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ESTUDO DA ADEQUAÇÃO DA "ESCALA DE MATURIDADE MENTAL COLUMBIA" NA AVALIAÇÃO DE PRÉ-ESCOLARES DE BAIXO NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO * José Fernandes ** Aurora Coelho Pullin** FERNANDES, J. & PULLIN, A. C. Estudo da adequarão da "Escala de Maturidade Mental Columbia" na avaliação de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15( supl.) :126-37, 1981. RESUMO: A Escala da Maturidade Mental Columbia (EMMC) foi apli- cada a 93 crianças pré-escolares de 4 a 6 anos, da cidade de Leme, SP (Brasil). Estas crianças eram originárias de famílias de baixo nível sócio- econômico e não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola. Os dados obtidos mostraram que a EMMC apresentou diversas limitações, entre elas, uma diminuição sistemática nos valores do QI de razão, em função do aumento da idade da criança. A ocorrência generalizada de seqüências de respostas com perseveração de posição sugeriu que a situação de teste pode induzir uma queda na motivação e atenção da criança. Dessa forma, os baixos resultados obtidos com a EMMC podem não refletir necessaria- mente "deficiências cognitivas", mas um baixo interesse da criança em rela- ção às tarefas exigidas pelo teste. UNITERMOS: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. CEAPE. * Convênio 10/77 INAN/DN/FSP/USP. **Do Programa CEAPE Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP Brasil. ***Um bom retrato da situação é fornecido pela resenha de Kolck 9 (1977), em que são apresentadas as características de cerca de 70 testes psicológicos, entre escalas de desenvolvimento, testes de capacidade mental e de aptidões específicas . Deste total, cerca de 25 testes são encontrados entre nós com relativa freqüência e apenas cerca de 10 possuem normas brasileiras. INTRODUÇÃO No contexto do programa CEAPE 3,4 , as- pectos centrais referem-se à avaliação da extensão e da intensidade dos seus efeitos e da própria busca de instrumentos para esta tarefa. No caso da avaliação dos efeitos psicopedagógicos do programa, esta busca de instrumentos torna-se problemática em função da ausência de testes adequados. A grande maioria dos testes psicológicos disponíveis no Brasil consiste de apenas uma tradução levemente modificada dos originais (geralmente norte-americanos ou europeus) sem que haja uma adaptação efetiva e padronização de resultados para nosso meio ***. Se estes problemas são sérios quando se pensa em termos da avaliação psicológica de indivíduos de classe média (para quem os testes disponíveis foram originalmente construídos), eles se tornam mais graves quando um determinado teste é aplicado em pessoas que são provenientes das camadas

ESTUDO DA ADEQUAÇÃO DA ESCALA DE ...mente "deficiências cognitivas", mas um baixo interesse da criança em rela-ção às tarefas exigidas pelo teste. UNITERMOS: Pré-escolares,

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ESTUDO DA ADEQUAÇÃO DA "ESCALA DE MATURIDADEMENTAL COLUMBIA" NA AVALIAÇÃO DE PRÉ-ESCOLARES

DE BAIXO NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO *

José Fernandes **Aurora Coelho P u l l i n * *

FERNANDES, J. & PULLIN, A. C. Estudo da adequarão da "Escala de MaturidadeMental Columbia" na avaliação de pré-escolares de baixo nível sócio-econômico.Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15(supl.) :126-37, 1981.

RESUMO: A Escala da Maturidade Mental Columbia (EMMC) foi apli-cada a 93 crianças pré-escolares de 4 a 6 anos, da cidade de Leme, SP(Brasil). Estas crianças eram originárias de famílias de baixo nível sócio-econômico e não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola. Osdados obtidos mostraram que a EMMC apresentou diversas limitações, entreelas, uma diminuição sistemática nos valores do QI de razão, em funçãodo aumento da idade da criança. A ocorrência generalizada de seqüênciasde respostas com perseveração de posição sugeriu que a situação de testepode induzir uma queda na motivação e atenção da criança. Dessa forma,os baixos resultados obtidos com a EMMC podem não refletir necessaria-mente "deficiências cognitivas", mas um baixo interesse da criança em rela-ção às tarefas exigidas pelo teste.

UNITERMOS: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. CEAPE.

* Convênio 10/77 — INAN/DN/FSP/USP.**Do Programa CEAPE — Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP— Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.***Um bom retrato da situação é fornecido pela resenha de Kolck 9 (1977), em que são apresentadasas características de cerca de 70 testes psicológicos, entre escalas de desenvolvimento, testesde capacidade mental e de aptidões específicas . Deste total, cerca de 25 testes são encontradosentre nós com relativa freqüência e apenas cerca de 10 possuem normas brasileiras.

INTRODUÇÃO

No contexto do programa CEAPE 3 , 4 , as-pectos centrais referem-se à avaliação daextensão e da intensidade dos seus efei tose da própria busca de instrumentos paraesta tarefa. No caso da avaliação dos efeitospsicopedagógicos do programa, esta buscade instrumentos torna-se problemática emf u n ç ã o da ausência de testes adequados.A grande maioria dos testes psicológicosdisponíveis no Brasil consiste de apenas umatradução levemente modif icada dos or ig inais

(geralmente norte-americanos ou europeus)sem que haja uma adaptação efetiva epadronização de resultados para nossomeio ***.

Se estes problemas são sérios quando sepensa em termos da avaliação psicológicade indivíduos de classe média (para quemos testes disponíveis foram originalmenteconstruídos), eles se tornam mais gravesquando um determinado teste é aplicado empessoas que são provenientes das camadas

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mais pobres da população. Os resultadosdestes indivíduos situam-se, via de regra,nas porções inferiores das normas do teste.Constatações deste tipo levaram ao ques-tionamento da própria validade dos testes,quando aplicados em populações diferentesdaquelas para as quais eles foram original-mente planejados e, inclusive, dos própriosfundamentos teóricos subjacentes a estesinstrumentos.

Está claro, então, que não se conta atual-mente com técnicas de exame — ou mesmoteorias psicológicas — adequadas para parce-las expressivas de nossa população. Obvia-mente, esta situação também se reflete noestudo da criança pré-escolar, originária defamílias de baixo nível sócio-econômico. Emalguns casos, como uma solução "ad hoc", opesquisador pode construir seus própriostestes, com base, por exemplo, na sua visãoparticular acerca do desenvolvimento dacriança. Entretanto, a estratégia habitual érecorrer, mesmo com ressalvas, aos poucostestes disponíveis, de acesso fácil e que serelacionem, de um modo geral, aos objetivosda pesquisa.

Neste contexto, a "Escala de MaturidadeMental Columbia" — EMMC — (Burge-meister e col.1 1977) ou variações de seuprocedimento têm sido bastante utilizadas.Este material apresenta-se, em princípio,como um bom instrumento para estudossobre "formação de conceitos", que é umdos aspectos importantes do desenvolvimentocognitivo ocorrido nos anos pré-escolares.A EMMC consta de um conjunto de 100pranchas, com 3, 4 ou 5 desenhos em queapenas um deles não obedece à relaçãoexistente entre os demais. Este desenho dife-rencia-se dos outros pela sua cor, forma,tamanho ou por outros aspectos que en-volvem relações mais complexas. A apresen-tação das pranchas ocorre em ordem cres-cente de dificuldade (dos conceitos maissimples aos mais complexos) e a tarefada criança é apontar o desenho "diferente".Depois que a criança apontou um desenho,apresenta-se a prancha seguinte, suspen-

dendo-se a prova quando a criança atingeum certo número de respostas erradas.

A duração curta de aplicação da EMMCnão torna o seu uso proibitivo para a testa-gem de números grandes de crianças, aocontrário do que acontece com as revisõesStanford - Binet ou com a Wechsler Intel-ligence Scale for Children (WISC), cujasaplicações podem demorar algumas horaspor criança.

A EMMC foi inicialmente planejada paraa avaliação do nível mental de crianças de3 a 12 anos de idade mental, com paralisiacerebral ou com outras deficiências relacio-nadas com funções verbais ou motoras. Dissodecorre a tarefa pedida à criança ( " . . .apontar para . . . " ) , que seria apenas umaforma de contornar dificuldades de expres-são verbal. Os autores da EMMC reco-mendam-na inclusive para crianças "nor-mais". O procedimento da EMMC, à pri-meira vista, também parece ser útil para aavaliação cognitiva de pré-escolares de baixonível sócio-econômico, na medida em queele não enfatizaria tarefas verbais, quemuitas vezes exigem "códigos de expressão"diferentes dos apresentados por estas crian-ças. Mesmo assim, parece que os resultadosna EMMC estão associados, em algum nível,com fatores verbais (Mill e Turner12 , 1955).

Os pontos brutos (número de respostascorretas até o critério de suspensão daprova) são convertidos por meio de tabelaque consta no Manual da EMMC, em mesesde Idade Mental (IM) e então calcula-seo Quociente de Inteligência (QI de razão)através da fórmula :

Foram levantadas várias críticas quantoao uso da EMMC como medida de inteli-gência. Estas críticas são baseadas emestudos que mostraram que:a) este instrumento tem um baixo coefi-

ciente de precisão de teste-reteste(medida de estabilidade temporal dosresultados) para o QI (Witsaman eJones18, 1959; Pascale13, 1973);

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b) o seu QI é mais baixo e correlaciona-sepouco com o QI obtido através da clás-sica prova de inteligência Stanford-Binet(L) (Levinson e Block10, 1960);

c) embora a tarefa exigida seja não-verbal,a EMMC pode estar medindo raciocínioe significados verbais, indiretamente(Mill e Turner 12, 1955);

d) A EMMC pode superestimar seriamentea predominância de retardo mental empré-escolares de áreas pobres (Rosen-berg e Stroud16 , 1966).

Estes e outros resultados semelhanteslevaram à conclusão de que a EMMC "medeo grau de maturação do nível de abstraçãopara a solução de problemas (pensamentoconceitual), mas não pode ser consideradauma prova de nível mental como oStanford-Binet ou o WISC" (Kolck 9, 1977).

De acordo com esta outra perspectiva,Reuter e Mintz15 (1970) e outros autorestambém sugeriram que a EMMC deve servista mais com um teste da capacidade deformar e utilizar conceitos do que comoum teste de inteligência, no estilo das clás-sicas revisões, Stanford-Binet, por exemplo.

Dague e Garel l i 2 (1969) encontraramuma relação positiva entre as idades estu-dadas (5 — 11 anos) e o acerto em cadaum dos 100 itens. Segundo estes autores,a análise dos resultados sugeriu que as dif i -culdades com os itens são devidas a dif i-culdades de percepção, desenvolvimentoverbal — conceitual insuficiente e imatu-ridade de raciocínio.

Seja com a noção de que a EMMC é umamedida de inteligência (como querem osseus autores) ou com a noção de que esteteste fornece basicamente uma medida dacapacidade de formar e ut i l izar conceitos,o fato é que a EMMC (ou adaptações deseu material e procedimento) tem sidorazoavelmente utilizada entre nós, em dife-rentes áreas. A EMMC é utilizada em algunscasos de diagnóstico psicológico clínico(especialmente com avaliações de QI) ; oucom objetivos educacionais (adaptada para

uso nas escolas municipais da cidade de SãoPaulo) ou como parte dos instrumentos depesquisa com pré-escolares (Poppovic ecol.14, 1975).

Esta ampla aceitação da EMMC pareceref le t i r um consenso básico entre seususuários; ou seja, o de que este teste forneceum boa avaliação de capacidades essencial-mente cognitivas, que podem ser interpre-tadas como componentes de processos deinteligência mais gerais ou mais específicos.

Com base nestes pontos e dentro dostrabalhos de avaliação psicopedagógica doprograma CEAPE, considerou-se de grandeinteresse a obtenção de dados iniciais e ex-ploratórios acerca da EMMC, quando apli-cada a pré-escolares de 4 a 6 anos, debaixo nível sócio-econômico.

Dessa forma, o objetivo do presentetrabalho é efetuar uma análise inicial daprópria EMMC, ou seja, levantar e estudaralgumas características dos resultadosobtidos através deste teste e, assim, tentarestabelecer sua adequação como instru-mento de avaliação cognitiva para a popu-lação de pré-escolares dos Centros de Edu-cação e Alimentação do Pré-Escolar —CEAPE.

MATERIAL E MÉTODOS

a) Descrição da Amostra

A amostra utilizada foi formada por 93crianças, "não-ceapenses", de 4 a 6 anos,residentes na cidade de Leme (SP). Se-gundo o relato das mães ou responsáveis,estes pré-escolares não freqüentavam ne-nhum tipo de creche ou pré-escola, naocasião da pesquisa. As famílias destascrianças foram sorteadas com base em umcadastratamento realizado junto às famíliasde baixo nível sócio-econômico de certasáreas da cidade de Leme, durante os tra-balhos com o CEAPE.

A Tabela 1 apresenta o número de crian-ças em cada grupo, assim como as médias,desvios-padrões e medianas das idades, em

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meses. O número de meninos e meninas estárazoavelmente equilibrado, dentro de cadagrupo.

As Tabelas 2 a 6, a seguir, referem-sea dados que foram coletados em entrevistacom a mãe ou responsável pela criança.Embora estes dados devam ser interpre-tados com cautela, eles servem como uma

caracterização, ainda que grosseira, daamostra estudada.

A Tabela 2 indica que a maior parte dospais e mães das crianças testadas é analfa-beta ou não terminou o curso primário. Ovalor médio do número de anos de escola-ridade das mães e pais foi aproximadamente1 ano e meio.

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A grande maioria das famílias concen-trou-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos,em termos de renda mensal bruta (Tabela3).

Além disso, pode-se notar que a grandemaioria destas famílias caracterizou-se porter mais de 2 filhos, sendo que o tamanhofamil iar médio é de cerca de 6 pessoas(Tabela 4).

A renda familiar bruta per capita variouentre zero e 1 salário-mínimo, havendo umagrande concentração de casos na faixa entrezero e meio salário-mínimo (Tabela 5).

A totalidade das profissões dos chefesdas famílias analisadas foi classificada nosníveis mais baixos da Escala de PrestígioOcupacional de Hutchinson (modificada porGouveia5, 1970), havendo predominância deocupações manuais não-especializadas (es-pecialmente trabalhadores rurais e operáriosnão-especializados) segundo critério deMacedo11 (1973) (Tabela 6).

Para resumir os dados levantados, pode--se dizer que as crianças testadas foramprovenientes de famílias de baixo nívelsócio-econômico, caracterizado por baixarenda, baixa escolaridade dos pais e pelobaixo nível de prestígio ocupacional do chefeda família.

b) Procedimento

A EMMC foi aplicada conforme asinstruções contidas em seu Manual, por umaequipe formada por psicólogos ou por estu-dantes dos últimos anos do Curso de Gra-duação do Instituto de Psicologia da Univer-sidade de São Paulo. Todos os elementosda equipe foram previamente treinadosquanto à aplicação e avaliação do materialsendo também supervisionados nos trabalhosde campo. As crianças foram testadas nasinstalações dos CEAPEs da cidade de Leme.

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RESULTADOS

Os resultados obtidos serão inicialmenteanalisados em função de:

a) número total de respostas dadas atéo critério de suspensão da prova;

b) pontos brutos (número de respostascorretas), sem a introdução da cor-reção estatística de acertos por acaso;

c) conversão dos pontos brutos em mesesde Idade Mental (IM) (esta conversãoé dada diretamente pelo Manual daEMMC; pontos brutos diferentes podemser associados ao mesmo valor de IM) ;

d) conversão da IM em QI de razão(Quociente de Inteligência), pela fór-mula:

Pode-se observar pela Tabela 7 que astrês primeiras medidas apresentaram um

certo aumento com a idade, ao passo queo QI mediano caiu acentuadamente. Todasestas medidas foram inicialmente analisadasatravés da prova não-paramétrica de Krus-kal-Wallis (Siegel17, 1975). Estas análisesforam feitas separadamente para cadamedida. Os resultados mostraram que exis-tiram diferenças significativas entre pelomenos duas das idades estudadas com re-lação ao número total de respostas dadas(H — X2

o = 22,43; 2 g.1.; p<.001); aonúmero de pontos brutos (H — X 2

o == 20,60; 2 g.1.; p<.001); meses de IdadeMental (H — X 2

o = 12,84; 2 g.1.; p<.002)e QI (H — X2

o = 35,85; 2 g.1.; p<.001).

Através da prova não-paramétrica deMann-Whitney (Siegel17, 1975) não foramlocalizadas diferenças significativas entre 4e 5 anos, para as três primeiras medidas.A única diferença significativa entre estasduas idades referiu-se à queda de QI (Z == 4,79; p<.001), que ocorre dos 4 aos 5anos. Dessa forma, estes dados indicam quea EMMC falhou em discriminar entre ascrianças testadas de 4 e 5 anos. A diferença

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observada com relação ao QI de razão édecorrente de um simples artifício decálculo: uma vez que IM não sofreu alte-rações significativas e foi dividido pelo valoraa Idade Cronológica (sempre crescente),o QI inevitavelmente tendeu a diminuir .

Por outro lado, a EMMC discriminouentre 5 e 6 anos. Comparando-se estes doisgrupos de idade através da prova de Mann--Whitney, foram localizadas diferenças sig-nificativas entre eles no que se refere ao

número total de respostas dadas (Z = 3,55;p<.001); ao número de pontos brutos(Z = 3,30; p<.001) e a Idade Mental(Z = 2,80; p<.003). Novamente, a quedado valor de QI entre 5 e 6 anos é signi-ficativa (Z = - 2,76, p<.003).

A Tabela 8 apresenta os valores da cor-relação de Spearman (Siegel17, 1975) entreo valor da idade cronológica em meses(todas as crianças agrupadas) e as quatromedidas analisadas.

Pode-se observar que todos os valoressão significativos (p<.001), embora, comojá foi assinalado, as três primeiras medidasnão discriminem entre as idades de 4 e 5anos. Novamente, a tabela mostra a exis-

tência de correlação negativa significativaentre a idade cronológica e o valor do QI.

Analisando outros aspectos foi observadoque durante a aplicação da prova verificou--se, em praticamente todas as crianças, a

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existência de um processo de perseveraçãode posição, isto é, as crianças apresentaramuma tendência sistemática a apontar amesma posição, durante várias pranchasconsecutivas (por exemplo: o desenho àextrema direita), independentemente da res-posta correta àquela prancha.

Em função disso, também foram anali-sados:

a) o número de seqüências de i respostasconsecutivas, numa mesma posição ( == ni, sendo i = tamanho da seqüênciade respostas consecutivas numa mesmaposição e i < 4. Por exemplo, n5 indicao número de seqüências de 5 respostasconsecutivas, dadas numa mesma posi-ção) *;

b) o índice Persev. = n xi que indicai

o número total de respostas que ocor-reram em todas as seqüências de per-severação somadas, para cada criança;

c) o índice Percentagem de Respostas comPerseveração (PRP).

Este índice mostra a percentagem dasrespostas dadas em seqüências de perseve-ração, em relação ao total de respostas dadaspela criança.

Pode-se notar pela Tabela 9 que aos 4anos existe uma alta probabilidade de quea criança apresente pelo menos uma se-qüência de 4 respostas com perseveração.

Esta probabilidade tendeu a diminuir paraas idades seguintes.

A Tabela mostra que seqüências maiorestornaram-se gradativamente menos freqüen-tes, em cada grupo de idade, embora hou-vesse longas seqüências de perseveração (amaior delas alcançou 27 respostas, antesque fosse atingido o critério de suspensãoda prova).

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A Tabela 10 apresenta os valores me-dianos do número de seqüências de 4 oumais respostas com perseveração; dosíndices Persev. e PRP, para os três gruposde idade. Esta Tabela indica que houve umatendência à diminuição nas medianas donúmero de seqüências e do número de res-postas com perseveração, com o aumentoda idade. As diferenças entre idades, entre-tanto, não foram signif icat ivas pela provade Kruskal-Wallis.

Por outro lado, através desta mesmaprova, detectou-se uma diminuição significa-tiva na percentagem de respostas com per-

severação em relação ao número total derespostas (índice PRP), com o aumento daidade. As crianças de 4 anos deram aproxi-madamente 30% de suas respostas em se-qüências de perseveração, ao passo que estapercentagem foi de cerca de 14% para ascrianças de 6 anos.

Conforme mostra a Tabela 11, a idade dacriança correlacionou-se negativa e signi-f ica t ivamente ( p < . 0 1 ) apenas com o índicePRP. Novamente, isto indica que, com oaumento da idade, houve uma tendência àdiminuição nas percentagens de respostasocorridas em seqüências de perseveração,em relação ao número total de respostas.

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DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mostraram que aEMMC apresentou várias limitações comoinstrumento de avaliação cognitiva de pré--escolares de baixo nível sócio-econômico.Considerando-se apenas os pontos brutos(número de respostas corretas), a EMMCfalhou em fornecer discriminações significa-tivas entre as idades de 4 e 5 anos. Quandoestes pontos brutos foram convertidos emmeses de Idade Mental, a discriminaçãoentre as idades piorou ainda mais. Dessaforma, chegou-se ao ponto de haver QIS

cada vez menores, com o aumento da idade,sendo que apenas 9 crianças, num total de93, puderam ser classificadas dentro da faixahabitual de "normalidade" para o QI (90— 110). Estes resultados parecem ser atri-buíveis principalmente a falhas do próprioteste, embora não se possa excluir apossibilidade de existência de limitaçõesreais no desenvolvimento cognitivo destascrianças.

A falta de discriminação entre 4 e 5 anosé um ponto negativo para um instrumentoque pretende fornecer discriminações nãonuma escala de anos, mas de meses e combase nisso, propiciar avaliações de "nível deinteligência". Assim, os dados obtidos sãoanálogos ao já obtidos por outros autores(por exemplo: Rosenberg e Straud 16, 1966)que indicaram que a EMMC superestimougrosseiramente o nível de retardo mentalem pré-escolares de zonas pobres. Por outrolado, mesmo considerando a EMMC comoum instrumento de avaliação de processosde formação e uso de conceitos, existemoutras tantas limitações. O seu material emodo de aplicação parecem induzir a ocor-rência de respostas com perseveração deposição, especialmente em pré-escolares demenos idade. Este mecanismo de perseve-ração parece ref le t i r aspectos ligados maisa variáveis de atenção e motivação do quepropriamente "deficiências cognitivas". Ka-gan 7 (1966) assinalou que os processosexistentes num contínuo da dimensão "re-flexão — impulsividade de resposta" tam-

bém podem ser responsáveis por alteraçõesna qualidade das respostas a uma situação--problema.

Klein e col.8 (1973) ao analisarem o de-sempenho de crianças desnutridas e decrianças adequadamente nutridas em umatarefa de memória breve, chegaram à con-clusão de que o desempenho mais baixodas crianças desnutridas foi bastante in-f luenciado por variáveis de motivação eatenção. Dessa forma, o seu desempenhomais baixo não reflet ia necessariamente umdéfici t de memória breve.

É bastante provável que processos seme-lhantes ocorram com a EMMC, embora,como foi assinalado, não se possa descartara hipótese de que realmente existam limi-tações no desenvolvimento cognitivo dascrianças testadas. À primeira vista, a apre-sentação contínua das pranchas parece levara uma queda do interesse da criança pelatarefa. A criança pode passar a responderviesadamente, não por um "sorteio" equi-probabilístico da alternativa, mas com per-severação de posição, devido a uma quedade motivação (Zazzo e Stambak1 9 , 1968).Isto é mais evidente para os pré-escolaresmais jovens, que apresentaram uma percen-tagem maior de suas respostas com perse-veração. Estes dados levantam um problemaprático, que é o de como avaliar respostascorretas que ocorrem em seqüências de per-severação. Talvez a introdução das fórmulasde correção estatística de acertos por acaso( G u i l f o r d 6 , 1956) possa contornar o pro-blema. Por outro lado, restaria a dúvidade se "realmente" a criança desconhece aresposta correta, quando ocorre uma res-posta errada neste tipo de seqüência.

Assim, o baixo desempenho na EMMCparece não ref le t i r exclusivamente "defi-ciências cognitivas", como tem sido geral-mente enfatizado (Dague e Gare l l i 2 , 1969),mas também fatores bastante ligados àatenção e motivação para a tarefa . Torna-seclaro, então, que interpretações simplistase mecânicas dos resultados obtidos através

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da EMMC, em termos principalmente deIM e QI, não são adequadas para criançasde baixo nível sócio-econômico. Uma análisequalitativa dos tipos de respostas dadastalvez seja mais informativa do que a meracontagem de acertos. Os dados obtidostambém sugerem que testes que envolvem

longas situações de escolha contínua entrealternativas podem induzir uma queda demotivação e atenção, em crianças de baixonível sócio-econômico, pelo menos. Os resul-tados obtidos através deste tipo de procedi-mento podem, assim, ser de difícil interpre-tação.

FERNANDES, J. & PULLIN, A. C. [A study of the adequacy of the "ColumbiaMental Maturity Scale" (CMMS) to the assessment of preschool children oflow socio-economic level]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15(suppl.) :126-37, 1981

ABSTRACT: The Columbia Mental Maturity Scale (CMMS) was appliedto 93 preschool children from 4 to 6 years old from Leme, a town in theState of S. Paulo, Brazil. All the children belonged to families of lowsocial and economic level and were not are receiving assistance from anykind of program. The data indicated that the CMMS has many limitationssuch as the reduction of the IQ values with increase in age. The lowresults obtained with the CMMS do not necessarily indicate a cognitivedeficiency but a decrease of the children's motivation or attention duringthe test.

UNITERMS: Preschool, child, evaluation. Child development. CEAPE.

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Recebido para publicação em 10/07/1981Aprovado para publicação em 17/11/1981