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UNIVERSIDAD MAYOR FACULTAD DE EDUCACIÓN PROGRAMA MAGISTER EN BIOLOGIA-CULTURAL Os elementos diferenciais e as emoções que se conservam nas redes de conversações de empresas bem-sucedidas. (Los elementos diferenciales y las emociones que se conservan en las redes de conversaciones de las empresas exitosas.) Estudo comparativo de caso realizado entre setembro de 2014 e março de 2015 em três organizações privadas brasileiras classificadas entre as melhores empresas para trabalhar no Brasil (Estudio de caso comparativo realizado entre septiembre 2014 y marzo de 2015, de tres organizaciones privadas brasileñas clasificadas entre las mejores empresas para trabajar en Brasil) Alunos: Asnis, Arthur Melo, Mauro I

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UNIVERSIDAD MAYOR

FACULTAD DE EDUCACIÓN

PROGRAMA MAGISTER EN BIOLOGIA-CULTURAL

Os elementos diferenciais e as emoções que se conservam nas redes

de conversações de empresas bem-sucedidas.

(Los elementos diferenciales y las emociones que se conservan en las

redes de conversaciones de las empresas exitosas.)

Estudo comparativo de caso realizado entre setembro de 2014 e março de

2015 em três organizações privadas brasileiras classif icadas entre as

melhores empresas para trabalhar no Brasil

(Estudio de caso comparativo realizado entre septiembre 2014 y marzo de

2015, de tres organizaciones privadas brasileñas clasif icadas entre las

mejores empresas para trabajar en Brasil)

Alunos: Asnis, Arthur

Melo, Mauro

Salgado, Fábio Betti

Professores orientadores: Dr. Humberto Maturana

Gabriel Acosta-Miulasek

São Paulo, setembro de 2015

I

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradecemos as nossas famílias, especialmente, as

nossas esposas e os nossos fi lhos, pela paciência e suporte nas nossas

ausências, quando estávamos no Chile e, posteriormente, ocupados na

elaboração da Tese, e aos nossos colegas de trabalho pela paciência em

nos aturar, especialmente, quando nos aproximamos do prazo final para a

entrega da tese e precisamos dedicar grande parte de nosso tempo para

essa finalidade. De igual maneira, agradecemos aos colegas de mestrado

que, independentemente de nossas diferentes origens e línguas, se

mostraram excelentes parceiros de jornada, com uma escuta sempre

pronta a nos ouvir e um sorriso no rosto para nos receber toda vez que

chegávamos a Santiago para mais uma semana juntos. Dentre todos os

colegas, um agradecimento em particular para os amigos brasileiros, de

quem desfrutamos com mais regularidade da companhia e, nos intervalos

entre as semanas presenciais em Santiago, com frequência conversamos

em busca de entendimento comum sobre nossos aprendizados e apoio

para seguirmos em frente com nossos estudos.

Agradecemos igualmente aos nossos professores Ximena Dávila Yáñez e

Humberto Maturana Romesín por todas as conversas e pelo enorme

carinho que sentimos quando pudemos desfrutar da companhia deles e ao

mais que co-orientador, mas um verdadeiro cúmplice em nossa jornada, o

querido Gabriel Acosta-Mikulasek, que soube respeitar nossa necessidade

de independência, sem deixar de trazer suas impressões e inspirações

para nosso trabalho de pesquisa. Não podemos deixar de agradecer a

todos os colaboradores da Matriztica e o fazemos nas pessoas de Simón

Ramírez, Patricio García Ascenci e Sebastian Gaggero Dávila que

funcionaram como nossos tutores, bem como aos professores convidados

I I

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que nos possibil i taram, com suas reflexões e contribuições, ampliar a

nossa percepção.

Um agradecimento carinhoso às interpretes e ao pessoal que cuidou da

aparelhagem de som e tradução simultânea, que aos nossos ouvidos

trataram de encurtar a distância entre os idiomas português e espanhol.

Também, aos colaboradores da Universidad Mayor que cuidaram dos

aspectos administrativos e do nosso bem-estar nas dependências da

escola.

Aprendemos que pesquisar uma empresa renomada e publicamente

admirada oferece alguns desafios inesperados, a começar pela permissão

de realizarmos a pesquisa nas condições que desejávamos, o que só foi

possível graças a dois verdadeiros anjos da guarda, Sofia Esteves e

Tatiana Sendin, que nos municiaram de informações e ajudaram a abrir as

portas de duas das empresas pesquisadas.

Foram 49 pessoas que aceitaram o convite para uma conversa de cerca

de uma hora. A forma que escolhemos para agradecer à disponibil idade e

ao carinho com que fomos recebidos por essas pessoas foi relacioná-las

como co-investigadores ou co-pesquisadores, pois foi dessa forma que as

percebemos na dinâmica de nossas conversas.

A única maneira de termos tido acesso a todas essas pessoas e a

informações preciosas sobre as empresas era contar com o apoio das

áreas de Recursos Humanos, o que efetivamente se deu graças a três

pessoas em especial: Telma Rodrigues, Márcia Fernandes e Erica

Isomura, as responsáveis, à época do estudo, por Recursos Humanos do

Magazine Luiza, Promon e Vagas Tecnologia, respectivamente. Elas não

só abriram as portas das empresas para nós, como participaram

I I I

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ativamente do planejamento das conversas, oferecendo apoio logístico,

para o qual agradecemos em particular a ajuda de Tiago Augusto dos

Santos, do Magazine Luiza, e Luciana Tavit ian, da Promon.

E, por últ imo, gostaríamos também de registrar nossos profundos

agradecimentos a Larissa Campos, que nos assistiu no agendamento das

conversas e nos trâmites envolvendo as transcrições das entrevistas,

realizadas quase que na totalidade por Adriana Schwartz, a quem

igualmente registramos nossos sinceros agradecimentos.

IV

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SUMÁRIO

Resumo ................................................................................... VII

Abstract ....................................................................................VIII

1.Formulação do Problema ....................................................... 01

1.1.Título .................................................................................. 01

1.2.Problema de Investigação .................................................... 01

1.2.1.Fundamentação ................................................................ 01

1.2.2.Justif icativa ...................................................................... 02

1.2.3.Relevância ....................................................................... 03

1.2.4.Viabil idade ....................................................................... 03

1.2.5.Limitações e Delimitações ................................................. 03

1.2.5.1.Limitações .................................................................... 03

1.2.5.2.Delimitações ................................................................. 04

1.3.Objetivos ............................................................................ 06

1.3.1.Objetivo Geral .................................................................. 06

1.3.2.Objetivos Específicos ....................................................... 06

1.4.Perguntas de Investigação ................................................... 07

1.4.1.Conjunto de Informações Solicitadas .................................. 07

1.4.2.Conjunto de Perguntas para o Executivo

Responsável pela Área de Recursos Humanos ............................. 08

1.4.3.Conjunto de Perguntas para o Principal Executivo

da Empresa (Presidente, CEO, Fundador) ................................... 09

1.4.4.Conjunto de Perguntas para as Pessoas com

Responsabil idades de Lliderança ................................................. 10

1.4.5.Conjunto de Perguntas para as Pessoas que Não Possuem

Responsabil idades de Liderança ..................................................11

2.Marco Teórico-Referencial ..................................................... 13

2.1.Marco Referencial ................................................................ 13

V

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2.2.Esquema de Análise ............................................................ 17

3.Marco Metodológico .............................................................. 18

3.1.Justif icação Metodológica .....................................................

18

3.2.Amostra .............................................................................. 18

3.2.1.Critérios ........................................................................... 18

3.2.2.Organizações Convidadas ................................................. 19

3.3.Objetivo da Pesquisa Qualitativa .......................................... 20

3.4.Estratégia Metodológica ...................................................... 20

3.4.1.Fazeres ........................................................................... 21

3.5.Método ............................................................................... 22

3.6.Pessoas ............................................................................. 22

3.7. Roteiro para Coleta de Dados ............................................. 24

4. Resultados, Análises e Discussões ...................................... 26

4.1. Análise das Conversas......................................................... 26

4.2.1.Magazine Luiza ................................................................. 27

4.2.2.Vagas Tecnologia .............................................................. 43

4.2.3.Promon Engenharia ........................................................... 59

4.2.4.Quadro Resumo Comparativo ............................................. 77

5.. Conclusões Finais ............................................................. 80

5.1.Conclusões em Relação ao Problema ..................................... 80

5.2.Conclusões em Relação ao Objetivo Geral .............................. 81

5.2.Conclusões em Relação aos Objetivos Específicos .................. 82

5.2.Conclusões em Relação ao Marco Referencial ........................ 85

5.3.Outras Conclusões ......................... ..................................... 86

5.4.Recomendações finais .......................................................... 93

5.Bibliografia ............................................................................ 96

Anexo I – Relação de Co-pesquisadores ...................................... 98

VI

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VII

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RESUMO

ASNIS, Arthur; MELO, Mauro; SALGADO, Fábio Betti. Os elementos

diferenciais e as emoções que se conservam nas redes de conversações

de empresas bem-sucedidas. São Paulo: 2015. 97 p. Tese (Mestrado).

Universidad Mayor, Chile.

Este trabalho parte da hipótese de que existem alguns elementos que se

conservam nas redes de conversação fechadas que constituem as

organizações, que podem ser observados quando perguntamos a pessoas

que trabalham nessas organizações sobre seus fazeres e, ao serem

observáveis, poderão servir como fonte de inspiração a outras

organizações em sua história de transformações na direção de um modelo

operacional-relacional mais congruente com seu próprio viver, ou seja, em

harmonia com a conservação de seu bem estar. Dessa maneira, o objetivo

deste trabalho é identif icar se é possível estabelecer elementos que se

conservam na história de transformações das dinâmicas organizacionais,

de modo que, segundo determinados critérios de validação, possamos

dizer que essas empresas são bem-sucedidas. Esse estudo foi realizado

por meio de uma pesquisa empírica entre setembro 2014 e março de 2015

que envolveu 49 entrevistas semi-estruturadas em três organizações

privadas brasileiras classif icadas entre as melhores empresas para

trabalhar no Brasil. Os resultados apontaram para o uso de um modelo

epistemológico que permite identif icar o que as empresas investigadas

fazem para serem bem-sucedidas, modelo este que também pode ser

empregado para estudar outras organizações que se perguntam sobre o

que fazer para evoluírem de modo congruente com seu bem-estar.

VII I

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Palavras-chave : organização privada, epistemologia, sucesso,

investigação cultural, biologia-cultural

ABSTRACT

ASNIS, Arthur; MELO, Mauro; SALGADO, Fábio Betti. The differential

elements and the emotions that preserve themselves in network of

conversation of successful organizations. São Paulo: 2015. 97 p. Thesis

(Master). Universidad Mayor, Chile.

The present work starts from the assumption that there are some elements

that preserve themselves in a closed network of conversation that

constitutes the organizations, which can be observed when we ask people

who work for these organizations about their doings and as being

observable may serve as a source of inspiration to other organizations in

their history of changes in the direction of an operational-relational model

more congruent with its own l iving that is in harmony with the conservation

of their welfare.

Thus, the objective of this work is to identify whether it is possible to

establish elements that are preserved the history of changes of

organizational dynamics, so that, according to specif ic validation criteria,

we can say that these companies are successful. This study was

conducted through an empirical research between September 2014 and

March 2015 and involved 49 semi-structured interviews in three Brazil ian

private organizations ranked among the best companies to work in Brazil.

The results pointed to the use of an epistemological model that identif ies

what the investigated companies do to be successful. That model can also

be used to study other organizations who wonder about what to do to

evolve congruently with their well-being.

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Key-words : private organization, epistemology, success, cultural

investigation, cultural-biology

X

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1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

1.1. TÍTULO

Os elementos diferenciais e as emoções que se conservam nas redes de

conversações das empresas bem-sucedidas.

1.2. PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO

1.2.1. FUNDAMENTAÇÃO

Desde nosso fazer de executivos e consultores organizacionais,

observamos que as pessoas nas organizações buscam soluções

transcendentes para as questões que cercam um viver orientado a atender

as expectativas de cada um dos stakeholders ou partes interessadas.

Fruto da nossa observação, nos damos conta de que nos encontramos

com pessoas que experimentam espaços de dor e de sofrimento ao

criarem expectativas a partir de modelos sustentados em processos de

benchmarking1 onde deve existir um fazer que solucione a minha questão

a partir do que eu enxergo como resultado obtido pelo outro, seja uma

pessoa ou organização.

Também nós nos percebemos vivendo em uma cultura que preza o

imediatismo, a aplicação de soluções que possam produzir os resultados

esperados em um prazo de tempo curto, de forma que o tempo seja

sempre o menor possível dado que “tempo é dinheiro”. Assim, fórmulas,

receitas, especialmente as que sejam de fácil implementação e que

1 Benchmarking é aqui entendido como um processo de busca das melhores prát icas e que conduzem ao desempenho ou resul tado super ior. É, geralmente, v isto como um processo posi t ivo, por meio do qual se observa a real ização de algo específ ico fei to por outro com a f inal idade de melhorar a forma como real iza a mesma ou uma função semelhante.

1

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buscam fazer mais com menos é o que temos escutado como demanda de

nossos clientes em nossas áreas de atuação.

Outra observação que nos toca e que julgamos importante trazer para a

fundamentação da questão proposta é que temos percebido por parte de

diversas empresas no Brasil a adoção de estratégias drásticas de

crescimento por incorporação e, especialmente, por abertura de capital.

Tanto em uma como em outra surgem mudanças profundas em seu modo

de operar, com efeitos colaterais que surgem para um observador como

doenças - de modo l i teral, enfermidades relacionadas ao trabalho, de

natureza psicossomática como a depressão, ou metafóricas, expressas

por indicadores negativos como resultados de pesquisas de clima

organizacional ou o aumento nos índices de turnover .

O que percebemos, como consequência do que observamos, é a perda do

que chamamos de originalidade, o surgimento de uma dinâmica de

desqualif icação de si e do outro, a burocratização ou perda da essência

dos rituais e das narrativas históricas, entre outras dinâmicas que

entendemos sejam geradoras de espaços de mal-estar.

1.2.2. JUSTIFICATIVA

Essa investigação deverá permitir:

1. Ampliar o entendimento sobre os elementos crít icos que

precisariam ser conservados para que uma empresa fluísse em sua

ontogenia de modo congruente com a conservação do bem-estar

das pessoas que dela fazem parte (stakeholders ou partes

interessadas);

2. Refletir a respeito dos modelos uti l izados para medir o sucesso das

organizações;

2

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1.2.3. RELEVÂNCIA

Na medida em que buscamos investigar e apresentar outra perspectiva de

como uma organização pode se orientar na consecução dos seus

objetivos, entendemos que nossa investigação será de alguma uti l idade a

qualquer público que tenha interesse em ampliar seu entendimento sobre

as dinâmicas organizacionais.

1.2.4. VIABILIDADE

Para que a investigação pudesse ser realizada, contamos com o acesso

às informações que nós consideramos pertinentes nas organizações

pesquisadas, bem como nos foi dada a possibil idade de conversar com

uma amostra das pessoas que realizam seus fazeres laborais nessas

organizações.

Também nós, pesquisadores, contamos com a colaboração dos nossos

colegas, nas empresas em que atuamos, para que pudéssemos dispor do

tempo necessário para nos encontrarmos com as pessoas com as quais

conversamos, uma vez que todas as conversas nas organizações

aconteceram em dias e horários, ditos, úteis.

1.2.5. LIMITAÇÕES E DELIMITAÇÕES

1.2.1.5.1. LIMITAÇÕES

A explorar melhor no item que trata do marco referencial teórico,

reconhecemos que tudo o que é dito é dito por um observador, um ser

humano, a outro observador que pode ser ele mesmo e, portanto, não

3

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podemos falar da existência de uma realidade independente do

observador.

Dessa forma, reconhecemos, também, como tal, que a investigação de

forma geral e as conversações, bem como as reflexões que surgem no

processo de realização desse trabalho estarão submetidas à história de

cada um dos pesquisadores, bem como seus critérios de validação, e, de

modo estrito, à história que surge da convivência entre eles, os

pesquisadores. Não obstante, durante esse trabalho, sempre que tal

distinção veio à tona, buscamos refletir a respeito do nosso fazer de

forma a buscar o entendimento do nosso operar no observar das questões

em discussão.

1.2.5.2. DELIMITAÇÕES

Ao aceitar como fundamento que tudo que é dito é dito por um observador

e que, portanto, não é possível falar de uma realidade independente ou

transcendente, não temos como objetivo construir ou formular um modelo

para ser replicado a outras realidades ou organizações, todavia propor um

princípio explicativo que possa inspirar nas pessoas que desejarem um

processo reflexivo a respeito do viver no espaço relacional no domínio das

organizações.

Faremos um recorte específico na trajetória das organizações escolhidas

para esse processo de investigação tal como uma foto, um registro

pontual, não um fi lme que, eventualmente, acompanhasse essa história

por um período mais longo. Isso poderá signif icar que, à época da

finalização do trabalho, a situação de qualquer das empresas estudadas

possa ser distinta daquela situação em que se encontrava quando da sua

escolha como participante do estudo.

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Para que a investigação pudesse ser realizada dentro das l imitações de

recursos, especialmente o prazo para a conclusão e os recursos

financeiros disponíveis, a mesma foi estruturada como um estudo

comparativo de caso delimitado a três empresas, que foram escolhidas

tendo em vista os seguintes critérios:

1. Proximidade geográfica à região onde os pesquisadores vivem e

desenvolvem suas atividades profissionais (Município de São Paulo,

Estado de São Paulo, Brasil);

2. Acessível por meio da rede de contato dos pesquisadores;

No convite que fizemos a cada organização pesquisada, pedimos para

conversar com 15 (quinze) pessoas, bem como que tais pessoas tivessem

diferentes papéis e responsabil idades na organização, de forma a que a

amostra pudesse apresentar um recorte das relações que se

estabelecessem na organização.

A quantidade de 15 (quinze) foi estabelecida em razão da possibil idade

dos pesquisadores, haja vista que, na quase totalidade das entrevistas, ao

menos, 2 (dois) dos pesquisadores estiveram presentes.

Todas as pessoas escolhidas com as quais conversamos trabalham em

unidades situadas no município de São Paulo ou em municípios próximos

à capital paulista, ainda que a organização tenha locais de trabalho em

outros municípios e regiões.

Participamos de algumas dinâmicas que chamamos rituais, em cada

empresa pesquisada, que fomos identif icando nas conversas que tivemos

com as pessoas de cada organização e que nos foi permitido o acesso.

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As organizações escolhidas para serem convidadas fazem parte da classe

de organizações privadas. Não foram convidadas organizações da qual

participe o governo, bem como não foram convidadas organizações do

tipo “associações”, “sindicatos” e demais organizações, ditas, sem fins

lucrativos.

1.3. OBJETIVOS

1.3.1. OBJETIVO GERAL

Identif icar se é possível estabelecer elementos que se conservam na

história de transformações das dinâmicas organizacionais, de modo que,

segundo as premissas desse trabalho, possamos dizer que essas

empresas são bem-sucedidas.

1.3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Identif icar os elementos comuns que se conservam nas redes de

conversações investigadas;

2. Responder se, ao se conservarem ao longo da história de

transformação das dinâmicas relacionais das pessoas de uma

determinada organização, tais elementos contribuem para que essa

organização possa ser descrita como uma organização bem-

sucedida a partir dos critérios estabelecidos para essa

conceituação;

3. Util izar os elementos comuns identif icados para desenvolver um

modelo de reflexão-ação que sirva de fonte de inspiração a outras

organizações em sua história de transformações na direção de um

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modelo operacional-relacional mais congruente com seu próprio

viver, ou seja, em harmonia com a conservação de seu bem-estar.

1.4. PERGUNTAS DE INVESTIGAÇÃO

Partimos com 4 (quatro) conjuntos de perguntas que elaboramos segundo

a distinção que fizemos do público com o qual desejávamos conversar.

Os conjuntos de perguntas não foram apresentados previamente aos

candidatos, eles serviram como um roteiro elaborado para conduzir as

conversas, e as perguntas foram sendo apresentadas à medida em que a

conversa foi se desenvolvendo.

Solicitamos, também, previamente à realização das conversas, um

conjunto de informações de cada uma das organizações.

1.4.1. CONJUNTO DE INFORMAÇÕES SOLICITADAS

Material devolvido à organização pelos institutos que conduziram as

pesquisas de melhores empresas para se trabalhar (Guia de Melhores

Empresas para Trabalhar da Revista Exame e Great Place To Work/

Revista Época), com a apresentação dos resultados.

Pesquisas de clima organizacional ou de engajamento dos anos 2013 e

2014.

Quantidade de funcionários.

Quantidade de múltiplo salarial entre o menor e o maior salário na

organização.

Índice de turnover nos últ imos 3 (anos) anos.

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Nome ou denominação genérica uti l izada na organização para referir-

se às pessoas que nela trabalham, exemplo: colaboradores,

empregados, trabalhadores, funcionários, associados, etc.

Obs: Alguns documentos nos foram cedidos pelas empresas investigadas

na confiança de não os tornarmos públicos. Os demais podem ser

acessados diretamente no site de cada organização, a saber:

- Magazine Luiza:

http://www.magazineluiza.com.br/gptw2013/informacoesgerais.html

- Vagas Tecnologia: http://www.vagas.com.br/institucional/

- Promon Engenharia: http://www.promonengenharia.com.br/

1.4.2. CONJUNTO DE PERGUNTAS PARA O EXECUTIVO

RESPONSÁVEL PELA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS

Como a empresa está estruturada, por que ela está estruturada

dessa forma?

Quais são os grandes processos de RH que sustentam essa

estrutura?

Por que vocês são uma boa empresa para trabalhar?

O que vocês fazem de diferente?

Quais são os principais rituais da organização e como (dinâmica)

eles funcionam?

o Convite ou convocação?

o Os horários estabelecidos para o início e para o término são

respeitados?

o Todos podem participar ou quem participa?

o Por que vale a pena participar deles?

Como vocês, como organização, chegaram até aqui?

O que mudou e o que se conservou nesse caminho?

Para que a empresa existe (qual o propósito)?

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Qual é a principal contribuição da área de Recursos Humanos para a

realização do propósito da organização?

Quais são as fortalezas, assim entendido como o que favorece a

perpetuidade da organização e de seu propósito, e quais são as

ameaças e como ela, a organização, l ida com isso?

O que as pessoas fazem para se destacar na organização?

Como a empresa l ida com o erro? Cite um exemplo.

1.4.3. CONJUNTO DE PERGUNTAS PARA O PRINCIPAL EXECUTIVO

DA EMPRESA (PRESIDENTE, CEO, FUNDADOR)

Como e quando você ingressou na empresa e o que você fez até

assumir o papel de principal executivo?

Por que a empresa foi criada, como foi criada, com qual propósito

(que tipo de problema ela veio resolver no mundo)?

Como ela faz isso no dia a dia, ou seja, como esse propósito se

expressa hoje em relação aos diferentes stakeholders (acionistas,

investidores, funcionários, fornecedores, autoridades

governamentais e cl ientes)?

Quais são as fortalezas (o que favorece a perpetuidade da

organização e de seu propósito) e quais são as ameaças e como ela

l ida com isso?

Qual é a sua principal contribuição como principal executivo para a

realização do propósito da organização?

A empresa pensa em abrir seu capital? Por que?

Quando existem interesses confl i tantes entre os stakeholders , qual é

a hierarquia de valores que a organização usa para a tomada de

decisão? Cite um exemplo.

Internamente, qual dinâmica predomina – competição ou

colaboração – e por que e como é reconhecida?

9

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O reconhecimento é predominantemente individual, coletivo ou os

dois? Como vocês fazem esse balanço?

Por que vocês têm sido escolhidos sistematicamente como uma das

melhores empresas para trabalhar?

O que vocês fazem de diferente?

O que as pessoas fazem para se destacar na organização? Como

elas são reconhecidas?

Como vocês celebram as conquistas?

Como as pessoas reconhecem o bom trabalho e o esforço extra dos

colegas?

Como vocês chegaram até aqui? O que mudou e o que se

conservou?

Como a empresa l ida com o erro? Cite um exemplo.

1.4.4. CONJUNTO DE PERGUNTAS PARA AS PESSOAS COM

RESPONSABILIDADES DE LIDERANÇA

Para que a organização existe, qual o seu propósito?

Qual é a sua principal contribuição como líder para a realização do

propósito da organização?

Quais são as fortalezas (o que favorece a perpetuidade da

organização e de seu propósito) e quais são as ameaças e como ela

l ida com isso?

Quais são os principais rituais (reuniões e conversas sistemáticas,

eventos, etc.) dos quais você participa e, ou, l idera para gerir a

organização e como (dinâmica) eles funcionam?

o Convite ou convocação?

o Os horários estabelecidos para o início e para o término são

respeitados?

o Todos podem participar ou quem participa?

10

Page 21: Estudo comparativo de caso realizado entre setembro de 2014 e março de 2015 em três organizações privadas brasileiras classificadas entre as melhores empresas para trabalhar no

o Por que vale a pena participar deles?

Como a empresa l ida com o erro? Cite um exemplo.

O que as pessoas fazem para se destacar na organização?

Como as pessoas são reconhecidas?

Por que essa é uma boa organização para trabalhar?

O que essa organização faz de diferente com relação a outras

empresas? O que ela tem de único?

Quando você vai contratar alguém, o que é que não pode faltar, de

jeito nenhum, nessa pessoa?

Qual é sua percepção do processo de contratação?

O que precisa acontecer para você tomar a decisão de desligar

alguém da sua equipe?

o Você já viveu isso aqui? Como foi?

o Já viveu essa situação em outra empresa? Como foi?

O que você faz no papel de líder que faz toda a diferença para o

cl ima da organização?

O que você faz para manter o cl ima posit ivo quando as coisas não

acontecem como o planejado?

1.4.5. CONJUNTO DE PERGUNTAS PARA AS PESSOAS QUE NÃO

POSSUEM RESPONSABILIDADES DE LIDERANÇA

Para que a organização existe, qual o seu propósito?

Qual é a sua principal contribuição para a realização do propósito da

organização?

Quais são as fortalezas (o que favorece a perpetuidade da

organização e de seu propósito) e quais são as ameaças e como ela

l ida com isso?

o O que você acha que a empresa faz que ajuda a que esse

propósito seja realizado?

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o E o que você acha que atrapalha ou dif iculta? O que

incomoda?

O que essa organização tem de diferente, em comparação a outras

empresas em que você trabalhou?

Quais são os principais rituais (reuniões e conversas sistemáticas,

eventos, etc.) dos quais você participa e como (dinâmica) eles

funcionam?

o Convite ou convocação?

o Os horários estabelecidos para o início e para o término são

respeitados?

o Todos podem participar ou quem participa?

o Por que vale a pena participar deles?

Como a empresa l ida com o erro? Cite um exemplo.

O que as pessoas fazem para se destacar na organização?

O que você faz que é reconhecido pela organização como de grande

valor?

O que deveria acontecer para você, eventualmente, ser desligado da

organização?

Por que essa é uma boa organização para trabalhar?

Você gostaria que seu fi lho trabalhasse aqui no futuro? Por que?

Você acha que essa empresa tem futuro? Por que?

O que você mudaria e o que você manteria?

2. MARCO TEÓRICO-REFERENCIAL

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2.1. MARCO REFERENCIAL

Para a realização do nosso estudo, faz-se necessária a explicitação da

premissa fundamental que servirá como “fundamento teórico” ao que

apresentaremos, qual seja: O viver cotidiano de um só pode ser explicado

pelas coerências do seu próprio viver cotidiano, reconhecendo que tudo o

que é dito é dito por um observador e que, portanto, não se pode falar a

partir de uma realidade independente.

Tal premissa surge do processo de transformação que cada um dos

pesquisadores experimenta, resultado de suas próprias experiências no

viver e conviver, a partir do momento em que toma contato com o conjunto

de abstrações a respeito do viver cotidiano e que, meramente, a título

prático para esse trabalho, chamaremos de Biologia-Cultural 2. Meramente

prático, porque não queremos nos referir à Biologia-Cultural como algo em

si.

Tomando como base o olhar a respeito do viver cotidiano, a partir da

perspectiva da Biologia-Cultural, algumas das abstrações foram

organizadas e nominadas como Leis Sistêmicas por Ximena Dávila 3 e

2 O nome Biologia-Cultural é uma expressão cunhada por Ximena Paz Dávi la Yáñez e Humberto Maturana Romesin que faz referência ao fato de sermos seres biológicos e real izamos nosso viver imersos na cul tura em que real izamos nosso viver. 3 Ximena Paz Dávi la Yáñez, consul tora, epistemóloga e or ientadora de relações fami l iares e organizacionais pelo Inst i tuto Prof issional Car los Casanueva ( ICC). Suas pesquisas se concentram em processos de acompanhamento de transformação cul tural , cr iadora da arte e c iência do Conversar Liberador. Tem trabalhado para companhias públ icas e pr ivadas. Tem centrado seu trabalho desde o estudo e a compreensão da dor e do sofr imento humano, assim como nos processos de geração, real ização e conservação do bem-estar. No ano de 2000, co-fundou, com Humberto Maturana, Matr izt ica em Sant iago (Chi le) como um centro de pesquisa ref lexiva em, e desde a, Biologia-Cultural , desenvolvendo a part i r d isso diversas formas de acompanhamento dos processos de transformação cul tural em organizações e comunidades humanas centradas nas pessoas.

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Humberto Maturana4. Traremos aqui algumas dessas Leis Sistêmicas com

o propósito de mostrar alguns dos gati lhos das nossas reflexões.

Observar

Tudo o que é dito é dito por um observador (ser humano) a outro

observador que pode ser ele ou ela mesma. (Dávila & Maturana, 2009)

Nem acaso nem caos

Tudo o que um observador faz como ser vivo e ser humano surge em seu

fazer de acordo com regularidades e coerências operacionais que se

conservam em todos os instantes e circunstâncias de seu operar no fluir

da realização de seu viver. Não há acaso no suceder do viver. (Dávila &

Maturana, 2009)

Observador e observar

O observador surge com sua distinção reflexiva em seu próprio operar no

observar. O observador não preexiste à sua própria distinção reflexiva.

(Dávila & Maturana, 2009)

Fluir recursivo do observar

4 Humberto Maturana Romesin estudou Medicina na Universidad de Chi le e Biologia na Universi ty Col lege of London e em Harvard Universi ty (PhD) com Pós-Doutorado no Massachusetts Inst i tute of Technology - MIT, desenvolvendo trabalhos cientí f icos inovadores. Regressou ao Chi le onde exerceu a docência na Faculdade de Medicina da Universidad de Chi le. Mais tarde co-fundar ia a Faculdade de Ciências da Universidad de Chi le com outros cient istas, ent idade que lhe outorgar ia o reconhecimento como Professor Eméri to. No ano de 2000, co-fundou, com Ximena Dávi la, a Matr izt ica em Sant iago (Chi le) . Tem recebido prêmios nacionais e internacionais, destacando-se o Prêmio Nacional de Ciências, devido ao seu fecundo trabalho cient í f ico em seu desejo de compreender os seres vivos (autopoiesis) , a l inguagem e o conhecer (Biologia da Linguagem e do Conhecer), a or igem do humano (Biologia do Amar) e com Ximena Dávi la a Matr iz Biológica-Cultural da Existência Humana (Biologia-Cultural) , entre outros.

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O ato de reflexão ocorre no operar do observador na conservação que

distingue seu próprio operar; e ocorre como um processo do viver que

leva à contínua conservação da ampliação recursiva da compreensão do

próprio viver, da consciência de si e das ações efetivas próprias do fluir

do viver no presente de contínua mudança que essa mesma reflexão

recursiva gera, e ocorre no ato de soltar a certeza de que sabe o que se

acredita que se sabe. (Dávila & Maturana, 2009)

Ilusão e percepção

Tudo o que vivemos, vivemos como válido no momento de vivê-lo.

Contudo, não sabemos na própria experiência de viver o que vivemos

como válido se mais tarde confirmaremos isso como uma percepção ou o

invalidaremos como uma ilusão em relação a outra experiência de cuja

validade não duvidamos nesse instante e que está sujeita a essas

mesmas condições. (Dávila & Maturana, 2009)

Geração de mundos

O mundo que vivemos em cada instante é o âmbito de todas as distinções

que nós seres humanos fazemos, que pensamos que podemos fazer, que

pensamos que poderíamos fazer ou que pensamos que não poderíamos

fazer no curso de nosso viver como seres humanos que existimos em

nosso operar reflexivo de observadores que vivemos no conservar. (Dávila

& Maturana, 2009)

Devir evolutivo

O curso que segue o devir evolutivo dos seres vivos em geral e dos seres

humanos em particular, na sucessão das gerações que constituem suas

respectivas l inhagens, surge momento a momento em seu deslizar-se em

seu viver guiados por suas preferências, gostos, desejos, na realização e

conservação do bem-estar no viver. De modo que, se quisermos saber

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como se configurou o viver presente de qualquer classe de organismos,

devemos perguntar-nos sobre os sentires relacionais em seus ancestrais,

cuja conservação transgeracional deu forma a seu viver relacional atual.

Assim, se olharmos nosso viver relacional atual como seres humanos que

nascemos seres amorosos, podemos dizer que a configuração de sentires

relacionais cuja conservação transgeracional no conviver de nossos

ancestrais nos deu origem como Homo-sapiens-amans amans tem que ter

sido o amar. (Dávila & Maturana, 2009)

Conservação e mudança

Cada vez que em um conjunto de elementos começam a se conservar

certas relações, abre-se espaço para que tudo mude em torno das

relações que se conservam. (Dávila & Maturana, 2009)

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2.2. ESQUEMA DE ANÁLISE

Fonte: (Maturana H. R., La objetividad un argumento para obligar, 2003)

No

L inguagear

-

Conversar

? X ? √

17

Ontologias Transcendentes

Ontologias Constitutivas

Objetividade (Objetividade)

Real idade Única Explicar

A EXISTÊNCIA SURGE COM O

OPERAR DO OBSERVADOR

A EXISTÊNCIA É INDEPENDENTE DO OPERAR DO OBSERVADOR

Meta observador(ocorre também o processo abaixo no operar do observar)

Praxis do viverSuceder do viverExperiência

ObservadorObservar

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3. MARCO METODOLÓGICO

3.1. JUSTIFICAÇÃO METODOLÓGICA

Dado que o objetivo desse trabalho é identif icar se é possível estabelecer

elementos que se conservam na história de transformações das dinâmicas

organizacionais, de modo que possamos dizer que essas empresas são

bem-sucedidas, escolhemos uti l izar a pesquisa qualitativa para buscar

identif icar tais elementos.

3.2. AMOSTRA

3.2.1. CRITÉRIOS

Util izamos os seguintes requisitos que pudessem ser percebidos por nós,

os pesquisadores, a partir dos nossos critérios de validação, para

convidar organizações a participar da pesquisa em questão:

Figurar nas l istas de melhores empresas para se trabalhar, mais

especif icamente nas pesquisas realizadas pelo Guia das Melhores

Empresas para Trabalhar da Revista Exame, da Editora Abri l , e pelo

instituto Great Place to Work em conjunto com a Revista Época, da

Editora Globo;

Saúde econômico-financeira, ou seja, que ao longo do tempo sejam

sustentáveis desse ponto de vista;

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Muitas Real idades EMOCIONAR

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Proximidade geográfica à região onde os pesquisadores vivem e

desenvolvem suas atividades profissionais;

Acessível por meio da rede de contatos dos pesquisadores;

Fidelidade a um propósito além do lucro;

Valorização das pessoas.

3.2.2. ORGANIZAÇÕES CONVIDADAS

Foi enviado o convite para participação, como organização pesquisada, a

cada uma das seguintes organizações:

Carterpil lar – companhia com sede nos Estados Unidos da América que

atua no segmento de máquinas e tratores e em outros segmentos;

Elektro – companhia com sede no Brasil que atua no segmento de

distribuição de energia elétrica;

Eurofarma – companhia com sede no Brasil que atua no segmento

farmacêutico;

Kimberly-Clark – companhia com sede nos Estados Unidos da América

que atua no segmento de cuidados à saúde;

Magazine Luiza – companhia com sede no Brasil que atua no segmento

de varejo de bens duráveis;

Promon – companhia com sede no Brasil que atua no segmento de

projetos de engenharia;

Vagas Tecnologia – companhia com sede no Brasil que atua no

segmento de serviços de software;

Volvo – companhia com sede na Suécia que atua no segmento

automotivo;

As organizações Magazine Luiza, Promon e Vagas responderam

posit ivamente ao convite para participação como empresas pesquisadas.

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A Elektro, inicialmente, respondeu posit ivamente ao convite para

participação como empresa pesquisada, todavia agradeceu e declinou de

continuar a participação após a primeira conversa presencial.

As demais organizações responderam o contive declinando ou não

responderam, o que foi entendido como se houvessem declinado da

participação.

Com as que aceitaram participar como organização pesquisada,

individualmente, foi realizada uma conversa inicial para dirimir dúvidas a

respeito do entendimento dos objetivos do trabalho, das demandas de

informação e do planejamento e critério para as conversas com as

pessoas.

3.3. OBJETIVO DA PESQUISA QUALITATIVA

Por meio da pesquisa qualitativa, centrada na conversa com as pessoas

das organizações a respeito de como se dão determinados fazeres nas

redes de conversações fechadas, buscamos encontrar elementos que nos

permitam dizer que eles se conservam ao longo da história de

transformação das dinâmicas daquela organização e que, tais elementos,

contribuem para que essa organização possa ser descrita como uma

organização bem-sucedida a partir dos critérios estabelecidos para essa

conceituação.

3.4. ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Para servir de guia orientador no processo de conversar com as pessoas

e, depois, no processo de análise do que escutamos, segundo nossos

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critérios de validação, propusemos uma hipótese e perguntamos a

respeito de um grupo de fazeres.

O conjunto de perguntas que serviram como fio condutor para as

conservas foi relacionado no tópico PERGUNTAS DE INVESTIGAÇÃO .

3.4.1. FAZERES

O ser humano realiza seu viver ao fluir em um presente continuo que não

é o mesmo a cada instante. Nesse fluir surgem as distinções, em

coordenações recursivas de fazeres, sentires e emoções.

No espaço de interações com o outro (ser humano) posso me perguntar

como estou fazendo o que estou fazendo, enquanto estou fazendo o que

estou fazendo, que resulta no que resulta.

Elencamos alguns fazeres que entendemos serem de relevância ao nosso

objeto de estudo. Para cada um desses fazeres, nos interessa a

percepção que cada uma das pessoas com quem conversamos tem,

tomando-se como base as redes de conversações que emergem na

organização, a respeito do “como” cada um desses fazeres ocorrem no

fluir do operar no cotidiano da organização.

Conversar

Conversar é a distinção feita por um observador quando faz referência a

um espaço relacional onde cada uma das pessoas que habitam esse

espaço se sentem vistas, ouvidas e escutadas.

Equivocar-se

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Um observador diz que alguém se equivoca ou erra quando se refere

àquele que percebe, ao viver uma experiência posterior, que o que havia

vivido como válido, no momento de viver tal experiência, agora não lhe

parece mais válido.

Contratar e Demitir

Contratar e demitir são eventos que ocorrem no operar das organizações

como forma de adequar a quantidade de pessoas que nela trabalham,

segundo as circunstâncias do momento.

Reconhecer

Reconhecer é a dinâmica que um observador distingue quando distingue

que uma pessoa toma ciência a respeito de um fazer visto como posit ivo

em uma rede fechada de conversações.

Celebrar

Celebrar é a dinâmica pela qual um observador distingue uma

comemoração em um grupo de pessoas em uma rede fechada de

conversações.

3.5. MÉTODO

O método adotado para a pesquisa qualitativa foi o de conversar com as

pessoas indicadas em cada uma das organizações pesquisadas.

Das conversas participaram os pesquisadores e a pessoa indicada,

seguindo um roteiro de perguntas pré-estabelecidas. Na maioria das

conversas participaram mais de um dos pesquisadores.

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3.6. PESSOAS

Participaram das conversas pessoas que foram indicadas pelas

organizações estudadas a partir da solicitação que fossem convidadas

pessoas com responsabil idades e papeis diferentes dentro de cada

organização, bem como em diferentes níveis na hierarquia formal (quando

aplicável).

Definimos como 15 (quinze) a quantidade de pessoas a conversar em

cada organização, de forma a garantir a possibil idade de que as pessoas

indicadas atendessem os requisitos acima (diferentes responsabil idades,

papeis e posição na hierarquia formal).

Dessas pessoas indicadas, solicitamos que fossem convidadas a pessoa

na posição de principal executivo na organização (CEO ou Presidente) e a

pessoa na posição de principal executivo da área responsável por

Recursos Humanos ou equivalente (Diretor ou principal representante da

função).

Uma vez indicadas as pessoas pelas organizações, não questionamos o

critério da indicação, e a conversa se deu com todas as pessoas

indicadas.

As conversas foram agendadas com antecedência e, em sua maioria,

aconteceram no horário previsto. Quando, por qualquer motivo, a

conversa não ocorreu no horário agendado, foi combinada uma nova data

e horário.

As conversas tiveram duração aproximada de 1 (uma) hora.

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A primeira pergunta nas conversas, para a pessoa com quem

conversamos, foi sempre a respeito do que ela escutou como convite para

estar ali. Também foi solicitada a cada uma das pessoas autorização para

que fosse feita a gravação da conversa e que o resultado da transcrição

da gravação seria enviado a ela para que pudesse ler e, se desejar,

alterar a transcrição.

O roteiro de perguntas preparadas foi considerado como um fio condutor

para a conversa. A ordem e a relevância foram avaliadas em cada uma

das conversas com a possibil idade de surgirem outras perguntas e

assuntos que fossem relevantes para a pessoa que conversou conosco,

no âmbito do trabalho proposto.

Foi enviada a transcrição da gravação da conversa à pessoa que dela

participou, com o convite para que refletisse a respeito da conversa e, se

desejar, solicitasse qualquer alteração nos termos da transcrição.

Por últ imo, por meio de mensagens de correio eletrônico, foi enviado o

convite, para cada uma das pessoas, para responder a uma últ ima

pergunta: “De tudo o que você considera importante para o sucesso da

sua organização, se você pudesse escolher um único aspecto que tivesse

que ser mantido a todo o custo para que a empresa continuasse sendo

bem-sucedida no futuro, que aspecto seria esse? ”.

3.7. ROTEIRO PARA COLETA DE DADOS

1. Identif icação da amostra

de empresas

Triagem prévia usando dois institutos de

pesquisa que se propõem a identif icar,

segundo seus critérios, as melhores

empresas para trabalhar (Guia Melhores

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Empresas para Trabalhar da Revista

Exame e Great Place to Work/ Revista

Época).

1. Convites às empresas

selecionadas

Uso de redes pessoais de contato.

2. Primeira conversa e visita

às instalações da

empresa

Apresentação para a área de RH dos

propósitos da pesquisa a ser realizada

na organização.

3. Planejamento da pesquisa

em conjunto com a área

de RH

Coleta de dados, definição dos

participantes e agendamento das

conversas.

4. Coleta, leitura e análise

de materiais sobre as

empresas

Matérias publicadas em veículos

noticiosos, pesquisas internas e

materiais de comunicação interna e

externa.

5. Conversa com cada uma

das pessoas indicadas

Util ização dos questionários como fio

condutor para a conversa.

6. Transcrição da gravação

das conversas

Serviço contratado.

7. Envio da transcrição da

conversa para a pessoa

que dela participou.

Envio da transcrição da conversa para o

entrevistado e o convite para que ele

refl i ta a respeito da conversa e, se

quiser, faça qualquer t ipo de

modificação e comentário.

8. Investigação dos rituais Participação nos rituais que foram

citados ou apontados nas conversas e

que de alguma maneira distinguimos

como importantes para observar a

cultura da organização. A nossa

participação aconteceu naqueles rituais

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em que nos foi permitido participar.

9. Ajustes nas transcrições a

partir das devolutivas dos

entrevistados

Trabalho realizado pelos próprios

pesquisadores.

10. Última pergunta Envio de e-mail individual a cada um dos

entrevistados com a pergunta: “De tudo

o que você considera importante para o

sucesso da sua organização, se você

pudesse escolher um único aspecto que

tivesse que ser mantido a todo o custo

para que a empresa continuasse sendo

bem-sucedida no futuro, que aspecto

seria esse? ”.

4. RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÕES

4.1. ANÁLISES DAS CONVERSAS

Identif icamos em cada empresa um atrator específico que emerge quando

nos perguntamos sobre se haveria algo comum nas narrativas que

ouvimos e nos fazeres e rituais que observamos em cada empresa. E ao

nos fazermos essa pergunta, apareceram algumas hipóteses sobre

atratores que, depois, foram testadas nas narrativas, de modo que, a

partir do nosso operar como observadores, podermos afirmar que o que

encontramos pudesse ser chamado de atrator.

Para efeito i lustrativo, selecionamos alguns trechos das conversas,

inseridos ipsis l i t teris . Embora tenhamos incluído como um anexo

separado deste documento todas as transcrições das conversas

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realizadas nas empresas investigadas, procuramos incluir em nossas

conclusões uma amostra da voz de todas as pessoas com as quais

conversamos.

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4.1.1. MAGAZINE LUIZA

Nome da Empresa: Magazine Luiza S/A

Origem: Brasileira

Fundada: 1957

Empregados: 24.000

Ramo de Atividade: Varejo

Volume de Negócios: R$ 9.7 Bilhões (2013)

Atrator - No Magazine Luiza, o atrator que nos pareceu mais forte é a

cultura familiar , elemento que aparece em muitos depoimentos:

“Mas ela”, referindo-se à fundadora, Luiza Trajano Donato, “sempre tinha

vontade de voltar para Franca 5 e um dos objetivos, o principal pi lar, era

gerar emprego para a família. Então eu achei muito interessante porque

não era ganhar dinheiro, era uma loja para gerar empregos.” (Luiza

Helena Trajano).

“Eu que peguei a geração anterior, quando eu entrei ela estava no

comando, a dona Luiza (Trajano Donato) , então o marido dela, o irmão,

era uma estrutura bem famil iar. E todo mundo obedecendo ela, uma

empresa bem matriarcal, de uma cultura matriarcal, todo mundo respeita

ela.” (Telma Rodrigues)

“E eu tenho muito orgulho por estar numa família. Eu sinto que isso aqui é

uma família. A gente briga também, mas a gente se ama. Clássica

família.” (Patrícia Sandoval Coutinho)

5 Franca é uma cidade brasi le i ra s i tuada no estado de São Paulo, onde foi fundada a Magazine Luiza

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“Sempre é esse espírito que se tem na loja, de família, todo mundo se

ajuda e corre todo mundo para o mesmo lado.” (Andrio Acunha)

A forma como as pessoas se relacionam, mesmo que não façam parte da

família que fundou e controla a empresa, lembra um tipo de dinâmica que

se observa entre parentes, tendo na pessoa da (atual) presidente Luiza

Helena Trajano a f igura da matriarca, aquela que dá a benção, aponta o

caminho, reconhece e, quando necessário, “puxa a orelha”. No Rito de

Comunhão, ritual que descreveremos mais à frente e que pudemos

observar in loco , a presidente Luiza Helena nos pareceu exercer um papel

central – seja porque é a única sentada numa poltrona que fica bem

próximo ao palco, seja porque demonstra f icar muito à vontade para

provocar pequenas intervenções durante os cerca de 40 minutos do

encontro, aprovando e elogiando determinadas posturas e crit icando ou

demonstrando impaciência com outras, atitude que nós distinguimos como

transparência.

Narrativas - A principal narrativa que fortalece esse atrator diz respeito a

cuidar das pessoas, especif icamente, da “família Magazine Luiza”. O

documento “Auditoria de Cultura 2014”, elaborado como parte do processo

coordenado pelo Instituto Great Place to Work para selecionar as

melhores empresas para trabalhar, destaca a presença dessa narrativa na

polít ica de recrutamento, onde, em média, 80% dos postos abertos são

preenchidos por pessoas que já fazem parte da equipe. No documento

“Nosso Credo”, disponível no site da empresa, esse olhar para o humano

é ressaltado: “Nossa principal responsabil idade é com todas as pessoas.

Trabalhamos para elevar o seu nível de bem-estar e fel icidade, em prol de

um mundo melhor e pela evolução da humanidade.... Agimos com boas

intenções e um interesse genuíno, sincero, verdadeiro e autêntico pelo

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bem-estar do outro.” Essas informações são corroboradas pela grande

maioria das pessoas que conversamos.

“Eu acreditei muito nessa proposta, que era fazer as pessoas mais fel izes,

poder f inanciar um produto que ela nunca sonharia em ter e uma forma

parcelada de vender esse sonho. Para isso que o Magazine serve.”

(Tatiane Tamires Alves)

“Tem um colega meu que trabalha aqui e a mãe foi para o nordeste. Ele

t inha férias para vencer ainda e a mãe estava numa situação crít ica e ele

t inha que ver a mãe. A empresa chamou ele e adiantou as férias dele para

ele ver a mãe. Entendeu? É um lado humano. Isso eu chamo de lado

família. Se eu quiser levar minha irmã para trabalhar, não sendo o mesmo

setor, eu posso.” (Waguiner Domingos)

“A gente luta muito, dá bolsa de estudos para quem quer estudar,

qualquer matéria, e não há processo de retenção. Você pode se formar

hoje em história e amanhã sair da companhia. É para ajudar a educação,

então elas têm chance de estudar, nós temos cursos e tem dialogo para

pedir ajuda .” (Luiza Helena Trajano)

“Recentemente eu estava no ponto de ônibus e sinceramente eu nem

lembrava dele, aí ele falou: ‘Caramba! Você ainda está na no Magazine

Luiza! Eu trabalho agora na empresa do lado. ’ Ele falou assim: ‘Mariza,

vou te dar um conselho como amigo, se você sonhar em pensar em sair do

Magazine Luiza, pensa muito bem, aqui do lado de fora você não encontra

nada igual. Essa foi a única empresa que eu encontrei que olhasse para a

gente! ’ Eu já t inha ouvido isso de outras pessoas que saíram. Porque a

empresa visa tanto o melhor para o colaborador, que se for necessário,

foram ajudados pela empresa e f izeram um acordo. Eles foram ajudados

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até na hora de se desligar. Mas estes mesmos querem voltar.” (Mariza

Ferreira da Silva)

Fazeres - Quando observamos os fazeres no Magazine Luiza, nossas

abstrações sobre o que vimos, escutamos e sentimos são:

- Conversar:

Observamos que as pessoas se sentem livres para expressar-se e podem

acessar qualquer nível hierárquico. As portas da diretoria f icam sempre

abertas e não há paredes, mas apenas vidros separando-a das demais

áreas do escritório central localizado no município de São Paulo (a sede

ficava originalmente em Franca, interior do Estado de São Paulo). Falar

com a presidente Luiza Helena é visto, inclusive, como um prêmio, na

medida em que os funcionários eleitos como destaque do mês são

convidados por ela para uma conversa pessoal onde revelam o que

fizeram para terem recebido esse reconhecimento. Muitos falam sobre o

sentimento de viver em uma dinâmica relacional de proximidade.

“Aqui a hierarquia existe, é respeitada, mas eu posso ir na sala da Luiza

Helena agora, se eu quiser, e falar com ela e isso não será considerado

um by-pass para a minha diretora ou minha gerente. E isso acontece

normalmente, a Luiza às vezes me chama, porque sabe que eu posso

resolver aquele problema para ela.” (Pedro Alvim Casemiro)

“Quando você pode falar com o presidente, com um diretor de cada área,

você tem um livre acesso, ninguém tem confl i to de trabalho, é um

ambiente aberto.” (Marco Antonio Borges)

“Se eu chegar agora e falar: ‘Eu preciso falar com a Luiza Helena’, eu vou

falar com a Luiza Helena. Você entendeu? Eu passo por todos os

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diretores todos os dias e tenho o cumprimento deles.” (Gisela de

Chiacchio)

“Aliás é uma polít ica que nós temos, de portas abertas, todo mundo fala

com todo mundo, independentemente da posição que ele tenha. Primeiro

nós temos o disque-presidência, que é um canal de escuta, feito pelo

ombudsman interno, feito por ela (Luiza Helena) , por mim e a gente acaba

atendendo as denúncias. E hoje ela (Luiza Helena) criou um grupo

especial de auditoria... Os canais são muito abertos. A gente tem o nosso

portal, e-mail, telefone, rádio, TV executiva, tudo o que você pensar de

comunicação, tem o google apps, que dá para criar as comunidades, o tal

do whatsapp que as pessoas criam suas próprias comunidades e assim

vai. Todo mundo tem acesso a tudo.” (Telma Rodrigues)

- Equivocar-se

De maneira unânime todos disseram que o erro é aceito, mas não

qualquer erro. Há uma distinção entre erros honestos e erros desonestos,

sendo que o primeiro t ipo se refere àquele que percebe, ao viver uma

experiência posterior, que o que havia vivido como válido, no momento de

viver tal experiência, agora não lhe parece mais válido. O erro honesto é

visto como algo natural no processo de inovar, ainda que não tenhamos

percebido uma reflexão a respeito do erro como uma condição biológica

do viver humano. O mesmo erro que ocorre reiteradamente é visto como

incompetência ou falta de conhecimento e de treinamento de quem o

comete. Já o erro desonesto é explicado como um ato praticado, de forma

consciente, contra o patrimônio da empresa em desrespeito ao código de

conduta da empresa, como, por exemplo, roubar ou cometer algum ato

que possa ser interpretado como de assédio moral – e, para essa classe

de erros, não há alternativa à demissão.

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“Uma das nossas polít icas é o erro honesto. O erro desonesto está

previsto no código de conduta, então quando ele acontece, que é o roubo,

a discriminação, o assédio moral, a lesão ao patrimônio da empresa ou ao

cliente, isso é tratado com processo de auditoria, e toda vez que tem que

fazer desligamento de um líder, o código está na mesa. Agora, os erros

honestos são aqueles que a gente entende que a pessoa fez no intuito de

acertar e que ela queria o melhor para a empresa. É uma ideia nova, um

procedimento que ela fez tentando acertar e houve o erro. Quando isso é

detectado, a pessoa é perdoada, digamos assim, ela continua, ela está

aqui conosco e a empresa toda apoia, o líder apoia, quando a gente vê

que a intenção é posit iva.” (Telma Rodrigues)

“A gente costuma dizer que errar a primeira ou a segunda vez não é

burrice, mas a gente não condena ele, a gente condena a não

transparência. Ou ficar justif icando, não fui eu, foi alguém, ou foi culpa de

alguém. Eu mesma não condeno erro, assumo vários erros. A gente tem

que assumir, a gente é humano.” (Luiza Helena Trajano)

“A empresa é muito maleável. Acho que até demais. Outras empresas, a

gente sabe que o vendedor paga. Aqui não… Acontece muito de você

vender uma geladeira 220 (volts) e o cl iente queria 110 (volts). Ela vem

para a loja e ela vai ser vendida normalmente e sem que o vendedor tenha

que pagar nada.” (Gisela de Chiacchio)

“Somos inovadores, e quando se é assim você acerta um e erra outros.

Mas não posso permitir que minha equipe erre sempre em cima do mesmo

ponto. Precisa de treinamento, entendimento e/ou redirecionamento.”

(Marcos Antonio Borges)

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- Contratar e demitir

O Magazine Luiza orienta seu foco de contratação para pessoas que

tenham o que, no segmento de varejo, comumente, se chama “perfi l de

vendas”. E quando esse perfi l é descrito em fazeres, aparecem com

destaque: ir atrás das respostas, não ficar esperando as coisas

acontecerem e gostar de pessoas. No documento “Culture Audit 2014”, a

maior valorização por parte da empresa recai sobre profissionais que

comparti lhem os mesmos valores, tenham sonhos e gostem de trabalhar

com e para as pessoas, acrescentando que aqueles que consideram que

servir aos outros é algo nobre têm mais chance de dar certo na empresa.

“Uma coisa que eu prezo muito é a pessoa ser proativa, ter interesse, ter

vontade, ter aquela disponibil idade para aprender, para fazer. Eu gosto

muito disso. Da pessoa que é proativa, que não fica esperando as coisas

acontecerem. Que busca aprender, que quer saber, que é interessada e

que sempre está buscando algo a mais. Eu acho que para um cargo...

para quem trabalha com vendas, com o público, isso é muito importante e

também ser uma pessoa que gosta de l idar com gente.” (Luciara Pitt)

Na outra ponta do ciclo de vida de uma pessoa como colaborador da

empresa, quando a pessoa escolhe, por sua própria vontade, se desligar

da empresa, alguns colaboradores afirmaram que ela pode vir a ser

contratada no futuro, caso deseje voltar a trabalhar na organização. Já o

processo de desligamento forçado está relacionado ao baixo desempenho,

entendido como o não cumprimento, desde a perspectiva de critérios da

própria organização e combinados com a pessoa, das expectativas a

respeito de como a pessoa faz o que faz na organização e o resultado de

suas entregas. Em situações descritas como parte desse domínio, a

empresa é vista como alguém que empreende todos os esforços para que

a pessoa que está apresentando, segundo determinados critérios, baixo

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desempenho, possa corrigir esse desempenho de maneira a voltar a

atender as expectativas da empresa sobre o seu trabalho. A outra razão

declarada para o desligamento de uma pessoa da organização e que

surge em quase todas as conversas está relacionada ao domínio da

desonestidade, entendida como um tipo de dinâmica onde alguém realiza

algum tipo de atividade mesmo sabendo que não deveria fazê-lo.

“Uma das vantagens aqui também, você nunca vai ser deligada sem

acreditar que não te deram a oportunidade de você melhorar. Eles dão

várias oportunidades, o conselho (de funcionários) chama e fala o que

acha que deveria melhorar. Eles dão inúmeras chances de você tentar

melhorar a situação.” (Mariza Ferreira da Silva)

“Nós não somos uma empresa que não demite, e nem paternalista. A

gente conversa uma vez, duas vezes, mostra o caminho. Posso dizer que,

se um funcionário foi demitido, na últ ima conversa que a gente tem com

ele, ele já sabe exatamente o porquê. De alguma forma ele não estava

preparado para aquele negócio, as vezes não está na essência dele ser

um bom vendedor. Às vezes você tem um bom planilheiro, que por mais

que ele se esforce ele não consegue entender a dimensão dos resultados

que você busca, por mais que se esforce. E quando fazemos isso,

fazemos com muito respeito.“ (Marco Antonio Borges)

“O que teve mesmo foi que a pessoa não se desenvolveu, não deu o

resultado que precisaria dar... A pessoa realmente f ica num patamar que

não tem evolução, não contribui, quando ela começa a não contribuir ela

começa a atrapalhar, aí a gente tem que fazer esse processo.” (Raquel

Faleiros)

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“A gente sabe o que não pode ser feito. Exemplo: vender um produto fora

do valor real, muito abaixo do preço, porque é para alguém que você

conhece. Comprar produto durante a ‘Liquidação Fantástica’, (campanha

promocional) que a gente tem em janeiro, é extremamente proibido. É

falta grave, demissão na certa.” (Valdelice de Sousa)

“(Tolerância) de roubo é zero. Se descobre, é zero. Não tem perdão. Se

pede para voltar, não volta.” (Luiza Helena Trajano)

“As pessoas acham que o mercado de trabalho está muito fácil, e não é

assim. É muito difíci l encontrar lugares que você gosta de trabalhar. Mas

por confl i tos que as pessoas têm em casa, motivos famil iares, ela acha

que melhor é escutar o sentimento dela e sair. E posteriormente se ela fez

um bom trabalho, a Magazine Luiza é uma empresa tão mãe, que ela

recontrata pelo seu histórico.” (Sergio Silva Oliveira)

- Reconhecer e celebrar

Para as pessoas se destacarem, elas têm que fazer algo que, de uma

maneira ou de outra, seja visto como diretamente impactante sobre os

resultados quantitativos buscados pela empresa – isso decorreria de uma

combinação entre conhecimento (experiência e treinamento) e atitude

(especialmente, iniciativa e vontade de servir). Para isso, existem

inúmeras formas de reconhecer as pessoas, seja por meio de

recompensas financeiras ou não financeiras. A recompensa não

financeira, que surge como mais citada pelas pessoas, ocorre quando a

pessoa é denominada “funcionário destaque”, onde aquele que a recebe é

distinguido diante do grupo, podendo “até” ser chamado para uma

conversa com a presidente Luiza Helena, algo que muitos afirmaram ser

de grande valor. A celebração aparece relacionada ao reconhecimento

individual ou coletivo (loja e regional), sendo realizada sempre em grupo e

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com diversas configurações – desde dentro da célula de uma loja até com

a participação dos colaboradores de toda uma região. A competição pelo

reconhecimento é vivida como parte do jogo.

“Acredito que o poder está nas mãos de quem tem o conhecimento e faz

acontecer. Detesto gerúndio.” (Luiza Helena Trajano)

“A pessoa tem que apresentar resultados. Por exemplo, a faxineira tem

que entregar o ambiente dela l impo, que é a responsabil idade dela. E a

entrega a gente vê ela como um todo, não é um resultado obtido a

qualquer custo. Ele tem que entregar com qualidade, com atendimento, de

forma correta, não tem gol de mão.” (Paulo Morari)

“Têm os reconhecimentos por resultado, por entrega, e isso faz parte do

ganho dele. Você tem o salário, o que chamamos de parâmetro, o salário

f ixo. Se ele f izer a função dele no final do mês, ele tem o dinheiro dele.

Se ele atingiu as entregas dele, aí tem um programa de bônus, de PLR

(Participação nos Lucros e Resultados), têm programas de

reconhecimento que não envolvem questões financeiras. Pelo bom

trabalho, pelo resultado, aí tem medalha, a gente leva ele lá na frente, vai

na ‘TV Luiza’, ele explica para os demais o que ele fez para atingir esse

objetivo, porque ele está lá...Tem o prêmio de gestão, por exemplo, se ele

faz uma gestão adequada da loja, se eles atingem todos os objetivos, ele

ganha troféu, medalha, vai subindo no ranking.” (Paulo Morari)

“O nosso regional faz uma peneira, vê quais são os resultados mais

importantes e ele manda isso diariamente no e-mail dos gerentes. Sempre

destacando os melhores, nunca falando quem foi pior.” (Viviane Baggioli)

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“A gente tem que distinguir bem o que é competição. Eu detesto a

competição predatória, tanto é que aqui é proibido falar mal de

concorrente. A gente já teve um momento que quebrou muito concorrente,

a gente não aceitava fofoca, e eu procuro sempre aprender o que o

concorrente tem de melhor. E não tenho nada predatório, para acabar com

as pessoas. Agora, a competição de você querer vencer, de querer

enfrentar os desafios, de você a cada dia crescer mais, eu acho

saudável.” (Luiza Helena Trajano)

“Então esse mês eu fui eleita o destaque do meu departamento, através

de um curso que a gente está implantando, que as pessoas fazem online

por loja, e por outros motivos. E a Luiza Helena se interessou. Ai sim ela

pediu que eu fosse até a sala dela para mostrar esse projeto.” (Tatiane

Tamires Alves)

“Reconhecimento para mim é você me dizer parabéns! Eu sou uma pessoa

muito simples em ser motivada. Se eu fizer um detalhe e você disser que

você viu, conseguiu enxergar aquele detalhe, porque eu sou detalhista,

para mim já está muito bom, é suficiente.” (Sergio Silva Oliveira)

- Coordenar

A coordenação do trabalho nas lojas se dá, sobretudo, por meio da

Reunião Matinal de Vendas, uma reunião diária e obrigatória com a

participação dos funcionários da loja, responsáveis cada um por uma área

da loja, e com foco no acompanhamento dos resultados comerciais e as

ações para atingi-los. Para uma tomada de decisão mais rápida, cada loja

tem um alto grau de autonomia e pode tomar decisões que busquem a

sustentabil idade da loja – neste aspecto, cada loja é entendida como uma

unidade autônoma que precisa ser lucrativa. O gerente é assessorado em

fazeres como contratação, demissão, reconhecimento e promoção por um

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grupo que não tem, necessariamente, o papel formal de líder, e que é

eleito pelos próprios funcionários e forma o Conselho de Colaboradores,

iniciativa criada em 1994 e bastante citada nas conversas com os co-

pesquisadores quando surge o tema da coordenação dos fazeres.

“Todo mundo tem muita l iberdade dentro da empresa para desenvolver

sua função e essa l iberdade é uma l iberdade acompanhada, você tem

muita l iberdade para fazer tudo." (Andrio Acunha)

“As lojas têm um conselho de colaboradores que ajuda a fazer a gestão da

loja. Você tem além do gerente, da área de apoio, estoquista e essa

mesma equipe que ajuda a contratar e nas dif iculdades, ajuda a demitir, é

um grupo de apoio à gestão da loja, eleito pelos próprios colaboradores, é

uma representação daquele núcleo.” (Marcos Antonio Borges)

“O papel deles (Conselho de Colaboradores) é ajudar a manter a cultura,

e estar atento aos funcionários. Como eles são eleitos pelo grupo, eles

funcionam como a ponte do grupo. E no momento das confraternizações,

os ritos, e isso é tudo responsabil idade deles.” (Luiza Helena Trajano)

“Não tem gerentes. Tem gerente constituído, e esse grupo de apoio ao

gerente, de apoio à equipe, são pessoas que não tem cargo de l iderança,

um vendedor, um caixa... E esse grupo apoia os gerentes nas decisões da

loja e ajuda na contratação, na demissão, na avaliação da equipe, na

preservação da cultura dentro daquela unidade.” (Telma Rodrigues)

Rituais - Entre os rituais que observamos, o ritual da Reunião Matinal de

Vendas é uti l izado para comparti lhar o que está acontecendo na loja e o

que deve acontecer para os planos serem atingidos, ou seja, como dito

anteriormente, serve para coordenar os fazeres nas lojas; o Rito de

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Premiação, que reconhece os que atingiram os melhores resultados em

vendas; a TV Luiza, semanal, uti l izada basicamente para treinar e

comunicar campanhas, promoções e estratégias de vendas. De todos os

rituais que observamos, no entanto, o que mais nos chamou a atenção e o

que mais parece fortalecer o que distinguimos como atrator é o Rito de

Comunhão, que é realizado todas as segundas-feiras pela manhã em

todas as unidades da companhia, com a coordenação dos próprios

colaboradores, que se dividem através de uma escala de apresentações.

O Rito de Comunhão segue um roteiro base, que prevê a comunhão com a

Pátria (canta-se o Hino Nacional), com a empresa (canta-se o Hino do

Magazine Luiza) e com o que Luiza Helena chama de Absoluto (reza-se a

oração cristã do Pai Nosso), o comparti lhamento dos resultados, as

principais notícias da imprensa e a celebração por resultados ou datas

comemorativas. O Rito de Comunhão ou “Ritão” aparece como central em

todas as conversas que tivemos quando perguntamos sobre os principais

rituais que colaboram para a conservação da cultura do Magazine Luiza.

Chama a atenção, porém, o surgimento de uma emoção que nós

distinguimos como “obrigação”, quando perguntamos às pessoas se a

participação é por convite ou convocação. No caso dos líderes de lojas,

todos são obrigados a participar. Se fôssemos elencar um único ritual

para representar a força do atrator da empresa, seria, portanto, o Rito de

Comunhão.

“É realizado simultaneamente em escritórios de negócio, centro de

distribuição e lojas. Nele participam todos os líderes e equipes, é dividido

por fases e quem conduz é parte da equipe. Aqui no escritório, uma

semana é a área financeira, outra operação, outra auditoria, todos têm

oportunidade de fazer o rito. Nele a gente canta o hino nacional em

respeito à pátria em que estamos inseridos, o hino da empresa que é uma

forma de respeito e de agradecer a companhia pelo momento em que

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vivemos, e tem as dinâmicas, que são legais, pois cada área prepara a

sua, com o motivo, o propósito. A equipe passada trouxe a questão da

água, do racionamento, o que cada família pode fazer para economizar

mais água, qual a sua contribuição. Outro dia t ivemos sobre segurança do

trabalho. Isso enriquece a companhia e as pessoas. Falamos também

sobre resultado, traduzimos o resultado do dia, o que vem pela frente,

quais as campanhas que vão acontecer, você alinha as pessoas, mostra a

direção da companhia, trabalha a questão dos números. Uma coisa bem

ampla.” (Marco Antonio Borges)

“Você fica ciente de tudo. Dos próximos passos da empresa, do que a

empresa está entregando de resultado. Inclusive, eu tenho que levar meus

resultados. Eu apresento os resultados da área, então acho que é o

momento de alinhamento global, acho fantástico isso, tem que existir, tem

que acontecer mesmo.” (Pedro Casemiro)

“Acho que o rito é muito importante porque é uma ferramenta de cultura. ”

(Raquel Faleiros)

“Não é todo dia que você consegue se comunicar com todo mundo, então

um dia de mais comunicação, integração, brincadeiras, ele traz mais a

junção da equipe, um contato. Em muitos lugares é diferente, você passa

e não falam bom dia, se a pessoa tá de mau humor viram a cara para

você. Ajudam muito essas reuniões matinais, o hino da empresa também é

muito motivacional, a gente bate palma e ai já começa a descontrair.”

(Sergio Dias de Oliveria)

“Há 20 anos é feito em todos os lugares, todas as segundas-feiras e é

obrigado a presença de todo mundo aqui e em Franca, porque tem que dar

o exemplo. Obrigado assim, ninguém olha se vem, mas a gente diz que é

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obrigado. Agora, na loja, os líderes são obrigados, como eu parto do

princípio que nós somos espelhos para a loja, a gente fala que é obrigado,

mas ninguém controla quem vem ou não vem.” (Luiza Helena Trajano)

“Não é obrigatório, mas eles incentivam que todos compareçam. E todos

comparecem.” (Vaguiner Domingues)

“É convite. Na verdade, eu nunca vi alguém ser forçado a fazer nada

aqui...A não ser que o gerente f ique falando no ouvido dele. Ali é uma

forma de fixar. Mas é sempre convite. Na realidade já virou hábito, todo

mundo sabe mesmo sem convite, que vai ter. Não existe não ter essa

reunião por algum motivo.” (Tatiane Tamires Alves)

“O rito é opcional, se você não se sente à vontade com a equipe, não é

obrigatório. Mas quem não participa é sinal que não está bem. Porque é

difíci l quem não querer confraternizar com a equipe.” (Viviane Baggioli)

“Não é todo mundo que concorda em cantar o hino nacional, parar um

pouco do seu dia. E isso você não ensina. Ou a pessoa está aberta, tem

essa facil idade de entender que isso é um processo que vai ajudá-la a

evoluir, isso você não ensina, tem que estar aberta. O que a gente mais

procura identif icar na minha área é muito isso, o quanto essa pessoa é

aderente a nossa forma de ser.” (Paulo Morari)

“O rito é para você ficar entrosado. O foco é a união.” (Mariza Ferreira da

Silva)

“(De todos os rituais) O que eu mais gosto mesmo é o rito. Me dá uma

energia, começa a semana bem para mim.” (Patrícia Sandoval)

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Do que não se pode abrir mão - Ao refletirem desde uma pergunta que

encaminhamos, o que as pessoas escreveram que não se pode abrir mão,

de jeito algum, para que a empresa continue fluindo em coerência com o

seu bem-estar traz, mais uma vez, narrativas diferentes e que, se

desejarmos, podemos associar ao principal atrator identif icado para o

Magazine Luiza, a cultura famil iar:

“O único aspecto que considero ‘pétreo’ para o futuro e,

consequentemente, para a perpetuidade do Magazine Luiza é a

preservação dos valores essenciais da sua cultura: respeito genuíno às

pessoas acima de tudo.” (Marcelo Silva)

“Eu escolheria a cultura mesmo (jeito Luíza de ser) porque ela é a nossa

base de existência.   Temos que evoluir como empresa e como negócio,

isto toda empresa busca e sem isto morreremos. Mas o pilar da cultura

tem que continuar existindo, senão não é Magazine Luíza, seria outra

empresa.” (Raquel Faleiros)

“Entendo que o maior valor a continuar no Magazine Luiza é o respeito

pelas pessoas, sejam, colaboradores, cl ientes, fornecedores, seguindo

nosso Regra de Ouro: Faça aos outros o que gostaria que fizessem a

você.” (Telma Rodrigues)

“Eu acredito que o aspecto que deve se manter é o foco total no cliente.

Essa preocupação transversal vai continuar incentivando as diversas

áreas da empresa a pensar em soluções, serviços e ações com foco na

experiência do nosso cliente. Eles são fundamentais para a existência e

prosperidade do negócio.” (Pedro Cassimiro)

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“A Cultura da companhia. Os valores que acreditamos e praticamos é o

que temos de mais posit ivo. Eles resumem todo nosso modo de agir, como

valorização das pessoas e empreendedorismo, entre outros. A volta à

cultura do dono voltou a ser praticada e valorizada em todo o mundo,

organizações que perdem a sua cultura perdem a sua essência, por isso,

temos no Magazine Luiza uma busca incessante para que a cultura esteja

viva em cada um de nossos colaboradores.” (Luiza Helena Trajano)

4.1.2. VAGAS TECNOLOGIA

Nome da Empresa: Vagas Tecnologia

Origem: Brasileira

Fundada: 1.999

Empregados: 160

Ramo de Atividade: Tecnologia / Recursos Humanos

Volume de Negócios: N/I - crescimento médio de 25% a.a.

Atrator - Na Vagas Tecnologia, o atrator que nos pareceu mais forte é a

cultura baseada na vivência de valores comparti lhados, que aparece em

vários depoimentos e não só no testemunho de um dos fundadores, Mario

Kaphan, sendo que, para efeito de i lustração, na conversa que

mantivemos com ele a palavra valor apareceu 48 vezes.

“A grande fortaleza e que é a razão chave para o crescimento forte que a

gente teve em todo o tempo foi criar um ambiente onde as pessoas

vivenciam os valores comparti lhados… E vivenciam porque têm que tomar

decisões no dia-dia e, na tomada de decisão, vivenciar os valores

implícitos nessas decisões. E a gente citou isso como fator chave de

sucesso, na medida em que o nosso cliente percebe essa consistência de

valores e aí nos reconhece como um parceiro confiável, e a experiência

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da Vagas foi crescer mesmo a partir da conquista da confiança. E essa

conquista é basicamente como resultado do reconhecimento da vivencia

de valores… A gente achou muito redutor escolher alguns valores como

sendo os valores da empresa… Têm muitos valores que nem estão

explicitados, eu tomo a decisão, eu faço a argumentação, entro em

controvérsia com algumas pessoas, a gente constrói um consenso, mas

não obrigatoriamente todos os valores implícitos naquela decisão estão

claros, explicitados. É claro que os valores básicos, honestidade, etc. e

tal, que são chave para um processo seletivo, escolher pessoas que

comparti lham esses valores básicos. Mas a coisa é muito mais

sofisticada, porque a questão não é o valor em si. A questão é a vivencia

do valor. Porque é nesse processo que ele ganha vida.” (Mario Kaphan)

“Se eu vou gastar um terço da minha vida trabalhando, que seja por algo

que faz sentido para mim. Pagar conta, qualquer trabalho paga conta. Se

for fazendo o que você gosta, é melhor ainda. Acho que aqui na Vagas

para a maioria a ideia é essa.” (Roni Uliana)

“O bri lho nos olhos contagia, e isso contribui mais do que as análises que

eu faço; claro que as análises contribuem, mas o que a pessoa vivencia e

o que os demais vão vendo pelo exemplo, acho que isso contagia.” (Sylvia

Fernandes)

“O propósito do Vagas preza muito os valores. Toda empresa está no

mercado para ganhar dinheiro, tem um foco comercial, mas os valores do

Vagas me chamam muito a atenção.” (Tatiane Neves)

A forma como as pessoas se relacionam é a de colegas que vivem em

uma comunidade democrática, onde todos têm, em princípio, os mesmos

direitos e deveres, são líderes em alguma circunstância e que têm como

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l íder inspirador um dos fundadores da empresa, Mario Kaphan. E esse

sentimento, em algumas conversas, também aparece como dinâmicas

relacionais que lembram o que ocorre numa família ou entre amigos.

“Acho que o Vagas existe por um objetivo comum de uma comunidade

engajada. No fundo, a gente quer fornecer ferramentas para os RHs,

promoverem o encontro das melhores empresas com as melhores

pessoas.” (Fernanda Diez)

“Quando entrei aqui, entrei na l impeza, já me apaixonei de cara, pois em

outros lugares que trabalhei como empregada doméstica, na l impeza, é

como ser invisível, e aqui eu vi que as pessoas me enxergavam, eu

falava: Mas gente, eu sou só uma faxineira, e as pessoas me respondiam:

‘Não, aqui você é igual ao Mário, que é o dono da empresa. Você tem o

mesmo valor que ele. Você é tão normal, tão ser humano, com qualidades

e defeitos como qualquer um.” (Gabriela Oliveira)

“O sentimento que eu tenho aqui é como se eu estivesse na minha casa,

como se fosse a minha família. O Mário (co-fundador) eu tenho como um

pai, a Isomura (RH) cada dia mais ela é minha irmã.” (Fernanda Diez)

Narrativas - A principal narrativa que fortalece esse atrator diz respeito

ao modelo de gestão horizontal, que não nasceu com a empresa, mas foi

a expressão que ela encontrou para melhor material izar o seu atrator.

“A gente é horizontal porque a gente quer preservar a essência da

empresa, que é esse ambiente de vivência de valores comparti lhados.”

(Mario Kaphan)

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“A Vagas era bem pequenininha e sempre teve essa coisa de todo mundo

falar com todo mundo que está ali perto, tudo era decidido em conjunto, e

a ideia da gestão horizontal era não se perder isso de todo mundo estar

ciente de tudo, decidir tudo em conjunto. E aí se chegou na gestão

horizontal pela experiência, não foi pensado primeiro num método e

depois a gente viu que era legal.” (Alan Barros)

Fazeres - Quando observamos os fazeres no Vagas Tecnologia, nossas

abstrações sobre o que vimos, escutamos e sentimos são:

- Conversar

As pessoas são o tempo todo não apenas estimuladas a falar, mas,

especialmente, a confrontar – para usar a expressão que eles empregam,

“abrir uma controvérsia” - que ainda é um papel muito próprio do Mario

Kaphan, co-fundador da empresa. Quem confronta (ou abre controvérsias)

nos pareceu mais valorizado que aquele que não confronta.

“Com a presença do fundador, ela (a reunião) gera muita controvérsia, o

Mario nos instiga muito a isso e é muito interessante, e a gente tem que

aprender ao longo do tempo a l idar com isso.” (Luciana Santos Landin)

“Aqui tem aquela coisa do convencer, você precisa convencer as pessoas

da sua ideia. Então quem tem facil idade com isso, consegue talvez,

implantar mais coisas. E quem não tem, tem que aprender de certa forma,

a desenvolver.” (Francielly Boni Alves)

“A gente está sempre se questionando, deu errado, a gente sabe, todo

mundo discute e a gente discute muito na área, tem algumas brigas às

vezes, mas é um negócio que a gente confia um no outro o suficiente para

saber que a pessoa não está falando aquilo de maldade.” (Débora Duarte)

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“Mesmo sabendo que a ideia não é funcional aqui no Vagas, as pessoas

se apegam às suas ideias. Isso gasta muita energia: insistir ou abrir uma

controvérsia por algo que você sabe que não funciona.” (Tatiane Neves)

“Todo mundo tenta conversar para f icar na mesma página e fazer a coisa

dar certo.” (Alan Barros)

- Equivocar-se

Ao conversarmos sobre o errar, foi unânime a maneira natural como as

pessoas referiram-se a essa dinâmica, correlacionando-a de maneira

muito direta ao processo do inovar. Por outro lado, e mesmo que a

controvérsia seja vivida como uma dinâmica comum e até desejável dentro

da organização, também apareceu a dif iculdade em aceitar a crít ica

quando da ocorrência de um erro.

“Temos uma característica que, engenheiro que sou, tem a questão

pratica, pragmática, a coisa da aceitação também, aceitação da

imperfeição, das l imitações, também faz parte de um processo de

construção, faz parte da vida.“ (Mario Kaphan)

“Na verdade, existem erros, que dependendo de quem olha o erro, é de

um tamanho diferente, então têm várias histórias. Um mesmo erro a

pessoa te dá um toque, sentada ao seu lado: ‘olha, isso não é assim.’ E

outra pessoa olhando para o mesmo caso vai querer convocar uma

reunião com todos para falar sobre aquilo.” (Alan Barros)

“Eu acho que a gente l ida muito bem. Porque tem a coisa da gente confiar

um no outro, né, então a gente sabe que se você errou, não foi um

negócio de propósito e desleixado. É uma coisa que acontece, coisa que,

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beleza, aconteceu e a gente aprendeu com esse negócio, e vamos fazer

de outro jeito da próxima vez.” (Débora Duarte)

“Como esse ano foi um ano de muitas mudanças, com essas reuniões de

gestão as áreas começaram a olhar para os próprios erros. Ver a

deficiência de entrega, de números, enfim, que precisavam melhorar.

Nesse ano o erro foi muito mais aceito, eu entrei na metade do ano

passado, e via uma certa resistência. Quando falávamos mal do site, era

como se estivesse falando mal da empresa, eles não recebiam isso como

se a gente quisesse melhorar o site, e não apenas para crit icar.”

(Francielly Boni Alves)

- Contratar e demitir

Contratar e demitir são funções da equipe, e a área de RH tem apenas a

função de facil i tador desse processo. A contratação procura ser a mais

focada possível em valores, de modo coerente com o atrato, sendo que a

narrativa sobre gestão horizontal funciona, nesse caso, como outro

grande atrator. Gente que não quer mais ter chefes vê no Vagas o

paraíso, mas todos com quem conversamos gostam de repetir que no

Vagas é realmente verdade que cada um pode fazer o que quer, mas ao

contrário do ditado popular que reza que “eu faço o que quero e ninguém

tem nada com isso”, no Vagas todo mundo tem tudo com isso. Como o

poder está na equipe e não no indivíduo, ocorre também algo curioso, que

é o insucesso de perfis muito autorais e individualistas, que costumam ser

bastante valorizados em muitas organizações, mas que no Vagas são

considerados danosos. E esse não entendimento de um modelo baseado

em autonomia e colaboração é um dos principais motivos para que ocorra

uma demissão, processo que as pessoas definem como longo, cansativo e

doloroso.

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“O processo (de contratação) é semi convencional. Ele tem as etapas que

a gente tem no mercado. A diferença é que onde entra o gestor entra a

equipe. São pessoas que têm tudo a ver com isso que identif icam a

necessidade de uma nova pessoa. Elas vão discutir, pensar no perfi l e

abrem a vaga com o RH.“ (Érica Isomura)

“Acho que o maior diferencial é que ela te contrata por quem você é, não

só o que você tem a oferecer como técnico, mas como pessoa que

comparti lha os mesmos valores. Não é da boca para fora, isso é vivido

mesmo, f ica claro no processo seletivo que estão contratando a sua

pessoa no completo, não só pela sua contribuição profissional. Você não

se sente compelido a ter que se transformar e se moldar, lógico que você

tem que se adaptar ao sistema, mas não ferindo os seus valores para se

encaixar num lugar. Isso eu senti que nunca precisei fazer.” (Alan Barros)

“A gente toma o cuidado de tentar contratar pessoas que entenderam o

modelo de gestão de verdade, que tem um processo mais longo do que as

outras empresas inclusive, para ter a certeza de que ela vai se adaptar

aqui.” (Débora Duarte)

“Somos uma empresa horizontal, com gestão mais f lexível, sem chefes e

sem hierarquia - um diferencial competit ivo na hora de contratar e reter

profissionais, principalmente de tecnologia. Eles podem fazer home office,

eventualmente morar em outra cidade, vir para cá alguns dias na semana,

ou alguns dias no mês.” (Daniel Menin)

“O pessoal conta que teve um caso recente de uma menina que foi

desligada de um dia para o outro e ela f icou em choque, porque ela não

imaginava, ela foi pega de surpresa e questionou porque ela não tinha

sido avisada antes. Então é difíci l você olhar para seu amigo e demiti- lo

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porque ele não está mais agregando na sua equipe, se o seu trabalho está

sendo prejudicado por causa dele. Espero não ter que passar por isso.”

(Nadia Fuzinato)

“Tinha um cara que era muito focado, era uma das pessoas que mais

trazia resultado dentro da área. Mas ele não vive a cultura, ele não se

compromete com a gestão, não quer dar feedback, não abre controvérsia.

Então não dá para eu dizer que esse cara contribui com a missão da

empresa. Ele tem um foco talvez em trazer o resultado para a empresa,

mas só isso não quer dizer que ele contribui com a missão.” (Érica

Isomura)

“Podem acontecer alguns casos onde o perfi l da pessoa não é o correto

para operar numa estrutura horizontal e haja uma certa acomodação, e,

como não tem ninguém puxando (um gestor), tem-se um nível de entrega

incompatível com a capacidade da pessoa.” (Sidney Monreal)

“Se você está sempre em dinâmica com a sua equipe, você fazendo

errado, as pessoas te alertando e você não melhora, você continua a

bater o pé, e em tudo você está certo, você cria uma tensão ali dentro. As

coisas não vão para frente por sua causa, ou você está esperando alguém

mandar você fazer algo e você não está fazendo nada, você vai ser

desligado por causa disso.” (Débora Duarte)

“Para desligar, precisa ter aquela certeza absoluta de que tudo foi dito o

maior número de vezes possível, que a pessoa está cansada de saber e

mesmo assim nada aconteceu. É uma coisa cansativa mesmo. Toda vez

que a equipe se reúne para ter uma decisão dessa, só depois isso vai

para o RH, e a primeira pergunta é: vocês falaram para essa pessoa?

Tudo o que está sendo dito aqui foi dito para ela antes? O essencial é

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isso, tem que estar tudo às claras, todo mundo sabendo de tudo o que foi

dito, tentar resolver até o f inal.” (Alan Barros)

“Se ela não comparti lha desse mesmo propósito, ela não vai se adequar.

Senão isso vai se desenrolar em vários problemas internos de gestão. O

técnico a gente desenvolve, mas a parte psicológica, que faz com que ela

venha trabalhar independente de benefícios e remuneração, que ajude a

empurrar a empresa para o lado que ela está indo, se não tiver essa

adequação, ela não fica. E geralmente essas pessoas acabam sendo

demitidas pela própria equipe.” (Daniel Menin)

“Me destacar demais não me leva a lugar algum, eu não vou virar um

líder, um diretor. Então quando me destaco e saio da zona da

comunidade, eu começo a pensar mais em mim, no que eu estou fazendo

e aí deixo de fazer entrega e perco o senso de equipe, de comunidade, é

quando a pessoa é desligada.” (Luciana Santos Landin)

- Reconhecer e celebrar

Uma pessoa é reconhecida no Vagas com mais frequência quando ela

apresenta um comportamento mais participativo e extrovertido, levanta

“controvérsias” e quando visivelmente toma a frente dos projetos, do que

propriamente quando apresenta um desempenho, digamos, técnico, o que,

muitas vezes, dif iculta que os que apresentam comportamentos mais

tímidos sejam reconhecidos. E o reconhecimento f inanceiro só foi

mencionado para distinguir o Vagas de outras empresas do mercado, ou

seja, como uma explicação para um modelo que não reconhece o

desempenho com prêmios em dinheiro. No que se refere à celebração,

pouco apareceu dessa dinâmica em nossas conversas e, quando ela

apareceu, foi para refletir que as pessoas têm celebrado pouco.

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“As pessoas percebem quando você está a f im de fazer as coisas. Vejo

um problema, espera aí, vamos atrás, e isso fica muito claro, como não

tem hierarquia, a pessoa pode assumir o compromisso com o problema.

Se eu vejo um problema, eu posso tomar a frente e resolver, posso

levantar a lebre, e isso, eu acho, é muito bem visto.” (Wesley Barreto).

“Às vezes um cara como eu tem mais dif iculdade de fazer uma

apresentação, sou mais introspectivo, e talvez f ique mais escondido. Essa

questão da extroversão, do carisma, ter mais cara de pau mesmo para

expor sua ideia, não ter medo de ser rejeitado ajuda bastante.” (Alan

Barros)

“Tem gente que é mais quietinha, mas que a gente sabe que vai resolver o

meu problema. Tem muito isso, porque tem muito e-mail. Às vezes a

pessoa não fala bem, mas vai lá, te manda tudo e é super prestativa.

Acho que tem várias maneiras da pessoa conquistar a confiança da

comunidade, dando uma ideia bacana, não precisa falar muito, apenas a

chave da coisa, e acabou. Não tem o que discutir se faz todo o sentido do

mundo. Tem como conquistar o seu lugar, ser um ponto de referência

dessa forma também.” (Francielly Boni Alves)

“Tem gente que é melhor de argumentação e outras não são tão bem, tem

gente que tem mais experiência com um determinado assunto, onde se

destaca. Tem gente que é simplesmente uma pessoa legal, agradável.

Têm pessoas que é bom estarem na sala de reunião, porque são mais

concil iadoras, então têm várias maneiras de você se destacar. Têm alguns

que se destacam um pouco mais, mas é uma soma de coisas.” (Roni

Uliana)

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“A gente tem dif iculdade hoje em dia na Vagas de avaliar entregas. O

processo de avaliação avalia alguns eixos como Vivência da Cultura,

Visão de Negócio, Competência Técnica e Foco em Resultado. E

entregas, associadas a esse últ imo eixo, é um item que a gente não

conseguiu ainda avaliar direito, ou seja, é uma das pedras no nosso

sapato.” (Sidney Monreal)

“O reconhecimento que aparece tal como entendido pelo mercado tem que

vir do chefe, tem que vir de cima. E aqui não tem cima. Então tem que

nascer da própria equipe... Tem que ser autêntico, e ser autêntico

signif ica que é uma distorção fazer isso de forma estruturada.“ (Mario

Kaphan)

“Somos muito crít icos em relação ao que a gente faz e celebramos

pouco.” (Érica Isomura)

“Por mínimo que seja o resultado que a gente obtenha, a gente tem que

comemorar, senão a vida fica chata. Esses dias, uma pessoa da equipe, a

Ivana, conquistou um cliente de uma mensalidade alta, e foi um esforço

que ela fez, e ela se dedicou para aquilo. E ela me falou que tinha

conseguido e ia assinar contrato no dia seguinte. Trouxe um champanhe,

e falei: Gente, vamos tomar champanhe amanhã! E eu gosto disso.”

(Fernanda Diez)

- Coordenar

No Vagas, seguramente, é onde a palavra gestão aparece mais vezes.

Seja para explicar um modelo que abdica de chefes, seja para demonstrar

que existem várias formas de se fazer a coordenação das atividades, a

empresa parece respirar gestão. E essa coordenação é baseada na

construção permanente de consenso, o que signif ica que qualquer pessoa,

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a qualquer momento, pode tomar uma decisão sozinha baseada no

pressuposto do consenso, assim como questionar uma decisão tomada

por outra, mesmo que ela não seja especialista no assunto. Isso cria uma

complexidade a mais, que tanto pode fortalecer uma decisão, na medida

em que permite que muitos participem dela com diferentes perspectivas e

possibil idades, quanto enfraquecê-la, na medida em que o tempo que se

leva para chegar ao sonhado consenso nem sempre é visto por todos

como algo natural e aceitável. Qualquer que seja o caso, no entanto, as

pessoas dizem se sentir muito empoderadas na tomada de decisão. E

esse poder é visto por algumas pessoas entrelaçado com uma emoção

onde um se sente superior ao outro e que, para efeito de simplif icação,

estamos chamando de vaidade.

“O fato de você não ter um horário, não ter um chefe, o fato de ninguém

chegar para você e dizer ‘você tem que fazer isso’, te dá uma liberdade

tão grande, que você passa a ser incrivelmente mais responsável. Porque

se eu não tenho um horário, qual é o meu horário? Eu tenho que parar e

pensar qual é o meu horário, eu tenho responsabil idade de fazer meu

horário seja lá qual for. Se ninguém me der o que fazer, eu tenho

responsabil idade de ter o que fazer e que faça sentido dentro de um

ambiente, comunidade e objetivo.” (Fernanda Diez)

“Não ter chefe signif ica que você precisa ter maturidade para l idar com

seus colegas, para organizar sua agenda, para assumir suas tarefas, os

seus projetos. Não é a coisa mais simples do mundo, não é sempre às mil

maravilhas, e tem gente que não tem perfi l para isso.” (Laura Ammann)

“Você tem muita l iberdade com responsabil idade para entender como a

empresa funciona e a se intrometer em outras áreas.” (Francielly Boni

Alves)

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“Administrar, talvez, os egos de todos, acho que é a parte mais difíci l . A

gestão horizontal el imina a ´puxada de tapete` por que os cargos não

existem. Mas o que eu acho que não se observou ainda é que a

horizontalidade não acaba com a vaidade, que é uma coisa que todo

mundo tem, em menor ou maior grau.   É parte do ser humano e não pode

ser ignorada. Uma gestão diferente não tem esse poder para extinguir a

vaidade. A competição existe. Só acontece de uma forma que a gente

ainda não entende.” (Alan Barros)

“O jogo de poder claro que existe, são pessoas, o ego existe. Mas é com

certeza onde o jogo de poder é muito menor, é muito mais prazer de

construir uma coisa relevante de verdade. E tem pessoas que já

aprenderam de fato o prazer que é perder uma boa discussão. Aquela

coisa do: ‘Que legal, essa ideia é muito melhor que a minha!’ Esse

negócio da construção que é meio impossível num ambiente onde a

ascensão profissional é a ascensão da hierarquia, ascensão da profissão,

fazer cada vez mais. Então claro que tem, impossível não ter numa

comunidade humana essa coisa de poder. Mas ela é muito menor do que

num ambiente típico empresarial.” (Mario Kaphan)

“Acho que um dos aspectos fortes desse modelo de gestão é evitar uma

série de atritos que você tem em modelos hierárquicos, como sonegação

de informação, contratação de pessoas menos capazes para que não

ameacem a minha posição, que é um aspecto que gera muito atrito. Quem

trabalha em empresa grande percebe que essas ações atravancam muito

o dia-a-dia da empresa.” (Sidney Monreal)

“Mas acho que funciona porque todos caminham pelo mesmo objetivo,

então todos entram com um ideal de que tem que funcionar de alguma

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maneira, pode demorar algum tempo, mas estão todos com o mesmo

objetivo.” (Tatiane Neves)

“Na prática é um pouco complicado, são reuniões longas que muita gente

fala, mas na hora de fazer a coisa trava. É muito dono para pouca coisa,

então na distribuição de tarefas, a coisa dá uma travada.” (Nádia

Fuzinato)

Rituais – A Vagas Tecnologia é uma empresa com muitos rituais

presenciais, especialmente, reuniões – reuniões de áreas, de comitês, de

direcionadores estratégicos, de imersão de planejamento estratégico,

entre outras. Quando observamos esses rituais, tentamos identif icar

algum ritual que pudesse ser mais representativo do atrator e acabamos

por concluir que o que fortalece de fato a cultura de vivência de valores

comparti lhados não é um ritual em particular mas a forma como o conjunto

de reuniões da empresa está organizado em uma agenda pública para

todos os colaboradores, onde nos chamou a atenção o fato de que

nenhuma das reuniões regulares - em sua grande maioria, quinzenais -

acontece no mesmo horário que outra, de modo a que qualquer

colaborador possa participar de qualquer reunião, independentemente da

função ou tempo de casa. É esse modelo de participação l ivre e ativa de

todos que permite a vivência e o comparti lhamento de valores,

estabelecendo um novo papel para a área de Recursos Humanos que, ao

“perder” suas funções como gestora, opera de modo mais consult ivo e

menos controlador ou executor. Outro aspecto que nos chamou a atenção

foi, mesmo que praticamente todas as pessoas com as quais conversamos

reconheçam na figura do Mário Kaphan, co-fundador da empresa, a

referência principal do modelo de gestão e da vivência dos valores

comparti lhados, os rituais, na maior parte das vezes, acontecem sem a

presença dele.

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“O Mario, um dos sócio-fundadores, um dos responsáveis por gerar essa

cultura horizontal, e as pessoas passam por ele, envolvem ele nas

decisões, mas quando ele t ira férias, a empresa continua funcionando,

nada para, as coisas continuam 100%.” (Roni Uliana)

“Nós do RH acompanhamos todas as reuniões de gestão. Faz parte do

nosso escopo estar dentro de todas as reuniões.” (Érica Isomura)

“Se você não participa, você perde muito da essência da empresa, porque

é onde a gente vive a comunidade, é dentro dessas reuniões, é onde está

a diferença da Vagas para as outras empresas, se não participa disso,

não participa dessa experiência.” (Nádia Fuzinato)

Do que não se pode abrir mão - Ao refletirem desde uma pergunta que

encaminhamos, o que as pessoas escreveram que não se pode abrir mão,

de jeito algum, para que a empresa continue fluindo em coerência com o

seu bem-estar traz, mais uma vez, narrativas diferentes e que, se

desejarmos, podemos associar ao principal atrator identif icado para o

Vagas Tecnologia, a cultura baseada na vivência de valores

comparti lhados.

“O que deveria se mantido, a todo custo, é o propósito da empresa:

perseguir sua visão de mundo ideal ( ‘Pessoas escolhendo as melhores

empresas. Empresas escolhendo as melhores pessoas.’) sem nenhuma

cobrança de valor a candidatos. Um propósito nobre em busca de um

mundo melhor para todos de uma maneira justa e democrática.” (Daniel

Menin)

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“É uma empresa em que é permitido experimentar, errar e aprender com

os erros, e todos têm tudo a ver com isso. Pensei justamente em ‘alma’ da

empresa, algo l igado a valores, como o aspecto mais importante.” (Sylvia

Fernandes)

“Acredito que esse único aspecto que deveria ser mantido para garantir o

sucesso da VAGAS.com, na minha opinião, seria a gestão horizontal. Esta

já é uma marca registrada da empresa e responsável por grande parte de

sua visibi l idade. Além disso, o modelo propicia um ambiente de interação

e tomada de decisão que, apesar de ter seu lado negativo, funciona muito

bem com os colaboradores que trabalham na empresa.” (Laura Ammann)

“Do meu ponto de vista, se as pessoas não tiverem as competências e

valores corretos e não estiverem engajadas em fazer o melhor de si, não

existe o que se faça que impeça a situação de se deteriorar a longo

prazo... Esse foi o motivo de eu ter escolhido a VAGAS dentre outras

propostas (com salário maior e mais próximas de casa), al iás. Eu estava

cansada de trabalhar com pessoas que não acreditavam no que faziam e

não faziam o seu melhor.” (Débora Duarte)

“O aspecto que eu considero importante é a tomada de decisão em

conjunto, a controvérsia. São visões diferentes, porém com um mesmo

objetivo.” (Tatiane Neves)

 

“Acredito que o sucesso é o resultado de uma soma de fatores, alguns

que estão sob seu controle e outros totalmente fora de seu controle, mas

julgo ser muito importante um forte engajamento focado em um propósito

comum, que deve estar claro para todos, através da vivência de valores

comparti lhados.” (Sidney Monreal)

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“Antes, preciso qualif icar o que seria ‘sucesso da Vagas’. Vou considerar

que se trate de um ambiente de engajamento comum (e que colhe

resultados como consequência). Nesse caso, o que lutamos para

preservar é, desde sempre, um tal ‘ ‘espírito de empresa pequena’. E o

que seria intolerável? A constatação de um desalinhamento forte de

valores na equipe.” (Mario Kaphan)

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4.1.3. PROMON ENGENHARIA

Nome da Empresa: Grupo Promon S/A

Origem: Brasileira

Fundada: 1960

Empregados: 2.460

Ramo de Atividade: Infra Estrutura

Volume de Negócios: R$ 2,227 Bilhões (2013)

Atrator - Na Promon Engenharia, aparece como atrator potente a empresa

de engenharia ética e transparente, tema presente em muitas de nossas

conversas. A organização resultou de um processo que hoje se conhece

como management buyout , mas que à época era bastante incomum: Em

1970, o primeiro núcleo de funcionários da empresa adquiriu a totalidade

das ações originariamente de propriedade de duas outras empresas. Em

dezembro daquele mesmo ano, esse grupo de novos donos da

organização se reuniu em Campos de Jordão 6 para um seminário, de onde

saíram os princípios, crenças e valores que foram expressos na “Carta de

Campos de Jordão” e servem como guia para tudo o que é feito na

organização até hoje.

“A ética no trabalho realmente é uma coisa muito focada, pelo menos com

todos que trabalhei foi uma preocupação muito clara .” (Fabio Marzionna)

“Eu acho que a Promon contribui para a sociedade e para o país, para

fazê-los melhor.” (Fil ipe Olmos)

6 Campos do Jordão, c idade brasi le i ra, local izada no estado de São Paulo, com cerca de 50.000 habi tantes. Fica nas montanhas da Serra da Mant iqueira e é conhecida como uma cidade turíst ica cuja al ta temporada acontece no inverno ( ju lho e agosto) e recepciona um importante fest ival de cul tura.

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“Ela é uma empresa de engenharia, na sua essência original, hoje tem

outras empresas no grupo, mas se olhar hoje, onde estou inserida, acho

que ela sempre teve a preocupação de estar contribuindo para a

sociedade, seja na construção de negócios, na essência. Olhando para o

lado de fora, acho que esse sempre foi um ponto claro nosso, e com o

desenvolvimento dos profissionais dentro da empresa, dentro dos

princípios éticos, de transparência, de acreditar na empresa, desde que

eu entrei até hoje.” (Marta Galego)

“Os valores da empresa no sentido da busca da ética, da excelência, do

indivíduo no centro da estratégia, acho que isso foi muito bem construído

e está na essência do sucesso da empresa.” (Franco Ferraro)

“Uma das primeiras coisas com as quais eu tive contato na Promon foi a

festa de fim de ano e o discurso do então presidente que era o Tamas

Makray (um dos fundadores da empresa). A despeito de jovem, mas por

conta da minha formação famil iar, das coisas que eu acreditava, a gente

quando é mais jovem é um pouco idealista, mas eu tinha uma formação

dos meus pais de muita valorização da atitude correta, da ética, respeito

pelos outros, a educação desse jeito. E aquele discurso do Tamas

Makray, então presidente, que falava de valorização, do quanto o ser

humano era importante, o principal ativo da empresa eram as pessoas, e

coisas desse tipo, me chamaram muito a atenção.” (Moisés Falco)

“Tem uma questão que está na carta de Campos do Jordão, que a gente

acredita e prega muito aqui. É você transformar a sociedade de uma forma

responsável através de suas vivências aqui.” (Márcia Fernandes)

No operar como observadores, distinguimos que a emoção predominante,

nas relações entre as pessoas que fazem parte dessa rede de

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conversações fechada, é a que chamamos de amizade, como amigos que

se juntam para fazer algo importante juntos, honrando, de certa forma, a

origem da companhia, a ponto de eles atuarem como se fossem da mesma

turma - uma comunidade unida e longeva, onde se cresce (muitos

começaram como estagiários e permanecem na empresa depois de 10, 15,

20 anos). Embora um dos fundadores, Tamas Makray, já tenha se

afastado da empresa, ele ainda é reconhecido como aquele que inspirou o

atrator, e seu modelo de organização ética e participativa parece viver

nos testemunhos de todos com quem conversamos.

“A gente se formou baseado no conceito de comunidade, então é como se

a gente estivesse aqui, todos reunidos, todos acreditando no propósito da

empresa, e trabalhando para que esse propósito se realize. Sabendo que

se for realizado, isso vai gerar uma riqueza que vai ser repartida entre

todos.“ (Márcia Fernandes)

“Levo essas amizades para todos os lugares, a gente viaja junto o tempo

todo, sai, acho que isso deixa até o trabalho mais fácil, mais leve.”

(Mariana Tonidandel)

“Se você anda pelos corredores e conversa com as pessoas, as pessoas

sabem o teu nome, e isso é um diferencial que faz com que as pessoas se

sintam à vontade de continuar crescendo e fazendo parte dessa

organização.” (Marta Galego)

“A Promon é a expressão de seus profissionais. É o que está na essência

da nossa cultura. Acho que o que me l igou muito foi você conseguir ter o

seu projeto aliado aos projetos da empresa, e foi uma coisa que se

encaixou muito, e isso me conquistou muito cedo.” (Franco Ferraro)

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“A gente tem um ambiente em que as l ideranças procuram estimular a

troca, procuram estimular a passagem do conhecimento de um para o

outro, de uma experiência de um projeto para outro, para que o todo se

mantenha o melhor informado possível ou o melhor equipado possível

para os desafios técnicos gerenciais,” (Fábio Bittencourt)

“Como você tem pessoas que estão dentro da cultura por muito tempo,

isso vai ser passado para todos os novos da empresa, então é muito

nít ido pessoas que se identif icam mesmo com isso, elas passam a

desempenhar esse lado da cultura e passam para os próximos que vêm, e

isso acaba sendo uma coisa que quer queira quer não, é uma coisa que

vai sendo passada de uma geração para outra.” (Fabio Marzionna)

“Eu não observo que a Promon seja competit iva, formada por profissionais

que queiram ser competit ivos. Vejo mais pelo lado da colaboração mesmo,

de fazer junto, ao menos na realidade em que eu atuo.” (Fabiana Godioso)

“Um ambiente onde você compete, mas não compete com o outro, você

compete junto com o outro, porque a empresa é sua também.” (Fil ipe

Olmos)

“Uma coisa que me chama muito a atenção aqui é que todo mundo tem

espaço. A gente tem espaço para expor ideias, para debater, se unir com

outras ideias, eu acho que é a oportunidade, é uma palavra melhor. A

oportunidade de você fazer as coisas que você deseja, as suas

contribuições.” (Fabiana Godioso)

Narrativas - A principal narrativa que fortalece esse atrator começa a ser

construída na origem da empresa, quando surge o desejo por um fazer

diferente em um mercado historicamente reconhecido por uma prática não

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ética e que, por isso, se expressa por um compromisso muito forte com a

ética e transparência, que se tornaria possível na medida em que todos os

colaboradores pudessem atuar como verdadeiros donos da organização.

Surge então, como resposta, um modelo de organização para o qual não

existia similar no mercado naquela época, um modelo criado de dentro

para fora e que se material izou em um modelo acionário no qual qualquer

colaborador pode ser sócio da empresa, independentemente do tempo de

empresa, cargo, função ou nível hierárquico. Atualmente, 82% dos

funcionários escolheram, em algum momento de sua história com a

empresa, comprarem ações e se tornarem sócios. Em um depoimento

gravado para o acervo histórico, Tamas Makray, um dos fundadores da

Promon, se pergunta por que as pessoas escolhem participar do capital de

outra empresa e não daquela em que elas trabalham. Na Promon, não

obstante serem sócios, elas mantém também um vínculo laboral com a

organização. Se estabelecem aí dois domínios distintos que em alguns

momentos se entrelaçam, haja vista que não existe a possibil idade de ser

sócio sem que haja o vínculo laboral.

“É uma possibil idade de você voluntariamente participar do capital da

companhia, então se você tem um olhar de sócio, um senso de pertencer,

de que você está construindo aquilo, nós e os colegas da comunidade, é

para o bem comum e não estamos numa multinacional com um gringo ou

trabalhando com uma família ou com um dono, então, a gente se organiza

para trabalhar para nós mesmos e colher os frutos e definir os destinos da

companhia. Então acho que isso é um fator distinto da Promon na minha

visão.” (Fabio Bittencourt)

“E é um modelo onde você se sente dono e responsável por aquele

pedacinho do qual você contribui.” (Marta Galego)

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“O ambiente de modelo acionário permite que eu possa fazer mais. Acho

que o que cola é isso, é entender que estou numa empresa onde existe

l iberdade, e onde eu entendo que o que for desenhado, e que tiver de ser

trabalhado depende da gente. É realmente criar uma semente nas

pessoas que o protagonismo tem que ser real.” (Roberta Bonamigo)

“São papéis completamente diferentes, papel de acionista não tem nada a

ver com papel de funcionário e, no momento que você entra, você tem

acesso ao capital da empresa, que é uma participação completamente

voluntária, a gente não distribui ação para ninguém, na verdade o cara

olhando aquilo entende que a Promon é uma empresa bacana e quer

participar desse projeto também como acionista, e se a pessoa tiver uma

disciplina f inanceira legal, ela consegue construir um patrimônio

considerável.” (Fil ipe Olmos)

“E aqui não é uma empresa com atitude paternalista, ninguém aqui vai

lutar por você, eu RH não vou pegar na sua mão e dizer: ‘Olha Mário, tem

uma vaga aqui legal que acho que é ideal para o seu perfi l , ou tem aquele

treinamento que eu acho que você deve fazer’. A gente não faz isso.”

(Márcia Fernandes)

Fazeres - Quando observamos os fazeres na Promon, nossas abstrações

sobre o que vimos, escutamos e sentimos são:

- Conversar

Mesmo dotada de uma estrutura onde a hierarquia está presente,

percebemos uma cultura de democracia de ideias, onde todos podem

expressar l ivremente sua opinião. Escutamos que o falar se dá mais

naturalmente em pequenos grupos. Embora tenhamos escutado que em

nenhum fórum haja qualquer intimidação ou restrição a que as pessoas se

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expressem livremente, nas reuniões de grupos maiores as pessoas

parecem sentir-se menos à vontade, especialmente, para fazer

questionamentos, com uma preferência por evitar confl i tos, mesmo que

nas reuniões de grandes grupos existam mecanismos para aceitar

perguntas e questionamentos sem a obrigatoriedade de a pessoa que faz

a pergunta ou o questionamento se identif ique. Foi declarado em várias

conversas que a agenda dos principais executivos é totalmente aberta

para receber qualquer pessoa que deseje conversar com eles. Também a

cultura predominante possibil i ta a uma pessoa conversar com qualquer

outra sobre qualquer assunto no domínio do trabalho, sem a necessidade

de tri lhar o caminho da hierarquia. Conversar sobre as dif iculdades do

conversar não nos pareceu um tabu e, segundo o que escutamos, ajuda a

continuar evoluindo para conversas mais abertas e robustas.

“Temos por disciplina reuniões mensais onde a gente discute o andamento

dos projetos, casos de sucesso, as l ições aprendidas para a gente

disseminar, a introdução de uma nova ferramenta ou um novo processo ou

ajuste no processo.“ (Franco Ferraro)

“O diálogo é bastante incentivado, então se você quiser falar com o

presidente, você marca um horário e, dentro da possibil idade dele, ele vai

lhe atender. Se você mandar um e-mail para o presidente, ele responde.

Da mesma forma eu, que sou o diretor da área, não é nem por que me

mandaram fazer assim, mas culturalmente sou super acessível ao

estagiário que quer falar comigo, alguém que queira falar do

desenvolvimento da sua carreira, etc. Ele pode usar ou os programas

formais, mentoração por exemplo, ou informais, marca um horário comigo

e aí vamos discutir um pouco do interesse dele.” (Fabio Bittencourt)

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“Por mais que a empresa mostre a polít ica de portas abertas, quer ouvir a

opinião, tem pessoas que falam ‘não, não é possível, se eu tocar nesse

assunto corre o risco de eu ficar marcado’. Por mais que a empresa já

tente desmitif icar isso, isso é natural do ser humano.” (Fabio Marzionna)

“Acho que ainda tem um pouco de receio, de vergonha de falar e f icar

marcado. Mas aqueles que superam isso, vai tranquilo .” (Fabiana

Godioso)

“A gente gostaria de ter mais participação, o próprio modelo de empresa

pressupõe isso, que você sendo sócio, você participe das decisões, e a

gente tem várias formas para isso, mas a gente considera que tem um

espaço grande ainda para atingir uma participação maior e construir as

coisas de forma mais colaborativa. Então, eu diria para você que estamos

no meio do caminho.” (Fil ipe Olmos)

“Eu acho que tem um pouco do problema de fala, então a gente teve aqui

o ‘Encontrão’ e o presidente fala ‘alguma pergunta?’ Tudo bem, é o

presidente da empresa, mas pergunta! Eu sei que as pessoas têm

pergunta, eu sei quem tem pergunta, sei qual é a pergunta, mas a pessoa

não faz a pergunta.” (Mariana Tonidandel)

“O cara que levanta a mão lá na reunião de comunidade para fazer uma

pergunta, às vezes ele pergunta uma besteira, mas ele não recebe

chacota de quem está ali para responder. Ele é respeitado, ele é

respondido. Acho que isso é muito enraizado na nossa vida, as pessoas

são confiantes. Aqueles que são mais novos de empresa desconfiam, a

gente percebe. Mas logo eles estão ambientados também à cultura.”

(Márcia Fernandes)

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“Você sente um clima muito mais acalorado quando você vai falar lá com o

pessoal de produção, com o pessoal da operação, com o pessoal que está

vivendo aquilo todo dia. Quando você vai para um nível mais executivo,

eu entendo que os debates poderiam ser mais robustos, a gente brinca

que está faltando um pouco de diálogos mais robustos aqui, porque às

vezes é meio que um monólogo de cada diretor de unidade, fala o que tá

acontecendo na sua, acho que a nossa forma de cobrança também é uma

forma um pouco mais, não vou dizer que é leve, até por ter trabalhado em

construtora antes, por ter trabalhado em obra eu até vim com uma cultura

um pouco mais forte, eu entendo que existe a cobrança, mas ela é mais

suti l , os recados são dados com mais frequência, olha gente, nós estamos

cuidando disso, acho que é importante olhar aquilo, mas não é uma coisa

tão firme e direta, na operação eu sinto que isso acontece de uma forma

mais objetiva.” (Hélio Mazzil l i)

- Equivocar-se

Como empresa de construção civi l , o erro pode causar um problema

enorme. Mesmo assim, não escutamos nenhuma história de que um erro

tenha provocado a demissão de algum funcionário. Pelo contrário, eles

afirmam encarar os erros como lições aprendidas, o que é, inclusive, um

processo – “Lições Aprendidas” é um relatório que procura detalhar o

máximo de variáveis sobre um erro, de modo a criar conhecimento para

que as pessoas não repitam o mesmo erro. Por outro lado, algumas

pessoas também reclamaram que o receio de errar leva a um preciosismo

e um modo de atuar que busca o perfeccionismo, onde podem não caber

ideias que ainda não foram testadas, o que inibiria a manifestação de uma

cultura mais inovadora.

“A cultura do erro aqui é bem branda, não vejo como em outras empresas

o funcionário ser punido, é mais pelo caminho do diálogo, da orientação,

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aí criam-se mecanismos, a gente tem até eventos de controle mesmo por

conta de erros assim, l ições aprendidas.” (Fabiana Godioso)

“O erro aqui é natural, óbvio que ele tem um processo de l ição aprendida,

mas não é aquele negócio de que se você errar você está demitido. A

outra questão é a questão da qualidade do trabalho, então, não adianta

você ser faca nos dentes e vou ganhar o máximo mas vou deixar o cl iente

insatisfeito.” (Osvaldo Bernardo)

“Nunca presenciei uma questão de caça às bruxas “quem errou? Está

demitido! ’ Não, sempre foi mais de tentar resolver o problema o mais

rápido possível.” (Fabio Marzionna)

“Historicamente a gente foi pouco tolerante ao erro, por ser engenharia,

algo preciso: ‘Vamos calcular essa estrutura diferente para ver se a

estrutura vai parar ou se a fábrica não vai cair! ’ Errar vem junto com

inovar e a gente considera que inovação é muito importante para o nosso

negócio. Então não tem outra alternativa a não ser você criar uma cultura,

ou introduzir esses aspectos de tolerância dentro de l imites.” (Fil ipe

Olmos)

“Que tipo de erro a gente pode cometer numa engenharia, de uma ponte

por exemplo, é complicado. Então as pessoas tendem a ser muito

perfeccionistas e muito crít icas, então a crít ica às vezes atrapalha na

criação. Isso, eu diria, das coisas que eu tenho observado, que as

pessoas acabam se prendendo em deixar o negócio perfeito e o bonde

passou, agora não adianta mais, não adianta nem pegar um jatinho

supersônico que não vai alcançar o bonde.” (Roberta Bonamigo)

- Contratar e demitir

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Comportando-se como uma comunidade de amigos, a nós, pesquisadores,

pareceu que as pessoas com as quais conversamos na Promon vivem uma

situação semelhante à vivida pelas pessoas com as quais conversamos no

Vagas: dif iculdade de encontrar a pessoa com o perfi l certo para atuar

numa empresa que opera na expectativa de que todos sejam

protagonistas; uma carreira que, mesmo com alguma mobil idade – o que o

Vagas não possui – pode não se desenvolver tão rapidamente e isso é

potencial gerador de insatisfação e frustração; e, na hora de demitir

alguém, como as pessoas convivem por muito tempo, os relatos são de

dor e sofrimento para a comunidade. Nesse domínio específico, a Promon

vive uma situação bem distinta à relatada na Vagas: as demissões se dão

na hierarquia e não são um processo de time, e mesmo o líder precisa

justif icar para RH as razões pelas quais ele deseja demitir um funcionário;

e, com uma crise forte no mercado de construção civi l , a empresa vem

diminuindo seu quadro de funcionários porque os projetos existentes não

permitem, segundo escutamos, que todos permaneçam ocupados.

“A gente também contrata profissionais com uma boa experiência, então

é obvio que no começo há uma certa estranheza, têm profissionais que

até não se adaptam e acabam saindo, não se sentem muito confortáveis,

às vezes o cara quer tr i lhar uma trajetória de uma forma muito mais

abrupta, tentando ter uma atenção mais diferenciada e especial para

chegar lá e isso acaba não funcionando muito bem nesse modelo.”

(Moisés Falco)

“Tem gente que vem numa primeira vinda bastante idealizada, mas

aquelas pessoas que não comparti lham aqueles valores mais intrínsecos,

elas não ficam aqui mais que dois anos.” (Patrícia Sibineli)

“O negócio da engenharia está em crise e estamos num processo de

downsizing (redução do quadro de pessoal). E aí são aquelas escolhas de

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Sofia, eu tenho 4 ótimos profissionais, eu preciso ter 2 na equipe, não tem

muita salvação a não ser fazer a melhor escolha possível, e reconhecer

que você vai ter uma perda.” (Fil ipe Olmos)

“Não tem como, pois, os salários são altos e se o profissional não está

alocado num projeto, não é um custo direto, não está sendo pago por

algum projeto, é muito difíci l que você consiga segurar ele aqui por muito

tempo.” (Márcia Fernandes)

“Em situações que é por deficiência no desempenho, tem que ter

justif icativa, não pode ser arbitrário - ‘não gostei do cara, vou mandar

embora’. Para fazer o desligamento, assim, como eu tenho que l igar para

o meu coordenador e falar ‘não dá para trabalhar mais com ele’, ele

também vai ter que justif icar no RH a decisão.” (Fabio Marzionna)

“Como são pessoas que têm muito tempo de empresa, você tem uma

interação, por mais que seja uma pessoa que não esteja performando

como deveria, é uma pessoa que você conhece, conhece a família,

conviveu muitos anos. Quando você tem uma equipe, você tem um tempo

maior com ela, eu sinto que é brigar com seu fi lho, entendeu? Bem

doloroso, um processo na maior parte das vezes doloroso.” (Mariana

Tonidandel)

“A média de convivência aqui é grande, então a hora que você tem que

fazer um desligamento, como eu digo, qualquer um de nós, que tem um

grande tempo de convivência, é doído, mas eu acho que nesse momento

não tem outra saída.” (Marta Galego)

- Reconhecer e celebrar

Para que um funcionário se destaque na Promon, primeiro ele precisa

mostrar que é bom tecnicamente. Foi isso o que escutamos na maior parte

das conversas que tivemos. Também escutamos que aquele que toma a

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iniciativa e vai além do que lhe é solicitado é bem valorizado, o que nos

faz crer que o reconhecimento é uma combinação entre um desempenho

mais técnico e o aspecto comportamental daquele que toma a iniciativa. E

o reconhecimento é mais valorizado quando vem na forma de novos

desafios do que quando é meramente monetário.

“Então se você é bom no que faz, você vai ter mais chances, mais

oportunidades. E tem o perfi l seu de galgar, ir atrás das coisas, que tem

muito esse lado do protagonismo também. Acaba sendo uma junção das

duas coisas.” (Fabiana Godioso)

“Você tem o reconhecimento f inanceiro nas próprias avaliações de

desempenho, cada ano tem um ciclo, é um processo muito bem

estruturado e bacana. E o reconhecimento que é mais informal dos seus

colegas, e tem o que, na minha opinião, é a melhor forma de

reconhecimento: ‘Olha. você conseguiu fazer isso, toma aqui uma coisa

mais difíci l para você fazer’. Para mim isso funciona muito bem. É o tempo

todo você ser desafiado... Claro que têm graus de maturidade diferentes,

mas talvez o principal reconhecimento para mim seja esse: ‘Toma um

pouco mais de espaço, toma um pouco mais de desafio’.” (Fil ipe Olmos)

“O reconhecimento vem através de convites para participar desses

projetos estratégicos, uma série de coisas, ou de coordenar algum projeto

estratégico na engenharia, assumindo responsabil idades dentro da sua

disciplina.” (Fabiana Godioso)

“E elas são reconhecidas com mais responsabil idade, mais desafios. A

gente não é uma empresa que trabalha com recompensa, pensando em

reconhecimento-recompensa. Tentando colocar de forma diferente, a

gente tem o PLR (Participação nos Lucros e Resultados), o modelo

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acionário, que é igual para todos, a rentabil idade está lá para o acionista.

O PLR é o que vai diferenciar o profissional, então acaba sendo isso e

responsabil idades e projetos.” (Roberta Bonamigo)

“E também você tem a oportunidade de participar da PEPSA, que controla

51% do capital, em função do seu desempenho, da importância, daquilo

que você conquista e que você pode contribuir para a empresa, então é

mérito puro. Não existe reconhecimento associado à amizade, está

associado ao mérito e desempenho, capacidade de entrega,

comprometimento com a empresa e com os resultados.” (Franco Ferraro)

“Eu acho que é uma organização bastante meritocrática, sem que tenha

se criado um ambiente competit ivo nocivo, como se vê em muitas

organizações em que os sistemas de incentivos estimulam cada um a

atropelar o outro.” (Luiz Fernando Rudge)

“O sistema de bônus é único para toda a organização, a sistemática de

atribuição que se aplica a mim é a mesma que se aplica à copeira. O

sistema de avaliação evidentemente pondera as funções,

responsabil idades e o impacto de cada um nos resultados, mas a

sistemática de distribuição segue a mesma lógica e é comunicada de

forma transparente.” (Luiz Fernando Rudge)

- Coordenar

A Promon tem um modelo de gestão bastante particular, na medida em

que coordena suas atividades num ambiente onde muitos se sentem

empoderados a tomar decisões, mesmo na presença de uma estrutura

hierarquizada. Pelo que escutamos, isso ocorre porque a base do

processo decisório é o consenso e não a posição da pessoa na hierarquia.

Essa complexidade, a exemplo do que observamos ocorrer no Vagas,

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também é gerador de uma maior dif iculdade na tonada de decisão, que

nem sempre ocorre no tempo desejado. Por outro lado, essa forma de

operar nos parece coerente com o atrator e, especialmente, com o modelo

acionário escolhido, que se baseia no compromisso efetivo de todos com

a coordenação das atividades necessárias à consecução dos objetivos da

organização.

“As pessoas têm a sua missão, não é por tarefa, é por missão, então as

pessoas têm o seu tempo para tomar um café, conversar, tempo para

executar suas tarefas, seus objetivos e isso faz um ambiente agradável

para se trabalhar.” (Franco Ferraro)

“Eu gosto da Promon porque você nunca escuta um não. Se você quiser

fazer acontecer, você faz. Dif ici lmente você também escuta um sim, o que

é ruim, f ica um problema de posicionamento rápido da l iderança.... Como

a empresa é de todos, às vezes acho que pode ficar mais difíci l a tomada

de decisão por todos.” (Mariana Tonidandel)

“Se a gente pegar o modelo acionário, a gente está falando de uma gestão

participativa, e quando muitos participam a gente tende a demorar mais a

tomar decisões. E isso a gente vai encontrar em todos os níveis. Por

exemplo, é difíci l a gente saber de alguma alteração em qualquer coisa,

um processo de Rh, um formulário, que aquela equipe não tenha

conhecimento, de alguma maneira, até o mais júnior sabe o que está

acontecendo. E a gente tem muitos momentos de promoção de

conhecimento, comparti lhar, reunião de equipe, discussão por e-mail.”

(Roberto Bonamigo)

“O elemento da essência da nossa cultura é o consenso, então as

decisões são tomadas por consenso, e ele toma um pouco mais de tempo.

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A gente tem como característica e é a partir disso que a gente constrói a

nossa história, eu diria que outros aspectos importantes como o risco,

como não somos uma empresa de capital intensivo, é importante ter uma

boa gestão relativo ao patrimônio. O consenso, ele é fundamental com

essa questão, por um lado ele traz certa lentidão, mas por outro a certeza

de boas decisões, que a direção está correta.” (Franco Ferraro)

“Todas as pessoas são estimuladas a participar da gestão de uma forma

geral, se colocando como se fossem proprietários, sentindo como se

fossem os donos da organização... E aí você tem o elo, que é a

construção conjunta, você trabalhar para um bem comum sabendo que se

você atingir um determinado resultado, esse resultado vai retornar para

você ou sob a forma de dividendos ou melhorando o seu patrimônio, então

você tem o compromisso diferente.” (Márcia Fernandes)

Rituais - De duas a três vezes por ano, todos os funcionários são

convidados a conhecer os resultados atingidos pela empresa no período e

conversar sobre os planos para o futuro em um ritual conhecido como

“Encontrão”. Mas o que parece ser um ritual central para que o atrator

permaneça vivo na organização é a Carta de Campos de Jordão que,

mesmo que permaneça inalterada desde que foi elaborada em dezembro

de 1970, é debatida de tempos em tempos por um grupo representativo da

empresa que se reúne justamente na cidade de Campos de Jordão,

também é uti l izada no processo de contratação de novos funcionários e

como guia vivo da cultura nas ações e interações entre as pessoas dentro

e fora da organização.

“A gente tem sim alguns enunciados, algumas declarações que norteiam a

história da companhia desde a sua fundação, toda forma criada em torno

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de comunidade, de sucessão, de modelo de propriedade e de alguns

valores que não abre mão.” (Fabio Bittencourt)

“A carta de Campos do Jordão é um documento que foi escrito em 1970 e

é um enunciado das nossas crenças. São oito itens que constam lá, ela é

revisitada sempre em eventos que a gente faz, mas ela nunca precisou

ser atualizada, porque os enunciados são bem modernos, ainda

transmitem uma preocupação humana bastante grande. Coisas que as

empresas vêm falando, começam a falar agora, a gente já tem desde

1970. Então ela nunca foi reeditada, mas a gente revisita sempre...Não

existe um aspecto formal, a gente está sempre olhando porque usa muito

essa carta, quase que a nossa bíblia aqui...Quase como um ritual, está

presente desde o momento que a gente está recrutando o funcionário,

presente nas nossas conversas, porque alia as pessoas...Quando a gente

recebe um novo funcionário, a gente martela a carta, é quase que um

instrumento de catequese, de transmissão de cultura.” (Márcia Fernandes)

“Porque as pessoas ficam aqui por muito tempo, independente do que é o

dia a dia e você tem sapo para engolir, muito sapo, mas é essa questão

daquela carta que tem valores tão apaixonantes que você acaba ficando

aqui até mais tempo do que seria o recomendável pelos RH’s do mundo.”

(Patrícia Sibineli)

Do que não se pode abrir mão - Ao refletirem desde uma pergunta que

encaminhamos, o que as pessoas escreveram que não se pode abrir mão,

de jeito algum, para que a empresa continue fluindo em coerência com o

seu bem-estar traz, mais uma vez, narrativas diferentes e que, se

desejarmos, podemos associar ao principal atrator identif icado para a

Promon Engenharia como uma cultura baseada na ética e transparência.

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“A sua cultura e os seus valores teriam de ser mantidos. Os mesmos

foram mantidos da sua fundação até hoje e é o que fez com que a

empresa chegasse até aqui. São a essência da Promon e o que faz ela

ser Promon.” (Fabio Marzionna)

“Manter-se como uma comunidade de profissionais, que comparti lha as

estratégias e os resultados. O elemento humano e sua realização plena

como principal objetivo da existência da empresa. Os resultados

alcançados serão meios para que este objetivo seja alcançado.” (Moisés

Falco)

“A Cultura atual – aconteça o que acontecer no futuro, acho que

deveríamos manter vivos os direcionadores de nossa cultura:

transparência, comunicação aberta e franca, decisão por consenso, ética

nos negócios e espírito inovador e de vanguarda.” (Márcia Fernandes)

“O que considero que deveria ser mantido é a capacidade de apreender e

de se reinventar que a Promon desenvolveu ao longo de sua história.

Claro que essa capacidade é consequência das duas colunas

fundamentais: Cultura - Ética, Busca da Excelência, Visão de

Comunidade, Meritocracia -  e Conhecimento.” (Franco Ferraro)

“O Senso de Pertencer, na minha opinião, esse é um dos pilares - o mais

importante -, pois o profissional tem que acreditar e sentir para fazer o

melhor do seu trabalho.” (Osvaldo Bernardo)

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4.1.4. QUADRO RESUMO COMPARATIVO

Esse quadro que denominamos de QUADRO RESUMO COMPARATIVO

tem como propósito possibil i tar um olhar de forma simplif icada a respeito

do trabalho e o termo “comparativo” está empregado nesse sentido. Esse

quadro não se presta a fazer qualquer outra distinção, mais

especif icamente, não se presta a valorar esse ou aquele item de qualquer

das empresas como melhor ou pior.

Magazine Luiza Vagas Promon

Atrator Cultura famil iar Vivência de

valores

comparti lhados

Cultivo da ética

e da

transparência

Narrativas Cuidar das

pessoas (viver e

conviver em

família)

Modelo de

gestão

comparti lhada

(comunidade em

torno de um

ideal)

Modelo

societário

participativo e

relações de

amizade

- Conversar Profusão de

canais de

comunicação

Preferência pelo

confronto

(“controvérsia”)

Hierarquia não é

obstáculo para

conversar.

Aparece a

dif iculdade de

expor-se em

grupos grandes.

- Equivocar-se Distinção entre

erro honesto

(natural) e erro

Errar é visto

como natural;

dif iculdade de

Errar é visto

como natural;

preciosismo

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desonesto

(traição

consciente)

aceitar a crít ica pode dif icultar a

inovação

- Contratar Perfi l de

vendedor

Modelo de

gestão

horizontal é

atrator, mas

gera confusão

Dificuldade de

identif icar

protagonistas

- Demitir Faz parte do

negócio (baixo

desempenho);

erro desonesto

não tem perdão

Demissão por

comportamento;

processo de

decisão coletivo,

longo e doloroso

para a

comunidade

Demissão por

desempenho e

em situação de

crise; processo

de decisão

hierarquizado e

doloroso para a

comunidade

- Reconhecer Foco nos

resultados; das

várias formas de

recompensa, a

mais valorizada é

a emocional

(“funcionário

destaque”)

Foco no

comportamento

ativamente

participativo e

no

reconhecimento

por parte do

time

Foco no lado

técnico e no

comportamento

protagonista;

recompensa

mais valorizada

na forma de

novos desafios

- Celebrar Cria várias

oportunidades,

em grupos

grandes e

pequenos

Consciência de

que é

importante, mas

se celebra pouco

Esse fazer

pouco apareceu

nas conversas; é

mais informal do

que formal

- Coordenar Liberdade Gestão Gestão

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acompanhada

para maior

agil idade;

Conselho de

Colaboradores

participativa em

times e entre

t imes; decisão

por consenso

com base em

“controvérsias”;

lentidão na

decisão

participativa em

times; decisão

por consenso via

articulação de

ideias, lentidão

na decisão

- Rituais Rito de

Comunhão

(obrigação de

participar)

Agenda pública

aberta a todos

os funcionários

(participação

valorizada)

Carta de

Campos de

Jordão (marco

referencial

potente)

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5. CONCLUSÕES FINAIS

5.1. Conclusões em relação ao problema

Nossa principal motivação para a realização da presente investigação foi

a observação do mal-estar no qual muitas organizações e, especialmente,

as pessoas que trabalham nelas parecem estar mergulhadas. Desde

nosso operar como observadores das organizações como consultores e

executivos, vemos como geradores de dor e sofrimento:

1. A busca de soluções transcendentes para atender as expectativas

dos diferentes stakeholders ou partes interessadas;

2. A preferência por soluções de curto prazo, na expectativa da

produção de efeito imediato;

3. A aceitação da pressão pelo crescimento acelerado “custe o que

custar”.

Nossa hipótese é que, ao se conservarem, esses elementos levam à perda

da originalidade, a desqualif icação de si e do outro, ao aumento da

burocratização e à consequente perda de autonomia, da essência dos

rituais e das narrativas históricas, o que, em últ ima instância, gera dor e

sofrimento.

Nos perguntávamos o que se passaria diferente em organizações

consideradas pelos próprios empregados como ótimas empresas para

trabalhar, isto é, em redes de conversações fechadas onde não se

observa a dor e a o sofrimento como estados predominantes. E os

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aspectos comuns que encontramos nas três organizações investigadas

comprova nossas suspeitas:

1. As soluções para atender as expectativas dos diferentes

stakeholders ou partes interessadas são imanentes, no sentido de

se originarem desde as próprias coerências da organização,

expressando-se por meio de um atrator que emerge em sua origem e

se conserva por meio de rituais e narrativas;

2. Os resultados econômico-financeiros e o crescimento da

organização são entendidos como consequência natural e desejada

da conservação de seu atrator – e esta conservação surge como

inegociável, inclusive, frente a pressões externas de curto prazo;

5.2. Conclusões em relação ao objetivo geral

Os resultados obtidos e as análises realizadas a partir das conversas com

as pessoas das três organizações investigadas demonstraram ser possível

estabelecer elementos que se conservam na história de transformações

das dinâmicas organizacionais, de modo que, segundo as premissas

desse trabalho, possamos dizer que essas empresas são bem-sucedidas.

Mais do que isso, ao nos perguntarmos sobre os elementos diferenciais e

as emoções que se conservam nas redes de conversações das

organizações investigadas e ao realizarmos nossas abstrações sobre o

viver cotidiano das pessoas nessas organizações, desde as conversas

que mantivemos com elas e alguns rituais que observamos, acabamos por

distinguir dois conjuntos de elementos:

1. Elementos comuns às três organizações

2. Elementos distintos nas três organizações

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5.3. Conclusões em relação aos objetivos específicos

O principal elemento comum que emergiu nas três organizações foi o que

a nós pareceu um modelo epistemológico para investigar a coerência de

uma organização ao fazer a pergunta que nós fizemos, desde o nosso

entendimento de que um modelo epistemológico se constitui em um

conjunto de lentes que uma pessoa pode fazer uso para observar

determinadas dinâmicas e realizar abstrações a partir delas.

Esse modelo epistemológico proposto é composto por quatro domínios

interconectados:

- O domínio do atrator

- O domínio da narrativa

- O domínio do fazer

- O domínio do ritual

Quando estamos dizendo atrator, o que queremos dizer?

O atrator é o elemento que atrai as pessoas para participar de uma

determinada rede fechada de conversações, funcionando como se fosse

uma espécie de polo magnético, um tema comum naquela rede fechada de

conversações. Nesse aspecto, ele surge em nossa distinção como um

elemento central que se conserva. O atrator, no entanto, não é em si, mas

uma abstração feita a partir dos três outros elementos. Isso quer dizer

que, para identif icar o que emergiu em nossas abstrações sobre as

coerências do viver e conviver das pessoas em cada organização como

principal atrator, buscamos algo que poderia estar presente nos outros

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três domínios. E quando fizemos a pergunta sobre o propósito da

empresa, para que ela existe, provocamos uma conversa sobre o atrator.

Quando dizemos narrativa, o que queremos dizer?

A narrativa é a história ou o conjunto de histórias contadas sobre a

organização desde as coerências do viver cotidiano de quem se relaciona

com ela, ou seja, desde como cada um vive sua história com a

organização. Mesmo que haja muitas narrativas sobre a organização, o

atrator é o elemento comum a elas, sendo a narrativa o que dá vida ao

atrator, sem necessariamente falar sobre ele objetivamente. O atrator,

portanto, é uma abstração da narrativa quando nos perguntamos sobre do

que se trata a história contada por meio dela.

Quando dizemos fazer, o que queremos dizer?

O fazer é a forma como o atrator pode ser observado no cotidiano das

pessoas em seu viver e conviver no domínio da empresa quando nos

perguntamos sobre o que fazem e como fazem o que fazem.

Quando queremos dizer ritual, o que queremos dizer?

O ritual é um tipo específico de fazer que acontece recursivamente no

tempo, de modo a provocar que um determinado fazer ou conjunto de

fazeres seja conservado ao longo da ontogenia de uma empresa,

ontogenia aqui entendida como a história das mudanças estruturais de

uma empresa ao redor de algo que se conserva e sem que haja perda da

organização que permite sua existência.

Uti l izar esses quatro domínios para observar as organizações

investigadas nos permitiu atender a nosso objetivo específico de

identif icar os elementos comuns que se conservam nas redes de

conversações investigadas. Mais do que isso, também nos permitiu

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afirmar que, ao se conservar ao longo da história de transformação das

dinâmicas relacionais das pessoas daquela organização, tais elementos

contribuem para que essa organização possa ser descrita como uma

organização bem-sucedida a partir dos critérios estabelecidos para essa

conceituação.

Quando aplicamos essa proposta de modelo epistemológico no processo

de refletir sobre cada caso, buscando endereçar o objetivo específico de

desenvolver um modelo de reflexão-ação que sirva de fonte de inspiração

a outras organizações em sua história de transformações na direção de

um modelo operacional-relacional mais congruente com seu próprio viver,

ou seja, em harmonia com a conservação de seu bem-estar, também

identif icamos um modo de viver e conviver distinto das pessoas em cada

uma das empresas. Mais do que isso, encontramos um modo de viver e

conviver em cada organização distinto desde as coerências do viver de

cada pessoa com a qual conversamos. Isso não quer dizer que não se

possa abstrair padrões – cujo propósito é possibil i tar um estímulo à

reflexão e não propor uma realidade transcendente – sobre essas

coerências, o que fizemos e iremos apresentar a seguir. Quer dizer

apenas que cada um vive o que vive desde seus próprios critérios de

validação. Quer dizer também que cada um é atraído, se conecta e se

mantém numa determinada rede fechada de conversações desde sua

própria forma de viver essa experiência, ou seja, a partir do emocionar

desencadeado pelos atratores, pelas narrativas, pelos fazeres e pelos

rituais que um observador pode distinguir nessa rede. Se a emoção que o

observador distingue, distingue como bem-estar, as pessoas que fazem

parte das redes de conversações que constituem a empresa continuam se

transformando juntas. Se a emoção que o observador distingue, distingue

como mal-estar, abre-se espaço para que apareçam a dor e o sofrimento

que, mesmo vividos distintamente por cada um, desencadeiam a

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separação da pessoa que vive esse emocionar da rede fechada de

conversações que constituem a empresa.

Em resumo, se um observador pudesse olhar o sistema a uma certa

distância, poderia distinguir três elementos que surgem entrelaçados e

são comuns nas organizações investigadas:

- O modelo epistemológico com os quatro domínios (O atrator, a

narrativa, os fazeres e os rituais)

- O atrator como elemento comum presente nos quatro domínios

distinguidos no modelo epistemológico

- E a forma única como cada pessoa vive os quatro domínios

5.4. Conclusões em relação ao Marco Referencial

Em nosso planejamento inicial, pretendíamos usar teorias, l inhas de

pensamento e reflexões propostas por outros autores em nosso esquema

de análise, mais especif icamente teorias mercadológicas, métricas de

sucesso, l inhas de pensamento a respeito de cultura organizacional e

técnicas e esti los de l iderança.

Também partimos com a ideia de fazer um estudo comparativo entre um

grupo que, então, denominamos de empresas bem-sucedidas e outro

grupo que, no mesmo momento, denominamos de empresas malsucedidas.

No entanto, no próprio processo do fazer, acabamos por seguir um outro

caminho. E quando refletimos sobre o que teria acontecido para que isso

ocorresse, percebemos que o novo caminho foi fruto do próprio processo

de transformação que vivemos ao longo do mestrado. Como parte dessa

transformação, e que foi determinante na construção do novo marco

metodológico, destacamos o fato de que, ao nos darmos conta de que

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tudo o que é dito é dito por um observador e que, portanto, não podemos

falar de uma realidade independente, explicar as coerências do viver das

pessoas com as quais conversamos pelas teorias inicialmente destacadas

não fazia mais sentido para nós no âmbito da Biologia-Cultural. Por esse

motivo, abandonamos a ideia de trazer a contribuição de outros autores e

mergulhamos em conversas reflexivas, em um fluir recursivo, sobre o

próprio processo da investigação, criando-o e recriando-o enquanto ele

ocorria. Então, a descrição da metodologia empregada é a posteriori e

ocorre a partir de uma meta-reflexão baseada nas coerências do próprio

viver dos pesquisadores.

5.5. Outras conclusões

Nossas conclusões são o resultado do processo do conversar que se

estabeleceu entre nós mesmos, pesquisadores, e alimentado pelas

conversas que tivemos com as pessoas que trabalham nas organizações

investigadas, nos materiais a que tivemos acesso e nos rituais

organizacionais dos quais participamos e de onde também pudemos tomar

anotações, desde o nosso observar e o emocionar gerado em nossa

interação com o outro.

O fato de termos escolhido realizar esse processo de investigação a três,

a despeito de ampliar o grau de complexidade do trabalho, na medida em

que nem sempre nos sentíamos escutados, nos permitiu, na maior parte

das entrevistas, estarmos em, pelo menos, dois pesquisadores – para

algumas entrevistas também pudemos contar com a ajuda de Larissa

Campos, que trabalha como assistente pessoal de um dos pesquisadores -

e, a cada etapa do trabalho, quando nos reunimos, as conversas entre nós

nos permitiram ver coisas que não havíamos visto no momento anterior.

Entre elas, a percepção de que, muito além de responder à questão que

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nos motivou a realizar a investigação, nós nos descobrimos às voltas com

o que denominamos de meta-tese, que emergiu de nosso refletir conjunto

sobre o processo de investigação que foi sendo construído durante o

próprio processo de investigação. Esta que chamamos de meta-tese

talvez pudéssemos dizer que acabou sendo construída do fim para o

começo, na medida em que só percebemos o que havíamos feito após

termos feito. E, mesmo entendendo que a descrição da experiência não

pertence ao mesmo domínio de coerências da experiência que

pretendermos descrever, ao refletirmos sobre essa experiência,

descobrimos que nossa meta-tese procurava responder o que aconteceria

se as pessoas entrevistadas deixassem de ser vistas como objetos de

pesquisa ou mesmo como alguém que é entrevistado, e sim como pessoas

com as quais conversamos sobre as coerências do viver e conviver desde

o domínio de uma investigação que se propõe a perguntar sobre as

coerências do viver e conviver em determinadas redes fechadas de

conversações. E, quando, de repente nós nos percebemos na transição do

espaço emocional investigador-investigado para o espaço emocional

pessoa-pessoa, e mais, para o espaço emocional observador-observador,

concluímos que a fronteira entre os dois lados havia se afinado de tal

modo que passamos a reconhecer no outro também o investigador que se

pergunta pelos elementos diferenciais e pelas emoções que se conservam

nas redes de conversações de organizações bem-sucedidas e, ao fazer

isso, realiza o outro também o processo de investigação, com a distinção

de que o faz desde um espaço emocional distinto do nosso na medida em

que não tem acesso às informações que tivemos nem vive a dinâmica do

mestrado. Por esse motivo, optamos por identif icar esses 49 outros que

se juntaram a nós como co-pesquisadores.

Esse processo de co-investigação, no entanto, só ocorre quando o outro

aceita o convite. Assim como nós nos fizemos o convite para realizar essa

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investigação, o outro também precisa aceitá-lo, o que nem sempre ocorreu

e pode ser observado em distintas fases da investigação, desde o convite

inicial, quando algumas empresas responderam negativamente ao nosso

convite para participação na pesquisa. De fato, algumas empresas não

responderam ao convite, enquanto outras o recusaram por meio de um e-

mail. Nossas inferências sobre essas recusas são puras inferências e, em

nossa avaliação, não contribuem para a realização de nossas intenções,

sejam as intenções iniciais, com a tese, sejam a posteriori, com a meta-

tese. Orientamos nossa preferência de observação para o que aconteceu

quando o convite foi aceito a cada momento, porque, desde esse domínio,

podemos falar como observadores de nossas interações recursivas com

as pessoas das organizações que aceitaram o convite e conversaram

conosco em distintos momentos e por meio de diversas formas.

Depois de fazer uma primeira seleção da amostra usando os critérios de

validação descritos no item CRITÉRIO, f izemos contato com uma pessoa

da área de Recursos Humanos de cada uma das organizações enviando

uma mensagem por e-mail convidando à participação em nossa

investigação e anexando a pré-tese que havíamos desenvolvido, de

maneira a que nosso interlocutor t ivesse um primeiro entendimento de

nossas intenções e as implicações no caso do aceite em termos de

disponibil idade de tempo e abertura para a realização de conversas no

âmbito do que estávamos propondo. Em duas das organizações que

aceitaram o convite, a pessoa que contatamos inicialmente nenhum de

nós, pesquisadores, conhecíamos diretamente e, portanto, somente em

uma das organizações um de nós conhecia a pessoa a ser contatada. Nas

três empresas, observamos a mesma disposição em nos ajudar, de

maneira a que pudéssemos ter nossas conversas com o público desejado,

bem como acessar dados internos da empresa que considerássemos

necessários à execução de nosso trabalho. Acreditamos que a qualidade

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do contato inicial foi muito importante para que isso se desse dessa

forma. No entanto, nos pareceu que o fator determinante foi, justamente,

o fato de, em nenhum momento, seja por inexperiência no fazer de

investigadores, seja pela forma como vivemos a investigação, termos feito

o que fizemos desde um espaço que aceitasse a existência de uma

realidade transcendente. Pelo contrário, ao reconhecermos que tudo o que

é dito é dito por um observador e que, portanto, não se pode falar de uma

realidade independente, abandonamos o caminho em que o investigador

se coloca separado do objeto investigado e nos permitirmos nos

coordenarmos desde um espaço emocional onde cada um de nós,

incluindo cada uma das pessoas da organização com quem conversamos,

pudesse emergir como legítimo outro, o que, ao observar a posteriori o

que se deu, nos colocou bastante próximos às pessoas.

Como dissemos, essa reflexão acontece a posteriori e é baseada tanto na

leitura das transcrições das entrevistas quanto nas conversas que

realizamos entre nós, pesquisadores, sobre as emoções que percebemos

em nós durante as conversas com as pessoas nas organizações, bem

como, em alguns casos, por meio do feedback que recebemos dessas

mesmas pessoas. I lustramos essa percepção sobre a construção de

vínculos entre nós e algumas das pessoas das organizações investigadas,

com o testemunho espontâneo enviado em um e-mail por Tiago Augusto

dos Santos, colaborador da Magazine Luiza que foi escalado para nos

ajudar a organizar a investigação nessa empresa: “Faço um

agradecimento especial à Larissa e ao Mauro, que encantaram a todos os

colaboradores com quem conversaram. Inclusive a Telma e o Marcelo me

devolveram que gostaram bastante das conversas que tiveram.” No caso

do Marcelo citado por Tiago – Marcelo Silva, CEO da empresa -, a

conversa foi muito além do tema da tese e explorou a importância do pai

dele como modelo para sua forma de l iderar a empresa. Mais para a

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frente, iríamos descobrir que a relevância da família nessa conversa não

era tr ivial, o que talvez não aparecesse se nos ativéssemos

exclusivamente ao questionário-base. Na presença da emoção do amar –

o amar entendido como uma dinâmica relacional onde quem dela faz parte

emerge como uma pessoa legítima -, as conversas simplesmente f luíram,

seja de maneira próxima ao plano inicial ou, como no caso de Marcelo e

de outras pessoas, em outras direções, às vezes, surpreendentes, como

na conversa com Luiza Helena Trajano, atual presidente e sobrinha da

fundadora do Magazine Luiza, onde de repente emerge o tema da

espiritualidade: “A gente acredita na força do absoluto e não temos

vergonha de assumir isso. De qualquer religião, as pessoas podem

participar. E tem religião que não reza o Pai Nosso, mas nós rezamos,

quem quiser reza junto.”

Ao reconhecer as pessoas como co-pesquisadores, resolvemos devolver a

elas as conversas transcritas que foram encaminhadas por um e-mail

individual com a seguinte mensagem:

“Olá (nome da pessoa), tudo bem?

Queria, mais uma vez, lhe agradecer pelo tempo que você dedicou à

conversa que tivemos para nossa tese de mestrado em Biologia-Cultural.

Como parte de nosso processo metodológico, estou enviando a

transcrição da entrevista, sem qualquer t ipo de edição, para que você

possa ter acesso ao que conversamos e, se desejar, fazer qualquer

correção que julgar necessário. Não se sinta, portanto, obrigado a fazer

isso. É um convite. Só lhe peço que, no caso de se sentir motivado a fazê-

lo, que o faça num prazo máximo de 15 dias. Uma ótima semana para

você e até breve! ”

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Das 20 pessoas que resolveram responder a esse convite (40,8% do

total), a maioria solicitou pequenos ajustes e, em algumas situações, a

resposta veio acompanhada de uma reflexão explícita, como no caso de

Moisés Falco, diretor de gestão de conhecimento da Promon Engenharia:

“Acabamos percebendo que aquilo que é dito em determinado contexto às

vezes não fica tão claro quando transcrito. Desculpe-me pelas

tergiversações, mas acaba refletindo o quanto eu estava à vontade

naquela conversa” . Luiz Fernando Rudge, presidente da Promon

Engenharia, justif ica seus ajustes na transcrição da conversa que tivemos

com ele por que “a fala l ivre pode ser confusa” , o que parece corroborar a

impressão de Moisés. Fabiana Godioso, da mesma empresa: “Nossa,

como é estranho ver uma transcrição, né? Parece que falei um monte de

coisas sem sentido!” Ao que respondemos em nossa troca de e-mails: “Oi

Fabiana, realmente pode parecer estranho quando a gente transcreve uma

entrevista sem edição, mas o importante é você ter a chance de poder

rever algum ponto, caso ele não expresse mais o que você pensa.” Ao

que, de pronto, ela disse que poderíamos seguir em frente sem qualquer

ajuste. Já Daniel Menin, da empresa Vagas Tecnologia, se disse surpreso

com a transcrição: “Achei algumas partes confusas para mim que estou

dentro. Imagino para você!” E acabou fazendo várias correções, tanto

ortográficas quanto de conteúdo. Alan Santos, também da Vagas, disse

que ficou bem interessante ler o que conversamos: “Ficou tudo mais claro.

Eu só gostaria de sugerir, se possível, pequenas mudanças em trechos

que acho que respondi de forma muito incompleta.” Em outras situações,

a transcrição da conversa acabou funcionando como um documento que a

pessoa poderia fazer uso para alguma atividade específica, como no caso

do co-fundador da Vagas Tecnologia, Mario Kaphan, que disse sofrer de

falta de memória e ir ia usar esse material como referência para preparar

uma palestra que ele faria na semana seguinte. Em outras palavras, a

recursividade desse processo metodológico acabou gerando outros

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mundos inesperados para nós pesquisadores, na medida em que não

podíamos prevê-los, uma vez que emergiram no próprio processo de

investigação.

Outra observação que nos ocorreu foi relativa aos relatos de que soa

estranho a transcrição das conversas e que às vezes parece sem sentido.

Isso nos remete à reflexão de que, se conversar é dançar juntos, a

transcrição sem os demais elementos da conversa - o espaço físico, as

emoções do momento, os olhares, os trejeitos corporais etc.- seria como

dançar sem o par e na ausência da música, ou que falar - nesse caso, ler

- a respeito da experiência vivida não substitui a experiência vivida.

O anexo que contém a transcrição de todas as entrevistas só apresenta a

versão final corrigida pelos que desejaram fazê-lo. Escolhemos esse

caminho por acreditar que seria o mais respeitoso às pessoas.

Após a leitura de todas as transcrições, tomamos a decisão de voltar às

pessoas com uma últ ima pergunta encaminhada também individualmente

no e-mail abaixo:

“Olá (nome da pessoa), tudo bem com você?

Concluímos as entrevistas em todas as empresas que resolvemos estudar

para nossa tese de mestrado em Biologia-Cultural e, quando fazíamos as

análises e cruzamentos de dados, nos ocorreu encaminhar uma últ ima

pergunta para todos os entrevistados. Apreciaríamos muito se você

investisse alguns minutinhos de seu tempo para respondê-la no próprio

corpo deste e-mail. A pergunta é a seguinte:

DE TUDO O QUE VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTE PARA O SUCESSO

DA (Nome da empresa), SE VOCÊ TIVESSE QUE ESCOLHER UM ÚNICO

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ASPECTO QUE TIVESSE QUE SER MANTIDO A TODO O CUSTO PARA

QUE A EMPRESA CONTINUASSE SENDO BEM SUCEDIDA NO FUTURO,

QUE ASPECTO SERIA ESSE?

Se você quiser consultar o que disse para a gente, segue mais uma vez a

transcrição de nossa conversa. ”

Desta vez, 19 pessoas responderam (38,7% do total), e quem respondeu

acabaria por ajudar na construção do modelo epistemológico que orientou

nossas análises e que, no próximo capítulo, propomos ser aplicado em

outras organizações.

5.6. Recomendações finais

Nos surpreendeu o fato de termos chegado à criação de um modelo

epistemológico para refletir sobre o que observamos nas empresas

pesquisadas, na medida em que não prevíamos esse caminho quando

iniciamos o processo de investigação. O modelo emergiu de nossas

conversas como um caminho natural para continuarmos conversando

sobre o que vimos, ouvimos e sentimos em nossas observações sobre as

dinâmicas operacionais-relacionais que apareceram em nossas conversas

com as pessoas convidadas a participar da investigação e que, em alguns

momentos, operaram, em nosso entendimento, como co-pesquisadores, na

medida em que, tanto durante a conversa pessoal, quando nos colocamos

numa dinâmica pessoa-pessoa ao invés de investigador-investigado,

quanto depois da conversa, foram convidadas – e muitas aceitaram – a

refletir sobre o que havíamos conversado e, desde esse espaço, escolher

manter ou rever o que foi dito no primeiro momento.

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Ao refletirmos sobre o que havíamos feito, concluímos que o f izemos

como investigadores que aceitam que tudo o que é dito é dito por um

observador a outro observador que pode ser ele ou ela mesma; e que, ao

aceitar isso, percebe e aceita que o ato de reflexão ocorre no operar do

observador na conservação que distingue a respeito de seu próprio

operar; e ocorre como um processo do viver que leva à contínua

conservação da ampliação recursiva da compreensão do próprio viver, da

consciência de si e das ações efetivas próprias do fluir do viver no

presente de contínua mudança que essa mesma reflexão recursiva gera, e

ocorre no ato de soltar a certeza de que se sabe o que se acredita que se

sabe. E, ao fazermos isso, percebemos que atuamos como investigadores

desde o domínio da Biologia-Cultural, o que nos permitiu realizar o que se

passou, construindo, descontruindo e reconstruindo a tese a cada instante

no fluir das nossas investigações e reflexões. Desde esse domínio, ao nos

depararmos com o que chamamos de modelo epistemológico baseado em

quatro elementos interconectados, passamos a adotá-lo como um novo

critério de validação para refletir sobre as conversas com as pessoas das

empresas investigadas – conversas estas que foram uti l izadas como a

referência mais relevante para nossa investigação. E, ao fazermos isso,

pudemos ver que o modelo funcionava no âmbito tanto do objetivo geral

dessa tese quanto de seus objetivos específicos.

O que o modelo epistemológico que criamos não é capaz de dizer é se é

possível identif icar elementos que se conservam na história de

transformações das dinâmicas organizacionais, de modo que, segundo as

premissas desse trabalho, possamos dizer que outras empresas, além das

três que investigamos, também sejam bem-sucedidas. Mesmo aceitando

que nossa amostra é l imitada ao universo de três empresas; mais do que

isso, ao universo das 49 pessoas com quem conversamos e ao pequeno

intervalo de tempo que tivemos com cada uma delas, não identif icamos

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nenhum aspecto comum a ponto de poder levantar a hipótese de que, uma

vez aplicado esse aspecto, outras empresas também pudessem ser bem-

sucedidas. Não podemos fazer essa afirmação, uma vez que a forma

como cada uma cria e vive seu atrator surgiu como consequência de algo

que se conservou na história de cada organização e que é, portanto,

causa e produto dela mesma.

O que podemos dizer de um elemento comum aos três casos é que, ao

conservar um determinado tema que nomeamos simplesmente por atrator

por meio de narrativas, fazeres e rituais, cada empresa abriu espaço para

que tudo mudasse em torno do atrator que se conservou, o que, no tempo,

permitiu – e continua permitindo - que cada organização se distinguisse

claramente de outras organizações como uma organização única em sua

forma de operar, a ponto de chamar a atenção de muitos públicos

distintos. Isso equivale a dizer que, para ampliar o entendimento sobre a

ontogenia de uma organização, um caminho mais efetivo não seria

perguntar sobre quais histórias são contadas sobre ela, mas sobre os

elementos comuns que se observam nessas histórias, na medida em que,

ao se conservarem, permitem abstrair o atrator.

O que não sabemos é o que se daria com essas empresas caso o atrator

se perdesse, posto que não é isso o que, desde nosso operar como

observadores, se passou enquanto vivíamos o fazer da investigação.

Embora uma delas, enquanto participava da investigação, passava por

uma crise que poderia, eventualmente, colocar em risco seu atrator, isso

tampouco ainda se deu. Para responder a essa nova questão, seria

necessário acompanhar essa empresa por um período de tempo maior, de

modo a entender que mudanças, eventualmente, se processariam nas

narrativas, fazeres e rituais de maneira a que pudéssemos afirmar que o

atrator se perdeu e/ou que um novo atrator emergiu. Outra possibil idade

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seria identif icar um outro grupo de empresas que passaram ou estão

passando por um processo de mudança profunda com perda do atrator

original, de maneira a que pudéssemos descobrir o que ocorre quando

isso se passa.

Para os f ins dessa tese, porém, estamos satisfeitos com o que

descobrimos ao longo de nosso percurso de investigação recursiva e

esperamos ter contribuído para que outros pesquisadores prossigam se

perguntando sobre os elementos diferenciais e as emoções que se

conservam nas redes de conversações de empresas bem-sucedidas tendo,

agora com nossas descobertas, o auxíl io de um modelo epistemológico

concebido, co-concebido e re-concebido desde um processo de

investigação que aceita e vive os fundamentos da matriz biológico-cultural

da existência humana.

6. BIBLIOGRAFIA

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ANEXO I - RELAÇÃO DE CO-PESQUISADORES

Nome Cargo EmpresaAdrio Acunha Gerente de Loja Magazine LuizaTatiane Tamire Alves Analista de Serviços Magazine LuizaGiliard da Silva Lima Vendedor Especial Magazine LuizaGisela Chiacchio Vendedora Magazine LuizaLuciara Campos Gerente de Loja Magazine LuizaLuiza Helena Trajano Presidente do Conselho Magazine LuizaMarcelo Silva CEO Magazine LuizaMarcos Antonio Borges Gerente Promocional Magazine LuizaMariza Ferreira da Silva Assistente Logística Magazine LuizaPatricia Sandoval Coutinho Gerente Administrativo Magazine LuizaPaulo Morari Gerente de Divisão Negócios Financeiros Magazine LuizaPedro Alvim Casemiro Coordenador Redes Sociais de Com. Digital Magazine LuizaRaquel Faleiros Gerente Processos e Controles Administrativo Magazine LuizaSergio Silva de Oliveria Estoquista Magazine LuizaTelma Rodrigues Diretoria de Rh Magazine LuizaVaguiner Jose Domingos Tecnico de Qualidade Magazine LuizaValdelice Pereira de Souza Vendedora Magazine LuizaViviane Dias Baggioli Gerente de Loja Magazine LuizaFabiana do Amaral Godioso Analista Comercial Promom EngenhariaFabio Marzionna Coordenador Técnico Promom EngenhariaFabio Bittencourt Diretor de Finanças Promom EngenhariaFilipe Olmos Gerente de Comunicação Promom EngenhariaFranco Ferraro Diretor de Engenharia Promom EngenhariaHelio Mazzilli Xavier de Mendonça Diretor de Negócios Promom EngenhariaLuiz Fernando CEO Promom EngenhariaMarcia Fernandes Diretora de Relacões Humanas e Comunicação Promom EngenhariaMariana Tonidandel Gerente de Planejamento Financeiro Promom EngenhariaMarta Galego Gerente de Projetos Promom EngenhariaMatheus Dias Coordenador Suprimentos e Logística Promom EngenhariaMoises Falco Diretor de Engenharia Promom EngenhariaOsvaldo Bernardo Gerente de Engenahria Promom EngenhariaPatricia Sibinelli Projeto de Inovação Promom InteligenceRoberta Guimarães Bonamico Gerente de Relações Humana Promom EngenhariaAlan Barros dos Santos Comunicação VagasDaniel Menin Marca VagasDebora Duarte Tecnologia VagasAlessandra Tomelim Recursos Humanos VagasErica Isomura Recursos Humanos VagasFernanda Diez Comercial / Marketing VagasFranciely Boni Alves Suporte a Empresas VagasGabriela Oliveira Recepção VagasLaura Ammann Employer branding VagasLuciana Santos Landim Divulgação de Vagas VagasMario Kaphan Fundador VagasNadia Fuzinato Parcerias VagasRoni Uliana Arquiteto de Software VagasSidney Monreal Martin Sócio-Fundador VagasSylvia Fernandez Inteligência de Negócios VagasTatiane Neves Treinamento VagasWesley Barreto Controller Vagas

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