginan-do o caso de um ser humano que esteja envolvido com apena de morte - e o melhor caminho para faz-lo ser.escrever uma pea a respeito e represent-la. No ape-nas por coincidncia que as cpulas pensantes que ten-tam elaborar planos de ao para as mais variadas con-tingncias futuras, tais como epidemias ou guerras nu-cleares, o faam em termos de elaborao de cenrios (ro-teiros cinematogrficos) para a possvel seqncia dosacontecimentos. Em outras palavras, eles traduzem suasestatsticas, seus dados de computador, para a forma dra-mtica, para situaes concretas que precisam ser repre-sentadas com a incluso de todos os mponder ves, taiscomo as reaes psicolgicas dos indivduos que partici-pam do processo decisrio.

    A maior parte do drama srio, desde as tragdiasgregas at Samuel Beckett, compartilha dessa natureza.Trata-se de uma forma de filosofar, em termos no abs-tratos mas concretos; no jargo contemporneo da filoso-fia, diramos em termos existenciais. significativo que

    um filsofo existencialista da importncia de Jean-PaulSartre se tenha sentido compelido a escrever peas bemcomo romances. A forma dramtica era o nico mtodopelo qual ele poderia dar forma a algumas das implicaesconcretas de seu pensamento filosfico abstrato.

    Bertolt Brecht, um marxista, tambm encarava o dra-ma como um mtodo cientfico, o teatro como um labora-trio experimental concebido para se testar comporta-mcitos humanos em certas circunstncias dadas. "O queaconteceria se . . . ?" a premissa da maioria das peasdessa natureza. A maior parte dos problemas Sociais dos.ltimos cem anos foram no s divulgados como tambmefetivamente investigados nas peas de escritores comoIbsen, Bernard Shaw ou Brecht; muitos problemas filo-sficos profundos tiveram tratamento semelhante nas,obras de Strindberg, Pirandello, Camus, Sartre e Beckett.

    Porm - ser possvel objetar - em uma pea taisproblemas so solucionados arbitrariamente, segundo oscaprichos de um dramaturgo, enquanto que em um labo-ratrio eles so testados objetivamente.

    Estou convencido de que tal possibilidade existe igual,mente no teatro; pois, tambm no teatro, h maneiras ob-jetivas de se testar experincias de comportamento hu-mano.

  • o DRAMA COMO EXPERI~NCIA COLETIVA 27

    3 O drama como experincia coletiva: o ritual

    o drama, portanto, pode ser encarado como uma formade pensamento, um processo cognitivo, um mtodo pormeio do qual podemos traduzir conceitos abstratos emtermos humanos concretos ou pelo qual podemos armaruma situao e descobrir suas conseqncias (por exem-plo: o que aconteceria se o amor extraconjugal se tornas-se um crime capital, como em Medida por Medida, de Sha-kespeare) .

    Entretanto, no tero o dramatista, o diretor, os ato-res, um controle to completo da experimentao drama-tica desse tipo que possam determinar arbitrariamenteseus resultados, fazendo-a sair exatamente como o quei-ram? E como, se tal for o caso, poder o drama ser con-siderado como um modo de se testar as conseqncias eimplicaes de uma situao dada?

    O autor e os intrpretes so apenas metade do pro-cesso total: a outra metade composta pela platia e suareao. Sem platia no existe drama. Uma pea que no encenada apenas literatura. Quando encenada, ou apea funciona ou no, o que quer dizer que"ou o pblicoa considera aceitvel ou no. Como tentei demonstrar nocaptulo anterior, o drama compele o espectador a deci,frar o que v no palco exatamente do mesmo modo pelo

    qual busca encontrar o sentido ou a interpretao paraqualquer acontecimento que encontre em sua vida parti-cular. Ele v e ouve o que o fantasma diz a Hamlet e,elo mesmo modo que o prprio Hamlet, tem de decidirse o fantasma autntico ou apenas um mau espritoenviado para tentar Hamlet para o pecado. De modo queo espectador levado a experimentar o que se passa como personagem que est no palco . E dentro de pouco tempoele estar apto a julgar se a experincia transmite umasensao autntica. Em outras palavras, qualquer coisaque o autor e os atores apresentem ao pblico conseguir

    - . 'ou nao, ser convmcente.Isso no quer dizer que a platia tem a obrigao,

    por assim dizer, de concordar com Nora em Casa deBonecas, de Ibsen, quando ela julga que deixar a casa domarido a coisa mais certa a ser feita; mas o pblicosem dvida poder sentir se a situao conjugal armadapor Ibsen , como situao, basicamente real ou no. Mes-mo aqueles que fizerem violentas objees ao de Noratero sido compelidos a reformular sua atitude em relaoao casamento, a repens-lo em termos do problema queconfronta Nora e seu marido. Alm do mais - e esta uma .das caractersticas mais atraentes e misteriosas dodrama - algum tipo de reao coletiva, de consenso, fre-qentemente aparecer entre o pblico, reao esta que,em um espetculo teatral, tende a tornar-se manifesta tan-to para os atores quanto para o prprio pblico. Qualquerindivduo que jamais tenha representado em um palcogarantir que a reao coletiva a uma pea palpvel-mente real. A platia, sob certos aspectos, deixar de sermera reunio de indivduos isolados, transformando-se emum consciente coletivo. No h nada de mstico nisso. Afi-nal, se as pessoas esto se concentrando em uma mesmaao que se desenrola diante de seus olhos todas elas ao, ,se identicarem com a ao e com os personagens que es-to no palco, estaro tambm inevitavelmente reagindo

  • 28 UMA ANATOMIA DO DRAMA o DRAMA COMO EXPERINCIA COLETIVA 29

    umas s outras; poderamos dizer que todos estaro ten-do em mente o mesmo pensamento (o pensamento queest sendo expressado no palco) e experimentando algoassim como uma mesma emoo. Ficaro todas igualmenteaterrorizados quando Drcula inesperadamente levanta-sedo caixo, todos igualmente revoltados quando Jean matao canrio em Senhorita Jlia, de Strindberg, todos igual-mente divertidos quando o comediante diz sua piada. S"etodos suspirarem de terror ou revolta ao mesmo tempo,todos rirem alto ao mesmo tempo, os atores experimenta-ro o acontecimento como uma reao poderosssma doque h de parecer-lhes um monstro com muitas cabeasporm uma s mente. Eles so capazes de sentir clara-mente a tenso de uma platia tensa, do mesmo modo quesentiro claramente o tdio quando a platia, tendo per-dido a concentrao, comea a tossir ou a se mexer.

    Tanto a reao positiva da platia quanto a negativaafetam fortemente os atores. Se o pblico deixa de rir daspiadas, os atores passam instintivamente a torn-las maisbvias, a sublinh-las, assinalando de modo mais claro queo que esto dizendo engraado. Se a platia responde,os atores sero inspirados por esta reao, o que, por suavez, solicitar reaes cada vez mais fortes por parte dopblico. Esse o famoso efeito de jeeback: entre palcoe platia. Porm existe um outro efeito, semelhante e igual-mente poderoso: o que se d entre os componentes indi-viduais da prpria platia. O riso, por exemplo, reconhe-cidamente contagiante. Algumas pessoas da platia, maisrpidas do que outras na percepo de alguma graa, po-dem desencadear ondas de gargalhadas. Ver o vizinho dolado gargalhar de bvio divertimento pode provocar o risoem determinado espectador, cuja reao, por sua vez, re-forar a do vizinho. De modo geral, pessoas que estosozinhas lendo um livro ou assistindo televiso no seriem escandalosamente, como no sero levadas aaplau-dir delirantemente sentimentos patriticos que possam sn;

    centrar em um livro ou ver no vdeo. por isso que osprogramas cmicos de rdio ou TV so produzidos compblico de estdio ou at mesmo com riso enlatado - oque feito para que o espectador de televiso ou ouvintede rdio isolado possa experimentar alguma coisa do con-tgio do riso coletivo; por isso que Hitler jamais falavaapenas ao microfone, insistindo sempre na presena deuma imensa platia viva que vociferasse sua aprovao.

    O efeito de jeedback triangular do teatro ao vivo (ea experincia coletiva que a platia recebe dela prpria,at mesmo no cinema) elemento importante no impactodo drama. Na televiso e no rdio, a platia pode serconstituda por um nmero incomparavelmente menor depessoas, ou at mesmo por um nico indivduo. Mesmoaqui, porm, um consenso como o acima referido podeaparecer em uma famlia, ou num grupo de amigos, ou,alternativamente, poder nascer uma discusso durantea qual posies contraditrias sero apresentadas. E o te-leteatro, em funo do total numrico muito maior desua audincia, poder em ltima anlise levar a um con-senso semelhante, embora retardado, ao que uma platiateatral estabelece e sente imediatamente, simplesmenteporque os milhes de pessoas que viram determinada pe-a falaro a seu respeito nos dias subseqentes. Um bomexemplo disso foi a pea de televiso britnica (CalhyCome Homey Cathy Encontra um Lar, que tratava dosproblemas de pessoas sem lar em poderoso estilo semi-documentrio e que teve conseqncias de grande alcancesobre a poltica habitacional do governo. No teatro ao vi-vo, tais efeitos so mais concentrados e mais imediata-mente perceptveis. Em casos exponenciais, quando umapea de alta qualidade apresentada em um espetculo dealto nvel coincide com uma platia teatral receptiva, oresultado produzido pode ser uma concentrao de pensa-mento e emoo que conduzem a um maior grau de IUCldez e de intensidade emocional que equivale a um nvel

  • 30 UMA ANATOMIA DO DRAMA o DRAMA COMO EXPERINCIA COLETIVA 31

    no vodu das Antilhas ou nas religies xamansticas daSia, nos quais o sacerdote ou at mesmo os membros dacongregao so possudos pelos deuses e agem e falamcomo eles. Em muitos rituais religiosos a ao , para osfiis, tanto simb6lica quanto real, no sentido em que, porexemplo, o po e o vinho so ambos smbolos do corpode Cristo e, ao mesmo tempo, realmente o corpo de Cris-to. Este tambm um aspecto verdadeiramente dramti-co do ritual: o drama, ao contrrio da poesia pica, umeterno presente. Cada vez que se representa o Hamlet,Hamlet est presente e experiencia a seqncia dos even-tos que lhe aconteceram antes como se estes estivessemacontecendo pela primeira vez. O que igualmente ver-dadeiro em relao ao ritual. O ritual abole o tempo porcolocar sua congregao em contato com eventos e con-ceitos que so eternos e, portanto, infinitamente repetves.

    E no ritual, assim como no drama, o objetivo umnvel intensificado de conscientizao, uma percepo me-morvel da natureza da existncia, uma renovao dasforas do indivduo para enfrentar o mundo. Em termosdramticos, catarse; em termos religiosos, comunho, es-clarecimento, iluminao.

    Os meios tcnicos por meio dos quais tais objetivosaltamente espirituais so alcanados tm de ser, por ne-cessidade, semelhantes: o uso de uma linguagem elevadaou de verso, canto, msica, entoao rtmica, efeitos vi-suais espetaculares: roupas especiais, mscaras, arquite-tura espetacular. Os teatros podem ser descritos como ca-tedrais seculares; as catedrais, como palcos religiosos. Erepetidas vezes o teatro emergiu do ritual, principalmentena Grcia, mas tambm na Europa da Idade Mdia, nosmistrios e milagres que foram um desdobramento diretodo ritual religioso.

    O desenvolvimento da sociedade e da cultura umprocesso constante de diferenciao: no ritual temos araiz comum da msica, da dana, da poesia e do drama;

    mais alto de percucincia espiritual e transforma a ex-perincia vivida em algo semelhante experincia rel-glosa, um memorvel momento culminante da vida doIndivduo.

    E, claro, historicamente o drama e a religio sem-pre estiveram muito intimamente ligados; ambos tm umaraiz comum no ritual religioso. Qual a natureza do ri-tual e o que liga o ritual e o drama? Ambos so experin-cias eotetioas, com o reforo triangular do [eebcck queh entre celebrante e platia e entre platia e platia. Ohomem, como um animal social, animal incapaz de viverem isolamento, compelido a se tornar parte de uma tribo,um cl, uma nao, profundamente dependente de taisexperincias coletivas. Pois a identidade de um grupo so-cial consiste, por definio, de um estoque comum de cos-tumes, crenas, conceitos, bem como de lngua, mitos, leis,regras de conduta. Mas, acima de tudo, o grupo - e cadaum dos indivduos que o compem- precisa ser capazde experimentar a pr6pria identidade: os ndios peles-ver-melhas danando em torno de sua coluna de t6tens, bemcomo os milhes de espectadores que assistem posse deum presidente ou vem a rainha passar em revista o Des-file das Bandeiras, esto sendo levados a experimentar di-reta e poderosamente o que os une como grupo social. Etodo ritual basicamente dramtico, simplesmente por-que combina um espetculo, algo a ser visto ou ouvido,com uma platia viva; basta pensar na eucaristia, ou emuma coroao, ou em um funeral.

    Podemos, portanto, encarar o ritual como um aconte-cimento dramtico ou teatral - como podemos encararo drama como ritual. O lado dramtco do ritual manifes-ta-se no fato de todo ritual ter aspectos mimticos: con-tm uma ao de natureza altamente simb6lica e metaf-rica, seja na dana por meio da qual a tribo representa.os movimentos de seu animal totmico, seja no comparti.lhar do po e do vinho da eucaristia crist, ou seja, como

  • 32 UMA ANATOMIA DO DRAMA o DRAMA COMO EXPERINCIA COLETIVA 33

    no processo subseqente de maior diferenciao, o dramaexpandiu-se em drama falado, bal, opera, comdia mu-sical. E o drama falado subdividiu-se nos vrios gneros:tragdia, comdia, tragicomdia, farsa e, com os desen-volvimentos tecnol6gicos posteriores, nos veculos diferen-ciados de palco, televiso, drama radiofnico e cinema. Eainda das mesmas razes rituais originou-se grande partedos cerimoniais polticos modernos - a posse de presiden-tes, muito do ritual dos grandes acontecimentos esporti-vos, tais como os jogos internacionais de futebol ou cri.quete, ou os Jogos Olmpicos, desfiles e manifestaes datodo tipo, religiosos ou seculares, e inmeros outros rI.tuais pblicos. Todos eles ainda retm muitos elementosteatrais, havendo indcios de que possam vir a mesclar-senovamente com o teatro. Por exemplo, a tendncia moder-na na direo do happeninq, de eventos cnicos que envol-vem participao direta da platia na ao, importa ele-mentos teatrais para o que, de outro modo, poderia serconsderado um ritual pblico de outra espcie, como umbaile de mscaras ou um banquete.

    importante ter-se em mente tais fatos quando sefala ou pensa a respeito de drama. Eles trazem mente.a natureza bsica mesma do dramtico e nos lembramque este penetra praticamente todas as manifestaes davida social.

    No ritual como no teatro, uma comunidade humanaexperimenta e reafirma sua identidade. Isso torna o tea-tro uma forma poltica, porque preeminentemente social.E da pr6pria essncia do ritual que ele no s6 ofereaa sua congregao (ou, em termos teatrais, sua platia)uma experincia coletiva de alto nvel espiritual, comotambm, em termos muitos prticos, lhes ensine ou relem-bre seus c6digos de conduta, suas regras de convvio so--eal. Todo drama, portanto, um acontecimento poltico:ele ou reafirma ou solapa o c6digo de conduta de umasociedade dada. Dramaturgos como Ibsen ou Shaw ata-

    caram os cdigos sociais da sociedade; a comdia de cos-tumes, tradicionalmente passada na sala de visitas, pro-vavelmente reafirmava o cdigo das classes mais privile-giadas que compunham seu pblico. Esse aspecto politicodo teatro sublinhado pelo fato de a maior parte dasnaes modernas e desenvolvidas ter seus teatros nacio-nais (uma instituio que faz importante contribuio paraa imagem que a nao tem de si mesma e a define emrelao aos seus vizinhos). E via de regra elas tm suapea nacional, que apresentada em ocasies importan-tes como uma espcie de reafirmao ritual da nacionali-dade. Os alemes tm o Fausto, de Goethe, os francesestm Moliere e Racine, os ingleses tm Shakespeare. Quan.do o movimento nacionalista irlands tomou verdadeiroimpulso no sculo passado, Yeats e Lady Gregory funda-ram o Teatro Abbey com o objetivo expresso de produ-zir um teatro e um drama nacionais que servissem comoinstrumento de definio da identidade da Irlanda. A peanacional inglesa que chega mais pr6ximo da rearmaoritual da nacionalidade dos ingleses , parece-me, Henri-que V. No por coincidncia que, no auge da II GuerraMundial, quando a reafirmao da identidade da naoera mais do que urgente, Lawrence Olivier produziuo filme Henrique V. A grande fala do rei em Agincourtconstitui algo que equivale ao mago do ritual nac.onalingls:

    Hoje o dia da festa de Crispim:Quem viver hoje e for pra casa a salvo,Quando ouvir esse nome vai alar-seE vibrar s com o nome de Crispim.Para quem viver hoje e ficar velhoTodo ano vai ter viglia e festaPara dizer "Amanh So Crlspim",E nos braos mostrar as cicatrizesContando que as ganhou em 810 Cr1Ipim.

  • No tenho nenhuma dvida de que nestes trs ltimos s-culos essa fala tem desempenhado um papel realmentemuito importante no estabelecimento da coeso da Ingla-terra como nao. E tambm interessante que a pr-pria fala, servindo como instrumento de transmisso dahistria de uma grande batalha (e o drama um dos m-todos mais poderosos por meio dos quais episdios dessetipo podem ser mantidos vivos), mostre como a imagemque uma nao faz de si, bem como sua tradio marcial,podem ser criadas, estimuladas e preservadas. As peashistricas de Shakespeare tm tido papel muito impor-tante na definio da identidade da Inglaterra e so, porisso mesmo, realidades polticas da mais alta ordem. Mui-to embora no atual perodo ps-imperial as atitudes dealguns grupos com relao s glrias patriticas do pas-

    sado estejam mudando, continuo a crer que essa visoainda continue a prevalecer atualmente.

    A representao de uma pea como Henrique V ine-vitavelmente se transforma em um ritual nacional. Ao vercomo seus companheiros de platia reagem, cada especta-dor individual pode aquilatar at que ponto a imagemque a nao faz de si e que est sendo retratada no palcoainda vlida. Do mesmo modo, qualquer mudana noclima de uma nao se tornar igualmente visvel por in-termdio do drama. Quando Henrique V deixar de provo-car a emoo que buscou inspirar, ser evidente que oclima, os ideais, a imagem e a identidade da nao terose alterado decisivamente. Isso torna o drama um indica-dor e instrumento poderosssimo de qualquer alteraopoltica. Na Tchecoslovquia, por exemplo, nos anos queantecederam Primavera de Praga de 1968, o teatro de-sempenhou um papel importante ao revelar nao queo clima havia mudado. Cada indivduo, por mais cticoque fosse a respeito das aes do partido, no teria meiosde saber o que estariam sentindo os outros em uma so-ciedade na qual todos tomam muito cuidado para no seexpor perseguio poltica por criticar abertamente ogoverno. No teatro, no entanto, o prprio modo pelo quala platia reagia ou no exortao poltica tornava a si-tuao clara para todos. Lembro-me, quela poca, quandoestive em Praga, da sensao de alvio e exaltao que seapossou de toda a platia durante uma apresentao deRomeu e Julieta, no momento em que Merccio morreu,maldizendo a todos, com "uma praga em ambas as vossascasas!". Todo membro da platia sentiu as mplcaes po-lticas dessa condenao da intil violncia do conflito in-terpartidrio e, medida que cada indivduo verificavaque seu vizinho reagia do mesmo modo, a centelha dessereconhecimento mtuo era inflamada.

    A Revoluo Francesa, diz-se s vezes, comeou real-mente com a primeira apresentao de O Casamento de

    34 UMA ANATOMIA DO DRAMA

    Quando o velho esquecer de tudo o mais,Mesmo assim h de ter sempre memriaDos feitos deste dia; e Os nossos nomes -De Harry, o Rei, de Exeter e Bedford,Warwick e Talbot, Salisbury e Gloster -Sero lembrados nas canecas cheiasA cada vez que um homem bom e forteEnsinar a seu filho a nossa histria;E nunca a festa de Crispiniano,Desde este dia at o fim do mundo,H de passar sem que de ns se lembrem -De ns, de ns os poucos felizardos,De ns, pequeno bando s de irmosPois o que hoje vai sangrar comigo meu irmo; e quem for mal nascidoSer fidalgo s por este dia;E o ingls fidalgo que hoje dorme em casaVai maldizer no ter estado aquiE ter vergonha quando ouvir falarO que lutou no dia de Crispim.

    o DRAMA COMO EXPERINCIA COLETIVA 35

  • Fgaro, de Beaumarchais, simplesmente por causa do modopelo qual a platia reagiu a essa apresentao visual alta-mente crtica do modo de viver da aristocracia, que reve-lou quo generalizado o sentimento antarstocrtco sehavia tornado. Naturalmente que isso pode ser lenda ouexcessivo simplismo; mas contm um pequeno gro deverdade importante.

    36 UMA ANATOMIA DO DRAMA

    4 Estilo e caracterizao

    o drama a mais social de todas as formas de arte. Ele, por sua prpria natureza, uma criao coletiva: o dra-maturgo, os atores, o cengrafo, o figurinista, o encarre-gado dos acessrios de cena, o iluminador, o eletricista eassim por diante, todos fazem sua contribuio, do mesmomodo que tambm o faz a platia, por sua simples presen-a. A parte literria do drama, o texto, rxo. :uma enti-dade permanente, porm cada representao de cada pro-duo daquele mesmo texto uma coisa diferente, porqueos atores reagem de forma diferente a pblicos que dfe-rem entre si, bem como, claro, a seus prprios estadosinteriores.

    Essa fuso de um componente fixo e outro fluido uma das principais vantagens que o teatro ao vivo levaem relao aos tipos gravados de drama - o cinema, oradioteatro, o teleteatro. Ao fixar permanentemente a in-terpretao/representao, bem como o texto, esses vei-culas condenam seus produtos a um inevitvel processode obsolescnca, simplesmente porque os estilos de inter-pretao, dos trajes e da maquilagem, bem como as pr-prias tcnicas de fixao em filme, disco ou tape, mudamtambm, de modo que antigas gravaes de radioteatro

  • ou filmes antigos levam a marca indelvel de produtos li-geiramente ridculos de uma outra poca. S os grandesclssicos, como por exemplo O Bulevar do Crime de Mar-

    . ,

    cel Carn, ou as comdias de Charles Chaplin ou BusterKeaton so capazes de sobreviver quela aura de pocapassada.

    O componente mais importante de qualquer perfor-mance dramtica o ator. Ele a palavra transformadaem carne viva. E carne, aqui, usada no sentido maistangvel do termo. As pessoas vo ao teatro, acima detudo, para ver pessoas bonitas; e entre outras coisas osatores so, tambm, pessoas que se exibem por dinheiro.

    Negar um forte componente ertico a qualquer expe-rincia dramtica a mais tola das hipocrisias. Em ver-dade, uma das maiores foras do teatro - bem como detodas as outras manifestaes do drama - a de que eleopera em todos os nveis a um s tempo, desde os maisbsicos at os mais sublimes, e que no melhor drama unse outros alcanam fuso perfeita. Deleitamo-nos com apoesia de Shakespeare em uma pea como Romeu e Ju-lieta no s por se tratar de poesia suprema, mas tam-bm porque tal poesia configura-se em uma linda joveme um rapaz que despertam nossos desejos; o desejo esti-mula a poesia e a poesia enobrece o desejo e, assim, adiviso entre corpo e mente, entre terreno espiritual -o que constitui, de qualquer modo, uma falsa dicotomia- abolida e a natureza unificada do homem, animal eespiritual, reafirma-se.

    Os atores corporificam e interpretam o texto forneci-do pelo autor. E poderia parecer que eles so totalmentelivres para faz-lo do modo como bem entendessem. Masisso s verdade dentro de certos limites, j que o autortem sua disposio um instrumento muito poderoso paraimpor aos atores o modo de representao que deseja. Tal

    Instrumento o estilo. Suponhamos que um ator tenhaele dizer a seguinte fala em uma pea:

    Ou que tivesse de expressar idias idnticas em igualsituao nos seguintes termos:

    39ESTILO E CARACTERIZAO

    Diga-me, amigo, quais as suas novas!Sou todo ouvidos, nsias e temoresE pronto p'ra enfrentar o que vier ...

    Como , Peter, vamos logo com essa histria. Es-tou louco para saber as novidades... Sente-sea. .. quer tomar alguma coisa? .. Voc sabecomo isso importante para mim. .. Estou ten-tando ser otimista sobre a resposta ... mas noconsigo deixar de ter dvidas, tambm. Quer comgua ou com soda? .. Como , diga logo o quetem para dizer ... pode deixar que eu agento ...

    E: claro que a primeira passagem, sendo em verso e emlinguagem ligeiramente literria, no pode ser interpre-tada com a aflio, o naturalismo, da segunda, que ex-pressa pensamentos e circunstncias perfeitamente seme-lhantes. Porm, ao compor a passagem em verso, o autortorna impossvel, por exemplo, que o ator acompanhe suaao oferecendo uma bebida qualquer ao seu visitante:pura e simplesmente no fica bem ficar perguntando aum amigo se ele prefere gua ou soda nos ritmos um tantosolenes do verso branco (e se algum o fizer, o resultadoser um efeito um tanto ou quanto cmico, o que, obvia-mente no o que se deseja aqui). A passagem em lin-guagem literariamente enaltecida, portanto, obviamenteter de ser dita com o ator mantendo uma postura muitomais digna e despojada; seus gestos tero de ser infinita-mente mais estilizados, sua mscara muito mais serena.Para o ator que use linguagem desse tipo, por exemplo,

    UMA ANATOMIA DO DRAMA38

  • inconcebvel que fique coando a cabea ou esfregando onariz enquanto fala. Porm, para o ator que estivesse di-zendo a segunda fala, tudo isso seria perfeitamente pos-svel: os ritmos so menos formais, mais quebrados, aspalavras usadas mais corriqueiras. Brecht, um dramaturgoque era tambm soberbo diretor teatral, exigia que o autorusasse linguagem gestual, o que significa que este deveriaescrever de modo a impor ao ator o estilo correto do mo-vimento e da ao, compelindo-o a restringir-se idia queo autor tinha do modo pelo qual suas palavras deveriamser representadas.

    Porm o estilo em que escrito o texto dramticopreenche igualmente uma outra funo: a de informar aplatia. Pelo estilo no qual a pea foi escrita o pblico imediata e, em grande parte, inconscientemente in-formado da maneira pela qual dever aceitar a obra, o quedever esperar dela e a que nvel dever a ela reagir. poisa reao de uma platia depende em grande parte de suasexpectativas. Se estiverem sob a impresso de que a pea para ser engraada ficaro mais rapidamente predis-postos a rir do que se souberem, de incio, que a obra deveser encarada com a mais profunda seriedade. Parte disso comunicado ao pblico pelo ttulo, pelo autor, pelos ato-res do elenco, ou pelo fato de ela ser descrita no progra-ma como comdia, tragdia ou farsa. No entanto, podehaver muita gente na platia que no recebeu qualquertipo de informao prvia, enquanto que , por outro lado,nem sempre se torna claro, mesmo aps a leitura do pro-grama, quais so as intenes do autor ou do diretor. Naprimeira apresentao de Esperando Godot, de Beckett,pea escrita em um estilo extremamente inslito naqueletempo, o pblico no sabia como reagir, se devia rir ouchorar. Porm na maioria dos casos - e em relao aconvenes j consagradas - o estilo das falas, da inter-pretao, o estilo do cenrio e dos figurinos, transmitemimediatamente ao pblico as informaes necessrias,

    permitindo-lhe afinar suas expectativas com o nvel ade-quado: esse estilo ento lhe dir, para permanecermosdentro dos limites de nosso exemplo, a que nvel de abs-trao a pea se desenrolar. Em uma tragdia de Racme,por exemplo, a prpria natureza dos alexandrinos alta-mente formalizados torna imediatamente claro que a peaconcentrar-se- nas mais sublimes paixes de seus perso-nagens. Nesse tipo de pea nada dito a respeito das preo-cupaes menores dos personagens envolvidos. Fedra ouAndrmaca jamais so vistas comendo ou em conversaftil. O verso e o nvel da linguagem em pouco tempo do-nos conscincia disso.

    Por outro lado, poderamos indagar: o que faz o autordramtico decidir o estilo em que h de escrever sua pea?Quando dever ele usar verso, quando a prosa?

    O verso afasta a ao da esfera cotidiana, familiar,tornando claro que nenhum esforo ser envidado no sen-tido de retratar a vida em sua mesquinhez rotineira. T. S.Eliot considerava que , em seus momentos culminantes,suas peas deviam atingir uma intensidade emocional ,ques pode ser alcanada pela mais rica linguagem e pelofluxo rtmico da poesia. A fim de permitir-se alcanar taisclmaxes por meio de uma delicada transio e sem que-bra de estilo, ele j comeava uma pea como O Coquetel(The Cockiuii Party) em verso, porm um verso em nvelto modesto que tinha quase que o som da prosa:

    ALEX: Voc no percebeu a graa, Jlia:No houve tigres. Eis a a graa.

    JLIA: Ento por que voc subiu na rvore?Voc e o Maraj.

    ALEX : Mas cara Jlia!No adianta. Voc no ouviu ...

    O pblico, a essa altura, mal nota que um dilogo tri-vial como o citado acima em versos, porm gradativa-mente ele ir tomando conscincia de seu ritmo.

    41ESTILO E C ARACTERIZAOUMA ANATOMIA DO DRAMA40

  • No clmax da pea, quando um dos personagens j foimartirizado por sua religio, o autor pode elevar o nvelda emoo e da poesia a um ponto muito mais alto:

    REILLY: Diria que sofreu o que devemosTodos sofrer em medo, dor e dio- Isso e, alm disso, toda a relutnciaQue tem o corpo de tornar-se coisa.E ela ainda mais, por ser mais conscienteDo que ns todos. Ela pagou maisEm sofrimento. parte do desgnio.

    Outra razo pela qual um dramaturgo pode optar porcompor sua pea em versos pode ser sua incapacidade parareproduzir a forma exata pela qual falariam as pessoasque vivem no mundo de sua obra, por desenrolar-se elaem um passado remoto ou em um pais ou civilizao ex-cessivamente afastado de ns no espao para poder serfacilmente reproduzvel em termos de nosso vernculo nor-mal. O verso elimina a necessidade de se tentar conseguirefeitos realistas integralmente convincentes. por isso quemuitas peas modernas que tratam de assuntos histri-cos ou de localizao extica apresentam certa tendnciapara serem escritas em verso. Por outro lado, um autorcomo Bernard Shaw, desejando salientar o quanto esta-mos enganados ao julgar que personagens histricos se-jam diferentes de ns mesmos, fez Joana d'Arc e JlioCsar falarem um ingls contemporneo, com todos osanacronismos implcitos em tal opo, a fim de desmitifi-car tais personagens histricos.

    Tudo isso demonstra que o nvel da linguagem, o es-tilo no qual uma pea escrita - e conseqentemente re-presentada - tm relao com o nvel em que o pblicoencara os personagens. O excelente crtico canadense Nor-throp Frye destacou quatro nveis de discurso - que soto aplicveis ao romance quanto ao drama - segundoos quais, quando o pblico encara os personagens como

    infinitamente superiores a ele mesmo, como se foram deu-ses, estamos no reino do mito; quando os encara como ho-mens que pairam acima dos outros homens, estamos noreino do herico; quando os personagens forem encaradoscomo sendo do mesmo nvel que o prprio pblico, temosum estilo realista; e se a platia chega a ver os persona-gens com menosprezo, ento estamos no modo irnico.

    Os mitos - como no caso da tragdia grega - exi-giro os mais altos vos da linguagem potica, e as peashericas a respeito de reis e rainhas, bem como de super-homens ou mulheres, igualmente necessitaro de uma lin-guagem elevada.

    No plano realista, quando o autor nos confronta comgente que habita a mesma esfera social que ns mesmos, recomendvel a prosa. E se menosprezamos os persona-gens, se h um desejo de fazer-nos sentir que somos su-periores a eles em inteligncia - como por exemplo nafarsa ou na stira - novamente a linguagem pode serestilizada, porque ainda estaremos observando persona-gens distantes de ns mesmos, mesmo que a dstnoa sejapara baixo: a linguagem, aqui, pode ser mecanicamenterepetitiva ou exageradamente tola, ou at mesmo empregarum estilo de verso caricato, como pode ser o caso na s-tira ou na pardia.

    O que se aplica ao estilo geral de uma pea via deregra tambm vlido para cada personagem: em umapea boa, escrita por um dramaturgo competente, cadapersonagem ter seu prprio estilo de falar - o qual, en-tretanto, ter de ser uma variante dentro do nvel geralde linguagem de pea como um todo.

    Em outras palavras: uma vez que o autor se tenhaimposto limites mnimos e mximos dentro dos quais alinguagem da pea poder mover-se, ele poder variar cnvel dentro dessa gama, segundo o modo pelo qual desejaque vejamos personagens ou cenas. Nos momentos emque ele est refletindo sobre suas prprias emoes mais

    42 UMA ANATOMIA DO DRAMA ESTILO E CARACTERIZAO 43

  • JONES : Ol, Smith. Voc parece contente hoje.SMITH : Eu estou contente. Acabo de ganhar vinte li-

    bras nas corridas. Apostei num azaro quepagou 50 por 1.

    E assim por diante. Poder-se-ia julgar que com isso Smithfica caracterizado. Curiosamente, porm - e s a longaexperincia do convvio com o drama nos convence disso- no drama essa espcie de caracterizao por ouvir di-zer simplesmente no funciona. Shakespeare usa descri-es de um personagem feitas por outro, mas o verdadei-ro impacto da caracterizao sempre nasce daquilo quefazem os prprios personagens. Se o autor colocar Smithem cena e o fizer efetivamente representar sua mesqu-nhez, o impacto ser muito maior:

    profundas, Hamlet fala em versos; quando dando instru-es aos atores ou relaxado recostado no colo de Oflia,ele fala em prosa. E os coveiros - palhaos aos quais ns,o pblico, devemos sentir-nos superiores, - usam umaprosa ainda mais baixa e grotesca. Quando a prosa usa-da para expressar sentimentos elevados, pode transformar-se em prosa potica.

    No entanto, a lngua est muito longe de ser o nicoinstrumento de caracterizao disposio do autor. Eladetermina o clima geral. A caracterizao de cada indiv-duo em uma pea em grande parte uma questo de aoe reao desse mesmo indivduo. Um dos erros nos quaismais freqentemente incorrem os dramaturgos estreantesou inexperientes o de pensar que se pode caracterizaralgum m uma pea fazendo com que os outros persona-gens falem a seu respeito.

    4SESTILO E CAR ACTERIZAO

    As falas acima ainda tm a vantagem de caracterizar tam-bm o segundo personagem como oportunista, j que apro-veita a primeira chance que lhe aparece. Admito que oexemplo acima demasiadamente simplista, mas creio que,assim mesmo, demonstra o que queremos dizer. Analise-sequalquer pea escrita com verdadeira habilidade e desco-brir-se- que invariavelmente a caracterizao est naao. No drama, claro, a linguagem muitas vezes a ao.Podemos dar um passo mais adiante e afirmar que todalinguagem no drama necessariamente transforme-se emao. No drama preocupamo-nos no apenas com o queo personagem diz - com o significado puramente semn-tico de suas palavras - mas tambm com o que ele fazcom elas:

    JIM: Liz, quer ir ao cnema comigo amanh de noite?Est passando um filme de Judy Garland aquiperto.

    LIZ : Desculpe, Jim, mas amanh de noite vou ter delavar a cabea. Desculpe.

    O que importa no o que a moa diz - isto , que temde lavar a cabea - mas sim o modo pelo qual esse trechode dilogo afeta o outro personagem. Dizendo isso elaest rejeitando toda tentativa de aproximao por partedo rapaz. por isso que atores e diretores falam de textoe subtexto.

    Isso nos traz de volta ao elemento de importncia su-prema que constitui o impacto e a fora inerentes ao dra-ma: mesmo nesse pequeno dilogo extremamente simplifi-cado que dei como exemplo, cabe platia decidir por si

    JONES : Parabns. Por falar nisso. .. eu estou numaperto danado. Ser que voc poderia me em-prestar cinco libras at quinta?

    SMITH: Desculpe, meu velho. Absolutamente mposst-vel. Voc sabe como eu sou pobre ...

    UMA A NATOMIA DO DRAMA

    o que que voc acha do Smith? um unha de fome. No empresta dinheiroa ningum, nem que esteja arrebentando derico .

    JONES:MAC:

    44

  • --

    46 UMA ANATOMIA DO DRAMA

    mesma que ao existe efetivamente por trs da mdgentedeclarao da moa de que tem de lavar a cabea todaquinta-feira de noite. Ns, na platia, temos de decidir sesuas palavras constituem de fato uma rejeio, o quateremos de fazer com base em nossa prpria experincia,em nossas prprias reaes diante da vida . Porque temosde tomar tal deciso somos forados a nos colocar no lugardo personagem que rejeita, ou no do que rejeitado, etemos de aprimorar em alto grau nossa capacidade de em-patia, de identificao - ns vivenciamos a ao no palcojunto com os personagens. O que no dito to impor-tante no drama - como ao e como caracterizao -quanto o que dito. O que importa no so as palavras,mas sim as circunstncias nas quais tais palavras soditas. Em O cereioi, de Tchekov, no ltimo ato planejadatoda uma situao para que Lopakhine pea Varya em ca-samento. Finalmente os dois so colocados nossa frentee vemos que no fazem mais do que conversar uma con-versinha sem importncia sobre os mais triviais assuntos.As palavras so triviais, porm a emoo monumental,simplesmente porque temos conscincia do que est acon-tecendo, mais do que est sendo dito. E o que est acon-tecendo que aqueles dois seres esto perdendo a ltimaoportunidade de ainda virem a ser felizes. Simplesmentepor timidez. Por covardia. Pela incapacidade de dizer apalavra certa. Aqui a ausncia de linguagem transforma-se no s em caracterizao forte e inesquecvel, como tam-bm em ao igualmente forte ' e inesquecvel.

    5 A estrutura do drama

    Para usarmos os termos mais simples e correntes, a tarefabsica de qualquer pessoa preocupada em apresentar qual-quer espcie de drama a uma platia consiste em captara ateno desta e prend-la pelo tempo que for necess-rio. Somente quando esse objetivo fundamental houversido atingido que podero ser alcanados objetivos maiselevados e ambiciosos tais como a transmisso de sabed-ria e compreenso, a poesia e a beleza, o divertimento eo relaxamento, o esclarecimento e a purgao de emoes.Quando se perde a ateno do pblico, quando se fracassano objetivo de se faz-lo ficar concentrado no que estacontecendo, no que est sendo dito, tudo est perdido.

    Assim sendo, a criao do interesse e do suspense (emseu sentido mais lato) est por trs de toda construodramtica. Expectativas precisam ser despertadas, masnunca satisfeitas antes do momento final em que cai opano; a ao precisa parecer estar, a cada momento, che-gando mais perto de seu objetivo, porm sem atingi-lo deforma completa antes do final; e, acima de tudo, pre-ciso que haja constante variao de andamentos e ritmos,j que qualquer tipo de monotonia est certamente fada-da a embotar a ateno e a provocar o tdio e a sonolncia.

    O interesse e o suspense no precisam necessariamen-te ser despertados por recursos de intriga : no incio de

  • 48 UMA ANATOMIA DO DRAMA A EsTRUTURA DO DRAMA 49

    um bal destitudo de enredo a beleza dos primeiros bai-larinos pode ser suficiente para despertar interesse, en-quanto que as expectativas da platia quanto possibili-dade de ver toda uma vasta variedade coreogrfica for-nece suspense suficiente para manter a concentrao dopblico por muito tempo. A apresentao de um tema, suaprimeira variao e a engenhosidade do autor para conti-nuar a variar (desde que o tema inicial tenha sido emsi bastante atraente para provocar interesse) podem ori-ginar uma expectativa suficiente, bem como o suspense.Em Esperando coaot, o prprio fato de os personagensficarem garantindo um ao outro que nada jamais acon-tece e que eles no tm nada que esperar cria sua prpriaforma de suspense: o pblico no consegue acreditar quetal seja efetivamnte o caso e fica querendo saber o queacontecer. E ao longo do caminho que nos leva admis-so final de que, em ltima anlise, no h realmentenada acontecendo, um nmero suficiente de episdios in-teressantes ocorreu, tendo cada um deles gerado seu pr-prio interesse e suspense.

    E existe um sem-nmero de espcies de suspense: estepode estar em uma pergunta como: "E agora, o que vaiacontecer?", mas igualmente pode estar contido na per-gunta: "Eu sei o que vai acontecer, mas como ser quevai acontecer?", ou at mesmo: "Eu sei o que vai aconte-

    AFIGURA

    z

    cer e como vai acontecer, mas como ser que X vai rea-gir?". Ou ele poder ser tambm de outro tipo completa-mente diferente, tal como: "O que ser que estou vendoacontecer?", ou: "Esses acontecimentos parecem formarum esquema qualquer, mas que tipo de esquema ser?"Uma coisa, apenas, certa: alguma espcie de indagaobsica tem de emergir logo no incio de qualquer formadramtica, de modo que o pblico possa, por assim dizer,estaeblecer quais sero seus principais elementos de sus-pense. Pode-se dizer que o tema principal de uma peaprecisa tornar-se claro no devido tempo. Na maioria daspeas ou dos filmes, este tema ser uma indagao, talcomo quem ter cometido o assassinato, ou ser que o ra-paz ~ai conquistar a moa no fim, ou ser que o maridoenganado vai descobrir que a mulher tem um amante?Uma vez que o pblico tenha apreendido esse tema prin-cipal, esse objetivo primordial da ao, sua expectativ~ficar firmemente fixada em torno do alvo final e saberpara onde ele e a pea esto indo, e qual a questo b-sica. S o que resta saber por que caminho tortuoso.por que tipo de arco, a soluo final ser atingida.

    Acontece, porm, que a capacidade humana para man-ter a ateno em alguma coisa relativamente curta. Um

    AFIGURA 2

  • 50 UMA ANATOMIA DO DRAMA

    zq

    A EsTRUTURA DO DRAMA

    nico elemento principal de suspense no suficientepara prender a ateno da platia atravs de toda a dura-o de uma pea. Ao arco principal da ao ser necess-rio sobrepor uma srie de arcos subsidirios, originados deelementos subsidirios de suspense. Enquanto nosso inte-resse principal fica concentrado na questo de quem tercometido o assassinato, ficaremos ao mesmo tempo, e pormuito curto prazo, perguntando-nos ansiosamente se o jar-dineiro que est sendo interrogado naquele momento efe-tivamente viu o assassino pular o muro etc. O componen-te principal de suspense, por assim dizer, leva o subsidi-rio na garupa. E, naturalmente, elementos subsidirios desuspense podem anteceder o aparecimento do tema prin-cipal ou objetivo da pea. Em Hamlei, por exemplo, o pri-meiro elemento de suspense relativamente menor: serque o fantasma vai aparecer de novo? A seguir: ser queele vai aparecer para Hamlet? Depois, tendo aparecido:o que dir ele? E s quando tanto Hamlet quanto nsmesmos j tivermos ouvido o que o fantasma tinha a di-zer que o tema principal da obra, o da vingana, aparecee, com ele, emerge o mais importante elemento de suspen-se: ser Hamlet bem sucedido em sua tarefa de vingar?S ento que compreendemos a natureza do principalarco ao qual os elementos menores de suspense que vinhammantendo nossa ateno esto agregados.

    Existe, assim, a necessidade de um elemento de sus-pense para cada cena ou segmento da ao, sendo todoseles supermpostos ao objetivo principal ou mpeto de sus-pense da pea inteira. A qualquer momento dado, de qual-quer pea, o diretor e os atores precisam ter conscinciadesses objetivos maiores - estratgicos -, ou menores- isto , tticos -, que no s coexistem como tambm

    . se apiam mutuamente. Porm ainda existe um terceiroelemento de suspense, microcsmico e puramente local,presente em todos os momentos de toda pea bem plane-jada - o microssuspense de cada fala isolada do dilogo

    ou de cada pequeno detalhe ou atividade fsica ougestuaJ.,nos quais os atores esto engajados em exato momento.O suspense da ao principal depende da existp.(}iaCdepelo menos duas solues para o problema .principal dapea: o assassinato poder ser encontrado ou no; o rapazpoder conquistar a moa ou no. O suspense de .cadacena, analogamente, tem de depender da possibilidade' .d~pelo menos duas solues para o objetivo que deve ,alcap.-ar: o fantasma poder aparecer ou no; elefala~ , ouno . O suspense .nas unidades mais pequenas dedllog>ou ao deve consistir, portanto, na possibilidade de vriasrespostas possveis para cada pergunta ou afirmao ' feitano dilogo, ou at mesmo para cada gesto ou movimentoque compe a cena. O previsvel a morte do. suspex:s~e por isso mesmo, do drama. O bom dilogo mprevisi-vel. Falas que s provocam respostas prevsves, gestosque apenas repetem o que j foi transmitido por :outro.smeios, so coisas mortas e devem ser eliminados. O br-lho do dilogo de grandes autores de comdia, como NoelCoward ou Oscar Wilde, reside em seus paradoxos e s~rpresas; a grandeza de gigantes entre dramaturgos cornoShaespeare reside na originalidade de sua linguagem ,e.,de

    'A-J-/ ---'--7) ZFIGURA 3

  • suas imagens (o que no passa de uma outra maneira dedizer o inesperado, sua capacidade para surpreender). Od logo, que serve o objetivo ttico imediato de cada cenaou segmento, sobrepe assim, um terceiro arco, um tercei-ro elemento de surpresa, sobre os dois anteriores:

    Cada formulao surpreendente, cada momento ver-bal feliz, cada gro de esprito ou de imagstica originalcontribui para o interesse, a imprevisibilidade, a capac-dade do dilogo de prender a ateno. E, claro, no cne,ma e na televiso, em suas formas dramticas, o interessee o suspense criados pelo movimento da cmera, pelos ele-mentos visuais e pela justeza pictrica preenchem as mes-mas funes, o que igualmente verdadeiro em relao sexpresse se aos movimentos do ator tanto no palco quan-to na tela e no vdeo. Uma fala aparentemente morta podetornar-se plena de suspense por causa de um olhar ines-perado entre um ator e outro, ou por um sbito brilho emseus olhos.. O 'desenho aqui delineado meramente esquemtico.No h razo para que no haja toda uma imensa varie-dade de elementos de interesse e suspense atuando unssobre os outros em organizaes incomparavelmente maiscomplexas. Msmo assim, porm, esses trs nveis bsicosso essenciais. Um corte transverso de qualquer ao dra-mtica deve, em qualquer momento dado, evidenciar aomenos esses trs. Se algum deles estiver faltando ou reve-lar-se dbil, a ateno da platia cair.

    O estabelecimento do objetivo principal da pea nor,malmente chamado de exposio. Trata-se de um termotil, embora a esta altura se tenha tornado um tanto ob-sole.to. Na "pea bem feita" tradicional a exposio for-necia um arcabouo firme como ponto de referncia paraos relacionamentos entre os vrios personagens, suas ativi-dades pregressas e, alm disso, estabelecia o tema prin-cipal da pea. O drama moderno, seja no teatral seja nodos veculos de comunicao de massa, assume muito me-

    nos comprometimentos desse tipo. A medida que as pla-tias dos veculos de massa so expostas a quantidadescada vez maiores de drama, inevitvel que seja elevadoo nvel de sofisticao: as pessoas tornam-se mais obser-vadoras, mais aptas a decrar os cdigos de sugestesintroduzidos aqui e ali, bem como se tornam mais cticasquanto possibilidade de aceitar sem hesitao o que dito ou feito. De modo que o nvel de incerteza permiss-vel ao drama elevou-se perceptivelmente; na realidade,essas incertezas j so aceitas como um novo fator desuspense. Em um filme de Antonioni ou de Altman, domesmo modo que em uma pea de Beckett ou Ionesco, muito possvel que [ no nos proponhamos mais a per-gunta que o drama mais convencional apresenta sempreao espectador: "E agora, o que ser que vai acontecer?",substituindo-a por outra, muito mais ampla: "O que esta-r acontecendo?". Com tal evoluo no sentido de um afas-tamento da exposio clssica, os outros termos tradicio-nais usados na descrio da estrutura da "pea bem feita"tambm se tornaram um tanto menos convenientes. Se aexposio tornou-se menos definida, muito daquilo que an-teriormente era chamado de desenvolvimento ou compli-cao do enredo tende a mesclar-se no prolongado desem-baraar dos inmeros fios da meada do drama - quepoder igualmente ser denominado de exposio contnua-, o que resultar no fato de o ponto crucial em que tudomuda (peripeteia) e o clmax e a soluo da pea poderemtambm tornar-se menos definidos. No entanto, tais con-ceitos so extremamente valiosos nos casos em que soaplicveis. O que preciso que tomemos muito cuida-do para no julgar que nos casos em que no so aplic-veis isto signifique necessariamente que haja algo de er-rado com a pea. A provocao do interesse da platiano apenas, como j o julgaram muitos dramaturgos,uma questo de se inventar um fio de histria adequado,uma ao, um enredo. O segredo est na fuso do nte-

    52 UMA ANATOMIA DO DRAMAA EsTRUTURA no DRAMA 53-

  • S4 UMA ANATOMIA DO DRAMA A EsTRUTURA DO DRAMA 55

    resse do enredo com o interesse dos personagens. Mesmoli "mais violenta das aes permanecer destituda de im-pacto e basicamente desinteressante se o pblico no co-nhecer, ' no gostar e, conseqentemente, no se interessarsuficientemente pelos personagens. Como que um per-sonagem se torna objeto de afeio ou interesse? A distri-buio do elenco, u personalidade do ator escolhido paradesempenhar o personagem, podem ajudam muito. Masbasicamente toda a questo gira em torno daquele tercei-ro elemento de suspense, que estritamente localizado, ouseja; 'a qual dade do dilogo que os personagens usampara falar. Um -'personagem que jamais diz qualquer falaqtie seja-provocante, espirituosa, divertida ou interessan-te-ter grandedculdade em captar a simpatia do pbli-coou> por outro lado, sua hostilidade. E nesse caso, pormais engenhosas que sejam as reviravoltas do enredo noqual ele est envolvido, o pblico pouco se importar comele. -

    Despertar e sustentar a ateno atravs da expecta-tiva, -do interesse e do suspense so, como j Salientei , osaspectos mais "primitivos e populares da estrutura dram-tica. Todos os outros problemas mais complexos e sutisrepousam sobre essa base. exceo do radioteatro, todasas outras formas dramticas existem tanto no espao(como a pintura e a fotografia) quanto no tempo (comoa msica e a poesia). Assim, uma combinao de elemen-tos espaciais permite um nmero infinito de permutaesestruturais entre a unidade espacial em diversidade rt-m.ica, por um lado, e unidade de andamento e tom emuma imensa variedade de mudanas visuais, por outro.Pode haver esquemas de intensidades que crescem atum clmax para depois baixar, formas ascendentes de in-tensificao gradativa de todos os elementos (velocidade,andamento,-ritmo de luz, cor) e outras, descendentes, nasquais elas gradativamente se atenuam; ou ainda outras,circulares, nas quais o final retoma a configurao inicial.

    A repetio de vrios elementos a intervalos regulares criaum tipo de desenho; os contrastes violentos e as transi-es abruptas e surpreendentes, um outro, completamentediferente.

    A verdade essencial a ser lembrada, entretanto, a deque enquanto a ausncia de uma forma amorfa, desti-tuda de estrutura discernvel, toda forma, toda estrutu-ra, depende da articulao e da conjuno de elementosdistintos. Isso suficientemente importante na dimensoespacial, na qual a distribuio dos personagens pelo pal-co, a distribuio da cor e da luz, determinam a diferenaentre o caos e o compreensvel. Na dimenso temporal,porm, esse aspecto ainda mais vital: do mesmo modoque uma pea musical caminha com seus prprios ritmose precisa ser subdividida em sees distintas, nas estrofese coros de uma cano, nos movimentos de uma sonataou de uma sinfonia, assim tambm o movimento de qual-quer forma dramtica tem de ser igualmente articuladoe formulado. Quando algum comea, em uma cidade des-conhecida, uma longa caminhada de dois ou trs quilme-tros ao longo de uma rua reta, esta a princpio parecerinterminvel. Em uma segunda vez, quando j se podelembrar de certos pontos de referncia no caminho, quese tornam objetivos subsidirios e articulam a jornada, otdio ser menor e o tempo passar muito mais rapida-mente. Qualquer coisa que no tenha forma ou qualquerindicao de articulaes internas pode no ter fim. Umavez que compreendamos que a distncia dividida em- digamos - quatro partes, cada uma das quais facil-mente acessvel, o terror de se partir na direo de umobjetivo distante e indefinido desaparece. Clareza de es-trutura e um ntido "balsamente" do curso da ao so,assim, elementos formais da maior importncia na cons-truo do drama. E quanto maior for a variao entrecada segmento e o seu vizinho mais prximo, menor sero perigo da monotonia, outra assustadora fonte de tdio.

  • * A expresso timing , intraduzvel em uma palavra para todasas suas implicaes de ritmo, andamento, noo exata do momen toem que algo deve ser dito ou feito, j hoje geralmente aceit a nonosso voaabul rio dramtico. (N. da T.)

    Em uma forma de arte na qual a estruturao daobra dentro de uma dimenso de tempo de tamanha im-portncia, natural que o timing* - um sentido instin-tivo de ritmo e andamento - seja a marca registrada dobom autor dramtico, assim como do diretor e do ator,ficando nele includas desde a durao (ou brevidade) decada cena ou segmento separados que compem a obradramtica at a mais mnima das pausas que possam exis-tir entre um levantar de sobrancelha e o dizer da fala.

    A economia a prpria essncia do timin. Entre mui-tas outras coisas, o drama um mtodo de comunicao.Ver uma pea, um filme, um seriado de televiso, ouviruma pea radiofnica, torna manifesta nossa disposiopara aceitar que alguma coisa nos seja comunicada e, porisso mesmo, ficamos interessados em decifrar a comuni-cao: tudo o que acontece naquele vdeo ou naquela telaou naquele palco, naquele horrio de transmisso radio-fnica, tem a obrigao de contribuir para aquele ato decomunicao. Max Frisch descreve em seus dirios o epi-sdio em que, quando foi chamado pela primeira vez peloteatro de Zurique para receber sua primeira encomendaoficial de uma pea, chegou cedo demais e ficou sentadona platia vazia e escura. Repentinamente, as luzes do pal-co acenderam-se, um assistente de contra-regra apareceu earrumou algumas cadeiras a serem usadas em um ensaioque estava a ponto de comear. Frisch descreve a enlevadaateno com que observou aquela atividade e como, repen-tinamente, cada movimento executado por aquele indiv-duo adquiriu a mais tremenda significao, pura e sim-plesmente porque ele os estava executando em um palcoiluminado e dentro de sua moldura. Simplesmente por-que estamos condicionados a pensar em um palco (ou um

    vdeo ou uma tela) como espaos nos quais coisas signi-ficativas nos so mostradas; em funo disso eles concen-tram nossa ateno e compelem-nos a organizar tudo oque neles acontece em algum esquema significativo, a ten-tar encontrar sentido no que seria o seu esquema. porcausa desse condicionamento que tudo o 'lue no for neces-srio ou no contribuir para a composio do esquemah de parecer sempre irritante, uma intromisso. O dra-maturgo, o diretor, os atores, o cengrafo e o figurinistaprecisam, por isso mesmo, ter plena conscincia perma-nente da funo de cada detalhe dentro da estrutura geral.Uma fala do dilogo pode no contribuir de forma diretapara o andamento do enredo, mas pode ser essencial parao estabelecimento desta ou daquela pista vital a respeitode um personagem; um mvel pode integrar a cenografiae jamais chegar a ser usado, desde que faa importantecontribuio para a criao da atmosfera adequada daobra. No Tio Vanya, de Tchekov, o autor especifica queacima da escrivaninha do latundirio russo deve estarpendurado um grande mapa da frica. A frica jamaisentra na pea, porm a prpria incongruncia de sua pre-sena ali serve para ilustrar o carter de disperso e ine-ficincia de Vanya. Ele deve ter encontrado o mapa nosto ou ento t-lo comprado muito barato em algumacasa de antiguidades e, se o pendurou ali, possvel queo mapa o lembrasse permanentemente de um imenso mun-do de aventuras para sempre fora de seu alcance, domesmo modo que talvez estivesse ali simplesmente paratapar uma mancha causada pela umidade. Poderemos,nesses termos, reconhecer o mapa da Africa como umamagistral pincelada de Tchekov em seu trabalho de ca-racterizao - que, alm do mais, das mais econmicas.Sua presena no acrescenta um nico segundo duraoda pea mas consegue, ao mesmo tempo, comunicar mui-ta coisa.

    . 57A EsTRUTURA DO DRAMA

    1

    UMA ANATOMIA DO DRAMA56

  • No estou com isso querendo dizer que todos os mu-tos elementos de ao, dilogo, ambientao ou msica deque um espetculo lana mo para se comunicar com aplatia tenham de ser conscientemente apreendidos porcada indivduo que compe o pblico como parte da co-municao total que est recebendo. Boa parte do impac-to do drama subliminar e instintivo. Na vida real, nsreagimos ao aspecto e ao modo de falar de uma pessoa queconhecemos pela primeira vez de modo instintivo e semanlise consciente de cada elemento que compe a impres-so geral que a pessoa nos causa. Do mesmo modo, pode-mos, em uma pea, achar o heri simptico, a heronaatraente, sem que o processo por meio do qual sentimostais reaes se torne consciente. Porm o processo de seselecionar algum capaz de causar tais reaes instinti-vas para desempenhar um dado papel tem de ser umadeciso consciente e deliberada por parte do diretor, en-quanto que por sua vez o ator ou atriz selecionado temde fazer um esforo consciente e deliberado para retratarum personagem simptico e atraente.

    Desse modo, a estrutura total de uma obra dramticadepende do equilbrio extremamente delicado entre umamultiplicidade de elementos, que devem todos contribuirpara o desenho total e que so totalmente interdependen-tes . Uma cena muito calma poder parecer entediante sevier logo aps uma outra do mesmo teor, porm constitui-r um alvio se seguir-se a uma outra que seja excepcio-nalmente barulhenta. O contexto tudo: inserido no con-texto adequado, um gesto quase que imperceptvel podermover montanhas, a mais simples das frases poder trans-formar-se na mais sublime expresso potica. nisso queconsiste o verdadeiro mistrio do drama, a reside sua ver-dadeira poesia.

    No entanto, muito embora os resultados possam pare-cer misteriosos, os meios pelos quais eles foram atingidospodem ser analisados e compreendidos. Uma vez que a

    ateno e o interesse do espectador tenham sido captados,uma vez que ele tenha sido induzido a seguir a ao comtotal concentrao e envolvimento, seus poderes de per-cepo estaro intensificados, suas emoes passaro afluir livremente e ele atingir, na verdade, um estado exa-cerbado de conscientizao no qual ficar mais receptivo,mais observador, mais apto a discernir a unidade e o de-senho geral da existncia humana. isso que torna a ver-dadeira receptividade em relao a qualquer arte seme-lhante experincia religiosa (ou conscientizao maisaguada do mundo pelo consumo de determinadas dro-gas). E entre todas as experincias artsticas dessa natu-reza, a obtida por intermdio do drama a mais pode-rosa.

    58 UMA ANATOMIA DO DRAMA A EsTRUTURA DO DRAMA 59

  • o VOCABULRIO CRTICO 61

    6 O vocabulrio crtico

    Quando se fala a respeito de qualquer assunto, no se podeprescindir de um vocabulrio especializado de tern:os econceitos . E em se tratando de drama, tal necessidadetorna-se mais verdadeira do que nunca, por tratar-se deuma forma de arte extremamente complexa. Ao discutiro estilo, salientei que a forma de linguagem utilizada naprimeira cena de uma pea prope o tom, por assim dizer,e comunica o esprito ne qual toda a pea dever ser aceitapela platia. Nesse contexto, o que importa ser a lingua-gem elevada ou grosseira, escrita em prosa ou verso, e seos movimentos e gestos dos atores sero formais ourealistas.

    O estilo no qual se escreve o drama tem mudadoatravs dos sculos, da mesma forma que as convenescom que o drama oferecido ao pblico (por exemplo,o caso da restrio a dois e, posteriormente, a trs atoresna tragdia grega, ou o rgido confinamento da ao moldura do arco do procno em todo o drama dos s-culos XVIII e XIX). Em perodos ou civilizaes dota-dos de vises do mundo unificadas, coerentes e aceitassem contestao por sua vasta maioria - perodos como() da Grcia clssica ou o da Idade Mdia - as artes e

    o drama em particular tendem a refletir tal visao pormeio de um estilo nico e unfcado de apresentao. Emoutros perodos, como o nosso, uma vasta gama de filo-sofias e atitudes em relao vida coexistem, havendoum alto grau de conscincia histrica, uma convico deque cada poca e cada pas so diferentes entre si. Emtais perodos coexiste uma grande variedade de possibili-dades de estilos e convenes de apresentao, que seapresentam a diretores, atores, dramaturgos e cengrafospara que os usem como melhor lhes apetecer. Um diretorde hoje em dia pode decidir que deseja produzir umapea, de Shakespeare por exemplo, em estilo realista ouexpressionista, ou como um espetculo renascentista for-mal ou de Commedia tielt'Arte; e poder decidir igual-mente se ir encen-lo na conveno do palco italiano, nade um palco projetado como o de Chichester ou de Stra-tford, Ontario, ou at mesmo em arena. Com todas essaspossibilidades disposio do artista, no de admirarque indivduos cuja funo discorrer sobre o drama -os crticos que o explicam, avaliam e criticam, ou (j quenenhuma arte de colaborao, como o drama, possvelsem comunicao entre os que dela participam) os dire-tores, atores, cengrafos, figurinistas e lumtnadores quea discutem entre si - no de admirar que toda essagente necessite de um vocabulrio de conceitos que per-mita o estabelecimento de uma comunicao eficiente.