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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ESTRATÉGIAS DE INCORPORAÇÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO NA POLÍTICA
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL
Analine Almeida Specht1
Resumo: Este artigo resulta de estudo realizado para a conclusão do curso de Especialização em
Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça da Universidade de Brasília no ano de 2014.
Apresenta as estratégias que resultaram na incorporação da perspectiva de gênero na Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - Pnater. Compreendeu a análise dos processos
ocorridos entre os anos 2003 e 2013 no âmbito da Pnater, das políticas de desenvolvimento rural e
da atuação dos movimentos de mulheres rurais e feministas. Partimos do pressuposto de que a partir
de 2003 ocorreram avanços na reorientação das políticas públicas com reconhecimento das
desigualdades sociais e de gênero e o fortalecimento da atuação do Estado. A estruturação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, a criação da Pnater, a institucionalidade da Diretoria de
Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas, a ampliação da participação social e o diálogo
permanente com os movimentos sociais são frutos dessa reorientação. São apresentadas breve
contextualização da participação das mulheres na economia rural, histórico de organização e
concepção da Ater e a institucionalização da Pnater entre os anos de 2003 e 2013. Por fim as
estratégias consideradas fundamentais à incorporação da perspectiva de gênero na Pnater: criação
da Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas, o conteúdo feminista
implementado, a intervenção operacional e articulação com o movimento de mulheres.
Palavras-chave: Mulheres rurais. Assistência técnica e extensão rural. Movimento de mulheres.
Feminismo.
Introdução
As políticas públicas dirigidas à agricultura familiar e campesina seguiram ao longo dos
anos um desenho familista que se traduziu na instrumentalização e orientações metodológicas
centradas no chefe de família, representado pelo homem. Os serviços de assistência técnica e
extensão rural (Ater) foram construídos nestas bases e reproduziram uma organização determinada
pela divisão sexual do trabalho tanto no que se refere à estrutura das entidades prestadoras quanto
na metodologia aplicada ao público beneficiário.
Com a reorientação das políticas públicas e das institucionalidades constituídas a partir de
2003 pelo governo federal com a eleição do Presidente Lula e, posteriormente da Presidenta Dilma
Rousseff um conjunto de medidas de qualificação das políticas públicas passou a ser desenvolvido
1 Cientista Social, UFRGS, especialista em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça. Mestranda do Programa de
Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília. Foi Coordenadora-Geral de
Organização Produtiva e Comercialização da Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Contato: [email protected]
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no sentido de promover a igualdade de gênero, entre outras. A Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Pnater) se inscreve nesse processo, assim como a criação de políticas
dirigidas à promoção da autonomia das mulheres rurais.
Diversas iniciativas de incorporação da perspectiva de gênero na Pnater foram
desenvolvidas, a partir, da compreensão das mulheres como sujeitos de direitos, pela valorização do
seu trabalho na dinâmica produtiva e pela sua contribuição na economia rural. A análise dessas
estratégias adotadas na Pnater constitui objetivo deste artigo. Para isto, recorreu-se à revisão da
literatura, à análise de documentos técnicos oficiais e da legislação sobre o tema. Além de uma
pesquisa acadêmica, esta análise, também deriva da experiência pessoal vivenciada na execução das
políticas para as mulheres rurais e sua interface com a Pnater.
As mulheres na economia rural
As mulheres representam 47,8% da população residente nas áreas rurais, sendo quase 15
milhões e o seu rendimento médio mensal equivale a 54,8% do rendimento médio dos homens
(PNAD 2013). Muitas delas não têm acesso aos direitos básicos e à cidadania, são as mais afetadas
pelos processos migratórios, especialmente as jovens e sequer são reconhecidas como agricultoras
familiares e camponesas. (BUTTO e HORA, 2008).
A dinâmica da economia rural é fortemente marcada pela desigualdade entre homens e
mulheres e é estruturada pela divisão sexual do trabalho que recoloca a base material como
constituinte das relações sociais de sexo (CARRASCO, 2005; KERGOAT e HIRATA, 2007). A
divisão sexual do trabalho na composição das famílias rurais é caracterizada pela invisibilidade do
trabalho das mulheres, considerado “ajuda” ao trabalho produtivo realizado pelos homens, tidos
como os principais protagonistas da produção (PAULILO, 1987). Às mulheres é atribuída a esfera
privada da vida, o trabalho doméstico e de cuidados com a família. A invisibilidade e a ausência de
remuneração, resultada da desvalorização das atividades produtivas e reprodutivas realizadas por
elas, determina o seu não reconhecimento como sujeitas da economia rural. Em que pese às
mulheres atuarem fortemente nas atividades produtivas especialmente nos quintais, hortas, criação
de aves e pequenos animais, entre outras que variam conforme a região do país, a sua inserção na
economia não se traduz em participação na gestão econômica da família e tão pouco nos espaços de
comercialização (NOBRE, 2005).
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Breve histórico da organização e concepção da ATER
A assistência técnica e extensão rural ganhou forma e conteúdo no Século XX com a
Revolução Verde2, que se tornou hegemônica no mundo na década de 1960 e consolidou a
concepção de produção agrícola baseada na monocultura, uso de insumos químicos, sementes
modificadas, mecanização e difusionismo3, dimensões que compõem o chamado pacote
tecnológico. No Brasil as institucionalidades de Ater, inicialmente de caráter setorial e estadual e
posteriormente de abrangência nacional, foram criadas para atender interesses das elites agrárias
alinhadas em alguma medida com os governos e seus projetos de desenvolvimento4
(BERGAMASCO, THOMSON, BORSATTO, 2017, p.337).
Novos contornos na Ater ocorreram a partir de 2003 quando esta passa a ser coordenada
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário5 (MDA) e se inicia um processo de construção da
Pnater com vistas a atender a agricultura familiar, promover a transição para uma agricultura
sustentável e articular as políticas públicas de desenvolvimento rural. A Pnater passa a explicitar a
agroecologia como matriz produtiva e eixo orientador da prestação dos serviços, além de reconhecer
as atividades ligadas ao modo de vida e de reprodução social no campo ampliando a concepção dos
serviços e do público beneficiário. Afirma a atuação pública, gratuita com qualidade e quantidade
suficiente para fortalecer a agricultura familiar e promover o desenvolvimento rural sustentável e
uma metodologia participativa, multidisciplinar e interdisciplinar (BRASIL, 2004).
Em 2010 foi sancionada a Lei 12.188, Lei de Ater, que instituiu a política e buscou garantir
a prestação de serviços qualificados para o público da agricultura familiar e da reforma agrária com
o objetivo de universalizar o atendimento no meio rural. Dentre os princípios da Pnater
estabelecidos na lei, destaca-se a “equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia”6,
reconhecendo as desigualdades que permeiam o universo do campo (BRASIL, 2010).
2 Pode ser entendida como um modelo econômico de desenvolvimento para o campo baseado na introdução de
variedades modernas de alta produtividade, transmitidas por meio de pacotes tecnológicos. (PEREIRA, 2012) 3 Metodologia baseada na ideia de difusão de conhecimentos técnicos integrado ao pacote tecnológico que desconsidera
os conhecimentos e saberes tradicionais da agricultura familiar e campesina. 4 Análise histórica dos serviços de assistência técnica e extensão rural no Brasil pode ser encontrada em “Da extinção da
Embrater à criação da Anater: os desafios da política de assistência técnica e extensão rural brasileira”
BERGAMASCO, et, al. 2015. 5 Extinto pelo Decreto 8.780 de 27 de maio de 2016. Atual Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do
Desenvolvimento Agrário vinculado a Casa Civil pelo Decreto 8.865 de 29 de setembro de 2016. 6 Art. 3º, inciso V.
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Desigualdade de gênero na concepção da ATER
A divisão sexual do trabalho esteve presente na atuação da extensão rural desde a década
1960 com forte separação entre espaços e atividades dirigidas às mulheres e aos homens. Por
décadas as mulheres não eram reconhecidas como trabalhadoras rurais ou agricultoras sendo
compreendidas apenas por seu lugar na família, como cuidadoras. A extensão rural historicamente
foi desempenhada por um técnico de Ciências Agrárias e uma técnica capacitada a atuar com o tema
Economia Doméstica (SILIPRANDI, 2002). As extensionistas de bem estar social, com atuação na
Economia Doméstica, realizavam atividades complementares à orientação agrícola, esta dirigida à
produção, correção de solo e acesso ao crédito. Elas eram impedidas de casar até a década de 1970 e
de dirigir os carros das empresas prestadoras de Ater até a década de 1980. O trabalho das
extensionistas de bem estar social era compreendido como um plano secundário, complementar ao
planejamento geral dos escritórios das empresas (SILIPRANDI, 2002). A atuação dessas técnicas
era voltada para temas como saúde, alimentação, saneamento básico, abastecimento de água e
tarefas domésticas e utilizavam metodologias como organização de grupos como clube de mães, de
senhoras entre outros, chamados de Grupos do Lar (EMATER, 2006).
A orientação da Ater seguia um caráter familista com metodologia, planejamento e
atividades direcionadas ao chefe de família, o homem, protagonista da produção. Esta visão se
traduziu na formação das equipes técnicas e na metodologia utilizada pelas entidades prestadoras,
que reforça a separação entre atividades produtivas e reprodutivas e a hierarquia de gênero. Alterar
tais estruturas de reprodução da divisão sexual do trabalho, que residem na organização e orientação
dos serviços de Ater, exigiu estratégias de visibilidade das mulheres na Pnater e de afirmação das
mulheres como sujeitas desta política.
Estratégias de incorporação da perspectiva de gênero na Pnater
As estratégias que contribuíram para a incorporação da perspectiva de gênero na Pnater a
partir de 2003 ocorreram mediante a instrumentalização de um conteúdo orientado à promoção da
autonomia econômica das mulheres e em forte sinergia entre o Governo Federal e os movimentos
de mulheres rurais e feministas. Apresentaremos as estratégias que consideramos como chaves para
este processo.
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Institucionalidade e orientação política
A criação da Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas7 (DPMRQ) no
âmbito do MDA8, organismo coordenador de políticas e programas direcionados à autonomia
econômica das mulheres do campo e ao reconhecimento delas como sujeitas de direitos
implementou a partir de 2003 uma agenda conjunta com os movimentos sociais e feministas. Sua
atuação visava ampliar e fortalecer a participação econômica das mulheres rurais por meio do
acesso a recursos produtivos, participação social e promoção da cidadania (BUTTO, 2011).
A problematização da lógica familista ou da “neutralidade de gênero” (LEÓN, 2006, p. 46)
presente no desenho das políticas públicas dirigidas à agricultura familiar e camponesa estruturou a
intervenção da Diretoria para o conjunto das iniciativas desenvolvidas no âmbito do MDA,
especialmente na Pnater. Reconhecer as mulheres como sujeitas de direitos no âmbito das políticas
públicas agrárias, agrícolas e de desenvolvimento rural exigiu à constituição de medidas de
visibilização delas nos registros e cadastros e a execução de programas dirigidos a efetivação da sua
cidadania, além da integração e articulação entre programas e ações de fortalecimento da
organização produtiva delas. Estas iniciativas foram internalizadas no MDA e nas políticas públicas
a partir da atuação da Diretoria, que instrumentalizou técnica e administrativamente concepções de
viés feminista na operacionalização dos programas. Isto se traduziu em meios de acesso das
mulheres às políticas públicas, dotação orçamentária específica e equipe técnica. A capacidade de
atuação da Diretoria na transversalização da pauta das mulheres para o conjunto das ações o MDA e
do Incra está relacionada com o comprometimento político da direção do órgão, já que este
organismo estava ligado diretamente à Secretaria Executiva do ministério. Este percurso está
inscrito na compreensão de não neutralidade do Estado no desenho de políticas públicas e atuação
das gestões (HORA e BUTTTO, 2014). Cumpre destacar que o ambiente de construção de políticas
de cunho feminista no âmbito do MDA foi permeado por tensionamentos internos, especialmente
com as secretarias finalísticas9 e com o Incra, que entendiam que as políticas públicas voltadas para
7 Teve origem no Programa de Ações Afirmativas criado em 2002. Em 2003 passou a se chamar Programa de
Promoção da Igualdade de Gênero, em 2010 passou à Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia e em 2012 a
Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas. Foi extinta em 2016 e atualmente existe apenas uma
Coordenação-Geral de Política para as Mulheres, Juventude e Povos e Comunidades Tradicionais.
8 Compreendendo também o Incra, autarquia que esteve vinculada ao MDA até o ano de 2015. Atualmente vinculado a
Casa Civil da Presidência da República 9 Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) e Secretaria de
Reordenamento Agrário (SRA).
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as famílias eram suficientes por considerar esta uma unidade homogênea de interesses e desprovida
de relações internas de poder, desigualdade e hierarquia.
Conteúdo Feminista
A maior qualificação da ação de Ater está estritamente ligada com a compreensão integral
do público beneficiário, no qual a metodologia e a abordagem são determinantes e devem ser
precisas para que a orientação da política se traduza na prestação dos serviços. Logo, compreender a
origem, condicionantes e estratégias de transformação das relações de desigualdades é de extrema
importância para o trabalho extensionista.
O reconhecimento das dimensões da desigualdade de gênero desde a composição familiar
orientou a inclusão de conteúdos na Pnater, que ganhou centralidade na agenda de promoção da
autonomia econômica das mulheres pelo seu caráter capilar e de atuação direta nas unidades de
produção familiares e camponesas. A Ater foi integrada às ações de fortalecimento das
organizações produtivas das mulheres buscando ampliar o acesso delas às políticas públicas de
apoio à produção e à comercialização, valorizar seus conhecimentos, práticas e vivências e
estimular a socialização do trabalho doméstico e de cuidados.
Esta reorientação na Pnater permitiu recolocar as mulheres como sujeitas da economia e do
desenvolvimento rural avançando na perspectiva que as localizava apenas no campo das
diversidades e remetia a desigualdade de gênero ao processo cultural. O campo da cultura não pode
ser considerado como uma abstração, mas sim como resultado da prática social e constitutivo das
referências de identidade (HORA e BUTTO, 2014). A compreensão da divisão sexual do trabalho
como estruturante da exclusão das mulheres do domínio produtivo e econômico situa a dimensão
social e histórica do sistema hierarquizado de sexos.
A internalização do conteúdo feminista passa, necessariamente, pela capacitação das equipes
técnicas que dada a sua trajetória de formação e ausência do tema, especialmente nas empresas
públicas, que desconhecem o que é trabalho produtivo e reprodutivo, como apontou estudo de
Monteiro (2008).
A formação de equipes técnicas e de agentes de Ater em conteúdos e metodologias
específicas para as mulheres é fundamental para que a atuação em campo permita a identificação
das formas de manutenção da hierarquia de gênero no interior da composição familiar e na estrutura
da entidade prestadora. Provocar a reflexão crítica a respeito de condicionantes históricos
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construídos a partir da divisão sexual do trabalho constituiu foco de intervenção da Diretoria na
Pnater.
Uma importante iniciativa foi à criação, em 2008 da Rede Temática de ATER para
Mulheres, sob coordenação da DPMRQ, composta por instituições públicas de Ater (Emater),
organizações não governamentais e movimentos sociais do campo cujo objetivo era subsidiar o
desenvolvimento de abordagens e metodologias específicas para as trabalhadoras rurais e atuar na
formação de agentes de Ater (MOLINA, 2011). Esta composição ampla buscou aproximar as
sujeitas envolvidas na prestação de Ater de forma a promover troca de experiências, expectativas e
vivências, formando terreno fértil para a qualificação de metodologias e formação adequadas aos
objetivos da Pnater.
Este conteúdo se desdobrou em instrumentos operacionais, abordagens metodológicas,
formação de equipes técnicas, qualificação de serviços e de demandas voltados para a superação das
assimetrias de gênero na orientação e prestação de assistência técnica.
Operacionalização
No âmbito dos procedimentos buscou-se torná-los mais compatíveis com a realidade das
mulheres rurais como: instrumentos de coleta de informações e diagnósticos que passaram a
contemplar informações a respeito das atividades realizadas por elas na produção agrícola e não
agrícola; composição de horário das atividades coletivas, de acordo com a realidade delas para não
sobrecarregá-las; oferta de recreação infantil como forma de socialização do trabalho de cuidados
com filhos e filhas e viabilizar a participação delas.
A prestação dos serviços de Ater dirigida às mulheres ocorreu entre 2004 e 2010 por meio
de chamamentos públicos exclusivos para elas e suas organizações executados por meio de
convênios. Após a Lei de Ater, houve um incremento significativo do orçamento disponibilizado
para as chamadas públicas de Ater para Mulheres, o que possibilitou ampliar a capilaridade e
continuidade da política pública. Os processos de elaboração e implementação da Lei de Ater
também, propiciaram ambientes de maior articulação entre a DPMRQ e outras áreas do MDA
executoras de Ater, o que contribui para avançar nas estratégias de visibilização das mulheres nos
diferentes instrumentos de operacionalização desta política.
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Em chamadas públicas mistas esta medida foi combinada com a definição de metas de
atendimento às mulheres, de 50% do público10 a ser atendido em cada chamada pública, e, com a
destinação de 30% dos recursos para serviços direcionados ao estímulo a organização econômica
delas. Essas diretrizes foram emanadas da 1ª Conferência Nacional de Ater (Cnater)11 e da 2ª
Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CNDRSS)12.
As chamadas de Ater também passaram a prever pontuação13 maior para as entidades que
apresentassem composição com 50% de mulheres nas suas equipes técnicas. Passaram a compor as
chamadas públicas serviços específicos para as organizações produtivas de mulheres rurais
contemplando as atividades de produção agrícola e não agrícola realizada por elas como manejo de
quintais produtivos, criação de aves e pequenos animais, agroindustrialização, capacitações sobre
gestão econômica, cooperativismo, agregação de valor à produção e acesso a mercados. Também
foram definidas metas de elaboração de projetos de crédito e acesso a mercados institucionais. A
priorização da agroecologia como matriz produtiva e de desenvolvimento foi outra diretriz das
conferências que se traduziu na elaboração e definição dos instrumentos operacionais e
metodológicos a serem utilizados na prestação de Ater.
A garantia de oferta de serviços de recreação infantil durante a realização das atividades
coletivas de Ater também foi incluída nas chamadas públicas. A oferta desse serviço visava garantir
meios de facilitar a participação das mulheres por meio da socialização do trabalho dos cuidados
das crianças.
Outra frente de intervenção se deu junto às entidades prestadoras de Ater, já que a inclusão
das mulheres na Pnater aproximou uma grande diversidade de instituições na prestação deste
serviço desde 2004. Dentre estas, a maioria são entidades não governamentais e associações de
caráter misto. As entidades feministas ou organizações vinculadas aos movimentos de mulheres
rurais foram se envolvendo gradativamente no campo da prestação de Ater (WEITZMAN, 2001).
Com a Lei de Ater a DPMRQ promoveu Seminários Estaduais por meio dos convênios Mulheres e
Autonomia com o objetivo de divulgar a legislação e mobilizar as entidades públicas e privadas
para prestação de serviços para as mulheres (BUTTO, et al. 2014). Esses seminários também
contribuíram para aproximar as mulheres rurais das equipes técnicas apresentando suas demandas
pelos serviços e identificando meios de promover a participação delas nas atividades.
10 A pauta dos 50% de atendimento às mulheres nas chamadas de Ater teve grande repercussão e converteu-se em
palavra de ordem das delegadas da 1ª CNATER e da 2ª CNDRSS. 11 Realizada em abril de 2012. 12 Realizada em outubro de 2013. 13 A pontuação ocorre no momento de análise das propostas técnicas de cada chamamento público.
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Uma agenda coletiva
Muitos dos avanços na incorporação da perspectiva de gênero na Pnater foram viabilizados
por serem resultados de uma agenda reivindicatória dos movimentos de mulheres e feministas do
campo. Estas agendas compuseram pautas apresentadas ao governo federal e discutidas em espaços
de concertação e controle social de âmbito local e nacional. A agenda apresentada pelos
movimentos sociais se somou às estratégias em curso implementadas pela DPMRQ.
Esta convergência em torno de uma agenda para a Pnater foi otimizada especialmente por
duas estratégias de atuação. A primeira foi garantir a representação dos movimentos de mulheres
nas instâncias de discussão sobre as políticas de desenvolvimento rural em paralelo à criação de
instâncias de gestão das políticas públicas para as mulheres. A segunda foi articular a participação
delas nas instâncias de gestão dessas políticas em âmbito territorial e nacional.
Nas instâncias nacionais as mulheres ampliaram suas representações como no Conselho
Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - Condraf e passaram a compor os seus comitês
temáticos. Um dos importantes espaços de gestão que teve forte incidência da pauta das mulheres
foi o Comitê de ATER do Condraf instituído em 2004, como instância de articulação e proposição
no âmbito da gestão nacional da Pnater. Este Comitê teve uma dinâmica ativa e efetiva ante aos
demais, avançando para a qualificação de instrumentos, elaboração de propostas e avaliação da
Pnater. Foi este Comitê que coordenou a 1ª Cnater e a agenda que se desdobrou a partir das
propostas aprovadas. Esse processo marcou positivamente a intervenção das mulheres na política de
Ater, com maior valorização da agenda e ampliação da participação das representações delas.
A qualificação da intervenção delas nas instâncias mais gerais de debate e gestão da Pnater
está ligada com a definição de agendas e propostas construídas nos espaços setoriais como o Comitê
de Políticas Públicas para as Mulheres do Condraf, o Comitê Gestor do Programa de Organização
Produtiva das Mulheres Rurais14 e a Rede Temática de Ater para Mulheres.
Esta mesma lógica de articulação geral-setorial foi replicada para as instâncias territoriais de
gestão social. A estruturação de comitês de mulheres vinculados as Colegiados Territoriais se deu a
partir de um processo de mobilização local que gerou diagnósticos, qualificação de demandas de
Ater e divulgação da Pnater. Nas 411 atividades realizadas nos territórios as entidades prestadoras
14 Composto por 15 representantes de movimentos sociais: Fetraf, Contag, MST, Conselho Nacional dos Povos da
Floresta, MMTR/NE, MIQCB, GT de Mulheres da ANA, Rede Xique Xique, Rede de Produtoras da Bahia, MMC,
Rede de Mulheres do Noroeste do Pará, Rede Economia e Feminismo, Associação Nacional das Pescadoras, Rede de
Produtoras do Nordeste e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Pelo governo 5 órgãos, além do MDA,
SPM/PR, MDS, Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Conab/MAPA e MTE.
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de Ater participaram ativamente recolocando estes atores como colaboradores nos projetos de apoio
a organização econômica das mulheres (BUTTO, et al, 2014).
Importante expressão desta articulação foi o ambiente da 1ª Cnater e o seu texto final em
que os temas das mulheres compuseram os cinco eixos temáticos discutidos nessa conferência
(SOUSA, LIMA, VARGAS et al, 2016). Esta metodologia foi possível graças à presença de
mulheres representantes do governo e dos movimentos sociais na coordenação da conferência
(Comitê de Ater do Condraf) e nos grupos de trabalho que operacionalizaram as resoluções e
discutiram a qualificação dos instrumentos de chamada pública (HORA e BUTTO, 2014). Destaca-
se também a visibilidade das mulheres na organização e nas resoluções aprovadas da 2ª CNDRSS
cujo ponto de maior evidência foi à aprovação de atendimento de pelo menos 50% de mulheres nas
chamadas públicas de Ater.
Considerações finais
No período de 2003 a 2013 ocorreram avanços significativos na visibilização da agenda das
mulheres na Pnater por força de estratégias adotadas que convergiram para assegurar a incorporação
da perspectiva da autonomia econômica delas por meio desta política. As estratégias identificadas
evidenciam que os avanços estão estritamente relacionados a aspectos conjunturais como orientação
política de governo e a forte presença dos movimentos de mulheres e feministas nos ambientes de
gestão e controle social. Para além da participação institucionalizada, a construção de uma agenda
articulada entre a DPMRQ e os movimentos permitiu a instrumentalização da Pnater a partir de uma
perspectiva feminista o que se traduziu na incorporação de medidas efetivas na orientação dos
serviços e na abordagem metodológica. Entretanto, como os dispositivos legais situam as mulheres
apenas como parte da diversidade que compõe o rural sem qualificação de desigualdades sociais e
econômicas, a orientação e instrumentalização da Pnater dependem em grande medida da
interpretação e disposição dada pelos gestores e gestoras da política. Além disso, a atuação dos
movimentos sociais de mulheres e feministas é estratégica no sentido de reivindicar a manutenção
dos avanços e não permitir retrocessos nas políticas, especialmente no atual ambiente político do
país em que um governo ilegítimo ocupa a Presidência da República e há forte ameaça aos direitos
conquistados.
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BRASIL, Lei 12.188 de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária - PNATER e dá outras providências.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12188.htm> Acesso
em jul de 2014
Title: Strategies for gender mainstreaming in National Policy of Technical Assistance and
Rural Extension between 2003 and 2013
Abstract: This paper result’s of a study performed for the completion of the Specialization course in
Public Policy Management in gender and race at the University of Brasília in the year 2014
Presents strategies that resulted in the incorporation of the gender perspective in National Policy of
Technical Assistance and Rural Extension - Pnater. The research included analysis of the processes
occurring between the years 2003 and 2013 within the framework of the Pnater, rural development
policies and the performance of the movements of rural women and feminists.
We start from the presupposed that since 2003 there have been advances in the reorientation of
public policies with recognition of social inequality and gender and the strengthening of the role of
the State. The structuring of the Ministry of Agrarian Development, the creation of Pnater, the
institutionality of the Board policies for rural women and Quilombola Communities, the expansion
of social participation and ongoing dialog with social movements are fruits of this redeployment.
A brief contextualization of women's participation in the rural economy, history of organization and
conception of Ater, and the institutionalization of Pnater between 2003 and 2013 are presented.
Finally, the strategies considered fundamental to the incorporation of the gender perspective in
Pnater: creation of the Board policies for rural women and Quilombola Communities, the content of
feminist implemented, the operational intervention and linkage with the women's movement.
Keywords: rural women, technical assistance and rural extension, women's movement, feminism