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3º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2017 – ANAIS Artigo Nas Nuvens...: <http://musicanasnuvens.weebly.com/> 215 Estrutura n.1 para violino e piano: desvelando sons dodecafônicos na obra de Carlos Alberto Pinto Fonseca Luiza Gaspar Anastácio 1 Ana Claudia de Assis 2 Categoria: Comunicação Resumo: O presente artigo apresenta uma análise da Estrutura n.1 para violino e piano, obra dodecafônica do compositor brasileiro Carlos Alberto Pinto Fonseca, situando-a na sua produção, onde predominam as composições nacionalistas escritas para canto coral. Palavras-chave: Carlos Alberto Pinto Fonseca. Música para violino e piano. Música dodecafônica. Estrutura n.1 para violino e piano: uncovering dodecaphonic sounds in the work of Carlos Alberto Pinto Fonseca Abstract: This article presents an analysis of Estrutura n.1 para violino e piano,a dodecaphonic composition by Carlos Alberto Pinto Fonseca, contextualizing it in his work, where the nationalist music written for choir predominate. Keywords: Carlos Alberto Pinto Fonseca. Violin and piano music. Dodecaphonic music. Introdução A obra do compositor e maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca (Belo Horizonte, 1933 – 2006) tem sido objeto de estudo de diversas pesquisas nos últimos quinze anos, entre as quais podemos citar SANTOS (2001), FERNANDES (2004), COELHO (2009), LAUAR, (2002), MATHEUS (2010), entre outros. Figura destacada no cenário musical mineiro e brasileiro, Carlos Alberto é reconhecido sobretudo pelo trabalho que realizou a frente do Coral Ars Nova, grupo que conduziu por mais de 40 anos e que sob sua batuta recebeu inúmeras distinções nacionais e internacionais. Sua dedicação a este grupo repercutiu em todos os âmbitos de sua carreira e, consequentemente, influenciou sua produção composicional: do total de obras 1 Violinista, Doutoranda em Performance Musical na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Programa de Pós-Graduação em Música, [email protected] 2 Pianista, Professora Associada da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, [email protected]

Estrutura n.1 para violino e piano: desvelando sons … · 2020. 11. 19. · Missa Afro-Brasileira (de Batuque e Acalanto), para coro misto a capella, sua obra de maior prestígio

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Estruturan.1paraviolinoepiano:desvelandosonsdodecafônicosnaobradeCarlosAlbertoPintoFonseca

LuizaGasparAnastácio1

AnaClaudiadeAssis2

Categoria:Comunicação

Resumo: O presente artigo apresenta uma análise daEstrutura n.1 para violino epiano, obra dodecafônica do compositor brasileiro Carlos Alberto Pinto Fonseca,situando-a na sua produção, onde predominam as composições nacionalistasescritasparacantocoral.Palavras-chave:CarlosAlbertoPintoFonseca.Músicaparaviolinoepiano.Músicadodecafônica.

Estrutura n.1 para violino e piano: uncovering dodecaphonic sounds in theworkofCarlosAlbertoPintoFonsecaAbstract: This article presents an analysis ofEstrutura n.1 para violino e piano, adodecaphoniccompositionbyCarlosAlbertoPintoFonseca,contextualizingitinhiswork,wherethenationalistmusicwrittenforchoirpredominate.

Keywords: Carlos Alberto Pinto Fonseca. Violin and piano music. Dodecaphonicmusic.

Introdução

AobradocompositoremaestroCarlosAlbertoPintoFonseca(BeloHorizonte,

1933–2006)temsidoobjetodeestudodediversaspesquisasnosúltimosquinzeanos,

entre as quais podemos citar SANTOS (2001), FERNANDES (2004), COELHO (2009),

LAUAR, (2002),MATHEUS (2010), entre outros. Figura destacada no cenáriomusical

mineiroebrasileiro,CarlosAlbertoéreconhecidosobretudopelotrabalhoquerealizou

afrentedoCoralArsNova,grupoqueconduziupormaisde40anosequesobsuabatuta

recebeuinúmerasdistinçõesnacionaiseinternacionais.

Suadedicaçãoaestegrupo repercutiuem todososâmbitosde sua carreirae,

consequentemente, influenciou sua produção composicional: do total de obras

1 Violinista, Doutoranda em Performance Musical na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG,ProgramadePós-GraduaçãoemMúsica,[email protected],ProfessoraAssociadadaEscoladeMúsicadaUniversidadeFederaldeMinasGerais–UFMG,[email protected]

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catalogadas,mais de 70% são escritas para coro, cerca de 10%para canto e piano, e

sabe-sequegrandepartedestasobrasfoidedicadaaoCoralArsNovaesuasvozes.

Embora haja pesquisas acadêmicas atuais que demonstram que a produção de Carlos

Alberto extrapola o âmbito da música coral/vocal, o fato é que sua produção instrumental

segue sendo praticamente desconhecida e pouco executada. Consistem em um pequeno

número de composições, e quando tratamos de obras escritas originalmente para

instrumentos de cordas sua produção é ainda menor, como se pode averiguar no

catálogodeobraselaboradoporSANTOS(2001).

Do ponto de vista estético-composicional, CarlosAlberto não se reconhecia fiel a

nenhuma escola ou estilo, se descrevendo como um “compositor eclético, cujas

experiências vão damúsica impressionista ao dodecafonismo” (SANTOS, 2001, p. 29).

No entanto, umadas característicasmaismarcantesde suaobra – tanto vocal quanto

instrumental–éapresençadeelementosdatradiçãobrasileiraeafro-brasileira,sendoa

Missa Afro-Brasileira (de Batuque e Acalanto), para coromisto a capella, sua obra de

maior prestígio. São dezenas de arranjos e composições que recorrem ao folclore e à

músicapopularbrasileira– baiões,cantigasderoda,sambas-cançãoechoros–alémdas

peçasafro-brasileiras,baseadasemtextosdaumbandaecandomblé.

Carlos Alberto é fundamentalmente um compositor brasileiro.Um compositor brasileiro que não se afasta das origens damusicalidade brasileira, embora tendo experimentado, evaliosamente, as linguagens contemporâneas. Então, soube darumcunhoaltamentebrasileiroemumalinguagemquenãoémaisa linguagem tonal dos pequenos arranjos folclóricos anteriores,massimalinguagemdeumaverdadeiracomposição.(MAGNANI,2000,apudSANTOS,2001,p.29).

Portanto, quando abordamos a Estrutura n.1 para violino e piano de Carlos

Alberto Pinto Fonseca nos referimos a uma exceção no conjunto de sua obra: uma

composiçãododecafônica,instrumental–ecomumainstrumentaçãoquaseinexplorada

pelo compositor3, sendo o objetivo deste artigo, exatamente, discutir a forma como o

maestroFonsecaseexpressounestesmoldes.

3SANTOS(2001,p.46)serefereàs“peçasparaviolinoepiano”deCarlosAlbertoPintoFonseca,oquesugereaexistênciademaisdeumapeçaescritaparaesta formação, eMATHEUS (2010,p.46) relataaexistênciadeduaspeçasparaviolinoepiano.Porém,tivemosêxitonalocalizaçãodeapenasumapeça,aEstruturan.1,alémdeumesboçodecomposiçãoinacabada,semtítulo(consultarANASTÁCIO,2014).

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1ConsideraçõessobreaassimilaçãodatécnicadodecafônicanoBrasileosanos

deestudodeCarlosAlbertoPintoFonsecacomKoellreutter

É imprescindível, ao abordar o dodecafonismo no Brasil, recorrer a Hans-

JoachimKoellreutter (1915 – 2005), professor, compositor e fundador domovimento

MúsicaViva (1938–1952),doqualparticiparamnomesde relevono cenáriomusical

nacional como Cláudio Santoro (1919 – 1989), César Guerra-Peixe (1914 – 1993),

EuniceKatunda(1915–1990)eEdinoKrieger(1928–).JuntoscomKoellreutter,foram

responsáveis por inaugurar no Brasil um movimento de vanguarda tendo o

dodecafonismocomoeixocomumdecriação.

É interessante, entretanto, averiguar que a assimilaçãodododecafonismopor

compositoresbrasileirosocorreudemaneiraparticular:

Deummodooudeoutro,podemosperseguiropressupostoquearecepçãoda teoria do serialismododecafôniconoBrasil, esteve,desde o início, sujeita a processos de hibridação característicosdasculturasperiféricasemrelaçãoaoscentroshegemônicosondeas teorias são usualmente geradas. [...] A homogeneidade, vistacomo uma virtude intelectual nos locais que são centros dacultura4 [...] torna-se, nas periferias, não só inexequível, mastambém indesejável e portanto objeto de transformaçõesheterogênicas, frequentemente descritas pelas expressões“sincretismo”, “hibridismo”, “antropofagismo cultural” ou“transculturalismo”.(SOUZA,2011,p.330-331)

Recorremos aASSIS (2007)para citar o compositorCésarGuerra-Peixe como

exemplodesteprocessode“hibridação”nomanuseiodatécnicadodecafônicanoBrasil:

Infiltrandomateriaisdepráticasmusicaispopularesnoâmbitodaestruturação rítmica e melódica, Guerra-Peixe buscou imprimiruma “cor nacional” às suas obras dodecafônicas, construindo,assim,umaestéticasonoraprópria,compatívelcoma linguagemdamúsicadodecafônica,mas,aomesmotempo,acessívelaogostomusicaldesuaépoca.(ASSIS,2007,p.34)

Outro caso notável de utilização “peculiar” de composição com doze sons é

Cláudio Santoro, que, por tomar liberdades com respeito ao tratamento serial

empregado em sua música, constantemente é descrito como um compositor “não

ortodoxo”comrelaçãoàutilizaçãodatécnica,comoressaltamSOUZA(2011)eALMADA

(2008).

Paraalémdasformasparticularesdeassimilaçãoeempregodododecafonismo

namúsicabrasileiradosanos1940,éevidenteaimportânciadogrupoMúsicaViva,de4 Salientamos que esta afirmação não pode ser generalizada, já que é possível encontrar casos dehibridaçãoeflexibilizaçãodasnormasseriaistambémentrecompositoreseuropeus.

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seus integrantes e de seu fundador, Koellreutter, não só na difusão da técnica

dodecafônica,mastambém,segundoKATER(1991)narenovaçãoecriaçãodeumanova

perspectivadeproduçãomusicalnoBrasildaquelaépoca.

Apósadissoluçãodogrupo,no iníciodadécadade19505,Koellreutter iniciou

diversosprojetoscomfoconaeducaçãomusical,entreosquaispodemoscitara“Escola

Livre de Música” de São Paulo e os “Seminários Internacionais de Música” da Bahia,

frequentadospelocompositormineiroCarlosAlbertoPintoFonsecaentre1954e1960.

CarlosAlberto–que iniciouseusestudosdemúsicaemsuacidadenatal,Belo

Horizonte–quandojáfrequentavaaulasnoConservatórioMineirodeMúsica,em1954,

realizou uma viagem a Salvador, durante a qual conheceu o professor Hans Joachim

Koellreutter. Em entrevista cedida ao Maestro Sérgio Magnani, Carlos Alberto faz a

seguinte declaração a respeito da impressão inicial que teve com relação ao ensino

propostopelomúsicoalemão:“...efaleiassim:gente,issoaquitámuitomaisevoluídodo

que o que eu tenho lá no Conservatório e eu não voupensar duas vezes.” (FONSECA,

1983apudMATHEUS,2010,pg.20).

Segundo MATHEUS (2010, pg.22), do contato pedagógico de Fonseca com o

professorKoellreutter,alémdoconhecimentodatécnicadodecafônica,queaplicariaem

composições anos mais tarde, seu maior ganho foi o aprendizado da técnica

contrapontística,cujautilizaçãosemostraconstanteemarranjosecomposiçõesvocaise

instrumentais. Ademais, foi durante seus estudos na Bahia, sob a orientação de

Koellreutter,queomaestrocomeçouodirecionamentodesuacarreiraparaaregência,

comênfasena regência coral, suaprincipal atividadeprofissional após seu regresso à

capitalmineira,epelaqualseriareconhecidonacionaleinternacionalmente.

De fato, Carlos Alberto Pinto Fonseca ressalta o valor humano deste grande

músico, e declara que naquele período seu desenvolvimento técnico foi de grande

importância nos seus trabalhos posteriores. Porém, naquela fase de aprendizado com

Koellreutter,aproduçãocomposicionaldeCarlosAlbertoéinterrompida,comorelatao

própriocompositor:

[...]oqueeuqueriadizerentãoéoseguinte: tudoaquiloqueeufazia, de repente... a força do Koellreutter era tanta... Com issopraticamenteeuparaliseiminhaatitudedecompositor,edepois,sómuitodepois,quandoeucomeceiatrabalharcomcoro,depoisde 62, depois que eu voltei, senti necessidade de fazer arranjo

5ConsultarKATER(1991)

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para coro... Em relação a composição talvez esse contato tenhasidocontraproducente...aomesmotempoquetivemuitatécnicade contraponto, isso por exemplo me ajuda demais em relaçãoaos arranjos, principalmente arranjos corais, em relação a umaposição estética ele erade certamaneira radical, querdizer, eleacha que existe um processo histórico e que esse processohistórico é irreversível [...] não admitindomesmo uma situaçãoligadaàmúsicatonal...(FONSECAapudMATHEUS,2010,p.21)

2AEstruturan.1paraviolinoepiano

AtravésdopróprioCarlosAlberto,doqualfuialunaderegênciacoralentreos

anos2003e2005,meinteireidaexistênciadeumacomposiçãosuaparaviolinoepiano,

quandoomaestrodemonstrouinteresseemqueestafosseexecutada.Em2012–apóso

falecimentodocompositor–quando inicieiapesquisademestradocomfocoemsuas

obras para cordas, não foi possível a localização da peça, que estava listada como

perdida nas pesquisas de SANTOS (2001) e MATHEUS (2010). Iniciamos então uma

busca que nos levou, depois de alguns meses, ao arquivo pessoal do professor e

compositorErnaniAguiar,ex-alunodeCarlosAlberto,ondeencontramosumacópiado

manuscrito6.

Compostaemjaneirode1971ededicadaaoviolinistaMiltonIsmaeldeMiranda–

que foi spalla da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais – a peça consiste em uma

“experiência”dodecafônica,tendoemvistaqueocompositor,especialmentenadécada

de 70, experimentou o uso da técnica dos 12 sons – assim como experimentou em

diversascorrentesestéticas–impulsadomaispelaintuiçãoquepelocompromissocom

qualquerescolaoutendênciacomposicional.

[...]damesmamaneiraquenaanálise,aintuiçãovemnafrente...evidentementenomomentoemquefaçoumacomposiçãoserial,jáéumpoucodiferenteoprocesso,masmesmoassim,eupartotambém da intuição porque o próprio tema serial vem de umanecessidade musical muito mais que um trabalho cerebral.(FONSECA,1983apudMATHEUS,2010,p.33).

Com duração de aproximadamente 4 minutos, a composição se desenvolve a

partirdasérieSi–Mi–Lá–Fá#–Dó#–Ré–Sib–Sol–Láb–Mib–Dó–Fá,quese

repete ao decorrer da obra de três formas distintas: a primeira formade aparição da

sérieéemlinhamelódicaqueapresentaasdozenotasemordem.Nasegundaformade

aparição a série é distribuída em linhasmelódicas diferentes, dividida entre violino e

6ConsultarANASTÁCIO(2014)eANASTÁCIO(2015)

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piano,ressaltandoocontrapontoentreasvozessemmodificaraordemdeapariçãodas

dozenotas.Efinalmente,aterceira,consisteemnotasdasérieagrupadasemacordesdo

piano.

Ex.1:Compassos1a3.Primeiraformadeapariçãodasérie,emlinhamelódica,executadaemoitavaspelopiano.

Ex.2:Compassos4e5.Segundaformadeapariçãodasérie,divididaentreviolinoepiano.

Ex.3:Compassos24e25.Terceiraformadeapariçãodasérie,emacordes.

Comrelaçãoàforma,apeçaéconstruídaemcincoseções:

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Seção A – Exposição (compassos 1 a 21): apresentação do tema serial. Com textura

predominantemente contrapontística, nesta seção o compositor explora variações de

dinâmicaecontrastesdeintensidade–naalternânciadefrasesemforteeempianona

partedeviolino–ecaráter–marcadopelaindicação“Calmo”,nocompasso12.

SeçãoB–Desenvolvimento(compassos22a50):podeserdivididaemduaspartes–a

primeiradecaráterbemmarcattoerítmico(contrastantecomocaráterinicialdapeça),

predominando ainda a textura contrapontística. Este trecho é marcado por uma

mudançanoandamento (“conmoto”), inúmeras indicaçõesdeacentoedinâmicasque

variamde forteafortissimo.Nasegundapartedaseçãoéretomadoocaráterinicialda

peça (Tempo I), em um trecho homofônico onde o pianomantém notas longas como

acompanhamento da parte do violino, realizando apenas algumas intervenções de

caráterimitativonofinaldaseção.

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Ex.4:Compassos4a11.FragmentodaseçãoA.Emdestaqueasvariaçõesdedinâmicanaparte

depianoeoscontrastesentreforteepianonapartedoviolino.

Ex.5:Compassos22e23.IníciodaseçãoB.

SeçãoA’(compassos51a53)–FalsaReexposição:nestepontoocompositorretomao

temaserial,porém,transposto½tomabaixo.Éimportanteressaltarqueestepequeno

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trechodedoiscompassoséoúnicomomentodapeçaemqueocompositorapresenta

umatransposiçãodasérie,recursorecorrentenatécnicadodecafônica.

Seção A” – Reexposição (compassos 54 a 74): tema apresentado novamente em sua

formaoriginal.

Ex.6:Compassos49a57.TransiçãoentreseçõesA’eA”.Emdestaqueasérietranspostanos

compassos51-52eemsuaformaoriginalapartirdocompasso54.

Coda (compasso 75 ao fim): violino e piano apresentam a repetição da série em

uníssono e oitavas, culminando na nota Si (primeira nota da série) sustentada pelo

violinonosúltimos seis compassosdapeça, acompanhadaporacordesquecontémas

outras notas do tema serial. Se finaliza com a execução da série incompleta, sendo

apresentadasapenassuasprimeirasseisnotas.Ocaráterdestetrecho–assinaladopela

indicação Con fuoco – é rítmico, forte e marcatto, como na primeira parte do

Desenvolvimento,SeçãoB.

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Ex.7:Compassos75a76.IníciodaCoda.

3AEstruturan.1emcontexto

Considerando os princípios básicos da técnica dodecafônica de composição, a

Estrutura n.1 para violino e piano de Carlos Alberto Pinto Fonseca poderia ser

consideradafrágilouinconsistente.Diversaspassagensemoitavas,aarmaduradeclave

comdoissustenidos(quepoderiasugeriratonalidadeSimenor,sendooSiaprimeira

notadasérieeaúltimanotasustentadapeloviolinonosseiscompassosfinaisdaobra),

apoucavariedadenoempregodasérie–queérepetidainúmerasvezesemsuaforma

original,suscitandoredundância–semautilizaçãodesuaformaretrógada,inversa,ou

transposta(excetopordoiscompassosnaseçãoA’,ondeasérieétranspostameiotom

abaixo), são algumas das características que apontam uma utilização superficial da

técnica,queseopõeaosprincípiosdododecafonismo:

Ododecafonismotemcomoprincípioanãorepetição,oumelhor,o grau mínimo de redundância, pois substitui a ideia dedesenvolvimento dos grandes temas melódicos, próprio damúsica tonal, pela utilização de pequenosmotivos ou pequenasconfiguraçõesrítmico/melódicas,variadosconstantemente.Estesmotivos quase nunca são repetidos demaneira passiva, estarãosempreabertosaumprocessodevariaçãocontínua,dificultandooreconhecimentoimediatodosmesmos[...](ASSIS,2007,p.36)

Deste modo, podemos sugerir que nesta obra Fonseca emprega a técnica

dodecafônicaapartirdeumpensamentotonal,quenãosedistanciadaideiadegrandes

linhasmelódicasoudeumtemaquesedesenvolve,queé recorrentee registradopela

memóriadoouvinte.

Poroutrolado,reiteramosqueocompositornuncaestevecomprometidocomo

uso“ortodoxo”dosprincípiosdecomposiçãocomdozesons,declarandoquesemprese

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sentiulivreparaexperimentaremsuasobras,masevidenciandomaioridentificaçãocom

sua produção tonal, mesmo estando, como ressalta MATHEUS (2010, p.55)

“extremamente informado sobre o panorama musical mundial, estética musical e

técnicasmaisvanguardistas”.

[...] embora tenha se permitido explorar o atonalismo, omesmonão lhe era convincente. Esta conclusão encontra respaldo naseguintedeclaraçãodocompositor:“Bom,eunãoseiseissoestáligado ao meu temperamento, o senhor sabe que eu, emdeterminadomomento, vamos dizer, damesmamaneira que euaceiteiamúsicacontemporâneaetc.,etc.,nuncasentiaquilocomocoisaminha.”Portudoisso,somoslevadosapensarque,emboratenha se permitido expressar através de diferentes linguagens,ele se identificava mais com a sua produção tonal. (MATHEUS,2010,p.55)

SeépossívelobservarumusocontroversodatécnicadodecafônicanaEstrutura

n.1,emcontrapartida,aobraapresentaconsistêncianoquedizrespeitoaomanejodo

contraponto.Alémdetrabalhargrandescontrastesdedinâmicaecaráter,todaaobraé

construída a partir do “diálogo” entre violino e piano, com constante alternância na

movimentação das vozes e grandes linhas melódicas distribuídas entre os dois

instrumentos, o quepode ser considerado interessantedopontode vista camerístico.

Talelaboraçãocontrapontísticaéumtraçomarcantedocompositor,quepermeiatoda

sua obra, seja nas composições corais, instrumentais ou em seus arranjos, o que o

aproximaaindamaisdaestéticanacionalista,jáqueousodocontraponto–incentivado

por Mário de Andrade em seu Ensaio sobre a Música Brasileira (1928) – é um traço

distintivo na obra de compositores como Camargo Guarnieri (1907 – 1993) e seus

alunos.

Considerandoaspectostécnico-violinísticos,apeçanãoapresentaproblemasde

escrita/idiomáticos. O compositor demonstra conhecimento da extensão do

instrumento, explorando suas regiões grave, média e aguda. No entanto, diferentes

golpesdearco,técnicasestendidas,assimcomorecursostécnicosdoinstrumentocomo

trilos, harmônicos, cordas duplas e acordes, não estão presentes ou são pouco

explorados,oquenãoatorna,absolutamente,umapeçadenívelbásicoouiniciantedo

ponto de vista técnico: trata-se de uma composição lírica, que trabalha sobretudo a

sonoridadedoviolinoemtodaasuaextensão.

Em conclusão, buscamos com a elaboração deste trabalho contribuir para a

ampliação do repertório violinístico brasileiro, salientando a importância da obra do

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compositor Carlos Alberto Pinto Fonseca, figura de destaque no cenário musical de

MinasGerais.

Referências

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