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Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os Procedimentos de Manifestação por Interesse Fernando Tavares Camacho Bruno da Costa Lucas Rodrigues

Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os … · e da perspectiva do governo, que recebe os estudos de projeto de infraestrutura. Na quarta seção, são apresentadas

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Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os Procedimentos de Manifestação por Interesse

Fernando Tavares CamachoBruno da Costa Lucas Rodrigues

Sumário

Resumo 5

1. Introdução 7

2. Descrição detalhada do modelo brasileiro: PMIs e MIPs 9

2.1 Chamamento público 10

2.2 Elaboração de estudos pelos interessados 11

2.3 Análise dos estudos 11

2.4 Publicação do edital e anexos 11

2.5 Leilão 12

3. Identificação e análise dos problemas existentes 12

3.1 Riscos existentes da perspectiva dos agentes privados 12

3.1.1 Risco de seleção 13

3.1.2 Risco de pagamento 15

3.2 Assimetria de informações e conflitos de interesses 16

3.2.1 Risco-retorno do projeto 16

3.2.2 Concorrência no leilão 17

4. Sugestões para o aperfeiçoamento do modelo 18

4.1 Regra geral 19

4.2 Regra de exceção 20

4.2.1 Apoio de consultor independente 22

4.2.2 Escopo do PMI 22

4.2.3 Limitação de participantes 23

4.2.4 Garantia de entrega 23

5. Conclusão 24

Referências 25

Resumo

Este artigo tem como objetivo descrever e caracterizar os principais riscos existentes nos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil, que é o modelo de estruturação de projetos de infraestrutura mais utilizado, tanto em nível federal como estadual e municipal. Assim como em outros países em desenvolvimento, que utilizam instrumentos similares, poucos projetos são licitados e em geral com pouca concorrência. Dado que outras soluções, como fortalecimento institucional e implementação de reformas legais para a criação de mecanismos mais eficientes de contratação de consultores pelo governo, são medidas de médio e longo prazo, é necessário que se pense em ajustes no atual modelo de PMI como uma solução de curto prazo para destravar os projetos de infraestrutura. Este artigo propõe sugestões de aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimento de uma nova regulação para o mecanismo de PMI.

Fernando Tavares Camacho é PhD em Economia pela University of Queensland, Austrália; e Bruno da Costa Lucas Rodrigues é mestrando em Administração Pú-blica pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas.

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1. Introdução1

A atual conjuntura do setor de infraestrutura no Brasil mostra que, apesar dos investimentos realizados nos últimos anos, ainda há muito por fazer para levar a qualidade e o estoque da infraestrutura brasileira a níveis adequados ao tamanho de sua economia. É consenso que, em face do desafi o que o Brasil tem pela frente, o mercado privado terá papel fundamental no fi nanciamento e na operação de pro-jetos de infraestrutura, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPP). Um dos principais gargalos para que esses projetos se concretizem é a atividade de estruturação do projeto, que pode ser vista na Figura 1.

Figura 1. Fluxo de projetos de infraestrutura

Preparação do projeto

Procedimento licitatório

Planejamento e identificação do projeto Execução

Estruturação do projeto

Fonte: Elaboração própria.

Após o planejamento e a identifi cação de um projeto prioritário a ser licitado via concessão ou PPP, inicia-se a etapa de estruturação, que engloba as ativida-des de preparação do projeto e procedimento licitatório. A preparação do projeto compreende todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório, ou seja, estudos técnicos (por exemplo, engenharia, meio ambiente e demanda) e modelagem econômico-fi nanceira, além de minutas jurídicas de contrato e edital de licitação. Após a preparação desses estudos, o governo está apto a apresentar o projeto ao mercado privado e tem início o procedimento licitatório. Essa etapa engloba todas as atividades relacionadas ao procedimento competitivo em si, ou seja, interação entre governo e potenciais licitantes, aprofundamento de estudos, defi nição dos documentos fi nais da licitação, apresentação das propostas pelos licitantes e, fi nalmente, defi nição da empresa vencedora, que será a prestadora do serviço de concessão ou PPP.

Camacho e Rodrigues (2015) mostram que a experiência internacional em estruturação de projetos não é uniforme. Há uma clara distinção entre os modelos de estruturação em países de referência e em desenvolvimento. Nos países de referência, em que o mercado de PPP é mais maduro, o principal instrumento

1 A introdução deste artigo foi inspirada em Camacho e Rodrigues (2015).

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para estruturar projetos é o modelo de solicited proposals. De acordo com esse modelo, o próprio governo prepara o projeto, desenvolvendo um robusto estudo de viabilidade, com o apoio de consultores externos independentes contratados desde o início do processo. Somente após o governo ter o conjunto adequado de informações sobre o projeto é que se inicia a etapa seguinte, o procedimento licita-tório. Nessa etapa, existem modelos licitatórios, como o Diálogo Competitivo, que permitem um diálogo estruturado com as empresas interessadas. Assim, o governo, com base nos estudos técnicos, econômicos e nas minutas jurídicas produzidas na fase de preparação de projeto, inicia uma discussão dos pontos específicos do projeto com os potenciais licitantes. Nesse sentido, a quantidade e a profundidade de pontos discutidos variam de acordo com a complexidade de cada projeto. Em suma, a experiência desses países mostra que o governo busca isolar ao máximo a etapa de estruturação do projeto dos conflitos de interesses vindos de agentes interessados em ganhar a licitação da concessão ou PPP.

Ao contrário dos países de referência, as nações em desenvolvimento, em função das dificuldades na contratação de consultores e da falta de capacidade técnica e financeira, têm utilizado em larga escala o mecanismo denominado unsolicited proposals, que no Brasil recebe as denominações de Processo de Manifestação de Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse Privado (MIP).2 Segundo esses mo-delos, o governo autoriza uma ou mais empresas (em geral, potenciais licitantes) a realizarem todos os estudos necessários para iniciar o procedimento licitatório. Desse modo, a responsabilidade pela preparação do projeto é transferida para o mercado privado. Entretanto, os resultados obtidos no Brasil e em outros países em desenvolvimento têm sido insatisfatórios. A maioria dos projetos não é licitada e, dos poucos que chegam à fase final de licitação (leilão), não se verifica concor-rência pelo projeto [Pereira (2013) e World Bank (2014)].

A lição que países desenvolvidos trazem é a de que projetos prioritários de-vem ser preparados pelo governo, com o apoio de consultorias independentes, ou seja, devem-se promover as solicited proposals. Para isso, é necessário que se fortaleçam as instituições, com o desenvolvimento de sua capacidade interna, e que os governos disponham de mecanismos eficientes para contratar as melhores consultorias independentes no mercado. Entretanto, as medidas para promover as solicited proposals são de médio e longo prazo. Assim, em paralelo a esse esforço, é necessário viabilizar uma solução de curto prazo. Nesse sentido, tornam-se es-senciais a análise dos principais problemas existentes na atual utilização dos PMIs e MIPs no Brasil e a proposição de mecanismos que mitiguem esses problemas.

Dado o exposto, o objetivo deste artigo é analisar os modelos de PMIs e MIPs utilizados para a estruturação de projetos no Brasil e propor sugestões de

2 No caso brasileiro, a diferença entre os dois mecanismos reside na identificação do projeto. No PMI, o projeto é identificado pelo governo, enquanto na MIP é identificado por potencial licitante.

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aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimento de uma nova regulação para esses mecanismos. Além desta introdução, este artigo está estrutu-rado em mais quatro seções. Na segunda seção, são descritos detalhadamente os processos de PMI e MIP. Na terceira seção, identifi cam-se os principais riscos do mercado de PMI e MIP, da perspectiva do agente privado, que prepara os estudos, e da perspectiva do governo, que recebe os estudos de projeto de infraestrutura. Na quarta seção, são apresentadas sugestões de aperfeiçoamento do modelo, de modo a mitigar os riscos de mercado existentes e aumentar a efetividade desses mecanismos. A quinta seção traz a conclusão.

2. Descrição detalhada do modelo brasileiro: PMIs e MIPs

Como mencionado na introdução, os principais mecanismos de estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil são denominados Processo de Manifestação de Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse Privado (MIP). A diferença básica entre os dois mecanismos reside na identifi cação do projeto a ser preparado. No PMI, o governo identifi ca o projeto e abre chamamento para empresas interessa-das em preparar os estudos, enquanto na MIP o privado identifi ca o projeto, pede autorização para desenvolver os estudos, o governo analisa a solicitação e, por fi m, abre-se o chamamento para demais empresas interessadas.

Entretanto, como acreditam os autores que as questões mais relevantes e os principais problemas estão associados à preparação do projeto em si, e não a sua identifi cação, enfoca-se a fase de estruturação do projeto.3, 4 Assim, inicia-se a análise no momento da publicação do chamamento público, quando o projeto já foi identifi cado. A Figura 2 apresenta as principais atividades envolvidas na estruturação de projetos pelo mecanismo de PMI.

Figura 2. Fluxo do processo de um PMI

Chamamento público

Elaboração de estudos pelos

interessados Análise dos

estudos Publicação do

edital e anexos Leilão

Preparação do projeto Procedimento licitatório

Fonte: Elaboração própria.

3 Daqui em diante, será utilizada somente a nomenclatura PMI, pois, a partir da etapa de chama-mento público, o processo de MIP é igual ao do PMI.

4 Camacho e Rodrigues (2015) aplicam o mesmo raciocínio à experiência internacional, a fi m de evitar polêmica na determinação de quem foi o responsável pela identifi cação do projeto. Como demonstrado neste artigo, dada a falta de transparência nesses processos, torna-se difícil deter-minar quem, de fato, identifi cou o projeto.

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2.1 Chamamento público

Após a identificação do projeto, seja pelo potencial licitante, seja pelo governo, é publicado o chamamento público, no qual o governo solicita à iniciativa privada todos os estudos necessários para dar início ao procedimento licitatório, isto é, estudos de engenharia, meio ambiente, demanda, modelagem financeira e análises jurídicas. A solicitação dos estudos representa o início da etapa de preparação do projeto, como mostra a Figura 2.

Nesse momento, o governo precisa comunicar claramente ao setor privado quais são os requisitos gerais do projeto. De fato, devem constar da publicação desse chamamento as informações relativas aos estudos, como delimitação do escopo, prazo máximo de entrega, critérios de qualificação para autorização no preparo dos estudos, critérios de seleção dos estudos e, finalmente, o limite do valor de reembolso dos estudos, a ser pago pelo licitante vencedor, ou seja, somente se a licitação tiver êxito.

Com a definição desses elementos, o governo deve dar ampla publicidade à solicitação dos estudos ao publicar o chamamento público. Assim, os interessados nesse processo requerem autorização para realizar os estudos e o governo autoriza todas as empresas que se enquadram nos critérios de qualificação presentes no cha-mamento. Nesse sentido, há determinação expressa no normativo jurídico federal para PPPs e também de alguns estados para que não seja conferida exclusividade a nenhuma empresa na preparação dos estudos. De fato, o que se verifica é a intenção de maximizar a competição entre as empresas no momento de entrega dos estudos.

Vale ressaltar que, de modo geral, permite-se que a empresa participe do PMI, desenvolvendo os estudos, e, posteriormente, também da licitação do projeto, concorrendo pelo direito de executar o serviço de infraestrutura.5 Ou seja, dois tipos de agentes privados podem participar, em tese, dos PMIs: as consultorias independentes, cujo foco é a preparação dos estudos, e os potenciais licitantes, cujo foco reside em ganhar a licitação da concessão ou PPP.

Outra regra importante do chamamento público diz respeito às obrigações de ambas as partes no processo de PMIs. Na autorização, que é o instrumento jurídico que estabelece a relação entre cada empresa preparadora dos estudos e o governo, não existe relação contratual, e qualquer uma das partes pode deixar o processo sem sofrer qualquer penalidade. De fato, o governo não é obrigado a realizar a licitação nem a reembolsar os estudos selecionados caso não tenha mais interesse em levar o processo adiante. Do mesmo modo, o privado também tem a prerrogativa de desistir de apresentar ou concluir os estudos a qualquer momento.

5 O chamamento público feito pela Secretaria de Aviação Civil para pedidos de autorização de estudos para os aeroportos do Galeão e Confins continha regra dizendo que a empresa que fosse autorizada para preparar os estudos não poderia participar do procedimento licitatório.

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2.2 Elaboração de estudos pelos interessados

Com base nas diretrizes dadas pelo governo, os estudos de viabilidade são desen-volvidos pelos interessados. No chamamento público, pode-se prever que, durante essa fase, as empresas apresentem relatórios de andamento dos estudos. Como não há limite de participantes no PMI, muitas vezes o governo precisa acompanhar o desenvolvimento de vários estudos simultaneamente. Isso acarreta um elevado volume de recursos alocados para o acompanhamento dos projetos.

2.3 Análise dos estudos

Após o recebimento desses estudos, o governo deve analisá-los e, seguindo os critérios do chamamento, escolher aqueles que serão utilizados no procedimento licitatório. Ressalta-se que não é necessário que os estudos selecionados sejam todos de um mesmo participante do PMI. Embora seja tecnicamente difícil a sepa-ração dos estudos, o governo pode escolher o estudo de engenharia da empresa A e o estudo de meio ambiente da empresa B, por exemplo. Na prática, a análise e a seleção dos estudos seguem duas etapas: na primeira, verifica-se a aderência de cada estudo ao escopo definido no chamamento público. O que não for atendido é descontado do valor de reembolso pedido por cada empresa autorizada, o qual, logicamente, é menor ou igual ao valor teto definido pelo governo no chamamento público. Assim, tem-se a definição do valor final de reembolso a que cada uma delas teria direito em caso de seleção. Na segunda etapa, realiza-se a comparação entre os estudos entregues, que leva em consideração tanto a qualidade dos estudos quanto o preço (valor de reembolso para cada empresa). No fim, o governo divulga os estudos escolhidos e o valor final de ressarcimento para cada uma das empresas.

2.4 Publicação do edital e anexos

Após a seleção dos estudos, o governo utiliza essas informações para a elaboração das minutas de edital, contrato e anexos que serão postas em consulta pública, que corresponde à primeira etapa do procedimento licitatório. Durante a consulta pública, dá-se ampla publicidade ao projeto e são recebidas dúvidas e sugestões da iniciativa privada. Nessa etapa, há um intenso trabalho de resposta aos ques-tionamentos feitos pelos potenciais licitantes. Por fim, com os inputs da consulta pública, esses documentos são analisados pelos tribunais de contas, o governo faz os ajustes necessários e realiza a publicação final do edital, contrato e anexos. Para essa etapa, o governo pode escolher contar com o apoio da(s) empresa(s) cujos estudos foram selecionados, ou seja, cada uma delas terá a função de dar o suporte necessário ao governo durante o procedimento licitatório, no esclarecimento das dúvidas dos potenciais licitantes e dos tribunais de contas e no apoio à preparação dos documentos finais de licitação.

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2.5 Leilão

A partir da publicação do edital, do contrato e dos anexos, os potenciais licitantes avaliam a atratividade do projeto e decidem pela participação ou não no processo competitivo. Para participar do leilão, as empresas precisam atender aos critérios de habilitação constantes no edital. Desse modo, tornam-se habilitadas a competir pelo direito de executar o serviço de infraestrutura, conforme previsto no contrato e nos anexos publicados.

Por fim, os valores dos estudos selecionados são reembolsados. Entretanto, isso só ocorre caso o processo licitatório seja bem-sucedido. Dessa forma, o pagamento é feito pelo vencedor da licitação e é precondição para a assinatura do contrato de concessão ou PPP.

Na seção a seguir, identificam-se os principais pontos de risco dos processos de PMI no Brasil que podem estar afetando a efetividade do PMI.

3. Identificação e análise dos problemas existentes

Apesar da ampla utilização de PMIs por estados e municípios no Brasil, os re-sultados alcançados indicam que a maior parte dos projetos não é licitada e, dos poucos que chegam à fase final da licitação (leilão), não se verifica concorrência pelo projeto, o que pode gerar perda de bem-estar para a sociedade [Vieira (2015); Pereira (2013)]. Esta seção visa identificar os principais riscos existentes do ponto de vista dos privados que preparam os estudos e também do governo, cujo obje-tivo final é contar com estudos de qualidade para, no fim do processo, estar apto a iniciar o procedimento licitatório.

3.1 Riscos existentes da perspectiva dos agentes privados

Dois tipos de agentes privados podem, em tese, participar dos processos de PMI, em face da atual regulamentação: potenciais licitantes e consultores independen-tes. Para entender como esses agentes enxergam os riscos de mercado de PMIs, é necessário descrever o modelo de negócio de cada um deles. O primeiro grupo, de potenciais licitantes, tem como foco a execução do contrato de concessão ou PPP, e seu objetivo é vencer a licitação e maximizar seu lucro durante a vida do contrato. Como esses agentes precisam realizar estudos detalhados para preparar seu lance nos leilões de concessões ou PPPs, o custo de oportunidade de partici-pação em PMIs é muito baixo ou até mesmo nulo. De fato, o custo de preparação de estudos para esses agentes é um custo afundado após a decisão de participar da licitação. Portanto, o risco de mercado do processo de PMI para potenciais lici-tantes é irrelevante.

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Já o segundo grupo, de consultorias independentes, tem como negócio a própria preparação de estudos, ou seja, seu objetivo é elaborar estudos com qualidade, logicamente recebendo remuneração adequada pelos riscos incorridos. Consultorias independentes têm, como premissa de modelo de negócio, o casamento entre recei-tas e custos. De fato, verifica-se que, de modo geral, as consultorias são contratadas antes de incorrerem em custos significativos, recebendo pagamentos parciais ao longo do contrato, de acordo com os produtos entregues, e, quando existe incerteza no escopo ou prazo do contrato, recebem por homem/hora despendido. Dada a caracterização do modelo de negócios padrão das consultorias independentes, é possível descrever os riscos de mercado percebidos por esses agentes segundo o modelo de PMI no Brasil.

A Figura 3 mostra que, basicamente, existem dois tipos de risco de mercado nos processos de PMI sob o ponto de vista dos consultores independentes: risco de seleção e risco de pagamento.

Figura 3. Risco de mercado nos PMIs

Chamamento público

Elaboração de estudos pelos

interessados Análise dos estudos Publicação do

Edital e Anexos Leilão

Autorizaçãopara vários

participantes

Custos deelaboração

Prazo longode

estruturação

Desistênciado mercado

Desistênciado governo

Concorrência: qualidade e preço

Risco de seleção - Aproveitamento zero ou parcial do estudo

- Definição do valor nominal de reembolso

(receita definida depois de custos realizados)

Risco de pagamento

- Pagamento único no fim do processo

Fonte: Elaboração própria.

3.1.1 Risco de seleção

Em procedimentos em que o setor público pretenda obter algum produto do setor privado, é desejável que se crie um procedimento competitivo, de modo que o governo possa avaliar as diversas opções existentes no mercado e escolher aquela que melhor atenda ao interesse público.6 Três pontos devem ser ressaltados com relação ao processo competitivo nos PMIs.

6 A menos que se esteja diante de um caso em que, claramente, existam inovação e direitos de propriedade intelectual e só uma empresa possa oferecer determinado produto ou serviço.

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O primeiro diz respeito ao momento em que ocorre competição entre os agen-tes. No caso de PMIs no Brasil, seja em nível federal ou subnacional, o processo competitivo ocorre na avaliação dos estudos entregues ao governo, ou seja, as empresas autorizadas incorrem na totalidade dos custos de preparação e, só então, o governo analisa e seleciona a melhor opção do ponto de vista do setor público. Entretanto, como visto, segundo a lógica usual do mercado de consultorias inde-pendentes, as empresas competem pelo direito de realizar os estudos. Nesse caso, elas só desenvolvem os estudos após terem sido selecionadas.

O segundo ponto refere-se à competição entre consultorias independentes e potenciais licitantes no que se refere ao preço ou valor de reembolso pedido pelos estudos. Como visto, potenciais licitantes têm custo afundado na prepara-ção dos estudos, já que, ao decidirem participar de um processo licitatório para uma concessão/PPP, é necessário preparar estudos detalhados. Portanto, o preço desses estudos nos PMIs para um potencial licitante é, em tese, zero. Por outro lado, consultorias independentes têm como negócio a preparação dos estudos, ou seja, o preço dos estudos para esses agentes é a soma dos custos incorridos e dos riscos inerentes ao processo. Portanto, mesmo que a qualidade dos estudos entregues por consultorias independentes seja superior à de potenciais licitantes, estes podem ser selecionados, dados os baixos valores de reembolso pedidos. Portanto, a competição por preço com potenciais licitantes é um risco elevado para consultorias independentes.

O terceiro ponto refere-se ao método de análise e seleção dos estudos pelo governo, o que gera duas incertezas: (i) se o estudo ou parte do estudo será ou não selecionado; e (ii) o preço final do estudo a ser ressarcido às empresas selecionadas. Com relação ao primeiro risco, ressalta-se a possibilidade de o governo escolher apenas partes dos estudos de cada empresa, dividindo o total do reembolso previsto entre as empresas que tiveram seus estudos aproveitados. Dessa forma, mesmo que a empresa tenha seu estudo selecionado, o valor parcial reembolsado pode não ser suficiente para cobrir os custos incorridos. Com relação à segunda incerteza, ressalta-se que o método de seleção do governo contém análise da aderência do escopo definido no chamamento público ao estudo entregue por cada empresa. Ou seja, para cada elemento do escopo não atendido pelo estudo, o governo aplica um desconto ao valor de reembolso pedido pela empresa. Embora pareça razoável do ponto de vista do setor público, consultorias independentes poderão considerar essa discricionariedade do governo como expropriação de valor do estudo já pre-parado. De fato, em tese, pode haver incentivo por parte de governos em baixar o valor final a ser pago pelos estudos, tendo em vista que já foram incorridos. Portanto, o ponto a ser enfatizado é que o valor final a ser reembolsado para cada empresa só é definido na etapa de seleção dos estudos, após todos os custos terem sido incorridos pelas empresas, dependendo ainda dos inúmeros fatores citados.

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3.1.2 Risco de pagamento

O segundo risco de mercado do ponto de vista dos consultores independentes refere-se ao pagamento dos estudos selecionados pelo governo, etapa que ocorre somente se a licitação for bem-sucedida. De fato, o pagamento é único e feito pelo vencedor do leilão como precondição para assinar o contrato de concessão ou PPP. Existem três incertezas no que diz respeito ao reembolso dos estudos. As duas pri-meiras referem-se à atratividade do projeto para o público e para o privado durante todo o processo de estruturação. Em outras palavras, o governo não pode desistir de licitar o projeto e, no momento do leilão, é preciso haver empresas interessadas.

Com relação ao interesse do poder público, dado que os projetos têm um longo prazo de estruturação, é comum haver mudanças nas prioridades do governo e na força política dos atores envolvidos. Como o governo pode simplesmente desistir do processo a qualquer momento sem nenhum custo de saída, o risco de o projeto não chegar à fase de licitação se torna ainda maior. Com relação ao interesse do mercado privado na concessão ou PPP, é certo que não depende somente da exis-tência de um projeto bem preparado, mas também de fatores exógenos ao processo, já que, por exemplo, condições macroeconômicas podem mudar ao longo do pro-cedimento licitatório e afetar o interesse do mercado no momento do leilão. Essas duas incertezas são muito relevantes do ponto de vista de uma empresa preparadora de estudos, já que, no fim, sua remuneração final pode ser zero.

A terceira incerteza diz respeito à perda de valor real do pagamento dos estudos ao longo do processo de estruturação. A atual regulamentação de PMIs no Brasil fixa um valor nominal de reembolso que não é corrigido pela inflação. Como processos de estruturação de projetos de infraestrutura levam, em média, pelo menos dois anos, a perda de valor da moeda afeta diretamente o pagamento de reembolso às consultorias independentes, na medida em que o descasamento entre custos e receitas é acentuado.

Como consequência dos elevados riscos de mercado, a atuação de consultores independentes se torna financeiramente insustentável e o mercado é dominado por potenciais licitantes. De fato, o reembolso pelos estudos é a principal forma de remuneração dos consultores independentes, e os custos envolvidos são significa-tivos para essas empresas. Já para os potenciais licitantes, cujo foco é a execução do contrato de concessão ou PPP, os custos de preparação seriam incorridos de qualquer forma para que participassem do processo competitivo e são baixos para o porte das empresas. Da mesma forma, o reembolso efetuado pelos estudos é pouco relevante quando comparado com os ganhos obtidos na execução do pro-jeto. Desse modo, a estrutura atual do mercado de PMIs privilegia a participação de potenciais licitantes.

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3.2 Assimetria de informações e conflitos de interesses

Em virtude do risco do mercado de estudos e do ambiente desfavorável a con-sultores independentes segundo o modelo de PMI no Brasil, o governo acaba dependendo de potenciais licitantes para preparar o projeto e possivelmente apoiá-lo durante o procedimento licitatório, fase em que há interação com as empresas concorrentes.

A interação entre governo e potencial licitante é caracterizada por um natural conflito de interesses, em que o objetivo legítimo do privado é maximizar a ren-tabilidade para seu acionista, enquanto o governo busca primordialmente atender ao interesse público.

O conflito de interesses na elaboração dos estudos pelos potenciais licitantes é agravado pela assimetria de informações existente entre governo e potenciais licitantes. É natural que a empresa conheça mais a fundo o negócio em que opera do que o governo.

Com o objetivo de gerar rentabilidade aos acionistas, o potencial licitante que preparar os estudos naturalmente vai buscar: (i) maximizar suas chances de vencer a licitação; e (ii) melhorar a relação risco-retorno do projeto. Para isso, atua na fase de preparação do projeto e pode vir a atuar também na fase de procedimento licitatório. De fato, na primeira fase, ao desenvolver os estudos de viabilidade que são a base para a elaboração do edital, contrato e anexos, ele consegue exercer grande influência na tomada de decisão sobre os elementos-chave que estão pre-sentes no contrato e no edital. Na segunda fase, ao apoiar o governo em ativida-des críticas, consegue consolidar sua influência no processo e garantir vantagem informacional em relação aos outros competidores. A seguir, são descritos alguns exemplos de como um potencial licitante pode influenciar o processo a seu favor e em detrimento do interesse público.

3.2.1 Risco-retorno do projeto

Um dos objetivos do potencial licitante ao participar da estruturação é maximizar o retorno esperado do projeto e minimizar seu risco. Existem inúmeras formas de atingir esse objetivo. Por exemplo, nos estudos apresentados o potencial licitante pode defender tecnicamente o estabelecimento de indicadores de desempenho mais brandos do que o necessário, facilitando o atingimento das metas. Ao fazer isso, consegue reduzir o risco do projeto, pois minimiza tanto o investimento requerido para atender à qualidade do serviço como a chance de ter sua remuneração descon-tada por uma performance inferior à desejada. Como o indicador de desempenho é um dos principais mecanismos de criação de incentivos na prestação de um bom serviço, eventuais deficiências em sua elaboração podem resultar em um nível de qualidade do serviço da infraestrutura aquém do ideal.

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Um dos elementos mais importantes de um projeto de PPP e concessão é a definição da matriz de risco, ou seja, como são alocados os riscos do projeto entre o público e o privado. Nessa questão, o potencial licitante tentará transferir o má-ximo de riscos possível para o público. Caso o governo não esteja tecnicamente preparado para discutir a alocação de cada item, pode acabar assumindo riscos desnecessariamente. Uma matriz de riscos mal definida impacta diretamente na estrutura de incentivos que o privado tem ao executar o projeto. De fato, se o privado consegue passar determinado risco ao público, seu interesse em mitigá-lo fica reduzido.

Ainda com o objetivo de maximizar o retorno, o privado interessado na lici-tação poderá apresentar uma modelagem financeira referencial do projeto que irá gerar um valor variável do leilão com maior excedente econômico. Para isso, pode, por exemplo, propor soluções de engenharia mais complexas e custosas do que o necessário.

3.2.2 Concorrência no leilão

Além de o potencial licitante atuar para melhorar a relação risco-retorno do projeto, busca formas mais diretas de aumentar suas chances de vencer o leilão. Uma das formas de se conseguir isso é reduzindo a competição no certame. Para isso, pode utilizar os estudos desenvolvidos para argumentar em prol do estabelecimento de critérios tão rigorosos de habilitação técnica para participar do leilão que impeçam a participação de grande parte de seus competidores. Em outras palavras, estará estabelecendo elevadas barreiras de entrada para seu negócio. O potencial licitante também pode defender obrigações contratuais direcionadas a uma expertise específica sua. Desse modo, é possível criar exi-gências de soluções no projeto nas quais ele tenha vantagem perante os outros competidores. Dependendo do nível de exigências estabelecido, pode, inclusive, afastar competidores do certame.

Já na fase de procedimento licitatório, a atuação do potencial licitante é ainda mais crítica para a concorrência no leilão, pois cria uma vantagem in-formacional diante dos outros competidores. O governo pode precisar de seu apoio para realizar atividades críticas, como o esclarecimento de dúvidas de concorrentes na fase de consulta pública, o acompanhamento do processo junto aos tribunais de contas e, por fim, a preparação definitiva do edital, contrato e anexos. Mesmo que o potencial licitante não esteja formalmente incumbido de realizar essas atividades, é possível que, como o governo não foi o responsável pelo desenvolvimento de estudos, não esteja preparado para executar sozinho essas atividades, sem o apoio do autor dos estudos. Nesse caso, portanto, há um sério conflito de interesses que pode prejudicar a existência de competição no leilão.

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4. Sugestões para o aperfeiçoamento do modelo

Como já visto, o elevado risco de mercado na estruturação de projetos no Brasil privilegia potenciais licitantes e inviabiliza a participação de consultores inde-pendentes. Com isso, surgem os principais problemas do mecanismo de PMI, que são as assimetrias de informações e os conflitos de interesses entre governo e potenciais licitantes. O resultado é um número pequeno de projetos licitados, pouca concorrência nos leilões, possibilidade de estabelecimento de contratos de concessão e PPPs desfavoráveis ao público,7 além de gasto de recursos do governo e de potenciais licitantes na estruturação de projetos que não atingem a fase final de licitação. Portanto, a realidade brasileira mostra que é necessário ajustar o modelo existente para aumentar sua efetividade.

Entende-se que a regulação de PMIs no Brasil deve inspirar-se em um modelo segundo o qual o projeto seja estruturado pela equipe técnica interna do governo, com o apoio de consultorias independentes. Ou seja, nesse modelo não seria per-mitida a participação de potenciais licitantes na estruturação dos projetos. Essa medida estaria alinhada com a regulação de países considerados de referência no mercado de PPPs.8 Além disso, seria necessário realizar alguns ajustes no atual modelo, a fim de mitigar os riscos de mercado existentes do ponto de vista das consultorias independentes, de modo a fomentar o mercado de projetos. Esses ajustes são detalhados mais adiante.

Entretanto, em casos excepcionais, quando se estiver falando, por exemplo, de projetos de infraestrutura extremamente complexos, pode ser necessária maior interação com o mercado a fim de definir a solução tecnológica mais adequada ao projeto. Dessa forma, em casos extraordinários, quando não for possível utilizar o modelo restrito a consultores independentes, seria possível prever um PMI aberto a potenciais licitantes, porém com duas condições: (i) o governo contaria com o apoio de uma consultoria independente para auxiliá-lo no curso do processo a filtrar os vieses vindos de interessados na licitação; e (ii) o escopo do PMI seria limitado a aspectos técnicos do projeto, diferentemente do PMI restrito a consultores independentes. Dessa forma, haveria dois regramentos distintos no mecanismo de PMI: a regra geral e a regra de exceção.

7 Contratos com elevado risco de renegociação e baixo value for money para o público, ou seja, contratos em que há um custo elevado e um benefício reduzido para a sociedade.

8 Camacho e Rodrigues (2015) mostram que, em muitos países de referência, a participação de potenciais licitantes na preparação dos projetos é proibida, por causa dos conflitos de interesses existentes entre o público e o privado. Em outros, é permitida de forma pontual, mas somente se o projeto reunir características significativas de inovação e propriedade intelectual.

Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 19

4.1 Regra geral

Na regra geral, somente as consultorias independentes poderiam participar do processo. Entretanto, apenas essa medida não seria suficiente para atrair os con-sultores independentes, pois, pelas regras atuais do PMI, o risco de mercado para essas empresas é muito elevado. Como já citado, isso se deve ao risco de seleção e ao risco de pagamento.

Figura 4. PMI restrito a consultores independentes

Chamamento público

Elaboração de estudos pelos

interessados Análise dos

estudos Publicação do

edital e anexos Leilão

Concorrência pelodireito de desenvolver

o estudo

Reembolso parcial quando os estudos

forem entregues

Definição do valor final de reembolso

Redução do riscode seleção

Redução do riscode pagamento

Critérios de avaliação (evitadescontos discricionários)

Reajuste por inflação

Seleção de uma empresa para

realização do estudo

Fonte: Elaboração própria.

Para mitigar o risco de seleção, nossa sugestão é trazer a competição da fase de análise e seleção dos estudos para a fase de chamamento público, em que as consultorias interessadas apresentariam uma proposta de realização dos estudos. Em outras palavras, seria estimulada a competição pelo direito de desenvolver os estudos, e não pela escolha do estudo feito. Ao se analisarem o preço e a qua-lidade das propostas apresentadas, seria, então, escolhida uma única consultoria para realizar os estudos. Dessa forma, seria preservado o tratamento isonômico dispensado a todos, visto que as empresas teriam iguais chances de serem auto-rizadas pelo governo. Além disso, os custos de transação gastos pelo governo no acompanhamento, coordenação e análise dos estudos de várias empresas seriam reduzidos, o que aumentaria a eficiência do processo e minimizaria os recursos públicos e privados gastos desnecessariamente.

Ainda em relação ao risco de seleção, há não só a incerteza de o estudo ser selecionado, mas também a incerteza do valor final de reembolso definido pelo governo. Para evitar descontos discricionários, sugere-se a criação de critérios objetivos de avaliação do estudo, divulgados no momento do chamamento pú-blico. Além disso, de modo a preservar o valor real do reembolso ao longo do

20 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues

tempo, seria recomendável reajustar esse valor pela inflação até o momento de seu pagamento. Isso se torna importante em razão do longo prazo de estruturação dos projetos de infraestrutura.

Com as medidas propostas, o risco de o estudo entregue não ser aproveitado pelo governo e o risco de haver redução discricionária no valor do reembolso estariam mitigados. Entretanto, ainda restaria o risco de pagamento por esses estudos, já que, segundo o modelo atual, o pagamento é único, que só ocorre após o leilão, como precondição da assinatura do contrato pelo vencedor da licitação. Para mitigar esse risco, seria possível prever a antecipação parcial do reembolso pelo governo ou pelas empresas interessadas na licitação. Na primeira situação, pode-ria ser pensada uma regra que fizesse com que o governo reembolsasse parte dos estudos caso decidisse não seguir em frente com a licitação. Na segunda hipótese, empresas interessadas na licitação poderiam pagar determinada quantia para ter acesso a determinadas informações dos estudos produzidos. Enfim, outras soluções poderiam ser aventadas com a intenção de reduzir o risco de pagamento no atual modelo de PMI.

Assim, quando a empresa entregasse os estudos, teria direito a um percentual do reembolso total definido no momento do chamamento público. Dessa forma, caso o projeto perdesse atratividade para o público ou para o privado, as empresas de consultorias conseguiriam cobrir parte de suas perdas. De fato, segundo o atual modelo de PMIs, o preço determinado pela consultoria incorporaria o risco de o projeto não ser licitado com sucesso e de ela não ser reembolsada. Portanto, ao prever reembolso parcial dos estudos, reduzindo o risco de pagamento, é de se esperar uma redução no valor dos estudos.

Com a alteração das regras do PMI, é possível criar um mercado de estudos sustentável para as consultorias independentes. Ao contar com essas empresas para a estruturação de projetos, o governo estaria evitando os conflitos de interesse exis-tentes quando o potencial licitante é o responsável por preparar os estudos. Dessa forma, conseguiria contratar projetos de infraestrutura com melhor custo-benefício para a sociedade.

4.2 Regra de exceção

A regulação de PMIs permitiria ainda, em casos muito excepcionais, quando não fosse possível utilizar a regra geral, a participação de potenciais licitantes na estruturação do projeto. Essa possibilidade se aplicaria a projetos extremamente complexos do ponto de vista tecnológico e/ou de engenharia, em que o governo, contando somente com o consultor independente, não seria capaz de determinar a melhor solução tecnológica a ser adotada. Nesses casos, portanto, seria necessário

Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 21

travar um diálogo estruturado com os potenciais licitantes, a fim de escolher a melhor solução para o projeto. Entretanto, algumas medidas seriam necessárias para permitir a governança do processo e a mitigação dos conflitos de interesses, como mostra a Figura 5.

Figura 5. PMI aberto a potenciais licitantes

estudos prévios

Chamamento público

Elaboração de estudos pelos

interessados Análise dos

estudos Publicação do

edital e anexos Leilão

3 Limitação de participantes(custos de transação)

Apoio de consultores independentes durante todo o processo2

Garantia de entrega dosestudos ou taxa paraparticipar do PMI(comprometimento)

4

Escopo do PMI: Foco nos estudos técnicos baseadosNas diretrizes estabelecidas pelo governo e nosfornecidos (ex.: demanda, geologia,interferências etc.)

Detalhamento de soluçãotecnológica para o problemacaracterizado pelo público(demanda, geologia, interferênciasetc.)

1

Fonte: Elaboração própria.

O principal ponto a ser ressaltado é a necessidade de o governo estar tecnica-mente bem preparado para dialogar com o privado, minimizando, assim, o problema de assimetria de informações entre as partes.9 A preparação prévia do governo é essencial para a realização de um PMI eficaz, visto que, quanto mais delimitado o escopo do PMI estiver e quanto mais informações houver a respeito do problema a ser resolvido, maior será a probabilidade de as soluções propostas pelo mercado atenderem às necessidades do governo. Em outras palavras, é papel do governo definir bem o problema e o projeto antes de iniciar o diálogo com o privado. Isso requer não só expertise técnica interna do governo, mas também o apoio de uma consultoria independente em áreas técnicas específicas.10 A Figura 6 descreve as principais atribuições que o consultor independente teria no modelo aberto de PMI.

9 Camacho e Rodrigues (2015) mostram que, nos países de referência, antes de iniciar o processo negocial com potenciais licitantes (por exemplo, no diálogo competitivo), o governo realiza um estudo robusto sobre o projeto, para justamente estar preparado para discutir com os agentes privados, que dispõem de mais informações que o governo.

10 Isso poderia ocorrer por meio de autorização dada a uma consultoria independente para realizar as atividades citadas.

22 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues

Figura 6. Papel do consultor independente no PMI aberto a potenciais licitantes

Papel do consultor independente

Chamamento público

Elaboração de estudos pelos

interessados Análise dos

estudos Publicação do

edital e anexos Leilão

3

Modelagem financeiraindependente

Realização de estudos técnicos prévios que possibilitam:(i) caracterizar o problema (ex.: demanda,

geológico, interferências etc.)(ii) estabelecer diretrizes para o PMI

1

4 Aprofundamento dos estudostécnicos

6 Apoio na preparaçãodos documentos jurídicos

Apoio na análise dosestudosApoio ao governo na

condução do processode interação com osparticipantes do PMI

2

5

Fonte: Elaboração própria.

4.2.1 Apoio de consultor independente

A primeira tarefa do consultor independente seria definir todos os estudos necessá-rios para identificar os principais riscos do projeto. Esses estudos técnicos de base poderiam ser, por exemplo, estudos de sondagem e interferências, no caso de projetos de mobilidade urbana ou estudos de demanda em projetos greenfield, em que esse risco se mostra mais significativo. Ao mesmo tempo em que tais estudos são caros e é desnecessário que todos os participantes do PMI incorram nesses custos, essas análises são importantes para uniformizar as informações entre os agentes, auxi-liando o governo no diálogo com potenciais licitantes. Após a definição dessas informações, o governo estará apto a definir todas as diretrizes do projeto que de-verão ser seguidas pelos participantes do PMI e, assim, tem início o chamamento público. Na etapa de elaboração dos estudos, a consultoria independente teria o papel de apoiar e coordenar o diálogo entre governo e participantes do PMI. Teria também o papel de identificar eventuais conflitos de interesses e assegurar que todos os participantes recebam o mesmo conjunto de informações do governo.11 A consultoria independente teria também a função de analisar e selecionar os estudos técnicos vindos das participantes do PMI e de apoiar o governo na modelagem econômico-financeira e na preparação dos documentos jurídicos do projeto, que são elementos estratégicos que devem estar sob o controle formal do governo.

4.2.2 Escopo do PMI

Como se pode notar, apesar de ser um PMI aberto a potenciais licitantes, a maior parte dos estudos fica a cargo do governo e das consultorias independentes. O

11 Essa função seria similar à figura dos probity advisors na Austrália e na Nova Zelândia, agentes que garantem a transparência dos processos negociais entre público e privado. Ver Camacho e Rodrigues (2015).

Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 23

objetivo é isolar o diálogo com potenciais licitantes a aspectos técnicos do projeto, como soluções tecnológicas ou de engenharia. Estudos de base que caracterizam o projeto e elementos estratégicos da modelagem econômico-financeira e regras jurídicas ficariam sob o controle do governo. Com isso, o escopo do PMI estaria restrito à apresentação de estudos técnicos com foco em detalhar a solução tecno-lógica e seus impactos na estrutura do contrato. Esses estudos se baseariam em estudos prévios fornecidos e seguiriam as diretrizes estabelecidas pelo governo. Há, portanto, uma separação clara, segundo a qual os estudos que caracterizam o problema são de responsabilidade do público, enquanto os estudos técnicos que propõem a solução são da esfera do potencial licitante. Dessa forma, os potenciais licitantes se responsabilizam por desenvolver os estudos apenas onde é estritamente necessário, ficando o restante sob a responsabilidade do governo, com o apoio dos consultores independentes. Assim, é possível minimizar os conflitos de interesses e a assimetria de informações entre governo e potenciais licitantes.

4.2.3 Limitação de participantes

Como nesse modelo de PMI haveria um diálogo estruturado entre governo e po-tenciais licitantes, o processo proposto acaba envolvendo custos financeiros mais elevados e tende a ser mais demorado, resultando, portanto, em um alto custo de transação. Considerando as regras atuais, em que não há limite para o número de estudos entregues no PMI, o custo de transação envolvido poderia tornar inviável a condução do processo pelo governo. De fato, para realizar a interação de forma estruturada com o mercado, o governo precisa alocar recursos nesse sentido. Esse processo é custoso tanto na preparação prévia como durante a interação, quando o governo precisa analisar os materiais entregues pelo mercado. Para minimizar esse problema, poderia ser avaliada caso a caso a necessidade de haver limitação do número de participantes no PMI.

4.2.4 Garantia de entrega

Por fim, o potencial licitante participante do PMI não arca com qualquer custo de saída caso decida não entregar os estudos pretendidos pelo governo. De fato, ele pode simplesmente desistir do processo a qualquer momento ou mesmo entregar um estudo que não atenda ao mínimo solicitado. Assim, é interessante observar as lições do caso chileno,12 com a exigência de garantia do privado para a entrega dos estudos. No caso brasileiro, também seria possível exigir um compromisso de entrega dos estudos ao potencial licitante escolhido, na forma de garantia financeira ou até mesmo de pagamento pelo direito de realizar os estudos.

12 Mais detalhes sobre o caso do Chile em Camacho e Rodrigues (2015).

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5. Conclusão

Este artigo teve como objetivo descrever e caracterizar os principais riscos existen-tes nos processos de PMI no Brasil, que é o modelo mais utilizado de estruturação de projetos, tanto em nível federal como estadual e municipal, além de propor sugestões de aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimen-to de uma nova regulação para esse mecanismo. Assim como em outros países em desenvolvimento, que utilizam instrumentos similares, poucos projetos são licitados e em geral com pouca concorrência. Dado que outras soluções, como o fortalecimento institucional e a implementação de reformas legais para a criação de mecanismos mais eficientes de contratação de consultores pelo governo, são medidas de médio e longo prazo, é necessário pensar em ajustes a serem realiza-dos no atual modelo de PMI como uma solução de curto prazo, a fim de destravar os projetos de infraestrutura.

Viu-se que, em função dos elevados riscos de mercado existentes, tanto de concorrência quanto de pagamento, os consultores independentes acabam per-dendo espaço para potenciais licitantes, cujo foco consiste em ganhar a licitação da concessão ou PPP. Em consequência, surge o principal problema do modelo de PMI, que é o conflito de interesses existente na interação entre potenciais lici-tantes e governo. De fato, potenciais licitantes usarão a informação assimétrica a seu favor, a fim de aumentar suas chances de vencer a licitação e assegurar altos retornos durante a execução do contrato.

A forma mais eficiente de se mitigarem esses problemas e aumentar a efetivi-dade do modelo de PMI é uma nova regulação que considere, para a maioria dos projetos, um modelo em que somente consultorias independentes possam participar do processo de preparação do projeto. Além disso, alguns ajustes precisariam ser levados em conta nessa regulação, a fim de reduzir o risco de seleção e pagamento e permitir o fomento do mercado de projetos isentos, facilitando, assim, o alinha-mento do projeto ao interesse público.

Quando não fosse possível utilizar esse modelo em projetos de alta comple-xidade do ponto de vista tecnológico ou de engenharia, haveria a possibilidade de considerar um PMI aberto a potenciais licitantes. Entretanto, duas condições seriam necessárias para o sucesso desse modelo. Primeiro, o governo contaria com o apoio de uma consultoria independente durante todo o processo, para produzir estudos prévios à abertura do PMI, analisar as informações vindas dos potenciais licitantes e apoiar o governo em elementos estratégicos do projeto, como mode-lagem financeira e regramento jurídico. Segundo, o escopo do PMI consistiria apenas no que fosse estritamente necessário, sendo limitado a aspectos técnicos referentes às soluções do projeto. Em suma, quando há participação de potenciais licitantes no PMI, as medidas necessárias para mitigar os conflitos de interesse tornam o processo mais custoso e mais demorado para o poder público.

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Referências

CamaCho, F. T.; RodRigues, B. Estruturação de projetos de infraestrutura: experiência internacional e lições para o Brasil. [S.l.: s.n.], 2015. (Trabalho não publicado).

PeReiRa, B. R. Procedimento de manifestação de interesse nos estados. PPP Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/ppp-brasil-divulga-novo-balan%C3%A7o-sobre-o-uso-do-pmi-em-%C3%A2mbito-estadual-1>. Acesso em: 25 set. 2014.

VieiRa, h. m. m. Procedimento de manifestação de interesse como ferramenta para a estruturação de projetos de parceria público-privada. [S.l.: s.n.], 2015. (Trabalho não publicado).

WoRld Bank. Unsolicited proposals – an exception to public initiation of infrastructure PPPs, 2014.