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ESTADO E SUSTENTABILIDADE DA POLÍTICA FISCAL DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO (Versão Preliminar – favor não citar) Geraldo Biasoto Junior 1 1. INTRODUÇÃO Desde o rompimento da âncora do câmbio fixo, em finais de 1998, a política fiscal tem sido o principal fiador da política econômica, o que se materializa no cumprimento, com folga, das metas firmadas para o superávit primário. De fato, os recorrentes fracassos no cumprimento das metas inflacionárias e a crônica vulnerabilidade externa tem colocado toda a responsabilidade sobre a relativa estabilidade econômica na manutenção de elevadas taxas de juros e na obtenção de boas marcas fiscais. O objetivo deste trabalho é discutir as condições em que esta política fiscal é realizada, sua sustentabilidade num prazo mais longo e seus efeitos sobre o papel do Estado na dinâmica da economia brasileira. Para tanto, a primeira seção busca-se captar a dimensão da retração das atividades de diversas modalidades de instituições estatais e seu impacto negativo sobre a demanda agregada e elementos estruturais da dinâmica da economia brasileira. A segunda seção procura analisar os elementos da política fiscal e dos impactos cambiais e financeiros sobre as contas públicas, no sentido de mostrar como as contas reais do setor público são impotentes para gerir as dimensões do desequilíbrio o Estado tem que administrar numa economia como a brasileira. Por fim, é realizado um esforço de entendimento a respeito das razões da política macroeconômica em determinar os parâmetros da restrição fiscal e os limites postos à ação do Estado. Neste ponto, tentava-se um cotejamento, ainda muito preliminar, entre as motivações teóricas para tais políticas e as razões do mercado, na defesa de seus interesses. 1 Professor do IE/UNICAMP, pesquisador do CECON/IE/UNCAMP e coordenador adjunto do NEPP/UNICAMP. 1

Estado e Sustentabilidade da Política Fiscal do Superávit Primário

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Reflexão sobre a dinâmica do superávit primário na economia brasileira

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  • ESTADO E SUSTENTABILIDADE DA POLTICA FISCAL DO SUPERVIT

    PRIMRIO

    (Verso Preliminar favor no citar)

    Geraldo Biasoto Junior1

    1. INTRODUO

    Desde o rompimento da ncora do cmbio fixo, em finais de 1998, a poltica fiscal tem

    sido o principal fiador da poltica econmica, o que se materializa no cumprimento, com

    folga, das metas firmadas para o supervit primrio. De fato, os recorrentes fracassos no

    cumprimento das metas inflacionrias e a crnica vulnerabilidade externa tem colocado

    toda a responsabilidade sobre a relativa estabilidade econmica na manuteno de

    elevadas taxas de juros e na obteno de boas marcas fiscais.

    O objetivo deste trabalho discutir as condies em que esta poltica fiscal realizada,

    sua sustentabilidade num prazo mais longo e seus efeitos sobre o papel do Estado na

    dinmica da economia brasileira. Para tanto, a primeira seo busca-se captar a dimenso

    da retrao das atividades de diversas modalidades de instituies estatais e seu impacto

    negativo sobre a demanda agregada e elementos estruturais da dinmica da economia

    brasileira. A segunda seo procura analisar os elementos da poltica fiscal e dos

    impactos cambiais e financeiros sobre as contas pblicas, no sentido de mostrar como as

    contas reais do setor pblico so impotentes para gerir as dimenses do desequilbrio o

    Estado tem que administrar numa economia como a brasileira. Por fim, realizado um

    esforo de entendimento a respeito das razes da poltica macroeconmica em determinar

    os parmetros da restrio fiscal e os limites postos ao do Estado. Neste ponto,

    tentava-se um cotejamento, ainda muito preliminar, entre as motivaes tericas para tais

    polticas e as razes do mercado, na defesa de seus interesses.

    1 Professor do IE/UNICAMP, pesquisador do CECON/IE/UNCAMP e coordenador adjunto do NEPP/UNICAMP.

    1

  • 2. ESTADO ACORRENTADO E A DINMICA DA ECONOMIA BRASILEIRA

    2.1. As Alternativas para a Retomada

    O debate econmico dos ltimos anos no tem dado um tratamento adequado avaliao

    das relaes pblico-privadas dentro do processo de desenvolvimento e de uma eventual

    retomada sustentada do crescimento. A marca deste debate tem sido a predominncia das

    posies afiliadas ao Consenso de Washington que, em sntese, advogam que os

    investimentos privados internos e externos produziro o crescimento a partir da

    consistncia das polticas macroeconmicas, quais sejam, metas de inflao, reduo do

    endividamento pblico e cmbio flutuante. Desta forma, o papel do Estado ficou limitado

    promoo de polticas de equilbrio fiscal e criao de um ambiente econmico com

    regras estveis.

    crucial colocar em perspectiva um conjunto de elementos para um debate menos

    ideolgico e mais calcado na realidade, de forma a possibilitar a discusso dos aspectos

    que movem as estruturas produtivas na gerao do emprego e da renda, alm dos

    obstculos que se colocam sustentabilidade destes movimentos. Nosso intento, nesta

    seo, ser avaliar os elementos que esto presentes nas relaes entre a economia e a

    interveno estatal de modo a identificar os elos existentes entre o Estado e a dinmica do

    aparelho econmico.

    A primeira questo relaciona-se ao motor propulsor de uma eventual recuperao. O

    atual padro de consumo, calcado nas rendas mdias e mdia-altas e apoiado no crdito

    aos bens durveis no parece ter flego para comandar um processo como esse, dado que

    o vazamento dos efeitos dinmicos, na forma de importaes de bens e componentes

    muito expressivo. A outra via seria necessria uma diversificao do consumo para

    rendas inferiores. No entanto, a reduo real da massa salarial e do emprego no autoriza

    que este elemento possa ser identificado como varivel dinmica.

    A expanso das decises de investimento no meio empresarial privado, decorrente do

    fortalecimento das expectativas na queda da taxa de juros a outra via de crescimento a

    ser analisada. No entanto, a queda da taxa de juros, por si s, poderia ativar segmentos

    especficos, mas teria pouca capacidade de empuxe na ausncia de efetiva alterao nas

    expectativas de rentabilidade esperada. No crvel apontar o aumento das exportaes

    como elemento que possa determinar este processo, notadamente pelo baixo coeficiente

    2

  • de abertura externa da economia brasileira, que muito prprio de economias de

    dimenses continentais.

    Ainda que as duas vias acima citadas pudessem produzir efeitos dinmicos conjugados,

    no h como deixar de questionar a possibilidade de se disparar uma onda de

    crescimento, reproduzindo o padro atual, quando h gargalos que se colocam ao prprio

    funcionamento corrente da economia. De um lado, crescer pelas exportaes significa

    presso sobre o escoamento da produo, especialmente agrcola, o que esbarra na

    logstica de transporte rodovirio e na questo porturia. De outro, vale notar que nossa

    situao externa bastante singular, embora o coeficiente de abertura da economia seja

    baixo, implicando em reduzida capacidade de derivao de um ciclo expansivo pela via

    das exportaes, o lado das importaes apresenta relaes de outra natureza. Como o

    perfil de renda de forte diferenciao, o aumento do consumo afeta de maneira mais

    poderosa setores com alta elasticidade de importaes, amplificando os impactos do

    consumo interno sobre as importaes.

    Estes pontos colocam duas faces necessrias do processo de retomada do crescimento: a

    capacidade de gerar expectativas e condies favorveis s decises privadas de investir e

    a necessidade de articulaes setoriais que envolvem mudanas estruturais na economia,

    de forma a dar suporte ao incremento de infra-estrutura necessrio ao crescimento.

    No primeiro caso, das decises privadas de investimento, a queda da taxa de juros

    essencial mas no suficiente, dado que questes como a disponibilidade de crdito e a

    identificao de novos campos para o investimento so essenciais. Ainda neste ponto,

    vale notar que a reduo de margens de lucro do setor empresarial restringe a capacidade

    das empresas recorrerem ao auto-financiamento, ampliando a importncia dos

    mecanismos de crdito.2

    No segundo caso, a mudana estrutural da economia pode acontecer por deciso

    autnoma das empresas, mas a histria da economia brasileira demonstra que a

    participao do estado na induo e na articulao dos investimentos decisiva, seja para

    as aplicaes de investidores internacionais, seja para investimentos de capital nacional.

    Evidentemente, no se trata de uma volta ao passado, mas da compreenso de que o

    2 Em 1973, as 500 maiores empresas no-financeiras brasileiras tiveram um lucro equivalente a 4,4% do PIB, percentual que vem se reduzindo gradativa e consistentemente at atingir 0,37% do PIB em 2002. Ver: Carta IEDI, 9 de abril de 2004

    3

  • Estado pea essencial em toda dinmica capitalista, inclusive das economias maduras.

    Esta presena do Estado apenas difere, em cada caso, a partir dos elementos concretos de

    cada economia.

    2.2. O Papel do Estado

    A abertura externa e a presena num mercado mundial cada vez mais competitivo no

    podem ser diretamente associadas necessidade de reduo do papel do Estado.

    verdade que a participao do Estado como produtor direto j no necessria e

    desejvel em diversos setores, mas isto no significa sua alienao do processo

    econmico. Ao contrrio, a presena do Estado como articulador e regulador implica em

    ganhos de qualidade em sua ao, cuja importncia ainda muito maior para a

    estabilizao das expectativas e a criao das condies para o crescimento. A

    experincia dos pases asiticos, especialmente os de maiores dimenses, o demonstra de

    forma incontestvel.

    Ao contrrio da realidade atual, nos anos setenta e incio dos oitenta, a insero estatal na

    economia brasileira abrangia uma enorme gama de operaes fiscais, empresariais e

    financeiras. No h dvidas de que, seja por meio do setor produtivo estatal (segmento

    empresarial), seja pelas operaes de crdito e subsdio do sistema oficial de crdito,

    injetava-se na economia grandes montantes de recursos. Ao lado deste componente direto

    de expanso de demanda, a realidade brasileira dos tempos de crescimento era

    acompanhada de claras indicaes governamentais sobre setores prioritrios para o

    investimento, elementos confirmados por meio do apoio creditcio direto e ao consumo,

    de incentivos fiscais, de barreiras alfandegrias e isenes de impostos. Vale dizer, que o

    Estado brasileiro no abdicava da criao e gesto de poderosos mecanismos de

    coordenao do processo econmico.

    2.2.1. A primeira fase da desmontagem do poder de interveno estatal

    O longo perodo de vinte anos que nos separa do incio das negociaes com o FMI foi

    responsvel na substituio da concepo de que o papel jogado pelo Estado na

    economia brasileira era crucial pela de que seu alcance deveria ser minimizado. A partir

    de 1982, uma sucesso de medidas de poltica, inspiradas pela abordagem de ajuste do

    4

  • FMI, passou a enfatizar a necessidade absoluta de reduzir o dficit pblico, privatizar

    empresas estatais, abandonar as polticas de direcionamento de crdito, reduzir incentivos

    fiscais e cortar subsdios.

    importante notar que a crise financeira que se abateu sobre o setor pblico, no incio

    dos anos oitenta, tinha duas naturezas. A primeira era a prpria deteriorao financeira

    das instituies criadas nas reformas dos anos sessenta, como o FGTS, as agncias de

    apoio setorial e as formas de articulao entre as polticas de incentivo e os mercados. A

    segunda era a necessidade do Estado participar financeiramente do processo de ajuste,

    seja por meio do salvamento de empresas, seja segurando preos das empresas estatais,

    ou mesmo assumindo a perda cambial que seria devida pelos agentes endividados em

    moeda estrangeira.

    A crise do Estado desenvolvimentista, responsvel por alavancar o crescimento, foi o

    substrato essencial para a emergncia de uma poltica de liquidao de sua participao

    no processo econmico. Nos anos oitenta, por este processo se deu por duas formas

    principais.

    A primeira delas foi a desmontagem do aparato creditcio cujo domnio pertencia s

    autoridades econmicas, no Banco Central e no Banco do Brasil, que possibilitava a

    oferta de crdito subsidiado para custeio e capital e a equalizao de preos para produtos

    como trigo e petrleo, dando poltica econmica capacidade de administrao de

    segmentos importantes da estrutura de preos. O fato mais marcante deste processo foi a

    extino da conta movimento do Banco do Brasil no Banco Central, que foi realizada

    aps a extino dos subsdios, do crdito subsidiado e das operaes de fomento direto

    realizadas pelo Banco Central.

    A segunda forma foi a centralizao das decises sobre o endividamento das empresas

    estatais, dos estados e municpios e de suas empresas na rea econmica federal. Isto

    implicou tetos para o refinanciamento dos saldos de dvida que, em regra, estiveram

    congelados durante vrios anos. Em diversas oportunidades, os limites de

    refinanciamento das amortizaes implicavam em reduo real dos estoques de dvida.

    Vale notar que o prprio conceito de Necessidade de Financiamento do Setor Pblico

    (no financeiro) tem como forma de medida do dficit pblico a comparao entre os

    estoques de dvida em dois momentos no tempo.

    5

  • 2.2.2. A segunda fase da desmontagem do poder interveno estatal

    Uma segunda fase da desmontagem da capacidade do Estado exercer um papel dinmico

    sobre a economia foi vivida nos anos noventa e teve como principal evento o processo de

    privatizao que transferiu do setor produtivo estatal ao setor privado o comando sobre

    setores com amplo potencial irradiador sobre a dinmica econmica.

    Ao mesmo tempo, a poltica econmica promoveu alteraes no sistema de crdito e

    financiamento ao setor pblico que produziram resultados muito mais efetivos que a

    dcada anterior. De um lado, os bancos estaduais foram quase extintos, eliminando-se a

    vlvula de escape que havia sido usada para expanso do endividamento, mesmo que

    submetido ao contingenciamento quantitativo promovido pelo BC. De outro, foram

    promovidas diversas consolidaes de dvida, sendo que a realizada em 1997, com os

    governos estaduais, acabou por inserir uma clusula de gerao de supervits primrios

    para as contas dos governos estaduais.

    O segundo mandato do Governo FHC, especialmente premido pelas crises financeiras

    internacionais, colocou este via de represso fiscal num patamar ainda mais elevado. O

    Banco Central, por meio do controle quantitativo do crdito do setor bancrio ao setor

    pblico utilizou-se de uma antiga forma de controle do gasto, que foi estendido quase

    totalidade do setor pblico ao incorporar o financiamento s empresas de saneamento,

    com forte impacto sobre as empresas estaduais e municipais.

    2.3. Estado e Efeitos Dinmicos

    As ponderaes acima colocadas sugerem que sem uma presena expressiva do Estado

    ser difcil retomar uma trajetria consistente de crescimento. De um lado, porque o

    fortalecimento das decises de investimento privado depende da recomposio da

    capacidade de investimento do setor pblico, tanto para gerar demanda direta ao setor

    empresarial, quanto para garantir condies de infra-estrutura atividade econmica,

    notadamente energia e transporte. De outro, porque as condies de financiamento aos

    setores demandantes de recursos dependem de equacionamento pelo Estado, num

    contexto onde as empresas investidoras no dispem da acumulao interna de recursos

    necessria para elevar a formao bruta de capital fixo do sistema.

    6

  • O perfil atual da poltica fiscal e da interveno estatal na dinmica econmica , no

    entanto, diametralmente oposto. No campo real, o supervit primrio se encarrega de

    contrair a demanda global. No campo financeiro, a restrio de crdito ao setor pblico e

    a gesto da oferta de crdito oficial sob ticas privadas segue travando ma presena

    dinmica do crdito pblico. Mais alm, o Estado usa o conjunto de seus instrumentos de

    interveno na demanda efetiva e na criao de crdito no sentido contracionista,

    enfraquecendo ainda mais a demanda corrente.

    2.3.1. Contas do Setor Pblico

    Uma avaliao das contas pblicas durante os ltimos anos pode mostrar que elas esto

    exercendo um papel fortemente contracionista sobre a demanda agregada da economia. A

    carga tributria bruta, que representa o conjunto de impostos, contribuies e outros

    recursos mobilizados pelo setor pblico, cresceu de maneira extremamente expressiva

    durante os ltimos anos. Ela saiu de cerca de 25% do PIB, durante os anos setenta para

    mais que 30% ao final da dcada passada, chegando, em 2003, marca de 35,5% do PIB.

    importante notar que uma carga tributria ser alta no representa, em si, elemento de

    reduo de demanda. A carga tributria altera as rendas disponveis dos agentes

    econmicos. Deste modo, alguns tm reduo em seu poder de comando sobre o

    consumo e o investimento, enquanto outros vem aumentado seu poderio. Se a carga

    tributria for mais alta sobre agentes com menor propenso a gastar e os gastos pblicos

    forem dirigidos a setores com alta propenso ao gasto, os efeitos sero de fortalecimento

    da demanda efetiva. Em verdade, no correto dizer que a carga seja uma extrao de

    poder de compra ao setor privado. Ao contrrio, ela d uma medida da capacidade do

    Estado alterar e redirecionar os fluxos de recursos, interferindo nas decises de produo

    e consumo.

    Tomando-se apenas o governo federal, a alterao das condies de determinao do

    perfil do gasto foi uma das maiores mudanas na evoluo das contas pblicas. A Tabela

    1 mostra como de 1993 a 2003 as despesas cresceram mais de 4,5% do PIB. No entanto,

    a maior parte deste valor apresenta efeitos dinmicos relativamente baixos. A conta juros,

    especialmente contracionista em movimentos de estagnao econmica, evoluiu 1,5% do

    PIB, sendo responsvel pela tera parte da expanso dos gastos. As transferncias para

    7

  • estados e municpios, que acabaram sendo esterilizadas em decorrncia dos acordos de

    rolagem de dvida que obrigaram estas administraes a obterem supervits primrios,

    cresceram em 1,8% do PIB. Apenas os benefcios previdencirios, com elevao de 1,9%

    do PIB, tiveram efeito expansionista.3

    Tabela 1 DESPESAS DA UNIO 1993 a 2002 % do PIB

    GRUPO DE DESPESA 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003Despesas Correntes 20,45 20,10 20,58 19,70 19,68 21,81 23,45 22,70 24,50 25,19 25,01

    Pessoal e Encargos Sociais 4,89 5,23 5,86 5,25 5,11 5,24 5,30 5,29 5,46 5,57 5,14Juros e Encargos da Dvida 2,79 2,82 2,59 2,50 2,42 3,37 4,66 3,53 4,41 4,11 4,28Outras Despesas Correntes 12,77 12,05 12,12 11,95 12,15 13,19 13,49 13,89 14,64 15,51 15,59

    Transferncias a Estados, DF e Municpios 3,41 3,44 3,35 3,30 3,44 4,10 4,30 4,68 4,99 5,47 5,22Benefcios Previdencirios 5,14 4,87 5,04 5,33 5,33 5,85 5,97 5,88 6,24 6,51 7,07Demais Despesas Correntes 4,21 3,74 3,73 3,32 3,37 3,23 3,22 3,33 3,40 3,54 3,29

    Desp. Correntes excl. Juros e Transferncias 8,31 8,67 9,21 8,55 8,55 9,35 9,60 9,97 10,45 11,04 10,37Investimentos 1,39 1,10 0,73 0,74 0,87 0,91 0,71 0,92 1,22 0,75 0,42 Fonte: IBGE

    A poltica fiscal de expanso das receitas e esterilizao de gastos no circuito financeiro

    indica aos agentes econmicos que o Estado executa uma forte presso contracionista

    sobre a economia, inibindo decises de produo corrente e de investimento. A

    compresso este ltimo item da demanda ainda mais expressiva, denotando o

    estreitamento da capacidade de comando sobre o gasto a que o Estado est submetido.

    O Grfico 1 mostra as contas federais para o perodo de 1993 a 2003. Ao mesmo tempo

    em que cresce a arrecadao federal de tributos, as despesas correntes seguem de longe

    este avano da carga tributria enquanto os gastos com investimento despencam.

    3 A idia de carter contracionista que os benefcios vo para as mos de pessoas com maior propenso a gastar que as que foram tributadas, dando origem ao recurso gasto.

    8

  • Grfico 1 RECEITA E DESPESA CORRENTE DA UNIO 1993 a 2002 % do PIB

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

    Des

    p/ca

    rga

    % d

    o PI

    B

    0,00,20,40,60,81,01,21,41,6

    Inv

    % d

    o PI

    B

    Desp. Correntes (- Juros - Transf) Carga Tributria da UnioInvestimentos

    Fonte: IBGE Este comportamento no se limitou ao governo federal, mas atingiu a toda a

    administrao pblica. A elevao da carga tributria global deu-se ao mesmo tempo em

    que o raio de manobra da poltica econmica para decidir sobre a mobilizao de recursos

    foi se estreitando com maiores compromissos de curso obrigatrio. A reduo da

    capacidade de investir dos trs nveis da administrao pblica d uma boa medida das

    restries que se colocaram capacidade dinmica do Estado.

    Ao mesmo tempo em que avanava a carga tributria, a contribuio do Estado para a

    formao bruta de capital fixo entrava em forte declnio. Em seu conjunto, a FBKF caiu

    da faixa de 21,5% do PIB, nas dcadas de setenta e oitenta4, para 19% do PIB durante o

    perodo do segundo mandato de FHC, como mostra o Grfico 2. O conjunto das

    administraes pblicas foi determinante, sendo responsvel por uma queda de 3,7% do

    PIB, nos anos setenta, para 2,0 % do PIB durante o perodo de 1999 a 2002. Ou seja,

    tomando-se a comparao destes dois perodos, as administraes pblicas explicam,

    diretamente, 70% da queda da FBKF.

    4 A referncia a um nvel de 21,5% do PIB decorre dos problemas de medida da variao de estoques durante os anos de processo superinflacionrio de 1987 a 1989. Estes problemas produziram nmeros artificialmente elevados de FBKF, chegando a 26% do PIB, em 1989, e carregando a mdia dos anos oitenta para valores superiores aos da dcada anterior, o que, evidentemente no tem sustentao real.

    9

  • Para caracterizar a dimenso da perda de capacidade dinmica do estado, vale ressaltar

    que, entre 1980 e 1982, j na ante-sala da crise do endividamento, as estatais ainda

    investiam cerca de 3,2% do PIB. Entre 1973 e 1978, tomando-se apenas as estatais

    federais, em nenhum ano o investimento foi inferior a 5,2% do PIB, sendo que chegou a

    6,3% do PIB, em 19755.

    Grfico 2 FORMAO BRUTA DE CAPITAL FIXO 1970 a 2002 % do PIB

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    Adm. Pblica 3,7 2,7 3,4 2,4 2,0

    Setor Privado 17,7 19,5 15,8 17,4 17,0

    FBKF 21,4 22,2 19,4 19,8 19,0

    1970s 1980s 1990-94 1995-98 1999-02

    Fonte: IBGE

    Cabe detalhar os movimentos internos a esta retrao da capacidade de investimento

    pblico. O Grfico 3 mostra que, durante os anos noventa, a queda foi generalizada, mas

    mais intensa nos Governos Estaduais. Estes, no incio da dcada ainda persistiam em

    patamar superior a 1,5% do PIB, depois declinando at chegar a 0,9% do PIB, ao final da

    srie. Em menor escala, a mesma trajetria deu-se com os governos municipais. No caso

    do Governo Federal, embora a queda tambm tenha se dado, o movimento de retrao foi

    anterior aos anos noventa. Vale notar que as administraes sub-nacionais conseguiram

    manter um nvel mais elevado de inverses enquanto o processo de bloqueio ao

    endividamento bancrio dos anos oitenta no fora completo, deixando algumas formas de

    expanso dos gastos ainda livres. No entanto, com a desmontagem dos bancos estaduais,

    5 BIELSCHOWSKY, R., O Investimento Estatal em Infra-estrutura e Insumos Bsicos. Boletim Conjuntural, vol. 8, n. 2. junho de 1988 (IEI/UFRJ).

    10

  • a renegociao das dvidas de 1997 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a formao de

    capital nestes segmentos foi fortemente reduzida no perodo recente.

    Grfico 3 COMPOSIO DA FORMAO BRUTA DE CAPITAL 1990 a 2002

    00,5

    11,5

    22,5

    33,5

    4

    1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

    Federal Estadual Municipal TOTAL

    Fonte: IBGE

    Colocar em perspectiva os dados das empresas estatais no torna a realidade diferente.

    Ao contrrio, a debilidade do setor pblico enquanto plo dinmico do sistema apenas se

    mostra com maior intensidade, como pode ser observado por meio da Tabela 2.

    Comparando-se os perodos de 1995-98 e 1999-2002, a mdia anual da formao bruta de

    capital das empresas pblicas caiu de 2,15% do PIB para 1,30% do PIB.

    importante notar que a Tabela 2 tem sua comparabilidade prejudicada pela ocorrncia

    da privatizao do setor de telecomunicaes, que teve seus investimentos retirados das

    contas das empresas pblicas para as empresas privadas. No entanto, a no ser pelo ano

    de 2000, onde o investimento privado realmente se expandiu expressivamente6, os

    nmeros no mostram que o repasse de setores para a iniciativa privada tenha surtido

    grandes efeitos. Por outro lado, evidentemente o Estado perdeu capacidade de comando

    sobre uma parcela importante das decises autnomas de gasto. 6 No setor de telecomunicaes, o cumprimento de metas de cobertura presentes nos contratos de concesso, foi responsvel por expressivos investimentos. A realizao dos mesmos, do ponto de vista dos efeitos em cadeia sobre supridores de bens e servios foi muito baixo devido ao alto coeficiente importado dos investimentos, que decorreu da ausncia de uma poltica de preparao de suprimentos para os mesmos e de decises das empresas do setor. Algo do mesmo estilo ocorreu no setor eltrico, a partir do risco de desabastecimento.

    11

  • Tabela 2 POUPANA E FORMAO BRUTA DE CAPITAL 1995 a 2002 % do PIB

    1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

    Form ao bruta de capital 22,29 20,92 21,50 21,12 20,16 21,54 21,20 19,76

    Form ao bruta de capital do setor pblico 4,75 4,61 4,49 4,38 3,02 2,90 3,49 3,81

    Form ao bruta de capital da adm inistrao pblica 2,54 2,31 1,98 2,80 1,73 1,90 2,20 2,20

    Form ao bruta de capital das em presas pblicas 2,21 2,30 2,51 1,58 1,29 1,00 1,29 1,61

    Form ao bruta de capital do setor privado 17,54 16,32 17,01 16,73 17,14 18,65 17,71 15,95 Fonte: IBGE O conjunto do investimento pblico, tomando-se administrao e setor produtivo estatal,

    caiu de cerca de 11% do PIB, em 1975, a 3,5% do PIB, na mdia de 2000 e 2002. No h

    como deixar de apontar o impacto disto sobre as decises privadas de investimento.

    Como o movimento das contas pblicas se faz no sentido de reduzir a demanda corrente

    e a formao de capital, ao mesmo tempo em que a poltica financeira coloca as taxas de

    juros em nveis extremamente elevados, as decises privadas de investimento e gerao

    de negcios no poderiam ser expansivas. Ou seja, os motores da demanda efetiva

    encontram-se travados pelas polticas restritivas nos campos monetrio e fiscal. As

    ltimas informaes sobre a perenizao do supervit primrio de 4,25% do PIB, que

    dever ser indicado como meta da LDO at 2007, indicam que as mudanas no parecem

    prximas.

    2.3.2. O Crdito ao Setor Pblico

    A avaliao das polticas de crdito mostra de forma mais acabada a tendncia

    contracionista da poltica econmica. O Grfico 4 apresenta os emprstimos do conjunto

    do sistema financeiro ao setor pblico, administraes diretas, federal e estadual, e

    empresas. A restrio a que o setor pblico foi submetido reduziu os emprstimos s

    instituies federais e estaduais de pouco menos de 6% do PIB, em julho de 1994 a cerca

    de 1% do PIB, em dezembro de 2003. Note-se que a queda dos estoques de crdito aos

    estados mais intensa, apresentando violenta descontinuidade ao final de 1997,

    justamente por conta do processo de renegociao que transferiu as dvidas do sistema

    financeiro ao Tesouro Nacional.

    Seguindo a estratgia de poltica que j vinha sendo desenhada no primeiro mandato, o

    Governo FHC reforou os controles quantitativos de crdito ao setor pblico, por meio da

    12

  • restrio ao aumento dos emprstimos das instituies pblicas e privadas

    administrao direta e s empresas, estendida ao setor de saneamento, a partir de 1999. A

    Lei de Responsabilidade Fiscal veio compactar todos os controles e estabelecer um limite

    de estoque de endividamento em relao receita corrente lquida, alm de identificar

    penalidades para as autoridades responsveis. Por fim, o Acordo de Basilia tornou ainda

    mais complexa a forma de relacionamento entre as entidades pblicas e o sistema

    financeiro7.

    Grfico 4 SALDOS DE EMPRSTIMO DO SETOR FINANCEIRO AO SETOR PBLICO EM % DO PIB Julho de 1994 a dezembro de 2003

    0,01,02,03,04,05,06,07,0

    1994/ju

    l199

    6-jan

    1997-ju

    l

    1999-ja

    n200

    0-jul

    2002-ja

    n200

    3-jul

    % d

    o PI

    B

    Federal Estadual Total

    Fonte: Banco Central

    2.3.3. O Crdito ao Setor Privado

    A criao de condies para o crescimento enfrenta, tambm, enormes obstculos no

    conjunto da poltica econmica atual no tocante oferta de crdito pelo setor pblico

    financeiro ao setor privado. Numa avaliao quantitativa, os recursos proporcionados

    pelas instituies oficiais apresentaram expressiva reduo desde a implantao do Real.

    Em termos de percentual do PIB a queda foi da mdia de 14,5% no segundo semestre de

    1994 para 9,8%, ao final de 2003, como pode ser verificado por meio do Grfico 5. Vale

    7 Vale notar que a vigncia do Acordo da Basilia fixou limites estreitos exposio bancria ao setor pblico (45% do patrimnio lquido). Como a maioria das instituies j estava acima deste limite, todo novo emprstimo passou a exigir proviso do mesmo valor, para eventuais perdas.Evidente que este posicionamento s poderia exercer grande impacto no financiamento bancrio ao setor pblico.

    13

  • notar que, em termos de estoque de crdito, a elevao ocorrida at 2000, reverteu-se no

    perodo final, fazendo o montante igualar-se aos R$ 150 bilhes (preos de dezembro de

    2003) existentes em meados de 1994.

    Grfico 5 SALDOS DE EMPRSTIMO DO SETOR PBLICO FINANCEIRO AO SETOR PRIVADO em R$ bilhes de dezembro de 2003 e % do PIB Julho de 1994 a dezembro de 2003

    0,0

    50,0

    100,0

    150,0

    200,0

    250,0

    1994

    /jul

    1996

    -jan

    1997

    -jul

    1999

    -jan

    2000

    -jul

    2002

    -jan

    2003

    -jul

    R$

    bi d

    ez/2

    003

    0,02,04,06,08,010,012,014,016,018,0

    % d

    o PI

    B

    em R$ bi - dez/2003 em % do PIB

    Fonte: Banco Central

    importante notar que se operou uma forte alterao no modo de operao das

    instituies oficiais de crdito para as polticas governamentais. A tica de negcios

    passou a prevalecer sobre a identificao de aes de fomento e de interesse

    governamental. Deste modo, a anlise de crditos e abordagem sobre os negcios

    bancrios passou a ser plenamente aderente tica privada, eliminando o poder de

    alavancagem que estas instituies tiveram em outros momentos da histria. Note-se que

    at os lucros gerados passaram a ser objeto de forte monitoramento pelo Tesouro para

    transferncia aos seus cofres, limitando os processos de capitalizao das instituies e

    reduzindo o seu potencial de criao de crdito.

    As tentativas governamentais de utilizar os bancos pblicos na alavancagem das

    operaes de crdito ao setor privado tm surtido resultados ainda pouco importantes, o

    que decorre de trs aspectos. O primeiro a resistncia das burocracias das instituies

    de crdito em abandonar a tica privada, identificada no pargrafo anterior. A segunda, a

    14

  • pequena propenso do sistema bancrio privado a assumir o risco de repassar recursos

    dos programas amparados em funding pblico. Por fim, o nvel das taxas de juros,

    mesmo quando referenciadas TJLP, absolutamente proibitivo para a grande maioria

    dos empreendimentos8.

    A desmontagem da estrutura de financiamento ao setor pblico e do financiamento

    pblico ao setor privado no foram compensadas pela evoluo da oferta privada de

    crdito. O crdito proporcionado pelos agentes privados ao sistema financeiro vem

    apresentando persistente estagnao com tendncia queda. Em saldos de fim de perodo

    eles saram de 27,2% do PIB, em julho de 1994, para atingirem 25,2% do PIB, em

    dezembro de 2003. H uma perfeita coincidncia dos instrumentos que comandam a

    retrao da demanda efetiva pelo lado do crdito. A taxa de juros elevada impede que a

    demanda de crdito se amplie enquanto as instituies financeiras preferem direcionar a

    maior parte de suas operaes ativas aos ttulos pblicos.

    3. AS POLTICAS FISCAIS DO REAL AO GOVERNO LULA

    A poltica fiscal experimentou, na ltima dcada, diversas realidades econmicas,

    formatos e relaes com o conjunto da poltica macroeconmica. Podem ser identificados

    pelo trs momentos marcadamente distintos: de 1993 a 1994, o perodo relativo ao

    primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e o perodo que vai de 1998 ao

    momento atual. A Tabela 3 permite avaliar os resultados, em termos de execuo fiscal,

    destes trs momentos da poltica.

    Tabela 3

    Discriminao 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002Governo Federal e Banco Central 0,00 -2,00 1,74 1,27 1,76 5,13 3,17 1,31 1,46 0,26Governos Estaduais e Municipais -0,20 0,80 2,37 1,81 2,26 1,78 0,50 0,69 0,46 -0,27Empresas Estatais 0,00 -0,37 0,88 0,32 0,29 0,50 -0,26 -0,82 -0,53 0,00Setor Pblico Consolidado -0,20 -1,57 5,00 3,40 4,31 7,40 3,41 1,17 1,39 -0,01Fonte: Banco Central do Brasil

    RESULTADO OPERACIONAL DO SETOR PBLICO (1993 a 2002) - % PIB

    15

    8 Para referncias quantitativas sobre os programas ver: Os Programas no decolam, Estado de So Paulo, 4 de abril de 2004, caderno B, pg. 3.

  • Os primeiros anos da dcada de noventa apresentaram comportamento extremamente

    favorvel no que concerne s contas pblicas. Na esteira da reduo do custo da dvida

    pblica e da desvalorizao patrimonial promovidas pelo Plano Collor, as expectativas

    sobre o comportamento das contas pblicas foram aspecto positivo na percepo dos

    agentes econmicos sobre a implantao do Plano Real. No ano de 1993, o resultado

    operacional foi superavitrio em 0,2% do PIB. J o resultado primrio superavitrio em

    2,6% do PIB. Este comportamento reproduzia nmeros extremamente favorveis,

    verificados entre 1990 e 1992, levando a uma noo sustentabilidade, corroborada pelo

    supervit primrio de 5% do PIB, de 19949. Vale atentar para o fato de que estes nmeros

    positivos deram sustentao, no campo fiscal, s medidas de estabilizao monetria do

    Plano Real, ainda que as reformas institucionais no tivessem sido introduzidas.

    A execuo corrente das contas pblicas jogou papel coadjuvante na poltica econmica

    do perodo de 1995 a 1998, dominada pela utilizao da paridade cambial como elemento

    principal do ordenamento macroeconmico. Como mostra a Tabela 4, pode-se dizer que a

    poltica fiscal buscou gerar um equilbrio nas contas primrias. Isto significa que,

    descontando despesas e receitas financeiras, o patamar de gastos equivaleu ao conjunto

    da arrecadao pblica. No entanto, no cabe a concluso apressada de que a poltica

    fiscal do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso tenha sido permissiva, dado

    que a igualao entre as necessidades nominais de financiamento do setor pblico e os

    juros nominais devidos pressupe o pagamento da correo monetria. Mas tambm no

    se pode dizer que ela tenha sido uma poltica fiscal rgida, o que ganha especial

    significado frente aos movimentos subseqentes da poltica econmica.

    9 Conquanto este valor deva ser visto com reservas, em decorrncia de todas as dificuldades de converso de estoques e fluxos no perodo da transio de moeda.

    16

  • Tabela 4

    Discriminao 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002Governo Federal e Banco Central -1,41 -3,04 -0,58 -0,38 0,26 -0,55 -2,4 -1,89 -1,89 -2,53Governo Federal - - - - - - -2,47 -1,94 -1,94 -2,59Banco Central - - - - - - 0,08 0,04 0,06 0,06Governos estaduais e municipais -0,54 -0,82 0,17 0,55 0,72 0,19 -0,23 -0,56 -0,88 -0,84Governos estaduais - - - - - 0,41 -0,16 -0,43 -0,61 -0,68Governos municipais - - - - - -0,22 -0,07 -0,13 -0,28 -0,16Empresas estatais -0,65 -1,18 0,05 -0,08 -0,07 0,35 -0,65 -1,05 -0,93 -0,72Empresas estatais federais - - - -0,28 -0,27 0,25 -0,65 -0,91 -0,62 -0,45Empresas estatais estaduais - - - 0,19 0,18 0,06 -0,02 -0,14 -0,29 -0,27Empresas estatais municipais - - - 0,01 0,02 0,04 0,02 0 -0,01 0Resultado Primario Consolidado -2,6 -5,04 -0,36 0,09 0,91 -0,01 -3,28 -3,5 -3,7 -4,08Fonte: Banco Central do Brasil

    RESULTADO PRIMRIO DO SETOR PUBLICO (1993 a 2002) - % PIB

    O ano de 1995 mostrou o retorno situao de desequilbrio caracterstica dos anos

    oitenta. O resultado operacional superavitrio de 1994 experimentou reverso, em 1995,

    para uma marca deficitria de 5,0% do PIB. Os juros contriburam com parte expressiva

    desta reverso, ao aumentarem para 5,4% do PIB, refletindo tanto a expanso tanto da

    dvida lquida do setor pblico quanto a passagem taxa de juro, medida pelo over efetivo

    deflacionado pelo IGP-DI centrado, de 24,4% para 33,1% ao ano. Mas os juros

    explicaram apenas 25% da expanso do dficit. Logicamente, os gastos reais foram

    responsveis pela maior parte do desequilbrio verificado.

    Trs elementos dentre os gastos devem ser destacados para a compreenso da reverso

    nas contas do Governo Central: a) os gastos com pessoal. Em 1990, as despesas atingiram

    5,3% do PIB, tendo se reduzido a 3,6% do PIB, na mdia de 1991-1992, depois

    superaram o patamar de 1990, chegando a 5,6% do PIB, com destaque para a folha de

    inativos; b) os benefcios com pagos no Regime Geral de Previdncia Social, que, em

    1988, limitaram-se a 2,7% do PIB, ascenderam a 5,3% do PIB; c) os gastos de custeio do

    governo federal cresceram em cerca de 50%, entre 1990 a 1995.10.

    Ao mesmo tempo em que a execuo da poltica fiscal era menos restritiva, o primeiro

    mandato de Fernando Henrique Cardoso refletiu as preocupaes com a sustentabilidade

    das contas pblicas por meio de um conjunto de propostas de reformas constitucionais, 10 Vale frisar que, at 1993, uma parcela expressiva dos gastos de sade do Governo Federal eram custeados com receitas da Contribuio de Empregados e Empregadores Previdncia, cursados por meio do antigo INAMPS

    17

  • notadamente no campo tributrio, na rea de administrao de pessoal ativo e das

    previdncias pblica e privada. Alm disso, o reordenamento das finanas estaduais e os

    processos de privatizao e concesso de monoplios pblicos explorao pelo setor

    privado de reas historicamente vinculadas ao estatal tiveram grande destaque, em

    todos os nveis governamentais.

    A crise financeira internacional de 1997 e 1998 e o rompimento da ncora cambial

    mudaram radicalmente o papel da poltica fiscal no conjunto da poltica econmica. O

    perodo de 1999 a 2002 foi marcado pela diretiva de obteno de expressivos supervits

    nas contas primrias. O supervit primrio consolidou-se com base em trs elementos que

    significaram uma mudana estrutural no comportamento do setor pblico brasileiro. O

    primeiro elemento foi o compromisso federal em promover a poltica que fosse

    necessria para alcanar as metas estabelecidas. Deste modo, um vis francamente

    arrecadador instalou-se na poltica tributria, onde a elevao da CPMF a nveis

    extremamente altos para um tributo com suas caractersticas, a ampliao da alquota da

    COFINS e a manuteno dos valores nominais da tabela base do Imposto de Renda da

    Pessoa Fsica foram os elementos de maior destaque.

    O segundo elemento para a consolidao do supervit deve ser buscado no campo do

    gasto. A desvinculao de receitas da Unio, seguindo a trilha aberta ainda no incio da

    dcada, pelo Fundo Social de Emergncia, permitiu administrao fiscal esterilizar

    recursos que, segundo o texto constitucional permanente teriam destinao especfica de

    gasto. A diretiva da conteno se sobreps a quaisquer outros objetivos, com destaque

    para a permanncia da desvinculao de receitas, continuidade da poltica de reajustes

    apenas seletivos para o funcionalismo e abandono de reas antes prioritrias como os

    transportes. Vale notar que nem mesmo os projetos estratgicos identificados pelo PPA,

    tiveram garantia de alocao de recursos.

    O terceiro elemento crucial na construo do supervit fiscal tem enorme relao com o

    novo padro de comportamento das finanas estaduais e municipais. Os fatores que

    contriburam para tanto foram: a) a renegociao das dvidas dos estados que, para

    trocarem seus ttulos negociados em mercado por crdito junto ao setor pblico,

    comprometeram-se com a gerao de supervits primrios para pagamento de juros

    limitados a 13% de suas receitas correntes lquidas; b) restrio de crdito ao setor de

    18

  • saneamento, atingindo empresas estaduais e municipais; c) privatizao da grande

    maioria dos bancos estaduais, impedindo, definitivamente, o financiamento aos estados11;

    e d) privatizao de diversas empresas estaduais.

    A composio do supervit primrio mostra os elementos deste processo, como pode ser

    avaliado por meio da Tabela 5. O governo central, notadamente em seu componente

    Tesouro Nacional, tem obtido seguidos resultados positivos, que compensam o

    comportamento deficitrio do Regime Geral de Previdncia Social e do Banco Central do

    Brasil. A parcela relativa administrao direta dos Governos Estaduais e Municipais

    tem obtido resultados continuamente superavitrios, ao contrrio do perodo de 1995 a

    1998, em decorrncia das restries impostas pelo processo de renegociao das dvidas

    estaduais com o Tesouro Nacional. No caso das empresas estatais, em todos os nveis de

    governo as contas tm sido superavitrias12.Vale notar que, no primeiro semestre de

    2004, o componente Governo Central registrou supervit superior ao conjunto do setor

    pblico, indicando a necessidade de um compensar outros segmentos.

    Tabela 5 DECOMPOSIO DO SUPERVIT PRIMRIO 2001 A 2004

    % do PIB* Part. % % do PIB* Part. % % do PIB* Part. % % do PIB* Part. % Supervit Primrio -3,64 -3,96 -4,37 -5,76 Governo central -1,83 50,35 -2,42 60,93 -2,56 58,55 -4,44 77,06 Governo federal -2,96 81,34 -3,76 94,85 -4,31 98,75 -5,93 102,85

    Bacen 0,06 -1,58 0,06 -1,48 0,01 -0,29 0,01 -0,20 INSS 1,07 -29,40 1,29 -32,44 1,74 -39,90 1,47 -25,59 Governos regionais -0,87 23,99 -0,80 20,30 -0,91 20,89 -1,27 22,05 Governos estaduais -0,60 16,52 -0,65 16,34 -0,79 18,01 -1,15 19,88 Governos municipais -0,27 7,47 -0,16 3,96 -0,13 2,88 -0,12 2,17 Empresas estatais -0,93 25,67 -0,74 18,78 -0,90 20,56 -0,05 0,90 Empresas estatais federais -0,63 17,34 -0,48 12,06 -0,63 14,50 0,14 -2,49 Empresas estatais estaduais -0,29 8,03 -0,27 6,69 -0,25 5,73 -0,19 3,31 Empresas estatais municipais -0,01 0,30 0,00 0,03 -0,01 0,33 0,00 0,08Fonte: Banco Central do Brasil

    PIB de jan-abr de 2004 : valorado segundo criterios do BC.

    (+) dficit (-) supervit

    2004 jan-jun2001 2002 2003Discriminao

    11 Note-se que o primeiro e crucial marco do processo de rompimento do financiamento dos estados por meio de seus bancos teve lugar ainda no Plano de Ao Imediata (PAI), em 1994, com a efetivao da proibio ao banco de financiar seu controlador (governo estadual), disciplinamento que nunca havia sido observado. 12 O fato de parte das contas da Petrobrs ter sido deduzida do conceito de dficit explica, parcialmente, os resultados no campo das estatais federais.

    19

  • Ao lado da derrubada do processo inflacionrio, a austeridade na poltica fiscal passou a

    compor o painel dos casos de sucesso da poltica econmica governamental, tanto

    durante a gesto Fernando Henrique Cardoso quanto durante o incio do mandato do

    Presidente Lula. No entanto, se inequvoco que a poltica fiscal deu mostras de que

    possvel gerar continuamente um expressivo supervit primrio, dvidas expressivas

    persistem sobre a sustentabilidade no tempo de uma poltica fiscal to contracionista, de

    vez que a tenso frente aos agentes econmicos, sociais e polticos crescente e o efeito

    sobre a demanda agregada da economia cada vez mais perverso. Ao mesmo tempo, a

    necessidade de peridicas elevaes nas metas de supervit primrio traduz a

    incapacidade do lado real das contas pblicas em controlar a expanso da dvida pblica,

    dado que a mesma responde a outros condicionantes.

    Se a poltica fiscal de curto prazo demonstrou capacidade atuao ativa no conjunto da

    poltica econmica, a evoluo da dvida lquida do setor pblico, ao mostrar a face

    financeira e patrimonial das contas do Estado, apresentou enorme deteriorao. O

    conceito de Dvida Lquida do Setor Pblico que, neste perodo, consolidou-se dentre os

    analistas da poltica fiscal como mais estratgico que o NFSP13, traduziu uma relao

    entre a dvida lquida e o PIB de crescente relevncia para a poltica econmica,

    condicionando a definio sobre o nvel necessrio de supervit primrio, que daria aos

    agentes econmicos a segurana da sustentabilidade das contas pblicas. Vale observar

    que, do ponto de vista da dinmica econmica, a premissa bsica era de que a reduo da

    dvida do setor pblico geraria as condies para que os agentes privados pudessem

    ampliar sua participao nos mercados de fundos emprestveis, com a concomitante

    reduo das taxas de juros14.

    No entanto, os fatos no deixam dvidas quanto supremacia das questes financeiras e

    patrimoniais sobre os fluxos reais. A Tabela 6 mostra que a Dvida Lquida foi expandida

    por fatores que no dizem respeito execuo corrente das contas pblicas, mas refletem

    elementos puramente financeiros. Deduzidas as receitas e redues de dvida decorrentes

    13 Necessidades de Financiamento do Setor Pblico No Financeiro. 14 A defesa desta posio terica veio a ser defendida em toda a sua plenitude apenas no Governo Lula, como pode ser verificado por meio do documento Poltica Econmica e Reformas Estruturais, publicizado atravs do Ministrio da Fazenda (ver especialmente a pgina 9).

    20

  • da privatizao e os ajustes cambiais das dvidas interna e externa, a dvida fiscal lquida

    chegou ao final de 2002, a um montante de 36,8% do PIB, com acrscimo de 7,6% do

    PIB sobre o estoque de 29,2% do PIB, verificado em dezembro de 1994. A ttulo de

    comparao, s os juros reais pagos pelo setor pblico em 2000 e 2001 chegaram a um

    montante de 7,76% do PIB, portanto, mais do que a variao do estoque em oito anos.

    Tabela 6 DVIDA LQUIDA E DVIDA FISCAL DO SETOR PBLICO Estoques em fim de perodo, em % do PIB

    Discriminao 1994 2002

    Dvida Interna 20,7 42,0 Dvida Externa 8,4 14,6 Dvida Lquida Total 29,2 56,5 Ajuste Dvida Interna -9,8 Ajuste Dvida Externa -8,1 Ajuste Patrimonial Lquido -1,8 Dvida Fiscal Lquida 36,8 Fonte: Banco Central do Brasil

    4. SUPERVIT PRIMRIO: HIPTESES TERICAS E RAZES DO MERCADO

    crucial examinar, em suas linhas gerais, os supostos de poltica econmica que

    embasam a atual poltica fiscal. Os elementos centrais da poltica fiscal, em ambiente de

    mobilidade de capitais, foram postos, ainda no incio da dcada de noventa, pela

    confluncia de concepes instituies de grande porte das finanas internacionais, como

    o FMI, o Banco Mundial e o Tesouro dos EUA (o chamado Consenso de Washington),

    com ampla adeso, por parte pases emergentes, embora muitos deles no tenham

    executado o conjunto de medidas preconizado.

    O elemento bsico da macroeconomia fiscal preconizada pelo Consenso foi o

    monitoramento permanente da evoluo da relao entre a dvida mobiliria e o PIB.

    Numa viso simples, mas j clssica, a evoluo da dvida governamental determinada

    pela composio entre a taxa de juros e a taxa de crescimento da economia, de um lado, e

    por uma medida de sntese das contas pblicas do lado real, o supervit primrio, de

    outro. Em verdade, os fundamentos da poltica fiscal adequada indicam o supervit

    21

  • primrio como uma varivel dependente. A partir do comportamento dos juros e

    atividade econmica, o supervit primrio ter que ser aquele que mantenha ou reduza a

    relao dvida/PIB.

    A relao dvida/PIB passa a ser uma condio de equilbrio macroeconmico. Isto

    ocorre em decorrncia de uma avaliao dos agentes sobre suas posies de portfolio. O

    modelo, baseado nas teses de expectativas racionais, assevera que a expanso do

    endividamento pblico afeta as decises dos agentes privados que tm expectativas

    estveis para a composio de sua carteira de aplicaes. Em caso dos agentes se verem

    forados a mudar suas composies de carteira, a elevao das taxas de juros dos ttulos

    pblicos dever realizar o ajuste. No campo dos impactos sobre a economia real, os

    dficits pblicos tm efeitos restritos sobre a demanda porque acabam esterilizados, dado

    que os agentes antecipam os futuros ajustes fiscais para reverter o crescimento da dvida,

    o que significa necessidade de poupar no presente para pagar impostos adicionais no

    futuro. Vale dizer, no muda o produto global, mas apenas sua composio, em

    detrimento do setor privado15.

    Alm tornar intil, no campo real, e perversa, no campo financeiro, qualquer forma de

    elevao do endividamento pblico, as prescries do Consenso indicam a necessidade

    de transparncia absoluta nas contas fiscais e nas assim chamadas contas quase-fiscais,

    especialmente as relativas aos crditos realizados pelas instituies financeiras oficiais e

    pelo Banco Central. Deste modo, medidas de explicitao e controle, no longo prazo, das

    hidden liabilities16, so cruciais para gerar um clima de confiana, por parte do mercado,

    nos chamados fundamentos da economia.

    Ao mesmo tempo, essa concepo prev que o processo de transferncia patrimonial do

    setor produtivo estatal iniciativa privada encaminha o equacionamento da dramtica

    questo do financiamento do investimento. Vale notar que os processos de concesso e

    privatizao so a garantia de que, na fase de ascenso cclica, no haveria utilizao do

    crescimento de receitas ou da abertura de fontes de crdito para expandir a participao

    pblica, sempre no sentido de reduzir a relao dvida/PIB, de modo a preservar os

    15 Esta uma posio de menor bem econmico, posto que axiomtica a superioridade do setor privado sobre o pblico em termos de eficincia. 16 So os famosos esqueletos ou obrigaes reais, mas no contabilizadas ou sub-avaliadas.

    22

  • fundamentos da economia, possibilitando espao para que o setor pblico possa digerir os

    efeitos financeiros dos movimentos de capital e da retrao cclica.

    Este ponto merece reflexo mais detida. O que importa, do ponto de vista das polticas de

    ajuste preconizadas pelo Consenso, a forma como os agentes econmicos reagem, em

    suas decises de produo e alocao de recursos financeiros, aos movimentos das contas

    pblicas. Os crditos fornecidos pelo sistema financeiro e os haveres pblicos que

    derivam de fundos ou formas semi-compulsrias no tm o mesmo impacto que os

    fundos livres. Ou seja, embora o FMI use os conceitos de Necessidade de Financiamento

    do Setor Pblico (NFSP) e Dvida Lquida do Setor Pblico (DLSP) para aferir a situao

    fiscal e a evoluo do endividamento, a varivel realmente sensvel a dvida mobiliria,

    dado que os agentes econmicos a interpretam como substituto prximo da moeda e que

    no seu financiamento est centrada a credibilidade da poltica econmica.

    Neste contexto, a poltica fiscal, premida pela determinao financeira, defronta-se com a

    necessidade de ampliar seu grau de austeridade. Esta, no entanto, refora a escalada

    recessiva, pela necessidade de compensar a queda de receitas com novas restries ao

    gasto, no intento de manter o supervit primrio, induzindo os agentes econmicos a

    novas decises no sentido da recesso. A economia em retrao libera excedentes

    financeiros, cuja gesto , inevitavelmente, responsabilidade do Estado. A lgica imposta

    pelas polticas baseadas no enfoque terico do Fundo acaba por impedir que qualquer

    alternativa de reverso deste crculo vicioso seja possvel, dado que o controle do crdito

    ao setor pblico e a necessidade da reduo da relao dvida PIB so os elementos

    inegociveis e a taxa de juros elevada a nica forma de manter mnimo controle sobre

    os fluxos financeiros e cambiais do setor privado.

    Este o ponto onde reside o principal questionamento poltica fiscal vigente desde

    1998. A lenta e pertinaz desmontagem das estruturas de crdito ao setor pblico,

    realizada ao longo destes vinte anos de restrio ao endividamento pblico acabaram por

    concentrar o endividamento na dvida mobiliria. Ou seja, a vulnerabilidade do

    financiamento pblico foi incrementada justamente pela forma que assumiram as

    prescries do FMI e do Consenso no conjunto das relaes financeira do setor pblico.

    Quanto aos agentes econmicos, no pode resistir a um minuto de crtica a tese de que

    eles enxergam o conjunto das dvidas pblicas. Esta tese pode ser usada, com muitas

    23

  • reservas, para avaliar seu comportamento no conjunto da demanda agregada. Ao

    contrrio, se a questo administrao de portfolio de aplicaes, os agentes devero

    olhar para a evoluo da dvida mobiliria. No com a expectativa de abandonar o seu

    financiamento, ao impossvel na realidade do mercado, mas como ndice de

    credibilidade na evoluo das contas pblicas.

    Neste contexto, de concentrao do endividamento no endividamento mobilirio, o efeito

    das taxa de juros elevadas, decorrente da articulao de polticas entre as variveis

    monetrias e cambiais, tem impacto imediato e desastroso sobre as contas fiscais. A

    contaminao imediata sobre parte extremamente expressiva da estrutura de

    financiamento do setor pblico um fator de desestabilizao do conjunto da poltica

    econmica.

    Pagar ao mercado o preo para que ele no gere turbulncia sobre as operaes de curto

    prazo uma soluo fcil, mas de sustentabilidade duvidosa. De fato, remontar as

    estruturas de financiamento ao setor pblico e recalibrar os preos macroeconmicos juro

    e cmbio poderiam dar sinais muito melhores aos agentes econmicos de que as contas

    fiscais so sustentveis no longo prazo. No entanto, ao que parece, a verso do Consenso

    de Washington sobre a poltica fiscal reinar soberana at que os agentes do mercado

    refaam suas posies acerca do desenho de poltica econmica adotado.

    Sem dvida, a poltica fiscal continuar sendo a varivel de ajuste, pela via do supervit

    primrio, para as tenses macroeconmicas que o ordenamento da mobilidade de

    capitais, taxas de cmbio flexveis e juros elevados produzem. Por decorrncia, o Estado

    seguir paralisado frente soberania dos mercados.

    necessrio compreender que o desenho da poltica econmica que vem sendo executada

    acaba por jogar sobre a poltica fiscal responsabilidades que pertencem ao mbito da

    gesto financeira. Desta forma, a poltica fiscal parece sempre insuficiente, o que acaba

    resolvido por meio da nica medida ao alcance das autoridades econmicas: a elevao

    da meta de supervit primrio. Em verdade, a maior prova de que a poltica fiscal mera

    coadjuvante deste processo dada por um dos principais formuladores da poltica

    econmica, GOLDFAJN (2002), ao modelar os cenrios de evoluo da dvida lquida,

    em condies de crescimento e normalidade cambial, e identificar que o atual supervit

    primrio produz uma forte reduo da relao DLSP/PIB. Vale dizer, seguindo as

    24

  • objees colocadas GOLDSTEIN (2003), se todas as questes de ordem financeira,

    cambial e patrimonial tiverem comportamento favorvel, a sustentabilidade da dvida

    pblica estar garantida. 17

    A poltica econmica tem reservado funes poltica fiscal que so absolutamente

    incompatveis com o seu poderio e com a sustentabilidade, no longo prazo, do equilbrio

    das contas pblicas. Evidentemente, prprio das economias contemporneas que a

    administrao das principais questes econmicas acabe por ser objeto de gesto por

    parte do Estado e que suas contas sejam, por isso, afetadas. No entanto, a poltica

    econmica no pode trocar causas e efeitos, sob pena de gerar esforos desnecessrios e

    estreis. crucial separar os determinantes dos movimentos econmicos e usar as

    polticas na medida destes elementos.

    Nos ltimos quatro anos, a poltica econmica conseguiu confundir a origem dos

    desequilbrios financeiros que vm se acumulando, ao mesmo tempo em que confere a

    eles uma natureza fiscal. Deste modo, o crescimento da dvida pela agregao dos

    famosos esqueletos, passando pela manuteno de taxas de juros elevadssimas para atrair

    capitais externos ou promover sua permanncia, garantir o hedge das posies de agentes

    internos endividados ou mesmo alternativas para aplicao de riqueza interna em ativos

    cambiais entraram na conta fiscal.

    O conceito de Dvida Lquida do Setor Pblico e as metas para sua evoluo sintetizam

    esta forma de pensar a poltica fiscal no contexto da poltica macroeconmica. Todos os

    desequilbrios financeiros refletem-se sobre a DLSP e passam a comandar a definio das

    metas do supervit primrio. Em verdade, a prpria prevalncia do conceito de DLSP

    eliminou a discusso da relevncia do dficit operacional ou nominal.

    A confuso conceitual que se estabeleceu to grande que at mesmo as flutuaes da

    taxa de cmbio e seu impacto sobre a dvida externa governamental de longo prazo

    passaram a estar incorporadas, convertidas em Reais, aos movimentos da dvida lquida.

    Ao mesmo tempo, a o conceito de DLSP promoveu o abandono da diferenciao das

    formas de apropriao das valorizaes das dvidas interna e externa. Ao contrrio do

    17 GOLDFAJN, I., (2002). Are There Reasons to Doubt Fiscal Sustainability in Brazil?, BCB, Notas Tcnicas, Nmero 25. Ver, tambm: GOLDSTEIN, M. (2003). Debt Sustainability,Brazil, and the IMF. IIE, WP-03-1.

    25

  • ocorrido nos anos oitenta18, as alteraes na paridade cambial tm impacto imediato na

    dvida e, da, nas metas de dficit. Comprova-o o fato de que a alterao da meta de

    supervit para 4,25% foi decidida justamente para compensar a expanso da dvida

    derivada do cmbio desvalorizado.

    Os nmeros podem mostrar estas distores de forma irretocvel e deixar claro que sob o

    manto da poltica fiscal responsvel, o pas est vivendo a desmontagem das estruturas de

    financiamento pblico e construindo uma fragilidade sem precedentes em sua estrutura

    de financiamento pblico.

    O fechamento do ano de 2003 mostra que o supervit primrio do setor pblico, de

    4,32% do PIB, superior meta anunciada no incio do ano, foi pouco superior metade

    dos juros internos. Em verdade, ele foi substantivamente menor que os juros reais de

    5,96% do PIB. A escalada dos juros de 2003 produziu uma deteriorao ainda maior da

    situao fiscal que a vivida em anos anteriores, onde os juros reais foram de 3,5% e 0,05

    do PIB, em 2001 e 2002. Tomado o acumulado de doze meses at janeiro, h uma

    tendncia de queda nos juros reais e nominais, mas ainda em patamar extremamente

    elevado.

    Tabela 7 CONTAS DO SETOR PBLICO CONSOLIDADO - USOS Valores acumulados em 12 meses em % do PIB do perodo dez/01 dez/02 dez/03 jan/04 Dficit Nominal 3,57 4,58 5,16 4,79

    Primrio -3,64 -3,89 -4,32 -4,19

    Juros internos 6,02 7,20 8,24 7,75

    Juros reais 3,49 0,05 5,96 5,79

    Atualizao monetria 2,52 7,16 2,27 1,96

    Juros externos 1,20 1,27 1,25 1,23 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal

    Mais perversos que os dados acima expostos so os referentes s fontes de financiamento

    do setor pblico. Como mostra a Tabela 8, a tendncia uma brutal concentrao na

    dvida mobiliria. Os dados anualizados de dezembro janeiro esgotam as dvidas quanto 18 Nos conceitos anteriores de dficit operacional, a variao da dvida externa era contabilizada em dlares, enquanto, agora, sua variao o resultado em reais da dvida convertida pela taxa de cmbio atualizada.

    26

  • gravidade da situao. Eles indicam crescimento de cerca de 8% do PIB na dvida

    mobiliria, quase 3% do PIB acima do prprio dficit nominal.

    Tabela 8 CONTAS DO SETOR PBLICO CONSOLIDADO FONTES Valores acumulados em 12 meses em % do PIB do perodo dez/01 dez/02 dez/03 jan/04 Fontes de financiamento 3,57 4,58 5,16 4,79

    Financiamento interno 2,32 2,75 6,17 6,19

    Dvida mobiliria 4,87 0,25 8,00 7,72

    Dvida bancria -2,25 1,09 -2,05 -2,04

    Demais -0,30 1,41 0,22 0,51

    Financiamento externo 1,25 1,83 -1,01 -1,40 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal A expanso da dvida mobiliria no conjunto das fontes de financiamento do setor

    pblico concomitante ao aprofundamento do desmonte da estrutura de financiamento

    do setor pblico. A dvida contratual, ou bancria, segue em queda livre, como reflexo

    direto de todas as restries postas ao endividamento dos estados, municpios e empresas.

    O financiamento externo que ainda apresentava fluxo positivo em finais de 2001 e 2002,

    virou de sinal em 2003 e nada indica recuperao em 2004.

    Os dados dos estoques da dvida lquida do setor pblico apresentam a mesma dinmica

    perversa. Entre 2002 e 2003 a dvida consolidada cresceu de 55,5% do PIB para 58,1%

    do PIB, mesmo com todos os esforos realizados para conter o endividamento e os gastos

    reais. Mas muito pior que isto que a dvida mobiliria do Tesouro Nacional subiu de

    33,6% do PIB para 43,3% do PIB. Ao mesmo tempo, a dvida externa caa de 14,3 para

    11,9% do PIB, sem que isto seja explicvel por algum movimento de reservas

    internacionais.

    27

  • Tabela 9 DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICO em % do PIB

    Discriminao 2001 2002 2003

    Dvida fiscal lquida 40,8 36,1 41,6

    Dvida lquida total (A) 52,6 55,5 58,1

    Dvida interna lquida 42,2 41,2 46,3

    Governo federal 20,3 19,5 23,3

    Dvida mobiliria do Tesouro Nacional 38,1 33,6 43,3

    Banco Central do Brasil 4,3 3,4 3,4

    Dvida mobiliria do Bacen 10,1 4,2 2,0

    Operaes compromissadas -0,7 4,9 4,2

    Dvida externa lquida 10,4 14,3 11,9

    Governo federal 13,1 16,2 13,9

    Banco Central do Brasil -4,9 -3,7 -3,7

    Governos estaduais 0,9 1,2 1,0

    Governos municipais 0,1 0,2 0,2

    Empresas estatais 1,2 0,5 0,5 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal A avaliao as contas pblicas por um conceito muito pouco utilizado, os fatores

    condicionantes da dvida lquida, pode ser especialmente elucidativa. A Tabela 10 mostra

    como a evoluo da dvida segue uma rotina que desconhece os esforos da poltica

    fiscal, situando sua expanso entre 2,6% e 3,8% do PIB ano a ano. Pior, no entanto, que

    diferentemente de 2001 e 2002, quando os efeitos da desvalorizao cambial sobre a

    dvida interna e externa foram avassaladores, em 2003, o cmbio valorizado gerou efeito

    redutor da dvida de nada menos que 5,5% do PIB.

    A dvida lquida cresceu 2,65% do PIB, em 2003, como efeito direto da escalada dos

    juros nominais que chegaram a 9,25% do PIB, somando-se juros internos e externos.

    Vale dizer que, no fosse a revalorizao da dvida em moeda estrangeira, a dvida

    lquida teria avanado cerca de 7% do PIB. A introduo de uma variao cambial de

    estoques s pode tornar ainda mais complexa a gesto da poltica fiscal, com efeitos de

    extrema volatilidade sobre a definio do supervit primrio necessrio para controlar a

    expanso da dvida.

    Mas aqui cabe um comentrio: nem os inventores da metodologia de converter os

    estoques de endividamento externo pela taxa de cmbio presente sabem muito bem qual o

    28

  • significado econmico disso. Ou seja, a poltica econmica gera necessidades de

    supervit fiscal a partir de conceitos que esto longe de uma clareza conceitual mnima.19

    Tabela 10 FATORES CONDICIONANTES DA DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICO Valores acumulados no ano em % do PIB

    2001 2002 2003

    Dvida lquida total saldo 52,63 55,50 58,15

    Dvida lquida - var. ac. Ano 3,85 2,87 2,65

    Fatores condicionantes:1/ 7,78 13,87 2,04

    NFSP 3,41 3,88 5,03

    Primrio -3,48 -3,30 -4,21

    Juros nominais 6,88 7,18 9,25

    Ajuste cambial2/ 3,01 9,27 -4,10 Dvida mobiliria interna indexada ao cmbio 1,53 4,83 -1,45

    Dvida externa metodolgico 1,48 4,44 -2,65

    Dvida externa - outros ajustes3/ -0,03 0,05 1,06

    Reconhecimento de dvidas 1,47 0,90 0,04

    Efeito crescimento PIB - dvida4/ -3,93 -11,01 0,61 Fonte: Banco Central, Nota para a Imprensa sobre Poltica Fiscal

    O conjunto de dados indicados nestas pginas no demonstra uma poltica fiscal

    permissiva, muito pelo contrrio, dado que ela tem sido extremamente rgida. O que sim

    podemos dizer que a poltica econmica enfocou o supervit primrio sem atentar para

    a estrutura de financiamento ao setor pblico, que vem experimentando uma deteriorao

    dramtica com efeito imprevisveis sobre a percepo de risco dos agentes econmicos.

    Para demonstr-lo construiu-se um indicador de solvncia do setor pblico. Foi tomada a

    evoluo anualizada da receita federal, em termos reais. Ao mesmo tempo, foi tomada a

    divida mobiliria do Tesouro Nacional. O indicador de solvncia mede quantas receitas

    anuais so necessrias para pagar a dvida. Os resultados (Grfico 6) mostram uma

    tendncia fortemente expansiva. O crescimento da relao entre a dvida e o PIB foi, de

    1995 a 2001, concomitante piora do indicador de solvncia. Depois de uma fugaz

    melhoria, em 2002, o ano de 2003 mostra a retomada da trajetria explosiva

    anteriormente verificada.

    19 Vale notar que, quando o conceito de dficit comeou a ser medido no Brasil, o efeito da variao cambial era expurgado da aferio da variao da dvida estatal, justamente porque o que importava era avaliar os movimentos do financiamento ao setor pblico realizado pelos agentes internos.

    29

  • Grfico 6 Evoluo da Dvida e Indicador de Solvncia

    0,0

    10,0

    20,0

    30,0

    40,0

    50,0

    60,0

    1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

    % d

    o PI

    B

    00,511,522,533,5

    Ind.

    Sol

    vnc

    ia

    Dvida/PIB Dvida/Receita

    5. CONSIDERAES FINAIS

    As contas pblicas e a capacidade de ao estatal esto completamente determinadas

    pelas relaes financeiras de manuteno da riqueza e estabilidade dos mercados

    financeiros. O supervit fiscal o responsvel por dar a carta de fiana ao mercado,

    garantindo uma expectativa de solvncia da dvida pblica, mesmo a taxas de juros muito

    elevadas. Esta ltima varivel equilibra as condies do mercado de aplicaes e realiza a

    arbitragem entre a moeda nacional e a externa. Vale dizer, a face financeira se sobrepe a

    qualquer poltica de Estado, paralisando sua ao como componente dinmico do

    desenvolvimento.

    A magnitude das questes financeiras e cambiais so, no entanto, desproporcionais frente

    aos montantes mobilizados por meio das contas pblicas. Ao mesmo tempo, a

    negligncia para com a montagem de padres alternativos de financiamento do Estado

    concentra no endividamento mobilirio as tenses da poltica fiscal. Deste modo, a

    expectativa de restringir a ao do Estado acaba por fragilizar sua posio financeira,

    gerando o efeito oposto ao pretendido pela poltica do supervit primrio.

    Em verdade, a relao dvida/PIB e o supervit primrio so instrumentos teis e

    elegantes para recriar o Estado. S que agora, este Estado inerte e isento de quaisquer

    condies de influenciar na dinmica econmica. Sua grande funo ser o garantidor do

    funcionamento dos mercados financeiros.

    30

    Tabela 4Tabela 5Discriminao