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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E
LITERATURAS - LICENCIATURA
ROSANA CRISTINA LIMA DA SILVA
ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
Conceição do Coité
2012
ROSANA CRISTINA LIMA DA SILVA
ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
Conceição do Coité
2012
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Educação da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB – Campus XIV), no curso
de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e
Literaturas – Licenciatura, como parte do processo
avaliativo para obtenção do Grau de Graduação em
Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e
Literaturas – Licenciatura
Orientadora: Prof.ª Dr. Cristina dos Santos
Carvalho.
“[...] A língua é um tipo de comportamento estreitamente
social, assim como tudo numa cultura [...] Por trás de uma
aparente ausência de regras do fenômeno social, existe uma
regularidade na sua configuração que é tão real quanto
aquelas dos processos físicos do mundo mecânico... Uma
língua é sobretudo um produto social e cultural e como tal
deve ser entendida...” (Edward Sapir).
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é especialmente dedicado à minha
orientadora Profª Cristina Carvalho e à minha querida
colega Camila Mascarenhas, companheiras inesquecíveis,
sempre presentes na realização deste sonho.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a DEUS, minha força, sustento, consolo e razão do meu
viver durante toda essa jornada e por toda minha vida. Amo ao Senhor,
meu Salvador e a Ele toda honra, toda glória para sempre, amém.
Aos meus queridos pais, JOSÉ ROMEU DA SILVA e LAURIMAR LIMA
DA SILVA, pelo companheirismo, pela força, pela paciência, por todo
esforço, incentivo e pela educação maravilhosa que me transmitiram,
fazendo com que eu crescesse em sabedoria e bom caráter. Amo-os com
tudo que tenho e com tudo que sou.
À minha irmã LAURA, à minha sobrinha linda DÉBORAH, pela
compreensão e ajuda e pelo carinho durante essa conquista. Amo vocês.
À minha querida orientadora CRISTINA CARVALHO por toda paciência,
generosidade, dedicação e sabedoria. Obrigada por me ajudar, por me
amparar nesta caminhada. Sinto-me muito feliz pelo possível e o
impossível que fez para que eu pudesse chegar a realizar esse sonho.
Ao professor DEIJAIR FERREIRA, por contribuir e também por se dedicar
na elaboração da minha pesquisa.
Às minhas inesquecíveis amigas ELIANE, MÔNICA E KELLY, minhas
companheiras, meus pontos de apoio nas horas difíceis. Amigas para
sempre, amo-as demais.
A MARCELO motorista, por toda paciência, dedicação e amizade que me
possibilitou chegar até aqui.
A todos que, de alguma maneira, fazem parte da minha história e que,
direta ou indiretamente, me ajudaram a conquistar este sonho.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar as três estratégias de relativização e os parâmetros linguísticos e extralinguísticos que favorecem o uso dessas construções na fala popular de Salvador. Neste estudo, são utilizados como base teórico-metodológica os postulados da Teoria da Variação Linguística, que tem como precursor William Labov. O corpus da presente pesquisa é constituído por dezesseis inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador (PEPP), desenvolvido na Universidade do Estado da Bahia e coordenado pela Profª Norma Lopes. Para a análise do fenômeno variável em questão, foram controlados os seguintes fatores linguísticos: o traço de animacidade do referente e a função sintática do relativo. Quanto aos fatores sociais, foram selecionados gênero/sexo, faixa etária e grau de escolaridade. Os resultados obtidos na pesquisa evidenciam que, dentre as três estratégias analisadas, a relativa cortadora é a que aparece em maior ocorrência no corpus. Também demonstram que há um maior índice de atuação sobre essa variante dos parâmetros função sintática do relativo e grau de escolaridade, ratificando hipóteses aventadas na pesquisa. Assim, constata-se que a variação investigada acontece com a interferência de critérios tanto sociais como estruturais, o que confirma a afirmação de que há uma relação intrínseca entre língua e sociedade.
Palavras-chave: Estratégias de relativização; Teoria da Variação Linguística; Variáveis linguísticas e sociais.
ABSTRACT
The present work aims to analyze the three strategies of relativization and the linguistic and
extralinguistic parameters that favor the use of these constructions in popular speech of
Salvador. In this study, are used theoretical and methodological base the postulates of the
Theory of Linguistic Variation, whose precursor William Labov. The corpus of this research
consists of sixteen surveys of the Studies Programme of the Portuguese Popular of Salvador
(PEPP) developed at the Universidade do Estado da Bahia and coordinated by the teacher
Norma Lopes. For the analysis of variable phenomenon in question were checked the
following linguistic factors: the trace of the referent animacy and syntactic function of the
relative. As for social factors, were selected gender/sex, age and educational level. The
results obtained in the survey show that among the three strategies analyzed, the relative
cutter is the one that appears in greater abundance in the corpus. They also demonstrate
that there is a higher rate of activity on this variant of the parameters on the syntactic function
and educational level, confirming hypotheses proposed in the research. This way, it appears
that investigated variation happens to the interference of both social and structural criteria,
which confirms the claim that there is an intrinsic relationship between language and society.
Keywords: Strategies of relativization; Theory of Linguistic Variation, linguistic and social
variables.
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS.........................................................................................................
LISTA DE GRÁFICOS.......................................................................................................
INTRODUÇÃO...................................................................................................................
09
10
11
CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................. 13
1.1 Sociolinguística: breve histórico, objeto de estudo e postulados teóricos................... 13
1.2 O fenômeno da variação......................................................................................... 16
1.3 Fenômenos linguísticos variáveis e influência de parâmetros linguísticos e
sociais................................................................................................................................
CAPÍTULO 2: METODOLOGIA.........................................................................................
20
23
2.1Corpus da pesquisa......................................................................................................
2.2 Observação e análise dos dados................................................................................
2.2.1 Variável dependente.................................................................................................
2.2.2 Variáveis independentes..........................................................................................
2.2.2.1Parâmetros linguísticos e hipóteses......................................................................
2.2.2.2 Parâmetros sociais e hipóteses.............................................................................
23
24
25
26
26
27
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE DADOS.................................................................................
3.1 Variáveis linguísticas.................................................................................................
3.2 Variáveis extralinguísticas ........................................................................................
CONCLUSÃO.....................................................................................................................
30
32
35
40
REFERÊNCIAS
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – As três estratégias de relativização no corpus de língua falada (PEPP – SSA).......................................................................................................................... 30
Tabela 2 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator animacidade do referente.......................................................................................... 33
Tabela 3 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator função sintática do relativo................................................................................................... 34
Tabela 4 – Distribuição das estratégias de relativização em função do gênero/sexo dos informantes........................................................................................................ 36
Tabela 5 – Distribuição das estratégias de relativização em função do nível de escolaridade dos informantes.................................................................................... 37
Tabela 6 – Distribuição das estratégias de relativização em função da faixa etária dos informantes......................................................................................................... 38
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Distribuição das estruturas relativas na amostra..................................... 31
11
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem-se observado que estudiosos na área da língua
portuguesa se debruçam, com intensidade, sobre questões que remetem à variação
linguística. Essas questões são basicamente fundamentadas a partir do ponto de
vista da Sociolinguística que, entendida como uma subárea da Linguística, trabalha
com a língua falada, admitindo que esta é heterogênea.
Vale mencionar que, ao estudar a língua falada, a Sociolinguística leva em
consideração o contexto social em que os falantes estão inseridos; isso ocorre
porque o objeto de estudo desta subárea é a língua usada por uma comunidade de
fala.
Na língua portuguesa (e, mais especificamente, na fala popular de Salvador),
têm sido realizados estudos que dizem respeito a fenômenos variáveis sintáticos;
dentre esses fenômenos, ressaltam-se as estratégias de relativização. Esse
fenômeno apresenta as seguintes possibilidades de construção sintática: (a) a
relativa padrão, a qual é aceita pela gramática normativa (01), (b) a relativa
copiadora (02) e (c) a relativa cortadora (03), consideradas não-padrão.
(01) Esse é um filme de que gosto muito.
(02) Esse é um filme que eu gosto muito dele.
(03) Esse é um filme Ø que eu gosto muito.1
Baseado nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista, este trabalho
pretende analisar as construções relativas e os parâmetros linguísticos e
extralinguísticos que favorecem o uso dessas construções no português brasileiro.
Para tanto, foram utilizados como corpus dezesseis inquéritos do Programa de
Estudos sobre o Português Popular de Salvador (PEPP), desenvolvido na
Universidade do Estado da Bahia. A opção por esse corpus justifica-se pela
1 Exemplos retirados de Bagno (2004).
12
necessidade de se conhecer a realidade linguística observada na fala dos não
universitários no que se refere a uma variação no nível sintático do português falado
no Brasil (mais especificamente, na cidade de Salvador).
Ao se considerarem os seus pressupostos teóricos, o fenômeno linguístico
examinado e a natureza do corpus, com esta pesquisa, procura-se, mais
especificamente, investigar: (a) qual das estratégias de relativização tornou-se
“preferencial” na fala popular de habitantes de Salvador; (b) dentre as estratégias
não-padrão, qual a mais empregada por esses falantes; (c) que fatores – linguísticos
e sociais - motivam esses falantes a usarem mais uma estratégia do que a outra.
Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, apresenta-se o
referencial teórico, destacando-se o objeto de estudo e os postulados teóricos da
Sociolinguística Variacionista, os tipos de variação linguística e a influência de
parâmetros linguísticos e sociais nesse fenômeno. No segundo capítulo, abordam-se
os procedimentos metodológicos adotados tanto na observação dos dados como na
análise dos mesmos. No terceiro capítulo, realiza-se a análise quantitativa dos
dados, identificando, entre as variáveis linguísticas e extralinguísticas controladas na
pesquisa, quais são as de maior relevância para o fenômeno estudado. Em seguida,
expõem-se as considerações finais sobre o fenômeno analisado e os resultados
alcançados ao final da pesquisa. Por fim, apresentam-se as respectivas referências.
Sabe-se que, embora já existam estudos (Bagno, 2004; Mollica, 2003; Tarallo,
1983, entre outros) relacionados às três estratégias de relativização na língua
portuguesa, esta pesquisa torna-se pertinente por considerar uma variação na
língua, presente na fala popular da cidade analisada. Dessa forma, espera-se que o
trabalho aqui desenvolvido contribua para a ampliação de conhecimentos no que diz
respeito ao estudo de um aspecto da variação sintática na modalidade falada da
língua portuguesa. Ademais, a partir dos seus resultados, poderão ser feitos estudos
comparativos do uso desse fenômeno linguístico na cidade de Salvador com os de
outras localidades.
13
CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente capítulo, como está indicado, apresenta o referencial teórico da
pesquisa, o qual está fundamentado nos pressupostos da Teoria da Variação, fixada
pelo linguista William Labov. Está distribuído em três partes. Na primeira, apresenta-
se um breve histórico da Sociolinguística Variacionista, e citam-se o objeto de
estudo e os pressupostos teóricos desta ciência na perspectiva de alguns autores
que se debruçam sobre esse assunto. Na segunda, discute-se o fenômeno da
variação linguística, buscando exemplificá-lo, sempre que possível, com dados do
português falado no Brasil. Destacam-se, no terceiro item, os parâmetros linguísticos
e sociais que interferem na variação.
1.1 Sociolinguística: breve histórico, objeto de estudo e postulados teóricos
A Sociolinguística Variacionista, também denominada como Teoria da
Variação, é um termo relativo a uma subárea da Linguística, fixado em 1964. Surge,
mais especificamente, em um congresso realizado na Universidade da Califórnia em
Los Angeles (UCSAL), o qual teve como organizador William Bright. Neste
congresso, houve a participação de uma série de estudiosos, que se tornaram
referenciais para o tradicional estudo de questões remetidas à relação entre
linguagem e sociedade (ALKMIM, 2008, p. 28).
Propõe-se também, nesse congresso, que, para a Sociolinguística, é
importante relacionar variações linguísticas observadas em comunidades de fala
com o que diz respeito às diferenças sociais dessas comunidades. O aparecimento
dessa nova área de estudo, precedido pela influência de diversos pesquisadores,
tende, então, à busca pela articulação dos aspectos linguísticos com aspectos na
categoria social e cultural (ALKMIM, 2008, p. 28). Considera-se, assim, que tais
aspectos são impossíveis de serem dissociados, já que a linguagem, o meio através
14
do qual o ser humano se comunica, constitui uma expressão do comportamento
social, por isso não está isenta das atribuições sociointeracionais.
Dentre os pesquisadores que publicaram trabalho na área da Sociolinguística
Variacionista, destaca-se o linguista William Labov, o qual aborda o papel
fundamental de fatores sociais para a explicação de uma variação linguística.
Segundo Alkmin (2008, p. 30) essa abordagem é notável no seu trabalho sobre a
comunidade da ilha de Martha‟s Vineyard, no litoral de Massachusetts, em 1963.
Nessa pesquisa, Labov estabelece relações entre fatores como idade, sexo, etnia,
ocupação e comportamento linguístico dos falantes da comunidade supracitada.
Assim, sendo precursor da Sociolinguística Variacionista, Labov atenta para
essas características, demonstrando, com bases teóricas e metodológicas, “[...] a
existência da natureza socioestrutural da linguagem [...]” (CEZARIO; VOTRE, 2008,
p. 147).
Tendo por base as pesquisas desenvolvidas por Labov, essa corrente
linguística parte do princípio de que a língua é uma instituição social e, por
conseguinte, deve ser estudada a partir do seu uso no seio de uma comunidade de
fala, não podendo ser vista como “[...] uma estrutura autônoma, independente do
contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio
de comunicação [...]” (CEZARIO; VOTRE, 2008, p. 141).
Ainda sobre a questão supracitada, Monteiro (2008), embasado na perspectiva
laboviana, sustenta a ideia de que há uma relação intrínseca entre língua e
sociedade; isso porque, para ele, a língua não é apenas um veículo pelo qual se
transmitem informações, mas um meio para que se fixe e se mantenha
relacionamentos com outras pessoas. O autor acrescenta que não é uma novidade
dizer que língua e sociedade se inter-relacionam, já que não se pode compreender
uma sem a outra, justamente porque a língua, ao ter a finalidade de promover
interação entre falantes, consequentemente pode ser explicada como uma
expressão da cultura da qual faz parte.
Monteiro (2008) explica que o nível de profundidade entre língua e sociedade
é bem maior do que o que se imagina, pois a língua, sendo entendida como um “[...]
sistema, acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os
padrões de comportamento, que variam em função do tempo e do espaço. Assim se
explicam os fenômenos de diversidade [...]” (MONTEIRO, 2008, p.16-7).
15
Tendo em vista as considerações feitas anteriormente, pode-se dizer que, em
sentido amplo, a Sociolinguística tem como objeto de estudo a língua falada,
descrita, observada dentro de um contexto social. A esse respeito, Cezario e Votre
(2008, p. 141) afirmam: “[...] A sociolinguística é uma área que estuda a língua em
seu uso real, levando em consideração as relações entre estrutura linguística e os
aspectos sociais e culturais da produção linguística [...]”.
Em sentido restrito, a Sociolinguística se interessa pela diversidade linguística,
ou seja, os sociolinguistas, ao se concentrarem na língua falada, reconhecem nesta
a heterogeneidade. Isso se justifica pelo fato de que, a partir da década de 60, com
os estudos produzidos por Labov, entre outros sociolinguistas, a heterogeneidade
linguística passa a ser considerada uma característica inerente à própria natureza da
língua, a qual possui distintas variedades em uma mesma comunidade linguística. A
esse respeito, Mollica (2003, p. 9) afirma que “a Sociolinguística [...] se faz presente
num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando
precipuamente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter
heterogêneo [...]”.
Nesse contexto, para a Sociolinguística, ao se estudar uma comunidade de
fala, é inevitável deparar-se com distintas maneiras de expressões linguísticas. E foi
justamente com o propósito de analisá-las que Labov (1972) apud Monteiro (2008)
estabeleceu um modelo teórico-metodológico no qual se objetiva compreender como
os fatores tanto estruturais quanto sociais podem influenciar um fenômeno
linguístico, mais precisamente, um fenômeno variável. Por essa razão, justifica-se,
em termos metodológicos, a determinação de fatores linguísticos e/ou
extralinguísticos (que podem atuar de forma simultânea ou isolada) em uma
pesquisa variacionista. Esses fatores serão abordados mais detalhadamente no item
três deste capítulo.
Ainda sob a perspectiva laboviana, a variação é inerente ao sistema
linguístico, é entendida como um princípio geral e universal, podendo ser descrita e
explicada mediante a correlação entre dados empíricos e o contexto linguístico e
social. (MOLLICA, 2003). Esse fato implica afirmar, conforme Monteiro (2008), que a
variação é um fenômeno essencial à natureza linguística do homem, ou seja, língua
e variação são inseparáveis, portanto, devem ser vistas com um ponto comum, já
que todas as línguas estão suscetíveis à variação.
16
Nessa perspectiva, vale ressaltar que, em uma comunidade de fala, há um
conjunto de variedades linguísticas, para as quais Alkmin (2008, p. 39) assegura que
“[...] há sempre uma ordenação valorativa [...] que reflete a hierarquia dos grupos
sociais [...]”, ou seja, existem variedades consideradas superiores ou inferiores. No
entanto, os (sócio) linguistas advertem que toda língua, toda variedade é apropriada
para a comunidade que a utiliza e, por conseguinte, é um sistema pelo qual o povo
exprime aspectos tanto físicos quanto simbólicos de onde vive. Desta forma, seria
impróprio afirmar a existência de línguas ou variedades pobres, inferiores no que se
refere ao vocabulário ou aspectos gramaticais.
Outro postulado da Sociolinguística laboviana é que mudança e variação
estão correlacionadas, no sentido de que toda mudança é resultado de uma
variação, porém nem toda variação pode implicar uma mudança.
Quanto ao fato de que a mudança é decorrente da variação, Bram (1968
apud Lemos (2008) explica que uma mudança linguística ocorre quando uma forma
variante, geralmente atrelada à condição social ou intelectual de prestígio dos
usuários de uma determinada região, é modificada por conta da necessidade desses
falantes, ou seja, uma variante sobrepõe-se em relação à outra e incorpora-se ao
sistema como fator universalizante no uso da língua.
Assim, a Sociolinguística, segundo Cezario e Votre (2008), ao examinar a
língua na sua produção real com o enfoque em fatores linguísticos e sociais, tem
contribuído para que se inscreva no âmbito da sociedade, um novo modo de “olhar”
a língua falada por indivíduos em uma comunidade de fala, mediante ao uso de
divergentes variáveis linguísticas presentes nestas comunidades.
Desde o seu surgimento, a Teoria da Variação opõe-se, portanto, à ausência
do componente social e à concepção de língua do ponto de vista estrutural e
gerativista. Considera, desse modo, a relação língua e sociedade quando trata das
variações de formas e construções em uso que decorrem de fatores internos e
externos ao sistema linguístico.
1.2 O fenômeno da variação linguística
17
A Sociolinguística, como já foi mencionado, inclui em seu escopo a
preocupação com os aspectos da estrutura linguística e social, centrando sua
atenção na língua usada no dia-a-dia, sob a perspectiva da variação em uma
determinada comunidade de fala.
Nesse sentido, em todas as comunidades de fala, existem variantes, ou seja,
distintas formas de se falar uma mesma coisa. Desta forma, sob a perspectiva dos
sociolinguistas, uma língua apresenta-se sempre variável desde que seja utilizada
por uma comunidade de fala.
Tarallo (2002, p. 11-2) assegura que “as variantes de uma „comunidade de
fala encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão vs. não-padrão;
conservadoras vs. inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas [...]”.
A variante padrão, como o próprio nome já indica, está relacionada à norma
padrão. Geralmente, é socialmente prestigiada dentro de uma comunidade de fala e
podendo ser também a variante conservadora, ou seja, aquela que primeiro surgiu
nessa comunidade. Na maior parte dos casos, essa variante tem prestígio porque
está associada a falantes e grupos de status social mais elevado. Já a variante não-
padrão tende a ser inovadora, podendo ser ou não estigmatizada socialmente. No
entanto, há situações em que essas correlações não se verificam.
Um exemplo de variação perceptível no português falado no Brasil diz
respeito às três estratégias de relativização do Português do Brasil. Nessa língua, tal
fenômeno se mostra variável porque apresenta as seguintes possibilidades de
construção sintática: a relativa padrão (01), a relativa copiadora (02) e a relativa
cortadora (03). Percebe-se, então, uma possibilidade de três construções relativas
diferentes: a primeira, além de ser padrão, é também conservadora e a de prestígio
social; as duas últimas são não-padrão e inovadoras; e, por fim, a copiadora é
estigmatizada.
(01) “[...] Depende do que faça eu me sinto mal de noite, [...]” (PEPP, Inq. 01,
p.12).2
(02) “Tinha uma professora muito boa que até hoje eu me lembro dela [...].”
(PEPP, Inq. 13, p.29)
2 Exemplos (01) a (03) retirados de inquéritos do PEPP (Programa de Estudos sobre o Português falado em
Salvador).
18
(03) “Eu até fiquei feliz outro dia Ø que eu peguei a revista da TV [...]”. (PEPP,
Inq. 12. p.25).
Em relação a essa variação no português falado no Brasil, têm sido realizados
muitos estudos (Bagno, 2004; MOLLICA, 2003, dentre outros) sobre essa temática,
em que se tem observado que os falantes têm substituído a construção relativa
padrão pela copiadora ou cortadora. A esse respeito, Bagno (2004) afirma que,
apesar de ser um uso condenado pela gramática normativa, a relativa cortadora
aparece como a preferida. Em suas pesquisas, Bagno (2004) considera a relativa
copiadora como a de menor ocorrência e, com relação à relativa padrão, é mínimo o
uso na língua falada por brasileiros cultos urbanos.
Além da classificação discutida acima, as variantes de uma língua são
observadas a partir de diversos fatores que remetem a categorias como sexo, idade,
origem geográfica e estilo, entre outras. Em função disso, o processo de variação é
descrito através de três parâmetros básicos: o geográfico, o social e o estilístico.
A variação geográfica, também denominada como diatópica, diz respeito às
diferenças distribuídas em um determinado espaço físico, entre regiões. Um
exemplo bem claro para esta variação é que, em algumas cidades do estado da
Bahia, a palavra “jerimum” é muito usada e corresponde ao uso do termo abóbora,
muito comum no Sul e no Sudeste.
A variação social, conhecida por diastrática, agrupa um conjunto de fatores da
comunidade de fala que têm a ver com o indivíduo, como nível socioeconômico,
grau de educação, idade, gênero. Um exemplo que evidencia essa variação é a
presença de [r] no lugar de [l], em encontros consonantais como “fror” (flor),
“bicicreta” (bicicleta), “prantou” (plantou).
Outra variação é a estilística ou de registro, que considera um mesmo
indivíduo em situações de comunicação diferentes - formais ou informais -, como
pode ser identificado nos exemplos a seguir:
(04) “Com licença, você poderia me emprestar esse livro, por favor?” 3
(05) “Oh, tu me empresta esse livro aí meu camarada, tu nem tá precisando
dele!”.
Pode-se observar que, na primeira situação, o falante, certamente, se
3 Exemplos (04) e (05) criados.
19
encontra em um ambiente propício ao uso de uma linguagem mais formal, por
exemplo, um ambiente de trabalho, acadêmico. Já, na segunda situação, o falante
pode estar em uma conversa com amigos, com pessoas íntimas da família, por isso
o uso da linguagem informal.
Ainda se tratando natureza de uma variação, ela pode atuar em distintos
níveis: fonético-fonológico, morfológico, sintático e lexical.
Observa-se que ocorre uma variação no nível fonético-fonológico quando há a
pronúncia de um fonema de diferentes formas, como se verifica na pronúncia da
palavra tia, que falantes nativos de algumas cidades do interior da Bahia realizam
com a oclusiva alveolar [tia] e falantes nativos da região Sudeste pronunciam com a
ocorrência como africada palatizada [tsia].
A variação morfológica ocorre quando existem, por exemplo, modificações em
algum morfema das palavras, como demonstram os vocábulos pegajoso e peguento,
que expressam uma mesma idéia, no entanto, são construídos com sufixos
diferentes.
Já a variação lexical acontece quando se faz referência a um elemento
existente no mundo que pode ser pronunciado com mais de um termo linguístico
(FIORIN, 2002, p. 122). Por exemplo, pode–se citar a realização da palavra
“jerimum” (citada anteriormente) para falantes baianos e “abóbora” para falantes
paulistanos, as duas designam um mesmo elemento.
A variação sintática está relacionada às sentenças frasais, ou seja, podem
existir duas ou mais construções sintáticas diferentes, mas que expressam um
mesmo sentido no português brasileiro (FIORIN, 2002, p. 124). Como exemplo,
podem-se citar as sentenças em que há duas maneiras de expressar negação em
nossa língua:
(06) Olha, eu não vou sair agora... 4
(07) Olha, eu não vou sair agora não...
Essas questões são essenciais para uma pesquisa variacionista, já que, para
os sociolinguistas, é pertinente verificar como fatores linguísticos e extralinguísticos
4 Exemplos (06) e (07) retirados de Beline 2002, p. 124).
20
estão correlacionados à forma de uso das variantes nos diferentes níveis de uma
determinada língua. Esta pesquisa considera como objeto de estudo um fenômeno
variável no nível sintático, que remete às possibilidades de uso de estruturas
relativas.
1.3 Fenômenos linguísticos variáveis e influência de parâmetros linguísticos sociais
Desde a fixação da Sociolínguística (1964), que se tem tornado importante
ressaltar que os sociolinguistas, a princípio Labov (1972), entre outros, têm
considerado, em maior escala, o fato de a variação ser conceituada como um
quesito próprio à natureza linguística.
Segundo Mollica (2008), uma variação, ao constituir-se um fenômeno
universal, presume a existência de formas linguísticas alternativas consideradas
como variantes (como foi mencionado no item 1.2). Essas formas alternativas
configuram um fenômeno variável (que deve constituir o objeto de estudo de uma
pesquisa variacionista), o qual é denominado de variável dependente. Neste
trabalho, trata-se das estratégias de relativização, que, como já foi exemplificado na
seção anterior, apresenta três variantes.
Em uma variável dependente, nota-se que o emprego de variantes não se dá
de forma aleatória; assim, é preciso que se levem em consideração os fatores que
condicionam a variação, isto é, as variáveis independentes. Essas variáveis se
subdividem em externas (sociais) ou internas (linguísticas).
As linguísticas são aquelas que reúnem fatores ligados a aspectos fono-
morfo-sintáticos, semânticos e lexicais da língua. Nesta pesquisa, considera-se que
um dos fatores que influencia a variação nas estratégias relativas é o traço de
animacidade do referente em relação à estratégia copiadora. Estudos sociolinguistas
(Mollica, 2003; Bagno, 2004, dentre outros) têm demonstrado que, quando o
referente do pronome relativo é [+ animado], há uma tendência ao emprego da
relativa copiadora (08).
(08) Minha menina de dezesseis ano que ela é também alta, aí todo mundo
21
dizia: “I...grande, sai da frente...”(PEPP, Inq. 36, p.146) 5.
Uma outra variável linguística que tem se mostrado relevante para as
estruturas relativas é a distância do referente. Mollica (2003), ao analisar as
construções relativas em tempo real, constatou, com base em dados da fala do
português brasileiro, que a incidência do pronome cópia (mais especificamente, do
uso da relativa copiadora) está associada a essa variável. Segundo Mollica (2003),
quando o falante tem necessidade de recuperar o referente em uma oração, não
apenas pela distância, mas para não cometer uma ambiguidade, tem preferência
pelo uso do pronome cópia, como está explicitado nas orações abaixo:
(09) O professor de matemática era o melhor da minha escola que eu
estudei na 8ª série. 6
(10) O professor de matemática era o melhor da minha escola que eu
estudei com ele na 8ª série.
Observa-se que, em (09), há uma ambiguidade em relação ao antecedente, já
que não está bem explicitado o referente do pronome, que pode ser “escola” ou
“professor”. No entanto, em (10), com a presença do pronome cópia, a ambiguidade
deixa de existir, pois é possível indicar, com exatidão, qual o referente do pronome
cópia, neste caso, “o professor”. Mollica (2003) assegura que esse fenômeno, por
estar vinculado a princípios de processamento linguístico, consequentemente, está
relacionado ao que se entende por clareza comunicativa.
Outros fatores linguísticos que têm sido utilizados para a explicação da
variação nas construções relativas são a função sintática do pronome relativo e a
distância entre o pronome relativo e o referente. Esse dois parâmetros linguísticos
também serão controlados neste trabalho.
Já as variáveis externas ou extralinguísticas referem-se ao conjunto de
fatores ligados ao indivíduo como sexo e etnia e aos fatores propriamente ditos
sociais como nível de escolaridade, renda ou classe social, entre outros. A essa
consideração, Monteiro (2008) assegura que
5 Exemplo (08) retirado de inquéritos do PEPP (Programa de Estudos sobre o Português falado em Salvador).
6 Exemplos retirados do texto de Mollica, 2003, p. 132.
22
Dos possíveis fatores externos, os que mais têm sido discutidos são o estilo de fala, o sexo, a idade, a escolaridade, a profissão, a classe social, a região ou zona de residência e a origem do falante. Outros, como o clima e a raça, parecem não ter qualquer influência, apesar das hipóteses que se formulam sobre sua participação na mudança linguística, estágio que naturalmente pressupõe a existência de variações. (p. 68).
Esses fatores podem ser de fundamental importância para a observação das
construções relativas, pois, a depender da faixa etária, gênero ou escolaridade,
podem ocorrer variações significativas. Vale ressaltar que um falante com faixa
etária de 65 anos, nível fundamental, não fará usos linguísticos correspondentes a
um falante de 25 anos com nível médio, pois o falante mais velho provavelmente
utilizará formas ou construções mais padrão em relação ao mais novo. Nesta
pesquisa, serão observados fatores extralinguísticos como faixa etária, gênero/sexo,
nível de escolaridade dos informantes.
Sobre essa questão, Corrêa (1998 apud Meirelles, 2001), em um de seus
estudos variacionistas a respeito das estratégias de relativização, corrobora a ideia
de que fatores sociais ou extralinguísticos e, mais especificamente, do nível de
escolaridade, contribuem para o uso das construções relativas no português
brasileiro, pois constata, através da análise de 45 redações (5 de cada série do 1º
grau e 5 de universitários), que o uso da relativa padrão se adquire por meio da
escolarização.
Na sua pesquisa, Corrêa (1998) apud Meirelles (2001) mostra que, de um
total de 147 orações relativas, apenas 7 são relativas padrão; dessas, 5 delas foram
escritas por universitários e as outras duas, por alunos da 6ª série. Por outro lado,
apareceram 15 relativas cortadoras nas redações do 1º grau. Ressalta-se que as
relativas começam a surgir a partir da 2ª série. Ao levar em consideração esses
resultados, Corrêa (1998 apud Meirelles, 2001) conclui que, em virtude da pouca
ocorrência da relativa padrão nas redações do 1º grau, percebeu-se que a
apreensão dessa relativa é mais evidenciada quando o nível de escolarização do
falante está acima do 1º grau.
Considera-se que tanto os critérios sociais quanto os estruturais podem
nortear a compreensão do fenômeno variável aqui estudado no que diz respeito ao
uso de cada variante (relativa padrão, copiadora e cortadora).
23
CAPITULO 2 – METODOLOGIA
O presente capítulo, como já está indicado no próprio título, apresenta as
etapas de execução da pesquisa. Estas etapas se referem ao processo de seleção
do corpus e dos informantes, definição da variável dependente e das variáveis
independentes (internas e externas) observadas na pesquisa. São apresentados
também os procedimentos metodológicos adotados para observação e análise dos
dados.
2.1 Corpus da pesquisa
O corpus desta pesquisa está representado por dezesseis inquéritos do
Programa de Estudos sobre o Português falado em Salvador (PEPP), o qual é
coordenado pela Profª. Drª. Norma Lopes, da Universidade do Estado da Bahia –
UNEB. Os informantes da amostra desse projeto advêm da cidade de Salvador,
localizada no estado da Bahia e apresentam o seguinte perfil: possuem nível de
escolaridade entre fundamental e médio e estão distribuídos de acordo com
gênero/sexo e faixa etária.
A distribuição dos inquéritos que foram utilizados nesta pesquisa, segundo as
categorias escolaridade, gênero e faixa etária, encontra-se no quadro abaixo. As
faixas etárias estão representadas no quadro pela letra F maiúscula seguida dos
numerais 1, 2 e 3.
24
NÍVEL FUNDAMENTAL NÍVEL MÉDIO
Masculino Feminino Masculino Feminino
F1
(15 a 24 anos)
PEPP 18 PEPP 44 PEPP 20 PEPP 12
F2
(25 a 35 anos)
PEPP 40 PEPP 19 PEPP 13 PEPP 23
F3
(45 a 55 anos)
PEPP 37 PEPP 36 PEPP 24 PEPP 17
F4
(65 anos em diante)
PEPP 34 PEPP 01 PEPP 14 PEPP 41
Quadro 1: Inquéritos a serem utilizados nesta pesquisa e categorias sociais dos informantes Como se pode observar com base no quadro 1, no que se refere às
categorias sociais supracitadas, dos dezesseis informantes selecionados para esta
pesquisa, oito possuem nível fundamental e oito possuem nível médio; oito são do
gênero masculino e oito, do gênero feminino; e há quatro informantes para as faixas
etárias 1 (15 a 24 anos), 2 (25 a 35 anos), 3 (45 a 55 anos) e 4 (65 anos em diante).
2.2 Observação e análise de dados
Para a execução desta pesquisa, quanto à observação e a análise dos dados,
foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: (a) levantamento e
fichamento dos dados; (b) codificação dos dados; (c) análise quantitativa dos dados.
25
É importante ressaltar que para o levantamento e fichamento dos dados de
dados, não foram consideradas as ocorrências de trechos interrompidos (01). No
processo da pesquisa, também não foram considerados casos em que o relativo que
está sendo empregado em lugar de cujo (02).
(01) Ela se sentia já que ela podia fazer alguma coisa com a gente, né, ela pegava,
“Olhe, eu não estou boa...”, mesmo, ela chorando e dando risada conversando com a
gente, tinha hora que minha irmã a mais... (Inq. 19, Inf. 19, p.65).
(02) Tinha, tinha, naquele tempo também tinha, tinha marginal, que as vezes o, o filho
era viciado... (Inq. 24, Inf. 24mM, p.117).
Os dados da pesquisa foram codificados em função dos fatores linguísticos e
extralinguísticos controlados na pesquisa. Estes fatores serão descritos em
correlação com as hipóteses, como está explicitado nos itens 2.2.2.1 e 2.2.2.2.
Para as etapas de codificação e análise quantitativa dos dados, utilizou-se um
programa de análise estatística, o GOLDVARB X, programa desenvolvido para
cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos linguísticos variáveis.
2.2.1 Variável dependente
O fenômeno das estratégias de relativização constitui a variável dependente
da pesquisa. Tal fenômeno apresenta as seguintes variantes: relativa padrão (03),
relativa copiadora (04) e relativa cortadora (05).
(03) Apesar que também no decorrer da, da minha vida a, apesar que tive apoio religioso
que foi da igreja Batista que me incentivou ao retorno da escola, foi aí que eu pude
tirar o meu curso primário (Inq. 13, Inf. 13mM, p. 28).
(04) Eu tenho uma amiga mesmo que ela tem dois irmãos, ela não pode dizer em casa
que ela está menstruada (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 21).
(05) Tem uns seis meses, que a família de minha mãe é muito pequena né, esses avós
que eu estou falando (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 22).
26
2.2.2 Variáveis independentes
No que diz respeito às variáveis independentes, estas correspondem às
variáveis de ordem socioestrutural consideradas nesta pesquisa. Cabe destacar que
para que essas variáveis fossem aplicadas à pesquisa, foram tomados como
referência os trabalhos realizados por Bagno (2004) e Mollica (2003).
2.2.2.1 Parâmetros linguísticos e hipóteses
Os parâmetros linguísticos ou internos dizem respeito aos fatores ligados a
aspectos fono-morfo-sintáticos da língua (como já foi dito no capítulo 1), os quais
condicionam a variação. Nesta pesquisa, consideram-se como parâmetros
linguísticos o traço de animacidade do referente e função sintática do relativo.
Traço de animacidade do referente
Trata-se de um fator que está vinculado à natureza semântica da língua.
Segundo esse fator, o referente de uma construção relativa pode ter o traço [+
animado] (06) ou o traço [- animado] (07). Acredita-se na hipótese de que a
presença do traço [+ animado] do referente favoreça a ocorrência da relativa
copiadora.
(06) Tinha uma professora muito boa que até hoje eu me lembro dela, lá tinha sabatina
de matemática, hoje eu sou um ótimo aluno de matemática... (Inq. 13, Inf. 13mM, p. 29).
(07) Eu até fiquei feliz outro dia que eu peguei a revista da TV (Inq. 12, Inf. 12mF, p.
25).
Função sintática do relativo
27
É importante destacar que os fatores de ordem sintática também exercem
influência para explicação da variação em questão. Entre esses fatores, é de grande
relevância a função sintática do relativo: sujeito (08), objeto direto (09), objeto
indireto (10), adjunto adverbial (11) e complemento adverbial (12).
Para a função sintática, existe a hipótese de que quando o relativo
desempenha função sintática de sujeito ou de objeto direto há a tendência ao uso da
estratégia relativa copiadora; quando o relativo tem função sintática de objeto
indireto, de adjunto adverbial ou de complemento adverbial, a tendência está para o
emprego da relativa cortadora.
(08) Eu tenho uma amiga mesmo que ela tem dois irmãos, ela não pode dizer em casa
que ela está menstruada (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 21).
(09) Numa sala assim que tinha, eu dormia ali, agora também não vinha pra casa,
durante oito dias (Inq. 24, Inf 24mM p. 128).
(10) Meu Deus eu acho que é pra bebê porque a palavra com que, com que eles falam
(Inq.12,Inf 12, p. 24).
(11) Eu acho assim que é até uma segurança, que no outro dia eu fico, eh, na vez que
eu estava no Águia aí chegaram pra mim, a coordenadora a coordenadora e alou que
era um tipo de segurança (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 25).
(12) Mas o pagode que eu vou é, não é igual a esses que acontece em rua (Inq. 18,
Inf.18, p. 54).
2.2.2.2 Parâmetros sociais e hipóteses
Os parâmetros sociais, também denominados de variáveis externas, estão
intrinsecamente ligados ao individuo ou ao contexto social de uma comunidade de
fala (MOLLICA, 2003). Monteiro (2008), dentre essas variáveis, as que mais se
discutem são a escolaridade, a idade, a classe social, profissão, entre outros
(Monteiro, 2008). Nesta pesquisa, foram controlados os fatores sociais gênero/sexo,
faixa etária e grau de escolaridade.
28
Gênero/sexo
Para os estudos sociolinguistas, esse fator é de forte relevância em uma
variação. Através da análise desse parâmetro, há a possibilidade de se perceberem
as diferenças no comportamento linguístico entre o sexo masculino e o sexo
feminino. Segundo Monteiro (2008), espera-se que a mulher expresse um
comportamento linguístico mais conservador.
Assim, já que, do ponto de vista sociolinguístico, falantes do sexo feminino se
mostram mais conservadores, possivelmente, utilizarão mais a construção relativa
padrão.
Faixa etária
A faixa etária é um dos fatores básicos na realização de um fenômeno
variável, já que as diferenças linguísticas são perceptíveis quanto à idade de um
determinado falante.Sobre essa questão, Monteiro (2008) pontua que, em função da
idade, ocorrem divergências na linguagem de adolescentes e idosos. Para esse
autor, os adolescentes podem usar construções aparentemente estranhas.
Para esta pesquisa, foram consideradas as seguintes categorias de faixa
etária:
F1 – 15 a 24 anos.
F2 – 25 a 35 anos.
F3 – 45 a 55 anos.
F4 – 65 anos em diante.
Em relação à faixa etária, aventa-se, neste trabalho, a hipótese de que
falantes mais velhos empregam mais a relativa padrão.
29
Grau de escolaridade
Na perspectiva da Sociolinguística, a depender da instrução escolar, o falante
pode expressar-se de diversas formas. O presente estudo leva em consideração os
níveis fundamental e médio. No caso desta pesquisa, tem-se a hipótese de que,
dentre as estratégias de relativização, é a estratégia padrão a mais utilizada por
falantes mais escolarizados.
Espera-se que os fatores escolhidos na pesquisa e descritos neste capítulo,
tanto os de ordem estrutural (o traço de animacidade do referente e função sintática
do relativo), quanto os de ordem social (gênero/sexo, escolaridade, faixa etária)
contribuam para caracterização das estruturas relativas na fala popular de Salvador.
A influência de tais fatores no fenômeno investigado será discutida no próximo
capítulo, o de análise quantitativa dos dados.
30
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS
Neste capítulo, são apresentadas a análise quantitativa dos dados e a
interpretação dos resultados (que, como já foi dito anteriormente, foram obtidos por
meio do programa de análise estatística GOLDVARB X). Inicialmente, discutem-se
os resultados gerais dos tipos de construções relativas na amostra. Posteriormente,
estabelece-se, nos itens 3.1 e 3.2, respectivamente, a correlação entre o fenômeno
linguístico examinado e os fatores linguísticos e sociais considerados na pesquisa.
No corpus analisado, há o registro de um total de 137 ocorrências dos três
tipos de estratégias de relativização na fala popular de Salvador. Na tabela 1, estão
distribuídas essas estratégias.
RESULTADOS PROVENIENTES DO PROGRAMA DE
ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR FALADO EM
SALVADOR (PEPP)
TOTAL
137
ESTRATÉGIA DE
RELATIVIZAÇÃO
PADRÃO
ESTRATÉGIA DE
RELATIVIZAÇÃO
CORTADORA
ESTRATÉGIA DE
RELATIZAÇÃO
COPIADORA
N7
59
%
43,1
N
71
%
51,8
N
7
%
5,1
Tabela 1 – As três estratégias de relativização no corpus de língua falada (PEPP – SSA).
Pode-se constatar que, das 137 ocorrências registradas no corpus, 43,1% são
casos da construção relativa padrão; 51,8% da construção relativa cortadora; e 5,1%
dos casos com a construção relativa copiadora. Tais resultados evidenciam que os
7 Em todas as tabelas, o símbolo N corresponde ao número total de ocorrências de cada variante considerada na
pesquisa
31
falantes da cidade de Salvador optam mais por estratégias não padrão do que
padrão.
Entre as variantes não-padrão, a relativa cortadora, construção em que há o
apagamento de uma preposição, aparece com uma frequência bem maior em
relação à relativa copiadora (como já foi mencionado, 51,8% e 5,1%,
respectivamente).
Os resultados aqui obtidos em relação às três estratégias de relativização
também podem ser observados a partir do gráfico abaixo:
Gráfico 1: Distribuição das estruturas relativas na amostra.
Os achados desta pesquisa corroboram os resultados de Tarallo (1983 apud
Meirelles, 2001). Esse autor, ao realizar um estudo diacrônico das estratégias de
relativização no Português Brasileiro, observa que (a) a variante considerada
padrão, desde o final do século XIX, tem perdido a sua influência entre os falantes
brasileiros e (b) uma das variantes consideradas não-padrão e inovadoras, a relativa
cortadora, já aparecia como a de preferência por falantes urbanos. Assim, Tarallo
(1983 apud Meirelles, 2001), ao examinar dados de fala, considera que, já naquele
período, o uso da relativa padrão havia tido uma redução de 89,2% de uso para
35,4%, enquanto a cortadora aumentou o seu emprego pelos falantes de 0,9% para
32
59,5%. Em outras palavras, a pesquisa de Tarallo (1983) revela que, desde aquela
época, o uso da variante cortadora tem aumentado consideravelmente em relação
ao uso da relativa padrão.
A esse respeito, Bagno (2004), pautado nos trabalhos de Tarallo (1983) e de
Kato (1993), também traz a afirmação de que, apesar de ser um uso condenado
pela gramática normativa, a relativa cortadora é a construção sintática realizada com
maior preferência pelos falantes e, com relação à relativa padrão, é mínimo o seu
uso na língua falada por brasileiros cultos urbanos. No seu estudo, Bagno (2004)
registra os seguintes percentuais de ocorrências: para a estratégia padrão, 20,5%
dos casos e para a estratégia cortadora, 94,4%.
Percebe-se que os resultados aqui obtidos, no que se refere às construções
padrão e cortadora, se aproximam dos resultados dos trabalhos dos autores
supracitados, já que, nesta pesquisa, a estratégia cortadora também aparece com
maior frequência nos dados do PEPP.
Quando se comparam os dados numéricos detectados neste trabalho para a
construção relativa copiadora com os de Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001), nota-
se que, nos dois estudos, essa variante aparece com um índice percentual bem
baixo de ocorrência. Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001) mostra que a variante
copiadora ou resumptiva, como assim denomina, se mantém reduzida o uso ao
longo do tempo pelo fato de lhe ser atribuído o valor de estigmatizada.
Apresentada a distribuição geral de cada tipo de construção relativa na
amostra, passa-se a verificar a seguir a atuação dos parâmetros linguísticos e
sociais no fenômeno investigado.
3.1 Variáveis linguísticas
Como variáveis linguísticas, foram consideradas, nesta pesquisa, como já foi
citado no capítulo de metodologia, o traço de animacidade do referente e a função
sintática do relativo.
Na tabela 2, encontra-se a distribuição das três estratégias de relativização
em função do parâmetro animacidade do referente.
33
RESULTADOS PROVENIENTES DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS
POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)
ANIMACIDADE DO
REFERENTE
ESTRATÉGIA
RELATIVA PADRÃO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
CORTADORA
ESTRATÉGIA
RELATIVA
COPIADORA
TOTAL
Animado N
14
%
56%
N
5
%
20%
N
6
%
24%
N
25
%
18,2%
Inanimado 45 40,2
%
66 58,9
%
1 0,9% 112 81,8%
Tabela 2 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator animacidade do referente.
Através dos dados explanados na tabela 2, não se pode sustentar a hipótese
de que a presença do traço [+ animado] no referente favorece a ocorrência da
relativa copiadora, já que, para esse tipo de relativa, constatou-se um percentual de
24% do traço [+ animado] do referente, enquanto, para a variante padrão, o traço
[+animado] obteve o resultado de 56% de casos.
Os resultados obtidos nesta pesquisa a respeito do fator animacidade do
referente para a relativa copiadora contradizem as evidências estatísticas dos
estudos de Mollica (2003), quando esta demonstra que a animacidade do referente
acontece com maior número de incidência quando há um pronome cópia.
Os dados da tabela 2 também demonstram que o traço [- animado] do
referente favorece o emprego da estratégia tipo cortadora (58,9%).
A tabela 3 apresenta a distribuição das variantes que se refere ao fator
função sintática do relativo.
34
RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR
FALADO EM SALVADOR (PEPP)
FUNÇÃO
SINTÁTICA DO
RELATIVO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
PADRÃO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
CORTADORA
ESTRATÉGIA
RELATIVA
COPIADORA
TOTAL
Objeto indireto N
1
%
10%
N
7
%
70%
N
2
%
20
%
N
10
%
7,3%
Sujeito 27 84,4
%
3 9,4% 2 6,2
%
32 23,4%
Objeto direto 31 88,6
%
3 8,6% 1 2,9
%
35 25,5%
Adjunto
adverbial
0 0% 56 96,6
%
2 3,4
%
58 42,3%
Complemento
adverbial
0 0% 2 100% 0 0% 2 1,5%
Tabela 3 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator função sintática do
relativo.
Comparando-se os dados da tabela 3, é possível confirmar a hipótese de que,
quando o relativo tem função sintática de adjunto adverbial (96,6%) ou objeto
indireto (70%), há a tendência ao emprego da relativa cortadora. Vale ressaltar ainda
que as duas únicas ocorrências de que na função sintática de complemento
adverbial ocorre com esse tipo de estratégia.
Para as funções sintáticas de objeto direto e sujeito, observa-se que há maior
ocorrência da estratégia relativa padrão, o que pode ser justificado pelo fato de
essas funções não serem introduzidas por preposições: 88,6% e 84,4%,
respectivamente, para objeto direto e sujeito.
Quanto à estratégia copiadora, esse tipo, mesmo com o total de ocorrências
reduzido, é realizado com mais frequência na função de objeto indireto (20%).
35
Tarallo (1983 apud Bispo, 2009), ao registrar a frequência dos três tipos de
estratégias em dados de fala, obteve resultados que se justapõem ao desta
pesquisa. O autor mostra que, a respeito da função sintática de sujeito e objeto
direto, o índice mais elevado foi para a relativa padrão (89,7% e 97,4%,
respectivamente). Nesse mesmo contexto, Tarallo (1983 apud Bispo, 2009), afirma
que, na posição de objeto indireto, predomina a relativa cortadora com 75% dos
casos analisados.
Os resultados aqui apresentados para a relativa copiadora não condizem com
os da pesquisa desenvolvida por Barros (2000 apud Bispo, 2009) com dados da fala
pessoense, a qual também analisa a função sintática do relativo. Nesse trabalho, a
autora atenta para o fato de que é na posição de sujeito que a relativa copiadora
aparece com maior predomínio (27%).
3.2 Variáveis extralinguísticas
O exame de parâmetros sociais nesta pesquisa tem como objetivo observar
como esses parâmetros podem influenciar variações significativas nas construções
relativas. Como já foi mencionado, os parâmetros extralinguísticos controlados na
pesquisa são gênero/sexo, nível de escolaridade e faixa etária.
A tabela 4 expõe a relação entre a variável dependente e o fator gênero/sexo
na amostra analisada.
36
Tabela 4 – Distribuição das estratégias de relativização em função do gênero/sexo dos informantes.
Considerando-se a relação entre esse parâmetro e o fenômeno aqui
investigado, contraria-se um dos postulados sociolinguísticos sobre o fato de
falantes do sexo feminino, por se mostrarem mais conservadores, utilizarem mais a
construção padrão. No caso desta pesquisa, são os falantes do sexo masculino que
empregam, com mais frequência, a variante padrão com o percentual de 46,5%,
enquanto falantes do sexo feminino só atingem o percentual de 37, 3% dos casos
com essa variante.
Paralelamente ao uso da relativa padrão, os falantes do sexo masculino
também usam a relativa cortadora (46,5%). Nesse caso, são os falantes do sexo
feminino que se destacam com o maior emprego (60,8%).
Para a relativa copiadora, observa-se que os percentuais se mostram bem
reduzidos tanto para os falantes do sexo masculino (7%) os do sexo feminino (2%)
entre os informantes do PEPP – SSA. Diferentemente desses resultados, cabe
ressaltar que, na pesquisa realizada por Mollica (2003), os falantes do sexo feminino
tenderam ao emprego do sintagma com pronome cópia que, neste caso, está para a
variante copiadora.
A tabela 5 expõe a relação entre a variável dependente e o parâmetro social
nível de escolaridade.
RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS
POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)
GÊNERO/SEXO ESTRATÉGIA
RELATIVA
PADRÃO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
CORTADORA
ESTRATÉGIA
RELATIVA
COPIADORA
TOTAL
Masculino N
40
%
46,5%
N
40
%
46,5%
N
6
%
7%
N
86
%
62,8%
Feminino 19 37,3% 31 60,8% 1 2% 51 37,2%
37
RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR
FALADO EM SALVADOR (PEPP)
NÍVEL DE
ESCOLARIDADE
ESTRATÉGIA
RELATIVA
PADRÃO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
CORTADORA
ESTRATÉGIA
RELATIVA
COPIADORA
TOTAL
Fundamental N
23
%
31,9%
N
44
%
61,1%
N
5
%
6,9%
N
72
%
52,6%
Médio 36 55,4% 27 41,5% 2 3,1% 65 47,4%
Tabela 5 – Distribuição das estratégias de relativização em função do nível de escolaridade dos
informantes.
Os resultados desta pesquisa confirmam a hipótese de que a estratégia
padrão é mais utilizada por falantes mais escolarizados: para essa estratégia, nos
falantes com nível fundamental de escolaridade, há o percentual de 31,9% dos
casos enquanto, nos falantes com nível médio de escolarização e, por conseguinte,
mais escolarizados, registra-se o percentual de 55,4% das ocorrências. Corrêa
(1998 apud Meirelles, 2001,) em seu estudo com base em dados da escrita, ratifica
a ideia de que falantes do Português Brasileiro usam a relativa padrão com mais
intensidade no 2º grau de escolarização. Inversamente, os resultados da variante
cortadora apontam para o fato de que falantes menos escolarizados (61,1%) tendem
a realizar mais essa variante do que os informantes de nível médio (41,5%).
Na tabela 6, estão expostos os resultados entre a relação da variável
dependente e o parâmetro social faixa etária.
38
RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS
POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)
FAIXA ETÁRIA ESTRATÉGIA
RELATIVA
PADRÃO
ESTRATÉGIA
RELATIVA
CORTADORA
ESTRATÉGIA
RELATIVA
COPIADORA
TOTAL
15 a 24 anos N
13
%
38,2%
N
19
%
55,9%
N
2
%
5,9%
N
34
%
24,8%
25 a 35 anos 16 55,2% 12 41,4% 1 3,4% 29 21,2%
45 a 55 anos 20 50% 18 45% 2 5% 40 29,2%
65 anos acima 10 29,4% 22 64,7% 2 5,9% 34 24,8%
Tabela 6 – Distribuição das estratégias de relativização em função da faixa etária dos informantes.
Os dados da tabela 6 demonstram que a presença da variante padrão é
atuante entre os falantes de 25 a 35 anos, com percentual de 55,2% dos casos. Em
segundo lugar, são os informantes entre 45 a 55 anos que realizam, com maior
frequência, a variante padrão (50%).
Observa-se que os falantes acima de 65 anos são os que mais empregam a
relativa cortadora (64,7%). Nesse caso, a hipótese de que falantes mais velhos
empregariam mais relativa padrão não se confirma. Percebe-se também que os
falantes entre 15 a 24 anos utilizam frequentemente essa mesma variante (55,9%).
É importante frisar que, para a variável faixa etária, os valores divergem
bastante. Lemos (2008), afirma que, mesmo uma comunidade como um todo não
modificando o padrão que lhe é admitido, um falante pode mudar seus hábitos de
fala ao longo de sua vida, implicando, assim, a existência de consideráveis
diferenças linguísticas.
39
Assim sendo, os resultados apresentados neste capítulo demonstram
empiricamente que os fatores tanto linguísticos quanto sociais controlados nesta
pesquisa influenciam a variação do fenômeno aqui estudado, uso das estratégias
relativas na fala popular de Salvador.
40
CONCLUSÃO
No presente trabalho, a análise da variação das construções relativas na fala
popular de Salvador foi estabelecida através da relação entre os fatores linguísticos
e sociais que motivaram a variação. Assim, a partir da observação e análise de
dados da fala popular de Salvador, investigou-se, com base nos fatores
supracitados, o que leva os falantes dessa cidade a optarem por uma das três
estratégias (padrão, copiadora e cortadora). Os resultados quantitativos obtidos na
pesquisa foram comparados, sempre que possível, com os resultados alcançados
nas pesquisas de Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001), Bagno (2004), entre outros
pesquisadores.
Na pesquisa realizada, foi evidenciado que, na fala popular de Salvador,
dentre as três estratégias relativas examinadas, a que se tornou preferencial para os
habitantes de Salvador é a cortadora. Os dados demonstram que 51,8% dos casos
observados são de relativa cortadora. Essa preferência pela relativa cortadora já
havia sido atestada em trabalhos anteriores como os de Bagno (2000), Corrêa
(1998), Tarallo (1983), entre outros autores.
O resultado acima demonstra que o emprego significativo de uma estratégia
não-padrão tem ocasionado um acentuado desuso da estratégia aceita pela
gramática normativa na fala de uma parcela da população soteropolitana. Ademais,
ele aponta para o fato de que a realização da estratégia relativa padrão, no
português falado no Brasil, não se mostra tão relevante no comportamento dos
falantes.
No que se refere às duas variantes não-padrão (mais especificamente, a
relativa copiadora e a relativa cortadora), há uma relevante diferença de uso dessas
estratégias pelos falantes brasileiros. Quanto à relativa copiadora, deve-se atentar
para a pouca realização entre os falantes. Com apenas 5,1% das ocorrências
levantadas, a estratégia copiadora é estigmatizada pelos falantes urbanos
analisados. Assim, confirma-se a ideia de que, dentre as três estratégias, a relativa
copiadora que apresenta menor frequência na pesquisa.
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A maior frequência de uso da estratégia cortadora, na pesquisa, denota
claramente que as regras mais tradicionais de relativização não têm sido
rigorosamente aplicadas na fala popular de Salvador. Ademais, percebe-se que a
relativa cortadora tem se fixado como uma forma aceitável de relativização nos
contextos preposicionados, substituindo, assim, a forma padrão de uso das relativas.
Os dois fatores linguísticos selecionados na pesquisa se mostraram
relevantes para os resultados obtidos. É pertinente observar que a animacidade do
referente e a função sintática do relativo se mostraram atuantes quando se tratava,
respectivamente, das variantes padrão e cortadora.
Os fatores sociais - faixa etária, grau de escolaridade e gênero/sexo - também
motivaram, de forma acentuada, o fenômeno aqui investigado. Através da análise
desses fatores, verificou-se que ocorreram variações significativas em relação às
três estratégias de relativização. Para a variável gênero/sexo, registrou-se que os
homens usam mais a variante padrão e as mulheres, a cortadora. Quanto ao grau
de escolaridade, os falantes mais escolarizados empregam mais a estratégia
padrão. Em relação à faixa etária, curiosamente, constatou-se que os falantes de 25
a 35 anos usam mais a variante padrão e os mais velhos, a estratégia cortadora.
Desta forma, espera-se que esta pesquisa, com base em dados reais do
português falado no Brasil, possa contribuir para outros estudos variacionistas,
ampliando, assim, os conhecimentos no que diz respeito ao estudo das três
estratégias de relativização na fala popular de Salvador. Através dos resultados
constatados na pesquisa, pode-se confirmar a necessidade de se conhecerem as
variedades da nossa língua.
Mesmo não se tratando de um estudo aplicado, a pesquisa também se torna
preponderante para que se repense o tratamento dado às construções relativas em
sala de aula uma vez que as orientações da gramática normativa tendem a encarar
as construções não-padrão como um desvio da forma dita correta, contrariando,
assim, o que é postulado na Teoria da Variação: o pressuposto de que todas as
línguas estão suscetíveis à variação. Cabe ressaltar que esses aspectos podem
promover discussões tanto para investigações teóricas como também para estudos
realizados com dados do português brasileiro.
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