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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular Comarca de Cuiabá-MT K. Página 1 de 26 Bruno D’Oliveira Marques Juiz de Direito Ação Civil Pública n.º 16703-51.2010.811.0041 (Código 439816) SENTENÇA. 1. Relatório: Trata-se de Ação Civil Pública c/c Pedido de Nulidade de Contratos e Obrigação de Fazer e de Não Fazer proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, inicialmente, em face Wilson Pereira dos Santos, Elismar Bezerra de Arruda, Edivá Pereira Alves e Município de Cuiabá, todos devidamente qualificados nos autos. Na exordial, narrou o Órgão Ministerial que, “instaurou o Inquérito Civil GEAP n° 000576-002/2004 para apurar possível improbidade administrativa e dano ao erário, decorrentes da celebração e execução dos contratos oriundos do processo licitatório na modalidade de Concorrência Pública, sob o n° 04/2002, de interesse da Secretaria Municipal de Transportes Urbanos e conduzido pelo Município de Cuiabá-MT, referente à concessão de linhas de exploração do transporte municipal de passageiros desta Capital”. Afirmou que referida concorrência pública teve início em abril de 2002 e foi concluída em meados de 2003, com “alguns contratos assinados em dezembro daquele ano, firmados ainda pelo então Prefeito Municipal Roberto França Auad”, contendo atos de improbidade administrativa, porém, acobertados pela prescrição, conforme art. 23 da Lei n° 8.429/92. Contudo, as investigações demonstraram que na execução e prorrogação dos contratos, houveram também diversas irregularidades e ilegalidades, diagnosticadas em levantamento pericial preliminar, consubstanciado no Relatório Pericial

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Bruno D’Oliveira Marques Juiz de Direito

Ação Civil Pública n.º 16703-51.2010.811.0041 (Código 439816)

SENTENÇA.

1. Relatório:

Trata-se de Ação Civil Pública c/c Pedido de Nulidade de Contratos

e Obrigação de Fazer e de Não Fazer proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato

Grosso, inicialmente, em face Wilson Pereira dos Santos, Elismar Bezerra de Arruda, Edivá

Pereira Alves e Município de Cuiabá, todos devidamente qualificados nos autos.

Na exordial, narrou o Órgão Ministerial que, “instaurou o Inquérito Civil

GEAP n° 000576-002/2004 para apurar possível improbidade administrativa e dano ao erário,

decorrentes da celebração e execução dos contratos oriundos do processo licitatório na

modalidade de Concorrência Pública, sob o n° 04/2002, de interesse da Secretaria Municipal de

Transportes Urbanos e conduzido pelo Município de Cuiabá-MT, referente à concessão de

linhas de exploração do transporte municipal de passageiros desta Capital”.

Afirmou que referida concorrência pública teve início em abril de 2002

e foi concluída em meados de 2003, com “alguns contratos assinados em dezembro daquele

ano, firmados ainda pelo então Prefeito Municipal Roberto França Auad”, contendo atos de

improbidade administrativa, porém, acobertados pela prescrição, conforme art. 23 da Lei n°

8.429/92.

Contudo, as investigações demonstraram que na execução e

prorrogação dos contratos, houveram também diversas irregularidades e ilegalidades,

diagnosticadas em levantamento pericial preliminar, consubstanciado no Relatório Pericial

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05/08, relativas ao pagamento das outorgas devidas à Prefeitura Municipal, bem como na

aplicação de sanções pecuniárias previstas nos contratos por descumprimento das disposições

contratuais.

Fez constar, ainda, que conforme o relatório do procedimento

investigativo, há mais de vinte anos as empresas Transportes Nova Era Ltda, Viação Estrela

Dalva Ltda, Transporte Cidade Cuiabá Ltda e TUT Transportes Ltda detinham a concessão

do serviço de transporte em Cuiabá e, desde o ano de 1977, nenhuma licitação foi feita; a

empresa Expresso Nova Cuiabá operava desde 1988, sem nunca ter participado de nenhum

processo licitatório.

Asseverou que, viciando a concorrência 04/2002, participaram as

empresas Auto Viação Princesa do Sol Ltda e Expresso Nova Cuiabá Ltda, pertencentes ao

mesmo sócio José Renato Bandeira de Araújo Leal.

Além disso, acerca da idade da frota de ônibus em circulação, o

relatório pericial apontou que as empresas vencedoras do certame descumpriram as

disposições contratuais e nada foi feito pelos requeridos, o Prefeito Municipal de Cuiabá e os

Secretários de Transportes Urbanos.

Foi constatado, ainda, que na vigência dos contratos houveram

cessões e concessões sem respaldo legal, com assinaturas divergentes das dos titulares e

responsáveis e em desrespeito às regras contratuais e legais.

Deduziu, também, que as prorrogações não observaram as regras

legais, pois as empresas Pantanal Transportes Urbanos e Expresso NS Transportes

Urbanos não estavam regulares com a SEFAZ; inclusive, todas as empresas retro, bem como a

Auto Viação Princesa do Sol, estavam em débito com o FGTS, o que as impedia de contratar

com o poder público.

Assim, afirmou que, ao não realizarem, deliberadamente, a

indispensável licitação, mesmo constituídos em mora pela Notificação Recomendatória n°

01/2009-PJNPP, os requeridos atentaram contra a legalidade e a moralidade pública (fls.

08/28).

A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 29/8135

(Volumes 01 a 41).

Em decisão de fls. 8136/8139, foi determinado que o autor realizasse

emenda à inicial, para inclusão de terceiros eventualmente atingidos em sua esfera jurídica

pelo provimento jurisdicional pretendido.

Em atendimento, o autor emendou a inicial para inclusão, no polo

passivo, das empresas Expresso Norte Sul Ltda, Expresso Ns Transportes Urbanos Ltda,

Age Transportes Ltda, Expresso Nova Cuiabá Ltda, Auto Viação Princesa do Sol Ltda e

Pantanal Transportes Urbanos Ltda (fls. 8142/8171 – Vol. 41).

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Na referida emenda, o autor requereu a exclusão do feito de “toda

argumentação e pedidos referentes à improbidade e a dano ao erário”, pois tais seriam

tratados em processo a parte.

Na emenda apresentada, o autor acrescentou que, dentre as

irregularidades constatadas, está a sub-rogação de direitos e obrigações celebrado com a

empresa Pantanal Transportes, sem licitação, em razão de simulação de cisão da empresa

Auto Viação Princesa do Sol, a qual pertence ao mesmo grupo econômico, utilizando a

mesma frota.

Do mesmo modo, asseverou que houve sub-rogação de direitos e

obrigações, de forma irregular, com a empresa Expresso NS Transportes Urbanos, em razão

de contrato de cessão de direitos e obrigações celebrado entre aquela e a empresa Expresso

Norte e Sul, com anuência da SMTU, tendo em vista um suposto desmembramento societário,

permanecendo com a mesma frota e seguindo as mesas disposições constantes no Contrato

04/2003.

Disse o autor, ademais, que tais atos foram realizados em

contrariedade aos arts. 175 e 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como em ofensa aos

arts. 27, IV e 29, III e IV, da Lei n.º 8.666/93.

Ao final, o Parquet requereu:

a) A procedência da ação, para o fim de declarar nulos os

contratos, prorrogações ou sub-rogações firmados entre o Município de

Cuiabá e as empresas requeridas, bem como de quaisquer decisões

administrativas ou documentos que tenham definido pela prorrogação,

continuidade ou autorização para que aquelas continuem na prestação

dos serviços de transporte coletivo municipal, decorrentes da irregular

Concorrência Pública nº 04/2002.

b) A concessão de tutela específica de obrigação de fazer para que

o Prefeito Municipal e o Município de Cuiabá realizem novo processo

licitatório para seleção de novas empresas para prestação de serviços

de transporte coletivo municipal, no prazo de 03 (três meses), ou outro

que o Juízo entender compatível, sob pena de multa.

c) A concessão de tutela específica de obrigação de não fazer,

para que o Prefeito Municipal e o Município de Cuiabá abstenham-se

de efetuar novas contratações, prorrogações, continuidade ou

autorização para prestação dos serviços coletivo municipal, sem a

realização de nova licitação.

O autor requereu, ainda, em caráter cautelar, a concessão de medida

liminar para que o Município de Cuiabá promovesse a exibição de todos os contratos, decisões

administrativas ou documentos relativos às renovações ou prorrogações com as empresas que

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prestam serviços de transporte coletivo urbano em Cuiabá; bem como dos comprovantes do

faturamento mensal das concessionárias e dos autos de infração.

A emenda apresentada foi recebida em parte, com a consequente

exclusão do polo passivo da demanda dos réus pessoas físicas Elismar Bezerra de Arruda e

Edivá Pereira Alves, mas mantendo-se no polo passivo o réu Wilson Pereira dos Santos (fls.

fls. 8172/8173).

Na mesma decisão supra, o pedido liminar foi indeferido.

As requeridas concessionárias foram devidamente citadas (certidões

de fls. 8182/8183, 8187/8188, 8203, 8205 e 8212).

A ré Age Transportes apresentou contestação, alegando em sede de

preliminar a ausência de interesse de agir do autor, em virtude de seu contrato de concessão

ter sido rescindido antecipadamente por iniciativa do Município de Cuiabá, requerendo a

extinção do processo sem resolução de mérito e, subsidiariamente, a improcedência dos

pedidos (fls. 8215/8223 – Vol. 42).

As rés Pantanal Transportes Urbanos, Expresso Nova Cuiabá, Auto

Viação Princesa do Sol e Expresso NS Transportes Urbanos apresentaram contestação

conjuntamente, suscitando em sede de preliminar, a nulidade do inquérito civil por violação

ao devido processo legal, em razão de não terem sido intimadas para dele participar (fls.

8259/8285).

Pugnaram, ainda, pela suspensão do presente processo em virtude

da existência de prejudicialidade externa com as ações nº 603/2010 (Id. 453958) - 1ª Vara

Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, números 601/2010 (Id. 453952) e

602/2010 (Id. 453957) - 5ª Vara da Fazenda Pública, nº 609/2010 (Id. 453962) - 4ª Vara da

Fazenda Pública.

Requereram, também, o reconhecimento das prejudiciais de mérito de

prescrição e decadência. Ao final, requereram a improcedência dos pedidos.

O réu Wilson Pereira dos Santos, devidamente citado (certidão de fl.

8414), apresentou contestação às fls. 8421/8434. Preliminarmente, alegou sua ilegitimidade

passiva e, no mérito, postulou pela improcedência dos pedidos (fls. 8421/8434 – Vol. 43).

Instado, o autor impugnou as contestações apresentadas pelos réus

Age Transportes, Pantanal Transportes Urbanos, Expresso Nova Cuiabá, Auto Viação Princesa

do Sol, Expresso NS Transportes Urbanos e Wilson Pereira dos Santos (fls. 8436/8442).

A ré Expresso Norte Sul apresentou contestação, alegando de modo

preliminar, sua ilegitimidade passiva, pugnando pela extinção do processo sem resolução de

mérito. Subsidiariamente, pela improcedência dos pedidos (fls. 8443/8454).

O Autor impugnou a contestação apresentada pela ré Expresso Norte

Sul (fls. 8458/8460).

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As certidões de fls. 8435 e 8455 consignam que as contestações

apresentadas pelos réus Wilson Pereira dos Santos e Expresso Norte Sul foram intempestivas.

Foi determinada a intimação do patrono da ré Expresso Norte Sul para

juntar procuração, sob pena de desentranhamento da peça (fl. 8461). Intimado, aquele

permaneceu inerte (fls. 8462/8463).

Após solicitações deste Juízo, os Juízos da 1ª, 4ª e 5ª Varas

Especializadas da Fazenda Pública enviaram aos autos certidões de objeto e pé das ações

603/2010 (Id. 453958), 601/2010 (Id. 453952), 602/2010 (Id. 453957) e 609/2010 (Id. 453962) –

(fls. 8477/8504 – Vol. 43).

O Município de Cuiabá se manifestou às fls. 8505/8964, suscitando a

nulidade de sua citação.

Pela decisão de fls. 8968/8969 foi declarada a nulidade da citação do

Município de Cuiabá e determinada nova diligência nesse sentido. Efetivado o ato citatório,

conforme certidão de fls. 8971/8972, decorreu o prazo sem contestação do referido ente (fl.

8975).

O Autor postulou a juntada dos documentos de fls. 8978/9029, acerca

dos quais os réus foram intimados a se manifestar, porém, quedaram-se inertes (fls. 9036) –

Vol. 45.

As partes foram intimadas acerca de eventuais provas a produzir.

O município de Cuiabá se manifestou às fls. 9043/9045.

Os demais réus não se manifestaram (fls. 9047/9048).

Instado, o autor informou não ter provas a produzir e requereu o

julgamento antecipado da lide (fl. 9049 – Vol. 46).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

DECIDO.

2. Fundamentação.

Respeitados os termos do artigo 12 do Código de Processo Civil, bem

como devidamente cabível o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I,

do Código de Processo Civil, não havendo, a necessidade de dilação probatória, uma vez que

os documentos juntados aos autos são suficientes para o deslinde do feito.

Assim sendo, passo ao exame do mérito da demanda, expondo as

razões de convencimento.

Antes, porém, passo à análise das preliminares aventadas pelas partes

rés em suas respectivas contestações.

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2.1. Preliminar: Ré Age Transportes.

A ré Age Transportes sustentou em sua contestação que o autor

carece de interesse de agir, pois seu contrato de concessão foi rescindido antecipadamente

por iniciativa do próprio Município de Cuiabá (fls. 8215/8223 – Vol. 42).

Ouvido, o autor manifestou-se pela manutenção da ré no polo passivo,

ao argumento de não restou comprovovada a ausência de vínculo com a Prefeitura de Cuiabá.

De fato, compulsando os autos, verifica-se que houve ato

administrativo do Município de Cuiabá, através da Portaria nº 57/2007/SMTU, publicada em

27.10.2007 (fl. 8225-Vol. 42), em que a Secretaria Municipal de Trânsito rescindiu o Contrato de

Concessão n.º 5/2003 firmado com a supracitada ré.

Porém, apesar da ré não mais fazer parte do sistema de transportes da

Capital desde a decisão administrativa de rescisão do contrato de concessão, entendo que

permanece sua legitimidade para figurar no polo passivo da demanda.

Isso porque, o objeto do pedido engloba a declaração de nulidade de

atos administrativos que envolvem diretamente o contrato originário da concessão em favor da

ré, bem como os desdobramentos que dele se originaram, como cessões e subconcessões, as

quais, ao que tudo indica, permanecem em vigor em benefício das demais rés sub-rogadas e

que ainda operam o serviço de transporte.

Com efeito, os fatos que envolvem o contrato de concessão da ré Age

Transportes estão relacionados e se confundem com os demais contratos, não havendo como a

desvincular de eventuais consequências da procedência do pedido.

Assim, afasto a preliminar de ausência de interesse de agir.

2.2. Preliminares: Rés Pantanal Transportes Urbanos, Expresso Nova

Cuiabá, Auto Viação Princesa do Sol e Expresso NS Transportes

Urbanos.

As rés acima indicadas aduzem que há nulidade do inquérito civil

por violação ao devido processo legal, em razão de não terem sido intimadas para dele

participar (fls. 8259/8285).

Pedem a suspensão do presente processo em virtude da existência

de prejudicialidade externa com as ações nº 603/2010 (Id. 453958) - 1ª Vara Especializada da

Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, números 601/2010 (Id. 453952) e 602/2010 (Id.

453957) - 5ª Vara da Fazenda Pública, nº 609/2010 (Id. 453962) - 4ª Vara da Fazenda Pública.

Pugnam, ainda, pelo reconhecimento das prejudiciais de mérito de

prescrição e decadência.

Pois bem.

No tocante à preliminar de nulidade do inquérito civil por violação

ao devido processo legal, sob o fundamento de não terem, desde o início, sido intimadas para

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participar das investigações intentadas, impende ressaltar que não se verifica do caderno

informativo nenhuma mácula a ensejar sua nulidade.

Isso porque, como se sabe, o inquérito civil é um procedimento

meramente investigatório, destinado à colheita de provas e/ou outros elementos de convicção

para subsidiar futura e eventual ação civil pública, de maneira que, por caracterizar-se como

procedimento investigatório informal, sem caráter de medida processual, não se exige o

contraditório.

Ademais, não é possível acoimar de nula ação civil pública que se

baseia em provas colhidas durante a tramitação de Inquérito Civil Público porque a própria

existência do procedimento é facultativa, não sendo obrigatória para a propositura da medida

judicial, bem como porque, uma vez instaurada a lide processual, oportuniza-se ao demandado

todas as garantias destinadas à ampla defesa.

Sobre o assunto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INQUÉRITO CIVIL. VIOLAÇÃO

DO ART. 332 DO CPC . INEXISTÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

APLICAÇÃO AOS AGENTES POLÍTICOS. PRECEDENTES. SÚMULA

83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO

RECURSO ESPECIAL. [...]. 4. Quanto à violação do art. 332 do Código de

Processo Civil , a jurisprudência desta Corte firmou entendimento no

sentido de que "o inquérito civil, como peça informativa, tem por fim

embasar a propositura da ação, que independe da prévia instauração do

procedimento administrativo. Eventual irregularidade praticada na fase

pré processual não é capaz de inquinar de nulidade a ação civil pública,

assim como ocorre na esfera penal, se observadas as garantias do

devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório" (REsp

1.119.568/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe

23/9/2010). Precedentes. 5. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento

da Rcl 2.790/SC , Rel. Min. Teori Albino Zavascki, pacificou o entendimento

no sentido de que cabe a submissão dos Agentes Políticos à Lei de

Improbidade Administrativa . Precedentes. Agravo regimental improvido.”

(STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

AgRg no AREsp 322262 SP 2013/0094009-9 (STJ) Data de publicação:

28/06/2013)

Ademais disso, muito embora a defesa tenha suscitado questões

relativas ao inquérito civil como pontos de ordem preliminar, entendo que a análise acurada da

força probante do referido procedimento administrativo se confunde com o mérito da pretensão

e, portanto, com este deverá ser apreciada, com base no princípio da livre convicção motivada,

quando o Juízo sopesará todo o material probatório existente.

Com efeito, rejeito a preliminar.

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Quanto à prejudicial de prescrição/decadência, as rés invocam a

aplicação do prazo previsto no caput do art. 178 do Código Civil, que dispõe ser de 04

(quatro) anos o prazo decadencial para anulação de negócios jurídicos, quando presentes as

hipóteses descritas nos incisos I a III; ou, ainda, o prazo de 02 (dois) anos previsto no art. 179,

do mesmo diploma legal, quando a lei dispuser que o ato é anulável, mas não estabelecer

prazo, o que é contado a partir da data da conclusão daquele.

Afirmam, com isso, que em se tratando de negócios jurídicos

praticados pela Administração e passíveis de invalidação, “nem mesmo se aplicaria o prazo

quinquenal”, pois “sendo o contrato administrativo um negócio, o prazo decadencial para

arguição de nulidades é quadrienal”, aquele previsto no Código Civil (art. 178).

Aduzem, ainda, que o autor pretende a análise de ocorrências da fase

do certame licitatório das atuais concessões, de modo que, os vícios apontados, se fossem

existentes, se esvaíram com a assinatura do contrato, razão pela qual, não podem mais ser

objeto de apreciação na “pós-adjudicação”.

Quanto a tal preliminar, deixo de analisá-la neste instante, de modo a

incursionar no tema juntamente com mérito, o que possibilitará melhor explanação sobre o

convencimento do Juízo sobre o tema.

Sobre o pedido de suspensão do presente processo em virtude da

existência de prejudicialidade externa com as ações Código 453958, em trâmite perante a 1ª

Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, Códigos 453952 e Código

453957, ambas em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública, bem como a de Código

453962, em trâmite na 4ª Vara da Fazenda Pública, tal pleito também não merece guarida.

A esse respeito, em consulta aos andamentos dos referidos processos

junto ao sistema Apolo e site do TJ/MT, observa-se que os autos Códigos 453952 e 453957,

ambos em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública, e o de Código 453962, em trâmite na

4ª Vara da Fazenda Pública, já foram julgados, tendo as respectivas sentenças transitado em

julgado.

Diante disso, não há que se falar em suspensão do presente processo

em razão de suposta prejudicialidade com aqueles, até mesmo porque, as sentenças proferidas

e transitadas levam à perda do objeto do pedido.

A prejudicialidade externa ocorre quando o julgamento de uma causa

(a prejudicada) depender do que venha a ser decidido a respeito de outra (prejudicante).

Por sua vez, conquanto ainda esteja pendente de julgamento o

processo de Código 453958, em trâmite na 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública, de

objeto idêntico ao das ações supramencionadas – sentenciadas, tal circunstância, por si só, não

determina a suspensão deste processo coletivo.

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Ora, a presente ação coletiva foi ajuizada em 25.05.2010, ou seja,

antes da distribuição de todas as ações individuais indicadas, inclusive daquela que ainda

encontra-se pendente de julgamento (Id. 453958 – data da distribuição: 31.08.2010).

Por esta razão, a causa prejudicante é a presente ação coletiva e não

a ação individual (causa prejudicada). Logo, a suspensão por prejudicialidade, se existente a

causa que a determine, incidiria sobre a ação individual.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça, na sistemática de recursos

repetitivos, pacificou entendimento de que, no caso de existência de ação civil pública,

instaurada antecipadamente, todos os processos individuais referentes ao mesmo caso devem

ser suspensos. Nesse sentido:

“RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE

CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES

INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a

macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as

ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2.-

Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104

do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do

Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a

interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a

diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo

Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672,

de 8.5.2008).” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.110.549 - RS - 2009/0007009-2).

Assim, segundo esse entendimento, é possível determinar a

suspensão do andamento de processos individuais até o julgamento, no âmbito de ação

coletiva, da questão jurídica de fundo neles discutida.

Nesta senda, não há que se falar em suspensão do presente processo,

porque dada a sua maior amplitude, o processo individual – Código 453958 (31.08.2010) é que

restará prejudicado.

2.3. Preliminares: Réu Wilson Pereira dos Santos.

A certidão de fls. 8435 indicou a intempestividade da contestação

apresentada pelo réu supraindicado às fls. 8421/8434, em razão do último mandado de citação

ter sido juntado em 29.11.2011.

Como previa o art. 241, III, do à época vigente CPC/73, quando houver

vários réus, o prazo para contestar começa a correr da data de juntada aos autos do último

aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. Tal disposição legal, atualmente, é

correspondente à norma do art. 231, § 1º, do CPC/2015.

Ocorre que, posteriormente à aludida certidão indicando o último ato

citatório, houve decisão (fls. 8968/8969) que declarou nula a citação do Município de Cuiabá,

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sendo determinada nova diligência, cujo mandado cumprido (fls. 8971/8972) fora juntado aos

autos em 26.06.2014, consoante se extrai dos andamentos do sistema Apolo.

Assim, considerando situação que impôs novo ato citatório em

momento posterior à contestação do corréu Wilson Pereira, há que se considerá-la tempestiva.

No que diz respeito à preliminar de ilegitimidade passiva vindicada

pelo aludido réu, tenho que lhe assiste razão, tanto que na impugnação de fls. 8436/8442, o

autor também concorda com seu acolhimento.

Isso porque, quando o autor apresentou emenda à petição inicial,

requereu que os pedidos e fundamentações antes consignados e que eram relativos a atos de

improbidade administrativa e ressarcimento ao erário, fossem desconsiderados, o que, por

consequência, resultaria na exclusão dos réus pessoas físicas do polo passivo da ação.

Por ocasião da análise da emenda apresentada, o Juízo excluiu do

polo passivo Elismar Bezerra de Arruda e Edivá Pereira Alves, mantendo-se, todavia, o réu

Wilson Santos, em razão das pretensões elencadas nos pedidos.

Ocorre que, como salienta a defesa, o réu indicado não exerce o cargo

de Prefeito de Cuiabá desde Abril/2010 e, por isso, não detém competência para atender

quaisquer dos pedidos que buscam a determinação de realização de novo procedimento

licitatório.

Da mesma forma, como sustenta o Ministério Público, não se busca

nesta demanda condenação do requerido por ato de improbidade administrativa previsto na Lei

n.º 8.429/92, mas tão somente a anulação dos contratos firmados pela Administração Pública,

aos quais se atribuem irregularidades.

Assim, impõe-se o reconhecimento da ilegitimidade passiva do réu

Wilson Pereira dos Santos.

2.4. Outras Preliminares: Expresso Norte Sul e Município de Cuiabá.

A certidão de fls. 8455 indicou a intempestividade da contestação

apresentada pelo ré supraindicada às fls. 8443/8454, em razão do último mandado de citação

ter sido juntado em 29.11.2011.

Ocorre que, como já exposto em tópico anterior, operou-se nova

citação do Município de Cuiabá, razão pela qual, o último mandado juntado aos autos se deu

em 26.06.2014, o que impõe o reconhecimento da tempestividade da peça, pois protocolizada

anteriormente (06.06.2012).

Todavia, inobstante se reconheça pelo motivo supra, a tempestividade

da peça de contestação, esta continha vício de representação, dada a ausência de procuração

em favor do causídico peticionante, o qual, devidamente intimado para promover a

regularização, manteve-se inerte (fls. 8461; fls. 8462/8463).

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Com efeito, nos termos dos arts. 13, II1 e 319, ambos do Código de

Processo Civil de 1973, declaro a REVELIA da ré Expresso Norte Sul. Por consequência, deixo

de conhecer das alegações contidas na contestação de fls. 8443/8454.

Por outro lado, registro que não serão aplicados os efeitos da

presunção de veracidade dos fatos em relação à ré indicada, tendo em vista a pluralidade de

réus, os quais apresentaram contestação (art. 320, I, CPC/73).

Ademais, conforme certidão de fls. 8975 – Vol. 45, após a citação

válida, o Município de Cuiabá deixou transcorrer o prazo sem aprsentar contestação. Assim,

com os mesmos fundamentos supra, DECLARO a REVELIA do referido ente público.

2.5. Prejudicial de Prescrição:

Inicialmente, observa-se que na peça inicial da presente demanda,

distribuída em 25.05.2010, os fatos foram contextualizados pelo autor com a informação de que,

a partir da instauração de Inquérito Civil no âmbito de outra Promotoria de Justiça, no ano de

2004, constatou-se que as empresas concessionárias do transporte coletivo urbano da Capital

operavam ilegalmente “há várias décadas”.

Afirmou que com base em tais informações, instaurou o Inquérito Civil

GEAP n° 000576-002/2004 para apurar possível improbidade administrativa e dano ao erário,

decorrentes da celebração e execução dos contratos oriundos do processo licitatório n°

04/2002, de interesse da Secretaria Municipal de Transportes Urbanos e conduzido pelo

Município de Cuiabá, referente à concessão de linhas de exploração do transporte municipal de

passageiros desta Capital.

Em relação ao mencionado processo de licitação nº 04/2002,

asseverou que a concorrência pública se iniciou em abril de 2002, foi concluída em meados de

2003, e teve alguns contratos assinados em dezembro daquele ano pelo então Prefeito

“Roberto França Auad”, contendo “atos de improbidade administrativa”, o quais não mais

poderiam ser perseguidos, “porque acobertados pela prescrição, conforme art. 23 da Lei n°

8.429/92-LIA”.

Inobstante isso, segundo o autor, considerando a continuidade das

investigações através do referido inquérito civil, foi constatado que na execução dos contratos e

nas prorrogações deles, também houveram irregularidades e ilegalidades, diagnosticadas no

levantamento pericial preliminar, consubstanciado no Relatório Pericial 05/08, encartado aos

autos às fls. 744/791- Vol. 04.

Nos termos dos levantamentos feitos na investigação, foram

constatados vícios no próprio procedimento de licitação 04/2002, decorrentes da

participação das empresas Auto Viação Princesa do Sol Ltda e Expresso Nova Cuiabá Ltda,

ambas pertencentes ao mesmo sócio (José Renato Bandeira de Araújo Leal), bem como pelo 1 Art. 13, CPC/73: “Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber: [...] II - ao réu, reputar-se-á revel”.

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fato de que, aquela, funcionava no mesmo endereço das empresas Solbus e Rotedali, indicando

serem do mesmo grupo econômico.

Além disso, apurou-se que ainda na vigência dos contratos, houve

cessões, concessões e sub-rogações sem licitação, como os contratos de sub-rogação de

direitos e obrigações celebrados pelo Município com a empresa Pantanal Transportes (fls.

2081/2112- Vol. 11), bem como com a empresa Expresso NS Transportes (fls. 8077/8079 –

Vol. 41).

Em razão disso, o autor descreveu que, expediu a notificação

recomendatória nº 01/2009, de 15.04.2009 (fls. 803/807 – Vol. 05), endereçada ao Prefeito do

Município e ao Secretario da SMTU, apontando os vícios constatados que “contaminaram” a

concorrência 04/2002 e, consequentemente, todos os contratos dela decorrentes,

recomendando-lhes, assim, a realização de novo procedimento licitatório, bem como que os

contratos anteriormente firmados não fossem renovados, pois “nulos de pleno direito”.

Pois bem.

Do que se depreende da exordial, apesar do autor consignar que na

licitação nº 04/2002 foram constatados atos de improbidade administrativa - já prescritos, nos

do art. 23, da Lei n° 8.429/92, pretende a declaração de nulidade do próprio procedimento

porque eivado de vícios e defeitos que o contaminaram.

Acerca dos fatos supra delineados, importante observar que a licitação

desencadeada pelo Edital de Concorrência Pública nº 004/2002 (fls. 4072/4264), que resultou

na contratação das empresas rés, teve seu resultado homologado em 11.08.2003 (fls. 4339 –

Vol. 22).

Tal ato administrativo que concedeu às vencedoras do certame a

concessão para prestação do serviço de transporte urbano municipal são, nos termos propostos

pelo autor, nulos. Consequentemente, maculam o contrato, bem como as posteriores

prorrogações e sub-rogações dele decorrentes.

A ação foi ajuizada em 25.05.2010, ou seja, depois de decorridos mais

de 05 (cinco) anos do encerramento do processo licitatório que se pretende declarar-se a

nulidade. Como se sabe, inobstante a Lei n. 7.347/1985 - que disciplina a ação civil pública -

seja silente quanto à prescrição para a propositura da demanda, é entendimento reiterado do

Superior Tribunal de Justiça2 que aplica-se por analogia a prescrição quinquenal prevista no

art. 213 da Lei da Ação Popular (nº 4.717/65).

2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. [...]Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. [...]. 8. Recursos Especiais providos para acolher a prescrição quinquenal da ação.” (RECURSO ESPECIAL Nº 406.545 - SP - 2002/0007123-6). 3 Art. 21. “A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos”.

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Infere-se da inicial e emenda apresentadas que a pretensão de

invalidade da licitação discutida se justifica pela presença, no procedimento, de “irregularidades

e ilegalidades” que viciaram o contrato inicial tornando-o “nulo de pleno direito”, circunstância

que autoriza a propositura da demanda sob tal ponto, sem se falar em prescrição.

Como cediço, a jurisprudência do STJ já reconheceu a

imprescritibilidade das ações que visavam a declaração de nulidade de ato administrativo nulo,

assim entendidos aqueles que ferem disposição constitucional. Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO FIRMADO

ENTRE O MUNICÍPIO DE CAMAÇARI E CONSTRUTORA VIOLAÇÃO DO

ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – DEFICIÊNCIA NA

FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF – ATOS ADMINISTRATIVOS

NULOS – REVISÃO – ART. 54 DA LEI 9.784/1999 – JURISPRUDÊNCIA DA

CORTE ESPECIAL – DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO TERMO DE

TRANSAÇÃO – VÍCIO INSANÁVEL – AUSÊNCIA DE APROVAÇÃO DA

CÂMARA MUNICIPAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE

RELAÇÃO JURÍDICA – IMPRESCRITIBILIDADE – FUNDAMENTOS DO

ACÓRDÃO RECORRIDO INATACADOS – SÚMULA 283/STF. [...]. 3. A

nulidade absoluta insanável é vício que, por sua gravidade, pode ser

reconhecido mesmo após o trânsito em julgado, mediante simples ação

declaratória de inexistência de relação jurídica (querela nullitatis

insanabilis), não sujeita a prazo prescricional ou decadencial e fora das

hipóteses taxativas do art. 485 do CPC (ação rescisória). 5. O recorrente

não infirma os motivos ensejadores da nulidade do "Termo de Acordo", os

quais são suficientes para manutenção da conclusão adotada no acórdão

recorrido. Incidência da Súmula 283/STF. 6. Recurso especial parcialmente

conhecido e não provido.” (REsp 1199884/BA, Rel. Ministra ELIANA

CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 08/09/2010).

Anoto, por oportuno, que a construção de tal entendimento decorreu do

julgamento de casos que visavam a nulidade de concessão de serviço público de transporte não

precedida de licitação, contrariando o disposto no art. 175, da Constituição Federal. Veja-se:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. ATOS

ADMINISTRATIVOS NULOS. DECRETAÇÃO DE NULIDADE EM FACE DA

CF/88. AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. É inquestionável que o objeto da

ação, além da condenação ao pagamento à União dos prejuízos

patrimoniais e morais sofridos, é a declaração de nulidade da

concessão de serviço público de transporte coletivo de passageiros,

bem como dos correlatos contratos firmados entre o Estado de Goiás e

a recorrente, com a nulificação da regularização efetuada pelo DNER,

em 29/12/1989. 2. A jurisprudência do STJ já reconheceu a

imprescritibilidade das ações que visam a declaração de nulidade de ato

por falta de licitação, razão pela qual deve subsistir o acórdão

impugnado ao afastar a prescrição da pretensão do Ministério Público,

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autor da ação e ora agravado. Precedentes. [...] 5. Nessa linha, muito

embora a corte de origem tenha acolhido a imprescritibilidade da pretensão

autoral por entender existente a má-fé e, por esse motivo, inaplicável o artigo

54 da Lei n. 9.784/1999, este Tribunal não está impedido de afastar a base

jurídica do aresto impugnado e aplicar o direito à espécie, reconhecendo a

imprescritibilidade da pretensão em razão de esta consistir na declaração de

nulidade da concessão de serviço público de transporte coletivo de

passageiros, bem como dos correlatos contratos firmados entre o Estado de

Goiás e a recorrente, bem assim na nulificação da regularização efetuada

pelo DNER, em 29/12/1989.” (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Nº 91.443 – GO - 2011/0285426-2, 09/08/2012).

Inobstante a imprescritibilidade das ações que visam a declaração de

nulidade de ato por falta de licitação, in casu, a prescrição também não se implementou pelo

decurso do tempo.

Isso porque a Cláusula 5ª dos contratos previu o prazo de 5 (cinco)

anos para as concessões. Logo, considerando a data das assinaturas, o encerramento tinha

previsão para 05.12.2008 e, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o ato

administrativo que prorroga o contrato de concessão, sem licitação, estende seus efeitos no

tempo, de forma que seu término deve ser considerado o marco inicial da prescrição da ação

civil pública.

Assim, consideranao que o contrato foi assinado em 05.12.2003, com

prazo de validade de 05 anos, encerrando-se, portanto, em 05.12.2008 - termo inicial da

prescrição quinquenal -, bem como que o ajuizamento da demanda ocorreu em 25.05.2010, não

há falar-se em prescrição.

Confira-se julgado sobre o tema:

“ANULAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE

SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO. TERMO A QUO. TÉRMINO DO

VÍNCULO CONTRATUAL. PRECEDENTES. [...] 3. De acordo com a

jurisprudência do STJ, o termo inicial para o ajuizamento da ação civil

pública que objetiva anular contrato administrativo de concessão de

serviço público é a data do término do vinculo contratual, haja vista que

as consequências e resultados da contratação sucedem durante toda a

avença, protraindo-se no tempo. 4. Afastada a prescrição, devem os autos

retornar ao Tribunal de origem, a fim de que prossiga no exame da lide como

entender de direito. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” – (STJ -

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1379155

SC 2013/0111894-6 - Data de publicação: 25/06/2015).

Desse modo, o termo inicial de prescrição/decadência nas questões

que se referem à execução e prorrogação dos contratos tem início apenas quando findado o

prazo contratual, no que se incluem os atos seguintes de prorrogações e cessões.

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Ademais disso, o cerne da pretensão autoral correspondente à

obrigatoriedade do município em realizar novo procedimento licitatório é matéria de trato

sucessivo, não alcançável pela prescrição. Logo, possuindo os contratos vigentes origem

comuns àqueles objeto da concorrência pública n.° 04/2002, pois constituídos por meio de

prorrogações e sub-rogações daqueles objeto de tal concorrência, mostra-se clarividente que,

sobre os objetos ainda vigentes, não há falar-se em prescrição.

3. Mérito:

O autor requer a declaração de nulidade dos contratos oriundos do

processo licitatório na modalidade de Concorrência Pública n° 04/2002, por vícios em sua

celebração, na sua execução e prorrogação dos contratos.

No que se refere aos vícios na celebração do contrato, entendo não

restarem comprovadas as apontadas ilegalidades.

O primeiro fato diz respeito à participação das empresas Auto Viação

Princesa do Sol e Expresso Nova Cuiabá, pertencentes ao mesmo sócio José Renato

Bandeira de Araújo Leal. O segundo, refere-se ao fato apurado de que as empresas Princesa

do Sol, Solbus e Rotedali funcionavam no mesmo endereço, o que seria um indicativo de

pertencimento delas ao mesmo grupo econômico.

Ocorre que supracitados fatos não contrariam nenhuma vedação

expressa da Lei 8.666/93 ou do próprio edital de concorrência.

Vale destacar que o próprio relatório pericial que subsidia a exordial

menciona que o edital de concorrência, nos itens “6.0” e “6.7”, que tratam das condições de

participação, não contemplam proibições a esse respeito (fls. 753/754 – Vol. IV).

Por outro lado, fez-se constar no relatório que apesar da não previsão

no edital, existe tal vedação no inciso I, do parágrafo primeiro do art. 3º, da Lei 8.666/93, in

verbis:

“§ 1º. É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou

condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter

competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam

preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio

dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante

para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12

deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;”

Contudo, tenho que a conclusão do laudo acerca da aplicação desse

dispositivo ao caso concreto não merece ser convalidada judicialmente, diante da consolidada

jurisprudência em sentido contrário.

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Com efeito, a participação de duas empresas com o mesmo quadro

societário ou do mesmo grupo econômico, por si só, não implica presunção de ofensa à

competitividade do certame, sendo necessário para tanto a convergência de outros elementos.

A esse respeito, são os julgados a seguir:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO DECLARATÓRIA DE NULIDADE

DE ATO ADMINISTRATIVO LICITAÇÃO REGISTRO DE PREÇOS PREGÃO

ELETRÔNICO LICITANTES EMPRESAS DE UM MESMO GRUPO

ECONÔMICO DESCLASSIFICAÇÃO ILEGALIDADE. 1. Inexiste vedação

legal à participação de empresas de um mesmo grupo econômico em

procedimento licitatório. Inadmissibilidade de interpretação ampliativa a

normas legais restritivas de direitos dos administrados. 2. Não podem

ser impedidas de participar individualmente em licitação empresas

pertencentes a um mesmo grupo econômico, presentes elementos

comprobatórios de sua plena qualificação pessoal (personalidade

jurídica, capacidade técnica e idoneidade financeira próprias), ausente

prova de fraude ou conluio para frustrar o caráter competitivo do

certame. Desclassificação considerada ilegal. Pedido procedente. Sentença

mantida. Recurso desprovido.” TJ-SP - Apelação APL

00224835020098260053 SP 0022483-50.2009.8.26.0053 (TJ-SP) Data de

publicação: 13/08/2014.

“LICITAÇÃO. ART. 9º, LEI Nº 8.666/93. EMPRESAS COM MESMA

COMPOSIÇÃO SOCIAL. OUTRAS LICITANTES. ILEGALIDADE.

INEXISTÊNCIA. Nenhuma ilegalidade há em licitação que, embora

concorrendo duas empresas com o mesmo quadro social, apresenta outras

licitantes, não fosse a ausência de algum banimento a tal possibilidade em o

art. 9º, lei nº 8.666/93. Nº 70065210510 (N° CNJ: 0206429-

67.2015.8.21.7000)”. DATA DE JULGAMENTO: 01/07/2015.

“LICITAÇÃO (SOB A MODALIDADE CONVITE) PARA AQUISIÇÃO DE 01

(UM) AUTOMÓVEL PELA CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE

CARUARU. CONVOCAÇÃO DE EMPRESAS PERTENCENTES AO

MESMO GRUPO ECONÔMICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO

CONSTITUI INDÍCIO DE SIMULAÇÃO DO CERTAME LICITATÓRIO.

ANÁLISE DA ATUAÇÃO CONCRETA DOS LICITANTES E DA COMISSÃO

DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS

INDICATIVOS DA SUPOSTA FRAUDE. RESULTADO DA LICITAÇÃO

COMPATÍVEL COM OS VALORES DE MERCADO. REJEIÇÃO LIMINAR DA

AÇÃO. ACÓRDÃO EMBARGADO CLARO E SUFICIENTE POR SEUS

PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO.

ACLARATÓRIOS IMPROVIDOS. DECISÃO UNÂNIME. 1. A frustração à

competição tem por núcleo essencial o concerto entre licitantes (e

eventualmente também entre estes e a Comissão de Licitação) com o

desiderato de simular disputa e, por decorrência, impingir à Administração

uma contratação menos vantajosa do que aquela que naturalmente adviria

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de uma competição efetiva. [...] Ou seja, a mera circunstância de os

licitantes pertencerem ao mesmo grupo econômico não constitui indício

de simulação do certame licitatório (até porque, se assim fosse, a mera

participação dos mesmos deveria ser vedada pela lei, o que não ocorre).

4. Assim, para se cogitar de frustração a processo licitatório, impende

observar a atuação concreta dos licitantes (e da Comissão de Licitação) para

o fim de verificar se exsurge algum vínculo subjetivo entre eles, indicativo de

simulação. 5.” (TJ-PE - Embargos de Declaração ED 2190192 PE (TJ-PE)

Data de publicação: 01/04/2013).

Aliás, a ilegalidade é condição sine qua non para se anular a licitação,

consoante prevê o art. 49 da Lei 8.666/93, que possibilita a autotutela administrativa, in verbis:

Art. 49. “A autoridade competente para a aprovação do procedimento

somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público

decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e

suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de

ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e

devidamente fundamentado.”

In casu, não houve a concreta demonstração de vício de legalidade a

ensejar a nulidade do procedimento de licitação, operando-se a presunção de legitimidade e

legalidade do ato administrativo que o homologou.

Superadas às impugnações ao edital de licitação, passo a análise dos

demais pontos impugnados pelo autor, quais sejam, ilegalidades na execução do contrato,

sobretudo quanto à prorrogação de sua validade e as cessões dos direitos por algumas das

concessionárias a outras empresas.

Com a homologação do procedimento de licitação nº 04/2002, foram

formalizados quatro contratos de igual teor e condições, todos celebrados na mesma data, qual

seja, 05.12.2003. São eles:

1. Auto Viação Princesa do Sol – Contrato nº 007/03/SMTU, fls. 64/65;

2. Expresso Norte e Sul Ltda – Contrato nº 004/03/SMTU), fls. 96/128;

3. AGE Transportes Ltda – Contrato nº 006/03/SMTU, fls. 129/160;

4. Expresso Nova Cuiabá Ltda – Contrato nº 005/03/SMTU, fls.

161/192.

Isto posto, cumpre anotar que diversas das considerações trazidas no

Relatório Pericial n.º 05/08, suficientemente amparado por farta documentação, merecem

convalidação judicial.

Por oportuno, anoto que não há óbice ao conhecimento e valoração

das provas colhidas no procedimento investigativo, e sua utilização em Juízo não enseja

cerceamento de defesa ou violação do devido processo legal, mormente quando dotado de

elementos de convicção sólidos a amparar os pedidos formulados pelo autor.

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Ademais disso, é consolidado o entendimento das Cortes Superiores

no sentido de que, embora as provas trazidas no bojo do inquérito civil público tenham valor

probatório relativo, equivalente às provas documentais, só devem ser afastadas quando houver

contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório. Veja-se:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JULGAMENTO

ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

INQUÉRITO CIVIL. VALOR PROBATÓRIO RELATIVO. VIOLAÇÃO AO

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AFASTADA. AUSÊNCIA DE REPASSE DAS

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 11 , II , DA LEI N. 8429 /92.

ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES CIVIS

PREVISTAS NO ART. 12 DA LIA . I - Não configura cerceamento de

defesa o julgamento antecipado da lide, se o julgador, destinatário da

prova, entende ser desnecessária a instrução processual, notadamente

quando o prejuízo alegado decorre da inércia da parte e, não, da

condução do processo. II - A jurisprudência do colendo Superior Tribunal

de Justiça sedimentou-se no sentido de que as provas trazidas no bojo do

inquérito civil público têm valor probatório relativo, equivalente às provas

documentais, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só

devem ser afastadas quando houver contraprova de hierarquia superior, ou

seja, produzida sob a vigilância do contraditório. [...]. APELAÇÃO

CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJ-GO - APELACAO CIVEL AC

02426904620058090103 - Data de publicação: 17/03/2017).

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -

PRELIMINAR DE NULIDADE DO INQUÉRITO CIVIL POR AUSÊNCIA DE

CONTRADITÓRIO - AFASTADA - PROVAS DA FASE INQUISITORIAL NÃO

RENOVADAS EM JUÍZO - DESNECESSIDADE - AUSÊNCIA DE

CONTRAPROVA PARA ILIDIR OS ELEMENTOS COLHIDOS NA PEÇA

INVESTIGATIVA - RECURSO DESPROVIDO. 1. O inquérito civil público tem

natureza inquisitorial e investigatória, sendo desnecessária a observância ao

direito ao contraditório e a ampla defesa, servindo suas conclusões de

fundamento à instauração de procedimento judicial, com vistas ao

ressarcimento do erário, quando for o caso, conforme precedentes do STF. 2.

As provas colhidas no inquérito civil possuem eficácia probatória

relativa, para fins de instrução da ação civil pública, mas tal conclusão

não implica necessidade de que sejam renovadas em Juízo, para

confirmar sua veracidade, podendo servir de fundamento ao decreto

condenatório, mormente se a autenticidade delas não for contestada

pela parte interessada. 3. A prova colhida na fase inquisitorial não pode

ser afastada por mera negativa, mas mediante elementos aptos a

confrontá-los, infirmando sua veracidade.” (TJ-MS - Apelação APL

00020578620078120017 MS 0002057-86.2007.8.12.0017 - Data de

publicação: 15/08/2014).

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Nessa linha, constato que as rés não produziram provas com vistas a

desconstutuir os elementos que compõem o inquérito, razão pela qual passo a valorá-lo.

De fato, como explicitado no Relatório Pericial n.º 05/08 (fls. 744/791-

Vol. 04), a idade média da frota de ônibus a ser utilizada pelas empresas signatárias dos

contratos, ao longo da vigência das concessões, haveria de ser entre 3,5 (três e meio) a 4,5

(quatro e meio) anos de idade. Essa previsão constou no parágrafo 4º da cláusula 6ª:

“A concessionária obriga-se a manter, durante a vigência da Concessão, a

frota com idade mínima entre 3,5 (três e meio) e 4,5 (quatro e meio) anos,

comprovada através da idade do chassis, cuja substituição (renovação da

frota) estará sujeita a aprovação da Superintendência Municipal de

Transportes Urbanos – SMTU”.

Contudo, tal exigência não restou atendida por nenhuma das

concessionárias, o que ficou comprovado pelas informações por elas próprias prestadas no bojo

do procedimento investigativo, bem assim outras fornecidas pela Secretaria Municipal de

Trânsito e Transportes (SMTU) e pelo DETRAN/MT.

Como se observa às fls. 759/764 do relatório, em respostas

encaminhadas entre os anos de 2005 e 2006, as rés Auto Viação Princesa, Expresso Nova

Cuiabá, Age Transportes e Expresso Norte Sul informaram a quantidade e relação dos

veículos que compunham suas respectivas frotas. Com as informações prestadas, a partir dos

anos correspondentes dos veículos àquela época em utilização para prestação do serviço de

transporte, constatou-se o desatendimento das obrigações, nos seguintes termos:

Quanto à ré Auto Viação Princesa, 60% (sessenta por cento) de sua

frota tinha idade de uso superior a 05 (cinco) anos;

Quanto à ré Expresso Nova Cuiabá, 77,03% (setenta e sete inteiros e

três décimos por cento) de sua frota tinha idade de uso superior a 05 (cinco) anos;

Quanto à ré Age Transportes, 76,71% (setenta e seis inteiros e

setenta e um décimos por cento) de sua frota tinha sido adquirida até 1998;

Quanto à ré Expresso Norte Sul, 82,76% (oitenta e dois inteiros e

setenta e seis décimos por cento) de sua frota tinha idade de uso superior a 05 (cinco) e,

alguns, com mais de 07 (sete) anos de uso.

Os documentos e relações que indicam os anos dos ônibus

pertencentes às respectivas frotas das concessionárias encontram-se encartados às fls.

250/274, 275/326, 331/414, 416/423 e 685/716 (Volumes 2, 3 e 4).

A mesma situação se verifica em relação à Pantanal Transportes, vez

que, no ano de 2009 (01.01.2009), firmou contrato de comodato com a Expresso Nova Cuiabá,

tendo aquela passado a operar utilizando vários veículos da frota desta, cujos modelos eram

dos anos 2000 ou 2001, ou seja, com cerca de 9 anos de uso (fls. 2949/3140 – Vol. 15 e 16).

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Tudo isso comprova com clareza o descumprimento de relevante

cláusula contratual correspondente à qualidade da prestação do serviço, pois as rés mantinham

elevada porcentagem de veículos com idades de uso bem superiores às permitidas pelo poder

concedente, em evidente inadimplemento contratual.

Incontroverso, ainda, que no curso da vigência dos contratos

originários, houveram cessões e sub-rogações. Veja-se:

Em 09.11.2007, operou-se a sub-rogação nº 07/2003 em favor da

Pantanal Transportes dos direitos e obrigações formalizado inicialmente com a Auto Viação

Princesa do Sol, decorrente de citado pedido de cisão desta última (fls. 2081/2113 – Vol. 11).

Em 10.03.2004, fora formalizado contrato de cessão em que a Auto

Viação Princesa do Sol cedia algumas linhas operacionais de seu contrato de concessão em

favor da Age Transportes LTDA (fls. 8071/8073 – Vol. 41).

Em 10.03.2004, fora formalizado contrato de cessão em que a Age

Transportes LTDA cedia algumas linhas operacionais de seu contrato de concessão em favor

da Expresso Nova Cuiabá (fls. 8074/8076 – Vol. 41).

Em 06.08.2004, fora formalizado contrato de cessão de direitos e

obrigações celebrado entre Expresso Norte e Sul e a Expresso NS Transportes Urbanos (fls.

8077/8079 – Vol. 41).

A Lei n.º 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e

permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal,

normatiza em seu art. 25 que “Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido,

cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos

usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou

atenue essa responsabilidade”.

Por outro lado, a referida legislação permite a subconcessão, como

ocorrido nos casos em análise, mas isso, desde que presentes requisitos, como a previsão no

contrato de concessão, a expressa autorização do poder concedente, bem como prévia licitação

(art. 26, caput e § 1º).

Sobre o assunto, pertinente a lição de José dos Santos Carvalho

Filho:

“A subconcessão só tem validade se tiver havido autorização do Poder Público e referência no contrato de concessão. Consumando-se a subconcessão, ocorre o fenômeno da sub-rogação, passando o subconcessionário a assumir todos os direitos e obrigações do subconcedente, naturalmente dentro dos limites em que se firmou a subconcessão. Para evitar favorecimentos ilegais, impõe-se, em qualquer hipótese, procedimento de licitação para a escolha do subconcessionário.”4

4 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo, pg. 524. 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

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Na hipótese em análise, a cláusula 3ª dos contratos de concessão

previu a possibilidade, em caráter excepcional, de cessão a terceiros, mediante a anuência do

concedente (município), bem assim que o cessionário (beneficiária da cessão) preenchesse

todos os requisitos previamente exigidos do cedente (empresa vencedora da licitação).

A aludida previsão contratual, entretanto, não é suficiente para

autorizar as cessões e sub-rogações efetivadas, pois “o novo concessionário ou os novos

controladores da empresa concessionária inicial devem não somente firmar o compromisso de

cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor, como também observar os requisitos de

regularidade jurídica e fiscal, capacidade técnica e idoneidade financeira, imprescindíveis à

execução do serviço concedido. Sem que atenda a tais requisitos, o concedente não autorizará

as ocorrências e, em consequência, porá fim à delegação concessional.” (Carvalho Filho, ob.

Cit.).

Sob tal aspecto reside flagrante ilegalidade quando das autorizações

de cessões e sub-rogações.

Ora, ocorreram cessões parciais da Auto Viação Princesa do Sol em

favor da Age Transportes (10.03.2004 - fls. 8071/8073 – Vol. 41), e da Age Transportes em

favor da Expresso Nova Cuiabá (10.03.2004 - fls. 8074/8076 – Vol. 41). Porém, como

apontado, nenhumas delas cumpria a norma técnica relativa à idade média de seus ônibus, pelo

que, além do descumprimento contratual das cedentes, as cessionárias não estavam

efetivamente assumindo as condições avençadas no pacto originário das concessões, porque

também não detinham as capacidades exigidas para a assunção do serviço.

Diante disso, houve contrariedade às previsões do art. 27, § 1º, incisos

I e II, todos da Lei nº 8.987/95, in verbis:

Art. 27. “A transferência de concessão ou do controle societário da

concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a

caducidade da concessão.”

§ 1º. “Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o

pretendente deverá:

I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e

regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.”

Ademais, também de forma irregular e em contrariedade à legislação,

pertinente registrar que à época dos negócios citados, as empresas Auto Viação Princesa do

Sol, Age Transportes e Expresso Nova Cuiabá eram devedoras do erário municipal, como

consta às fls. 767 do relatório (Vol. 4).

A documentação de fls. 532-Vol 3 e 8081/8084-Vol. 41, acostadas por

encaminhamento da Procuradoria do Município e Secretaria Municipal de Finanças, comprovam

a existência de débitos municipais.

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Outrossim, é vasta a demonstração de que ao longo da execução dos

contratos, as empresas rés não possuíam higidez quanto a regular situação econômico

financeira, deixando de honrar com compromissos tributários e previdenciários.

É o que comprova ofício oriundo da Procuradoria da Fazenda Nacional

no Estado de Mato Grosso, acerca da existência de dívida ativa da União e previdenciária em

nome das empresas rés (fls. 3759/3795 - Vol. 19).

Outro ponto que merece destaque, diz respeito à cláusula 5ª dos

contratos originários que concedeu às vencedoras do certame a concessão para exploração do

serviço municipal de transporte público pelo prazo de 05 (cinco) anos, fazendo constar, ainda,

que tal prazo seria prorrogável, automaticamente, por mais 05 (cinco) anos, desde que a

concessionária tivesse obtido avaliação satisfatória do serviço prestado. Confira-se:

“Cláusula 5ª. O prazo do presente Contrato de Concessão é de 5 (cinco)

anos, prorrogável, automaticamente, uma única vez, por mais 5 (cinco) anos,

totalizando 10 (dez) anos desde que a concessionária tenha obtido uma

avaliação satisfatória dos serviços prestados.

Parágrafo 1º. Fica estipulado que dentro do prazo máximo de 180 (cento e

oitenta) dias, a partir da assinatura do presente instrumento, se dará o início

efetivo da operação, observado o cronograma de implantação apresentado

pela Concessionária em sua proposta e que, para todos os efeitos, é anexa

ao presente instrumento.

Parágrafo 2º. A prorrogação referida no caput desta cláusula ocorrerá após a

avaliação dos serviços executados pela Concessionária ao longo da

Concessão, de acordo com os resultados do Sistema de Avaliação da

Qualidade, na forma do Capítulo X e Anexo 2 deste contrato.

As rés Pantanal Transportes, Expresso Nova Cuiabá, Auto Viação

Princesa do Sol e Expresso NS sustentaram na contestação (fls. 8259/8285) que a partir do dia

05.12.2008, houve a prorrogação automática dos contratos pela expressa previsão da cláusula

acima descrita, bem assim porque o serviço prestado não foi avaliado como insatisfatório.

Todavia, em que pesem os argumentos apresentados pelas rés, a

melhor interpretação daquela disposição contratual indica que não poderia ter ocorrido a

prorrogação automática do contrato sem que se efetivasse a exigência condicional estipulada,

correspondente à avaliação satisfatória dos serviços.

O município não se desincumbiu do ônus a si atribuído e, sua omissão,

não possui o condão de validar a prorrogação automática, pois em matéria de concessão de

serviço público, os atos praticados pela Administração Pública devem obedecer aos princípios

constitucionalmente previstos.

Por isso mesmo, não há falar-se em aplicação do princípio da

razoabilidade, haja vista a flagrante nulidade perpetrada.

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No mais, ainda que prevista a prorrogação e, caso houvesse sido

realizada a avaliação satisfatória, cumpre frisar que nas hipóteses de contratação de serviços

executados de forma contínua, a lei regente admite a prorrogação somente em caráter

excepcional devidamente justificado, situação não demonstrada concretamente nos casos em

exame.

Além disso, nos termos do §4º do art. 57 da Lei n.º 8.666/93, tal

prorrogação somente seria admitida por até 12 (doze) meses, e não por igual período do prazo

inicial findado, como foi realizado, ante a prorrogação por mais 05 (cinco) anos.

Ao tratar do assunto, a doutrina de Rafael Carvalho Rezende

Oliveira explica:

“A segunda exceção à anualidade dos contratos diz respeito à prestação de

serviços executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração

prorrogada por iguais e sucessivos períodos visando à obtenção de preços e

condições mais vantajosas para a administração, limitada a 60 meses (art.

57, II, da Lei 8.666/1993). Admite-se, ainda, que, ao final do quinto ano, o

prazo contratual seja prorrogado, em caráter excepcional, por mais 12

meses, totalizando seis anos, desde que haja justificava e autorização

da autoridade superior (art. 57, § 4.°, da Lei 8.666/1993).” 5

Não bastassem todas as situações discorridas, o que já seria suficiente

para que o Município não agisse com a permissividade ora constatada, importante observar

ainda que, as prorrogações automáticas ocorridas vulneram os princípios da legalidade e da

moralidade, por dispensarem certames licitatórios previamente à outorga do direito de

exploração do serviço público de transporte, ao arrepio da Lei nº 8.987 /1995.

A realização do certame licitatório visa propiciar a seleção da proposta

mais vantajosa para os interesses da Administração Pública e, ainda, abre a oportunidade para

que os administrados participem dos negócios que aquela pretende realizar, sendo que a

ausência do procedimento licitatório acarreta evidente prejuízo para a sociedade, ferindo os

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, XXI,

CF/88).

A jurisprudência confirma essa exigisse, consoante julgados a seguir

transcritos:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE

SERVIÇOS DE ESTAÇÃO RODOVIÁRIA. PRORROGAÇÃO SEM PRÉVIO

PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. [...] 2) É nula a prorrogação de contrato

de concessão de serviço público quando não precedido de licitação.

Inteligência dos artigos 37, inciso XXI e 175 da Constituição Federal. À

UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DE PEDRO

PETERS FILHO & CIA. LTDA.” (Apelação Cível Nº 70031978349, Vigésima

5 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, pg. 641. — 5. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

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Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José

Moesch, Julgado em 14/07/2016).

“CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE.

PRORROGAÇÃODO CONTRATO SEM LICITAÇÃO PARA

RESTABELECER O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO.

IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ entende que, fixado estabelecido prazo de

duração para o contrato, não pode a Administração alterar essa regra e

elastecer o pacto para além do inicialmente fixado, sem prévia abertura de

novo procedimento licitatório, porquanto tal prorrogação implicaria quebra da

regra da licitação, ainda que, in casu, se verifique a ocorrência de

desequilíbrio econômico-financeiro do contrato com o reconhecimento de que

as concessionárias dos serviços devam ser indenizadas. 2. O Superior

Tribunal de Justiça também possui a orientação de que, nos termos do

art. 42, § 2º , da Lei 8.987 /95, deve a Administração promover certame

licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo

razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 3.

Recurso Especial provido.” (STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1549406

SC 2015/0200781-0 - Data de publicação: 06/09/2016).

“PRORROGAÇÃO DE CONTRATO DE CONCESSÃO DE

SERVIÇOPÚBLICO: NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE

CONTRARIEDADE AO ART. 5º, INC. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO

INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA.

PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA

PROVIMENTO. O Supremo Tribunal Federal assentou que a prorrogação

não razoável de contrato de concessão de serviço público, sem prévia

licitação, contraria o art. 175 da Constituição da República.” (STF -

AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 790647 RS - Data de

publicação: 01/03/2012).

Portanto, como se vê, a orientação jurisprudencial a respeito da

matéria, é no sentido de que inexiste direito subjetivo à prorrogação automátia do contrato de

concessão, sendo ato vinculado a outros critérios e por prazo limitado.

4. Dispositivo:

Pelo exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo

Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente Ação

Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em face de

Expresso Norte Sul Ltda, Expresso Ns Transportes Urbanos Ltda, Expresso Nova Cuiabá

Ltda, Auto Viação Princesa do Sol Ltda, Pantanal Transportes Urbanos Ltda e Age

Transportes Ltda para:

(i) DECLARAR a nulidade das cessões, prorrogações ou sub-rogações dos

contratos de concessão e permissão do serviço público de transporte coletivo da

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Capital, decorrentes da Concorrência Pública n.º 04/2002, firmados entre o

Município de Cuiabá-MT e as empresas requeridas, bem como de quaisquer

decisões administrativas ou documentos que tenham definido pela prorrogação,

continuidade ou autorização para que aquelas continuem na prestação dos

serviços de transporte coletivo municipal.

(ii) CONDENAR o Munícipio de Cuiabá em obrigação de fazer, consistente na

realização de certame licitatório para fins de celebração de Contrato de

Concessão e Permissão do Serviço Público de Transporte Coletivo Municipal, no

prazo de 90 (noventa dias) e, em caso de descumprimento, desde já, fixo multa

diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais, limitada a R$ 1.000.000,00 (um

milhão) de reais.

(iii) CONDENAR o Munícipio de Cuiabá em obrigação de não fazer, para

que se abstenha de efetuar novas contratações, prorrogações, continuidade ou

autorização para prestação dos serviços coletivo municipal, sem a realização de

nova licitação, sob pena de multa que arbitro em R$ 200.000,00 (duzentos mil)

reais.

Ainda, nos termos do art. 485, VI do CPC, JULGO extinta a ação, sem

resolução de mérito, em relação ao réu Wilson Pereira dos Santos.

A título de esclarecimento, a declaração de nulidade ora firmada,

todavia, não possui efeitos retroativos. Por conseguinte, a aplico somente com efeito ex nunc,

diante da necessária observância do cânone constitucional da segurança jurídica.

Com a confirmação deste decisum pela E. Corte de Justiça

Matogrossense, proceda-se a INTIMAÇÃO pessoal do Prefeito de Cuiabá-MT para efetivar

o cumprimento das obrigações impostas, sob pena de multa diária no valor R$ 500,00

(quinhentos) reais, a incidir no patrimônio pessoal do agente público, até o limite de R$

200.000,00 (duzentos mil) reais, lavratura de Termo Circunstanciado pela prática do ilícito de

desobediência (art. 330 CP), remessa dos autos ao Ministério Público para que seja apurado

eventual ato de improbidade administrativa, sem prejuízo do afastamento do cargo, dentre

outras, nos moldes do art. 11 da Lei n.º 7.347/85 c/c art. 497, parágrafo único, do CPC.

Condeno as rés Expresso Norte Sul Ltda, Expresso Ns Transportes

Urbanos Ltda, Expresso Nova Cuiabá Ltda, Auto Viação Princesa do Sol Ltda, Pantanal

Transportes Urbanos Ltda e Age Transportes Ltda ao pagamento das custas judiciais e

despesas processuais.

Não há que se falar em honorários advocatícios, por serem indevidos

ao autor.

Deixo de condenar o Município de Cuiabá em custas judiciais e

despesas processuais, por ser isento delas.

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Decorrido o prazo para interposição de recurso, independentemente de

haver apelação, remetam-se os autos para o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato

Grosso, a fim de cumprir com o disposto no art. 496, inciso I do Código de Processo Civil, haja

vista o presente feito não se enquadrar nas hipóteses previstas nos §§ 3º e 4º do supracitado

artigo de lei.

Registrada nesta data no sistema informatizado.

Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.

Transitada em julgado, certifique-se e, após as cautelas de praxe,

arquivem-se os autos.

Cuiabá, 14 de Fevereiro 2019. BRUNO D’OLIVEIRA MARQUES Juiz de Direito