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163 A ESTRATÉGIA DE MODERNIZAÇÃO DA CHINA COMO EXPRESSÃO DE UM “MODELO ASIÁTICO” ͳ Marcos Cordeiro Pires Departamento de Ciências Políticas e Econômicas – Unesp – Marília Resumo O processo de crescimento econômico da China, desde o período de “Abertura e Reforma” não encontra paralelo na história econômica do capitalismo. Um crescimento médio de aproximadamente 10% a.a. nos últimos 30 anos, num país continental, com a maior população do planeta e com um sistema político centralizado, é um feito sem precedentes. No entanto, observando com cuidado o desenvolvimento de seus vizinhos do Extremo Oriente, como Japão, Coréia do Sul e Taiwan, podemos encontrar algumas similaridades com o modelo chinês em curso. É nessa perspectiva que gostaríamos de abordar a possibilidade de que a reforma econômica da China adaptou às suas características um certo “modelo asiático” precedente, já que é possível fazer uma comparação entre o modelo de concentração de capital na China com aquele adotado nos momentos de take-off, iniciado no Japão, por suas zaibastu ou kereitsu, e seguido posteriormente pela Coréia do Sul, com suas chaebols. Buscamos ressaltar no trabalho as similaridades entre esses processos, particularmente no papel desempenhado pelo planejamento estatal; a estrutura industrial em que grandes corporações nacionais lideram o ritmo do desenvolvimento; a estrutura do mercado de trabalho e a existência prévia de um grande exército industrial de reserva; a orientação para o mercado externo como motor do crescimento; as elevadas taxas de investimento e poupança; e a importância da incorporação e desenvolvimento de novas tecnologias na estratégia industrial. Tal discussão é o tentaremos fazer nesse trabalho. 1 A elaboração deste artigo contou com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp, cujo financiamento por meio da bolsa “Primeiros Projetos” viabilizou a viagem de pesquisa à República Popular da China entre junho e julho de 2010.

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A ESTRATÉGIA DE MODERNIZAÇÃODA CHINA COMO EXPRESSÃO DE UM

“MODELO ASIÁTICO”

Marcos Cordeiro Pires

Departamento de Ciências Políticas e

Econômicas – Unesp – Marília

ResumoO processo de crescimento econômico da China, desde o período de

“Abertura e Reforma” não encontra paralelo na história econômica do capitalismo. Um crescimento médio de aproximadamente 10% a.a. nos últimos 30 anos, num país continental, com a maior população do planeta e com um sistema político centralizado, é um feito sem precedentes. No entanto, observando com cuidado o desenvolvimento de seus vizinhos do Extremo Oriente, como Japão, Coréia do Sul e Taiwan, podemos encontrar algumas similaridades com o modelo chinês em curso. É nessa perspectiva que gostaríamos de abordar a possibilidade de que a reforma econômica da China adaptou às suas características um certo “modelo asiático” precedente, já que é possível fazer uma comparação entre o modelo de concentração de capital na China com aquele adotado nos momentos de take-off, iniciado no Japão, por suas zaibastu ou kereitsu, e seguido posteriormente pela Coréia do Sul, com suas chaebols. Buscamos ressaltar no trabalho as similaridades entre esses processos, particularmente no papel desempenhado pelo planejamento estatal; a estrutura industrial em que grandes corporações nacionais lideram o ritmo do desenvolvimento; a estrutura do mercado de trabalho e a existência prévia de um grande exército industrial de reserva; a orientação para o mercado externo como motor do crescimento; as elevadas taxas de investimento e poupança; e a importância da incorporação e desenvolvimento de novas tecnologias na estratégia industrial. Tal discussão é o tentaremos fazer nesse trabalho.

1 A elaboração deste artigo contou com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp, cujo financiamento por meio da bolsa “Primeiros Projetos” viabilizou a viagem de pesquisa à República Popular da China entre junho e julho de 2010.

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IntroduçãoO desempenho econômico da República Popular da China, desde o início

do processo de Reforma e Abertura, em 1978, é objeto de reflexões por parte de muitos estudiosos da teoria do desenvolvimento econômico. De fato, uma elevação média anual do Produto da ordem de 10% nos últimos 30 anos é um objeto de pesquisa muito fascinante, além de ser objeto de discussão entre aqueles defensores de uma estratégia de desenvolvimento econômico que consiga proporcionar às populações dos países pobres uma perspectiva de saída do atraso.

A temática do desenvolvimento, felizmente, vem sendo retomada após os anos mais duros de implementação do fundamentalismo liberal, iniciado no final da década de 1970, justamente quando se iniciava o take off chinês. Atualmente, os pressupostos da não intervenção estatal, das privatizações e da desregulamentação de mercados estão desgastados frente à enorme crise financeira que obrigou os governos dos países centrais a adotar gigantescos pacotes de ajuda para evitar uma bancarrota no sistema financeiro e também, a criar mecanismos para ativar a demanda interna estrangulada pela crise. No entanto, esse desgaste ainda não viabilizou uma mudança de paradigma entre os organismos financeiros internacionais, uma vez que frente aos desdobramentos da crise financeira na Europa, políticas restritivas são preconizadas pelo FMI e pelo Banco Central Europeu para viabilizar um “ajuste fiscal” saneador à custa do bem-estar de suas populações.

A estratégia chinesa de desenvolvimento, sobre a qual se debruçam governos de diversos países, inclusive do Brasil, pode ser compreendida de diferentes maneiras, ao gosto dos pressupostos teóricos dos analistas. Alguns enxergam a implementação do neoliberalismo sem disfarce, como David Harvey. Outros evocam a figura de Lenin para justificar uma estratégia similar à NEP da década de 1920. Joshua Ramo proclama as virtudes do “Consenso de Pequim”, em oposição ao “Consenso de Washington”. Zheng Yognian (2010) ressalta que o modelo chinês é único, decorrente das escolhas políticas de seus dirigentes e de uma atitude pragmática quanto à sua estrutura econômica, mesclando uma forte participação estatal com diferentes formas de propriedade, inclusive privadas. Nesse caso, antes de o Estado sufocar as demais formas de propriedade, garante a existência delas. Os próprios dirigentes do Partido Comunista Chinês, a despeito de críticas, ressaltam o caráter socialista de sua economia.

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Diante de distintas interpretações desse processo, gostaríamos de problematizar uma nova questão, ao postular uma hipótese de que o modelo de desenvolvimento chinês está ancorado em experiências bem-sucedidas do “modelo asiático” que, desde o final da II Guerra Mundial, vem propiciando elevadas taxas de crescimento do Produto e modificando positivamente o patamar de desenvolvimento econômico e social de países como o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan, entre outros. Com isso, não queremos negar as especificidades do modelo chinês, já que por todos os ângulos que se pode observar a realidade da China, seu sistema político, sua história, sua cultura e as dimensões territorial e populacional, tornam o “Império do Meio” um país sem comparações no mundo, mas não podemos negligenciar os inúmeros pontos de intersecção entre os dois modelos.

No sentido de estruturar um argumento que viabilize uma resposta àquele postulado, dividimos este texto em três seções. Na primeira, uma breve discussão sobre a evolução do conceito de modelo de desenvolvimento econômico ao longo da história, procurando ressaltar algumas especificidades das principais correntes. Em seguida, nos debruçaremos sobre as características do modelo asiático, notadamente da experiência japonesa do pós-guerra, de forma a ressaltar certos aspectos comuns existentes entre diferentes países da região. Por fim, na terceira parte, a descrição do modelo chinês de desenvolvimento e o confronto das características essenciais desse modelo com o “modelo asiático”.

1 Uma breve discussão sobre os Modelos de

Desenvolvimento

Antes de tudo, quando se discute a questão dos “modelos” é preciso reconhecer que a realidade é mais rica do que as simplificações. No entanto, um excesso de variáveis, antes de ajudar a melhor descrever um fenômeno social pode, pelo contrário, confundir a explicação ao nivelar eventos e dados de diferentes importâncias dentro do problema analisado. Diante disso, conforme ensina Wilson do Nascimento Barbosa (1991: 3),

A ideia de modelo é, como vemos, inerente a todas as ciências sociais, porque simplesmente seria impossível tratar aglomerado de dados ou observações sem, de alguma forma, introduzir neles teoria, com ordenação e classificação. Estes esquemas que absorvem parcelas da realidade, admitidas ou não como tal, estão sempre organizados dentro de uma dada perspectiva

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epistemológica, e se constituem um instrumento técnico para a posterior interpretação da realidade pelo cientista social.

Por conta dessa especificidade metodológica, a discussão acerca dos modelos, particularmente na área de desenvolvimento econômico, é muito controversa na literatura. Em principio, na perspectiva liberal, não há um modelo econômico em si, a não ser pressupostos ditos “universais” que deveriam ser adotados indistintamente por todos os países, como a criação de um ambiente econômico propício à livre iniciativa, pouca intervenção estatal, liberdade de comércio, inserção internacional baseada em vantagens comparativas, liberdade de fluxos de capitais, entre outros. Este “não-modelo” tomou forma na segunda metade do século XIX no contexto da hegemonia britânica, quando se buscava criar uma ordem mundial “livre-cambista”, em que todos os países se integrariam no comércio internacional a partir de suas vantagens comparativas. No entanto, em que pese a ênfase do discurso oficial às “livres forças do mercado”, autores como Karl Polanyi (1980) e, mais recentemente, Giovanni Arrighi (2008), assinalaram que o longo período de hegemonia britânica decorreu muito mais de uma ativa intervenção estatal do que propriamente desse liberalismo. A ação do Estado inglês foi decisiva na criação de uma institucionalidade, interna e externa, para se atingir aos objetivos ditos “liberais”. Pode-se mencionar a extinção das corporações de ofício, a “Corn Law”, a campanha anti-escravagista, a imposição do padrão ouro e o colonialismo, como exemplos dessa ação.

Analisando as experiências “tardias” de Estados Unidos, Alemanha e Japão, no último quartel do século XIX, pode-se constatar a ocorrência de um modelo diferenciado, baseado não na especialização produtiva (vantagens), mas na busca de se desenvolver novas competências, basicamente industriais, por meio de um complexo sistema de favorecimento estatal aos recém-criados grupos econômicos (Trustes, Cartéis ou Zaibatsu), que passava pela internalização de modernas técnicas, pelo incentivo à concentração de capitais e ainda por políticas protecionistas às chamadas “indústrias nascentes”, expressão esta cunhada por Alexander Hamilton para justificar a adoção de altas tarifas alfandegárias nos Estados Unidos. Interessante notar que o “modelo” norte-americano do começo dos oitocentos foi difundido na antiga Prússia pelo então cônsul dos Estados Unidos naquele país, Georg Friedrich List (1983), por meio de seu “Sistema Nacional de Economia Política”, que era um manifesto contrário ao liberalismo econômico.

Já em meados do século XX, a temática do desenvolvimento acalentou os países periféricos e novos modelos de desenvolvimento econômico foram difundidos, entre os quais o de corte liberal capitaneado por W.W. Rostow

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(1964), ou a escola estruturalista, que teria grande influência na América Latina, da qual destacamos Celso Furtado (2000). Para a primeira corrente, o desenvolvimento econômico ocorreria por meio de spillover dos setores com maior índice de produtividade para aqueles de menor nível. O comércio internacional seria um grande estimulador da produtividade. Se por acaso o país apresentasse uma estrutura predominantemente agrícola, os ganhos de produtividade na agricultura de exportação contribuiriam para a elevação da produtividade dos setores vinculados ao mercado interno, proporcionado a criação de novos capitais e liberando mão de obra para os setores urbanos, onde poderiam ser empregados em atividades mais lucrativas. Esse processo gradual de acumulação de capitais chegaria a um ápice que permitiria o takeoff da economia para níveis mais elevados de desenvolvimento, iniciando uma fase autossustentada. Infelizmente, não se conhece experiência similar entre os países colonizados pelos europeus na Ásia, África e América Latina.

Já na perspectiva estruturalista, o desenvolvimento seria decorrente de ações racionais por parte do Estado Nacional, identificando os obstáculos estruturais ao desenvolvimento, tais como uma estrutura agrária ineficiente e concentradora de renda, a falta de infraestrutura para o desenvolvimento, como fornecimento abundante de energia, a produção de insumos industriais básicos, a expansão de uma rede de transportes etc. Do ponto de vista da coordenação desses esforços, a escola estruturalista defendia a adoção de mecanismos de planejamento estatal, com vistas a maximizar os parcos recursos humanos e financeiros. Em última instância, a presença do Estado viria a suprir a ausência de capitais privados e também se antecipar à demanda para viabilizar a criação de novos empreendimentos por parte do setor privado. O modelo, tal como foi conceituado por Raúl Prebisch, tinha por base a “substituição de importações” e o fortalecimento do mercado interno, mas pouco interferiu no nível de dependência que as economias nacionais tinham do setor primário-exportador como provedor de divisas para o avanço do processo. Tal perspectiva buscava a criação de economias fortes, industrializadas e com grande margem de autonomia política e econômica, tal como se esboçou na América Latina na década de 1950.

A interrupção desse processo por uma série de intervenções militares, como no Brasil (1964) e na Argentina (1962, 1966), levou ao abandono do modelo de substituição de importações e a adoção de um modelo “associado e dependente”, tal como definiram Cardoso e Faletto (1970) e Marini (1977). Por essa interpretação, as burguesias locais, antes de buscarem o caminho da autonomia e da afirmação, julgaram conveniente ajustar seus interesses imediatos aos das grandes empresas multinacionais que se expandiram para a América Latina no final da década de 1950. Coube ao Estado nacional o papel

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de articular as empresas estatais e os grupos econômicos locais dentro da lógica de atração de investimentos estrangeiros. Na prática, significou submeter a dinâmica da economia nacional às estratégias desses grandes grupos, sem galgar maiores patamares na apropriação do progresso técnico, a produção de bens mais sofisticados e um maior grau de soberania econômica. O mercado interno, relativamente protegido, viabilizava uma estrutura oligopolística de preços que impactaria negativamente nas estratégias de estabilização inflacionária que perdurou até o fim desse modelo, no começo da década de 1980.

Enquanto a América Latina enfrentava os contratempos de seu modelo de desenvolvimento, um novo modelo seria experimentado no Extremo Oriente a partir da reconstrução do Japão e da criação de Novos Estados Industriais, como Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura. Nesses países, a partir da década de 1950, se verificou um rápido processo de desenvolvimento econômico baseado na dinamização da produção industrial voltada para a exportação, câmbio desvalorizado, baixos salários, fortes estímulos estatais para a formação de grandes grupos industriais, adoção de técnicas de engenharia reversa e ascensão na escala de valor por parte dos produtores locais. É importante ressaltar que esse surto de desenvolvimento foi em grande parte ancorado na estratégia norte-americana de contenção do avanço do socialismo no Extremo Oriente, chegando os Estados Unidos a permitir o acesso privilegiado de mercadorias desses países em seu mercado interno a aceitando tacitamente que governos autoritários (Chiang Kai-Chek, em Taiwan e Syngman Rhee e Park Chung-hee, na Coréia do Sul. A seguir nos deteremos nesse processo.

2 – De ummodelo “japonês” a ummodelo “asiático”

O chamado “modelo asiático de desenvolvimento” tem despertado a atenção dos especialistas na área devido ao grande sucesso verificados no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan em alcançar elevadas taxas de crescimento econômico, aumento da renda per capita, incremento da produtividade, domínio de tecnologias de ponta, criação de poderosas empresas multinacionais, além de forte presença nos mercados mundiais. Tal processo teve início com a experiência japonesa, iniciada no final do século XIX, em que o país conseguiu se afirmar como potência industrial enquanto outros países da região caiam frente ao colonialismo europeu. Após a derrota na II Guerra Mundial, o Japão reorganiza sua estratégia sem perder de vista os êxitos da fase precedente, e estes êxitos, posteriormente, serviram de inspiração para outros países da região.

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Com uma ou outra especificidade, o modelo japonês serviu de exemplo para países como a Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e, em menor escala, Hong Kong. Podem ser mencionados nesse processo uma ativa atuação estatal para coordenar o desenvolvimento, a adoção de políticas protecionistas, a criação de forte conglomerados econômicos, absorção de tecnologia estrangeira, baixos níveis salariais, câmbio desvalorizado, elevada taxa de acumulação de capital, utilização do comércio exterior como dinamizador da economia doméstica, entre outros. Nesta seção, faremos uma breve descrição de alguns aspectos desse modelo, concentrando-nos no caso japonês.

A experiência japonesa

A Restauração Meiji, de 1868, foi um marco no processo de desenvolvimento do Japão moderno. De certa forma, foi uma resposta de parte da elite japonesa ao desafio lançado pelo ataque da esquadra americana comandada por Matthew C. Perry, em 1854, que forçou o país a abrir sua economia para as potências ocidentais. Diferentemente de outros países asiáticos, o Japão não sucumbiu ao colonialismo europeu e, a partir de então, adotou uma estratégia nacional rumo à industrialização, da qual a Restauração Meiji foi um importante marco, ao transformar um país fechado e feudal numa potência militar no exíguo prazo de trinta anos.

De maneira similar a países que tiveram sua decolagem na segunda metade do século XIX, como Estados Unidos e Alemanha, as bases do desenvolvimento japonês foram a forte concentração da renda e elevadas taxas de formação de capital, absorção de tecnologia estrangeira, a criação de um forte parque industrial interno, a formação de grandes grupos econômicos apoiados pelo Estado e políticas comerciais protecionistas. Particularmente no que tange aos grandes grupos econômicos, eles eram denominados de ZAIBATSU, cujos capitais derivavam de poderosas famílias feudais que se viram forçadas a modernizar suas atividades. A primeira geração de zaibatsu era composta por grupos verticalizados como Mitsui, Mitsubishi, Yasuda, Sumitomo. Posteriormente outros se juntaram a estes, como os grupos Furukawa, Fujita, Asano, Kuhara, Suzuki, Nakajima, Mori, Kawasaki, Nitchitsu, Nissan, Nisso, Nomura, Okura, Riken, Shibusawa. De maneira geral, estes grupos estiveram envolvidos com setores estratégicos ao desenvolvimento, tais como bancos, exploração mineral, siderurgia, construção civil, indústria bélica, têxteis e comércio exterior.

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Tais conglomerados, além de se tornarem o pilar da estratégia japonesa de industrialização, também estiveram por detrás das políticas militaristas e imperialistas do Império Japonês, que culminou com a II Guerra Mundial. Derrotados, os japoneses tiveram que conviver com a ocupação norte-americana que, entre outras tarefas, tratou de liquidar o poder das tradicionais famílias japonesas e as forçou a se desfazer de grande parte das participações no capital desses conglomerados. No entanto, em seu lugar surgiu outra estrutura organizacional também integrada, com forte articulação horizontal, com administração profissionalizada e com grande estrutura financeira, os chamados KEREITSU.

É importante constatar que os Kereitsu reproduziram no período da reconstrução japonesa o que outrora fora o papel dos Zaibastu no processo de decolagem. Os setores estratégicos que viabilizaram o chamado “milagre japonês”, como o siderúrgico, construção naval, construção civil, ferroviário, automobilístico, químico, petrolífero e eletro-eletrônico, entre outros, obtiveram apoio institucional por parte do Estado Japonês, particularmente do ex-Ministério de Indústria e Comércio Exterior, o MITI, em inglês, atualmente METI, Ministério de Economia e Comércio Exterior2.

O MITI foi criado a partir da divisão do Ministério de Comércio e Indústria, em maio 1949, e tinha por missão de coordenar as políticas industriais e de comércio internacional com outras instituições governamentais, como o Banco do Japão e a Agência de Planejamento Econômico. Desde então, o MITI tem sido responsável não só nas áreas de exportação e importação, mas também pelo direcionamento estratégico de setores produtivos domésticos e as empresas não abrangidas especificamente por outros ministérios, como as áreas de investimento em instalações e equipamentos, controle de poluição, energia elétrica, além de assistência econômica externa. No período da reconstrução, o MITI buscou integrar políticas conflitantes, como as relativas ao controle da poluição e da competitividade das exportações, para minimizar os danos para as indústrias exportadoras. Nesse sentido, o MITI foi o principal arquiteto da política industrial japonesa, e também um árbitro sobre disputas entre os grupos industriais. O órgão, de fato, atingiu seus objetivos ao reforçar a base industrial do país e viabilizar uma bem-sucedida estratégia de comércio exterior que, ao mesmo tempo em que permitia a conquista de novos mercados, contribuía para o aumento da produtividade e da qualificação das indústrias do país.

2 Acerca do MITI, consultar: http://www.meti.go.jp/english/. Acessado em 10 de outubro de 2010.

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Não se pode perder de vista que o desenvolvimento japonês contou com técnicas de planejamento econômico, difundidas pelas autoridades norte-americanas, ainda influenciadas pelas ideias keynesianas e pelo New Deal. Apesar de não possuírem a rigidez das economias centralmente planificadas, os Planos Quinquenais japoneses serviram de baliza para a ação governamental e de grupos privados.

Cabe ressaltar outro aspecto da bem-sucedida estratégia industrial japonesa, que foi a rápida absorção de tecnologia estrangeira, por meio de processos de engenharia reversa. Conforme salienta Akio Morita (1986), o Japão já possuía um importante parque tecnológico antes da guerra. Muitos engenheiros, químicos e cientistas contribuíram para a criação de uma expressiva capacidade industrial e militar que fez o país suportar por anos a enorme superioridade de recursos dos Estados Unidos durante a II Guerra. No entanto, a derrota havia desestruturado esse sistema de pesquisa científico-tecnológica. Sob a ocupação norte-americana, os japoneses começaram a adotar políticas industriais de absorção de tecnologia norte-americana e europeia, principalmente por meio de engenharia reversa, ou seja, analisar um produto ou processo e construí-lo de tal forma a possibilitar o desenvolvimento de similares e, numa etapa seguinte, desenhar protótipos com inovações e com melhor qualidade. De certa forma, a presença de empresas japonesas no mercado internacional, a partir da década de 1960, decorreu de experiências como essa. Vale frisar que sem uma capacidade técnica anterior ou um forte investimento em educação, o país não poderia se colocar na ponta do desenvolvimento científico como vem fazendo desde meados da década de 1960.

Além da coordenação entre o Estado e os grandes grupos econômicos e de uma política industrial inovadora, outro fator que ajuda a compreender á rápida recuperação da economia japonesa a partir de 1950 foi a abundante oferta de mão de obra barata. Os efeitos da derrota levaram a população japonesa a uma situação de grande penúria. A guerra ceifou cerca de 10% da população japonesa de 70 milhões de pessoas, em 1937. Apesar disso, já em 1948, o país possuía 80 milhões de habitantes, e elevadas taxas de desemprego, a despeito da reforma agrária imposta às elites japonesas pelas tropas de ocupação. Isso permitiu aos empresários japoneses desfrutar de uma força de trabalho disciplinada, relativamente educada e sujeita a baixas remunerações. Isso proporcionava uma elevada taxa de acumulação de capital que, aliada à alta taxa de poupança das famílias, viabilizava uma expressiva formação de capital, pública e privada, em torno de 33% do PIB (Historical Statistics of Japan, 2010). Conforme analisa Robert Guillain, acerca da situação do emprego nas décadas de 1950 e 1960:

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A abundância de mão de obra não tem pesado sobre a economia a ponto de criar um desemprego importante ou um subemprego prejudicial ao progresso. Pelo contrário, ela permitiu escapar ao perigo do esgotamento do mercado de trabalho que espreita todos os países lançados num desenvolvimento acelerado. É uma vantagem que os outros grandes países industriais podem invejar. (...) No Japão, o problema da mão de obra não deteve a expansão, o que quer dizer que um vigoroso esforço não tem cessado de ser feito para a criação de novos empregos à medida do aparecimento maciço de novos trabalhadores no mercado de trabalho. (GUILLAIN, 1970: 124)

Na medida em que o desenvolvimento japonês pôde absorver toda a mão de obra excedente, já em meados da década de 1960, iniciou-se no país um processo de elevação dos salários que viabilizou o aumento da renda per capita do país e a expansão do mercado interno, contrabalançando o peso das exportações na produção industrial. Como um efeito colateral, muitas das atividades trabalho-intensivas foram deslocadas para outros países da região com menores custos laborais, como a Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, entre outros. Interessante notar que nesse aspecto, estes países apresentaram o mesmo padrão de acumulação trilhado pelo Japão.

Outros dados relevantes para o desenvolvimento japonês do pós-guerra foram o comércio exterior e sua política cambial. A necessidade de importação de tecnologias e de suprimentos industriais era um entrave para que a economia se deslanchasse. Dessa forma, o esforço exportador sempre esteve presente nas preocupações das autoridades japonesas. Ao fixar a paridade com o dólar na base de 360 ienes, em 1950, o que significava uma desvalorização de aproximadamente 36% frente à cotação de 1948, os japoneses contavam com uma moeda desvalorizada que, aliada aos baixos salários, compensava a então baixa produtividade da indústria do país. Vale ressaltar que a cotação de 360 ienes por dólar persistiu até 1971, por conta do Acordo de Bretton Woods. Ao manter a paridade fixa, o Japão avançava ainda mais nos mercados internacionais porque à cotação desvalorizada se somava os ganhos de produtividade e o aumento da inflação nos principais países importadores, notadamente os EUA.

Nos primórdios da recuperação, os têxteis representavam 37,5% do total das exportações, reduzindo esta participação para 5% em 1975. Nesse período, em que a máquina exportadora foi mostrando sua eficiência, assistiu-se a uma notável modificação na pauta exportadora, ao se agregar sofisticação e valor aos produtos. Notou-se nesse período a expansão da oferta de aço, navios,

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automóveis, máquinas e eletro-eletrônicos. No que tange às importações, matérias-primas e combustíveis representaram, nesse período, aproximadamente 50% do total. Ao observar as estatísticas de comércio (NAKAMURA, 1985), verifica-se que os elevados superávits comerciais do Japão foram um fenômeno mais recente, das décadas de 1970 e 1980, contrastando com o período de restrição externa na fase de decolagem.

Do ponto de vista das políticas fiscal e monetária, o esforço japonês de tentar controlar a inflação jamais significou o sacrifício do desenvolvimento. Entre 1948 e 1962 a taxa média de inflação ao nível do consumidor foi de 5,54% a.a (IPEADATA), mas nem por isso o governo adotou uma política macro-econômica restritiva. O Banco do Japão sempre propiciou os recursos necessários para a expansão da capacidade produtiva do país. O constante suporte do governo às atividades privadas revelava, conforme salienta Guillain, a simbiose de interesses entre o governo japonês e o mundo empresarial, conforme segue:

Ainda hoje [1969] o objetivo número um da política nacional é o desenvolvimento industrial, e as empresas particulares podem, pois considerar-se como sendo, sob muitos aspectos, os agentes dessa política nacional. Desaparece, assim, em certa medida, a fronteira entre o setor público e o privado, entre a política e a economia. (...) Entre repartições públicas e firmas comerciais estabeleceram-se relações de parceiros. (GUILLAIN, 1970:72)

Aliado a essa simbiose, merece destaque o fato de que o peso do setor público era relativamente baixo se comparado a outros países industrializados. Em 1968, os gastos públicos se situavam em 11,5%, enquanto que nos Estados Unidos e na Grã Bretanha este número era de 26% e 34%, respectivamente. De certa forma, isso contribuiu ainda mais para a ocorrência de maiores taxas de acumulação no momento da recuperação

Em linhas gerais, são essas as principais características da experiência japonesa que serviram de modelo para outros países da região. Boltho e Weber (2009) sintetizam as características desse modelo asiático, do qual são enfatizados os seguintes aspectos:

a) Uma ênfase quase constante na importância para o crescimento rápido do investimento, do setor industrial e da competitividade externa, ênfase que pode ser traduzida no intervencionismo na indústria, no comércio exterior, nas finanças e em outras políticas;

b) Uma concomitante crença nas virtudes de uma economia competitiva, na qual as firmas, quando protegidas frequentemente das empresas

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estrangeiras e de recessões, poderiam estar aptas para se proteger de rivais domésticos e de outros concorrentes no mercado mundial;

c) Um amplo arsenal de políticas macroeconômicas sensíveis e apropriadas, visando normalmente a busca do equilíbrio orçamentário, ou mesmo o superávit, e tentando impedir elevadas e variáveis taxas de inflação;

d) Um número de condições prévias favoráveis mais amplas, de natureza socioeconômica e política, tais como populações homogêneas (com lento crescimento), altos níveis formação de capital humano, distribuição de renda equitativa (graças em parte às reformas agrárias prévias), burocracias competentes e os governos razoavelmente autoritários com muito dos períodos considerados aqui.

Tendo em vista os apontamentos realizados, mesmo considerando a grande simplificação esquemática, passemos para a análise do modelo chinês, buscando elementos para verificar as similitudes e diferenças frente à experiência de outros países da Ásia Oriental.

3 – A “economia socialista de mercado” e o modelochinês de desenvolvimento

A economia chinesa tem crescido a elevadas taxas e de maneira sustentada desde o início das reformas, em 1978. Nesses 30 anos, o país superou o Japão como segunda potência econômica, viu seu produto interno bruto aumentar mais de 12 vezes e sua participação no comércio internacional subir de 1% para 10%. A renda per capita aumentou mais de 10 vezes e o nível de urbanização saltou de 20% para quase 50%. Também nesse período, assistiu-se ao maior deslocamento humano da História, em que 150 milhões de chineses abandonaram o campo e se deslocaram para as novas indústrias instaladas nas províncias costeiras de Guangdong, Fujian, Zhejiang, Shandong, Jiangsu e Xangai.

Antes de discutirmos as similaridades nos processos de desenvolvimento, é importante ressaltar algumas importantes especificidades chinesas: (a) a enorme população de 1,35 bilhão de pessoas que ao menos tempo que é uma grande fonte de mão de obra e mercado consumidor, também demanda vultosos recursos financeiros, materiais e naturais para sua manutenção; (b) o sistema político baseado no predomínio do Partido Comunista Chinês, que muitas vezes se confunde com a estrutura do Estado; (c) um Estado nacional capaz de defender a sua soberania, até mesmo com o uso de armas estratégicas, diferentemente de seus vizinhos; (d) um sistema econômico híbrido,

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caracterizado pela transição rumo a uma economia de mercado, mas com fortes instrumentos estatais de controle; (e) uma bem-sucedida estratégia de inserção na economia globalizada, cujo auge foi o ingresso na OMC, em 2001.

O processo chinês de transição de uma economia centralmente planificada para uma economia de mercado foi bem menos traumático do que em outros países em situação similar. Vale lembrar que enquanto os países da Europa Oriental enfrentaram grandes dificuldades ao adotarem (ou serem forçados a adotar) as políticas de tipo “terapia de choque” - sob inspiração do “Consenso de Washington” - que levaram ao fim abrupto do antigo sistema por meio de um processo de privatização completamente danoso para os interesses nacionais desses países, a liderança chinesa manejou a transição de forma empírica ou, com dizem os próprios chineses “atravessando o rio tateando as pedras”. Mesmo em momentos críticos, como durante os incidentes de maio-junho de 1989, ou ainda depois da ruptura da União Soviética em agosto de 1991, a liderança não perdeu as rédeas do processo. As experiências bem-sucedidas em uma região ou em um setor específico foram incorporadas e reproduzidas em outras situações. O que falhava era imediatamente abandonado. O sucesso era balizado pelo aumento da produtividade e pelo cumprimento de metas gerais incluídas num planejamento quinquenal.

Ademais, é importante assinalar que a “decolagem” chinesa, a partir de 1978, não surgiu do nada. Pelo contrário, durante o período de economia planificada, foram criadas as bases para a etapa subsequente na medida em que setores importantes da indústria pesada já estavam em estágio avançado de desenvolvimento, como os setores siderúrgico, petroquímico, mecânico, energético, transportes, entre outros, que serviram de base para o aprofundamento da industrialização. Como em experiências similares entre os países socialistas, o processo de acumulação industrial ocorreu em detrimento do setor agrícola, que fornecia capitais e outros recursos para o “desenvolvimento das forças produtivas” (NOVE, 1988).

Tendo por base os aspectos salientados da experiência japonesa como um “tipo ideal” de um modelo asiático, iremos analisar cada um deles à luz da experiência chinesa, conforme segue:

a) O papel do planejamento

De maneira similar ao Japão ou à Coréia do Sul, o desenvolvimento chinês pós-1978 decorreu de um mix de coordenação estatal e mecanismos de mercado, sendo que o Estado viabilizava as condições para o desenvolvimento do setor privado.

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Na China, as reformas iniciadas em 1978, conforme ressaltamos, visavam construir uma estratégia de desenvolvimento econômico sem bruscas rupturas com a herança política e ideológica do Partido Comunista, qual seja, o marxismo-leninismo e o maoísmo. De forma similar, não significava abandonar certas características políticas e culturais do ambiente social que a China Imperial ajudou a moldar, especificamente o dirigismo que permeava outras sociedades do Extremo Oriente. Tais pressupostos seriam as bases da “Teoria do Socialismo com Características Chinesas”, que, conforme salienta Heitor Romana (2005:57), estava assentada em cinco pontos-chaves:

1. “O desenvolvimento como estratégia de fundo, devendo tudo estar subordinado àquele propósito;

2. Pragmatismo ideológico expresso na tese da ‘procura da verdade

através dos fatos’;

3. O gradualismo. Deng [Xiaoping] concebe as reformas como um

processo com prioridades;

4. O nacionalismo. Deng considera que a China deverá ocupar o lugar a

que tem direito no contexto internacional;

5. Um Estado forte que promova a modernização e que resista às pressões

internas e externas.”

Nesse sentido, a administração econômica foi gradativamente modificada

para transformar uma economia centralmente planificada numa economia de

mercado. As experiências da parcelização das Comunas agrícolas, e a

consequente instituição da responsabilidade familiar, aliada à criação de Zonas

Econômicas Especiais, foram as bases do processo. Na medida em que as

experiências eram exitosas, o processo de abertura e mercantilização era

intensificado. Ressalte-se que durante muitos anos o governo soube lidar com a

um sistema híbrido de preços, no qual os controles governamentais eram

gradativamente substituídos pela liberalização. A Comissão Estatal de

Planejamento, atual Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma,

diretamente vinculada ao Conselho de Estado, foi a responsável por

transformar um planejamento rígido em um planejamento flexível. Atualmente,

dentre as funções da Comissão (2010), podemos destacar:

a) Formular e implementar estratégias nacionais de desenvolvimento

econômico e social, por meio de planos anuais e planos quinquenais,

formular metas e políticas relativas ao desenvolvimento da economia

nacional, a regulação do nível geral dos preços e otimização das

principais estruturas econômicas;

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b) Monitorar o desenvolvimento macroeconômico e social e fornecer previsões de alerta, por meio de informações e orientações ao Conselho de Estado e estudar as questões importantes sobre o desempenho macroeconômico, como o equilíbrio global, a segurança econômica nacional e a segurança industrial em geral;

c) Resumir e analisar a situação fiscal e financeira, participar da formulação das políticas fiscal, monetária e terra, e formular e implementar políticas de preços, supervisionar e fiscalizar a execução do políticas de preços, para definir e ajustar os preços de commodities importantes;

d) Dirigir, promover e coordenar a reestruturação do sistema econômico, e estudar as principais questões relativas à reestruturação dos sistemas econômicos e de abertura ao mundo exterior;

e) Planejar o layout de projetos de construção chave; formular metas, políticas e medidas relativas ao tamanho total e estrutura de investimentos em ativos fixos em toda a sociedade, organizar e coordenar os planos dedicados que envolvem investimento do governo central e os principais projetos de construção de acordo com as necessidades equilibrada; organizar despesas fiscais para a construção econômica, aprovar, autorizar e revisar os principais empreendimentos, incluindo projetos com recursos estrangeiros e projetos de investimentos chineses no exterior;

f) Impulsionar a reestruturação econômica estratégica, organizar a formulação de políticas industriais abrangentes, coordenar as questões fundamentais para o desenvolvimento das indústrias primárias, secundárias e terciárias, bem como o equilíbrio e a coordenação do desenvolvimento industrial;

g) Manter o equilíbrio global e controle de importantes commodities, formular planos sobre o volume global de importação e de exportação de importantes produtos agrícolas, produtos industriais e matérias-primas e supervisionar a implementação desses planos;

h) Coordenar as políticas de desenvolvimento social com as políticas nacionais de desenvolvimento econômico, organizar a formulação de estratégias, planos gerais e planos anuais de desenvolvimento social e participar na formulação das políticas de desenvolvimento em matéria de população e planejamento familiar, ciência e tecnologia, educação, saúde, cultura e administração civil.

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Do que se pode verificar, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma atua em aspectos macros, na formulação, implementação, controle e reavaliação das políticas econômicas traçadas pelo Conselho de Estado, em particular a formulação dos planos quinquenais, que são submetidos à Assembleia Nacional do Povo e ao Conselho de Estado. Nota-se que do ponto de vista do direcionamento e priorização de investimentos, vem funcionando de maneira similar ao MITI, durante a fase de reconstrução da economia japonesa.

b) Os grandes conglomerados estatais

Quando se analisa a estrutura de empresas na China, novamente se podem verificar certas similaridades com o modelo asiático, onde grandes grupos industriais lideraram o processo de desenvolvimento, como fizeram os kereitsu

ou os chaebols. Antes de tudo, é importante lembrar que, até o começo da década de 1980, a economia chinesa era quase que totalmente estatizada. Diferia da economia soviética por conta de um maior grau de autonomia conferida às empresas de aldeias e vilarejos. Entretanto, a indústria pesada era fortemente controlada pelo governo central e, especificamente nos setores estratégicos, dirigida pelo Exército Popular de Libertação.

A instituição dos mecanismos de mercado e também a exigência de que cada empresa pudesse sobreviver a partir de suas próprias atividades, sem subsídios estatais, levaram muitas delas a uma situação pré-falimentar. Diferentemente da fase anterior, em que apenas eram responsáveis por produzir e deixar que o Estado se encarregasse da distribuição, as empresas passaram a ter a responsabilidade de produzir e também de vender suas mercadorias. Diante disso, o governo chinês instituiu um maior grau de autonomia aos gerentes dessas empresas, de tal forma os gestores pudessem encontrar saídas independentemente das determinações das autoridades econômicas. Algumas foram bem-sucedidas, enquanto que em outras persistia a situação de penúria.

A liberação se acelerou e a formação de preços por mecanismos de mercado ganhou terreno. Em novembro de 1993, foram relançadas as reformas das empresas do Estado e foram criadas novas formas de propriedade de empresa, ao reafirmar o papel principal do setor público. O controle de muitas empresas estatais foi transferido aos gerentes e trabalhadores, enquanto que outras empresas foram transformadas em sociedades por ações (controladas pelo Estado e geridas de maneira autônoma pelos gerentes), algumas delas transferidas ao controle privado e outras simplesmente fechadas. Em 1997 o governo chinês instituiu a estratégia que ficou conhecida pelo lema de “reter

as grandes, soltar a as pequenas”. Em seu primeiro aspecto ("reter as

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grandes"), o Estado manteve debaixo de sua órbita em torno de 10.000 empresas grandes e médias, assegurando ao mesmo tempo sua reestruturação corporativa como sociedades por ações. As que deveriam ser “retidas” eram aquelas consideradas estratégicas pelo governo, como as áreas de defesa, energia, telecomunicações e transportes.

Aspecto particularmente interessante da estrutura empresarial da China surgida da estratégia de “reter as grandes e soltar as pequenas” é o papel exercido pelas empresas estatais vinculadas ao governo central, as SOEs, (acrônimo em inglês de state-owned enterprises)3. Desde 1997, verifica-se um constante processo de centralização de empresas, criando uma poderosa estrutura de pouco mais de 100 mega-conglomerados estatais que tem se convertido na espinha dorsal da economia chinesa4. Estas corporações concentram suas atividades em setores como defesa, siderurgia, aeronáutica e aeroespacial, energia elétrica, petróleo, carvão, telecomunicações, construção pesada, automobilístico, transportes, eletrônica e tecnologia da informação, comércio exterior e commodities agrícolas, mecânica pesada, equipamentos elétricos, fármacos, novos materiais, entre outros. São estas empresas que lideram a produção industrial da China ao absorver e desenvolver novas tecnologias. Também são as SOEs responsáveis pela presença crescente de multinacionais chinesas ao redor do mundo, disputando espaço com as congêneres norte-americanas, europeias, japonesas ou coreanas.

Cada SOE do Governo Central funciona como uma holding, que lidera dezenas de empresas que atuam em diferentes atividades de um mesmo setor, tanto de maneira isolada como por meio de joint-ventures com empresas estrangeiras. São as SOEs responsáveis pelo processo de inovação se esparrama por toda a economia. De acordo com acadêmicos e técnicos do governo chinês5, num futuro muito próximo ocorrerá uma maior concentração do capital por meio da fusão de empresas que atuam num mesmo ramo, como as automobilísticas, siderúrgicas, companhias aéreas, ferrovias e empresas de telecomunicações. O objetivo do governo central é reduzir para 80 o número de SOEs.

3 Vale destacar que existem grandes empresas estatais ao nível provincial, como a maior empresa automobilística da China, Dongfeng, da província de Hubei, ou mesmo grandes empresas de capitais privados, como a Lenovo e a Huawei, do setor de tecnologia de informação. 4 A relação das SOEs pode ser conferida no site do governo chinês: http://www.gov.cn/misc/2005-10/21/content_80894.htm . 5 Em junho de 2010 realizamos uma reunião acadêmica com profesores da Universidade de Hubei e técnicos da State-owned Assets Supervision and Administation Commission (SASAC), além de entrevistar o Prof. Luo Zhangwei, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, em 01/07/2010, no qual foi ressaltado o interesse do governo em reduzir para 80 o número de SOEs vinculadas ao Governo Central.

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c) mercado de trabalho

Existem também certas similaridades entre a estrutura do mercado de trabalho no período de takeoff tanto de Japão, quanto de Taiwan ou da Coréia do Sul. Nesse período, ora por conta da derrota na II Guerra (Japão) ou por conta de uma situação de atraso econômico, havia uma grande massa (relativa) de trabalhadores desmobilizada ou subempregada em setores de menor produtividade. Isso viabilizava a oferta de trabalhadores para as atividades urbanas, como a indústria e a construção civil, ao mesmo tempo em que pressionava para baixo os níveis salariais, proporcionando elevadas taxas de acumulação para os setores empresariais.

Na China, no início das reformas, a população registrada como camponesa atingia cerca de 80% do total, dedicada quase que exclusivamente a atividades agrícolas de baixa produtividade. Em princípio, ao parcelar as antigas comunas, instituídas no período do Grande Salto Adiante (1958-60), a população camponesa passou a trabalhar em estruturas familiares em que podiam vender o excedente de sua produção (do que tinham de vender a preços fixos ao Estado) diretamente no mercado, a preços livres.

No entanto, na medida em que a experiência das Zonas Econômicas Especiais se consolidava, iniciou-se um grande fluxo migratório do campo para as cidades litorâneas, o que permitiu o avanço da industrialização sem maiores pressões sobre os custos salariais. Ademais, devido ao fato de que os trabalhadores migrantes continuavam ligados aos seus distritos de origem por meio do tradicional dispositivo do hukou

6, muitos dos encargos necessários à

sobrevivência dos trabalhadores acabaram sendo assumidos pelas empresas, como dormitórios, refeitórios, hospitais e áreas de lazer. Com isso, os salários nominais seriam mantidos num nível ainda mais baixo.

É importante ressaltar que a força de trabalho da China não se restringe a trabalhadores sem qualificação que se deslocam do campo. O sistema educacional chinês vem incorporando grande parte da população, ao garantir a educação básica a todos os alunos dessa faixa etária. Apesar de público, o ensino médio e universitário é pago, mas ainda assim as famílias se esforçam para bancar a formação de seus filhos, segundo os preceitos da doutrina confuciana. Em 2009, 113,5 milhões de crianças frequentavam o ensino

6 Hukou. É o sistema chinês de registro dos indivíduos, que vincula a pessoa a seu local de nascimento. Desde os tempos imperiais, a migração da população rural vem sendo controlada pelo governo. Isto ainda persiste na China de hoje, já que o governo teme que o fim do dispositivo acabe por criar um inchaço indesejável das cidades, podendo levar a eclosão de cinturões de miséria e ao aumento da insegurança pública. Recentemente, o governo da China sinalizou a flexibilização do hukou para se adequar ao fato de que cerca de 150 milhões de migrantes já não mais se sentem tão vinculados aos seus locais de origem.

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fundamental. Outros 20 milhões de jovens estavam na universidade e outros 1,3 milhão cursavam a pós-graduação (NBS, 2010). Conforme discutiremos mais adiante, este manancial de pessoas com qualificação crescente poderá viabilizar a China como uma potência tecnológica nas próximas décadas.

Dadas essas condições, apesar do aumento da escolaridade entre os chineses, seus salários dificilmente atingirão os patamares de seus congêneres nos países ocidentais e no Japão. Essa situação tenderá a proporcionar à China uma dupla vantagem em relação aos atuais países desenvolvidos: apresentará vantagens comparativas tanto em produtos intensivos em mão de obra, como também em produtos e serviços intensivos em capital e tecnologia.

Diferentemente da experiência dos vizinhos, a China pode continuar crescendo sem que seu dinamismo seja comprometido por expressivos aumentos salariais que nos outros países da região implicou no deslocamento de atividades produtivas intensivas em mão de obra para os países de menor rendimento, do qual a própria China se beneficiou. As dimensões do território e da população podem levar as empresas e/ou os trabalhadores a se deslocarem dentro da China sem a necessidade de terceirizar atividades em outros países com renda ainda menor, como Vietnam ou Laos. Desde o início das Reformas, o fluxo migratório dentro da China atingiu cerca de 150 milhões de trabalhadores. Uma ideia do que isso significa, é só observar o colapso dos meios de transporte da China às vésperas das festas do Ano Novo Lunar, que dura 15 dias, em que os trabalhadores migrantes retornam para suas aldeias para se confraternizar com a família. Atualmente, a população formalmente registrada no campo se situa em torno de 721milhões de pessoas, o que compõe um expressivo “exército industrial de reserva” latente, como definiu Marx em “O Capital”.

d) comércio exterior e câmbio

O papel exercido pelo comércio exterior no recente modelo de desenvolvimento chinês possui muitas similaridades como o que ocorrera no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan, nas suas fases de decolagem, mesmo a China possuindo um extenso território e grandes reservas de recursos naturais, algo que os aqueles não possuíam.

Desde que o país abandonou a perspectiva maoísta de “autossuficiência”, ainda no começo da década de 1970, a construção de uma plataforma de exportações foi o instrumento utilizado para a obtenção de divisas, fator necessário para a compra de bens de capitais, soluções tecnológicas e de matérias-primas, oque vem possibilitando a modernização da indústria chinesa e também a expansão do mercado interno. É importante esclarecer que o

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processo de abertura não significou a derrubada total de proteção às empresas locais nem a importação desenfreada de produtos estrangeiros. Diferentemente do que ocorreu na América Latina e nas ex-repúblicas socialistas da Europa Oriental, o governo selecionou os investimentos estrangeiros de acordo com o interesse nacional chinês, abrindo os setores que necessitavam se modernizar mais rapidamente e controlando os setores considerados estratégicos.

Por outro lado, a “máquina exportadora” chinesa está ancorada, como nos países que adotaram o “modelo asiático”, no binômio baixos custos – câmbio

desvalorizado. Além das características do mercado de trabalho, as vantagens exportadoras do país abrangem a grande escala de produção, a oferta de crédito a juros baixos, baixas taxas de lucro, o suprimento de bens essenciais e infraestrutura por parte do Estado e, não menos importante, uma taxa de câmbio controlada pelo governo e atrelada ao dólar dos Estados Unidos. Por conta disto, na medida em que os EUA buscam hoje [2010] aumentar sua competitividade internacional ao desvalorizar sua moeda, acaba por potencializar também as exportações chinesas.

Vale ressaltar que a questão cambial é bastante sensível para as autoridades chinesas. Em primeiro lugar, uma valorização abrupta, da ordem de 20%, poderia inviabilizar a lucratividade de muitas indústrias chinesas. Kinge (2007:100) faz referência a empresas cuja lucratividade se situa entre 2 e 3% a.a.! Soma-se a isto outra preocupação: o receio de criar uma crise similar a que abateu o Japão no final da década de 1980 (CBN, 2010). É importante lembrar que a origem da estagnação japonesa estaria no Acordo do Plaza, de 1985, quando o FED dos EUA forçou japoneses e alemães a valorizarem suas moedas - o que comprometeu a competitividade das mercadorias japonesas (forçando as empresas nipônicas a migrar parte de sua produção para outros países da Ásia) – e também levou à criação de uma bolha financeira, valorizando artificialmente ativos no país.

Conforme descreveu Greider (1997: 129), quando o dólar caiu do patamar de 100 ienes, em 1995, a Toyota Motors lucrava apenas U$50,00 por cada modelo de luxo Lexus vendido nos Estados Unidos, enquanto que o lucro da Chrysler era de cerca de U$1.200,00 por carro similar. Deve-se considerar também as experiências da Coréia do Sul e dos países do Sudeste Asiático, durante a crise financeira de 1997/1998, decorrentes de bolhas criadas pela valorização das moedas locais, que minaram o dinamismo econômico dos chamados “Tigres” e “Gansos” asiáticos. A consciência desses eventos faz com que a liderança chinesa resista ao máximo às pressões por valorização do yuan renmimbi, apesar do gigantesco volume das reservas internacionais do país, em torno de 2,5 trilhões de dólares.

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A expectativa é o que a China gradativamente reverta o motor de seu crescimento ao priorizar o mercado interno, algo que vem sendo posto em prática tanto pelo vultoso pacote de investimentos adotado em novembro de 2008, como também pelos delineamentos do XII Plano Quinquenal, que abrangerá o período de 2011-15, cujo mote é o “crescimento inclusivo”, ao prever maiores investimentos nas áreas sociais, de desenvolvimento limpo, energias renováveis e recuperação ambiental, com vistas a minorar os impactos negativos do desenvolvimento acelerado das últimas décadas.

e) poupança e investimento

Outro aspecto que merece reflexão pela similaridade do modelo chinês com o “modelo asiático” diz respeito à grande taxa de investimento no país. Dados do National Bureau of Statistics da China (NBS), entre 2007 e 2009, indicam que a taxa de formação bruta de capital foi de 55%, 57% e 67%, respectivamente. Os números de 2009 foram potencializados pelo “pacote” de US$ 600 bilhões de dólares lançado pelo governo para amenizar os efeitos da crise financeira.

A origem dos recursos para a formação de capital são os reinvestimentos das empresas, os empréstimos do sistema bancário controlado majoritariamente pelo governo, a capitalização em bolsas de valores cada vez mais importantes, como Xangai, Shenzhen e Hong Kong, os investimentos diretos externos e a poupança das famílias. Nesse aspecto, a cultura confuciana, os baixos níveis salariais, o câmbio desvalorizado e o desmonte do sistema de proteção social herdado do período maoísta são responsáveis pelo elevado nível de poupança das famílias chinesas. Necessidades como a educação superior dos filhos, a eventualidade da doença e ainda as vicissitudes da velhice fazem com que os chineses refreiem o consumo, tal como se verificou no Japão e na Coréia do Sul depois dos conflitos em que estiveram envolvidos. Essa situação pode se reverter na medida em que o governo reconstruir um sistema universal de bem-estar social, algo que está em curso.

f) ciência e tecnologia

A ciência e a tecnologia se encontram no centro da estratégia chinesa de desenvolvimento, como também estiveram em outras experiências asiáticas. Desde a década de 1970, as lideranças chinesas adotaram a política das “Quatro Modernizações”, que abrangia os setores agrícola, industrial, de defesa e ciência e tecnologia. Por conta disso, não é de se estranhar que 30 anos depois de iniciado o processo de reforma a China colha hoje os frutos de sua persistência. Isto se reflete no avanço da ciência básica como nas tecnologias

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de produção. É importante constatar que os produtos chineses não se reduzam mais àqueles de baixa intensidade tecnológico, dependentes de mão de obra barata e sem qualificação. A China vem avançando na escala de agregação de valor em sua estrutura produtiva.

Em parte, o sucesso chinês decorre de estratégias de “engenharia reversa”, viabilizada pela exigência que o governo faz às empresas multinacionais que buscavam se instalar no país. Ao oferecer acesso ao mercado interno, baixos custo de produção e isenções tributárias, o governo exigia que as empresas estrangeiras montassem laboratórios de pesquisa no país e formassem quadros técnicos locais para operar novas tecnologias. Mas, para tanto, o país já deveria possuir uma mínima estrutura educacional e científica não só para incorporar tais inovações, mas também para criar soluções novas a partir daquelas.

Nesse sentido é que se compreende a ênfase na educação como uma estratégia para o desenvolvimento. De acordo com o National Bureau of Statistics (NBS, 2010) a cada ano a China forma aproximadamente 5 milhões de universitários, dos quais aproximadamente 500 mil são ligados à área de engenharia (COLVIN, 2010). Em 2009, 345 mil estudantes concluíram a pós-graduação e uma quantidade expressiva de estudantes chineses se desloca para os Estados Unidos e para a Europa na busca de formação mais qualificada. Apesar disso, enquanto os EUA formam 8.000 doutores em engenharia por ano, a China já está formando 10.000. Tal situação aponta para um futuro em que as vantagens da China se estenderam da manufatura para o segmento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), sem que implique a “desindustrialização” do país. Há cinco anos, Kinge (2007: 161) colocava o desenvolvimento tecnológico chinês nestes termos:

Embora o gasto doméstico em P&D seja limitado, alguns programas nacionais de ciência têm sido surpreendentemente bem-sucedidos. O mais famoso é o programa espacial, depois do sucesso do cosmonauta Yang Liwei em órbita espacial em 2004. Na área de supercomputadores, a construção de computadores poderosos para ajudar em pesquisa científica aplicada, o progresso também tem sido impressionante. Uma década atrás, a China não tinha um único supercomputador classificado entre os quinhentos mais avançados do mundo. Mas, no final de 2003, tinha nove, e o mais rápido deles, o DeepComp 6800, construído pela LENOVO, foi classificado como décimo - quarto. Sua biotecnologia é também de nível mundial em algumas áreas. Os cientistas locais estão desenvol-vendo uma tecnologia segura de “cama de pedras” para usinas elétricas nucleares e uma tecnologia de “carvão limpo” que pode

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permitir que a China obtenha energia com emissões de carbono imensamente reduzidas.

Avançando um pouco na história, as conquistas chinesas nessa área são expressivas. De acordo com as estatísticas oficiais (NBS, 2010), em 2009 a China despendeu aproximadamente 1,6% de seu PIB em gastos com pesquisa e desenvolvimento (P & D), num montante de 543,3 bilhões de yuans. Desse total, 27,2 bilhões de yuans foram apropriados para programas de pesquisa básica. Nesse ano, estavam em funcionamento 127 centros nacionais de pesquisa em engenharia e 85 laboratórios nacionais de engenharia. No final de 2009, o número de patentes em vigor na China foi 1,520 milhões, dos quais 1.193 mil foram patentes domésticas, representando 78,5 % do total. Já o montante de patentes em vigor para as invenções foi de 438 mil, das quais 180 mil foram chinesas, representando 41,1 %. Também foram firmados 214 mil contratos de transferência de tecnologia, que representou o valor de 303,9 bilhões de yuans, um aumento de 14,0 % frente a 2008. O ano de 2009 assistiu ao lançamento exitoso de seis satélites e também da sonda Chang'e I, inteiramente desenvolvida na China, que pousou no solo lunar com tecnologia própria. Outra conquista foi o desenvolvimento do supercomputador petaflop Galaxy 1, que foi desenvolvido inteiramente com tecnologia chinesa, útil para pesquisas de ponta nas áreas civil e militar. Ainda merece destaque o desenvolvimento nas áreas de metrologia, certificações e normatização, que tem contribuído para a melhoria dos processos produtivos e da qualidade dos produtos MADE IN CHINA.

Concluindo esta seção, podemos intuir que nos próximos anos assistiremos à emergência na economia mundial de grandes corporações chinesas desenvolvendo produtos e serviços de alta tecnologia, tal como hoje convivemos com marcas globais como SONY, Toyota, Mitsubishi, Samsung, Hyundai, Kia, LG, ACER, entre outras. Aparentemente, os passos da China seguem os caminhos traçados por seus vizinhos.

Considerações Finais

Conforme advertimos na introdução deste trabalho, a China é única e seu modelo de desenvolvimento atende às especificidades do país. No entanto, isto não significa afirmar que experiências bem-sucedidas no processo de alavancagem de Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong não acabaram por influenciar as escolha da elite dirigente chinesa durante o processo de modernização iniciado em 1978.

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Em aspectos como o papel do planejamento estatal em guiar os rumos da economia, na estrutura de concentração de capital, no perfil do mercado de trabalho no período do takeoff, na orientação da economia para o mercado externo e na absorção e desenvolvimento de novas tecnologias, podemos constatar muitas similaridades entre o processo chinês e o de seus vizinhos.

No entanto, uma diferença que deve ser pontuada, é que o processo de desenvolvimento da China tende a superar os impactos regionais e assumir um papel de proeminência na economia mundial nas próximas décadas. Antes de se criar um novo “Japão”, o processo de modernização chinês está gestando um novo ciclo sistêmico de acumulação, tal como o definiu Arrighi (1996), apontando para o futuro a suplantação da hegemonia norte-americana.

Por fim, advertimos ao leitor que este texto, antes de encerrar o assunto, busca estimular a discussão sobre modelos de desenvolvimento, particularmente quando o Brasil se encontra diante de grandes e promissores desafios. Com mais pragmatismo e menos dogmatismo, do tipo que restringiu nosso crescimento desde 1980, talvez pudéssemos alavancar os anseios do povo brasileiro por um desenvolvimento econômico e social mais equitativo.

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