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Infância estressada Saiba os perigos de sobrecarregar a agenda de seu filho de compromissos e aprenda a identificar quando é preciso diminuir o ritmo Por Jannaina Costa

Estresse infantil por jannaina

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Infância estressadaSaiba os perigos de sobrecarregar a agenda de seu filho

de compromissos e aprenda a identificar quando é preciso diminuir o ritmo

Por Jannaina Costa

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Letícia Flor tem apenas 11 anos, mas já vive uma rotina de gen-te grande. De segunda a sexta,

freqüenta as aulas do 6º ano do ensino fundamental à tarde e pratica balé em um curso técnico para tornar-se profis-sional à noite. Duas vezes por semana estuda inglês. Toda sexta-feira, emen-da a aula de dança com uma hora de alongamento. As segundas, ela apren-de violino na igreja e, no domingo, canta no coro infantil e participa da escola bíblica. Pela manhã, dedica-se aos deveres de casa e, quando dá, Le-tícia brinca ou vê televisão. A menina não reclama, mas confessa que se sen-te cansada e, às vezes, chega a enjoar de alguma das atividades. Se ela ti-vesse mais tempo, diz que gostaria de “não fazer nada e dormir mais”.

A menina é uma entre tantas crian-ças que, além da escola, tem uma sé-rie de tarefas extras com a intenção de se preparar para o futuro. Seus pais acreditam que, participando de muitas atividades, ela estará mais apta para o mundo competitivo. Leila Alves, mãe de Letícia, não mede esforços para dar conta da rotina da filha. Por ser autô-noma, consegue estar disponível para levá-la aos compromissos e admi-nistrar o tempo livre da menina. Não deixa que Letícia acorde tarde e esta-belece as prioridades de manhã, que geralmente envolvem tarefas escola-res. Ela admite que a rotina da filha é

intensa: “há épocas, nas semanas de provas, que ela não brinca nem liga a televisão porque não dá tempo” e confessa que já chegou a sugerir-lhe abrir mão de alguma atividade, mas a menina não aceitou a ideia. “Falei com ela para sair por um tempo do balé, já que está no último nível, mas ela não quis”.

Assim como Letícia, Jordi Amo-rim também tem uma agenda cheia. O adolescente de 15 anos cursa o 2º ano do Ensino Médio em horário integral, das 7h às 17h. Na escola, ele partici-pa de atividades diversificadas, como aulas de línguas e esportes. À noite,

pratica guitarra em casa ou ensaia com a banda da qual participa. Jordi acredita que a rotina é inevitável, mas confessa: “acabo me sentindo cansa-do e a única coisa que não quero fa-zer quando chego em casa é estudar”. O excesso de compromissos de Jordi tem reflexos em sua saúde. O ado-lescente relata que dormi mal, com o sono “pesado” e de curta duração. Quando tem tempo livre, ele costuma ficar em casa por não ter ânimo para sair. Mas quando se lembra que terá de se preparar para o vestibular no próximo ano, Jordi desabafa: “Vejo o que o pessoal do terceiro ano diz e

percebo que há muito que piorar.”A rotina que Letícia e Jordi estão

submetidos pode levá-los a um qua-dro de estresse, um problema que vem se tornando cada vez mais co-mum entre crianças e adolescentes. Uma pesquisa realizada em 2010 em Porto Alegre e São Paulo com 220 crianças, de 7 a 12 anos, pelo International Stress Management Association (ISMA-BR), uma asso-ciação internacional para prevenção e tratamento de estresse, revelou que cerca de 80% apresentavam al-guma manifestação psicossomática, sem causas clínicas, que sugeriam a

Sintomas físicos

Dor de barriga sem causa

aparente

Diarreia

Tique nervoso

Náusea

Gagueira

Tensão muscular

Ranger os dentes

Falta de apetite

Sintomas psicológicos

Pesadelos

Ansiedades

Medo ou choro excessivo

Introversão súbita

Agressividade

Impaciência

Dificuldade de relacionamento

Hipersensibilidade

Terror noturno

ESTRESSADINHOS

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presença de estresse. O excesso de tarefas foi uma das principais cau-sas identificadas para o problema e também a maior queixa de cerca da metade dos entrevistados.

À beira de um ataque

O estresse infantil é igual ao dos adultos. Surge como uma emoção negativa diante de um problema aparentemente sem solução, afirma a psicóloga e especialista na área Maria Victoria Triane Torres, da Universidade de Málaga, na Espanha: “O estilo de vida atual em sociedades desenvolvidas incita meninos e meninas a sofrerem estresse (...) as crianças têm muitas atividades extracurriculares, não há vida familiar; situações pouco favoráveis

para que eles se sintam felizes e possam brincar e aprender.” As causas do problema, porém, são diferentes: “Entre as crianças as situações temidas pertencem ao âmbito da saúde, do colégio e da família, já que são âmbitos em que se desenvolve a vida infantil”, esclarece a pesquisadora. Já as consequências podem ser ainda mais graves nas crianças por ainda estarem em crescimento: “O estresse infantil pode interferir, desviar e por em risco o desenvolvimento normal, contribuindo ao surgimento de psicopatologias e a inadaptação social e escolar”, acrescenta.

A psicóloga clínica Patrícia Jacob questiona a validez de tantas ativida-des a que as crianças são submetidas em nome de um futuro melhor: “No mundo competitivo em que vivemos é compreensível que os pais queiram que os filhos aproveitem toda oportu-nidade possível para enriquecer suas vidinhas. Mas, será que a criança que tem sua carga horária toda preenchi-da consegue produzir no seu potencial máximo em todas as atividades?”.

A hora de desacelerar

Nem sempre é fácil saber com clareza se a rotina intensa da criança a deixa sobrecarregada, mas alguns comportamentos podem dar pistas de que algo está errado, ressalta Triane

Torres: “Nos menores de três anos, qualquer alteração do comportamen-to (sono, alimentação, agressivida-de, desobediência, excitação e etc.) sem causa física ou médica pode ser sintoma de estresse.” Já os maiores de 3 anos costumam ficar irritadiços, baixar o rendimento escolar e, até envolver-se em brigas.

Para a psicóloga Patrícia Jacob, o limite entre rotina intensa e excesso de atividades é bastante pessoal. Cabe à família procurar conhecer seus filhos para identificar quando é preciso de-sacelerar. Patrícia lembra que para “se dar bem na vida” não basta ter um cur-rículo extenso e invejável, mas preci-sa-se qualidade de vida, de equilíbrio emocional, de saúde física e mental. “E o que oferece essas características às crianças e adolescentes é a oportu-nidade de ter seus limites respeitados”, defende. Para ter um desenvolvimento saudável, eles precisam de tempo para brincar, para ficar com os amigos e para o ócio. A psicóloga ressalta: “é para ficar sem nada para fazer mesmo, para que aprendam a estar consigo mesmos sem precisar obsessivamente estar preenchendo seu tempo livre”.

A escola pode ajudar

Um estudo de 2008 da Faculdade de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul comprova: há uma relação es-

treita entre a exposição ao estresse e o prejuízo no desempenho escolar. Entre os alunos entrevistados, o índice de re-provação foi 21% nos estudantes que apresentaram quadro de estresse.

Para a pedagoga do SENAI-RJ, Maria Ângela Domingues, a esco-la pode desempenhar um papel im-portante para melhorar a qualidade de vida dos estudantes. “Nas escolas deveríamos criar espaços, como ludo-tecas, salas de leitura, minizoo, salas de artes plásticas, sala de multimídias, desta forma iríamos criar momentos de muito prazer, criatividade e harmo-nia nos alunos e, provavelmente, no espaço escolar estas pessoinhas pode-riam ser muito mais felizes”, defende.

O estresse moderado é positivo e necessário para que o ser humano enfren-te seus desafios. É o que constatou o professor de ciências biológicas e neu-rologia da Universidade de

Stanford (EUA) Robert M. Sapolsky. Em curto prazo, durante minutos ou horas, apenas coi-sas boas, desde que a pressão não seja muito pesada. Os sentidos ficam aguçados, assim como a formação da memória. Há um aumen-to na distribuição de oxigênio e glicose para o cérebro e a liberação de um neurotransmissor chamado dopamina, relacionado à sensação de prazer. Mas, quando a pressão segue por muito tempo, acontece o oposto. Há uma ini-bição no nascimento de novos neurônios e enfraquecimento dos que já estão lá.

Crianças estressadas: causas, sintomas e soluções, de Marilda Emmanuel Novaes Lipp e colaboradores.Entenda o estresse infantil e aprenda a contribuir para reduzir a tensão dos seus filhos. EDITORA PAPIRUS

Chega de estresse!de Michaelebe Mundy.Com linguagem fácil e acessível ao público infantil, a obra contém conselhos para ajudar meninos e meninas a lidarem com situações de estresse. EDITORA PAULUS

SAIBA MAIS

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Como se caracteriza o estresse infantil? É diferente do estresse em adultos?

O estresse diário na criança se defi-ne igual ao do adulto, como uma emo-ção negativa que surge diante de um problema cuja solução não se apre-senta por falta de recursos para isso, no entanto os estressores das crianças são diferentes. As crianças menores sofrem de estresse por acontecimen-tos diferentes do adulto, levando em conta que os pequenos: a) por seu desenvolvimento cognitivo limitado não compreendem bem os estressores importantes que ocorrem em sua vida, atribuíndo-se culpa, por exemplo, pela norte da mãe ou do pai, ou acreditando que a doença provém de um comporta-mento extermo “mau”; b) apresentam menor autorregulação e controle emo-cional, por isso podem ser afetados intensamente diante de um problema difícil de resolver ao apresentar baixa tolerância à frustação; c) dependem muito dos pais, assim muitas situações nas quais temem ou percebem não ser queridos ou atendidos se apresentam como importantes estressores na in-fãncia. Incrementa esse efeito o fato objetivo do menor poder de decisão que têm frente aos adultos.

A que específicamente se destina o método? Por que é importante medir o estresse estatísticamente?

É um inventário de estressores que

foi desenhado e validado para avaliar o estresse diário de meninos e menins de 6 a 12 años. É importante contar com este instrumento para avaliar o estresse infantil pois proporciona uma norma estatística com a qual se pode comparar a pontuação de um menino ou menina para ver se é alta ou baixa em ralação à população. Além disso, proporciona uma puntuação (60 ou mais) a partir da qual se prediz psico-patologías infantis. É de alta utilidade para pediatras e psicólogos clínicos infantis, assim como para orientadores escolares, e para pesquisadores sobre o estresse infantil.

Pode-se aplicar esse método em qual-quer país?

O inventário representa um méto-do para medir o estresse infantil com carácter universal. No entanto, seus itens, ou conteúdo, ao representar si-tuações diárias na vida de meninos ou menindas, podem sofrer adaptações a outros contextos socioculturais que não sejam os de países chamados “de-senvolvifos.” Por exemplo, itens como “Passo pouco tempo com meus pais,” “Visito pouco meus familiares” repre-sentam um estilo de vida que pode não ser compartilhado em outras socieda-des rurais ou mais comunitárias.

O nível de estresse e/ou os estressores são distintos entre meninos e meni-

Método espanhol permite medir o estresse infantil

ENTREVISTA (María Victoria Trianes Torres)

O tamanho do problema

A partir de um estudo com mais de mil crianças com idade entre 8 e 12 anos concluído em 2009, pesquisadores da Universidade de Málaga, na Espanha, desenvolveram um método científico para medir o nível de estresse nas crianças, o Inventário Infantil de Estressores Cotidianos (IIEC). A psicóloga María Victoria Trianes Torres, autora principal do estudo, originalmente publicado na revista Psicothema, falou à Zero Zero sobre o método e abordou questões sobre prevenção, identificação e combate do estresse infantil.

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nas? Em que se distinguem?Na idade de educação infantil e pri-

mária, aparecem poucas diferenças por sexo. Estas são mais aparentes na pré--adolescência e na adolescência. Re-sultados de pesquisas recentes apon-tam que é a partir da pré-adolescência que aparecem mais diferenças associa-das às mudanças de desenvolvimento e à utilização de diferentes recursos de enfrentamento entre meninos e meni-nas. Em geral, se associam ao gênero feminino maior estresse diante de es-tressores interpessoais com iguais e famílias, assim como maior impacto emocional do estresse. Entre meninos também se produz estresse por proble-mas interpessoais, mas em primeiro lugar por problemas acadêmico. As consequências do estresse também va-riam de acordo com o sexo: os homens têm mais risco de desenvolver condu-tas inadaptadas exteriorizadas como agressão, desobediência, impulsivida-de, enquanto que as meninas tendem mais a sofrer emoções negativas e sen-timentos de solidão diante de aconte-cimentos estressantes.

Em sua opinião, os pais são os prin-cipais responsáveis pelo estresse dos filhos na medida em que exigen exces-sivamente deles?

As causas do estresse são varia-das, já que o próprio temperamento pode predispor a criança a se estres-

sar mais. As condições de vida, bem--estar e segurança protegem diante do estresse, pois crianças que vivem na pobreza, instabilidade ou violência sofrem maiores níveis de estresse diá-rio. Quanto aos pais, podem transmi-tir tensões e estresse a seus filhos. No entanto, também são a principal fonte de enfrentamento já que por ensino direto ou por modelo podem trans-mitir estratégias de enfrentamento que o filho pode aprender em família. Com relação a se os pais, ao exigirem excesivamente dos filhos, lhes pro-vocam situações de estresse, eu diria que o estilo de vida atual em socieda-des desenvolvidas incita as crianças a sofrerem de estresse mais que a vida em outras sociedades mais comunitá-rias. Já que ambos os pais trabalham, as crianças têm muitas atividades extra-escolares, não há vida familiar, pois só se reúnem tarde, para dormir, estas situações não são as mais favo-ráveis para que um menino ou meni-na se sinta feliz e possa brincar, além de aprender. E, ainda que possa ha-ver meninos que aguentam a pessão e que gostam de ter muitas atividades, outros podem se sentir pressionados por tanta formação além da escolar, o que constatamos em nossa avaliação do estresse infantil.

Estudos relacionam o estresse in-fantil a problemas como, por exem-

plo, a obesidade e as dificuldades de aprendizagem. Uma vez medido o estresse, que medidas a escola e a família podem tomar para minimi-zar seus efeitos?

O estresse diário se relaciona a outros problemas de conduta, por exemplo, a agresividade, com baixa aceitação de iguais, segundo apontam nossas pesquisas. Para minimizá-lo pode-se ensinar estratégias de en-frentamento entre as quais as mais importantes são: solução do proble-

ma, buscar ajuda, buscar informação, manter uma atitude positiva diante do problema, evadir-se se não se pode fazer outra coisa, tanto mentalmente quanto por conduta. Este ensino de-veria incluir a prevenção contra o em-prego de estratégias de enfrentamento improdutivas, como a evasão do pro-blema quando este permite outros en-frentamentos positivos, passividade, agressividade e emoção incontrolada, que se associam a psicopatologia e inadaptação escolar.

María Victoria Trianes Torres é catedrática de Psicologia da Educação no Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Málaga, na Espanha. Dirige o grupo de investigação HUM-378 do Plano Andaluz de Investigação sobre assessoramento para prevenir violencia e estresse na educação. É autora de numerosos livros e publicações sobre as relações sociais, sua educação na escolarização, aa prevenção de violência e conflitos interpessoais, e o estresse cotidiano na infância e adolescência.

O estudo completo está disponível na página http://www.psicothema.com

No Brasil existem instituições que estudam os efeitos do estresse e oferecem ajuda:

CPCS-Centro Psicológico de Controle do StressEntidade pioneira na América Latina destinada a promover o tratamento do stress excessivo. Atua em várias regiões do Brasil, realizando cursos e palestras sobre o tema. Também oferece tratamento às pessoas que apresentam sintomas de stress. http://www.estresse.com.br/

ABS-Associação Brasileira de EstresseAssociação de incentivo ao intercâmbio de informações e a pesquisa sobre o Stress. Promove o diagnóstico, controle e prevenção do stress em crianças, adolescentes e adultos, independentemente de raça, sexo, idade ou condição socioeconômica. http://www.abs-2003.org.br