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Sociolingustica
So Cristvo/SE
2010
Raquel Meister Ko Freitag
Geralda de Oliveira Santos Lima
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Cidade Universitria Prof. Jos Alosio de Campos
Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze
CEP 49100-000 - So Cristvo - SEFone(79) 2105 - 6600 - Fax(79) 2105- 6474
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Rafael de Jesus Santana (Qumica)
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Trcia C. P. de Santana (Cincias Biolgicas)
Vanessa Santos Ges (Letras Portugus)
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AULA 1
Relaes entre lngua e sociedade ................................................... 07
AULA 2
Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos I......... 21
AULA 3
Sociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicos..37
AULA 4
Variao lingustica no portugus brasileiro ...................................... 55
AULA 5
A pesquisa variacionista: princpios de investigao......................... 67
AULA 6
Coleta de dados: o mtodo da entrevista sociolingustica................ 83
AULA 7
A importncia do tratamento da variao no ensino
de lngua portuguesa.........................................................................97
AULA 8
A anlise das regras variveis......................................................... 109
AULA 9
Contribuies da Sociolingustica para a educao........................ 125
AULA 10
Poltica e planicao lingustica..................................................... 135
Sumrio
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RELAES ENTRE LNGUA ESOCIEDADE
METAApresentar a relao entre lngua e sociedade e os conceitos subjacentes a esta abordagem: lngua,
gramtica e norma.
OBJETIVOSReetir sobre a relao entre lngua e sociedade;
analisar criticamente os conceitos de lngua, gramtica e norma lingustica pertinentes
Sociolingustica.
PR-REQUISITOSConhecimento prvio, da perspectiva normativa e lingustica, de lngua e gramtica.
Aula
(Fonte: http://brasil.indymedia.org)
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Sociolingustica
INTRODUO
A Lingustica uma cincia relativamente recente. E, como voc jdeve ter visto na disciplina Lingustica, foi pautada essencialmente a partirdas observaes de Ferdinand de Saussure ([1916]2002). A Lingustica, apartir do momento em que se constitui como cincia autnoma, tem comoobjeto de estudo a langue, estrutura homognea. Sua preocupao bsicapassou a ser a anlise das relaes internas entre os elementos lingusti-cos, estabelecendo-se, assim, a chamada lingustica estrutural, sem sepreocupar com as relaes entre a linguagem e a sociedade. Esta foi umaopo de carter eminentemente metodolgico, pois Saussure reconhecea lngua como um fato social. A opo de se estudar a langue, ao invs da
parole, d-se principalmente por conta das barreiras
e dificuldades encontradas neste tipo de abordagem.Tal opo persiste na corrente gerativista.Na dcada de 1960, a reao que se operou con-
tra o avassalador domnio dos conceitos da lingusticaestruturalista produziu um comportamento oposto.Para muitos linguistas, havia chegado o momento dese fazer um balano do que a Lingustica tinha feitoou deixado de fazer. Sabiam que a tarefa era difcil,complexa, pois era preciso se fazer uma reflexo maisampla acerca dos estudos da linguagem, levando-se
em conta, principalmente, o fato de que ela funcionacomo um instrumento mediador entre os homense o mundo. Assim sendo, distribumos as aulas quecompem a disciplina Sociolingustica de forma aconduzir voc naturalmente no processo de apro-priao do saber na rea da diversidade lingustica.
A nossa proposta inicial a de se refletir umpouco sobre as relaes entre linguagem e sociedade.Apresentamos conceitos lingusticos essenciais
para entendermos esta relao: lngua,gramticae norma. Em seguida, recuperamos o contextohistrico do surgimento da Sociolingustica.
William Bright foi um grande linguista norte americanoque organizou um congresso em 1964, com vrios
estudiosos da relao entre lngua e sociedade, ondeo termo Sociolingustica foi fixado.(Fonte: http://www.ncidc.org)
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1LNGUA E SOCIEDADEUma das caractersticas dos seres humanos a sua capacidade de se
agrupar, o que faz com que sejamos animais sociais. Mas, diferentemente
de outros animais sociais, como as abelhas, os seres humanos no fazemparte apenas de um nico grupo. Uma abelha operria ser sempre apenasuma abelha operria; se sua funo a de buscar plen, sempre esta ser suafuno, seu papel social. Com os seres humanos, as coisas no funcionamdeste jeito. Um indivduo assume diferentes papis no seu convvio social.Vejamos um exemplo: Jos um jovem com 25 anos, casado e com umfilho. Jos policial e nos fins de semana joga futebol com os amigos. Nocrculo familiar, Jos pai, marido, filho e com os indivduos de seu crculofamiliar trava certo tipo de relacionamento. Pode, por exemplo, andar sem
camisa, falar espontaneamente, sem precisar se monitorar. No seu crculoprofissional, Jos precisa estar fardado, pois este o ndice de pertenci-mento de policiais. Seu uso lingustico mais monitorado, com palavrasque impem ordem e respeito. J nos fins de semana, no seu crculo deamigos, Jos veste o uniforme do time, relaxa e isto se reflete tambm noseu uso lingustico.
Os grupos sociais se formam em funo de traosidentitrios, ndices de pertencimento. Crenas, valores,aparncias e tambm a lngua funcionam como ndicesde pertencimento. Voc pode estar pensando mas
no falamos sempre a mesma lngua, o portugus?.No exemplo que vimos acima, no s a roupa d pistassobre os grupos sociais dos quais Jos vinculado, mastambm o seu uso lingustico. Embora sempre continueusando a mesma lngua, Jos faz escolhas lingusticas,as quais so fortemente influenciadas pelo papel socialque ele desempenha no momento. Por exemplo, quandoest exercendo sua funo de policial, Jos vai escolher
A mulher moderna assume mltiplos papis sociais, alem de esposa e me, adentra no mercado de trabalho
(Fontes: 01 - http://www.imagensdahora.com.br , 02 - http://3.bp.blogspot.com, 03 - http://condicaodamulher.files.wordpress.com)
01 02 03
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Sociolingustica
palavras que denotem impessoalidade, distanciamento e deferncia, comoem O senhor pode me acompanhar. J em seu seio familiar, Jos difi-cilmente pedir para sua esposa passar o sal mesa da seguinte forma Asenhora pode me passar o sal?, a no ser que seja uma situao de deboche.
Com seus amigos no futebol, Jos pode, aps um lance no cobrado pelojuiz, dizer filho da p..., mas dificilmente far uso deste tipo se o seu filho
derrubar leite na toalha da mesa. Assim, identifi-camos grupos sociais tambm por conta do seuuso lingustico.
Com o exemplo de Jos e seus papis nosgrupos sociais, queremos demonstrar a interrelaoentre lngua e sociedade que possibilita aos falantesdas mais diversas lnguas no s do portugus se
constiturem como sujeitos, pois no mbito dasatividades de linguagem, prprias de sujeitos sociale historicamente situados, que emergem e evoluem,de forma contnua, aspectos estruturais das lnguasnaturais, sempre em relao com contextos/papissociais que determinam as opes lingusticas dosfalantes, definindo aquilo que chamamos de normalingustica. Vamos, primeiramente, destrincharconceitos que so usados a todo o momento, masnem sempre com o mesmo significado, pois so
polissmicos: lngua, gramtica e norma lingustica.Sem entender estes conceitos, no fcil entendero objeto de estudo da Sociolingustica.
A NORMA LINGUSTICA, LNGUA E GRAMTICA
Apesar de os termos lngua e gramtica serem de uso comum, soconceitos nada banais, j que diferentes teorias lingusticas recortam e de-
finem de modo diferente seus objetos. Existe uma estreita correlao entreas diferentes concepes de lngua(gem) e suas concepes de gramtica.Antes, porm, de tratarmos dessa correlao, vamos abordar a questo danorma lingustica. A noo de norma est associada noo de grupossociais, ou seja, do uso que cada indivduo faz da lngua
[...] numa sociedade diversificada e estratificada como a brasileira,haver inmeras normas lingusticas, como, por exemplo, a normacaracterstica de comunidades rurais tradicionais, aquelas decomunidades rurais de determinada ascendncia tnica, a normacaracterstica de grupos juvenis urbanos, a(s) norma(s) caracterstica(s)
Assim como trocamos de roupa, trocamos de lngua, de acordocom o papel social que desempenhamos(Fonte: www.familiesonlinemagazine.com)
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1de populaes das periferias urbanas, a norma informal da classemdia urbana e assim por diante (FARACO, 2002, p. 38).
As normas lingusticas dos grupos sociais dos quais os indivduos
participam apresentam caractersticas identitrias por se agregarem acertos valores socioculturais, mas tambm se mesclam e se influenciammutuamente, ou seja, so mescladas ou hibridizadas (FARACO, 2002, p.39). Assim, a lngua intrinsecamente heterognea e dinmica, como umaatividade social, sendo constituda de variedades. E como uma variedadeque definida a norma culta:
A expresso norma culta deve ser entendida como designando anorma lingustica praticada, em determinadas situaes (aquelas queenvolvem certo grau de formalidade), por aqueles grupos sociaismais diretamente relacionados com a cultura escrita, em especialpor aquela legitimada historicamente pelos grupos que controlam opoder social (FARACO, 2002, p. 40).
A norma culta est associada a certos valores sociais: os indivduosque a usam tm, potencialmente, alto grau de escolarizao (passaram pelauniversidade), assumem papis sociais que exigem formalidade e em quepredomina a cultura escrita. A norma culta a variedade lingustica encon-trada na mdia e difundida nos grandes centros urbanos, como em jornais,
revistas, livros, etc. Corresponde ao uso lingustico de prestgio. A normaculta, como qualquer outra norma, pode ser escrita ou falada, e tambmest sujeita a variaes e mudanas. devido ao carter heterogneo danorma culta que h autores, como Marcos Bagno, que preferem falar emvariedades cultas (no plural) porque
no existe um comportamento lingustico homogneo por parte dosfalantes cultos, sobretudo (mas no somente) no tocante lnguafalada, que apresenta variao de toda ordem segundo a faixa etria,a origem geogrfica, a ocupao profissional etc. dos informantes
(BAGNO, 2002, p.179).
J a norma padro costuma ser associada ideia de lngua ho-mognea descrita/prescrita pela gramtica normativa. Esta tem um papelunificador que busca neutralizar as variaes tornando-se uma refernciasuprarregional e transtemporal (FARACO, 2002, p. 42). Por causa disto,a norma padro , muitas vezes, confundida com a prpria lngua.
Resumindo: do ponto de vista conceitual, norma padro e normaculta so duas entidades diferentes: a norma padro refere-se a regras
impostas, a um ideal abstrato de lngua tida como correta; a norma cultarefere-se a padres efetivos de uso lingustico observvel em dado grupo
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Sociolingustica
social, ou seja, a certa variedade de lngua, que tida como de prestgio. Asdemais variedades so socialmente desprestigiadas, tidas como no-padro. importante dizer que a norma culta se destaca dessas outras variedadesem decorrncia de fatores histricos e culturais que determinam a sua legiti-
mao, e no em funo de fatores lingusticos. Ou seja, a norma culta no linguisticamente melhor nem mais complexa do que as demais normas/variedades.
importante entender a diferena entre norma padro e normaculta porque se reflete na diferenciao entre gramtica normativa/pre-scritiva e gramtica descritiva, respectivamente, atreladas a julgamentos decorreo e de adequao. Assim, certo e errado so valores atribudosao que est, respectivamente, em conformidade, ou no, com as regrasgramaticais normativas; j adequado e no adequado so avaliaes de
carter descritivo que so aplicadas em termos de regras de comportamentosocial: como dissemos anteriormente, o uso lingustico visto como umaregra de etiqueta social, um ndice de pertencimento.
Embora linguagem e lngua sejam noes interligadas, a noo de lin-guagem mais abrangente que a de lngua. O termo linguagem costuma serassociado a palavras como faculdade, capacidade, atividade, com focotanto na funo cognitiva/biolgica, como na funo comunicativa/socialda linguagem humana. A linguagem uma atividade cognitiva e discursiva,j que ela mantm um vnculo estreito com o pensamento e tambm esta-belece a interlocuo.
As diferentes concepes de linguagem podem ser agrupadas em quatropossibilidades, que tm, de forma mais ou menos correlata, concepescompatveis de lngua e de gramtica.
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1Quadro 1: Correlao entre as concepes de linguagem, lngua e gramticaLinguagem Lngua Gramtica
1. Representao do mundo
e expresso do pensamento(a metfora do espelhocostuma ser evocada aqui).
O homem representa para
si o mundo atravs da lin-guagem, constri em suamente a expresso e ento aexternaliza. Da capacidade
de organizao lgica dopensamente depender aorganizao lgica das idiasexpressas.
Formas de expresso produzidas.
Como h uma preocupao com aclareza e a organizao lgica dasidias que so expressas, busca-seuma lngua homognea, tomando-se como modelo a escrita padro(de preferncia aquela elaboradaliterariamente), que, no raro,acaba representando a prprialngua, confundindo-se com ela.Em ltima instncia equaciona-se:lngua = escrita padro.
Gramtica tradicional e gramticas normati-
vas em geral, cujo objeto uma lnguahomognea, idealizada, baseada naescrita literria clssica. medida queimpe regras rgidas para falar e escrevercorretamente, a gramtica normativatradicional impe julgamentos de valor,constituindo-se numa doutrina: a doutrina
gramatical. o resultado do trabalho dosgramticos
2. Capacidade inata e univer-
sal, que faz parte da heranagentica do ser humano epermite a ele reconhecer e
produzir um nmero infini-to de sentenas gramaticaisatribuindo-lhes, respectiva-
mente, uma interpretaosemntica e uma interpreta-o fonolgica.
Conjunto de propriedades es-
truturais abstratas, complexas e
altamente especficas, que soconhecidas pelos indivduos in-dependentemente do contexto,
e que podem ser descritas numa
perspectiva matematicamente
precisa. Trata-se de um conjunto(finito ou infinito) de sentenas,cada uma finita em comprimento econstruda a partir de um conjuntofinito de elementos (CHOMSKY,1957, p. 13). Lngua = conhecimen-to internalizado; atividade mental.
Gramtica internalizada, entendida como
um sistema de regras, unidades e estru-turas que o falante de uma lngua temprogramado em sua memria e que lhepermite usar a lngua (PERINI, 2006,p.23). Em outras palavras, a gramticainternalizada corresponde competncialingstica do falante.
3. Instrumento de comuni-
cao, cuja principal funo a transmisso de informa-es. colocado em relevoo circuito da comunicao:um emissor transmite a
um receptor, atravs deum canal, uma informaocolocada em cdigo.
Cdigo: um conjunto de signosque se combinam segundo certas
regras que os organizam em nveishierrquicos (fonolgico, mor-folgico, sinttico), e que deve serconhecido pelos falantes para que
a comunicao possa acontecer.Embora seu uso seja um ato so-
cial, a lngua pr-estabelecida econcebida como um sistema con-
vencional imanente, desvinculado
dos indivduos. Lngua = cdigo;estrutura.
Perspectiva formalista que se ocupa da
descrio da lngua enquanto estrutura,vista em geral como um sistema homog-neo. Enquadram-se aqui as gramticasdescritivas formais.
4. Forma ou lugar de ao ou
interao. Os interlocutoresso sujeitos que ocupamdeterminados lugares sociais
num dado contexto scio-histrico e em diferentessituaes comunicativas, nos traduzindo e externandopensamentos e sentimentos,
transmitindo informaes,mas principalmente atuando
uns sobre os outros atravsda linguagem.
Conjunto de usos concretos,historicamente situados, que en-
volvem sempre um locutor e um
interlocutor, localizados num
espao particular, interagindo apropsito de um tpico conver-sacional previamente negociado(CASTILHO, 1998, p. 11). A
lngua uma realidade scio-historicamente construda pelossujeitos/interlocutores. Lngua =enunciao; atividade social.
O conjunto de usos efetivos historica-
mente situados, portanto heterognea(representvel por regras variveis lin-gustica e socialmente motivadas), estatrelado ao que podemos chamar de
gramticas descritivas funcionais. De-scritivas, porque registram e descrevem
diferentes variedades da lngua em uso;e funcionais, porque procuram explicitar
as regras que regem o funcionamento
dos itens lingusticos em todos os nveis,principalmente o discursivo. Esse tipo
de gramtica no se ocupa apenas dasformas, mas de formas e funes.
Fonte: GORSKI; FREITAG, 2008, p. 103
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Sociolingustica
A Sociolingustica alinha-se concepo de linguagem, lngua egramtica de nmero 4 no quadro 1.
Koch (2002) v a lngua simultaneamente como um sistema e como umaprtica social. No primeiro caso ela vista como um conjunto de elemen-
tos inter-relacionados que se manifestam em vrios nveis de organizao(fonolgico, morfolgico, sinttico, semntico). No entanto, s se realizaou se configura no interior do meio social, lugar de interao dos membrosde uma sociedade. A anlise que aqui propomos centra-se na construoentre a concepo de lngua como sistema, de um lado, e a questo damudana lingustica, de outro. A viso da sistematicidade da lngua remete questo do funcionamento da lngua enquanto instrumento privilegiadoda comunicao humana, a sua condio de cdigo, que, para cumprir assuas funes discursivas, deve ser estruturado.
, justamente, nesse universo de interao que se constituem no apenasas formas lingusticas, mas tambm todas as maneiras de falar dos sujeitosnas suas atividades de linguagem. Usamos a lngua, nas nossas prticassociais, nas nossas atividades sociointerativas e a constitumos sempre emsituaes sociais de interlocues. O ser humano no consegue viver emsociedade sem esse veculo de comunicao. impossvel se conceberuma sociedade em que no haja lngua como meio de interao entre seusintegrantes.
Assim, a lngua nasce e se desenvolve no seio da comunidade humanae tambm se elabora pelo mesmo processo que a sociedade, pelo esforo
de produzir os meios de subsistncia. Ela pode nomear todas as novidadesque a vida social produz, mas nenhuma dessas mudanas reage diretamentesobre sua prpria estrutura. O sistema lingustico no muda seno muitolentamente, e sob a presso de necessidades internas, de modo que ossujeitos que falam uma dada lngua no so testemunhas das possveis mu-danas que possam, a vir, ocorrer no cdigo lingustico (BENVENISTE,1989, p. 101-2).
Em cada situao de fala em que o indivduo se insere e da qual par-ticipa, a lngua , ao mesmo tempo, heterognea e diversificada. E, justa-mente essa situao de heterogeneidade que deve ser processada, analisada,sistematizada e compreendida pelo pesquisador de lnguas e tambm peloprofessor de lngua materna. A diversidade lingustica est presente em to-dos os segmentos sociais e, como no podia deixar de ser, na sala de aula.Que gramtica ensinar? Como lidar com a diversidade lingustica? Estas eoutras questes sociolingusticas esto na pauta dos Parmetros CurricularesNacionais e por isso importante que o futuro professor se familiarize comos conceitos e com os pressupostos tericos deste ramo da Lingustica.Esperamos ajud-lo com a disciplina Sociolingustica.
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1BREVES CONSIDERAES ACERCA DASOCIOLINGUSTICA
O termo Sociolingustica fixou-se em 1964, em um congresso or-ganizado por William Bright, do qual participaram vrios estudiosos darelao entre linguagem e sociedade, como John Gumperz, Einar Haugen,William Labov, Dell Hymes, John Fischer e Jos Pedro Rona, entre outros.Os trabalhos apresentados neste congresso partiam da hiptese de que aSociolingustica deve demonstrar a covariao sistemtica das variaeslingusticas e social. Ou seja, relacionar as variaes lingusticas observveisem uma comunidade s diferenciaes existentes na estrutura dessa mesmasociedade. A proposta inicial da rea era identificar um conjunto de fatoressocialmente definidos, com os quais se supe que a diversidade lingustica
esteja relacionada. Na verdade, a sociolingustica uma continuidade dosestudos do comeo do sculo XX, de Franz Boas, Edward Sapir, BenjaminL. Whorf, em uma corrente chamada Antropologia Lingustica, para a quallinguagem, cultura e sociedade so considerados fenmenos inseparveis.
Voc encontrar um retrospecto mais amplo da emergncia daSociolingustica em ALKMIN, Tnia. Sociolingustica. Parte I.In: Fernanda Mussalim, Ana Cristina Bentes (orgs.). Introduo lingustica: 1. Domnios e fronteiras. So Paulo: Cortez, 2001. p. 21-47.
Em 1962, Dell Hymes prope um novo domnio de pesquisa, a Etno-grafia da Fala, rebatizada mais tarde como Etnografia da Comunicao. Decarter interdisciplinar, buscando a contribuio de reas como a Etnologia,a Psicologia e a Lingustica, este domnio pretende descrever e interpretar ocomportamento lingustico no contexto cultural. A Etnografia da Comuni-cao desloca o enfoque tradicional sobre o cdigo lingustico para definiras funes da linguagem a partir da observao da fala e das regras sociaisprprias a cada comunidade.
William Labov, em 1963, publica um estudo em que analisa comunidade
da ilha de MarthaVineyard, Massachusetts/Estados Unidos, destacando opapel decisivo dos fatores sociais na explicao da variao lingustica, isto, da diversidade lingustica observada. Labov consegue evidenciar a relaoentre fatores como idade, sexo, ocupao, origem tnica e atitude ao com-portamento lingustico manifesto dos vineyardenses, mais concretamente, pronncia de determinados fones do ingls. Em 1964, Labov realiza um es-tudo sobre a estratificao social do ingls em Nova York, a partir do qual fixaum modelo de descrio e interpretao do fenmeno lingustico no contextosocial de comunidades urbana conhecido como Sociolingustica Variacionista
ou Teoria da Variao, de grande impacto na lingustica contempornea.
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Sociolingustica
Os estudos de Labov esto traduzidos para o portugus e publicadosno livro Padres sociolingusticos (2008). Veremos com detalhes estesestudos na aula 3.
Merece destaque o ramo de estudos conhecido como Sociologia daLinguagem. Em um contnuo partindo do social ao lingustico, a Sociologiada Linguagem estaria mais ao final do social do que do incio do lingustico.Este campo da Sociolingustica foca os estudos de atitudes lingusticas,plurilinguismo, planificao lingustica e polticas de normativizao lin-gustica. No extremo do contnuo, mais prximo da lingustica, ficariama Sociolingustica Variacionista, os estudos de variao de registro, redessociais, pidgins e crioulos. A Sociologia da Linguagem e a Sociolingusticaso abordagens entrelaadas, interdisciplinares.
Assim, estes mltiplos enfoques que se abrigam sob o rtulo So-ciolingustica cobrem uma grande variao de assuntos que tm atradofortemente a ateno de estudiosos e pesquisadores e que podem emmuito contribuir para a prtica docente do profissional das Letras. Estasabordagens tm enriquecido as discusses sobre os estudos variacionistasrelacionados principalmente com a mudana lingustica, tanto no indivduocomo na comunidade, merecendo, assim, cada vez mais a realizao depesquisas empricas, no sentido de contribuir para a definio do conjuntode variedades e normas que, de fato, constitui o chamado portugus doBrasil. Nos prximos captulos, empreenderemos esta tarefa.
CONCLUSO
Vimos nesta aula que a lngua estabelece uma relao de ir e vir com asociedade. Sem a lngua, o homem no se organiza socialmente. Isso sig-nifica dizer que a organizao social depende da lngua, e que os fatos dalngua dependem da organizao da sociedade e vo variando, mudando,construindo discursos, trabalhando com elementos que esto ligados ao
fato de que o homem um ser lingustico e social, e de que essas duascoisas no se separam. Sistematizar este ir e vir da relao entre lngua esociedade a tarefa da Sociolingustica!
RESUMO
O nosso propsito, nesta primeira aula, foi o de propiciar a reflexo sobreas relaes entre lngua e sociedade. Vimos que o estudo da relao entre lnguae sociedade requer conceitos de lngua, gramtica e norma que se diferem dos
de outras abordagens, como a estruturalista ou gerativista, por exemplo. Vimosque a relao entre linguagem e sociedade base da organizao humana, com
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1a linguagem funcionando como ndice de pertencimento social e constitutivode seus indivduos. Ao se pensar a questo da lngua, podemos v-la como umaatividade, como um trabalho de sujeitos que, atravs dessa atividade, organizam,interpretam e do forma a suas experincias e realidade em que vivem. Assim,
a Sociolingustica tem sido uma rea de ampla investigao nos ltimos anoscom resultados que se refletem nas decises polticas e educacionais exigidaspelas questes que a diversidade lingustica suscita.
ATIVIDADES
1. Que caractersticas distinguem a sua maneira de falar da de seus avs?E a de um juiz de direito?2. Voc pode apontar alguma palavra que voc usa somente em sua casa,
e que no tenha ouvido em outro lugar?3. Aponte algumas grias e correlacione-as a um grupo social.4. Faa uma lista das pessoas com quem voc costuma interagir, estabelea o graude relacionamento e relate como cada pessoa se refere a voc no seu cotidiano.
COMENTRIO SOBRE AS ATIVIDADES
Nestas atividades, voc ir refletir sobre o uso da linguagem no contextosocial. So atividades prticas e bem individuais, que no tm gabarito.Mas h, por exemplo, algumas orientaes gerais. Se compararmos nossofalar ao dos nossos avs, vamos notar que eles fazem uso de alguns termosmuito peculiares, que eram moda poca deles, que hoje nem semprefazem sentido. Por exemplo, antigamente, cala jeans eram chamadasde cala de brim. Voc vai identificar outros aspectos, especialmenteaqueles relacionados s grias. Grias so recursos lingusticos decorrentesda necessidade que determinado grupo tem de particularizar e reforarseu sentimento de identidade. Gria de caminhoneiro, gria de feirante,gria de estudantes de determinada escola, gria de assaltante... Por
exemplo, arma de fogo pode ser ferro, berro, besouro... Aideia que s os entendidos compreendam. Pelas grias que usamos,podemos entregar a nossa idade.O nosso nome o nosso ndice de pertencimento social mais forte.Vamos retomar o exemplo de nossa aula, Jos, em casa, por seus filhos, chamado de papai ou painho. Por seus amigos, chamado deZ, Zeca. No trabalho, chamado de Soldado Jos. Em cadacontexto, cada papel social evoca uma forma especfica de referir a nsmesmos. Voc acharia muito estranho, at mesmo desrespeitoso, se umru, durante uma audincia judicial, chamasse o juiz de rapaz, ainda
que o ru e o juiz fossem amigos...
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Sociolingustica
SESSO PIPOCA
Babel (2006). Drama, com CateBlanchett, Brad Pitt e Gael GarcaBernal. Quatro mundos se unempara exibir um estudo sobre barreiraslingusticas, culturais e pessoais queabrange trs continentes: uma famliamarroquina compra uma arma paraproteger suas cabras; uma americanaem frias no Marrocos atingida poruma bala; uma bab tem problemasao tentar cruzar a fronteira do Mxico
com os EUA; uma jovem japonesasurda-muda se rebela contra o pai.
Espangls (2005). Comdia romnticacom Paz Vega, Tea Leoni e Adam Sandler.Uma mexicana imigrante ilegal consegueum emprego de empregada domstica na
casa de uma famlia americana, tendo quede lidar, entre outras coisas, com a barreiralingustica...
PRXIMA AULA
Agora que j vimos do que trata a Sociolingustica, veremos na prximaaula, Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos, comoeste campo do saber se constitui como cincia, ou seja, como seu objetode anlise delimitado e como so definidos os conceitos tericos da rea.
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Relaes entre lngua e sociedade Aula
1AUTOAVALIAOAps estudar esta aula, sou capaz de identificar e reconhecer relaes
entre a linguagem e sociedade, notadamente os usos lingusticos comondices de pertencimento social? Sei identificar os conceitos de lngua e degramtica que so subjacentes a uma abordagem sociolingustica? Com-preendi o conceito de norma lingustica? Se voc respondeu negativamentea estas perguntas, releia a aula, faa as atividades e procure a tutoria, poispara prosseguir na disciplina, estes conceitos introdutrios so essenciais.
REFERNCIAS
ALKMIN, Tnia. Sociolingustica. Parte I. In: Mussalim, Fernanda; Ben-tes, Ana Cristina Bentes (orgs.). Introduo lingusticaI. Domnios efronteiras. So Paulo: Cortez, 2001. p. 21-47.BAGNO, Marcos. A lingustica da norma. So Paulo: Loyola, 2002.BENVENISTE, mile. Problemas de lingustica geral II. Campinas:Pontes, 1989.FARACO, Carlos Alberto. Norma-padro brasileira: desembaraando al-guns ns. In: BAGNO, Marcos (org.).A lingustica da norma. So Paulo:Loyola, 2002. p. 37-61.GORSKI, Edair Maria; FREITAG, Raquel Meister Ko. Lngua materna e
ensino: alguns pressupostos para a prtica pedaggica. In: SILVA, CamiloRosa da (org). Ensino de portugus: demandas tericas e prticas. JooPessoa: Idia, 2007. p. 91-125.KOCH, Ingedore Villaa. Desvendando os segredos do texto. So Paulo:Cortez, 2002.LABOV, William. Padres sociolingusticos. So Paulo: Parbola, 2008.SAUSSURE, Ferdinand de. [1916] Curso de lingustica geral. 24 ed. SoPaulo: Cultrix, 2002.
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Aula
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(Fonte: http://2.bp.blogspot.com)
INTRODUO AOS ESTUDOSSOCIOLINGUSTICOS:OBJETO E CONCEITOS
METAApresentar os conceitos de lngua, dialeto e variedade lingustica pertinentes Sociolingustica.
OBJETIVOSDistinguir os conceitos de lngua, dialeto e variedade lingustica, separando o campo de estudos da
Sociolingustica do campo de estudos da Dialetologia.
PR-REQUISITOSRealizao das atividades e leituras da aula anterior.
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Sociolingustica
INTRODUO
Nesta aula, vamos discutir conceitos que so muito prximos, e porvezes at tomados por sinnimos, que causam certa confuso quando malempregados. O que uma lngua? E o que um dialeto? O que diferenciauma lngua de outra? E quantos dialetos tm uma lngua? Como surgem aslnguas? Estas e outras questes esto na esfera da Sociolingustica e tam-bm da Dialetologia. Veremos, ento, como distinguir estes dois camposdo saber, definindo os objetos de anlise de cada um.
(Fonte: http://tecnoblog.net)
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2LNGUA E DIALETOQuando observamos as relaes entre lngua e sociedade, frequent-
emente ouvimos avaliaes sobre o falar diferente de outras pessoas: falar
arrastado, cantado, rpido demais, forte, entre outras avaliaesum tanto quanto subjetivas. Voc j ouviu um portugus falando portu-gus? Se voc ainda no teve esta oportunidade, entre no site do InstitutoCames e acesse o udio e transcrio de alguns falares de Portugal. Ns,brasileiros, temos a impresso de que os portugueses falam engolindo asvogais. Mas se todos ns falamos o portugus (e foi assim que aprendemosna escola), por que ser que existem tantas diferenas?
O Instituto Cames < http://www.instituto-camoes.pt/> um rgodo Ministrio de Negcios Estrangeiros de Portugal responsvelpela promoo da lngua e cultura portuguesa no mundo. Em no link RegistosSonoros, voc encontrar amostras de falares portugueses e tambmdo portugus fora da Europa.
Quando nos deparamos com algum que fala diferente, dizemos queesta pessoa tem sotaque. Sempre o outro quem tem sotaque; umaimpresso subjetiva da diferena, que faz com que julguemos o falar; da asavaliaes de arrastado, cantado, etc. A definio de sotaque relacio-nada pronncia caracterstica de um dado pas, uma dada regio, um dadoindivduo. O sotaque que percebemos so caractersticas suprassegmentaise fonticas. Por exemplo, a entonao, a durao e a altura dos segmentos.Quando falamos em sotaque, falamos nos traos meldicos da realizaolingustica. Vemos isto com mais clareza quando nos deparamos com umestrangeiro falando outra lngua que no a sua lngua materna: tendemos acolocar o nosso padro meldico, alm de fazer adaptaes fonticas. Porexemplo, em ingls, a sequncia ortogrfica th, em the; this, thoot,tem realizao fontica de uma fricativa dental
, som que no fonmico
no portugus. Por isso, quando um brasileiro est aprendendo ingls, faz
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Sociolingustica
algumas aproximaes fonticas para tentar realizar o som: falar um d as-
soprando ou falar um t; seja qual for a tentativa, no a mesma coisa que
uma fricativa dental, e o falante nativo logo percebe o sotaque, ainda que a
estrutura gramatical e as escolhas lexicais estejam impecveis.
Um sotaque costuma ser associado a um dado perfil de falante, normal-mente associado sua origem. Percebemos, por exemplo, o sotaque paulista,
o sotaque baiano, o sotaque carioca. Muitas vezes, as caractersticas so
estereotipadas: muitos pensam que, para falar carioqus, basta palatalizar
as fricativas em posio de coda, como em dois
pasta
,
etc, ou para falar caipirs, basta realizar os r em posio de coda como
retroflexos. Voc conhece algum que passou trs meses no Rio de Janeiroe voltou falando mais carioqus que o prprio carioca? Neste caso, temosuma valorao positiva do esteretipo, pois o trao adotado como um
diferencial, um ndice de pertencimento. Mas pode ocorrer o contrrio, avalorao negativa: a discriminao e o preconceito lingustico em funodos traos.
Mas as diferenas entre os falares so muito mais do que apenas a curvameldica. Veja o quadro com os tipos de assaltantes brasileiros.
TIPO DE ASSALTANTE
ASSALTANTE MINEIRO s, preste ateno. Isso um assalto, uai! Levanta us bao e fiquequietim que mi pruc. Esse trem na minha mo ta cheio de bala...Mi pass logo os trocado que eu num to bo hoje. Vai andando, uai! Chispa daqui!!! Ta esperando qu, s?!
ASSALTANTE CEARENSEEi, bixim... Isso um assalto! Arriba os braos e num se bula nemfaa munganga... Passa vexado o dinheiro seno eu planto a peixeirano teu bucho e boto teu fato pra fora! Perdo, meu Padim Cio, mas
que eu t com uma fome da molesta...
ASSALTANTE BAIANO meu rei... (pausa). Isso um assalto... (longa pausa). Levanta osbraos, mas no se avexe no... (outra pausa). Se num quiser nemprecisa levantar, para num ficar cansado. Vai passando a grana, bemdevagarzinho ( pausa pra pausa ). Num repara se o berro est sembala, mas para no ficar muito pesado (pausa maior ainda). Noesquenta, meu irmozinho, (pausa). Vou deixar teus documentos na
encruzilhada.
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2ASSALTANTE CARIOCA
A, perdeu, meu irmo! o seguinte, bicho! Isso um assalto, sac?Passa a grana e levanta os brao rapa ... No fica de co que eu te passo
o cerol .... Vai andando e se olhar pra trs vira presunto...
ASSALTANTE PAULISTAIsto um assalto! Erga os braos! Porra, meu... Passa logo a grana,meu. Mais rpido mais rpido, meu, que eu preciso pagar o mano queme passo o bilhete para o jogo do curintia, meu. P, agora se manda,meu, vai... vai.
ASSALTANTE GACHOO guri, ficas atento... isso um assalto. Levanta os braos e te aquieta,
tch ! No tentes nada e cuidado que esse faco corta uma barbaridade,tch. Passa os pilas pra c ! Tri- legal! Agora, te manda, t?
Fonte: http://www.bacaninha.uol.com.br/home/mensagens/engracadas/2002/01/as-
saltantes_brasileiros/assaltantes_brasileiros.html
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Sociolingustica
Alguns estudiosos relacionam sotaques a dialetos, como se fossemequivalentes. Um dialeto costuma ser definido como a forma como umadada lngua realizada em dada regio geogrfica; no so s o contornomeldico e os suprassegmentos que so diferentes: os traos lexicais, mor-fofonmicos, morfossintticos e semntico-discursivos tambm apresentamdiferenas, em maior ou menor grau, mas que no chegam a impedir acomunicao entre os falantes de diferentes dialetos da lngua.
Outro trao associado definio de dialeto que esta modalidadeno possui registro escrito, essencialmente oral e, por isso, no teria ostatus de uma lngua. As fronteiras dialetais so chamadas de isoglossas.No Brasil, Antenor Nascentes propusera, na dcada de 1930, um mapa dosdialetos do Brasil (figura 7).
O conceito de dialeto ganhou contornos pejorativos, sendo entendidocomo uma espcie de corruptela da lngua, quando na verdade se trata deapenas uma variedade lingustica. Assim, na Sociolingustica, opta-se portratar as realizaes lingusticas em comunidades especficas como varie-dades lingusticas.
A Dialetologia, como veremos adiante, o ramo da cincia lingusticaque trata do estudo dos dialetos e das fronteiras dialetais, tanto geogrfi-cas como sociais. A Sociolingustica, por sua vez, elege como objeto deestudo a variedade lingustica, a coexistncia das regras variveis. Emboraem princpio parea a mesma coisa, a Sociolingustica e a Dialetologia tmabordagens metodolgicas diferenciadas.
Fronteiras dialetais do Brasil, conforme a proposta de Antenor NascentesFonte: www.cin.ufpe.br/~rac2/portugues/dialebr.html
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2VARIEDADE SERGIPANA
Po jac: po francsPerainda: juno dos termos espere e ainda. Quer dizer, fique esperando.Avexada (o): com pressaAqute (aquiete) o faixo: usada para pedir que algum contenha osnimos, ou simplesmente que fique calmaDe hoje: H muito tempoDe hoje a oito: Daqui a uma semanaMulher: mesmo quando se sabe o nome da pessoa a expresso utilizadarepetitivamente em uma conversaNiuma (nenhuma): sem problema algum!
Fi (a) do cabrunco (filho do cabrunco): reala as qualidades de algum,tanto positivas quanto negativasBotou p (pra) l: arrebentou, fez muito bem. Pode ser substituda pelasexpresses botar p lascar, botar p descer, botar pocando.Da gota: d nfase a algo/algum muito bom ou ruimPense: voc nem imaginaE foi?: demonstra surpresa em relao histria relatadaPegar o beco: ir emboraCaando: procurando
Brenha: lugar muito distanteVixe: adaptao da palavra virgem, substituindo a expresso VirgemMariaDeixe de conversa: utilizado quando algum no acredita, ou no queracreditar, em uma histriaAzuado (a): cheio de tarefas a cumprir, estressadoMeladinha: bebida feita com cachaa, cebola e tempero verde, servidatradicionalmente quando um beb nasce. Muito comum em algumaszonas rurais do Estado.Divera: derivada da expresso de fato, usada quando algum se lembra
de algo. Muito usada nas zonas rurais.Rapaz: a palavra usada para se referir a idosos, adultos, crianas,mulheres, moas e, por que no, a rapazes!Avie (aviar): provavelmente derivada da palavra avio, usada parapedir pressa a algumMr menino (mas menino): expresso usada para discordar de algoVou no: hbito dos sergipanos e nordestinos de forma geral, em colocaro verbo antes do advrbioMangando (mangar): apesar de estar no dicionrio da lngua portuguesa,apenas utilizada na regio Nordeste. Significa rir, tirar sarro. pulso: na marra, na fora
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Sociolingustica
Arrodeou (arrodear): dar uma volta completa em torno de algo ou algumPois... : uma espcie de palavra-chave no dialeto sergipano,principalmente na capital. usada nas mais diversas situaes: dvida,discordncia, desprezo, etc.Me picar (se picar): ir embora. Surgiu da antiga expresso picar a mulaBora embora: A expresso secular foi se modificando: vamos em boahora se transformou em vamos embora, que virou vambora, queainda foi diminuda a bora. O sergipano usa a repetio Bora embora.Painho: forma carinhosa de se referir ao pai e me (mainha), tpicodos nordestinos.T c peste (est com a peste): expressa a descrena em uma hiptese,quando no se acredita que algum vai tomar determinada atitude.Totot: barcos de pequeno porte, muito utilizados em Sergipe antes da
construo da ponte Joo Alves, que liga Aracaju Barra dos Coqueiros.Recebeu esse nome pelo barulho que o motor emite.M fio (meu filho): gria urbana, muito utilizada no tratamento entreamigos. O sergipano reduziu as duas palavras que, quando pronunciada,parece uma s.Baba: partida de futebol descontrada, no oficial. Chamada de peladaem outras regies do pas.Nestante: abreviao da expresso neste instante. Apesar de dar ideiade presente, tambm usada em frases no passado e no futuro.Que s: expresso utilizada para dar ideia de intensidade.Ruma: amontoado de coisas ou pessoas; o mesmo que um monteBarriar (barrear): ficar irritado, com raiva; em sergipans, barriar tambmpode ser ficar azedoOchente: simplifica a expresso Oh, gente! (Enviada pelo internautaUbiratan ramos)ia [Olha], deixe dessa: aconselha a no fazer algo ou deixar de ladoalgum sentimento. Pode substituir as expresses no faa isso ou nopense assim (Enviada pelo internauta Carlos)Valeime: usado em situaes de espanto ou desespero (Enviada pela
internauta Neide)Arretado: serve para qualificar algo ou algum positivamente (Enviadapelo internauta Raphael)Gastura: aflio, mal estar (Enviada pela internauta Jucilane)E foi, foi? : repetio utilizada pelos sergipanos para enfatizar a dvida(Enviada pelo internauta Walter)Eita pga: expresso para momentos de desespero ou alegria. Ex: Eitapga, que coisa boa!; Eita pga, o que eu fao agora? (Enviada pelointernauta Walter)Naonde: substitui, em alguns casos, o advrbio onde (Enviada pelo
internauta Ademilton Costa)
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2Paia (de palha, como palhas de coqueiro): coisa, pessoa, situao depouco valor. E, para variar, pode ser usado tambm em sentido positivo.(Enviada pela internauta Lili)Fi do cranco: semelhante a fio do cabrunco (Enviada pela internautaLili)Capar o gato: o mesmo que sair apressado, pegar o beco (Enviada pelainternauta Lili)Uma: usada para quantificar, dar ideia de muita coisa ou muitas pessoas(Enviada pelo internauta Gervsio)Eita gota: utilizada para demonstrar espanto, semelhante a eita pga(Enviada pelo internauta Gervsio)Marroque: outra expresso para po francs, assim como tambm sopo dgua, po de sal e po jac (Enviada pelo internauta Gervsio)
Apois: expressa descrena (Enviada pela internauta Judith)Viu: substitui o OK ou simplifica a palavra ouviu (Enviada pelasinternautas Mrcia e Mony Grazielle)Esmol: pessoa que pede esmolas nas ruas (Enviada pelo internautaClveston lapa)Caixa de fsforo: expresso que se d quando o indivduo est contandouma histria e antes de terminar , ele usa a expresso porque no temargumento para termin-la. (Enviada pelo internauta Irineu)Vte: expresso usada mais pelos mais velhos, que quer dizer, quenegcio estranho (Enviada pela internauta Carla Mendona)
Baleio: farra, brincadeira (Enviada pela internauta Carol Amancio)Pisadinha: passeata em tempos de campanha eleitoral (Enviada pelainternauta Carol Amancio) peste: euforia, entusiasmo (Enviada pelo internauta Alexandre)Pra caraio: d nfase a algo (Enviada pelo internauta AnselmoBittencourt)Mangelo: jamelo (Enviada pelo internauta Ricardo Pereira)
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Sociolingustica
As diferenas lingusticas costumam ser reunidas em trs tipos de
variao: a variao regional ou geogrfica (diatpica), a variao social
(diastrtica), e a variao estilstica ou de registro mais ou menos formal
(diafsica). Podemos ainda considerar uma quarta variao, decorrente da
modalidade oral ou escrita da lngua (diamsica). Todos os tipos de variao
ocorrem nos diferentes nveis lingusticos: fontico-fonolgico (ex.: ; ); morfolgico (ex.: ; ); sinttico (ex.: ; ) ; lexical (ex.: ); discursivo (ex.: ; ).
Agora que conhecemos a distino entre sotaque e dialeto, e que adota-
mos o rtulo variedade lingustica para abranger as diferentes realizaes
de uma lngua em relao aos grupos de falantes especficos, vamos passar
definio de lngua propriamente. Uma lngua muito mais uma unidade
poltica do que uma unidade lingustica. A noo de lngua est associada
a uma nao, a um povo, a um territrio. Em muitos casos, variedades de
uma mesma lngua so to ou mais diferentes do que duas lnguas o so
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2entre si. Quando falamos em lngua, falamos em um trao ptrio, identitrioe institucional.
Assim, todas as lnguas tm variedades. Tomemos o caso do portugus.O portugus a lngua oficial de oito pases de quatro continentes, que com-
preendem a Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa: Angola, Brasil,Cabo Verde, Guin Bissau, Moambique, Portugal, So Tom e Prncipe eTimor Leste. O portugus falado no Brasil diferente do portugus faladoem Angola, assim como, dentro do Brasil, o portugus falado em Salvador/BA diferente do portugus falado em Porto Alegre/RS. Assim, dizemosque a lngua portuguesa composta por variedades.
CONTATOS LINGUSTICOS
Quando os portugueses aportaram no Brasil, poca do descobrimento,depararam-se com uma populao autctone que no falava portugus.O que duas pessoas, cada uma falando uma lngua diferente, fazem parase comunicar? Nestes contextos de comunicao emergencial, podemostentar mmica, gestos, a associao ditica entre uma forma fnica e umaentidade. O interesse em tentar aprender a lngua do outro proporcionalao interesse nos frutos da interao com o outro. As situaes de contatolingustico do-se principalmente nas situaes de interao comercial eprocessos migratrios macios (como a escravido).
Quando duas lnguas entram em contato, uma assume a funo de
superestrato (lngua do grupo dominante geralmente minoritrio im-posta como veculo de comunicao ao grupo dominado a partir da qualse constitui o lxico da lngua que pode se formar na situao de contato)e a outra assume a funo de substrato (lngua do grupo dominado geral-mente majoritrios que se adapta em termos de estrutura gramatical parareceber a contribuio lexical da lngua do grupo dominante), situao quepode vir a originar um pidgin.
Um pidgin se forma nesta situao de interao, contato lingusticoemergencial, incorporando o lxico do superestrato lingustico estrutura
gramatical do substrato lingustico. A partir do momento que o pidgin passaa ser lngua materna (pensemos nos casamentos intertnicos), configura-seum crioulo. Uma das lnguas crioulas mais famosas o tok pisin, falado naNova Guin, que tem o ingls como superestrato e uma lngua aborgenecomo substrato.
As lnguas crioulas podem, ainda, sofrer um processo conhecido comodescrioulizao, em que os falantes assumem o superestrato lingusticocomo o padro de correo gramatical, aproximando a estrutura gramaticaldo crioulo da lngua do superestrato.
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Sociolingustica
3 SOCIOLINGUSTICA E DIALETOLOGIA
Vamos voltar s diferenas entre Sociolingustica e Dialetologia. A Di-
aletologia. O interesse pelo mapeamento geogrfico das variedades lingusti-
cas os dialetos anterior prpria lingustica: a Dialetologia surge no
sculo XIX. Na Dialetologia, traos lingusticos especficos por exemplo,
itens lexicais e aspectos fonolgicos so elencados e a partir dos quais so
coletados dados dos informantes para que subsidiem o delineamento das
isoglossas. A Sociolingustica, como vimos na primeira aula, mais recente,
nasce na segunda metade do sculo XX. As variedades lingusticas tambmso seu objeto, mas sob uma perspectiva mais verticalizada, pois o interesse
Fonte: PINHO; MARGOTTI, 2009, p 65.
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2no aferir as fronteiras de uma variedade, mas como esta variedade secomporta nas diferentes estratificaes da comunidade de fala.
No Brasil, a Dialetologia tem sido contemplada com o projeto Atlaslingustico do Brasil (ALiB), lanado em 1996. Atualmente, os estudos
dialetolgicos no Brasil no mbito do projeto ALiB vm incorporando ametodologia da Sociolingustica laboviana. O estado de Sergipe conta comdois volumes de atlas lingustico no ALiB (FERREIRA, 1987; CARDOSO,2002). Para mais detalhes, sugerimos a consulta do link http://acd.ufrj.br/~pead/tema01/link40.html
A ttulo de ilustrao, vejamos um mapa lingustico do Atlas Lingusticoda Regio Sul, que trata da variao lexical do item diabo.
Para obter este mapa, cada cidade (chamada de ponto) definida paracompor o atlas, os informantes selecionados foram interrogados da seguinte
maneira: Deus est no cu e no inferno est o...? As respostas a estapergunta foram diabo, demnio, capeta, satans, demonho. Alinha traada no mapa da figura 8 aponta uma fronteira dialetal, a partir dasrepostas obtidas para a pergunta. Assim, a Dialetologia v diferenas entrereas dialetais tomando por base um trao lingustico especfico. A abordagemSociolingustica observaria como este trao lingustico se comporta dentrode uma comunidade de fala: quando se faz uso deste trao (contexto formalou informal?), quem faz uso deste trao (Homens ou mulheres? Jovens ouadultos?), entre outros, a fim de definir as relaes dentro da comunidade.
CONCLUSO
Nesta aula, conhecemos os conceitos de lngua, dialeto e sotaque e vimosque a Sociolingustica, a fim de evitar reaes de estigma, opta por tratar seuobjeto de estudo por variedade lingustica. Vimos tambm nesta aula que aSociolingustica e a Dialetologia so as reas da Lingustica que lidam como falar, em perspectivas diferenciadas. A Sociolingustica foca as relaes dacomunidade de fala com dado trao lingustico, a Dialetologia foca as fron-teiras entre variedades a partir de dado trao lingustico.
RESUMO
Discutimos conceitos bsicos da Sociolingustica. Vimos que, quandoobservamos a relao entre lngua e sociedade, ouvimos avaliaes impres-sionsticas referentes ao falar diferente de outras pessoas (arrastado,cantado, forte, etc.). A isto chamamos de sotaque, e o interessante disso que sempre o outro quem tem sotaque, quando falamos em sotaque,falamos de traos meldicos da realizao lingustica. Um sotaque costuma
ser associado a um dado perfil de falante, normalmente associado suaorigem, percebemos, por exemplo, o sotaque baiano, o sotaque carioca,
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etc. Um dialeto costuma ser definido como a forma como uma dada lngua realizada em dada regio geogrfica; no s o contorno meldico e ossuprasegmentos que so diferentes: os traos lexicais, morfofonmicos,morfossintticos e semntico-discursivos tambm apresentam diferenas.
Assim, na Sociolingustica, opta-se por tratar as realizaes lingusticas emcomunidades especficas como variedades lingusticas. Vimos tambm queuma lngua muito mais uma unidade poltica do que uma unidade lingustica;est associada a uma nao, a um povo, a um territrio. Vimos que, quandoduas lnguas entram em contato, uma assume a funo de superestrato e aoutra assume a funo de substrato, podendo originar um pidgin. A partirdo momento que o pidgin passa a ser lngua materna configura-se um crio-ulo (como o tok pisin, falado na Nova Guin). Cabe ainda mencionar que aSociolingustica e a Dialetologia so as reas da Lingustica que lidam com o
falar, em perspectivas diferenciadas, pois a Sociolingustica foca as relaesda comunidade de fala com dado trao lingustico e a Dialetologia foca asfronteiras entre variedades a partir de dado trao lingustico.
ATIVIDADES
1. Marcos Bagno (2001) aponta 8 mitos do preconceito lingustico:a) A lngua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendenteb) Brasileiro no sabe portugus/S em Portugal se fala bem portugusc) Portugus muito difcil
d) As pessoas sem instruo falam tudo erradoe) O lugar onde melhor se fala portugus no Maranhof) O certo falar assim porque se escreve assimg) preciso saber gramtica para falar e escrever bemh) O domnio da norma culta um instrumento de ascenso social Tente desmistificar os 1, 2 e 5 com os conceitos discutidos nesta aula.
2. Ainda de Preconceito lingustico: um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo
como a fala nordestina retratada nas novelas de televiso, principalmente daRede Globo. Todo personagem de origem nordestina , sem exceo, um tipogrotesco, rstico, atrasado, criado para provocar o riso, o escrnio e o debochedos demais personagens e do espectador. No plano lingustico, atores no-nordestinos expressam-se num arremedo de lngua que no falada em lugarnenhum no Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que aquela deveser a lngua do Nordeste de Marte! Mas ns sabemos muito bem que essa atituderepresenta uma forma de marginalizao e excluso. (BAGNO, 2001, p. 44)
Com base no que discutimos nesta aula, como podemos explicar o que
Bagno chama de lngua do Nordeste de Marte?
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Introduo aos estudos sociolingusticos: objeto e conceitos Aula
2COMENTRIO SOBRE AS ATIVIDADES
Os trs mitos esto interrelacionados e, para serem desmistificados,
precisamos ter muito claros os conceitos de lngua e variedadeslingusticas. A ideia de unidade apenas poltica, em termos
lingusticos, entendemos uma lngua como um conjunto de
variedades, logo, no h uma unidade, no sentido de homogeneidade.
Toda a lngua constituda por um conjunto de variedades, sem
que haja uma superior s demais. A ideia de que h uma variedade
correta, seja o portugus de Portugal, ou o portugus do Maranho,
ou o do Rio de Janeiro, equivocada, no sentido de que no h uma
variedade lingustica superior outra.
A questo do sotaque leva ao que Bagno chama de lngua do
Nordeste de Marte. Os atores fazem uma adaptao do seu sistemalingustico, particularmente os traos suprassegmentais e fonticos,
na tentativa de retratar o sotaque nordestino. Do mesmo jeito
que percebemos que um estrangeiro tentando falar portugus,
percebemos tambm algum que tenta imitar o sotaque de outra
variedade, levando aos esteretipos e gerando, at, preconceito.
A leitura do livro de Marco Bagno Preconceito lingustico: o que
como se faz interessante e recomendada para explorar ainda mais
os temas discutidos nesta aula.
SESSO PIPOCA
Lngua: vidas em portugus (2004).
Documentrio com Mia Couto, Jos
Saramago, Martinho da Vila, Joo Ubaldo
Ribeiro, Teresa Salgueiro, Edinho. Todo
dia, duzentos milhes de pessoas levam
suas vidas em portugus. Fazem negcios
e escrevem poemas. Brigam no trnsito,
contam piadas e declaram amor. Tododia a lngua portuguesa renasce em
bocas brasileiras, moambicanas, goesas,
angolanas, japonesas, cabo-verdianas,
portuguesas, guineenses. Novas lnguas
mestias, temperadas por melodias de
todos os continentes, habitadas por
deuses muito mais antigos e que ela acolhe
como filhos. Lngua da qual povos colonizados se apropriaram e que
devolvem agora, reinventada. Lngua que novos e velhos imigranteslevam consigo para dizer certas coisas que nas outras no cabe.
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Sociolingustica
PRXIMA AULA
Agora que j conhecemos o objeto da Sociolingustica, na prxima aula, ASociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicos, veremos
como a vertente variacionista se constituiu como um campo do saber.
AUTOAVALIAO
Aps esta aula, consigo diferenciar lngua de variedade? E Sociolingustica
de Dialetologia? Caso ainda esteja com dificuldades, devo procurar a tutoriapara dirimir as dvidas sobre estes e outros contedos.
REFERNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito lingustico o que , como se faz. 7a.ed. So Paulo: Loyola, 2001.BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educao em lngua materna:asociolingustica na sala de aula. So Paulo: Parbola, 2004.CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva.Atlas Lingustico de SergipeII. Rio de Janeiro: S. A. M. da S. Cardoso, 2002. 2 v.FERREIRA, Carlota et al.Atlas Lingustico de Sergipe. Salvador: UFBA- Instituto de Letras/Fundao Estadual de Cultura de Sergipe, 1987.PINHO, Antnio Jos; MARGOTTI, Felcio Wessling. Aspectos de variaolexical no sul do Brasil: o demnio varia no sul? Interdisciplinar. Revista deEstudos em Lngua e Literatura, vol. 9, p. 51-66, 2009.
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A SOCIOLINGUSTICA
VARIACIONISTA:PRESSUPOSTOSTERICO-METODOLGICOS
META
Apresentar os pressupostos terico-metodolgicos da corrente conhecida como
Sociolingustica Variacionista, com nfase nos estudos pioneiros de William
Labov.
OBJETIVOS
Diferenciar os conceitos de comunidade de fala, regra varivel e de
heterogeneidade sistemtica, postulados por William Labov.
PR-REQUISITOSReler a primeira aula.
Aula
William Labov, grande linguista, considerado o fundador da disciplina sociolingusticavariacionista.(Fontes: http://neon.niederlandistik.fu-berlin.de)
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Sociolingustica
INTRODUO
Como vimos na aula 1, a Sociolingustica Variacionista um dos ramosda Sociolingustica. Nesta aula, vamos analisar detalhadamente os estudospioneiros de William Labov que voc j viu brevemente na aula 1 , pois
a partir deles que se firma este ramo de estudos da Sociolingustica. A So-ciolingustica Variacionista uma rea muito produtiva no cenrio brasileiroda pesquisa lingustica, bem como traz contribuies significativas para o
ensino de lngua materna. Por isso, nesta aula, daremos especial ateno aeste ramo da Sociolingustica. Inicialmente, veremos os estudos que sub-sidiaram as bases tericas e os princpios metodolgicos da Sociolingustica
Variacionista. Em seguida, veremos os conceitos bsicos da SociolingusticaVariacionista: comunidade de fala, variveis e variantes.
William Labov chegou a produzir um atlas do Ingls Americano, redefinindo os dialetos regionaiscom base em alteraes de som em 1990 e chamando novas fronteiras refletindo essa mudana. Esteatlas d a primeira viso global dos sistemas de pronncia e vogal dos dialetos nos E.U.A e Canad.(Fonte: http://ecx.images-amazon.com)
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A Sociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicosAula
3OS ESTUDOS PIONEIROS DE WILLIAM LABOV
William Labov considerado o fundadordos estudos variacionistas da Sociolingustica.Esta linha de pesquisa busca estudar padressistemticos de variao na sociedade, adotandoo mtodo de anlise quantitativo. Para chegara este modelo, as constataes de dois estudosforam essenciais: a realizao dos ditongos nailha de Marthass Vineyard e a realizao do/R/ na cidade de Nova Iorque.
Voc pode ler estes estudos na ntegra noscaptulos 1 e 2, respectivamente, do livroPadres Sociolingusticos, de William Labov
(2008), cuja traduo para o portugus foi feitapor Marcos Bagno, Marta Scherre e CarolineOliveira.
A REALIZAO DOS DITONGOS EM MARTHASS
VINEYARD
Marthas Vineyard uma ilha pertencente ao Estado do Massachussets,na costa Atlntica dos Estados Unidos. Na poca das observaes de Labov,a ilha contava com cerca de 5.500 habitantes, dividida entre trs grandesgrupos tnicos: indianos, portugueses e ingleses. A parte oeste da ilha onde se concentravam os moradores permanentes, e foi a rea escolhidapelos veranistas, que compraram quase toda rea da costa nordeste, conhe-cida como Ilha Baixa. A poro ocidental da ilha, Ilha Alta, onde residia amaioria dos nativos, tem caractersticas estritamente rurais, com pequenos
vilarejos, lagoas salvadas e pntanos despovoados. nesta regio que fica
Fonte: http://www.upenn.edu/pennnews/current/2006/011206/labov-index.jpg
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Sociolingustica
Chilmark, vilarejo que vive de atividades pesqueiras, e que j foi sede de umaindstria de caa de baleias. Dos 2,5% da populao ainda envolvidos naindstria de pesca poca da investigao de Labov, a maioria vivia na reade Chilmark. Os pescadores de Chilmark formavam o mais fechado grupo
social da ilha, notadamente avesso invaso dos veranistas. Os pescado-res eram caracterizados pelos outros ilhus como pessoas independentes,hbeis, fisicamente fortes, corajosos, sumarizando as virtudes daquilo quese considerava o bom e velho Yankee, em oposio aos veranistas, vis-tos como representantes da sociedade voltada ao consumo. O lugar umcenrio encantador, que, na poca, atraia cerca de 40000 turistas de veraneiona temporada. Apesar do fluxo turstico, a ilha era a cidade mais pobredo Estado de Massachussets. neste cenrio socioeconmico e culturalque William Labov empreendeu sua investigao, que tinha como objeto
as diferenas entre a variedade lingustica dos nativos ilhus e a variedadepadro do resto da regio onde ficava a ilha.
O foco da anlise foi a realizao dos ditongos /ay/ e /aw/ (como emmouse e mice), que so normalmente pronunciados no sudeste daregio da Nova Inglaterra, mas em Marthas Vineyard, Labov frequentementeouvia e , o que aponta para o arredondamento ou cen-tralizao dos ditongos.
Assim, para sua investigao, Labov entrevistou 69 pessoas. Para ter certezade que os informantes usariam palavras que contivessem os ditongos, Labovelaborou um roteiro de entrevista que tornava provvel o uso de palavras comoright ou life nas respostas. Outra estratgia utilizada para ter uma base
mais uniforme da variao foi a leitura de um texto, contendo palavras com os
A ilha de Marthas Vineyards (Massachussets, Estados Unidos)(Fontes: 01 http://www.world-guides.com, 02 http://www.balcells.com,03 http://static.howstuffworks.com)
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3ditongos, por alunos de uma escola da ilha e tambm outras pessoas. Sete dasleituras foram gravadas para serem submetidas a uma anlise espectogrfica (afim de analisar os formantes dos ditongos)
A primeira constatao de Labov foi que as pessoas da faixa etria 30-45
anos tendem a centralizar os ditongos mais que a faixa etria mais jovem oumais velha. Outra constatao foi que os habitantes da Ilha Alta costumamcentralizar os ditongos que os habitantes da Ilha Baixa. Os pescadores deChilmark centralizam /ay/ e /aw/ muito mais que qualquer outro grupoocupacional. Falantes descendentes de ingleses e de indianos tendem mais acentralizar os ditongos do que descendentes de portugueses. Estes resultadospareciam evidenciar que gerao, ocupao e grupo tnico podem ser umaprimeira categorizao quanto dimenso social do uso da lngua.
Para explicar o fenmeno das diferentes realizaes dos ditongos em
Marthas Vineyard um novo critrio foi adicionado: atitude quanto MarthasVineyard. A hiptese para investigao era que pessoas orientadas positiva-mente quanto Marthas Vineyard tenderiam a centralizar mais que as pessoascom orientao negativa sobre a ilha. De fato, h uma ideia separativista quanto lngua entre os Vineyarders: Vocs que vem para c, para Marthas Vineyardno entendem os costumes das velhas famlias da ilha... costumes e tradiesestritamente martimos... e aquilo que nos interessa, o resto da Amrica, estaparte do outro lado aqui da gua que pertence a vocs e com que ns no temosnada a ver, se esqueceu completamente (LABOV, 2008, p. 49)
A tabela 1 ilustra a importncia do desejo de emigrar ou ficar em Marthas
Vineyard, mostrando nmeros absolutos da centralizao dos ditongos emrelao ao lugar de residncia examinado.
Tabela 1: ndices de centralizao em funo do aspecto migratrioem Marhas Vineyard
Ilha BaixaQuerem partir
Ilha AltaQuerem ficar
(ay)(aw) (ay)(aw)
00-40 90-10000-00 113-119
Fonte: LABOV, 2008, p. 52
Pessoas da Ilha Alta em mdia tendem a centralizar os ditongos maisfrequentemente que a mdia dos habitantes de Ilha Baixa. As pessoas daIlha Alta que definitivamente querem ficar na ilha mostram um significa-tivo aumento na tendncia de centralizao, enquanto as pessoas de IlhaBaixa que querem emigrar quase no mostram centralizao dos ditongos
/aw/ e /ay/.
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Esta constatao se torna mais bvia quando os informantes so sub-divididos em conjuntos disjuntos quanto atitude em relao sobre a ilha:positivo, negativo ou neutro. A tabela 2 mostra as ocorrncias absolutas decentralizao em relao atitude do informante.
Tabela 2: Centralizao e atitude com relao Marthas Vineyard
Pessoas (ay) (aw)
40 Positiva 63 62
19 Neutra 32 42
6 Negativa 09 08
Fonte: LABOV, 2008, p. 59
Pessoas que mostram uma atitude negativa em relao MarthasVineyard e/ou querem deixar a ilha imitam o acento da variedade da NovaInglaterra, enquanto as pessoas que querem ficar expressam sua atitude emrelao ilha talvez inconscientemente pela tendncia mdia a forte decentralizao dos ditongos.
Como resultados do estudo em Marthas Vineyard, Labov formula algu-mas regras para a mudana lingustica, definindo seu contexto. Elas podemser sumarizadas pela frmula (1).
f(A) f(AC) (1)
Em (1), f(A) so traos lingusticos usados por um grupo A, que dife-rem dos traos de todos os outros grupos que no so A, denominadocomplemento de A, notado na frmula como AC. Ento, a lngua dogrupo A pode tornar-se uma referncia para um grupo B, tal como (2)
f |A(B) = lf (A) (2)
onde l um fator para expressar que os traos do grupo A so
exagerados, ou seja,f(A) lf(A)f|A(B) significa que os traos de B soinfluenciados por A. Logo,
||f|A
(B) ||||f(A)|| (3)
em (3), |||| significa que a norma dos traos de ____. Ento f|A
(B)pode tornar-se uma nova referncia para um grupo C, como em (4):
f|B|A
(C)=lf(B|A) (4)
Por induo esta cadeia pode ser estendida e mostra que a lngua muda
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A Sociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicosAula
3em processo contnuo, sem necessidade de convergncia em um ponto final. preciso atentar que a cadeia somente significa que para uma mudana do grupoB preciso ter alguma referncia dos traos do grupo A; a pura a existnciados traos do grupo A no suficiente para desencadear a mudana lingustica.
Para investigar mais aprofundadamente o problema das condies sob asquais a mudana lingustica toma lugar, Labov empreendeu um estudo sobrea estratificao do /R/ na cidade de Nova York, o qual veremos a seguir.
A ESTRATIFICAO SOCIAL DO /R/ NAS LOJASDE DEPARTAMENTO DA CIDADE DE NOVA
IORQUE
H diferenas em analisar a variao lingustica na ilha de MarthasVineyard e na cidade de Nova York. Em nmero de habitantes, por exem-plo, a diferena de milhares. Para realizar o estudo em Marthas Vineyard,Labov entrevistou 1% da populao da ilha; para fazer o mesmo em NovaIorque, seria preciso contatar perto de 80.000 pessoas.
Para o estudo em Nova Iorque, Labov precisou tentar uma abordagemdiferente para conseguir entrevistar um significativo nmero de pessoas emum curto espao de tempo. As entrevistas precisavam ser curtas e propciaspara que a varivel lingustica ocorresse com frequncia, e que pudesse serobservada em um ambiente homogneo.
Os falantes nova-iorquinos tm um sotaque muito caracterstico. Es-tudos preliminares de Labov levaram determinao da varivel lingusticaanalisada: a realizao do /r/ (sua ausncia ou presena do /r/ conso-nantal em posio ps-voclica, como em car, que pode ser realizadocomo [k ] ou [ka] ). Sua hiptese era de que h certo significado social naproduo deste som, h uma distino no ambiente social em que ocorre oapagamento ou o no apagamento do /r/ ps-voclico. De acordo com asua teoria, pessoas que tm o mesmo valor de realizao do /r/ pertenceriamao mesmo grupo social. O grupo social mais alto deveria realizar o /r/ namaior parte das ocorrncias, enquanto que o grupo mais baixo deveria se
comportar ao contrrio. Como o /r/ um som relativamente frequente, nohaveria problema na coleta de dados com entrevistas curtas, com diferentesfalantes. Para colet-los, Labov entrou em contato com vrias pessoas queno sabiam que estavam sendo estudadas.
Uma vez introduzido como um linguista estudando a lngua, o pes-quisador manipula as pessoas a usarem uma pronncia cuidadosa, o quecostuma ser conhecido como paradoxo do observador (veremos na aula6). Em uma entrevista extensa, na qual o entrevistador pode estabelecer umarelao de confiana, o informante pode esquecer sua pronncia cuidadosa
durante um intervalo de tempo, mas isso no acontece em entrevistas cur-tas, o que se apresenta como um problema na coleta de dados. Por isso,
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Labov escolheu um grupo que poderia servir como informante porqueno atentaria sua pronncia, e que seria fcil de contatar, uma vez queseu trabalho ser contatado: vendedores de lojas de departamento. Ele fezsua pesquisa em trs lojas de departamento de Nova Iorque, fazendo aos
funcionrios perguntas fceis em que seria utilizada alguma palavras com/r/ ps-voclico na resposta.
Para testar suas hipteses, ele sups que as pessoas que trabalham emuma loja mais cara, destinada s pessoas de classe alta, apresentariam omesmo comportamento de realizao de /r/ que seus consumidores, con-siderando que para fazer com que os consumidores se sintam vontade,os vendedores se adaptariam mesma variedade lingustica.
Saks
Fontes: 01 http://pushgroup.com, 02 http://pursuitist.com
01
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H vrias lojas de departamento na cidade de Nova Iorque. Lojas dife-rentes tm consumidores diferentes. Para sua investigao, Labov escolheutrs lojas de departamento que so as maiores redes dos Estados Unidos:Saks (Fifth Av.), uma loja de alto prestgio com consumidores da classemdia-alta; Macys, uma loja meio termo; e S. Klein, a de menos prestgio.Os preos nas lojas variam de acordo com o seu prestgio (por exemplo,na poca, um casaco feminino custava US$ 90,00 na Saks, US$ 79,25 naMacys e US$ 23,00 na S. Klein). Todas as lojas tm vrios departamentos,em vrios andares. Para tornar seus dados comparveis, Labov perguntavapor um departamento no quarto andar (fourth floor). O informante, um em-pregado da loja, deveria responder algo como Fourth Floor. O entrevistadorpoderia repetir a pergunta agindo como se no tivesse entendido a resposta:Excuse-me? e, em geral, o empregado responderia com uma pronncia maiscuidadosa Fourth floor. Aps ouvir a realizao do /r/ do seu informante,
Labov saa na direo indicada, at sumir de sua vista, anotar sexo, idade
Macys
Fonte: http://upload.wikimedia.org
Macys
Fontes: http://www.lancastermall.com
St. Klein
Fonte: http://66.230.220.70
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Sociolingustica
estimada e transcrio dos dados, e inquirir outro funcionrio.Como Labov esperava, h um componente social na realizao do /r/
na cidade de nova Iorque. Os empregados da Saks mostraram o mais alto
grau de realizao do /r/, enquanto os empregados da S. Klein mostraram
o mais baixo, frequentemente o /r/ era substitudo por [
] ou vocalizado.Os empregados da Macys ficaram no meio. O padro se deu tanto napronncia casual quanto cuidadosa.
Uma distribuio interessante ocorreu na Macys: enquanto o totalda realizao do /r/ na pronncia casual era 44, na pronncia cuidadosaera 61, um tero a mais. Na Saks houve somente uma realizao a mais napronncia cuidadosa do que na informal, totalizando 64 ocorrncias, trsa mais do que a Macys. Os empregados da S. Klein mostraram trs vezesmais realizao do /r/ na pronncia cuidadosa do que na casual, mas totali-
zando apenas 18 ocorrncias. Por que h um grande aumento na realizaodo /r/ na Macys? Uma explicao que os empregados da Macys estoatentos ao alto prestgio da realizao do /r/, mas em situaes informaiseles esquecem do /r/, enquanto que na pronncia cuidadosa eles usam umregistro diferente, que consiste na escolha da variante de prestgio.
Como concluso do estudo da estratificao social da realizao do /r/em posio ps-voclica na cidade de Nova Iorque, uma pronncia diferenteno expressa somente atitude quanto classe social, mas tambm permiteque grupos sociais possam ser diferenciados. Os trabalhadores da Saks,apesar de no fazerem parte da classe mdia alta em termos de insero,
podem ser considerados mais parte da classe alta ou mdia alta do que osfuncionrios da S. Klein, que provavelmente se sentem mais confortveisse considerados parte da classe baixa.
COMUNIDADE DE FALA, VARIVEL E VARIANTES
a partir destes estudos de William Labov na dcada de 1960 que seconsolida um ramo da lingustica conhecido como Sociolingustica Variac-
ionista, o qual estuda padres sistemticos de variao na sociedade. Adotao mtodo de anlise quantitativo com o objetivo de descobrir como e porque os indivduos falam diferente. A Sociolingustica Variacionista partedo princpio de que a variao lingustica analisada em relao a fatoresexternos: classe socioeconmica, faixa etria, gnero, grupo tnico, lugarde origem, grupo geracional, escolarizao, redes de relaes sociais, etambm quanto a fatores internos, inerentes ao sistema. Ou seja, a varia-o no ocorre de forma catica e assistemtica, mas sim corresponde coexistncia de diferentes normas lingusticas (voc lembra do conceitode norma lingustica apresentado na aula 1?) que so estabelecidas em
diferentes nichos sociais.
e
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A Sociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicosAula
3Uma primeira noo importante dentro da Sociolingustica Variac-ionista a noo de comunidades de fala. Vamos relembrar: o objeto daSociolingustica Variacionista a lngua, observada, descrita e analisadaem seu contexto social, isto , em situaes reais de uso. Por isso, o ponto
de partida da anlise deve ser a comunidade de fala. Uma comunidadede fala se caracteriza no pelo fato de se constituir por pessoas que falamdo mesmo modo, mas por indivduos que se relacionam, por meios deredes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbalpor um mesmo conjunto de regras, constituindo uma norma lingustica,como vimos na primeira aula desta disciplina. Por exemplo, podemos
selecionar e descrever comunidades de fala como a cidade de Aracaju,dos estudantes do curso de Letras da UFS, dos rappers, dos internautas,etc. importante destacar que os indivduos que compem a comunidade
de fala no falam igual, mas compartilham os mesmos juzos e crenasde valor em relao s normas lingusticas vigentes na comunidade, pois,como vimos na aula 1, toda comunidade se caracteriza pelo emprego dediferentes modos de falar.
Como vimos na aula 3, s diferentes maneiras de falar, a Sociolin-gustica reserva o nome de variedades lingusticas. E o conjunto de var-iedades lingusticas utilizado por uma comunidade chamado repertrioverbal. Qualquer lngua, falada por qualquer comunidade, exibe semprevariao, logo, a lngua representada por um conjunto de variedades.Por exemplo, concretamente o que chamamos de Lngua Portuguesa
engloba os diferentes modos de falar utilizado pelo conjunto de seusfalantes do Brasil, em Portugal, em Angola, etc. E a Sociolingusticaencara a diversidade lingustica no como um problema, mas como umaqualidade constitutiva do fenmeno lingustico, que influencia o processode ensino-aprendizagem de lngua materna, como veremos na aula 8.
Voltando questo da variao: cada indivduo tem um comporta-mento lingustico particular h inovaes , mas no um indivduo queestabelece/muda as regras da lngua e sim o grupo em interao social. Amudana s ocorre se a nova forma for adotada pela comunidade de fala,pois o indivduo um ser estratificado. Da decorre a noo de heteroge-neidade sistemtica. Um sistema lingustico ideal, como o previsto pelosestruturalistas, seria regido apenas por regras categricas, ou seja, regrasque no tm excees, no tem outra possibilidade de ocorrncia. Umaregra categrica do portugus que o artigo deve sempre preceder o nome,como em o menino, e nunca o contrrio (ningum diz menino o). Osistema lingustico real, porm, regido por regras variveisinerentes a ele(alm das categricas) e estas regras variveis podem ser mais ou menosaplicadas, dependendo do ambiente lingustico e/ou social, o que define anatureza do sistema como probabilstica e pressupe o emprego de tcnicas
quantitativas para a observao das regularidades que o regem.
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Sociolingustica
Uriel Weireich, William Labov e Marvin Herzog so os autoresde um texto clssico, que considerado uma das bases da Socio-lingustica: Fundamentos empricos para uma teoria da mudanalingustica. Publicado em 1968, foi traduzido para o portugus por
Marcos Bagno, em 2006. uma leitura bastante densa, que faz umretrospecto das propostas para explicar a mudana lingustica, desdeo movimento neogramtico at o ps-guerra. Na edio brasileira,Carlos Alberto Faraco faz a Apresentao de um clssico, em quediscorre sobre a histria do texto e prope um roteiro de leitura.Aqui teremos uma sumarizao breve e livre do texto, focando al-guns pontos basilares da Sociolingustica. Certamente, esta amostrair despertar seu interesse pela leitura da obra integral.
Segundo Weireinch, Labov e Herzog ([1968]2006), ao estudarmosum fenmeno de mudana lingustica, nos depararemos com cincoproblemas que precisam ser averiguados:
1. Problema das restries: quais so os condicionamentos e asrestries lingusticas e extralingusticas gerais mudana quedeterminam as alteraes possveis e sua trajetria?2. Problema da transio: como uma mudana acontece? Quais soseus caminhos e etapas? O sistema lingustico de um indivduo muda aolongo de sua vida? Como as mudanas so difundidas na comunidadede fala? Como elas se movem de uma comunidade a outra? Como uma
mudana transmitida de uma gerao a outra?3. Problema do encaixamento: como as mudanas se encaixam nosistema das relaes lingusticas e extralingusticas das variantes? Queoutras mudanas esto associadas com uma certa alterao de um modoque no possa ser atribudo coincidncia? Podemos postular duasdimenses do encaixamento: o encaixamento da varivel na estruturalingustica e as possveis relaes em cadeia; e o encaixamento davarivel na estrutura social, em que se identificam os grupos sociaisaos quais as formas se vinculam.
4. Problema da avaliao: como os membros de uma comunidade defala avaliam uma mudana particular? Avaliaes negativas podemafetar o curso da mudana? Ela pode ser detida ou revertida comoconsequncia do estigma social? O nvel de conscincia dos membrosda comunidade de fala uma caracterstica essencial da mudanalingustica e deve ser considerado na anlise.5. Problema da implementao: por que uma dada mudana lingusticaocorreu em certa poca e lugar? O problema da implementao estligado s causas da mudana e aos demais problemas: em que parte daestrutura social e lingustica a mudana se originou, como se espalhou
para outros grupos, que grupos mostraram maior resistncia a ela?
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A Sociolingustica Variacionista: pressupostos terico-metodolgicosAula
3O ponto de partida para a reflexo tentar explicar por que as lnguas mudam.Afinal, se uma lngua tem de ser estruturada de modo a funcionar eficientementecomo as pessoas continuam a falar enquanto a lngua muda, ou seja, enquantopassa por perodos de menor sistematicidade? Se presses foram uma lngua a
mudar, e se a comunicao menos eficiente nesse nterim, por que tais ineficin-cias no so observadas na prtica?
Weireinch, Labov e Herzog ([1968]2006) buscam em Herman Paul, repre-
sentante da corrente dos neogramticos, a postulao o idioleto como o maislegtimo objeto de estudo lingustico. Ou seja, na lngua do indivduo. O estru-turalismo estabelece a homogeneidade, que encontrada no idioleto, como pr-requisito bsico para a anlise lingustica. Weireinch, Labov e Herzog propem orompimento da relao dicotmicaestrutura = homogeneidade, introduzindo anoo de heterogeneidade sistemtica; argumentam que as mudanas lingusticas
no ocorrem em idioletos, mas nas gramticas da comunidade mais ampla. Cadaindivduo tem um comportamento lingustico particular h inovaes , masno um indivduo que estabelece/muda as regras da lngua e sim o grupo eminterao social. A mudana s ocorre se a nova forma for adotada pela comu-nidade de fala.
Assim, o ponto de partida de uma mudana sempre um ambiente maisfavorecedor, e aos poucos, se propaga aos ambientes menos favorecedores. Este
percurso gradual que se manifesta nas alteraes de frequncias de aplicaoda regraem cada contexto lingustico e social. Logo, segundo Labov (1994, p.25), mudana questo de frequncia. Veremos, em seguida, como lidar com
as frequncias (muitos escolheram o curso de Letras porque no gostavamde matemtica... Sociolingustica trabalha com grficos e tabelas, percentuais eprobabilidades!)
Outro conceito muito importante na Sociolingustica o de varivel lingustica(ou regra varivel). Segundo Weireich, Labov e Herzog, uma varivel lingustica um elemento varivel dentro do sistema controlado por uma regra singular([1968] 2006, p.167).
Podemos dizer que a varivel lingustica um constructo terico bsico da so-ciolingustica variacionista. o objeto ou o foco da pesquisa. A varivel lingusticacostuma ser relacionada como varivel dependente: Uma varivel concebidacomo dependente no sentido que o emprego das variantes no aleatrio, masinfluenciado por grupos de fatores de natureza social ou estrutural (MOLLICA;BRAGA, 2003, p.11). So exemplos de varivel lingustica a alternncia entre nse a gente; concordncia verbal; realizao do /s/, entre outros, no portugus. Asvariveis independentes so as variveis (ou grupos de fatores) que influenciama ocorrncia da varivel dependente (ou regra varivel). O conjunto de variveldependente e variveis independentes forma o que Tarallo (1985) chama deenvelope da variao e veremos com mais detalhes na aula 5.
As regras variveis tendem a se tornar categricas, generalizando-se. Mas h
casos devariao estvel, ou seja, perodos em que as variantes coocorram, sem
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Sociolingustica
que uma sobreponha outra.Uma varivel lingustica (regra varivel) comporta duas ou maisvariantes.
As variantes correspondem aos modos alternativos semanticamente equivalentes
de dizer a mesma coisa (valor referencial ou representacional) em ummesmo
contexto. Ou seja, uma regra varivel possui duas ou mais variantes (caso notenha, no temos uma regra varivel, mas sim uma regra categrica). As variantesso as formas lingusticas alternantes que configuram um fenmeno varivel. Asvariantes podem permanecer estveis nos sistemas ou podem mudar quandouma das variantes desaparecer.
Vamos ver alguns exemplos do portugus para deixar os conceitos maisclaros. Para nos referirmos 1 pessoa do plural, em portugus, dispomos deduas formas pronominais: uma forma dita cannica, prescrita e registradanas gramticas normativas da lngua portuguesa, que o pronome pessoal ns,
e outra forma, inovadora, que aparece em algumas gramticas normativas dalngua portuguesa como observao restrita fala coloquial, que formada pelaforma a gente. Assim, podemos dizer que a referncia 1 pessoa do plural noportugus uma regra varivel, porque dispomos de duas variantes: as formasns e a gente. Embora haja muitos estudos relativos a essa varivel no portugus,podemos perceber intuitivamente algumas tendncias de usos das duas formas:por exemplo, os jovens e as crianas tendem a utilizar muito mais a formaa gentedo que a forma ns. Ou ainda, em situaes mais formais, por exemplo, em umaaudincia judicial, a forma ns predomina. J em uma conversa entre amigos nobar, a forma a gentepredomina. A faixa etria e o nvel de formalidade so fatores
de carter externo, so fatores sociais que determinam/condicionam o uso deuma forma ou de outra. Temos, ainda, nesta regra varivel, fatores internos aosistema. Por exemplo, a forma verbal (desinncia nmero pessoal) e o paralelismo.Se um falante diz Samos cedo, a desinncia nmero-pessoal do verbo far comque sua frase seguinte tambm mantenha essa denisncia, e se ele utilizar umpronome para preencher a posio de sujeito, ter uma alta possibilidade de usara forma ns: mas ai