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1
ESTRATÉGIAS E PERCURSOS DE MOBILIDADE DA EMPREGADA
DOMÉSTICA BRASILEIRA COMO TRABALHADORA ESTRANGEIRA EM
PORTUGAL1
Autor: Marcelo José Oliveira (UFV-MG)
1. INTRODUÇÃO
Estima-se que dos 200 milhões de migrantes estrangeiros no mundo as mulheres
compõem a metade deste contingente, sendo que muitas delas ainda assumem o papel
de principal provedora de família no país de origem.2 Entre os anos 80 e 90 do séc. XX
e primeira década deste século Portugal e Espanha receberam levas significativas de
trabalhadoras estrangeiras, oriundas principalmente de países da América Latina, África
e Leste europeu. Estudos produzidos por pesquisadore(a)s que investigam o eixo Brasil-
Portugal apontam que brasileiras figuram de maneira expressiva no setor de serviço
doméstico em Portugal.3 Estas trabalhadoras apostam em um projeto profissional
internacional e se submetem muitas vezes aos riscos da clandestinidade, próximas da
rede de tráfico humano e trabalho precário, ou escravo em alguns casos.4 O presente
artigo leva em consideração os seguintes aspectos desta mobilidade laboral: 1) as
estratégias articuladas em torno dos recursos materiais e simbólicos que efetivamente
motivam e propiciam a viagem para o país de destino e sua permanência; 2) o impacto
deste projeto de trabalho internacional nas rearticulações das práticas de família e de
estilo de vida que lhes conferem autonomia para decisões, realocando-as noutra relação
de empoderamento em seu círculo social no Brasil; 3) o impacto das recentes mudanças
econômicas e políticas em Portugal sobre as perspectivas de permanecer no país; 4) as
condições de trabalho precário e vulnerabilidade social a que se submetem em função
1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2016, João Pessoa/PB. Agradeço o apoio da Fapemig para a participação neste evento. 2 Perez, 2008. 3 Cf. Machado (2014), Reis Oliveira & Gomes [coord.] (2014), Abrantes (2012), Balsa (2012), Padilha et.
al. (2012), Pinho (2012), Batista (2011), Egreja & Peixoto (2011), Grilo (2011), Dias (2010), Abreu
(2009), Fernandes (2009), Gomes (2011; 2009), BLÉTIÈRE (2008), Silva (2008). 4 Pais (2010), Pereira (2009), Piscitelli (2009; 2007), Silva (2008), Peixoto (2007).
2
da permanência ilegal em Portugal, aliado ao suposto lugar que a mulher brasileira
ocupa no imaginário português.5
1.1. O Contexto em Espanha: primeiras incursões.
Entre dezembro de 2009 a março de 2010 realizei três meses de estágio de pesquisa
em Madri, integrando equipe de um projeto de colaboração internacional entre Brasil e
Espanha.6 O estudo desenvolvido envolveu o levantamento de publicações eletrônicas
em Ciências Sociais e Aplicadas em Open Access sobre o fenômeno da migração
internacional na direção Brasil-Espanha, com atenção aos temas “trabalho” e “gênero”.7
Verificamos que na época a Espanha, com quase 46 milhões de habitantes, contava em
torno de 4 milhões de imigrantes estrangeiros em situação legal. Nas duas décadas que
antecedem à crise recessiva que se inicia no ano de 2008 houve acentuado incremento
da população espanhola em função da presença imigrante, atraída pela prosperidade
econômica que o país vivia e pela demanda por mão-de-obra nos setores de serviços,
indústria e construção civil.8 Da leva de milhares de imigrantes, no conjunto de
nacionalidades com mais de 100 mil pessoas, os de língua espanhola registram maior
presença, que facilmente supomos pela própria influência das relações políticas e
culturais históricas.9 Os brasileiros em 2009 somavam em torno de 40 mil, segundo
estimativas da Embaixada do Brasil na Espanha, contra 37 mil em 2005, segundo dados
do Instituto Nacional de Estatística do país, figurando o Brasil entre as nacionalidades
de menor número.
A onda migratória laboral voltada para a Espanha ocorre como consequência do
rápido crescimento econômico deste país a partir dos anos oitenta: por exemplo, as
5 Sobre imaginário em torno da mulher brasileira em Portugal ver Gomes (2013), Monteiro (2010), Pais
(ibid.), Piscitelli (ibd.) 6 O trabalho de pesquisa contou apoio de fomento CAPES, e com a orientação e supervisão da Profa. Dra.
Carmen S. Rial (PPGAS-UFSC), e co-orientação da Profa. Dra. Miriam P. Grossi (PPGAS-UFSC). 7 Os resultados do trabalho apresentei em três congressos com os títulos “Maria: migração internacional
de empregadas domésticas brasileiras”, no II Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades, 2011,
Salvador; e “Maria”, no Seminário Internacional Fazendo Gênero 9: Diáspora, diversidades,
deslocamento, 2010, Florianópolis. Em 2013 reapresentei os dados revistos no Fazendo Gênero 10, no
simpósio temático intitulado “Migrações e Feminismos: nexos e obstáculos”. 8 Dados divulgados pelo INE, acessado no site http://www.ine.es/jaxi/tabla em 01/01/2010. 9 Somados entre equatorianos, colombianos, argentinos e bolivianos, na ordem de 1,57 milhões; seguidos
dos africanos, com os marroquinos como a nacionalidade de maior número, em torno de 600 mil;
seguidos por romenos, em torno de 400 mil, dividindo-se as demais cifras entre Reino Unido, Alemanha,
Itália, China e Bulgária. E em menor escala, abaixo dos cem mil, estão peruanos, franceses, portugueses,
ucranianos, dominicanos, venezuelanos, argelinos, cubanos e brasileiros (PERÉZ, 2008).
3
modificações e medidas complementares de Leis orientadas pela concepção do “Estado
de Bem Estar Social” conduz boa parte da população autóctone economicamente ativa
ao trabalho qualificado pela tendência de formação escolar garantida e do aumento da
população jovem com formação universitária; fato que produz um déficit de mão-de-
obra menos qualificada, abrindo espaço para as políticas de absorção de mão-de-obra
estrangeira não especializada.10 O que o governo espanhol não contava era com a crise
recessiva mais intensa a partir de 2008, o que afetou a política de regras de entrada e
legalização da mão-de-obra estrangeira no país.11 Foi neste cenário econômico recessivo
espanhol que em 2010 tive contato com três brasileiras envolvidas com serviços
domésticos no exterior, que passo a relatar.12
Durante o período do estágio de investigação realizei duas entradas na Espanha
pelo aeroporto de Barajas. No primeiro percurso, embarcando no aeroporto de
Guarulhos, no Estado de São Paulo, fui ao lado de uma mulher que aparentava um
pouco mais de cinquenta anos de idade. Travamos conversa informal por horas e me
informou ser empregada doméstica e que estava em viagem para visitar a filha
adoentada que trabalhava para uma “patroa” espanhola.
Em meu primeiro retorno ao Brasil pude conhecer outra trabalhadora em
serviços domésticos. Embarquei novamente em Barajas e a mesma ocupava a poltrona
ao meu lado. Por cordialidade, nos conhecemos e estabelecemos longa conversa, por
horas. Trata-se de uma simpática paranaense que aparentava em torno de quarenta anos
de idade. Quando desembarcamos no aeroporto de Guarulhos entramos juntos na fila
dos guichês da alfândega. Nesta mesma fila havia duas jovens mulheres a nossa frente, e
o assunto que conversavam desperta minha atenção pelos comentários que teciam sobre
a situação de emprego para brasileiros na Espanha: uma delas afirma que “para as
mulheres ainda estava bom” em oportunidades de trabalho, mas para os homens estava
“cada vez pior” em função da recessão.
Associo o episódio acima a outro que aqui relato. Numa de minhas primeiras
idas ao Banco do Brasil em Madri conheci um brasileiro que também aguardava
10 Cachón Rodríguez, 2009. 11 Em 2010 os dados do INE, e os divulgados pela mídia, indicavam em torno de 4 milhões de
desempregados no país. Dados que representam 7% da população economicamente ativa na Espanha, e
que estimularam a forte pressão de vários setores (políticos, empresariais, de mídia e sociais) sobre o
governo do presidente Zapatero. 12 Os contatos mencionados foram ocasionais, sem intenção de marcar entrevistas de pesquisa, já que a
empregada doméstica ainda não avaliávamos como dado pertinente ao nosso levantamento de
informações.
4
atendimento: um jovem na faixa dos trinta anos de idade, oriundo de uma cidade do
interior de São Paulo, que vivia há mais de quatro anos na Espanha exercendo a
profissão de eletricista. Na agência pretendia fazer um depósito da quantia que recebeu
pela recente rescisão de seu contrato de trabalho. Chegou no país com a esposa,
influenciado, segundo ele, pela família da mesma, que já vivia em Madri havia cinco
anos. A companheira trabalhava em serviço doméstico. O mesmo ainda tinha em vigor
visto para trabalho, mas afirmou ter planos de logo voltar ao Brasil devido a recessão
espanhola. Porém, não pretendia “voltar de mãos vazias”, e fez referência a esta
expressão como algo vergonhoso em retornar “do mesmo jeito” que partiu, ou seja, com
pouco dinheiro. Estava separado da companheira há um ano e retornaria sozinho.
Segundo ele, a mesma permaneceria com a família e com o trabalho de doméstica.
Quando de ida à Madri pela segunda vez, partindo do aeroporto de
Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, sentei ao lado de uma brasileira
acompanhada de seu marido italiano. Ambos aparentavam um pouco mais dos quarenta
anos de idade. O casal estava retornando a Milão. A mulher, extrovertida, logo começou
a fazer comentários comigo sobre o voo e o final de suas férias no litoral sul brasileiro.
Estendendo a conversa, comentei que estava em viagem de estudos sobre brasileiros que
saem do país para trabalho na direção Espanha, e me informou que trabalhava para uma
“patroa que é professora de uma universidade em Milão”.13
Com os encontros casuais que acima relato constato a presença certa da
empregada doméstica na ponte aérea internacional, decidida a disputar postos de
trabalho na Europa. Obviamente deduzo que estes encontros casuais não ocorreram à
minha sorte justamente por estar pesquisando o tema, mas, sim, à sorte de um fenômeno
migratório recente. No cenário internacional de circulação de mão-de-obra estrangeira,
o trabalho doméstico figura como oportunidade de empregabilidade, resistindo a recente
crise recessiva em alguns países europeus. Consequentemente, a trabalhadora doméstica
em trânsito internacional se percebe num ramo que resiste a crise econômica global em
função da posição estratégica que a profissão ocupa neste cenário, decorrente, por
exemplo, da necessidade de novos rearranjos da divisão social do trabalho na família
metropolitana. E a trabalhadora doméstica brasileira possui perfil sociocultural e
profissional que lhe posiciona em condições de competir no mercado estrangeiro. Ou
seja, possui habilidades laborais qualificadas por ser educada na cultura familiar de
13 Sobre emigração de catarinenses em direção à Itália ver Assis (2007).
5
traço ibérico e mediterrâneo,14 da “cultura do lar”, que lhe garante empregabilidade por
incorporar valores que estabelecem a relação entre higiene-limpeza e hierarquia moral
no asseio da casa.15
Constata-se uma onda migratória a partir da primeira década deste século, na
direção Europa, de um número crescente de mulheres ocupando postos no serviço
doméstico, setor de serviços, além dos segmentos de hotelaria, restaurantes, fábricas e
indústrias, com muitas delas na condição de “contrato informal” de trabalho. Em termos
de política internacional para captação de mão-de-obra estrangeira, o envolvimento com
este projeto profissional ainda implica em incertezas e riscos diante dos acordos entre os
Estados que integram a Comunidade Europeia e a Zona do Euro. Da entrada turística à
permanência como trabalhadora estrangeira envolve estratégia ousada, pelo fato de que
a entrada no país não está garantida somente com a checagem do passaporte, da posse
de cartão de crédito, quantia suficiente em euros e seguro saúde para o tempo de estadia,
e passagem de retorno. Não é raro a polícia de imigração que atua em aeroportos
europeus ferirem vários acordos internacionais sobre Direitos do turista e do imigrante.
Em Lisboa ouvi de uma brasileira o relato dramático da experiência a que fora
submetida pela polícia do aeroporto de Barajas em dezembro de 2013, quando fazia
uma conexão com destino a Lisboa. A mesma fora abordada no guichê para
apresentação de passaportes quando procedia à averiguação de entrada. Segundo ela,
sem qualquer motivo evidente, foi detida por horas e submetida a interrogatório
sistemático. Como não tinha em mãos comprovantes de reserva de hotel, ou documento
que atestasse que sua amiga portuguesa a esperava, permaneceu durante dezoito horas
numa sala do aeroporto em custódia da polícia de imigração, saindo dali escoltada por
uma guarda de dois policiais até o assento do avião que a traria de volta ao Brasil, na
condição de deportada. No desembarque em terra brasileira foi recebida na porta do
avião pela Polícia Federal, que lhe fez algumas perguntas, a liberando em seguida.
14 Sobre traços de cultura da empregada doméstica brasileira ver Velho (2012) e Brites (2007). Sobre
cultura e moral mediterrâneas ver Oliveira (2008), Grossi (2004), Bourdieu (2005[1998]), Peristiany
(1971[1965]). Sobre a relação entre higiene e pureza moral ver Douglas (1978). 15 Importante ressaltar que aqui não faço referência àquela jovem de classe média que nos anos setenta do
século passado partia em direção aos Estados Unidos da América com o desejo da aventura itinerante,
fazendo coro a uma geração inspirada pelo Movimento de Contra Cultura, também motivada pela
formação no exterior, ou ainda frustrada com a ditadura militar no Brasil, e que para se sustentar e custear
os estudos exerce funções temporárias em serviços de faxina, entre os de baby-sitter e garçonete.
6
A experiência no aeroporto de Barajas de controle de entrada de estrangeiros
vivenciei quando iniciei o estágio de pesquisa no país, em dezembro de 2009. Na
primeira entrada fui instado, no guichê para apresentação dos documentos, sobre o que
iria fazer e quanto tempo ficaria. Após responder, pediram-me que apresentasse
somente o passaporte, e não solicitaram a apresentação de outros documentos que
comprovassem o que havia informado sobre o estágio de pesquisa. Saindo dos guichês,
mais adiante, fui “triado” pelos policiais da imigração. Pediram para sacar da bagagem
todos os pertences e, literalmente, colaram o nariz no interior das malas e em todas as
peças de roupas e demais objetos, na tentativa de “farejarem” alguma substância ilícita.
A Espanha é reconhecidamente uma das portas de entrada de drogas na Europa e este
procedimento é praxe com estrangeiros quando “triados” pela polícia no aeroporto. Em
minha segunda entrada, um mês depois, perguntaram somente quanto tempo iria ficar,
conferiram o passaporte e me liberaram. Observei que desta vez os policiais da
imigração que fazem a triagem estavam ocupados revistando malas de outros
imigrantes. Esta preocupação com drogas e clandestinidade pode levar a outras formas
de procedimento policial: duas outras informantes, mãe e filha, turistas brasileiras em
Madri, disseram-me que em sua chegada em Barajas no mês de fevereiro de 2010
foram incluídas num grupo de doze mulheres que permaneceram duas horas no setor de
imigração, submetidas a interrogatório sistemático feito por dois policiais, sem
esclarecerem os motivos exatos do porquê daquela apreensão. Sequer haviam acessado
suas bagagens e foram retidas logo no guichê para a apresentação de passaporte. Do
grupo, após duas horas, somente uma equatoriana fora conduzida a outro setor para
fornecer outras explicações. As demais foram liberadas.
1.2. O Contexto Português e Metodologia de Pesquisa
Motivado pela experiência das evidências que verifiquei em Madri, desenvolvi
outro estágio de pesquisa em Lisboa, de março a dezembro de 2014, focado
especificamente na investigação sobre brasileiras que atuam no setor de serviço
doméstico em Portugal. Almejei detectar os aspectos que caracterizam esta mobilidade
transatlântica, levando em consideração o contexto de percursos e articulações entre a
7
condição de trabalhadora clandestina e a busca pela regularização da condição legal
como trabalhadora estrangeira neste país.16
A metodologia de investigação envolveu três etapas correspondentes durante o
período em referência: 1) levantamento bibliográfico científico sobre imigração
brasileira em Portugal, sendo priorizado respectivamente o repositório físico da
biblioteca do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e seu acervo
eletrônico de periódicos científicos open access, assim como a mídia eletrônica e
impressa de periódicos de circulação nacional e local; 2) Mapeamento, com base na
literatura especializada consultada, dos contextos de presença da mão-de-obra
estrangeira em Portugal, com foco no trabalhado doméstico remunerado; 3) incursão
etnográfica cotidiana para constatação da incidência da presença da trabalhadora
doméstica brasileira em setores públicos e institucionais na cidade de Lisboa.17
*
Desembarco em Lisboa no início de março de 2014. Nesta empreitada inicial
vivi ânimos que influenciaram a maneira como percebi o “objeto” de investigação, de
modo que me furtar aqui deste tom subjetivo seria omitir os estímulos que provocaram
questões oriundas das relações de campo e de interações que definem peculiaridades da
inserção etnográfica, e dizem respeito às relações de distanciamento e aproximação
provocadas pelo próprio deslocamento cultural. Os ânimos mencionados estão situados
nos seguintes contextos de relações interpessoais que estabeleci: acadêmico (esfera
institucional de formação e desenvolvimento da investigação a partir do Instituto de
Ciências Sociais da Universidade Lisboa ICS-UL; comercial de consumo (esfera das
16 Trata-se de um projeto pós-doutoral contemplado, via edital, com bolsa de pesquisa CNPq. O trabalho
contou com a orientação e supervisão da Profa. Dra. Cristiana Bastos, antropóloga e investigadora
vinculada ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), Instituição que sediou o
desenvolvimento do projeto. Registro meus especiais agradecimentos ao ICS-UL e à professora Cristiana
pela forma solícita e competente que dedicou para que o trabalho de investigação pudesse ser
desenvolvido. 17 Para além das informações coletadas nas interações cotidianas no período de 10 meses, num balanço
das entrevistas formais realizadas, de média e longa duração, contabilizo os seguintes números: 06
trabalhadoras domésticas brasileiras em Lisboa, com foco na narrativa biográfica relacionada à trajetória
migratória; 02 Coordenadoras de Projetos de Organizações Não Governamental, voltadas à imigração
brasileira e demais nacionalidades, respectivamente Casa do Brasil de Lisboa e Associação ComuniDária;
01 profissional atuante na Rede de Gabinetes de Inserção Profissional Imigrante (GIP), do Alto
Comissariado para Migrações do governo português; 02 investigadores doutorandos, respectivamente
vinculados ao ISEG e ICS, especialistas no tema trabalho doméstico e imigração em Portugal.
8
relações cotidianas na frequentação da vida pública de bairro e cidade); de vizinhança
(esfera restrita aos universos de residência em dois bairros, em relações mais próximas
e informais, onde o face-to-face é marcado por detalhes de forma nas relações que travei
com portugueses, portuguesas, imigrantes estrangeiras e estrangeiros, entre eles
brasileiros e brasileiras);18 e da organização da sociedade civil (esfera das relações de
contato que estabeleci com duas instituições não governamental que têm como missão a
recepção de brasileiros e brasileiras imigrantes em Portugal, denominadas “Casa do
Brasil de Lisboa” e “Associação ComuniDária”).19
A aproximação com o universo intelectual do ICS permite-me repensar algumas
questões delineadas anteriormente no projeto e me leva ao esboço de outras sobre a
experiência imigrante de se “ser brasileira/o” em Lisboa. Entretanto, também percebo
no espaço acadêmico a preocupação de colegas brasileiras que se repete entre
trabalhadoras domésticas que entrevistei: preocupação que diz respeito ao cuidado com
o cultivo de uma estampa de brasilidade, de um modo de ser, que se paute pelo recato
que se distancia do “estereótipo” da “mulher exótica” que fere os “bons costumes”
portugueses. Não sem consequências ocorreu a forte exportação de mão-de-obra
brasileira do mercado sexual para Portugal,20 bem como a exportação de novelas
18 Sobre a possibilidade de aproximações informais com vizinhança portuguesa nas ruas e praças do
bairro, divido esta convivência em dois períodos: o primeiro quando estava residindo em Lisboa sem a
presença de minha esposa e filho adulto, período de março à meados de julho de 2014; a outra, contada a
partir de meados de julho à segunda quinzena de dezembro do mesmo ano, acompanhado de minha
esposa e filho. No primeiro período de morada, no bairro da Graça, dividi o aluguel e espaço da casa com
um italiano, professor de sociologia da Universidade de Aveiro. O mesmo trabalha há anos em Portugal e
possui significativo conhecimento sobre a cultura portuguesa e cotidiano de Lisboa. Este trabalhador
estrangeiro muito me falou sobre lugares e “maneiras de se estar” em Portugal. Foi um dos interlocutores
para várias questões que reformulei com relação ao contexto social, cultural e político que se inserem as
brasileiras imigrantes em Portugal. No segundo período, com minha esposa e filho, contamos com a
companhia de nosso cão de estimação: um lhasa apso de seis anos de idade, que atendia pelo nome de
“fred”. Chamo a atenção para nosso cão porque sua presença, e por ser um animal dócil e gracioso, em
muito contribuiu em nossa visibilidade social nas ruas e praças dos bairros que moramos, facilitando os
motivos de início de muitas das longas conversas que tivemos com moradores e moradoras afeitos a
animais de estimação, e que também passeavam com seu cão. Foi com estes interlocutores vizinhos que
nos apropriamos de muitas informações sobre a vida pública em Lisboa e Portugal. Em específico a
amizade que estabelecemos com um senhor e uma senhora, aposentados, que muito nos falaram sobre as
condições de vida de uma Portugal do “escudo” e a atual do “euro”. 19 Ambas instituições com missão cultural e social de Direitos com relação a integração de imigrantes
brasileiros na sociedade portuguesa, abertas a outras nacionalidades; porém, a segunda, por uma causa
especificamente política e de Direitos da trabalhadora estrangeira em Portugal, com foco mais voltado ao
“trabalho digno” e “cidadania plena da mulher imigrante”. Expresso aqui meu agradecimento ao pronto
apoio e colaboração da Casa do Brasil de Lisboa e a Associação ComuniDária, que sem seu apoio o
trabalho de investigação em Lisboa teria sido muito mais difícil. 20 Ver Gomes (2011) e Pais (2010).
9
brasileiras para este país, como afirmou um dos investigadores que entrevistei. Esta é
uma das preocupações de condição de trabalhadora estrangeira que algumas brasileiras,
que disputam postos de trabalho e ascensão social em Portugal, têm que lidar.
A separação das esferas acima mencionadas se faz pelo caráter das relações,
porém não é raro se confundirem, como as relações de consumo e de vizinhança
amistosa, mesmo que para um estrangeiro a fronteira entre estas duas seja bem
demarcada. Por exemplo, a amizade cúmplice que fiz com os garçons e um dos
proprietários portugueses do restaurante ao lado da casa onde morei durante os
primeiros meses, no Bairro da Graça.21 Bem como a amizade que estabeleci com a
proprietária caboverdiana de uma tasca localizada na mesma rua, frequentada
predominantemente por homens de Guiné Bissau, São Tomé (e Príncipe) e Cabo Verde
ligados à construção civil. Ambientes que participei ativamente durante a estada em
Lisboa, e os percebi contrastados em público, em relações sociais de cultura e de poder
aquisitivo. Na prática de uma escuta cotidiana, nestes dois estabelecimentos ouvi e
conversei sobre opiniões que se cruzam, mas em nenhum momento se confundem: de
um lado os nativos lisboetas e do outro os estrangeiros africanos, “os pretos”, como são
comumente denominados no jargão local. De um lado os trabalhadores patriotas classe
média, em sua maioria profissionais liberais, do outro os trabalhadores estrangeiros
ligados ao trabalho braçal da construção civil. Uma dualidade marcada por distintas e
contrastantes posições de classe, “raça” e cultura numa mesma rua, o que não é raro
num universo urbano cosmopolita europeu das grandes capitais com forte apelo
turístico.
Na esfera que denomino de organização da sociedade civil situo a “Casa do
Brasil” e a “Associação ComuniDária”.22 Como mencionado anteriormente, trata-se de
duas organizações não governamental que interagem com os brasileiros e brasileiras
imigrantes em Portugal, também atendendo outras nacionalidades. As mesmas são
21 Muitos dos diálogos que estabeleci neste estabelecimento iniciavam pelo mote da gastronomia,
culminando com assuntos sobre vida pessoal. Meus interlocutores garçons e o proprietário
recomendavam-me passeios típicos aos portugueses. Certa ocasião o proprietário disse-me: “Tens que
conhecer o verdadeiro fado português”. E houve um final de noite de domingo, após fechar o restaurante,
que me levou a uma cantina de fado no bairro de Alfama, e apresenta-me a fadista Celeste Rodriguês,
irmã de Amália Rodriguês. Nesta noite sentávamos à mesma mesa com Celeste e seu neto. Entre uma
conversa e outra, Celeste levantara três vezes para executar performances, acompanhada de um jovem
violonista português. Relato este episódio para dar a medida do tom de relação de confiança e
consideração que estabeleci com os garçons e o proprietário do restaurante, com os quais muito conversei
sobre vários aspectos da vida em Lisboa. 22 Para mais informações sobre estas instituições acessar http://www.casadobrasil.info/ e
http://www.comunidaria.org/.
10
procuradas por vários imigrantes que buscam a regularização de sua condição no país:
como informações sobre os órgãos e trâmites com os serviços do governo português
para regularização de trabalhadores estrangeiros, cursos de curta duração de capacitação
para entrevistas de trabalho, proficiência básica em inglês, entre outros. Além destas
atividades outras são promovidas de cunho cultural e político, que dizem respeito a
temas pertinentes à condição imigrante.
Na casa do Brasil de Lisboa pude apresentar e discutir algumas intenções da
pesquisa com profissionais que ali desenvolvem projetos de atendimento de imigrantes
brasileiros e participei das reuniões do “Projeto Acolhida”. Este último envolve
reuniões de acolhimento de brasileiros e brasileiras em Portugal, promovendo trocas de
experiências e debates úteis a partir de temas sobre cultura e cotidiano português,
trabalho imigrante, discriminação e preconceito, entre outras atividades de formação.
Trata-se de ações que priorizam a informação, integração, sensibilização e
conscientização para os Direitos e Deveres do imigrante. As reuniões ocorrem
regularmente e com agenda previamente anunciada. Participei de seis reuniões,
acompanhando os debates sobre preocupações e tensões mais vividas pelas imigrantes
brasileiras em Lisboa, além de participar de outras atividades sociais realizadas para
integração, entre as quais destaco as do mês de junho de 2014, relacionadas ao Mundial
de Seleções de Futebol (Copa do Mundo). Também fui cursista numa formação de curta
duração oferecido pela Casa em parceria com a Associação Portuguesa de Apoio a
Vítima, intitulado “Discriminação Racial: reconhecer e agir”; um curso, segundo a
preletora, com clara demanda para trabalhadores estrangeiros. Foi neste espaço de
interlocução que observei com mais precisão a demanda imigrante com relação as
expectativas em função da chegada recente no país, dificuldades e facilidades de
adaptação, frustração e otimismo para a permanência e para inserção em postos de
trabalho, entre outros aspectos.
O contato com a Associação ComuniDária ocorreu de outra forma, pela própria
proposta militante da entidade. Trata-se de instituição sem fins lucrativos que intervém
na promoção de igualdade de gênero e proteção de Direitos de mulheres trabalhadoras
imigrantes em risco de exclusão social e de precariedade nas relações de trabalho. As
ações também envolvem informação, sensibilização e conscientização para os Direitos
da imigrante na causa pelo “trabalho doméstico digno”, segundo principal slogan da
campanha que a organização realiza. A proposta, segundo sua representante, é romper
11
com o assistencialismo e fortalecer um coletivo que reivindique seus Direitos.
Encontrei na associação outro espaço de intenso diálogo, bem como fui ativo
colaborador em algumas ações de intervenção e relações com outras organizações afins
e atores do parlamento português. Nesta aproximação pude constatar o grave problema
do trabalho precário a que são submetidas as trabalhadoras domésticas estrangeiras,
entre brasileiras, africanas oriundas de ex-colônias portuguesas e mulheres do leste
europeu.
2. IMIGRAÇÃO, TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO
2.1. Política de Imigração e a Presença Brasileira em Portugal
Segundo relatório produzido pelo Observatório das Migrações,23 Portugal, assim
como outros países da União Europeia, a partir dos anos 90 tornou-se um foco de
entrada da mão-de-obra estrangeira. Movimento de entrada que contrasta com seu saldo
migratório negativo em 2014. A realidade demográfica portuguesa de saldo negativo
preocupa e obriga o governo a reavaliar a política de imigração como uma das
estratégias para a sustentabilidade econômica do país, em função da diminuição
gradativa da população economicamente ativa. Por outro lado, a captação de mão-de-
obra estrangeira exige mudanças que precisam estar em sintonia com os acordos
internacionais que regram sobre as políticas de imigração pactuadas entre os Estados-
Membros da União Europeia. Outros fatores interferem nesta captação: a recente
entrada em massa na Europa de levas migratórias de refugiados e a intensificação dos
atentados terroristas nos últimos anos, o que compromete a “Estratégia Europeia 2020”
para a política de integração plena dos fluxos imigratórios, visando a consolidação de
uma União Europeia mais competitiva e economicamente sustentável.
Entre os anos 2007 e 2012 o governo português atendeu praticamente a maioria
dos 223.231 pedidos de nacionalidade portuguesa, rejeitado somente 18% deste número,
sendo a maior parte desta concessão para filhos de imigrantes nascidos em Portugal.
Obviamente a preocupação com o défice demográfico requer do Estado mobilização
para garantir nacionalidades num pais com a população estimada em 10,5 milhões de
habitantes, sendo que 3,7% (394.496) deste percentual é de estrangeiros residentes
23 Reis Oliveira & Gomes (coord.), 2014.
12
cadastrados.24 De fora desta conta está a população estrangeira não regularizada, em
condição clandestina, que pela própria condição dificulta a estimativa, podendo
surpreender em cifras se devidamente detectada.
No “1º Seminário de Estudos sobre Imigração Brasileira na Europa”, realizado
em 2011, foram apresentados dados, com base em estatísticas de 2009, sobre a crescente
presença brasileira em Portugal, juntamente com imigrantes africanos e do leste-
europeus: 25% da população estrangeira em Portugal é brasileira, somando 116.220
indivíduos, divididos entre 52.061 homens e 64.159 mulheres,25 confirmando a
tendência geral de feminização do fenômeno da migração internacional. As mulheres,
público (bares, cafés e restaurantes), no ramo de limpeza e serviços domésticos,
incluindo cuidados com crianças e idosos, conforme já mencionado. O perfil geral é
mulheres entre 25 e 45 anos de idade, oriundas principalmente dos Estados de Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás e Espírito Santo.26
A mobilidade internacional brasileira para trabalho chama a atenção para novas
lógicas migratória, que não se resumem ao argumento de que a emigração é motivada
principalmente pela baixa escolaridade e condição de pobreza no país de origem. Sobre
esta premissa podemos considerar os seguintes aspectos relacionados que estimulam a
emigração brasileira nas últimas décadas: (1) aumento do poder aquisitivo em décadas
recentes dos segmentos populacionais mais empobrecidos no Brasil, em função do
crescimento econômico do país até 2013, oportunizando maior oferta de trabalho e
renda;27 (2) o aumento do poder aquisitivo aliado às políticas de inclusão educacional e
digital na escola pública, levando os segmentos mais pobres da população ao relativo
acesso a internet, participando de redes sociais e acessando informações via mídias
online que estimulam o desafio de uma carreira internacional (sobre este ponto os
adolescentes têm assumido um papel chave na inserção da família nas redes sociais
online); (3) inserção da empregada doméstica brasileira como trabalhadora estrangeira
na Europa, que aponta para um protagonismo feminino de risco, mas que conta com
uma rede social ativa em relações de apoio no país de origem e destino; (4) o fato de
que esta mobilidade feminina atual não se resume à pretensão de reagrupamento
24 Reis Oliveira & Gomes (coord.), 2014, p.39. 25 Os dados de 2005 sobre brasileiros com permanência legalizada em Portugal contam 67.457
indivíduos, entre as Autorizações de Residência (ARs), prorrogação de Autorizações de Permanência
(APs) e Vistos de Longa Duração (VLDs). Conferir em Abreu & Peixoto, 2009, p. 739. 26 Gomes, 2011, p. 6-8. 27 Ver “Atlas de Desenvolvimento no Brasil - 2013”, com acesso no endereço “www.atlasbrasil.org.br”.
13
familiar no país de destino,28 já que há indícios de que a mesma também se caracteriza
inicialmente como um projeto independente, sem depender economicamente de parceiro
afetivo, mesmo que algumas destas trabalhadoras possuam filhos no Brasil; e (5) o
aumento da captação de mão-de-obra estrangeira no setor doméstico e de limpeza pelos
países europeus, em função da necessidade da família urbano moderna com relação à
gestão do lar, como consequência da crescente qualificação profissional de segmentos
da população feminina economicamente ativa que não mais tem se reservado ao papel
de doméstica, ou se submetido a tripla jornada de trabalho. A migração pela busca por
espaços de trabalho num país estrangeiro está relacionada justamente a possibilidade
que estas mulheres vislumbram de melhores condições de vida a partir de um projeto
avaliado viável pela rede social que acionam, pelo barateamento das passagens aéreas e
pelo acesso as informações na mídia sobre o até então crescimento econômico
europeu,29 sendo que o peso simbólico e prático da Europa é evidente em termos de
“símbolos ativos” em circulação global.30
Mesmo com a recente crise recessiva em Portugal os postos de trabalho no setor
doméstico têm se mantido, porém, levando a renegociações de redução da carga horária
e salários, ou do valor da hora-trabalho no caso da diarista, implicando um jogo de
barganha entre remuneração justa e condição legal ou clandestina de trabalho.
Conforme os contatos que estabelecem para a chegada em Portugal, o primeiro trabalho
pode estar garantido, sendo que os salários variam conforme a condição de contratação.
É fato que a maior parte das “patroas” contrata informalmente, pois evitam pagar os
encargos sociais previstos em Lei em função dos impostos implicados. Por outro lado, a
contratação formal também não poderá ocorrer se a trabalhadora estiver em condição
clandestina.31 No caso, para os primeiros meses de estadia no país, a condição de interna
pode parecer oportuna em função da própria clandestinidade, mas envolve riscos por ser
contexto propício para se tornar refém de condições precárias de trabalho, inclusive,
algumas vezes, de trabalho escravo. Depois de meses exercendo a função na condição
de interna, algumas optam por dividir um aluguel com outra trabalhadora e por
28 Peixoto, 2007. 29 A recente regulamentação em Lei no Brasil das regras de contratação da emprega doméstica ainda não
vem sendo percebido como ganho real em benefício de oferta de trabalho e maiores salários. O debate
público na mídia tem feito coro na importância da Lei, ao mesmo tempo em que as opiniões se dividem
quanto aos impactos a curto, médio e longo prazo. 30 Ortiz, 2000. 31 Pérez, 2008.
14
desempenhar a função como diarista, podendo exercer atividade em mais de uma casa
por semana.32 Tudo depende da nova “rede de indicações” que estabelecerá, seja por
indicação de uma colega de profissão ou de suas patroas.
2.2. Projeto Profissional e a Racionalização Afetiva
Em conversa com conterrâneos e conterrâneas que recém conheci em Lisboa
ouço afirmações que me surpreendem. Seguem algumas que avalio emblemáticas e
possuem relação direta com o objeto de investigação que me detenho:
“Dos lugares que já estive no exterior, o lugar mais difícil de ser brasileiro é Portugal”.
Frase dita por um brasileiro (branco de olhos castanhos), pós-graduando em Lisboa.
“Se já somos as ‘putas’, mesmo! Por que ter medo de se ser do nosso jeito? Mesmo que
a gente acerte ou erre, seremos sempre as suspeitas”. Frase dita por uma brasileira
(branca de olhos castanhos), pós-graduanda em Lisboa.
“Nosso jeito de ser, espontâneo, feliz e alegre, aqui [em Lisboa] parece que agride [...]
Meu jeito de brasileira intimida”. Frase dita por uma advogada brasileira (negra), casada
com um português, pós-graduanda em Lisboa.
“Em qualquer lugar que ando em Lisboa cuido com a fala ou fico calada, para que não
percebam que sou brasileira”. Frase dita por uma brasileira (branca de olhos azuis) que
vive há anos em Lisboa, empregada doméstica, divorciada de um português.
Outras afirmações fazem contraste:
“Voltei ao Brasil depois de quatro anos e não aguentei dois meses. Não me acostumo
mais. Retornei faz quatro meses”. Frase dita por um brasileiro (pardo de olhos escuros),
atendente numa loja de roupas e calçados de propriedade de casal chinês, em Lisboa.
“Estou aqui há nove anos. No começo foi muito difícil. Passei muita dificuldade com
minha primeira patroa. São difíceis, mas tens que ter calma com os portugueses. Não
quero mais retornar ao Brasil. Conheci meu marido aqui [um brasileiro] [...] Por ele já
tínhamos voltado, mas eu não quero. Quero cuidar de minha filha aqui. A vida aqui é
bem mais segura”. Frase dita por uma brasileira (parda escura de olhos negros),
empregada doméstica em Lisboa.
32 Em 2014 o valor médio de uma diarista em Lisboa era de sete euros a hora.
15
“Estou aqui há doze anos. Voltei para o Brasil e não habituei. Só vou voltar como
turista. Desculpem, mas temos que tomar mais cuidado com os brasileiros do que com
os portugueses em Lisboa. Os brasileiros aqui [em Lisboa] ‘ficam muito espertos’
[ironia]”. Frase dita por um brasileiro (branco de olhos castanhos), casado com uma
portuguesa, desempregado, e usufruindo do seguro desemprego em Lisboa.
Os fragmentos de falas que reúno expressam de certa forma muito do que ouvi
de brasileiros e brasileiras em Lisboa. Porém, o que parece ser paradoxo não
necessariamente escapa de certas lógicas que imprimem as características de um
fenômeno. Quando as impressões contraditórias vinham de uma pessoa só, o que não foi
raro, como uma relação de “amor e ódio”, manifestava-se como incerteza, como um
dilema refletido sobre uma decisão a ser tomada entre o permanecer em Portugal ou
retornar ao Brasil.
*
Segundo informações que obtive junto a uma das organizações de apoio, um
número significativo de mulheres que vivem a condição de trabalhadora estrangeira
relataram já ter sofrido preconceito e discriminação, ou alguma forma de assédio, sexual
e moral, ou de já ter ou estar vivendo a experiência de trabalho precário em seu primeiro
período de permanência no país. O que costuma ocorrer, após algum tempo de
experiência em trabalho precário e de vulnerabilidade social, é buscarem alternativa na
nova rede social que estabeleceram no país, e através desta rede também se aproximam
das instituições de apoio ao imigrante.33 Durante sua estadia renova relações de amizade
e afeto, seja pelas relações de trabalho ou de lazer, redimensionando o projeto de
permanência, cuja decisão de não mais voltar definitivamente ao Brasil atrela-se a
outros motivos, para além dos que motivaram a saída de seu país. Entre os motivos está
o de parceria conjugal estável estabelecida no país de destino, e/ou de investimento na
educação de filhos, sejam filhos que reagruparam ou os que nasceram em Portugal.
“Trabalho” e “relação amorosa” estável aparecem como uma combinação importante. O
lugar da “estabilidade” nesta intenção vai de encontro às relações seguras e de confiança
necessárias na experiência estrangeira. Ou seja, há propósitos no projeto pessoal de
imigração sendo ressignificados, e a afetividade na direção da conjugalidade e/ou
33 No trabalho de colaborador que desenvolvi na Associação Comunidária pude acompanhar algumas
destas entrevistas e testemunhar dramáticos relatos sobre assédio moral e condição precária de trabalho.
16
filiação concentram os motivos mais fortes na decisão da permanência duradoura. Cuido
para que esta afirmação não percorra ou se resuma a ideia utilitária de que o matrimônio
com cônjuge português levará ao caminho mais fácil do green-card, mesmo que o
projeto de estabilidade afetiva (heterogâmica) leve a isto. Mas, para além disto, o
contexto sobre o qual estamos tratando, como mencionado acima, é de mulheres que
não necessariamente estão na busca de reagrupamento familiar com o cônjuge; aliás,
são elas que puxam o reagrupamento de filiação para o país estrangeiro.
O que há de comum entre as intenções de sair do Brasil e permanecer em
Portugal é o fato de não serem cultivadas a partir de um cálculo frio, do balanço entre o
que se vai gastar e ganhar em renda. O cálculo existe, mas o próprio é motivado pela
vontade de realizações e mudanças de vida que não possuem equivalência com o que se
ganhará e se gastará, e se vai ser possível economizar o suficiente para as remessas.
Lidamos com um fato a priori: a decisão por este deslocamento sintetiza o desejo por
uma radical e importante mudança de vida. Como afirmara a representante da
Associação Comunidária: “As brasileiras vêm [para Portugal] porque romperam com
alguma coisa [no Brasil] [...] Rompeu com algum ciclo.” Segundo a mesma, o perfil da
imigrante brasileira que tem atendido na associação é também de mulheres que chamam
o reagrupamento da rede familiar extensa.
2.3. Situando o Desejo à Luz da Teoria e dos Dados
Se as intenções até aqui tratadas sobre um projeto de vida num país estrangeiro
situam um desejo em nada aleatório, desenhado a partir de uma vontade de “romper
com um ciclo” no país de origem, para iniciar outro, para, quem sabe, retomar o ciclo
anterior em outras condições de protagonismo, necessário situarmos este movimento na
literatura que o trata.
Pelo levantamento bibliográfico realizado, constato escassez de publicações
referente à temática “serviço doméstico” e “imigração de brasileiros em Portugal”. Com
relação ao serviço doméstico, os artigos consultados focam discussão na precariedade
histórica das condições de trabalho, emergência do mercado, formas de recrutamento e
contratação, desproteção Legal, mão-de-obra estrangeira e clandestinidade. Sobre a
imigração brasileira um dos temas abordados diz respeito à problemática em torno do
imaginário estereotipado da mulher brasileira, com foco no estigma e discriminação.
17
Dois aspectos precisamos considerar sobre a escassez de produção científica e
publicação: (1) com relação ao serviço doméstico o tema ainda é considerado
“marginal” e “emergente”; (2) com relação à imigração brasileira o fenômeno em
Portugal é relativamente recente. Constato que os investimentos de pesquisa ocorrem de
fato a partir do ano de 2008, e com relação ao serviço doméstico a partir do ano de
2012, se considerarmos para ambos os casos as produções de mestrado e doutorado; a
publicação em livro a ocorrência é mínima.
*
Situar o fenômeno da imigração da trabalhadora doméstica brasileira em
Portugal exige que localizemos a relação entre o desejo por este projeto profissional e o
contexto social e cultural que o propicia. Por exemplo, a experiência liminar de lidar
com o sentimento da saudade provocada pela ruptura e ausências com as coisas e
pessoas no Brasil, do estranhamento cultural quando lidam com formas de etiquetas no
trato da vida pública que pouco tem a ver com certo “jeito brasileiro de ser”, de lidarem
com prescrições morais tradicionais no que diz respeito à sexualidade, que incidem com
mais gravidade sobre a mulher brasileira, que é colocada sob suspeita moral.34
Sobre esta “suspeita moral” passei por uma experiência intrigante no restaurante
que frequentava num dos bairros que morei: entrei no estabelecimento para comer algo
e meu amigo garçom mostra-me matéria jornalística que noticiava a detenção policial de
modelo brasileira que posara seminua para sessão de fotos em famoso monumento
histórico, conhecido como Padrões do Descobrimento.35 Em tom de amistoso deboche,
pergunta-me se a conheço, para em seguida afirmar: “Se a conheces, me apresentes!”
Também levei a conversa na brincadeira, e o que ficou evidente foi o seu desejo de
conhecer brasileiras, tocado pelo imaginário da sensualidade e sedução. Uma análise
mais detida sobre a construção social da imagem da mulher brasileira e o lugar que
ocupa no imaginário português exige também abordagem histórica que remonte o lugar
colonial que a imagem sobre brasileiros ocupa na ideografia portuguesa. E não precisa
ser português para ser tocado pelo imaginário da sedução. Segmentos da mídia
comercial e de entretenimento no Brasil constantemente vendem esta mulher sensual
34 Sobre o imaginário da mulher brasileira em Portugal ver Gomes (2013). 35 Matéria publicada pelo jornal Correio da Manhã, na seção Notícia Exclusiva (da edição em Papel), do
dia 02 de maio de 2014.
18
como produto nacional, seja numa propaganda de cerveja ou de pacotes turísticos.
Entretanto, a imagem da mulher sedutora assombra em muitas situações a vida de
brasileiras que conheci em Lisboa. Numa das sessões de acolhida na Casa do Brasil
escutei nos depoimentos de duas jovens que esta imagem de mulher sedutora, próxima
de certa vulgaridade, dificulta nas entrevistas para trabalho. A expressão que uma delas
ouviu numa das entrevistas a que se submeteu foi a seguinte: “Para este trabalho não
queremos brasileiras”.
Há em evidência a ligação da imagem de brasileiras com o mercado sexual, o
que é fato a existência delas oferecendo serviços sexuais neste país. Num passeio pelas
ruas do miolo comercial e histórico de Lisboa, principalmente pelos arredores da região
da Mouraria, constata-se a presença de brasileiras ligadas à prostituição de rua. O
serviço sexual é oferecido abertamente nestes arredores, como na calçada do Centro
Comercial Mouraria, e é comum se ouvir o sotaque brasileiro.36 Estas brasileiras não
percebi como maioria estrangeira nas ruas, figurando entre portuguesas, africanas e
mulheres do leste europeu.37 Toco na questão da forma de percepção da imagem
sedutora sob suspeita da mulher brasileira em Portugal porque esta imagem percebi na
relação inversa com o zelo moral cultivado pelas brasileiras que tive contato, que
claramente se preocupam com o recato e discrição para poderem usufruir de espaço em
postos de trabalho.
Confrontando dados estatísticos sobre postos de trabalho que brasileiras
assumem em Portugal e os dados sobre a opinião que portugueses têm da mulher
brasileira como suspeitas moralmente, supostamente consideradas “putas” em potencial
ou de fato, resta-nos uma pergunta: Por quê as brasileiras figuram, entre as estrangeiras,
como maioria em nacionalidade requisitada pelos portugueses para trabalho doméstico?
Segundo a estatística sobre contratos formais, é a brasileira a trabalhadora estrangeira
mais contratada para cuidar dos lares portugueses, inclusive de seus filhos e velhos.
36 Devemos estar atentos para o fato de que a emergência de um fenômeno necessariamente não está na
relação direta para a forma e proporções que é produzido para virar notícia na mídia impressa e
eletrônica. No caso, a imagem de brasileiras ligada ao mercado sexual e sujeitas aos riscos do tráfico
humano, o que foi inclusive enredo de novela na televisão brasileira em 2013, parece ser a única condição
que muitos brasileiros enxergam para as suas compatriotas que ousam uma vida no exterior contando com
parcos recursos, reproduzindo a equivocada ideia de que se é mulher e pobre, está a um passo da
prostituição e automaticamente nas malhas das redes de tráfico humano. 37Também houve em Portugal episódio envolvendo prostitutas brasileiras que submete a fama da mulher
brasileira ao jugo da “ditadura moral” conservadora portuguesa, e de impacto na mídia nacional. O
episódio que menciono foi denominado “Mães de Bragança”. Sobre este fato ver artigo de José Machado
Pais, já citado, intitulado “’ Mães de Bragança’ e Feitiços: enredos luso-brasileiros em torno da
sexualidade”, de 2010.
19
Abrantes (2012) analisa os dados estatísticos e de conjuntura sobre as condições e
modalidades do trabalho doméstico em Portugal, apontando para o perfil de
nacionalidade das profissionais. A mão-de-obra estrangeira mais presente neste setor
nos últimos vinte anos é a brasileira (35%), seguida da angolana (11%), cabo-verdiana
(10%), ucraniana (9%), romena (5%), moldaviana (4%); ao lado da mão-de-obra
portuguesa (67%). Estes índices dizem respeito ao rastreamento dos dados sobre fluxos
migratórios e registros de contratação por regulação Legal da arrecadação de impostos e
de seguridade social no setor. Por outro lado, o autor não desconsidera o considerável
desvio padrão de confiabilidade dos mesmos em função da ocorrência de contratação
informal entre todas as nacionalidades. Os dados são considerados em três modalidades:
local de prestação dos serviços (se domiciliar ou institucional), perfil étnico (autóctone
ou imigrante) e forma de regulação do trabalho (formal ou informal). Entre estas
modalidades, a tendência de trabalho na forma de contratação em tempo integral para
um único empregador tem decaído e aumentado a prestação do serviço na modalidade
part-time, possibilitando atender mais de um domicílio e/ou empregador numa mesma
semana. Quando ocorre trabalho de tempo integral para um único empregador, no caso
de domicílios, a co-residência é mais evidenciada entre as imigrantes.
Estes dados também levam à hipótese de que as mulheres que partem de seu país
em direção a Portugal, com o intuito exclusivo de desempenharem o trabalho de
empregada doméstica, distanciam-se da relação com a prostituição por uma questão
prática: pelo fato de que a rede social de informação e referências que lhe propiciará
uma contratação exige indicação de “boas referências” morais. Dificilmente uma
família portuguesa contratará para serviços domésticos uma mulher suspeita de estar
ligada ao mercado sexual, o que procede como lógica moral mais agravada para este
ramo. O contrário pode ocorrer: fui informado em Lisboa por um dos investigadores do
tema que algumas profissionais do sexo tentam de todas as maneiras obter um contrato
falsificado de prestação de serviço doméstico para juntar à documentação necessária a
ser apresentada no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com o intuito de adquirir
o certificado de residência, no sentido de logo regularizar o Visto no país. Esta
evidência tem sido motivo de maior atenção pelo SEF aos pedidos de visto
encaminhados por brasileiras.
Não há dúvida que o desejo de carreira no trabalho doméstico tem levado a
movimentos de reivindicação por Direitos, tanto no Brasil como em outras partes do
20
mundo, influenciadas pela indignação com a histórica precarização de seu trabalho.38
Por outro lado, como venho sinalizando, segundo relatos e dados de campo, a condição
de trabalhadora clandestina leva muitas destas mulheres à opção de estabelecer contrato
informal como doméstica em tempo integral, submetendo-se à maior barganha de seu
contratante, no intuito de em curto prazo conseguir renda mínima para sua subsistência
e proteger-se dos órgãos de fiscalização do governo português, o que implica
aparentemente em sua barganha de retorno. Porém, sua barganha de retorno opera como
uma armadilha para si mesma, pois a torna vulnerável a condições precárias de trabalho
e de abusos relacionados a assédio moral e sexual, e algumas vezes à condição de
trabalho escravo, como informa uma militante pelo trabalho digno no setor. No caso, o
maior risco é de se submeter a condições precárias, quando na condição de trabalhadora
interna para uma família, tendo como algoz seu próprio empregador, restando-lhe a
“dependência refém” por alojamento e alimentação, associada à desinformação,
inadaptação cultural, ausência de reservas em dinheiro e rede social presencial ainda
não estabelecida no país estrangeiro. Este quadro não é raro e representa um passo às
piores condições de trabalho precário, sem a ele chegar pelo agenciamento da rede de
tráfico humano, mas, sim, por uma rede social de conhecidos que mais informam sobre
a possibilidade de início ilegal do que sobre os riscos potenciais e concretos da
clandestinidade. O fato de algumas delas procurarem apoio nas entidades de assistência
ao imigrante depois de meses sinaliza não só o desejo de permanecer como trabalhadora
estrangeira, como também representa o tempo limite de viver sob tais condições em
virtude dos riscos assumidos. É sabido que não é exclusividade dos estrangeiros a
precariedade de trabalho no setor doméstico. A histórica condição da trabalhadora
doméstica na sociedade portuguesa demonstra como a cultura da “criadagem” no Estado
Novo é marcada por traços de desiguais relações de poder e Direitos entre ricos e
pobres, camponeses e citadinos, inclusive, entre adultos ricos e crianças pobres, já que
muitas destas trabalhadoras foram recrutadas entre os dez e doze anos de idade.39
38 Sobre o movimento sindical e de ONGs ligados ao setor doméstico, na luta por Direitos e contra o
trabalho precário, ver Gomes (2010). 39 Brasão, 2012.
21
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mobilidade migratória aqui tratada tem alto custo afetivo e financeiro. A
chegada e permanência no país estrangeiro envolve um projeto de trabalho delineado a
partir de um forte desejo de mudança de vida. O desejo que mobiliza a partida não é o
mesmo que influência a decisão de permanência. Sendo que a decisão de retorno
envolve outros custos nem sempre previstos.40 Outro ponto ligado a esta mobilidade é a
própria representação de cidade promissora como são anunciadas e vendidas as grandes
capitais, como se fossem cartões postais de um mundo economicamente desenvolvido
que todos têm sua vez, sua chance. A suposição é de que viver numa destas cidades
representa participar da prosperidade prometida, já que o dinheiro circula, os postos de
trabalho existem e o poder aquisitivo propicia a acumulação que se transforma em
remessas para o país de origem, mesmo que se passe, na força da expressão, “a pão e
água”, ou se coma “o pão que o diabo amassou”, como ouvi. Afinal... É a Europa.
Segundo a opinião de militante da associação de apoio profissional, corre-se o
risco do trabalho doméstico “esconder” cifras alarmantes com relação ao trabalho
escravo na sociedade moderno contemporânea, podendo superar a ocorrência do
fenômeno no setor agrícola. Com o receio de serem descobertas pelos organismos de
polícia e controle do Estado, e consequentemente de serem deportadas, muitas delas se
submetem à condições de trabalho em situação extrema de exploração e de
precariedade, condição de vulnerabilidade reconhecida em forte evidência pela OIT e
pela União Europeia. Este reconhecimento vai ao encontro das evidências de “dados
invisíveis” considerados por alguns investigadores do tema, que avaliam os aspectos
desta invisibilidade nas estatísticas. Os dados estatísticos oficiais do setor doméstico
estão aquém de retratar fidedignamente a realidade em função da prevalência do
“contrato informal”, de trabalho não declarado junto aos órgão de seguridade social,
levando à imprecisão em número de trabalhadores e patrões, e de informações sobre as
condições laborais.41
A fragilidade das trabalhadoras ocorre justamente em função das condições
apontadas, principalmente com relação a imediata dependência psicológica e material
40 Muitas desembarcam em Lisboa, em Madri ou Paris (neste dois últimos para conexão) sem a passagem
de retorno e sem reservas suficientes para as primeiras semanas de permanência até encontrar o esperado
trabalho. 41 Abrantes, 2012; Baptista, 2011.
22
provocada pela condição ilegal, clandestina. Em muitos casos o serviço doméstico ainda
tem sido palco de trabalho forçado, trabalho infantil, de más condições de trabalho, de
abuso sexual, mesmo, com toda ironia, que a “... casa do patrão [possa] ser um refúgio
seguro da condição de ‘sem papéis’”.42 No caso de domicílios, ocorre no locus do
mundo privado, envolvendo outras práticas de relações profissionais que se pautam pela
cultura da “criadagem”, reproduzindo relações desiguais em formas cotidianas de
tratamento interpessoal, postura e etiquetas típicas que permanecem como legítimas
para uma classe média que herda uma memória social aristocrática. Relações que
também se perpetuam em formas de paternalismo, seja de autoridade moral ou pela
caridade (por exemplo, na doação de objetos e roupas, como presentes de favor).43 Ser
empregada doméstica é viver à sombra de um estigma histórico de subalternidade de
classe e profissão.44
42 Gomes, 2009, p. 09. 43 Gomes, ibid., p. 12. 44 Brasão, ibid.
23
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