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14/07/2015 CENTRO DE ESTUDOS SISTEMA BRASILEIRO DE SEMENTES 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA O SISTEMA BRASILEIRO DE SEMENTES SOB A ÉGIDE DA LEI DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E DA LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Bom-dia a todos. Vamos dar início ao nosso evento do Centro de Estudos, que faz parte do Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos. O Centro de Estudos tem algumas linhas de apresentações, na forma de painéis e de palestras, dos objetos das suas pesquisas. Normalmente os eventos são apresentados no Projeto Horizontes do Conhecimento; também temos o Projeto Juízes do Mundo, no qual apresentamos as pesquisas de Direito Comparado, e o Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos, que me parece ter sido o adequado para o assunto do nosso estudo na manhã de hoje, que é uma questão de tema polêmico. Como os senhores terão a oportunidade de observar e de perceber nas exposições, existe um aparente conflito entre dois sistemas legislativos de proteção de direitos, que são a Lei de Cultivares e a Lei da Propriedade Industrial. O título do painel é o seguinte: O Sistema Brasileiro de Sementes sob a Égide da Lei da Propriedade Industrial e da Lei de Proteção de Cultivares. Estamos com dois especialistas, os quais em seguida apresentarei. Vamos ver se este é um tema polêmico, ou não. Mas sendo, ou não, polêmico, é um tema muito judicializado. Há muitas ações na Justiça, tanto ações individuais como ações coletivas, que discutem essas questões, por isso é importante que o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça se ocupe com o fomento, com o debate e com reflexões sobre essa matéria.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER … Centro de Estudos tem algumas linhas de apresentações, na forma de painéis e de palestras, dos objetos das suas pesquisas. Normalmente os eventos

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O SISTEMA BRASILEIRO DE SEMENTES SOB A ÉGIDE DA

LEI DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E DA LEI DE PROTEÇÃO DE

CULTIVARES

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Bom-dia a

todos. Vamos dar início ao nosso evento do Centro de Estudos, que faz parte

do Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos.

O Centro de Estudos tem algumas linhas de apresentações,

na forma de painéis e de palestras, dos objetos das suas pesquisas.

Normalmente os eventos são apresentados no Projeto

Horizontes do Conhecimento; também temos o Projeto Juízes do Mundo, no

qual apresentamos as pesquisas de Direito Comparado, e o Projeto Debates

Sobre Temas Polêmicos, que me parece ter sido o adequado para o assunto

do nosso estudo na manhã de hoje, que é uma questão de tema polêmico.

Como os senhores terão a oportunidade de observar e de

perceber nas exposições, existe um aparente conflito entre dois sistemas

legislativos de proteção de direitos, que são a Lei de Cultivares e a Lei da

Propriedade Industrial.

O título do painel é o seguinte: O Sistema Brasileiro de

Sementes sob a Égide da Lei da Propriedade Industrial e da Lei de Proteção

de Cultivares. Estamos com dois especialistas, os quais em seguida

apresentarei. Vamos ver se este é um tema polêmico, ou não. Mas sendo, ou

não, polêmico, é um tema muito judicializado. Há muitas ações na Justiça,

tanto ações individuais como ações coletivas, que discutem essas questões,

por isso é importante que o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça se

ocupe com o fomento, com o debate e com reflexões sobre essa matéria.

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Inicialmente, eu gostaria de saudar os senhores que

compareceram para assistir a este tema, que não é um tema geral do assunto

do Direito - é um tema muito focado, muito específico de um segmento do

Direito -, mas que mesmo assim despertou o interesse dos senhores, a quem

saúdo e cumprimento.

Quero destacar a presença de alguns Colegas, Des. Luiz

Augusto Coelho Braga, Des. Rinez da Trindade e Des. Breno Vasconcellos.

Peço desculpas por talvez não ter localizado outros Colegas para saudar, mas

agradeço pelo comparecimento dos demais magistrados, advogados,

professores e funcionários do Poder Judiciário.

Apresentarei os nossos convidados, a quem agradeço por

aceitarem o convite e também pelo comparecimento.

Falará primeiro o Dr. Silmar Teichert Peske, graduado em

Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Pelotas, Doutor em

Agronomia, Tecnologia de Sementes, pela Mississippi State University,

Professor, por 40 anos, da Universidade Federal de Pelotas.

A seguir, o Dr. Marcelo Gravina de Moraes, graduado em

Engenharia Agronômica e Mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutor em Fitopatologia pela

University of Wisconsin, Madison, Estados Unidos, Professor Adjunto II da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Quero saudar também a presença da Dra. Adriana Brandani,

responsável direta pela realização deste evento. Com a missão, com a tarefa

de poder produzir este evento, procurei me assessorar e me orientar com

organizações não governamentais que pudessem fazer a indicação de

especialistas no assunto. Então, através das minhas pesquisas, localizei o

Conselho de Informações sobre Biotecnologia, www.cib.org.br.

O Conselho de Informações sobre Biotecnologia é uma

organização não governamental e uma associação civil sem fins lucrativos,

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sem nenhuma conotação político-partidária ou ideológica. Seu objetivo básico

é divulgar informações técnico-científicas sobre a Biotecnologia e sobre os

seus benefícios, aumentando a familiaridade de todos os setores da

sociedade sobre o tema.

Procurei a Diretora desse Conselho de Informações sobre

Biotecnologia, a Dra. Adriana Brandani, que gentilmente colaborou, fez essa

interlocução com o Poder Judiciário e fez a indicação dos nossos palestrantes,

que, sem ônus para o Poder Judiciário, aqui compareceram para dar a sua

contribuição, prestar informações que poderão fomentar o debate e a reflexão,

e contribuir, até para um melhor entendimento dessas questões.

Finalizando a minha fala de abertura, quero prestar um

esclarecimento no sentido de que os Juízes precisam se abeberar também

dos conhecimentos interdisciplinares para melhor entenderem as questões

que são levadas a julgamento.

O Centro de Estudos, nesses dois anos em que estou

coordenando as tarefas, trouxe médicos, economistas e administradores, e

não somente pessoas do Direito para fazer palestras; trouxe também pessoas

de outros segmentos do conhecimento. Muitas vezes temos que conhecer

questões de outras áreas do saber, da Administração, da Economia, da

Medicina, da Psicologia e assim por diante, que são questões

interdisciplinares que repercutem nos nossos julgamentos.

Pareceu-me adequado aqui termos o conhecimento de dois

engenheiros da área da Botânica, da Biologia e da Biotecnologia, que, tenho

certeza, prestarão informações relevantes e de repercussão também no

mundo do Direito, porque o Direito não é um fim em si mesmo, mas regula as

relações sociais. Desse modo, o conhecimento da sociedade é um

pressuposto.

Com esses esclarecimentos iniciais, vou passar primeiro a

palavra ao Dr. Silmar, depois ao Dr. Marcelo e, finalmente, vamos colocar a

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palavra à disposição para as contribuições do auditório, para perguntas e

comentários.

Passo a palavra ao Dr. Silmar.

DR. SILMAR TEICHERT PESKE – Bom-dia. É uma grande

satisfação estar aqui com vocês, tratando de um tema de suma importância

para o País, para a nossa região e para o nosso Estado.

Preparei a minha parte, os aspectos agronômicos, vou

abordar aspectos relacionados à Lei de Proteção de Cultivares, e o colega

Marcelo dará continuidade a seguir.

Coloquei alguns slides para visualizar melhor o que estou

falando. O título parece que está um pouquinho diferente do que está

colocado, porque eu coloquei As Proteções Legais, uma vez que existem

outros tipos de proteções também.

Dentro das espécies que o Brasil cultiva, temos dois carros-

chefes que realmente sustentam a nossa economia hoje, 2015, que são a

soja, que estou colocando aqui para vocês, e o milho.

A soja, com mais de 31 milhões de hectares cultivados no

País, sendo que o Rio Grande do Sul tem quatro milhões de hectares de soja

e 15 milhões de hectares de milho. Essas duas espécies realmente estão

carregando a parte econômica do País. As outras também fazem parte,

entretanto essas se sobressaem.

Em relação à parte legal, devo começar dizendo que o País,

na década de 70, teve algumas políticas públicas relacionadas à semente. Até

a década de 70, por exemplo, a semente não precisava ter germinação para

ser comercializada, não tinha semente para os agricultores, praticamente tudo

era público, havia problemas de capacitação e de pesquisa.

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Então o governo teve uma política pública nos anos 70 e

elaborou um grande projeto de 40 milhões de dólares, dos quais ele conseguiu

oito milhões no BID, e implementou o Plano Nacional de Sementes.

Hoje estamos, em 2015, com muito sucesso nessa área de

sementes, diga-se de passagem. Então, as coisas que foram estabelecidas há

quase 50 anos atualmente representam uma realidade.

O sistema em si envolve vários atores. Temos a pesquisa, que

é a criação de novas variedades de soja, de milho, de arroz; tudo é dado pela

pesquisa. Nós temos que pesquisar e, depois de pesquisar, conseguir um ou

dois quilos de sementes. Essas sementes devem ser multiplicadas - semente

básica, semente comercial – e depois têm que ser comercializadas. E aí entra

o agricultor que vai utilizar essa inovação desenvolvida pela pesquisa, cujas

sementes são produzidas pelos produtores de sementes. Para isso chegar ao

agricultor, tem que ter uma qualidade, e aqui, em geral, entra o Estado, com o

controle externo de qualidade.

É evidente que o agricultor é quem utiliza as inovações

tecnológicas, mas o grande benefício vai para a sociedade, porque, quanto

mais se produz soja, quanto mais se produz arroz, quanto mais se produz

milho, menor será o preço para chegar à sociedade. Ou seja, dando um

exemplo bem simples: o frango consome é milho; se o quilo do milho for caro,

o frango vai ser caro; se o milho for barato, se produzirmos bastante, o milho

ficará mais barato e mais barato será para a sociedade. E assim acontece

com o ovo, com a carne de porco e assim por diante. Quanto mais eficiente

formos, mais a sociedade vai ser beneficiada.

Em termos de grandeza desse sistema, temos mais de 7.500

agrônomos atuando no Sistema Brasileiro de Sementes. Isso é bastante. A

UFRGS, aqui em Porto Alegre, forma ao redor de 50 a 60 agrônomos por ano;

Pelotas, de onde venho, forma mais 80. Então há mais de 7.500 agrônomos

que atuam no Sistema Brasileiro de Sementes.

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Produtores de sementes são aqueles que produzem as

sementes para o agricultor utilizar, e são 4.000, quer dizer, tem bastante.

E temos os obtentores, que são aquelas empresas que criam

e que desenvolvem as novas variedades de arroz, de soja, de milho, de

algodão e de trigo. São em número de 48 e envolvem o setor público e o setor

privado. Aqui no nosso Estado estão o IRGA e a FEPAGRO; em termos

nacionais, temos a EMPRAPA, a COODETEC e assim por diante. São 48.

Laboratórios de sementes - semente é um organismo vivo, e

temos de saber se a semente está viva e se está forte - são 288. Em termos

de grandeza, quanto à produção de sementes, cultivam-se 1.8 milhões de

hectares.

O sistema envolve a pesquisa, a produção de sementes, o

comércio e o agricultor. Isso envolve dinheiro, porque movimenta a

infraestrutura e tudo o mais, um dinheiro forte. A semente tem que ser limpa e

beneficiada, então envolve várias tecnologias, e isso tem que ser promovido.

Não adianta produzir, o agricultor tem que conhecer os benefícios de uma

nova variedade, os benefícios de uma semente de alta qualidade. E aqui entra

a capacitação, da qual faço parte, e o Marcelo também. A capacitação faz

parte do contexto, com vários cursos de especialização, mestrado e doutorado

em sementes.

Nesse contexto da proteção de cultivares e da Lei de

Patentes: para criarmos qualquer cultivar, seja de arroz, seja de soja, seja de

milho, qualquer uma delas, dizemos que começa com a hibridação, ou seja, o

cruzamento de uma flor, a parte feminina de uma flor com a parte masculina

de outra flor. O que vocês estão vendo é um processo de castração em arroz,

em que está sendo retirada a parte masculina. É hibridação. Corta-se aqui,

tiram-se as anteras e se poliniza com o pólen de outra planta. Chama-se isso

de hibridação. Depois de 10 anos, vamos ter uma nova variedade, com

sementes em abundância.

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Depois que houve a hibridação, que cruzaram duas

variedades, temos que multiplicar isso no campo e em Casas de Vegetação.

Essas plaquinhas que vocês estão vendo são o resultado de cada cruzamento

que ocorreu. No primeiro ano, sai tudo igualzinho. No segundo ano, tem alto,

baixo, panícula grande, panícula pequena, semente grande, semente

pequena, semente com pilosidade, semente sem pilosidade, há inúmeras

coisas. E isso tem que ser multiplicado por seis anos para tudo ficar puro e

podermos oferecer ao agricultor. É um trabalho exaustivo, e quem se dedica a

isso é o pessoal do fitomelhoramento. Além dos conhecimentos que eles têm

que ter de Genética e de Agronomia, tem que ter um pouquinho de sorte,

porque cruzar 10 mil caracteres de um com 10 mil caracteres do outro e

acertar a combinação é difícil. É a mesma coisa se num jogo de poker

fizermos um royalty. É complicado, mas com o conhecimento se torna mais

fácil.

Aqui está a parte final, depois de seis anos. Depois de seis

anos, vamos ter, daquele cruzamento que se fez de uma florzinha com a

outra, um cruzamento que resultou nisso aqui, outro cruzamento que deu isso

e o outro que deu algo diferente. Desses todos se seleciona o melhor e se

oferece para o agricultor. Qual será o melhor? Em geral, o melhor será aquele

que produz mais. Entretanto, às vezes o melhor será aquele que é resistente a

uma doença; às vezes também o melhor será aquele que dá um grão de arroz

inteiro, em maior percentagem. Então é isso que é oferecido ao agricultor. São

vários caracteres. Estou utilizando o arroz porque venho de uma região

orizícola, então minhas ilustrações vêm mais com o arroz do que com a soja.

A mesma plaquinha que tinha ali, que vocês viram, hoje está

aqui. Alguns são altos, outros são baixos. Alto não é muito bom porque (...),

então também não é bom, mas se produz muito e também se pode fazer.

Então, em geral, no fim do trabalho todo, temos uns 20 ou 30 materiais, e só

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se escolhe um; os outros se atiram fora. É um trabalho demorado, caro, mas

os benefícios são grandes, e a sociedade agradece.

Aqui mostro uma empresa de melhoramento de soja, vocês

podem ver todas as estufas, porque, como demora muito tempo, às vezes tem

que se cultivar no inverno também, aí envolve várias estruturas. E aqui estão

as parcelinhas, que vocês estão vendo, do melhoramento, em que o pessoal

analisa o que é bom, o que não é tão bom, o que pode ir para frente e o que

será colocado para outras utilidades.

Se desenvolvermos um material, por exemplo, aqui em Porto

Alegre, na estação do IRGA, em Cachoeirinha, esse material pode se dar

muito bem em Cachoeirinha, mas temos que levar para Pelotas, temos que

levar para Uruguaiana, temos que levar para Santa Maria, para ver se lá

também produzirá bem. Então, qualquer material, depois que estiver pronto,

tem que ser testado em pelo menos três locais por dois anos, mas nenhuma

empresa faz isso. São testados em vários locais por dois anos para se ter

certeza de que o material é superior. Isso envolve dinheiro, tempo e uma

logística grande para testar. O IRGA, por exemplo, testa pelo menos em 10

locais antes de lançar um material no mercado. O IRGA é o Instituto Rio-

Grandense do Arroz.

Aqui temos um dia de campo, depois que os materiais já estão

praticamente prontos para serem oferecidos ao agricultor. Isso é trigo, e vocês

podem ver que existem várias variedades; não há só uma variedade. Temos

aqui no Estado pelo menos umas 30 variedades para o agricultor utilizar.

Temos quatro empresas que se dedicam ao trigo aqui no Estado. Estão

localizadas em Passo Fundo e em Cruz Alta.

Na parte de Biotecnologia, na parte de transgênicos, o colega

Marcelo vai colocar para vocês o sistema como um todo e vai detalhar um

pouco mais.

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O sistema envolve a parte de Biotecnologia, que é a base dos

transgênicos. Envolve o melhoramento, que acabei de falar para vocês, em

que cruzamos a parte masculina de uma flor com a parte feminina de outra

flor, e, praticamente 10 anos depois, vamos ter sementes em quantidade para

oferecer ao agricultor. Isso é o melhoramento de um trabalho cujos

profissionais têm um conhecimento que na maioria das vezes não vem com

esse aqui. E os profissionais que atuam aqui são praticamente diferentes dos

que atuam ali.

Depois que temos a variedade, temos que ver como é que ela

se adapta. Depois que ela se adapta, vai para os produtores de sementes. Os

produtores de sementes é que vão multiplicar as variedades, que são em

torno de 4.000 no País inteiro, envolvendo todas as espécies: trigo, milho,

arroz, feijão, soja, azevém, tomate.

Eles vendem aos agricultores as sementes de uma variedade

superior, que foram criadas no melhoramento, e algumas delas também com

produtos transgênicos. Os mais comuns são, no Brasil, a soja, o milho e o

algodão.

Como falei para vocês, o melhoramento é um processo caro,

envolve muito pessoal altamente qualificado, é um processo que leva tempo,

dinheiro e, muitas vezes, até um pouco de sorte para termos o material. Às

vezes se trabalha por 10 anos e não se consegue nada.

Na política dos anos 70, a iniciativa privada também se

envolveu no melhoramento. Entretanto se viu que tem que haver um retorno

desse dinheiro. São 10 anos de trabalho, é preciso ter um ganho. Como é que

se vai recuperar o dinheiro investido? Então nós protegemos esses materiais.

Existe uma proteção biológica que não passa pela lei, que são

os híbridos, que é o híbrido de milho que temos no Brasil. O grande carro-

chefe dos híbridos é o milho, 85% de todo o milho é híbrido; o tomate também

é híbrido; do arroz, aqui no nosso Estado, 10% é híbrido. Esses têm uma

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proteção natural, que é o segredo. O híbrido tem uma proteção natural, e o

agricultor não guarda a semente. Ele até pode guardar, mas, se plantar um

material que é híbrido, no segundo ano ele vai ter plantas altas, plantas

baixas, um tomate grande, um tomate pequeno, um tomate verde, um tomate

vermelho, vai ter de tudo, e pouco do material que ele quer. Então, o híbrido o

pessoal não guarda, porque, na segunda geração, há uma segregação muito

grande, e o pessoal não utiliza. A perda de rendimento é astronômica. Então,

no híbrido há uma proteção já ao natural. Muitas espécies já estão sendo

comercializadas em forma de híbridos.

Há para outras uma proteção legal, que é o objetivo da nossa

presença hoje aqui, que é a Lei de Proteção de Cultivares (baseada na Ata da

UPOV, de 1978). Por que coloquei entre parênteses “baseada na Ata da

UPOV de 1978”? Hoje o comércio é internacional no mundo inteiro. E o Brasil,

dentro da Organização Mundial do Comércio, se comprometeu em ter uma Lei

de Proteção de Cultivares, e assim o fez, em 1997. O Brasil entrou na Ata de

1978. A UPOV é uma organização de governo, sob a tutela da ONU; tem a de

1978 e tem a de 1991.

A de 1978 protege as sementes das variedades melhoradas

até a semente, enquanto que a Ata da UPOV, de 1991, protege as sementes

das variedades melhoradas até o grão. Isso quer dizer o seguinte: se o

agricultor não quiser comprar semente, não precisa. Entretanto, se ele utilizar

semente, uma variedade melhorada e protegida, o direito do melhorista estará

assegurado, isso é de 1991. Ela é mais abrangente, é melhor, há uma

proteção mais robusta.

Esta UPOV é um acordo de governo. O governo brasileiro que

se comprometeu a utilizar isso. Hoje, em 2015, o Brasil está discutindo se

melhoramos a de 1978, porque ela realmente não propicia uma boa proteção

para quem cria e desenvolve uma nova variedade.

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Temos então a Lei de Patentes. A Lei de Proteção de

Cultivares é referente ao nosso Ministério da Agricultura, é ali que fazem tudo:

registram as variedades e protegem as variedades. Enquanto que a Lei de

Patentes, vocês como advogados sabem, está dentro do INPI. Há uma

proteção mais robusta. Nós pagamos, pagamos ou pagamos. Realmente há

um bom retorno para quem consegue patentear.

Antes que eu avance muito, quero colocar que, para

protegermos uma variedade superior, uma variedade que produz mais e é

melhor, temos que registrá-la e protegê-la, e aí se contam 15 anos de

proteção. Não há necessidade de tanto, mas são 15 anos, porque em geral

saem coisas novas quase todos os anos e a variedade fica obsoleta.

Para uma patente a proteção é de 20 anos, entretanto

efetivos são 10. Vou repetir: a proteção de patente é de 20 anos, entretanto,

no nosso caso dos transgênicos, é efetivamente explorada por 10. Por quê? A

patente entra desde o momento em que se entra no INPI. Começou a contar.

Depois que está no INPI, como são transgênicos, têm que passar pela

CTNBio e pelo Conselho de Biossegurança, e isso leva mais uns três anos.

Depois, isso tem que ser testado no País inteiro. Mais três

anos. Depois que foi testado no País inteiro, se funcionar, se não funcionar, se

for bom, ou se não for, teremos que produzir a semente por mais três anos.

Então efetivamente são 10 anos. Quem patenteou algo e tem algo superior

realmente não tem muito tempo para se ressarcir do investimento.

Exigências. Lei de Proteção de Cultivares. Como falei, é a

parte agronômica. Se olhar uma planta, se uma planta for diferente da outra,

pode-se proteger; se todas as plantas, num hectare, forem iguais,

homogêneas, pode-se proteger. E tem que ser estável, ou seja, a planta que

deu este ano, o ano que vem tem que dar de novo. Então tem que ser distinto,

homogêneo e estável. Por exemplo, um híbrido que não é estável não se

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patenteia; podem-se patentear os parentais; o híbrido em si, não,

normalmente.

Quanto à patente que estamos falando, novidade. Não tem

nada a ver com o distinto, isso aqui são aspectos agronômicos, o fenotípico de

uma planta. Aqui está o processo: novidade, atividade inventiva e se tem

utilidade. É bem diferente.

Alguns dados para vocês dos programas de melhoramento

que temos no nosso País. Algodão, por exemplo - eu coloquei de 1979 a

1997, porque em 1997 tivemos a Lei de Proteção de Cultivares, então

coloquei esse número –, arroz, milho, soja e trigo: os cinco carros-chefes que

temos. Aumento de produtividade: 95%, num período de 17 anos, o que

representa um aumento grande. Este aumento se deve, nessa época, de 1979

a 1997, a aspectos agronômicos. Por exemplo, aprendemos a adubar melhor

as plantas, aprendemos a fazer o cultivo mínimo, aprendemos a semear na

época certa. Então teve muito aumento de produtividade devido às práticas

agronômicas e, em menor escala, devido ao melhoramento. Isso nessa época.

O aumento é grande, invejável.

E de 1997 a 2015, tivemos, por exemplo, arroz, 44%. No Rio

Grande do Sul, o arroz irrigado, porque há regiões no Brasil que o pessoal não

irriga o arroz. Aqui no Sul irrigamos tudo. Então nosso arroz, em 1997, eram

cinco toneladas por hectare, hoje são mais de sete, um aumento de 44%.

Milho deu 100%, soja 31% e o trigo 68%.

Esse é o ganho de produtividade que foi dado pela Genética,

pela capacidade dos melhoristas em cruzar uma flor com a outra, que deu

ganho de produtividade, com um aumento de 80%. Esse momento deve-se à

Genética, ao germoplasma das espécies que o pessoal conseguiu fazer,

porque o cultivo mínimo, a adubação, essas práticas agronômicas já eram

dominadas e já tinham sido incorporadas.

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Este é um lindo campo de soja, com uma variedade superior,

que vocês podem olhar. Está limpa, verdejante, e o pessoal que trabalha em

economia diz: “Já pode vender a soja verde, porque usaram semente de alta

qualidade e de uma variedade melhorada”. Quer dizer, estão bem.

Estamos falando em sementes, em proteção de cultivares e

em patentes. Mas temos que produzir a semente, e essa semente também

envolve uma tecnologia forte. Isso aqui parece que está tudo verde, mas, se

não colhermos a soja verde assim, não vamos ter semente. Isso envolve

tecnologia.

Algumas coisas mais, equipamentos também. Está meio

longe, talvez vocês não vejam, mas aqui tem um 17.3, e isso quer dizer que é

a umidade da semente. Então temos que secar, inclusive temos que criar a

variedade, desenvolver uma variedade e produzir sementes de alta qualidade,

o que tem um custo e envolve também conhecimentos e tecnologia.

Vocês podem ver aqui um campo de produção cuja lavoura foi

afetada pela seca. Muitas vezes temos uma variedade superior, temos

sementes de alta qualidade, mas o clima não ajudou muito. Aqui no nosso

Estado a seca também não tem ajudado.

De sementes, não queremos isso aqui. Essa semente é

diferente desta, esta é desta e esta é desta. Além de serem diferentes, temos

as invasoras, e isso também não queremos. Por isso que existem os

produtores de sementes, para oferecer aos agricultores sementes das

variedades melhoradas, puras, sem ervas daninhas.

Alguma coisa de grandeza de novo. Área cultivada para

algumas espécies, de 1979 a 2015. Foram os dados aos quais tive acesso.

Muitas vezes temos acesso a dados, mas os dados não são confiáveis. Em

termos de área cultivada, o dado que é confiável é o da CONAB, de 1979 para

cá. Somos um País jovem, então as nossas estatísticas não são tão grandes

assim.

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Voltando ao algodão, tínhamos, em 1979, três milhões de

hectares no País; hoje, temos um milhão. E o algodão, que era cultivado no

Estado do Paraná, hoje se cultiva na Bahia e no Mato Grosso. Mudou, mas a

área é menor e a produção é bem maior. (...) em 1979 se cultivavam 500 mil

hectares; hoje, mais de um milhão. Duplicamos a área.

Quanto ao milho, no País inteiro, havia 11 milhões, e hoje

temos 15 milhões de hectares. O milho está aumentado porque ao milho se

agrega valor. Vende-se pouco milho; o que se vende é carne de frango, e isso

agrega valor, isso é bom para o País.

Soja, esta sim, que conta: em 1979, eram oito milhões de

hectares. Uns 35 anos depois, 31 milhões de hectares. A soja, atualmente, em

2015, é que segura a nossa economia. Ela representa 14% das exportações,

é coisa grande.

E, do trigo, desde 1979, a área era de quase quatro milhões

de hectares, e hoje é de dois milhões e meio. Com o trigo, há alguma coisa no

comércio que não está bem. A parte de melhoramento está bem, se produz

mais por hectare, mas o agricultor ganha pouco. Quando ganha muito pouco,

ele deixa de cultivar.

Taxa de utilização de sementes. O que quero dizer com taxa

de utilização de sementes? Por exemplo, de soja, o Brasil cultiva 31 milhões

de hectares. Não quer dizer que todos os agricultores vão comprar semente

para plantar. Não. Na soja são 64%, ou seja, dos 31 milhões de hectares, 20

milhões de hectares são com semente que os agricultores compram, os outros

11 milhões não compram, guardam a semente em casa. Então isso é taxa de

utilização de sementes.

E coloquei, no último ponto, quanto é o negócio de sementes,

o dinheiro que envolve. Com algodão são 400 milhões de reais, é uma cultura

cara, e a semente custa, mais ou menos, 15% do valor.

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Arroz irrigado, 85 milhões de reais. O milho, como é híbrido,

custa um pouco mais, temos 15 milhões de hectares. A taxa de utilização do

milho: 90%. Noventa por cento compra semente de milho para plantar, isso dá

um negócio de mais de quatro bilhões de reais. É um bom dinheiro.

Soja é 64%, quer dizer, 36% não compram semente, e são 2.8

bilhões de reais. Então temos, com o negócio de semente de soja, 2.8 bilhões

de reais. É um bom dinheiro.

Dentro da Lei de Proteção de Cultivares há um fator que se

chama royalties. Eu desenvolvo a variedade, e o Marcelo produz a semente. O

Marcelo, que produz a semente da variedade que eu criei, vai me pagar, em

média, 10% para produzir a semente que eu criei. Muito bem, então coloquem

quanto é 10% sobre dois bilhões e 800 mil. Duzentos e oitenta milhões de

reais pagos em royalties para todos os programas de melhoramento. Não é

muito dinheiro. Não vou falar muito, mas não é muito dinheiro. Quanto aos

royalties, para o Marcelo produzir a semente que criei, 10%, não é um valor

significativo. Eu não vou ganhar muito dinheiro, vou penar. Se o meu (...) for

alto, provavelmente vou ter prejuízo.

Vamos adiante. Há mais alguns slides. Registro Nacional de

Proteção de Cultivares. Toda variedade que se cria tem que ser registrada, e

isso o Ministério da Agricultura tem feito muito bem. Então todo material, para

ser comercializado, deve ter um registro no Registro Nacional de Cultivares do

Ministério da Agricultura.

Depois, temos o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares.

Para receber um retorno do investimento na criação e no desenvolvimento de

um cultivar, este deve estar registrado no Serviço Nacional de Proteção de

Cultivares. São dois passos: primeiro se registra e depois se protege. Todos

os programas de melhoramento protegem, sejam eles públicos ou privados.

Estão registrando e protegendo. Não precisa proteger se não quiser, mas,

para comercializar, tem que registrar.

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Aqui temos a CTNBio - Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança – e o CBS – Conselho de Biossegurança. (...). Aqui há um

Conselho de Ministros, aqui se analisa o material transgênico com bases

científicas. Analisa-se quanto à saúde, quanto ao ambiente e quanto a vários

aspectos. Depois de aprovado, vai para o Conselho de Ministros, que até hoje

aprovou tudo o que saiu da CTNBio, 100%. O Conselho de Ministros analisa

sobre a oportunidade e conveniência do material, aspectos políticos em si.

A nossa CTNBio é invejável. Os gringos, Estados Unidos e

também os argentinos, estão atrás, levam muito mais tempo. Nós, em três

anos, conseguimos liberar isso aí com exames profundos.

Lei de Proteção de Cultivares. Royalties. Royalty da

variedade, pago pelo produtor de sementes. Dentro da Lei de Proteção de

Cultivares, tenho uma empresa que cria e desenvolve uma nova variedade. E

o Marcelo, que é produtor de sementes, diz: “Silmar, eu quero produzir

semente da tua variedade, que é nota 10”. “Sim, podes produzir, entretanto

10% do valor da semente que tu venderes vem para mim.” “Certo, não há

problema nenhum.” Então ele paga para o produtor de sementes e só, é aí

que é pago o royalty, dentro da Lei de Proteção de Cultivares.

Patente. Royalty pelo processo, pago pelo produtor de

sementes ou por quem usa a semente, ou seja, pelo agricultor. Trocando em

miúdos, dentro da patente o royalty pode ser pago pelo produtor de sementes

ou pelo agricultor que não compra a semente, porque tem muita gente que

guarda a semente em casa. Este, dentro da Lei de Patentes, também paga o

royalty na hora em que ele for vender o grão.

Então, o royalty da patente pode ser pago em duas ocasiões:

dentro do sistema normal de sementes, ou seja, recolhido pelo produtor de

sementes, ou por aquele agricultor que não comprou semente, mas guardou a

semente em casa, conseguiu do vizinho ou de alguma forma.

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Isso, na hora de vender, vai ser verificado, e, se for

transgênico, o nosso caso, ele vai pagar o royalty, que é uma percentagem

sobre a produção. Ele paga isso aí. Há uma proteção mais robusta e diferente.

Isenção do melhorista. O melhorista é aquele que faz o

cruzamento entre uma flor na variedade A e uma flor na variedade B. Na Lei

de Proteção de Cultivares, lanço uma variedade no campo, e, no outro dia, a

minha concorrência já pode ir lá e pegar uma plantinha daquilo ali. Ou seja,

coloco uma variedade nova no campo, e, no outro dia, o melhorista de uma

empresa concorrente pode ir lá e pegar. Isso é isenção do melhorista.

Na patente não existe isenção do melhorista. De um evento

que é patenteado, que está no campo, o melhorista não pode pegar o material

e colocar no seu programa de melhoramento, usando o processo que foi

patenteado.

Temos aqui o resumo do que eu estava falando, a

sustentabilidade do sistema. Temos a pesquisa, que é a geração de um novo

e melhor cultivar, e, se licenciado para os produtores de sementes, esses

produtores de sementes vendem a semente para o agricultor, e, nesse

processo, o agricultor compra a semente, cujos royalties da variedade ou da

patente vão de volta para a pesquisa, e isso fica girando na parte de proteção

de cultivares.

Na parte de patente, a patente sai um pouquinho fora, porque

tem quem não compre sementes, então a patente também incide sobre o

grão.

Neste último slide, isso é um banco de germoplasma, que é o

local em que guardamos as amostras de sementes de todas as variedades de

soja, de milho, de arroz, de feijão, do que seja. No Brasil, temos o banco de

germoplasma do CENARGEN, em que temos, vamos dizer, a coleção de

feijão. O CENARGEN, que é em Brasília, tem uns oito mil tipos de feijão, e

está tudo guardado lá.

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Temos bancos de germoplasma em vários locais no mundo.

Por exemplo, o milho. Todo milho já foi coletado. Temos mais de 30 mil tipos

de milho, que são guardados em canequinhas de 1.000 sementes, mais ou

menos, nos bancos de germoplasma, com umidade baixa e temperatura bem

baixa para ficarem armazenadas de 50 a 100 anos.

Existem grandes bancos de germoplasmas na Colômbia, que

é o Centro Internacional de Agricultura Tropical, no México. No mundo inteiro

são 18.

Mas existe um Banco Internacional de Germoplasma com

capacidade para oito milhões de acessos, que são as coleções que temos dos

materiais crioulos. São acessos pequenos. O Brasil faz parte desse Banco

Internacional de Germoplasma, que se situa nas Ilhas Svalbard, praticamente

no Polo Norte. Fica a uma hora ao norte da Noruega, onde temos o sol da

meia-noite e a lua do meio-dia.

Então o germoplasma, do qual dependemos tanto para

aumentar o rendimento, praticamente está todo coletado, e parte já está lá;

outra já está em outros bancos.

Pessoal, o que eu me propus para falar para vocês foi isso.

Muito obrigado.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Agradeço

pela contribuição do Dr. Silmar.

Quero fazer um comentário, Dr. Silmar: num dos primeiros

slides que o senhor passou, parece que no Brasil há 7.500 engenheiros

agrônomos, trabalhando em sementes, e mais de 800.000 advogados. Esse

dado me chamou a atenção. Parece que no Brasil algumas áreas ficaram

infladas, e outras, como a área dos engenheiros, muito reduzidas.

Vou passar a palavra ao Dr. Marcelo Gravina de Moraes para

o prosseguimento.

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DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES – Agradeço ao Des.

Ney, e, em seu nome, também agradeço aos demais magistrados, senhoras e

senhores aqui presentes, pela oportunidade de dividir com vocês esse

assunto, que é a Biotecnologia.

Minha proposta é trazer um pouco do conhecimento técnico,

da parte da pesquisa, como alguém que trabalha na área. Então me perdoem

se às vezes eu for excessivamente técnico. Vou tentar, com fotografias e com

ilustrações, amenizar um pouco o tema, que pode ser um pouco árduo em

razão da área de trabalho de vocês.

Este é o título: O Sistema Brasileiro de Sementes sob a Égide

da Lei da Propriedade Intelectual e da Lei de Proteção de Cultivares. Também

serão abordadas as inovações em geral no desenvolvimento das cultivares.

Sigo o que o Professor Silmar falou, fazendo uma abordagem

geral, principalmente sobre a questão da proteção de cultivares, que é uma

parte da questão. As outras questões envolvem as tecnologias mais recentes,

principalmente a Biotecnologia.

Para começar, mostro essa imagem de uma lavoura de milho,

uma lavoura bem estabelecida, bonita e interessante. Ela exige inovação,

exige tecnologia. Uma figura que muitos de vocês já viram é essa espiga

moderna de milho que está naquela lavoura, que foi desenvolvida com

inovação, a partir de uma espiga ancestral. Aqui entraram inovações que

surgiram dos povos originários da América, dos agricultores tradicionais, e,

mais recentemente, dos melhoristas, que foram citados pelo Professor Silmar.

E mais recentemente ainda pelos biotecnologistas, agregando outras

tecnologias que beneficiam hoje os agricultores.

A palavra é inovação, e a inovação encobre todo esse

processo, desde a questão original, passando pelo melhoramento tradicional e

chegando até às novas tecnologias, que incluem a Biotecnologia.

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Vou tentar abordar, nos próximos minutos, um pouco das

cultivares, sobre o que o Professor Silmar brilhantemente já falou. Vou fazer

só uma contextualização novamente aqui e vou me estender mais sobre a

questão única das cultivares geneticamente modificadas, que, por economia

de tempo, vou chamar de GMs.

Por fim, vou dar uma ideia sobre as etapas do

desenvolvimento de cultivares GMs. O que diferencia essas cultivares GMs,

ou geneticamente modificadas, de cultivares em geral? As cultivares, como já

foi dito pelo Dr. Silmar, estão estabelecidas por essa lei de 1997. O que

diferencia as cultivares são todas aquelas séries de características – se são

homogêneas, estáveis e assim por diante – que levam à compreensão do que

é uma cultivar, que posteriormente pode ser comercializada na forma de

semente ou muda. Uma cultivar é um ser vivo, uma planta que é multiplicada

através dos seus propagos.

Essa lei que foi citada oferece o direito para quem produziu de

vender e propagar essa semente, com fins comerciais. É o que se conhece

como Lei de Proteção de Cultivares.

Eu trouxe essa figura muito bonita de variedades de batatas -

não são brasileiras, são andinas, da região do Peru - para vocês visualizarem

bem. Poderiam ser diferentes cultivares de batata, porque são claramente

diferentes entre si. Provavelmente o agricultor que plantar cada uma delas vai

ter plantas homogêneas e estáveis ao longo do tempo. Isso representa a

variedade de características agronômicas qualitativas, possivelmente de

gosto, de textura, de cor e assim por diante, dessas variedades de batata. São

as cultivares.

O benefício já foi explicado, mas vou colocar alguns dados.

Desculpem-me, está em inglês, eu deixei o original das apresentações. Esses

benefícios do melhoramento genético, através do desenvolvimento de

cultivares, são muito grandes em vários países. Aqui mostra o trigo no México,

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uma multiplicação por quatro, em termos de toneladas, por hectare, desde o

desenvolvimento das primeiras cultivares da era moderna, vamos chamar

assim. Na era moderna – meados dos anos 50 - houve um melhoramento

genético, com mais tecnologia genética.

A soja, nos Estados Unidos, desde 1925 - outros países têm

estatísticas um pouco mais longas -, mostra uma evolução, em quilos por

hectare, em torno de quatro ou mais vezes.

É um processo benéfico, em termos de produtividade, pois

permite ter mais renda e diminuição da área de cultivo. Logo, há um benefício

ambiental bem claro.

O mesmo acontece com o milho, de forma até mais dramática.

Temos uma série, também nos Estados Unidos, desde o século XIX, em 1865,

quando plantavam variedades de milho que inclusive fazem parte dos 10%

que ainda plantamos no Brasil. Há uma minoria que planta o milho em

variedades, com produtividades bem modestas. São os híbridos.

Posteriormente vou comentar a questão dos transgênicos, das

plantas geneticamente modificadas, com um óbvio aumento de produtividade,

passando de menos de dois mil quilos por hectare para basicamente 10 mil

quilos. E existe uma projeção de 20 mil quilos, em poucos anos, nas plantas

de milho.

Para chegar a isso, o melhoramento usa várias tecnologias: os

cruzamentos, que já foram citados, e outras tecnologias genéticas que

também aceleram o processo de obtenção daquelas características. Imaginem

aquelas cultivares de batata. Muitas vezes não existe essa variabilidade, a

qual é induzida através de processos químicos, ou de radiação ionizante, que

é um processo físico. Isso não é Biotecnologia; isso é considerado

melhoramento clássico, tradicional, e é utilizado em vários casos na

agricultura

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A novidade que agrega um pouco da discussão sobre a

questão de patentes é a entrada da Biotecnologia. No Brasil foi estabelecida a

Lei de Biossegurança, em 2005, que normatizou a pesquisa e o uso comercial

dos transgênicos.

Os transgênicos, organismos geneticamente modificados em

geral, envolvem a introdução de genes que dão características específicas, e

esses genes podem vir da mesma espécie ou de espécies diferentes. Entra

então um processo completamente diferente do anteriormente explicado,

através de cruzamentos, de radiações e assim por diante.

As cultivares geneticamente modificadas vão ter todo o

manejo convencional, que caracteriza qualquer cultivar, e a elas se agregam,

através da Biotecnologia, determinadas características, que vou exemplificar

ao longo da apresentação.

Voltando à produtividade, ela não tem um período muito

grande nesse dado que eu obtive, mas vocês podem ver que já há uma

inflexão na curva, que se deve exatamente ao período breve de introdução -

nos Estados Unidos, neste caso - das primeiras plantas de soja transgênica,

mostrando que essa tecnologia realmente é diferente. Isso é uma tendência

histórica. Se continuassem usando soja não transgênica, provavelmente

haveria um prolongamento nessa linha, mas aqui foi devido à introdução da

Biotecnologia. Com relação ao milho, acontece a mesma coisa.

Faltam dados do Brasil, mas talvez aqui a situação seja ainda

mais dramática, porque, além de termos os benefícios em relação à redução

de custo, também houve uma significativa melhoria nas condições de

produção dessas plantas, milho e soja, que são os exemplos aqui no campo.

O aspecto diferenciador das plantas geneticamente

modificadas é as composições que entram para produzi-las. Basicamente

entram sequências de nucleotídeos, que são o DNA - aqui temos DNA e RNA,

mas no geral são os DNAs -, os vetores plasmídeos, que são meios, são

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partes do processo que levam o DNA que quero introduzir para dentro da

planta, assim como os micro-organismos, que também são modificados para

fazer o processo funcionar. Depois vou mostrar, num diagrama, uma ideia, um

esboço do que é o processo.

O próprio processo de transformação é diferente, porque não

envolve o cruzamento, não envolve as mutações; envolve um processo

chamado de transformação genética. O conjunto dessas três partes é

normalmente objeto das proteções em patentes pela Lei da Propriedade

Industrial aqui no Brasil, ou equivalente em outros países, desde que tenham

os requisitos já citados pelo Professor Silmar.

Essas patentes são ligadas a uma determinada sequência

genética e têm que ter uma finalidade. Por exemplo, neste caso, uma bactéria

é isolada da natureza, possui um gene, que, como pesquisador, identifiquei:

“importante para produzir uma vitamina”. Aí usei, pelo processo de

transformação genética, as sequências isoladas, as quais modifiquei para

ficarem apropriadas para colocar numa planta e coloquei numa planta para

produzir a vitamina.

A foto que vocês estão vendo aqui é do arroz dourado, que já

foi desenvolvido. Não tem no Brasil, mas é um processo biotecnológico

bastante interessante, em que se introduziu a característica de produzir a

vitamina no grão do arroz. Por que isso é característico, bem visual, para

entendermos a patente? O arroz não produz absolutamente nada de

betacaroteno, que é a provitamina A. Ele só vai produzir se for feito o processo

através da Engenharia Genética ou, como se diz também, da Biotecnologia.

Não há na natureza essa possibilidade. Existe em outras plantas, em outros

grãos, mas não no arroz. Não vou entrar em detalhes dos benefícios de tudo

isso, porque não é objeto da apresentação, mas vocês podem ver aqui várias

gerações com grãos contendo a coloração indicadora do acúmulo do

betacaroteno.

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A invenção biotecnológica, que envolve as sequências, os

vetores e o processo, é estabelecida dentro de um laboratório, usando micro-

organismos – esta é uma agrobacterium -, usando vetores – este é um

plasmídeo – e usando os genes de interesse, que são manipulados, são

isolados da natureza, são colocados dentro desses vetores apropriados e

usados para transformar plantas. Todo esse processo, exceto as plantas em

si, é objeto das patentes. Voltando à questão das cultivares, a novidade, a

inovação biotecnológica está no processo e nas partes que compõem o

processo com uma determinada finalidade.

Comparando os dois sistemas, já fugindo um pouquinho da

questão técnica da Biotecnologia, aqui é mostrado um processo, já explicado

em outros casos pelo Dr. Silmar, de introdução de um determinado gene, por

exemplo, entre duas plantas, neste caso, tomate. Essa é a planta na qual

quero receber o gene, e essa é a doadora do gene. Eu cruzo e depois, por

várias gerações, tento incorporar esse gene na nova cultivar, exceto outras

características dessa planta doadora, que, por sinal, é pequena, não é

produtiva, etc. Esse é o melhoramento genético. Isso leva alguns anos e é um

processo que envolve uma mistura bastante complexa de genes. Isso é o

clássico, isso é o desenvolvimento de uma cultivar.

Esse processo pode ser feito também por uma invenção

biotecnológica, em que isolo determinado gene - casualmente esse gene

também é de uma planta de tomate, da mesma planta doadora anterior -,

trago ele para o laboratório e o coloco diretamente na minha nova planta

receptora, que seria a planta que vai originar a nova variedade.

Logicamente o processo não é tão simples e não é tão rápido.

Seria uma grande promessa fazer isso de forma tão rápida.

Por algumas razões, que vou explicar no final da

apresentação, esse processo acaba retardando; o benefício do tempo, que

seria um ótimo benefício, acaba sendo contraposto com outros problemas de

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desenvolvimento em termos do tempo que leva. Mas só quero mostrar para

vocês que é um processo diferente, que não tem as mesmas características

do desenvolvimento através do melhoramento convencional.

Em relação a tudo o que temos no Brasil em termos de

aprovações, seja em plantas ou em outros organismos, em Biotecnologia

usaram sistemas semelhantes de sequências, de plasmídeos, de micro-

organismos. E há processos de transformação que variam de um mosquito ou

de uma planta para um micro-organismo. Não serão totalmente diferentes; são

muito parecidos.

No caso da planta - eu trouxe um exemplo da agricultura -

resistente a insetos, existe, na natureza, um grande número de proteínas

conhecidas, que são tóxicas para insetos, são as chamadas Proteínas Cry,

também chamadas de Proteínas Bt. Essas proteínas foram trazidas para

laboratório, foi reconhecida sua toxicidade e a sua especificidade contra

insetos, foram estudadas profundamente na sua estrutura, modificadas,

inclusive, para se tornarem mais aptas a serem produzidas em plantas, porque

elas são de bactérias. Quando estão em plantas, funcionam como

bioinseticidas, matando as lagartas que comem as plantas. Esse é o método

de controle de plantas resistentes a insetos por Biotecnologia, pelo invento

biotecnológico.

Por melhoramento convencional, pelo desenvolvimento das

cultivares, é muito pouco provável conseguirmos obter uma planta resistente

às lagartas como aqui. E certamente não seria pelo mesmo método, porque

normalmente as plantas não adquirem genes de bactérias na natureza.

Existem casos em que podemos adquirir de outros organismos, mas não é

muito provável, e não é provável que funcione devido à baixa frequência de

ocorrência do evento.

Outros casos, como o das plantas tolerantes a herbicidas,

seguem o mesmo processo. Também são genes, a maioria provenientes de

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micro-organismos que foram introduzidos nas plantas. Não preciso repetir,

porque basicamente o exemplo é semelhante.

Somando essas duas tecnologias, atualmente o Brasil produz

uma área significativa de inventos biotecnológicos dentro das cultivares:

91,8% no caso da soja, 81,6% no caso do milho e 65% no caso do algodão.

São os três grandes cultivos que incorporaram essas invenções de

Biotecnologia no seu sistema de produção de sementes.

E muitos outros talvez cheguem a nós. Eu trouxe casos para

observarmos visualmente, questões interessantes que vão além do controle

de insetos ou da questão de tolerância a herbicidas. São os casos brasileiros,

os casos que já estamos vendo. Este é o caso de uma maçã que é resistente

à oxidação, tem uma vida útil mais interessante para o consumidor. O

processo de liberação, em outros países, já está bastante avançado. Há

tomates com altos teores de antocianinas. É óbvio que isso não é algo que se

encontre; foi desenvolvido através da Biotecnologia. Talvez ainda mais óbvio

seja o caso das flores azuis ou de diversas cores que normalmente não são

obtidas por cruzamentos, por métodos naturais, e que também não são

pintadas, obviamente. São geneticamente modificadas para produzir esse

pigmento diferenciado. Já existem e já são comercializadas.

Há outros casos que vão beneficiar bastante o Brasil. Por

exemplo, a cana de açúcar com alto teor de sacarose, que produz etanol com

menor custo e assim por diante; canola com menos nitrogênio, menos

poluição, menos custo para produzir, além de outras culturas; tolerância à

seca, tolerância ao frio.

Enfim, há uma grande variedade de tecnologias que vão surgir

dessas invenções - e sempre ressalto -, que dificilmente seriam obtidas, por

não serem óbvias, através do processo tradicional. Foi essa inovação que

trouxe o benefício.

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A parte final eu vou focar no desenvolvimento em si, pois

penso que é importante e normalmente me perguntam sobre isso: como se

desenvolve, quanto tempo leva, quais são as etapas importantes para

desenvolver um cultivo transgênico, envolvendo a invenção biotecnológica até

a cultivar? Na verdade, o que vai se plantar vai ser a semente, e as duas

coisas vão coexistir num determinado período. Mas o que é diferente? Toda

essa etapa de laboratório é única para as invenções biotecnológicas.

Toda a etapa, no final, de biossegurança, só se exige para as

invenções biotecnológicas, pela lei brasileira. Podemos usar a mutagênese,

podemos usar a cultura de tecidos. Isso não é objeto da Lei de Biossegurança.

Isso é avaliado só para a Biotecnologia, e esse processo, como vocês vão ver

pela minha descrição, é o único também para a Biotecnologia. Existe a etapa

de laboratório, a etapa de ambiente protegido, que chamamos de Casa de

Vegetação, e a etapa de campo.

A descoberta, que é a etapa inicial, começa com uma série de

pesquisas. Hoje se faz muito em computador – in silico, como chamamos -,

mas também em bibliotecas gênicas, em coleções de genes, em várias

organizações e universidades. As universidades são muito ativas nesse

processo, inclusive a nossa, e faço também no meu laboratório, lá na UFRGS.

Este é o resultado de um trabalho publicado alguns anos

atrás. Eu trouxe os números: em média, de acordo com uma pesquisa feita,

cada evento transgênico parte de 6.200 eventos de pesquisa desde o início,

desde a descoberta. Esse é o funil daquela ideia que coloquei para vocês no

slide anterior. Deu-se num período que leva 26 meses. Não vou falar muito em

valores aqui, estão todos explicitados e são originados desse trabalho

publicado há uns dois anos.

Esta é a descoberta inicial: muitas sequências, muitas

bibliotecas, muitas pesquisas para encontrar os primeiros genes que quero

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testar, e provavelmente vão ser muitos. Como vocês estão vendo, 6.000

sequências.

Na fase de descoberta é preciso testar esses genes, é preciso

diminuir o número de candidatos, para não se tornar um processo

extremamente grande, caro ou de uma duração muito grande. Isso é feito com

o uso de plantas modelo, que chamamos de Prova de Conceito. São plantas

que consigo transformar, porque, com a Biotecnologia, haverá maior agilidade,

maior rapidez e maior eficiência.

A Prova de Conceito reduz o número de sementes, e, num

período de aproximadamente dois anos, consigo fazer. Esta é uma foto nossa,

é uma Prova de Conceito lá da UFRGS. Fizemos com essa planta modelo,

que não é uma planta cultivar. Aqui estou selecionando características das

plantas que vocês estão vendo. As verdes estão sobrevivendo; as outras

estão morrendo por causa do seletivo que estou usando, que, no caso, é um

patógeno.

Estou selecionando plantas resistentes ao patógeno, ao micro-

organismo que vai causar uma doença. Se eu fizesse com soja, não poderia

ter esses vasinhos aqui; teria que ter uma grande estufa, uma grande sala,

que provavelmente me impediria de continuar nas pesquisas. Esse é um

processo de descoberta.

A segunda parte trata da otimização da construção.

Construção é o termo que se usa para falar sobre a montagem nos vetores

dos genes de interesse, os vetores que são usados para transferir o DNA, por

exemplo, daquela bactéria para a planta. Só que nem sempre a otimização se

comporta como queremos. Queremos que tenha mais produção da nova

proteína no grão, na semente ou na parte verde da planta. Isso se chama

otimização, e é feita com um número relativamente grande, mas bem menor

do que o número inicial. Muitas sequências não passaram na Prova de

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Conceito, não passaram na otimização; foram reduzidas. Isso é feito em

laboratório, normalmente.

Partimos para a seleção e produção do evento comercial.

Agora já sei que existem candidatos fortes, que funcionam bem, que

produzem grande quantidade daquela proteína. Vou passar a usar as

construções, transformando as plantas de interesse: milho, soja, algodão e

assim por diante. O número de eventos é ainda relativamente grande, então

elimino desse processo algumas inserções, algumas transformações

indesejáveis, complexas, em que entraram muitos genes, e não exatamente

uma cópia, que normalmente é o que se quer.

Isso passa por uma avaliação na Casa de Vegetação, em

ambiente fechado. O ambiente fechado, no caso, é exigido até pelas questões

de biossegurança, porque ainda é uma pesquisa inicial; não sei que efeitos

têm esses genes. Então tenho que usar toda a precaução possível para não

colocar no ambiente. Logicamente vocês veem que, quanto mais precaução,

quanto mais contido o ambiente, maior o custo, menor o espaço. Vou levar

mais tempo para fazer, mas é uma exigência legal que os países normalmente

seguem. Aqui vou ter eventos com qualidade comercial na nova espécie para

a qual estou transferindo esse gene.

Mostro uma foto de uma empresa que faz esses testes em um

ambiente protegido. No caso, é uma Casa de Vegetação bastante tecnológica,

bastante grande, mas vocês vão ver variações do tema de acordo com o

tamanho das empresas que trabalham com essas plantas. Esses esquemas

podem ser extremamente robotizados e transformar o processo com grande

efetividade, sendo possível analisar um número grande de eventos, um

número grande de plantas.

Também nessa fase são feitas muitas análises, já no grão,

coletando o DNA, coletando o endosperma, no caso, do milho, para fazer as

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análises qualitativas, ou as próprias análises moleculares, para ver se aquilo

que coloquei está na quantidade, no número que quero.

Agora posso ir para o campo, e entramos na única etapa

desse funil em que os dois desenvolvimentos tecnológicos têm semelhança,

as cultivares convencionais e os eventos desenvolvidos pela Biotecnologia.

Nessa etapa o que vai ser feito exatamente é avaliar o desenvolvimento dessa

planta transgênica, em condições de campo, e as questões de produtividade,

de qualidade, de crescimento e de ciclo da planta, se ela se comporta de

acordo com o que é desejado para a nova cultivar. Normalmente o que se

quer é que o evento transgênico não altere nada, exceto que produza aquilo

que eu quis. Lembrem-se do exemplo do betacaroteno no grão de arroz: a

planta de arroz tem que produzir a mesma coisa, tem que crescer da mesma

forma, tem que ter o mesmo ciclo, mas vai ter um grão de uma qualidade

diferente, produzindo uma vitamina que não produzia.

No caso dos transgênicos é quase igual. No caso dos

transgênicos, todo esse processo é feito em um ambiente protegido. É em

campo, mas é protegido. O que significa protegido? É cercado, é monitorado,

é auditado pelo Ministério da Agricultura, pela CTNBio. E claramente não

posso depois permitir que alguma semente saia desse local até que a

pesquisa toda seja concluída e que o processo seja aprovado. É um processo

que também tem um custo, porque não se trata exatamente de lançar

sementes em qualquer lugar, no campo, com produtores, enfim, com um custo

menor. É uma pesquisa ainda em um ambiente de contenção, só que já numa

etapa de campo.

Vocês viram que houve uma diminuição muito grande no

número de eventos exatamente porque, nessas pesquisas - aqui normalmente

são dois eventos, no máximo –, já sei muito bem o que quero, o que está

funcionando, até porque esses experimentos podem levar três anos, ou mais,

como o Dr. Silmar falou. São custos muito grandes. Não são feitos só num

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local; são feitos em vários locais. O Brasil é um país grande, então, se for

comercializada uma planta de soja, vai ser útil para vários estados, para vários

ecossistemas diferentes. Isso requer a instalação em contenção em números

grandes em termos de locais. Várias questões de biossegurança são

avaliadas, além dos aspectos de produtividade, que já citei aqui.

Voltando àquilo que é inerente só ao processo da

Biotecnologia, que é a etapa de biossegurança, registro e regulamentação. Na

verdade, são coisas diferentes que coloquei aqui para não me alongar, mas é

bastante comentada a questão de biossegurança. Ela exige bastante em

termos de custo e de tempo. Durante todo o processo é feita a análise de

biossegurança, desde a origem do gene, desde o gene que quero colocar. Em

relação àquele gene que entrou no arroz, que veio de uma bactéria, por

exemplo, tem que ser provado que ele produz uma proteína segura na

bactéria de origem. Ou melhor, aquela toxina que foi colocada na soja, no

milho, estava presente numa bactéria que era totalmente imune, no caso

como patógeno, para animais, humanos ou outros organismos.

A biossegurança se dá desde a origem, desde o

desenvolvimento inicial. Mas nessa etapa do produto final os experimentos

mais avançados, em termos de biossegurança ao ambiente, a insetos, a

micro- organismos, a outras plantas e também à saúde - a composição dessas

novas plantas transgênicas e os produtos que elas produzem, os grãos, no

caso - têm que ser avaliados em grande escala, com rigor. Esse é um

processo que exige etapas muito especializadas de laboratório até o produto

ser considerado apto para o uso comercial. Essas avaliações fazem parte dos

dossiês necessários, que inclusive vão servir para registro em outros países.

Uma vez que isso seja resolvido, a etapa de registro e de

regulamentação é encaminhada para a aprovação, em uso comercial, da

semente. No caso do Brasil, no Ministério da Agricultura, e em cada país para

o qual o Brasil for exportar o grão, pode ser pedido todo esse processo e

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todos os dossiês envolvendo a biossegurança. É um processo longo e, neste

caso, é bastante diferenciado das cultivares tradicionais em função de ser um

produto de Biotecnologia.

Não estou entrando no mérito, se isso é certo, é errado ou se

é exagero. São questões que fogem da nossa discussão. Estou relatando

exatamente o que acontece. E vejam que esse é um processo que não leva

pouco tempo. Estima-se que a média desses processos todos seja de 12

anos, desde a descoberta até o lançamento. Pode ser mais, pode ser menos,

mas, em média, têm levado 12 anos, e os valores, somados, em torno de 136

milhões de dólares, conforme publicação do estudo, cobrindo todas as etapas

de laboratório, de Casa de Vegetação, de campo, de registro e da terra, até

entrar para a produção comercial. Aí chegamos à planta de milho, com toda

aquela tecnologia atualmente presente também na produção dos híbridos, que

é uma tecnologia tradicional, e com a Biotecnologia.

Encaminhando-me para o final, penso que foi comentada a

questão das leis. Diante dos aspectos técnicos que expus, a proteção de

cultivares e a propriedade industrial são complementares. Claramente conduzi

a minha apresentação para essa conclusão, para essa consideração. Elas não

seguem exatamente o mesmo caminho, ainda que entrem no mesmo ser vivo,

que são as plantas. A produção de cultivar está relacionada ao ser vivo, à

cultivar, à planta, à variedade, como queiram, e a propriedade industrial está

relacionada às construções, aos plasmídeos, às sequências, aos micro-

organismos usados e ao processo de transformação genética, que é

absolutamente único no caso da Biotecnologia.

Muito obrigado.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Agradeço

muito ao Dr. Marcelo e ao Dr. Silmar pelas suas apresentações, que foram

extremamente ricas e esclarecedoras. Não tenho dúvida de que nós todos

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conseguimos compreender bem a diferença entre uma cultivar e uma planta

geneticamente modificada.

O foco não se limitou especificamente a questões puramente

legais, até porque temos aqui engenheiros, e não juristas, Mas, como havia

falado na abertura, é um pressuposto para nós, juristas, partirmos dessa base

de conhecimento cultural, que extrapola a área do Direito, para podermos

saber a respeito do que estamos tratando.

Quero aproveitar para saudar o Des. Jorge do Canto, a quem

não havia saudado anteriormente. Agradeço também pela sua presença neste

evento.

E faço uma pequena digressão: enquanto ouvia as

explicações sobre as cultivares e sobre os transgênicos, veio-me à mente

algumas questões da raça humana. Parece-me que o ser humano é como se

fosse uma cultivar, que, por sucessivos cruzamentos, vai ficando mais forte,

mais resistente, mais imune às doenças. Teve um filme da série Star Trek,

acho que o nome é A Ira de Khan – o último desta série que passou -, em que

Khan era geneticamente modificado, era imune a doenças, ele tinha

superforças. Era como se fosse um mutante, extremamente poderoso e forte.

Depois veio a explicação de que ele era geneticamente modificado.

Essas explicações que foram dadas, especialmente pelo Dr.

Marcelo, desmistificam um pouco esses preconceitos que muitas vezes temos

sobre a questão da transgenia. Muitos diziam que causava câncer, houve

movimentos de invasões, em que tocaram fogo e destruíram laboratórios de

pesquisa, como se isso fosse algo prejudicial à saúde. Então é muito

importante esse tipo de manifestação, de evento, para trazer mais

conhecimento e informação à sociedade em geral a respeito desses temas.

Temos ainda um tempo disponível para as contribuições dos

senhores. A Dra. Kelly já está inscrita e vai ser a primeira a se manifestar.

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DRA. KELLY – Quero fazer uma pergunta ao Professor

Marcelo, que às vezes mexe muito com o senso comum. Sei qual a resposta,

mas queria uma explicação científica sobre isso. Muita gente questiona: “Será

que esse gene que foi inserido na planta não vai migrar para o nosso corpo?”

Gostaria que fosse explicando tecnicamente como isso

funciona, se for possível, para desmistificar realmente essa questão.

Também gostaria que o senhor tratasse daquela questão que

envolveu uma pesquisa específica em que vários ratos foram tratados com

milho transgênico e, por acaso, todos eles desenvolveram câncer.

Obrigada.

DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES – Essa é uma

pergunta que se faz normalmente: se animais, no caso, cobaias, absorvem

esse DNA. O que normalmente se explica é que o DNA é digerido, assim

como as proteínas. Estamos consumindo DNA a todo momento, por exemplo,

nos tomates. Qualquer vegetal ou animal tem DNA, e não nos tornamos nada

disso porque os comemos.

Surpreendentemente a resposta é que algumas vezes foram

encontrados, nos músculos de animais - de humanos não vi testes -,

fragmentos de genes: em vacas, suínos, aves. Há a seguinte condição: as

cópias desses genes têm que ser extremamente abundantes. Por exemplo, há

um gene que é envolvido na fotossíntese, chamado RuBisCO. No espinafre ou

em vários animais, é possível que exista uma pequena proporção que, se

ingerida, será absorvida no intestino, entrará nos músculos, depois vai

diluindo, enfim. Nada que permita que o animal que os comer tenha o gene

inteiro, porque são fragmentos.

Foram feitos os testes, isso que é interessante. E à sua

pergunta respondo que a ciência na questão de biossegurança praticamente

surgiu com os transgênicos. Hoje o conceito que temos de testes necessários

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para biossegurança, em que se usa na Biotecnologia, é fantástico. Por

exemplo, desenvolver um estudo com animais, dando determinada quantidade

de ração, para tentar, porque a frequência é muito baixa, detectar eventos

raríssimos de absorção do DNA. E assim por diante.

São essas as questões de biossegurança que nasceram.

Nunca se perguntou, por exemplo, se aquelas batatas nos fazem mal.

Sabemos que fazem, porque elas têm toxinas, mas somos habituados a

comê-las. E isso parece que só ocorre com os transgênicos, o que representa

um lado bom, porque nos ensinou várias coisas.

Quanto à pergunta sobre os ratos, esse foi um estudo muito

debatido e controverso, por fim retirado inclusive da revista por falta de rigor

do pesquisador. Ali havia problemas com as linhagens dos ratos, que tinham

uma propensão a produzir câncer, naturalmente muito elevada. Porque se

trabalhou com cobaias, havia problemas estatísticos entre outros. A respeito

desse trabalho não cabe muita discussão, a não ser que foi reprovado pela

própria revista para a qual o pesquisador encaminhou.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Passo a

palavra para o Dr. Milton.

DR. MILTON LEAL – Bom-dia. Em primeiro lugar, parabenizo

as palestras dos dois expositores. Tive a oportunidade de ler recentemente o

artigo do Dr. Marcelo que reproduz um pouco esse conhecimento que foi

publicado na Revista DTI; parabenizo a organização, o Des. Ney e todo o

comitê organizador do evento. Para nós é um prazer poder debater um

pouquinho mais, de forma técnica, esses aspectos envolvendo a propriedade

intelectual.

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Minha pergunta tem relação com o que foi colocado pelo

Professor Silmar e também, de certa forma, pelo Professor Marcelo, no que

diz respeito especificamente ao percentual de royalties.

Faço uma analogia com um caso que foi muito debatido na

área de autopeças e na área dos mercados primário e secundário, quanto à

proteção de veículos; quanto à proteção, por desenhos industriais, do farol, da

lanterna, etc., de um veículo produzido por uma GM, ou de outros carros, que,

no mercado primário, têm um valor agregado e são vendidos para o

consumidor final. Posteriormente, tem um mercado secundário, e, quando

esse carro bate, tem que se vender a autopeça. O uso da propriedade

intelectual, da patente ou do desenho industrial é relacionado a esses

mercados primário e secundário. Faço uma analogia com o setor de

sementes, que não é muito apropriada, ou seja, é uma analogia pobre, para

entender a pergunta.

A pergunta, na verdade, é a seguinte: existiria a possibilidade

de se ter uma aplicação específica de royalties - maior, no início, menor, no

fim -, diferida, dependendo do tipo de uso, do tempo que aquela semente já

foi, digamos assim, modificada - não na sua essência -, ou que tenha alguma

modificação com o uso reiterado das plantações? Perdoem-me pelo termo

técnico, pois não sou da área técnica. A minha pergunta é bem específica

quanto à quantificação dos royalties, já que foi mencionado um percentual,

que talvez fosse o ideal, ou não, e por quê.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) - Passo a

palavra ao Dr. Silmar, que acredito que se encontra apto para responder a

essa pergunta.

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DR. SILMAR TEICHERT PESKE – Muito bem, então vamos falar

do royalty no contexto da proteção de cultivares.

O obtentor, ou seja, a empresa que criou e desenvolveu a

cultivar, licencia para um produtor de sementes fazer a comercialização. E,

realmente, no primeiro ano que licencia, o royalty é mais elevado, em geral

12% ou 13%.

Com o passar dos anos, entram outras variedades melhores,

então os 12% ou 13% vêm para 10%, 8%, 6%, conforme os anos vão

passando, porque outras cultivares serão lançadas no mercado.

Em relação à patente, no caso da nossa soja - vamos colocar

a soja RR2BT, que é o grande exemplo -, o obtentor licencia para o produtor

de sementes um valor ao redor de 115 reais por hectare, e, como é nova, não

sei se isso vai baixar, ou não. Está há dois anos no mercado.

E, para aquele que não utiliza a semente via produtor de

sementes, ou seja, aquele que guarda sua própria semente, ou pegou do

vizinho ou o de quem quer que seja, paga um percentual sobre o grão que ele

está vendendo, e a proposta é de 7%. Era de 2% na patente anterior da soja

RR. Isso é fixo, porque são só durante 10 anos, mais ou menos, que eles

exploram. Terminados os 10 anos, é zero.

Ou seja, no primeiro caso é flexível; no segundo, não.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Há duas

inscrições no fundo.

- Especificamente quanto às questões da soja e do uso de

agrotóxicos ou inseticidas, o senso comum diz que o uso de inseticidas ou de

herbicidas, mas principalmente de inseticidas, continua o mesmo em relação

aos organismos ou às sementes que passaram por um processo de

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modificação. Pergunto se é observada uma diminuição do uso de inseticidas

nesse processo de GM. Como sou filho de agricultor, a minha família produz

soja, observo, por exemplo, que a lagarta continua existindo, mesmo com GM,

então há necessidade de inseticida. E novas doenças surgirão, que vão levar

à aplicação de novos inseticidas ou de venenos em geral, como a ferrugem,

que está muito em voga hoje.

Pergunto se é observada, nas GMs, uma diminuição do uso

desses agrotóxicos.

DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES – Sim, tem que

haver.

Vamos separar os dois casos. No caso da planta (...) inseto, o

método de controle é para alguns insetos, não é para todos os insetos. É para

lagartas. Isso já diferencia dos inseticidas, que normalmente têm um espectro

bem amplo. Então já entendemos que isso tem o benefício da especificidade.

Estamos controlando as lagartas.

O princípio é esse: diminuir os inseticidas para o controle de

lagartas, e isso funciona. Ocorreu no Brasil, pelo uso contínuo da mesma

tecnologia do mesmo gene - considerando que o produtor tem a opção de

usar vários genes, mas, se ele usar o mesmo gene, a mesma variedade da

mesma empresa -, uma resistência dos insetos, como também ocorre dos

inseticidas. Então não é um problema da tecnologia; é um problema do

manejo.

Não estou dizendo que a culpa seja do agricultor. A culpa é de

o sistema não ter informado, ou de o produtor não ter executado aquilo que o

sistema informou para ele, a assistência técnica. Então é um problema de

manejo. Isso poderia acontecer, e acontece com o inseticida; pode acontecer

a mesma coisa com o transgênico. O processo é o mesmo, é controlar o

inseto.

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Existe tecnologia de manejo que resolve essa questão de a

lagarta continuar sobrevivendo, mas veja bem: existem lagartas que

caminhavam em cima - só para usar uma figura de linguagem - da planta do

milho e que, com inseticida, morriam, mesmo que elas não fossem pragas e

comessem a planta do milho. E, com o transgênico, ela só vai morrer se ela

comer a planta do milho. Então tem um benefício ambiental bem claro. Esta é

uma questão que temos que levar em consideração, entre outras. Não é o

objeto desta apresentação falarmos em biossegurança, mas estou

respondendo à sua questão.

Quanto aos herbicidas, houve um problema semelhante de

tolerância: uso contínuo do mesmo herbicida, da mesma soja transgênica. O

que aconteceu? Surgiram plantas daninhas, plantas invasoras, resistentes a

esse herbicida. Como se resolve a questão? Mudando a tecnologia, passando

a usar plantas não transgênicas - se tivessem a opção, tolerantes a outros

herbicidas - ou usar outros herbicidas. A mesma questão se resolve com

manejo. Aliás, os bons produtores estão resolvendo com manejo, fazendo a

rotação, fazendo aquilo que a assistência técnica recomenda.

O que lamentamos é que todo o sistema de biossegurança,

que considero bastante apropriado, bastante seguro no Brasil, em vários

casos é um pouco lento, então o produtor se viu sem opções de outras

tecnologias - seja para o controle de insetos ou para o controle de plantas

daninhas – pelas quais pudesse optar. Podemos perguntar por que ele não

volta para a planta não transgênica. Ele sabe o custo para produzir uma planta

não transgênica; ele não tem mais nem a máquina para fazer a capina, que

destrói o solo, que tem também problemas mais sérios.

A volta ao passado, às décadas de 70 ou de 80, é algo que

ele não visualiza. É difícil eu, como técnico, como agrônomo, convencer o

produtor: “Você tem que deixar de plantar o transgênico este ano, e plantar

outra cultivar normal, para não haver problema de seleção”. “Mas se eu não

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plantar o transgênico vou ter que ter um equipamento que não tinha, vou ter

que ter mão de obra, vai ficar mais caro e assim por diante.”

Essa é a luta dos técnicos, tentar que exista uma

sustentabilidade no sistema. Mas as duas tecnologias visam à mesma coisa:

reduzir o uso de produtos químicos. E existem pesquisas que mostram que

reduz, e há casos de mau manejo que aumenta.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) - Dr. Marcelo,

só fazendo novamente uma analogia com os humanos, recentemente ficou

constatado que o uso exagerado de antibióticos pelos humanos fez com que

estes desenvolvessem resistência. Os antibióticos já não curavam as

doenças, surgiram superbactérias, então o Estado proibiu a venda de

antibióticos sem receita médica, porque as pessoas gostavam muito de se

automedicar e ficaram resistentes devido ao mau uso de antibióticos.

Passo a palavra para o Professor Raul Murad.

PROFESSOR RAUL MURAD – Bom-dia a todos. Meu nome é

Raul Murad, sou Professor de Direito Civil do Estado do Rio de Janeiro e

Professor de Propriedade Intelectual da PUC do Rio de Janeiro.

Peço autorização do Presidente da Mesa – sei que a palestra

não foi jurídica – para fazer um comentário provocativo jurídico. Não é bem

uma pergunta, mas, como pontos jurídicos foram tratados na palestra, gostaria

de fazer uma complementação.

Em relação à complementaridade técnica entre inventos

tecnológicos relativos a um processo de inserção dos genes e o cultivo da

cultivar, concordo plenamente com palestrantes no sentido de que existe uma

complementaridade mesmo. Muitas cultivares incorporam essa modificação

genética.

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Mas, em relação à eventual complementaridade dos sistemas

jurídicos, existe uma discussão relativamente substancial quanto a essa

questão. O Brasil, assim como muitos países desenvolvimento, adotou a ata

de 1978, da UPOV (União Internacional para Proteção das Obtenções

Vegetais), e essa ata, que foi diferente da Ata de 1991 - que foi internalizada

em nosso ordenamento -, vedava por completo a dupla proteção relativa a

variedades de cultivar, criando então uma proteção sui generis, como a

própria doutrina vem determinando.

No nosso ordenamento, na Lei de Proteção de Cultivares, o

art. 2º tem um dispositivo por meio do qual exclui outros sistemas jurídicos que

poderiam vir a obstar a utilização dos direitos que a Lei de Proteção de

Cultivar traz, como os direitos prescritos no art. 10, que tratam dos privilégios

do agricultor: que o agricultor pode reservar a semente, desde que para uso

próprio, pode cultivar a semente, desde que na comercialização como matéria-

prima ou como alimentos.

Realmente existe certo questionamento quanto a isso. Não há

uma definição muito clara, numa interpretação jurisprudencial, mas, numa

interpretação doutrinária, há vozes que defendem uma exclusão, e não uma

complementaridade entre esses dois sistemas, em que pese haja

efetivamente uma complementaridade técnica.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Tenho uma

anotação das questões mais polêmicas, sobre as quais os Juízes têm que

tomar uma posição. “Discute-se se é possível, ou não, a comercialização dos

frutos de sementes próprias obtidos no cultivo, bem como se a Lei de

Cultivares se aplica, ou não, se permite a comercialização dos frutos das

sementes próprias sem novo pagamento de propriedade intelectual, forte nos

arts. 2º e 10 da Lei de Cultivares. Da mesma forma, se a reserva de sementes

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próprias, sem condicionantes, seria, ou não, direito dos agricultores, que

poderiam comercializar os frutos dela gerados.”

A palestra do Dr. Silmar abordou essa questão: se paga no

momento em que compra semente, se paga quando entrega a safra. O Dr.

Silmar também comentou que pode se pegar uma cultivar e modificá-la

geneticamente. Em cima do benefício genético natural, pelos cruzamentos, se

faz uma transgenia. Se uma lei exclui a outra, se ambas convivem, essas são

as questões do Judiciário. Os Juízes têm que resolver esse imbróglio.

Parece que o Dr. Silmar tem uma contribuição a dar.

DR. SILMAR TEICHERT PESKE - Eu vou invocar uma outra

lei. Tem uma lei do comércio. Só pode comercializar sementes quem estiver

registrado no RENASEM (Registro Nacional de Sementes). Então o agricultor

que não estiver registrado não pode comercializar sementes.

Segundo, ele pode guardar as sementes se ele comprou a

primeira vez – assim reza o art. 10 - e se registrar no mapa, o que o pessoal

não faz. Se ele se registrar, se ele comprou uma vez, se ele tiver nota fiscal,

ele pode fazer; caso contrário, não. Em geral, o pessoal não faz, e ainda

vendem para os vizinhos. Aí infringem a Lei do Comércio de Sementes.

Eu teria um comentário a fazer em relação à primeira e à

segunda perguntas. Estamos em 2015. As discussões fortes mesmo foram no

final dos anos 90 e no início do ano 2000. Discussões fortes, pesadas, com

audiência pública e tudo, em que as questões versavam sobre a saúde e

sobre o ambiente. Hoje, em 2015, é raro ver perguntas similares a respeito de

doenças. É raríssimo. Qual a pergunta que se faz hoje? Quem detém a

tecnologia? Esta é a pergunta.

Então vou dar uma informação. Evidentemente que as

multinacionais que nós conhecemos, seis, mais a EMBRAPA, a nossa estrela

nacional, que detém a tecnologia, vide feijão dourado. Os brasileiros comem

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em média 16 quilos de feijão por ano. A EMBRAPA desenvolveu um feijão

transgênico e está em vias de desenvolver outros produtos transgênicos

também. A EMBRAPA contou com a colaboração da UFRGS e da

Universidade de São Paulo. Além da EMBRAPA, a Argentina, a África do Sul

e muitas universidades americanas também. Os chineses já têm arroz Bt e

têm um milho rico em fitase, uma enzima que desdobra o fósforo, muito

importante para a ração animal.

Atualmente a discussão é um pouco diferente, e, graças a

Deus, já dominamos isso através da EMBRAPA e das nossas universidades.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Passo a

palavra para o Des. Jorge Luiz Lopes do Canto.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO – Um bom-dia a

todos. Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar o Des. Ney pelo evento e

parabenizar os palestrantes pela clareza, pela exposição, enfim, por todas as

contribuições para essa discussão.

Fiz uma brincadeira com o Dr. Silmar: “Que bom que vou

começar a entender isso um pouco melhor!” Realmente, essa questão técnica

é muito complicada. Num processo que julguei, vali-me dos senhores e da

Professora Maria Helena e do Professor Leandro Loguercio, que são

pesquisadores nessa área.

Até para desmistificar, conversando com esses dois

pesquisadores e ouvindo os senhores, a grande preocupação que todos os

pesquisadores têm é no sentido de que não se volte à era de caça às bruxas,

em que se realizavam queimadas. Enfim, que se identifiquem as questões de

biossegurança e dos transgênicos não como um mal. Não, é uma evolução da

tecnologia, do ser humano, é uma coisa útil. Foram provadas a produtividade

e a riqueza que isso envolve, com o trabalho de todos os senhores.

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Uma questão muito interessante, levantada pelo Dr. Marcelo,

é a de que não há volta ao passado. Ou seja: é transgênico ou transgênico. E,

nos números apresentados, de quase 100%, no caso da soja, 100% será

transgênico daqui para frente, porque o custo da inversão seria absolutamente

danoso.

Não sei se depreendi bem, Dr. Marcelo, mas penso que foi

isso que o senhor disse: “É 100% transgênico e será transgênico daqui para

frente. Não há como reverter essa expectativa”.

Conversei também com o Leandro e com a Maria Helena. A

Maria Helena disse que, dos 58.000 genes da soja, apenas um é modificado.

É uma modificação técnica importantíssima, fundamental, mas numa

proporção pequena. E todos sabem, e os senhores, como pesquisadores, que

é proibido patente de vida. Há várias teorias sobre a invenção dos seres vivos,

sejam elas à luz das crenças, sejam à luz da ciência, mas não podemos

patentear um ser vivo.

Essa questão é irreversível, e a soja é o nosso principal

produto de exportação. Isso se discute juridicamente, não quero concluir se

está certo, ou errado. Essas são avaliações judiciais que serão feitas, mas

uma das coisas que o Professor Leandro e a Professora Maria Helena

comentaram foi sobre a questão da contaminação.

Quanto à questão de contaminação no País, mesmo

reconhecendo que a semente de soja é específica, de difícil cruzamento, tem

que ter dois metros de distância de uma lavoura para outra, como a

Professora Maria Helena disse, uma colheitadeira é usada em 10 lavouras. Às

vezes é colheitadeira da cooperativa. O transporte por trem é feito em vagões;

do caminhão, a soja é tirada à pá. Então fiz uma consulta com ela: “Existe

uma fiscalização de contaminação, saindo do produtor até um navio,

absolutamente precisa, e que possa distinguir soja transgênica da soja não

transgênica? E como é que eu vou desigienizar isso?” Ela disse: “Olha, é um

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processo longo, complicado, cada caminhão teria que ser desigienizado,

assim como cada colheitadeira, antes de ser usada. Por exemplo se tenho 10

lavouras de soja não transgênica e usar uma de soja transgênica, como vou

desigienizar isso?”

Faço algumas perguntas ao Dr. Marcelo. Primeiro: é

irreversível, como o senhor falou? Será 100% soja transgênica daqui para

frente? Segundo: é um gene só, dos 58.000? Terceiro: como é que estão as

pesquisas e a segurança disso no País, em termos de contaminação?

DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES – Des. Jorge, quanto

à questão dos genes, a mais simples, o que se coloca para desenvolver um

transgênico normalmente é um gene só. Existem razões técnicas, porque não

se quer criar complexidades depois da própria expressão, nem que esse gene

venha a produzir mais ou menos do que se quer da proteína. Então é um

gene. Em geral, as plantas têm de 30.000 a 40.000 genes. É essa a

proporção. Um pouquinho menor o número de genes, talvez, do que o senhor

falou, no caso da soja, mas não baixa muito disso.

Isso não isso não interfere com biossegurança, porque posso

ter um gene, e a proteína que ele produzir ser extremamente perigosa. As

questões de biossegurança se mantêm, sendo um ou 50.000. É um novo

produto, então tem que ser analisado. E aí que a lei brasileira entra na

questão de biossegurança alimentar.

A contaminação, que prefiro chamar de mistura de sementes,

já foi um caso mais conversado no Brasil quando existia a expectativa, por

uma questão de mercado, de se produzir transgênicos ou não transgênicos

para a exportação. E no Brasil a rotulagem exige alguma segregação. Com o

tempo, os próprios países que estão importando soja, por exemplo, não têm

mais preferência. A soja, sendo transgênica, ou não transgênica, basicamente

é a mesma coisa.

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Em outras palavras, o custo da segregação valeria a pena se

tivesse valor, em termos comerciais, vender soja não transgênica. É possível

que algum nicho, algum tipo de consumidor muito específico, em poucos

lugares, seja no Brasil ou em outros países, prefira e queira pagar por isso,

mas não me parece um mercado muito relevante, pelo que observo. A palavra

mistura é mais apropriada porque é uma questão comercial. A pessoa que não

quer plantar o transgênico tem o direito de que sua carga não seja misturada

com uma carga transgênica que venha a prejudicar o seu comércio, mas não

se confunde com questão de biossegurança, porque isso já foi resolvido antes.

O que se produz comercialmente no Brasil em matéria de transgênicos tem

que ser seguro.

Por exemplo, um produtor que queira voltar a produzir soja

não transgênica porque tem um problema de resistência de plantas daninhas.

É um caso bem real. Não há problema, e possivelmente a questão comercial

não vai interferir nisso. Vai ser uma questão só do produtor. Quando falamos

em transgênicos, parece que é uma coisa só, mas os transgênicos envolvidos

hoje no Brasil são só de interesse do produtor. Problemas de insetos e

problemas de plantas daninhas: para o consumidor que vai consumir isso,

tanto faz. Isso não tem interferência na saúde, é seguro, não modifica nada –

cor, sabor, tamanho -, absolutamente nada. É só uma questão de manejo, e

isso é comprovadamente seguro. Então a reversão para ele plantar não

transgênico é apenas um problema técnico dele.

Pode ser que, em casos futuros, daquele arroz dourado ou de

produtos bem diferenciados, em termos nutricionais, como alimentos, a

história possa ser diferente, mas não é um caso que se discute no Brasil.

Não sei se lhe respondi, mas, quanto ao início da sua

exposição, que diz que é irreversível por ter vantagens, eu concordo. É por

isso que 95%, ou mais, da soja produzida no Brasil é transgênica. O problema

da transgenia passou a ser, como o Dr. Silmar falou, um problema de quem

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está usando a tecnologia; antes era um problema de biossegurança. É uma

prova da vantagem. Alguns anos atrás, estávamos discutindo se deveríamos,

ou não, plantar, e se produzia esse ou aquele problema; hoje estamos

discutindo os direitos, quem paga, percentuais, quem tem direito à tecnologia.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) - Dr. Marcelo,

gostaria de reformular a pergunta do Des. Jorge, pois percebi uma outra

perspectiva: poderia um agricultor negar que tenha usado sementes

transgênicas, porque elas vieram voando, saltaram do vagão de um trem ou

de uma colheitadeira suja, e dizer: “Eu não plantei nada transgênico, eu não

vou pagar esse royalties. Isso foi o vento, uma ave que trouxe”? É alguma

coisa assim? Não sei se foi esse o sentido.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO – Quanto à questão

técnica, é exatamente o contrário. A formulação feita é sobre sistemas de

controle. Eu quero plantar, por exemplo, só soja natural. Quero vendê-la -

como existe a moda atual - como um produto orgânico e tal. E se, com esse

transporte, uma semente vier voando, o que é comum no campo?

Posso ter uma lavoura transgênica e 10 não transgênicas. A

própria Dra. Marilene falou que não tem uma higienização nessas

colheitadeiras. Os caminhões que transportam também não têm higienização,

os trens também não têm higienização, os navios não têm higienização, então,

quando esse sujeito disser que tem tudo aquilo puro, mas, como falou o Dr.

Marcelo, misturado no transporte, misturado no caminhão, na hora que disser

que o produto é orgânico, poderia aparecer alguma quantidade de

transgênicos ali.

DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES - Eu poderia

responder, juntando as duas questões. Existem sistemas de segregação

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apropriados, uma cooperativa, um município ou um grupo que quer produzir

não transgênico. Isso existe no Paraná, existe em outros locais, para a

produção de grãos orgânicos, que, por determinação, não podem ter

transgênico. E como é atestado isso? Através da segregação, que é o

processo de produção, e da análise de detecção. A análise de detecção vai

dizer se tem 1%, 0,5%. O que obviamente é muito diferente do que se vier de

uma lavoura. Então dificilmente, já usando o seu comentário, um produtor vai

poder alegar que está plantando transgênico se 0,5% dos grãos são

transgênicos. Isso claramente é adventício, veio por uma mistura. E, no caso

da soja, não veio por pólen; veio por semente. No milho até poderia ser um

caso de mistura na lavoura.

Nesses casos, a técnica permite a detecção e assegura tanto

a segregação, se ela foi bem feita, quanto se ele está usando, ou não, a

tecnologia, que é o assunto das apresentações.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO – Mas esse sistema

de segurança, segundo me falou a Professora Marilene, é muito precário, e o

transporte permite essa mistura. Ela me falou que esse mecanismo de

controle no Brasil é insipiente.

DR. MARCELO GRAVINA DE MORAES - Eu vou dar um

exemplo: existe um produtor, no Mato Grosso, que é muito conhecido – não

vou citar o nome -, que é um grande produtor de soja, e que, por um bom

tempo, como questão de marketing, produziu soja não transgênica. Ele viu um

nicho de mercado, e ele tinha escoamentos, enfim, portos dedicados a

produzir o grão não transgênico. Não sei se ainda existe, mas existiu, no

Brasil, e coexistiu com uma produção de transgênicos em larga escala em

Mato Grosso, por outros produtores.

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DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Muito obrigado, Dr.

Marcelo.

DR. SILMAR TEICHERT PESKE – Gostaria de fazer um

comentário em cima disso. Nós temos três tipos de soja: a soja transgênica, a

soja convencional e a soja orgânica. A produção da soja orgânica tem uma

similitude com a produção de sementes. Na produção de sementes, isola-se o

campo, limpa-se a máquina, tem sacaria nova, tudo. Isso é 10, e o sujeito que

não faz isso está fora do sistema. O orgânico é mais ainda do que isso. Eu

diria que o Brasil tem tecnologia para isolar, para minimizar esses problemas.

Quanto à parte da adventícia, o sujeito que produz o grão de

soja convencional, esse sim talvez não siga todas as técnicas de um orgânico

e de um produtor de sementes. Então, esse que produz o convencional pode

ter algumas sementes transgênicas ou adventícias.

Entretanto, os testes adotados nas cooperativas, porque é ali

que se compra, ou nas tradings, têm uma tolerância, não sei se de 2%, 3%,

4% ou 5%. Quer dizer, até 5% não se cobra mais. Se tiver mais que 5%,

haverá problemas. Provavelmente terão que pagar o royalty de 7%. Se o

sujeito sabe que está produzindo um convencional, que tem o perigo de pagar

os 7%, então vai ter que cuidar um pouco.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) –

Encaminhando para encerramento, porque, pelo regulamento do

funcionamento do salão e pela necessidade de os funcionários retornarem aos

seus gabinetes, costumamos levar até meio-dia o nosso evento, passo a

palavra ao Dr. Nestor. Depois vamos encerrar.

DR. NESTOR – Des. Wiedemann, cumprimento-o por presidir

este trabalho; cumprimento os palestrantes, que nos brindaram com palestras

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esclarecedoras, e, na sua pessoa, cumprimento os demais Desembargadores,

colegas advogados e profissionais da área de Agronomia aqui presentes.

Como a FARSUL representa mais de 90% dos produtores de

soja - pessoas físicas e jurídicas que produzem neste Estado -,

acompanhamos a evolução da Biotecnologia no Rio Grande do Sul desde o

seu nascedouro com muita atenção, porque ela é muito importante para a

economia do Rio Grande do Sul.

A Biotecnologia foi introduzida aqui, como todos sabem,

através do chamado “comércio de fronteira”, em que há o contrabando.

Através da soja chamada “Maradona”, começaram as experimentações, até

que fizemos o marco legal referente à soja.

Dos 138 sindicatos que temos, 131 deles se manifestam

favoráveis a pagamentos pelo uso da tecnologia, e sete sindicatos entendem

de forma diversa; fazem inclusive parte dessa ação, que vai ser apreciada

pelo Tribunal, neste 2º Grau de jurisdição.

Os produtores rurais da FARSUL são pessoas normais,

querem produzir o máximo possível, pagando menor preço. Nenhum deles

tem apreço por algum tipo de multinacional ou coisa parecida. Ninguém ama

ninguém. Todos acham que as multinacionais ganham e lucram bastante.

Nossos fornecedores de máquinas agrícolas cobram muitas vezes valores

muito superiores ao custo da sua matéria-prima.

Mas, quanto à questão específica da introdução da

Biotecnologia, tanto a Bayer, que tentou introduzir aqui o arroz mutagênico, e

não foi bem sucedida, como outras empresas, como a Monsanto e outras, que

trouxeram a possibilidade de semente de soja geneticamente modificada, têm

tido um diálogo com a nossa categoria econômica que não temos com nossos

outros fornecedores.

Então nos reunimos em oito sub-regiões de soja, no Rio

Grande do Sul. Hoje a soja está disseminada inclusive na Região Sul do Rio

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Grande do Sul, que não era uma região sojicultora, e auscultamos os

produtores.

Esses preços pagos pelos royalties, se não são ajustados, são

debatidos pelo setor, o que não acontece com outros fornecedores nossos. No

caso específico do fornecimento de sementes de soja transgênica e de

pagamentos de royalties, há uma discussão prévia com o setor. O setor é

cientificado sobre o que está acontecendo em relação a esses valores. Essas

negociações nem sempre são como almejamos: pagar o menos possível para

obter esse tipo de insumo, que faz parte do nosso custo, mas temos tido uma

experiência satisfatória em relação a isso.

Queria contribuir dizendo que, como estamos começando a

introduzir a soja na Região Sul, que é uma região úmida, não há dúvida

alguma quanto ao menor uso de agrotóxicos. Nós fazíamos, em relação à

lagarta, por vezes até seis aplicações de agrotóxicos; hoje, fazemos duas. Por

vezes, dependendo da sazonalidade, fazemos uma.

Existem outras pragas, como foi dito anteriormente pelos

professores que estão aqui, que levam e demandam a aplicação de

agrotóxicos. A própria produção enorme de soja no Brasil e a sua

multiplicação nas últimas décadas fizeram com que haja realmente um

consumo de agrotóxicos, mas, sem dúvida alguma, diminuímos sua aplicação

nas nossas lavouras.

O que o setor da agricultura deseja é obter segurança jurídica.

Obviamente não queremos ser taxados de pessoas que se utilizam da

tecnologia, como foi explicado aqui. Gostaríamos que a Biotecnologia fosse

pública, que a EMBRAPA tivesse desenvolvido a transgenia. Seria ótimo, não

pagaríamos nada. Mas, por uma razão óbvia, a transgenia foi inventada em

laboratórios. Por exemplo, a Monsanto, nos Estados Unidos, em Saint Louis,

tem 60 laboratórios que custam 30 milhões de dólares cada um, que

reproduzem microclimas da África, da Ásia, da Austrália, da Nova Zelândia e

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do Brasil para colocar os seus experimentos. Nós imaginamos que deva haver

alguma compensação financeira para as empresas que colocam esse produto

e que facilitam a nossa vida.

Como dissemos, queremos o menos possível e batalhamos

por isso, mas queremos pagar; não queremos ser taxados de pessoas que

utilizam produtos e não querem pagar por isso. Resta aos produtores que

desejam voltar à soja convencional saberem que - o professor explicou muito

bem – ela leva mais veneno que a soja transgênica, porque necessita de mais

aplicações de veneno.

E não penso que a soja transgênica seja irreversível. Se

tivermos algum dia uma vantagem em voltar a uma soja tradicional, os bancos

genéticos estão aí, podemos até voltar. Mas tem que haver vantagem com

isso. Tem que haver consumidores que paguem o preço para que voltemos

àquele cultivo tradicional.

Só queria passar essa posição, obviamente sem o intuito de

convencer alguém, mas a fim de expressar o ponto de vista do nosso setor,

que é importante, em que o produtor está na ponta; ele é que recebe essa

tecnologia para ser aplicada, e imagino que ele tenha alguma importância

nesse ato nobre de decidir dos eminentes Desembargadores aqui do Tribunal.

Muito obrigado.

DES. NEY WIEDEMANN NETO (PRESIDENTE) – Realmente,

o Dr. Nestor fez uma contribuição, que não é propriamente uma pergunta e

não demanda comentários ou análises específicos.

Como já havia dito no início, fizemos uma abordagem

interdisciplinar. Houve até a contribuição de um professor do Rio de Janeiro, a

qual foi muito importante, embora não tenhamos aprofundado o debate e a

reflexão abordados. Isso tudo será amadurecido e frutificado, com sementes e

com frutos jurídicos que se sucederão a essas reflexões que o Centro de

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Estudos procura alcançar àqueles que depois vão se debruçar juridicamente

em acórdãos, que serão frutíferos, utilizando a linguagem da agricultura.

Mais uma vez agradeço ao Dr. Marcelo, ao Dr. Silmar, à Dra.

Adriana, que viabilizou, fez as indicações e compareceu ao evento; agradeço

pela presença de todos, dando assim por encerrada a sessão, pedindo uma

salva de palmas aos nossos palestrantes.

(DEGRAVADO PELO DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJ/RS.)