Estudo Detalhado Sobre Zona Proximal Em Vigotski - Valsiner e Van Der Veer

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  • A CODIFICAO DA DISTNCIA: O CONCEITO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

    E SUAS INTERPRETAES*

    JAAN VALSINER E REN VAN DER VEER

    Todo o desenvolvimento envolve a construo de uma distncia entre o presente e o passado, e a superao da distncia do presente ao futuro. usual que o ltimo processo o constante movimento adiante, do que pode ser conhecido no presente para o que ainda no , mas pode tornar-se, conhecido no prximo momento tenha sido difcil de ser conceitualizado pelos psiclogos1. Esta fragilidade terica parece tornar-se crescentemente generalizada na psicologia contempornea com sua acentuada nfase empirista na reunio de conhecimentos indutivos, a qual no equiparada com um foco igual no rigor da argumentao dedutiva. No domnio terico da psicologia contempornea a tirania do ecletismo governa, o que incrementa o eminente perigo de a psicologia tornar-se no-cincia, quando muito, e non-sense2, na pior das hipteses (ver Cairns, 1986; Toulmin & Leary, 1985; Smedslund, 1979). Ironicamente, a extensiva proliferao do empiricismo em psicologia leva os psiclogos a piores (mais do que a melhores) possibilidades de entender os fenmenos psicolgicos (ver Thorngate, 1990). H muito poucos construtos tericos em uso ativo, pelos psiclogos nos dias atuais, que possam ajudar-nos a conceitualizar o processo de desenvolvimento do presente ao futuro. Por esta razo no surpreendente que o conceito mais metafrico que Lev Vigotski trouxe ao foco de ateno do discurso psicolgico no incio dos anos 30 e que tem se tornado amplamente conhecido no discurso psicolgico contemporneo como zona de desenvolvimento proximal (Cole, John-Steiner, Scribner & Souberman, 1978, p. 86) ou zona de desenvolvimento potencial (Simon & Simon, 1963, p. 31) tenha cativado as mentes de muitos pesquisadores contemporneos. Na verdade, tal conceito d esperana de se compreender a questo do desenvolvimento como ele tem lugar na interseo da pessoa com o mundo social (LCHC, 1983; Lee, 1987; Minick, 1987; Wertsch 1984). Ele parece casar bem com as vozes sempre sonoras em psicologia que alegam amoldar-se aos rtulos ecolgicos, interacionistas, transacionistas, construtivistas, desconstrucionistas, organsmicos, e sistmicos, cada um dos quais est tentando estabelecer sua legitimidade social dentro do convento da cincia3.

    * Do original: Valsiner, J. & Van der Veer, R. The encoding of distance: the concept of the "zone of proximal development" and its interpretations. To appear in Rodney R. Coking and K. Ann Renninger (Eds.). The Development and meaning of Psychological Distance. Hillsdale, N. J. Erlbaum, 1991. Esta uma traduo para fins estritamente didticos, realizada por Eugenio Pereira de Paula Junior e Achilles Delari Junior (e-mail: [email protected]). A verso atual foi concluda em 02 de julho de 2001 e passar por revises posteriores. Aguardamos sugestes e apreciaes quanto a trechos que estejam particularmente obscuros isto , para alm da peculiar complexidade da prpria construo dos argumentos dos autores. 1 N.T. (nota da traduo): trata-se aqui de psychologists, i.e., psiclogos, mas, provavelmente, aqui mais com o significado de estudiosos e/ou pesquisadores no campo da psicologia do que com significado mais corrente para esta palavra. 2 N.T.: os autores aqui lanam mo de uma espcie de trocadilho com as palavras non-science (que traduzimos como no-cincia) e non-sense, que preservamos na forma original exceto pelo acrscimo do itlico. Sempre que lanarmos mo do recurso de deixar a palavra tal como se apresenta no original usaremos o itlico. No original os autores s usam itlico no interior de suas citaes, enquanto nas demais situaes usam negritos e sublinhados os quais sero rigorosamente mantidos aqui. 3 N.T.: exatamente convent of science, no original.

  • O conceito de zona de desenvolvimento proximal cria vrios problemas tericos que precisam ser comunicados em separado com relao ao corrente discurso social que tenta assentar uma multido de tendncias sob a sombra um tanto mstica desse conceito. Primeiro, ele requer uma referncia a uma zona essencialmente um conceito prprio teoria de campo4 em uma era da psicologia que tem amplamente esquecido os esforos gigantescos de Kurt Lewin em adotar a topologia para os propsitos do discurso psicolgico. Em segundo lugar, a compreenso de desenvolvimento tem sido altamente variada no discurso psicolgico contemporneo, caminhando de idias vagamente formuladas sobre diferenas de faixas etrias (ou efeitos da idade) para transformaes estruturais dos organismos estritamente definveis no tempo irreversvel e dentro do contexto (e.g., Brent, 1984; Valsiner, 1987, 1989). Finalmente para complicar o assunto ainda mais os psiclogos contemporneos tm se degladiado com a qualificao de proximal (ou potencial, ou mais prximo de todos), enquanto elo de conexo entre a zona prpria teoria de campo5 e o conceito de desenvolvimento em termos complexos. O objetivo do presente captulo analisar as diferentes formas que o raciocnio culturalmente organizado dos psiclogos em diferentes perodos de tempo tm dado ao conceito de zona de desenvolvimento proximal. Ns iniciaremos esta anlise a partir de um esboo da histria do conceito, desde o tempo em que Vigotski comeou a utiliz-lo (1932/33) tendo por base as idias expressas na psicologia internacional da poca (Vigotski, 1933/1935a, p. 119). No intuito de contrastar a verso de Vigotski do conceito com suas transformaes posteriores, ns usaremos a abreviao ZBR (do russo zona blijaichiego razvitia) no decorrer deste captulo. Na medida em que prosseguirmos na anlise das redefinies contemporneas do conceito, usaremos as abreviaes favoritas de diferentes autores que tm usado o conceito (e.g. ZDP6, Zo-ped). A histria do conceito: Vigotski e a pedologia As origens do uso do conceito de ZBR por Vigotski constituem uma histria interessante por si mesma. Em 1931, o laboratrio, na Academia de Educao Comunista em Moscou, onde o grupo de Vigotski estava envolvido em seu programa de pesquisas empricas em teoria histrico-cultural, foi fechado sob a crescente presso ideolgica (para uma anlise do contexto da psicologia na URSS em 1931, ver Joravski, 1989; Valsiner, 1988). Isto levou ciso efetiva7 do grupo de investigadores empricos, alguns dos quais moveram-se para Kharkov como a dissidente Escola de Kharkov da teoria da atividade (e.g. Leontiev, 4 N.T.: no original: essencially a field-theoretical concept. Teoria de campo o modo como se tem traduzido ao portugus o termo que designa a concepo do psiclogo alemo Kurt Lewin (1890-1947) sobre a personalidade, a dinmica grupal e a ao social. De 1926 a 1933, Lewin foi professor de filosofia e psicologia na Universidade de Berlim, desde 1933 passou a viver e trabalhar nos E.U.A. 5 N.T.: no original: field-theoretical zone. 6 N.T.: em ingls a sigla ZPD (zone of proximal development) em portugus ficaremos com a habitual traduo zona de desenvolvimento proximal com a sigla correspondente: ZDP. 7 N.T.: nesse caso efetiva traduz a palavra actual, cujo significado em ingls definido pelo Oxford Advanced Learners Dictionary, como used to emphasize something that is real or exist in fact (Oxford Advanced Learners Dictionary. Sixth edition. Oxford: Oxford Universty Press. 2000 p. 14). Esta palavra se repete em diferentes contextos ao longo do texto, sendo sua principal ocorrncia aquela que se refere ao conceito vigotskiano conhecido entre ns como desenvolvimento real traduo brasileira habitual para o construto actual development. Entendemos que este actual refere-se ao desenvolvimento tal como ele est realmente e/ou efetivamente constitudo no presente, tal como ele se d em ato, em contraste com o conceito de desenvolvimento potencial (potential development), o que provavelmente remete distino aristotlica entre ato e potncia, reinterpretada por Vigotski num quadro referencial prprio. No caso de actual development, manteremos a traduo desenvolvimento real, nos demais casos optaremos pela palavra efetivo ou efetiva os quais indicaremos em cada ocasio.

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  • Zaporozhets), outros encontraram espaos em diferentes institutos de Moscou. Vigotski enquanto permanecia principalmente em Moscou, dedicou-se a conferenciar no Instituto Pedaggico Estatal de Leningrado8 (ver Van der Veer & Valsiner, 1991, no prelo9). Estas conferncias eram principalmente associadas disciplina da pedologia (conhecida como o movimento de estudo da criana na literatura americana), tanto mais por Vigotski ter redefinido esta disciplina, para ele mesmo, como uma cincia interdisciplinar sinttica do desenvolvimento (Vigotski 1931a, 1931b, 1931c). Sua viso de pedologia implicava a emergncia de uma cincia do desenvolvimento qualitativamente nova com sua prpria metodologia, tendo por base diferentes disciplinas que investigavam questes relativas criana. Vigotski estava ativamente envolvido na organizao da pedologia na Unio Sovitica. Naquele tempo ele era professor de pedologia no Instituto Pedaggico Estatal de Moscou, no Instituto Mdico de Moscou. O papel de Vigotski na pedologia na URSS no incio dos anos 30 foi proeminente. Esta importante posio na pedologia depois serviu como o pretexto ideolgico para colocarem sua obra na lista negra (e.g. Rudneva, 1937). A sombra da pedologia permaneceu como um fator ideolgico negativo em descrdito ao trabalho de Vigotski at mesmo nos anos 50 o envolvimento com a disciplina precisou ser explicado posteriormente como um erro insignificante, ocasional, na re-introduo de sua obra na psicologia sovitica (Kolbanovskii, 1956). Uma anlise detalhada da emergncia e uso do conceito de ZBR dada alhures (Van der Veer & Valsiner, 1991, no prelo, captulo XII). Aqui ns traamos as vias especficas pelas quais o desenvolvimento prvio da teoria (a teoria histrico-cultural) de Vigotski e sua nova concentrao na pedologia terica junto com suas aplicaes em contextos educacionais, deram origem ao seu uso do conceito de ZBR. Razes da ZBR na teoria histrico-cultural Pode-se argumentar que a lgica de desenvolvimento da teoria histrico-cultural de Vigotski levou necessidade de conceitualizar os processos desenvolvimentais que operam no domnio da transformao presente-futuro das estruturas de funcionamento do sistema psicolgico. Diferentes investigaes (Leontiev, 1932; Luria, 1928; Vigotski, 1929) dentro da abordagem histrico-cultural, junto com a idia germinal10 da pessoa libertando a si mesma dos limites de uma dada situao atravs da mediao baseada em signos11 e da ao instrumental, tinham demonstrado as possibilidades do progresso posterior da criana para alm de seu nvel de funcionamento psicolgico presente. Contudo, os processos efetivos12 pelos quais estas possibilidades tornam-se realidade na ontognese no estavam ainda delineados. Pode ser razovel caracterizar o foco histrico-cultural no papel da mediao dos processos psicolgicos em 1927-31 como primariamente microgentico em sua nfase. A maior parte dos estudos empricos que so conhecidos daquele perodo era baseada em experimentao microgentica e envolvia comparaes de grupos etrios (na maioria dos casos, numa amostra natural). Uma vez que as idias histrico-culturais de Vigotski emergiram no contexto de sua

    8 N.T.: em Leningrado os principais nomes da psicologia sovitica a partir desse perodo seriam os de D. B. Elkonin e de S. L. Rubinshtein. 9 N.T.: este livro j foi traduzido ao portugus e editado no Brasil: Valsiner, J. e Van der Veer, R. Vygotsky: uma sntese. So Paulo: Loyola: Unimarco. 1996. 10 N.T.: no original root-idea, a idia-raiz, aquela da qual outras se originam ou qual outras esto articuladas. 11 N.T.: no original sign-based mediation, talvez pudssemos traduzir por mediao semitica, mas no o fizemos pelo fato de que os autores poderiam ter optado por semiotic mediation e no o fizeram nesse caso. 12 N.T.: actual processes talvez tambm pudssemos traduzir por processos reais. Ver a nota 7 na pgina 2.

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  • fascinao com os experimentos de Wolfgang Kohler sobre resoluo de problemas em primatas e os de Piaget com crianas (e.g. Vigotski & Luria, 1930), no surpresa que o foco microgentico dominasse sobre o ontogentico na anlise do desenvolvimento. apenas por volta do perodo em que a pedologia tornou-se o tema dominante no prprio pensamento de Vigotski que surge a necessidade de uma anlise ontogentica de como os diferentes processos psicolgicos vo reestrurando-se (i.e., sua nfase nas crises no desenvolvimento13 em diferentes idades Vigotski, 1933/1984b; 1933/1984c; 1933/1984d). A maior ligao entre a teoria histrico-cultural e a pedologia foi o manuscrito de Vigotski A histria do desenvolvimento das funes psicolgicas superiores (Vigotski, 1931/1983). A questo central que formou esta ligao foi a possibilidade (proporcionada pelo mtodo da dupla estimulao a principal contribuio da teoria histrico-cultural metodologia) de estudar a emergncia da livre vontade14 na ontognese (Vigotski, 1931/1983 pp. 290-291). A questo do controle intencional de funes psicolgicas era o divisor central entre os nveis de organizao psicolgica superior e inferior, neste momento Vigotski coloca para si mesmo o problema de traar a sntese dos processos superiores prospectivamente na ontognese. bvio que, em sua perspectiva sociogentica, o significado da livre vontade do indivduo foi posicionado de modo a ser delimitado pelo contexto15 enfatizando a reconstruo interna das sugestes sociais externamente dadas. Tal reconstruo interna toma a forma da construo pela criana de instrumentos psicolgicos para ser capaz de um gerenciamento voluntrio de seu prprio self16. A livre vontade (a qual realmente livre apenas num sentido limitado, j que envolve o reconhecimento dos limites do uso de estratgias de ao j desenvolvidas) indica a possibilidade de a criana transcender a estrutura do ambiente social dado. O desenvolvimento da criana torna-se crescentemente livre no sentido de que vai alm do ambiente dado no jogo infantil, na fantasia do adolescente (Vigotski, 1931d, p. 455), e na interao social com outros (Vigotski, 1931d, pp. 16-17). Este desenvolvimento da livre vontade delimitado pelo contexto instrudo socialmente por intermdio dos esforos de formao17 despendidos pelos outros sociais com os quais a criana interdependente. Estes esforos so enformados pelas metas que estas pessoas ao redor da criana estabeleceram por elas mesmas. A questo crucial para Vigotski em 1931 tornou-se: para quais funes psicolgicas as que podem ser observadas j no presente, ou as que esto no processo de emerso18 deveriam ser direcionados os esforos de educao da vontade. Sua resposta (Vigotski, 1931/1983, p. 295) era clara nestas e no naquelas. nesta juno no pensamento de Vigotski que seu ncleo terico de compreenso dialtica do desenvolvimento encontra seu foco aplicado sobre o processo de ensino-aprendizagem19 (tal como ele guia a criana na direo de superar20 o presente estado

    13 N.T.: no original: crises in development. 14 N.T.: free will, habitualmente tambm passvel de traduzir-se como livre arbtrio. Fomos desincentivados a usar este termo devido sua forte presena nas tradues das obras de Santo Agostinho em portugus, ainda que ela pudesse ser contrastada com seu uso tambm em tradues de textos de Sartre e outros existencialistas. Mas tambm no estamos muito certos de que livre vontade seja a melhor opo, at porque os prprios autores trabalhar o termo j sempre entre aspas. 15 N.T.: no original context-bound. 16 N.T.: no original a palavra mesmo self e ali j aparece entre aspas em todo o texto as aspas so sempre dos prprios autores. 17 N.T.: rearing efforts. To rear: to care for young children or animals until they are fully grown (Oxford p. 1100). 18 N.T.: in the process of emerging, talvez no processo de emergncia... 19 N.T.: neste texto, as palavras ensino-aprendizagem vm unidas acompanhando a opo dos autores no original: teaching-learning. Provavelmente essa forma remete a uma traduo do termo russo obutchienie que pode ser traduzido como instruo mas que se refere tanto ao ensino quanto aprendizagem a este termo que as tradues brasileiras se

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  • de ser, com o suporte material das funes psicolgicas existentes presentemente, a fim de levar adiante o desenvolvimento das novas). Idias similares foram expressas por colaboradores de Vigotski em diferentes contextos. Zaporozhets (1930, p. 232) criticou os mtodos de testagem de QI por sua cegueira com relao ao estudo dos processos de desenvolvimento intelectual posterior da criana e Luria explicou a mesma idia atravs do uso de uma linguagem neurofisiolgica:

    O formador21 no obrigado a esperar at a maturao do sistema nervoso levar adiante a superao da natureza difusa dos processos neurodinmicos - ele confrontado com a possibilidade de incluir estes processos neurodinmicos nos sistemas psicolgicos de comportamento mais elevados e, atravs deste, reorganizar aqueles no de "baixo" mas de "cima". (Luria, 1931, p.28)

    Para compreender a emergncia do uso da ZBR no discurso de Vigotski, importante ter em mente a nfase consistente nos processos psicolgicos em desenvolvimento que formam a estrutura dinmica holstica22 da personalidade da criana. O esforo de Vigotski para explicar a ontogenia23 humana levou-o a conciliar a teoria desenvolvimental e as tradies pedolgicas. Esta dualidade de focos sobre a teorizao desenvolvimental e as aplicaes pedolgicas (diagnstico baseado em testes) bvia j em 1931. No mesmo manuscrito onde a idia bsica de formao social de processos ainda-no-desenvolvidos expressa, ns podemos traar as razes do pensamento que posteriormente serve como ilustrao para seu conceito de ZBR (captulo XIV O problema da idade cultural Vigotski, 1931/1983: a distncia entre a performance individual e a assistida socialmente). Vigotski argumentava contra a mensurao da inteligncia por meio da documentao de funes psicolgicas (mentais) que j tenham terminado o curso de seu desenvolvimento (idid., pp. 308-309). Usando a comparao com um clnico que na base de sintomas observveis pode diagnosticar as causas bsicas de uma dificuldade, ele explica a necessidade de a testagem mental ir alm da mera documentao dos sintomas observveis para a explicao dos sistemas causais bsicos. De fato, a definio tradicional de inteligncia medida pelos testes de inteligncia equivaleria a uma declarao de um mdico de que o paciente est com gripe porque o termmetro indica que a temperatura do corpo est acima do normal. A psicologia tem tido uma longa histria de transformao semntica de seus conceitos descritivos baseados na mensurao em conceitos causais atribudos ao que est por trs destas mensuraes (variveis latentes ou caractersticas). Vigotski reconheceu tal impasse terico bem antes de comear a usar o conceito de ZBR. Ironicamente, como ns veremos depois, tal conceito por si mesmo tem sofrido a transformao de descritivo para causal desde os anos 30. Resumindo por volta de 1931, Vigotski tinha chegado necessidade terica de conceitualizar a construo do futuro na ontognese humana. Todas as idias que iro posteriormente jogar um papel relevante no uso do conceito de ZBR j estavam em uso em seu pensamento: a necessidade de concentrar-se na facilitao social das funes em referem quando se fala da aprendizagem nas clebres discusses sobre as relaes entre desenvolvimento e aprendizagem. 20 N.T.: overcoming. 21 N.T.: rearer. To rear: to care for young children or animals until they are fully grown (Oxford p. 1100). 22 N.T.: holistic dynamic structure. 23 N.T.: a palavra usada pelos autores ontogeny e no ontogenesis.

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  • desenvolvimento, o papel do jogo e da fantasia auxiliando a pessoa a ir alm do presente, e a relevncia das sugestes e interaes sociais no processo de internalizao. Contudo, Vigotski havia jogado com estas idias sem um conceito unificante e esta funo que o termo ZBR parece ter assumido na prpria histria das idias de Vigotski. As origens do conceito de ZBR no discurso de Vigotski Em algum momento entre 1932-1933, Vigotski comeou a usar a noo de ZBR. Uma vez que a maior parte da criatividade de Vigotski nestes anos tomou a forma de numerosos, redundantes e pobremente preservados estenogramas/notas de conferncias (mais do que manuscritos completos), pode ser que jamais estejamos aptos a documentar com exatido a primeira vez em que o termo foi usado. Est claro que ele usou o termo de ZBR explicitamente durante 1933 em vrias conferncias e apresentaes sobre pedologia. A mais antiga meno documentada da ZBR pode ser encontrada numa conferncia em Moscou, no Instituto Epshtein de Defectologia Experimental em 17 de maro de 1933. O ttulo da verso publicada a partir da apresentao oral Sobre a anlise pedolgica do processo pedaggico (Vigotski, 1933/1935a) reflete o contexto em que o uso daquele conceito veio tona. Ele reintegra a principal idia terica do timing de interveno instrucional com a primeira meno do conceito (juntamente com a expresso de reconhecimento ao trabalho de Ernest Meumann):

    Investigaes levaram os pedologistas idia de que se deve determinar pelo menos um duplo nvel de desenvolvimento infantil, a saber: primeiro, o nvel de desenvolvimento real24 da criana, i.e., aquele que j est maduro no dia presente; e em segundo lugar, a zona do seu desenvolvimento mais prximo25, i.e., aqueles proces-sos no desenvolvimento posterior destas mesmas funes que, como no esto maduras hoje, ainda esto a caminho neste momento, esto agora brotando e j amanh sero fruto26; j amanh transferir-se-o ao nvel de desenvolvimento real. (Vigotski, 1933/1935a, p.120)

    Torna-se claro, a partir desta primeira meno verificvel do conceito de ZBR por Vigotski, que seu uso do termo era um artifcio mediacional para sua produo de uma juno entre diferentes linhas de suas idias. A metfora botnica brotando27 indica seu foco na oposio entre as funes presentemente observveis (j formadas) e as presentemente ainda no observveis (no formadas ainda). A prxima evidncia textual crucial da sntese de Vigotski da estrutura dos processos desenvolvimentais com as questes de diagnstico pedolgico dos nveis de desenvolvi-mento vem da verso apenas recentemente publicada (Vigotski 1933/1984a, p. 264) de sua

    24 N.T.: level of actual development ver a nota 7 na pgina 2. 25 N.T.: zone of his nearest development ou, como conhecemos, zona de desenvolvimento proximal. Nesse caso manteremos a opo dos autores, pois poderiam ter utilizado a traduo zone of proximal development, mas preferiram realizar uma traduo mais literal do termo russo zona blijaichiego razvitia. 26 N.T.: are already growing through and already tomorrow will be fruit. 27 N.T.: growing through poderamos ter traduzido como crescendo, ou algo similar, mas a idia de que se trata de uma metfora botnica, parece adequar-se mais traduo brotando.

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  • conferncia no Instituto Pedaggico de Leningrado em 23 de maro de 1933. Muito provavelmente, sua apresentao oral nesta data foi convertida em texto escrito no final de 1933 ou incio de 1934 (j que primeira meno a este texto datada de 1934 ver Vigotski, 1934, p. 323). Na primeira parte deste texto, Vigotski enfatiza a natureza dos processos desenvolvimentais enquanto reorganizao estrutural qualitativa (sntese dialtica). Ele descreve o curso do desenvolvimento da criana como caracterizado por perodos de avano calmo ou corriqueiro28 que so separados de outros por tempos de crise. Os ltimos so os perodos relevantes de desenvolvimento, enquanto uma progresso ontogentica que toma uma forma catastrfica e assemelha-se a saltos revolucionrios29 (Vigotski, 1933/1984a, p.249). Os pontos exatos de incio e fim das crises no podem ser captados de um modo exato, mas os perodos durante os quais as transformaes efetivas30 das estruturas psicolgicas tm lugar podem ser definidas por causa de sua aparncia desorganizada e sua natureza catica. Seis perodos de crise no desenvolvimento da criana foram sublinhados por Vigotski: aquele da idade dos recm-nascidos, o primeiro, o terceiro, o stimo, o dcimo terceiro, e o dcimo stimo anos. durante estes perodos que a emergncia de nveis mais elevados de organizao psicolgica tem lugar. Vigotski estava sempre apto a ver a mudana desenvolvimental como um processo de sntese dialtica (ver Van der Veer & Valsiner, 1991, no prelo), e os perodos de crise na ontognese mostravam-no onde procurar por fenmenos desenvolvimentais relevantes. em sua descrio do processo de sntese dialtica durante os perodos de crise que Vigotski explica de um modo mais detalhado31 a idia de unidade de evoluo e involuo (tirada de J. M. Baldwin) qual ele explicitamente alude em numerosas apresentaes:

    O desenvolvimento progressivo da personalidade da criana, contnua construo do novo, que era expresso to claramente em todos os perodos etrios estveis, dilui-se um pouco ou pra durante os perodos de crise. A extino e contrao, desintegrao e decomposio dos processos previamente formados que caracteri-zam a criana de dada idade movem-se ao plano frontal. A criana durante perodos crticos no adquire tanto, mas perde o que tinha conquistado antes32 (Vigotski 1933/1984a, p. 251)

    Os processos de involuo dominam sobre os de evoluo durante os perodos etrios de crise. Contudo, cada crise tem seu prprio ponto de culminncia (Kulminatsinnaia tochka) que o locus no qual a sntese dialtica completada. A idia de Vigotski de perodos de crise na ontognese humana, tal como expressa em 1933, contnua com relao s idias de um ponto de salto qualitativo33 na reao dos leitores a textos literrios

    28 N.T.: uneventful: in wich nothing interesting, unusual or exciting happen (Oxford - p. 1472). 29 N.T.: revolutionary breakthroughs breakthrough: an important development that may lead to na agreement or achievement (Oxford p. 153) 30 N.T.: actual. 31 N.T.: Vygotsky elaborates elaborate: to explain or describe something in more detailed way (Oxford p. 424). 32 N.T.: A idia parece estranha mas trata-se de um modo de tentar falar da involuo, literalmente: but loses what was attained before. 33 N.T.: qualitative breakthroughs.

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  • em seus escritos dos anos 1916-25 (ver Van der Veer & Valsiner, 1991 no prelo34). O que claramente diferente de suas primeiras aplicaes da idia de sntese dialtica, contudo, a consistente nfase na estrutura de processos de tipo psicolgico35 que supem-se tornarem-se ligados a outros de novas maneiras nos perodos de crise, conduzindo ento emergncia de uma estrutura de funes psicolgicas nova (qualitativamente superior). Considerava-se que o processo (que no foi delineado em detalhes explcitos por Vigotski) formava duas linhas: aquelas que eram mais ou menos imediatamente ligadas com as principais formaes novas foram chamadas linhas centrais de desenvolvimento, enquanto outros processos (particulares) de desenvolvimento, em dada idade, eram delegados ao status adjunto (Vigotski, 1933/1984a, p. 257). A mesma funo psicolgica a fala, por exemplo pode desempenhar um papel adjunto no desenvolvimento em momentos iniciais da infncia36, torna-se central num momento posterior da infncia37, e depois torna-se adjunta nos seguintes perodos etrios. A sntese dialtica efetiva38 nos perodos de crise conduz reorganizao da estrutura das funes psicolgicas centrais e adjuntas por caminhos que engendram novas funes tendo por base a perda e a reorganizao das anteriores. Infelizmente, Vigotski nunca deu um exemplo completo de como estas snteses dialticas tm lugar, dada uma estrutura especfica de funes psicolgicas. Em vez disso, voltou-se para a nfase no papel da situao social de desenvolvimento em cada transio qualitativa. Se ns conhecemos a situao social de desenvolvimento no incio de um perodo de desenvolvimento, ento ns podemos proceder a um estudo de como novas funes psicolgicas podem surgir naquela situao (ibid., pp. 258-259). Certamente tal nfase abriu a ampla possibilidade de discutir a importncia da assistncia social39 no desenvolvimento da criana individual. O salto abrupto40 dado por Vigotski, das questes das transformaes estruturais das funes psicolgicas para a nfase (mas no elaborao) sobre o papel da situao social de desenvolvimento, pode ser visto como o incio de toda a confuso posterior a que os conceitos ZBR e ZPD tm sido submetidos no discurso cientfico. Por ltimo, Vigotski trouxe o conceito de ZBR para dentro de sua argumentao mas em conjuno com questes aplicadas (ibid., pp. 260-268). aqui onde o diagnstico do nvel de desenvolvimento torna-se claramente ligado com a nfase na heterocronia no desenvolvimento das diferentes funes psicolgicas (ibid., p. 262). Uma vez que os pontos de formao final de diferentes funes psicolgicas diferem, num dado instante alguns destes processos esto se aproximando de seus respectivos momentos de formao, enquanto outros j esto formados. A tarefa do diagnstico de desenvolvimento era definida por Vigotski aqui em termos similares sua conferncia em Moscou na semana anterior como a anlise dos processos ainda-no-emersos41 porm agora-em-desenvolvimento42 (paralelos com aqueles

    34 N.T.: esta citao corresponde a um livro j editado no Brasil: Valsiner, J. e Van der Veer. Vygotsky: uma sntese. So Paulo: Loyola e Unimarco. 1996. 35 N.T.: of psychological kind. 36 N.T.: aqui onde colocamos momento inicial da infncia, a palavra era infancy: the time when a child is a baby or very young baby (Oxford p. 694). Como apontam alguns autores, Infans, na raiz, significaria literalmente sem fala, que no fala, etc. 37 N.T.: j aqui onde colocamos momento posterior da infncia, a palavra era early childhood, uma infncia inicial mas no to inicial quanto infancy. Mas no dicionrio que consultamos, no h uma especificao mais tcnica para early childhood childhood: the period of somebodys life when they are a child (Oxford p. 216). 38 N.T.: actual. 39 N.T.: social assistance assistance: (formal) help or support (Oxford p. 66). 40 N.T.: talvez repentino, a palavra immediate: happening or done without delay (Oxford 676). 41 N.T.: not-yet-emerged. 42 N.T.: now-developing.

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  • j efetivados43). da posio deste imperativo metodolgico que Vigotski continua a falar sobre a ZBR, e lig-la com as questes de ensino-aprendizagem como uma aplicao prtica daquele imperativo (ibid., p. 265). A terceira apresentao relevante envolvendo a introduo do conceito de ZBR teve lugar trs meses depois quando Vigotski fez uma apresentao sobre o desenvolvimento de conceitos cotidianos e cientficos no Instituto Pedaggico de Leningrado em 20 de maio de 1933 (Vigotski, 1933/1935e). Os tpicos cobertos em tal apresentao so paralelos queles que tm estado disponveis mais extensa gama de leitores44 j h um bom perodo de tempo (Vigotski, 1934 captulo 6; em ingls Vigotski, 1962, 1986, 1987). O principal foco da apresentao foi a questo de como os conceitos cientficos baseados na aprendizagem escolar esto ligados em seu desenvolvimento com os conceitos cotidianos (referindo-se ao trabalho de Shif, 1935). Declarou-se que em tal processo, os conceitos cientficos que so introduzidos na escola vo alm do desenvolvimento dos conceitos cotidianos, mas ao mesmo tempo so baseados nestes. Portanto, importante adaptar a apresentao dos conceitos cientficos na escola prvia prontido potencial45 da criana (baseada no desenvolvimento dos conceitos cotidianos) os conceitos cientficos so introduzidos de cima para reorganizar a estrutura presente dos conceitos cotidianos que tm se desenvolvido previamente de baixo parafraseando as idias de Luria citadas acima. Resumindo dentro de um perodo de dois meses (maro-maio de 1933) Vigotski foi visto destacando o conceito de ZBR e usando-o ativamente em diferentes contextos. De todos estes usos do conceito o que prevaleceu foi o descritivo marcando a nfase sobre o estudo das funes psicolgicas em desenvolvimento (em oposio quelas j desenvolvidas). A necessidade de um termo descritivo para mediar tal nfase j estava presente no pensamento histrico-cultural46 de Vigotski sobre a pedologia como a cincia do desenvolvimento47. Contudo, o rtulo pedologia era usado na Unio Sovitica na poca para denotar um movimento de estudos da criana altamente heterogneo que tinha importado muitos de seus mtodos da Europa e da Amrica do Norte. em suas disputas com os pedologistas contemporneos que o termo ZBR foi usado extensivamente por Vigotski para seus propsitos retricos. Os usos do conceito de ZBR por Vigotski em diferentes contextos Se ns tomamos uma perspectiva sobre o uso do conceito de ZBR por Vigotski como um dispositivo de mediao retrica48 para suas disputas com seus contemporneos, torna-se fcil compreender porque o uso deste conceito ocorre em diferentes contextos, e porque nunca h um ntido esforo para esclarecer o termo por vias tericas. Nos ltimos quinze meses de sua vida, Vigotski fez numerosos (mas muitas vezes de passagem) usos do conceito de ZBR. Os

    43 N.T.: actualized. 44 N.T.: Aqui gama de leitores est por readership: the number or type of people who read a particular newspaper, magazine, etc. (Oxford 1097) o sentido geral parece ser o de estes textos j esto melhor, ou mais amplamente, divulgados, popularizados. 45 N.T.: previous potential readness o termo prontido no soa bem pela carga terica que traz em portugus, mas em ingls a palavra mesmo readness: the state of being ready or prepared for something (Oxford p. 1097). 46 N.T.: cultural-historical thinking, como cultural-historical theory. 47 N.T.: Literalmente: as the science of development. 48 N.T.: rhetoric mediating device.

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  • textos remanescentes49 de Vigotski nos proporcionam um potpourri de exemplos do uso do conceito de ZBR. Se ns olhamos em retrospectiva50 para o corpus de declaraes sobre ZBR que esto disponveis nos trabalhos de Vigotski subsistentes e publicados, trs direes so discernveis. Primeiro, ZBR era explicada na linguagem da diferena de escores entre as condies de execuo assistida e individual (Vigotski 1933/1935b; tambm uma descrio detalhada destes exemplos em Van der Veer & Valsiner, 1991 no prelo; Vigotski 1933/1984a). Em segundo lugar (como uma extenso generalizada da primeira linha), a nfase na explicao da ZBR era sobre a diferena geral (no-quantitativa) entre a capacidade da criana em contextos socialmente assistidos (Vigotski, 1934 captulo 6; 1935c), e em contextos individuais (sem a referncia direta noo de diferena de escore). Em ambos os casos, contudo, estes esforos explicativos tinham o significado de comunicar uma idia terica principal o desenvolvimento infantil est num dado momento num processo de emergncia difcil de observar, que mascarado pelos (facilmente visveis) resultados intermedirios ( nvel de desenvolvimento real51). fcil ver como ambas as verses da ZBR, tanto a da diferena de escore quanto a da assistncia social, so reflexos do mesmo processo de descrio do desenvolvimento que ns sublinhamos acima. O primeiro origina-se do esforo retrico de Vigotski para redirecionar os esforos diagnsticos dos pedologistas das anlises dos resultados do desenvolvimento baseadas em testes para a estimao dos potenciais de desenvolvimento futuro. O segundo uma exposio da questo prtica de como ligar o processo de ensino-aprendizagem com o desenvolvimento no contexto da escolarizao. A terceira linha no uso de Vigotski do conceito de ZBR tira-o da situao social imediata52 para o mundo mediado por objetos53. Em uma de suas conferncias no Instituto Pedaggico de Leningrado em 1933 devotadas ao jogo, Vigotski reivindica para o jogo um status similar ao do ensino-aprendizagem em interdependncia com desenvolvimento. Explicitamente, ele argumentava que o jogo cria a ZBR:

    No jogo a criana sempre superior sua mdia de idade, superior ao seu comportamento usual de todo dia; no jogo ela est como que frente de si mesma. O jogo contm de modo condensado, como no foco de uma lente de aumento, todas as tendncias do desenvolvi-mento; no jogo a criana tenta como que completar um salto sobre o nvel de seu comportamento ordinrio.

    A relao do jogo com o desenvolvimento poderia ser comparada com a do ensino-aprendizagem com o desenvolvimento. As mudanas de necessidades e a conscincia de um tipo mais geral situam-se por detrs do jogo. O jogo o recurso do desenvolvimento e cria a zona do desenvolvimento mais prximo54. A ao no campo imaginrio, na situao imaginada, a construo da inteno voluntria, a formao do plano de vida, motivos da vontade tudo

    49 N.T.: survived. 50 N.T.: look back: to think about something in your past (Oxford 792). 51 N.T.: actual level of development. 52 N.T.: immediate social situation. 53 N.T. obcject-mediated world. 54 N.T.: the zone of nearest development, ou seja, a zona blijaichiego razvitia.

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  • isso emerge no jogo e... f-lo a nona onda55 do desenvolvimento na idade pr-escolar (Vigotski, 1933/1966, pp. 74-75)

    A discrepncia aparente entre a natureza interpessoal do ensino-aprendizagem e o foco largamente individual sobre o jogo56 como criadores da ZBR pode ser superada simplesmente pontuando que Vigotski estava falando sobre o desenvolvimento das crianas em idade pr-escolar no contexto do jogo, e sobre o desenvolvimento das crianas em idade escolar em conjuno com o ensino-aprendizagem, contudo esta uma questo menor que pode meramente ajudar-nos a organizar a mirade de idias com as quais Vigotski lidava. De um modo mais importante, o papel equivalente do jogo e do ensino-aprendizagem na criao da ZBR ajusta-se exatamente ao pano de fundo terico geral (descrito acima) com base no qual Vigotski props o conceito de ZBR. Uma vez que a principal nfase de Vigotski era no desenvolvimento da estrutura das funes psicolgicas, as diferentes condies contextuais para tal desenvolvimento renem-se no domnio da experincia pessoal (pierejivanie57 em russo melhor traduzido como o processo de experienciar e o estado de estar vivendo58). A noo de experincia sugerida por Vigotski como a unidade de anlise na teorizao psicolgica sobre a personalidade, num paralelo exato com o uso dos significados das palavras como unidades de anlise do pensamento59 (Vigotski, 1933/1984d, pp. 382-383). No processo de experincia pessoal, a capacidade de uma criana em desenvolvimento para erguer-se acima de si mesma sob condies de assistncia social, e atravs da auto-ajuda60 do jogo de regras ou de papis61, tornam-se equivalentes. Assim, o conceito de ZBR era usado por Vigotski para enfatizar o processo de construo das estruturas futuras das funes tendo por base a experincia presente da criana. O mecanismo que cria ZBR: imitao Para Vigotski, o uso do conceito de ZBR era mais descritivo do que explicativo. Seu uso enfatizava a necessidade de conceitualizar o sistema causal do desenvolvimento que liga o presente com o futuro. ZBR era consistentemente usada para lembrar aos pedologistas sobre a necessidade de avanar para alm do mundo das aparncias (documentao dos resultados do desenvolvimento) e atingir a anlise das proto-funes e olhar para os mecanismos que levam o desenvolvimento at a sua formas plena62. ZBR no funcionaria em tal papel explicativo. Em vez disso, Vigotski retornou idia de imitao e enfatizou que este o mecanismo que serve de base para o desenvolvimento (Vigotski, 1933/1984a, p. 263; 1933/1935b, p. 49;

    55 N.T.: no original est nineth wave talvez trate-se de uma expresso metafrica, no conseguimos saber do que se trata exatamente e portanto no pudemos buscar uma expresso correlata em portugus. 56 N.T.: largely individual focus of play no nos parece que o foco de Vigotski sobre o jogo seja estritamente individual, mas so estas as palavras dos autores. 57 N.T.: pieriejivanie uma palavra que tambm poderia ser traduzida, num significado corrente, i.e. no cientfico e/ou filosfico, como emoo ou ainda provao segundo Voinova, N. e Starets, S. Dicionrio prtico russo-portugus. Moscou: Russki Yazik. 1986 p. 226. 58 N.T.: the process of experiencing and state of living through. 59 N.T.: em outros lugares temos ouvido falar do significado da palavra como unidade de anlise para o estudo da conscincia por ser um fenmeno tanto da fala quanto do pensamento. Mas aqui os autores dizem exatamente word meanings as units of analysis of thinking. 60 N.T.: self-help. 61 N.T.: talvez outro trocadilho rule- or role- play. 62 N.T.: entre aspas j no original, alis, tudo o que vem entre aspas na traduo tambm est assim no original, em momento algum acrescentamos aspas.

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  • 1933/1935e, p. 109). Vigotski argumenta que apenas as crianas humanas63 so capazes de realizar uma imitao de outros (em contraste com os macacos estudados por Wolfgang Khler), e que a capacidade para a imitao torna possvel a existncia da ZBR. Em outros termos Vigotski percebeu o processo de imitao como o mecanismo de desenvolvimento64. Deve-se esclarecer aqui que o significado do termo imitao era tomado por vigotski num sentido amplo, prximo ao conceito de imitao persistente de James Mark Baldwin (Vigotski, 1935c, p. 13, cf. Baldwin, 1892). Tal conceito implica imitao de modelos (socialmente dados) para alm de copi-los (ao invs de meramente a produo de um ato de cpia, quando muito). Ento, a imitao persistente iguala a experimentao construtiva com o dado modelo, e sua transformao em uma nova forma ambos em aes direcionadas para o modelo e na resultante internalizao da compreenso do modelo. Se a imitao persistente o processo bsico que opera sobre as funes dentro da ZBR em algum dado momento, ento as trs diferentes categorias de explicaes sobre ZBR que Vigotski deu em diferentes lugares tornam-se unidas. Processos de imitao so envolvidos em todos os casos - quando a noo de diferena de escores usada, Vigotski coloca a questo da ligao do aspecto diagnstico da ZBR com a idade mental ideal da classe o nvel de demandas de ensino dos aprendizes na classe que se equipara a dada ZBR das crianas (Vigotski, 1933/1935b, p. 47). O conhecimento da ZBR de uma criana em particular no sentido de diferena de escore, e aquele da dada classe, permite ao pedologista estabelecer condies timas para o trabalho de imitao. Do mesmo modo, qualquer situao social cria oportunidades para a imitao. A criana constri estas oportunidades para si mesma criando, para si prpria, jogos baseados em regras65. Num veio similar, adolescentes e adultos criam oportunidades para seu prprio desenvolvimento em seus mundos de fantasia. Irreversibilidade do tempo e ZBR: algumas implicaes Ns atingimos um ponto essencial o conceito ZBR de Vigotski foi usado descritivamente para cobrir diferentes fenmenos que so derivados do mesmo sistema causal bsico. O sistema causal, contudo, estava insuficientemente especificado por ele. Por um lado, Vigotski seguiu a direo do pensamento sciogentico de Baldwin, Janet e outros, atribuindo imitao o papel de fora motriz do desenvolvimento. Ento, o conceito de ZBR torna-se uma descrio externa do campo cujas fronteiras coincidem com o que a criana pode imitar numa dada poca. Por outro lado, Vigotski desenvolveu a idia de emergncia heterocrnica de diferentes funes psicolgicas, entre as quais algumas j esto formadas no momento presente, e outras esto ainda em formao. sobre estas que deve dirigir-se qualquer esforo, direcionado a metas, de desenvolvimento assistido66. Em outros termos, o ensino-aprendizagem adianta-se ao desenvolvimento no no sentido literal de um processo precedendo o outro no tempo, mas no sentido de que neste tempo (=o presente) o processo de ensino-aprendizagem funcionalmente interdependente com os processos desenvolvimentais que esto emergindo mas que ainda tm que tornar-se estabelecidos. 63 N.T.: human children. 64 N.T.: parece-nos forte demais dizer que a imitao o mecanismo e no um dos mecanismos e a prpria palavra mecanismo soa estranho, mas os autores dizem exatamente as the mechanism of development. 65 N.T.: rule-based play. 66 N.T.: goal-directed effort of guiding development. Talvez esforo, dirigido a metas, de assistir (guiar) o desenvolvimento guiding: giving advice or help, having a strong influence of people (Oxford p. 599).

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  • Conseqentemente, emerge um paradoxo metodolgico: enquanto o processo de ensino-aprendizagem cria a ZBR (Vigotski, 1933/1935a, p. 134; 1935c, p. 16) no presente, no h uma via na qual algum possa estudar tal processo diretamente, dentro do presente. Os esforos para caracterizar a ZBR empiricamente requerem uma transposio do foco de uma cobertura simultnea dos processos desenvolvimentais para uma comparao de sucessivos efeitos de formao destes processos (ver Figura 1).

    FIGURA 1. A projeo do presente ao futuro mais prximo, no conceito de ZBR de Vigotski. Na figura 1 ns tentamos representar graficamente esta transposio. Diferentes funes psicolgicas (a...f) desenvolvem-se em vias heterocrnicas, cada uma das quais atingindo o estado de forma final reconhecvel em momentos diferentes no tempo ontogentico (linha do tempo horizontal). O desenvolvimento destas funes no pode ser observado antes de atingirem sua forma final, mas seu desenvolvimento posterior (e.g. integrao de funes a e b j formadas, numa nova funo g) pode ser observado subseqentemente. Na PRESENTE fatia de tempo, relativamente fcil observar a presena daquelas funes psicolgicas que esto bem formadas (d, c, g), mas impossvel observar diretamente aquelas (f, e) que esto apenas no processo de aproximao s suas formas finais reconhecveis. Enquanto o foco imediato a ZBR ( barra y na Figura 1), no h como ter acesso a elas. Vigotski tentou resolver este paradoxo acreditando que nos processos de tentativas, socialmente auxiliadas, de resolver novos problemas o investigador pode ter um relance67 do curso de desenvolvimento futuro mais prximo das funes psicolgicas 67 N.T.: talvez um vislumbre, uma rpida viso, a palavra glimpse: a look at somebody/something for a very short time, when you do not see the person or thing completely (Oxford p. 571).

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  • envolvidas naquele processo. Seguindo tal linha de raciocnio, pode-se conhecer o contedo de y apenas se algum guia as funes envolvidas em direo de suas formas finais no futuro. Ento, o PRESENTE oculto (y) torna-se transposto ao FUTURO (x) mais prximo (ZBR concept translation na Figura 1). Aqui est o paradoxo que se interpe sobre o caminho do uso emprico do conceito de ZBR de Vigotski ele refere-se aos processos ocultos do presente que podem tornar-se explicados na realidade apenas como o presente tornado passado (o mais prximo), enquanto o futuro (mais prximo) torna-se o presente. Contudo, alguns esforos empricos (incluindo os experimentos de ensino utilizando o mtodo da dupla estimulao) podem ter lugar apenas dentro do presente (dada a restrio da irreversibilidade do tempo). por esta razo que o conceito de ZBR no pde ser especificado por Vigotski em uma nfase mais detalhada do que generalizada sobre a necessidade de prestar ateno ao processo de desenvolvimento que est construindo o novo presente que correntemente futuro tendo por base a organizao funcional da criana no atual presente. ZBR um poderoso recurso de retrica no dilogo de Vigotski com a pedologia sua contempornea. Apontou para a necessidade de estudar os processos de desenvolvimento on-line, mas proporcionou uma oportunidade muito pequena para uma teoria explcita do processo de desenvolvimento. A segunda complicao com o conceito de ZBR, do qual Vigotski tornou-se refm, a perda da nfase sobre a sntese dialtica. Como foi enfatizado acima (e alhures Van der Veer & Valsiner, 1991 no prelo) o tema da sntese dialtica est presente no pensamento vigotskiano desde seus anos de adolescncia at a sua morte. Este tema estava claramente presente em sua descrio dos fenmenos em desenvolvimento aos quais o conceito ZBR tambm era aplicado (jogo, interao social e internalizao, formao de conceitos). Contudo, em nenhum lugar nos textos de Vigotski onde ele usa o conceito de ZBR tal conceito feito dialtico nele mesmo. Por exemplo, uma criana demonstra a disponibilidade de uma funo psicolgica superior em uma situao de resoluo de problema socialmente guiada. sabido que esta funo no disponvel para a criana em seus esforos individuais de resoluo de problemas. Se, deste contraste, ns inferirmos que a criana no futuro prximo ir tornar-se capaz de usar tal funo individualmente, ento ns pensamos o desenvolvimento desta funo em termos de sua mera transposio do domnio inter-individual para o intra-individual. Nenhuma construo dialtica da novidade68 est implicada aqui. Se a construo dialtica estivesse implicada, ns poderamos esperar que uma funo psicolgica que est evidente na resoluo de problemas socialmente auxiliada no tempo presente conduzisse a uma funo individual diferente no futuro prximo (i.e., a emergncia de uma forma nova69 nas funes psicolgicas no processo de internalizao). Se Vigotski fosse permanecer coerente com sua viso dialtica de mundo e levar em conta esta possibilidade em seu uso do conceito de ZBR, ento o estado futuro das funes psicolgicas de um indivduo no poderiam ser previstas atravs de usos diagnsticos dos contextos de soluo de problemas socialmente auxiliadas. Em vez disso, Vigotski teria que confessar que o estado de desenvolvimento num futuro prximo no pode ser predito a partir da interao criana contexto social, ainda que esta indubitavelmente desempenhe um papel na sntese do futuro (impredizvel) das funes psicolgicas. Novamente, o uso da ZBR por Vigotski em seu dilogo com os pedologistas no deixou-o detalhar estar implicaes (totalmente agnsticas) do conceito de ZBR. Neste sentido, a ZBR de Vigotski fica dissociada de muitas outras idias de sua herana terica.

    68 N.T.: novelty: the quality of being new, different and interesting (Oxford p. 904). 69 N.T.: novel form.

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  • De ZBR a ZDP: transformaes contemporneas do conceito Como ns mostramos, o conceito de ZBR de Vigotski est ligado com a dificuldade do paradoxo que a irreversibilidade do tempo estabelece para qualquer construto terico desenvolvimental. Desde que este conceito tem sido posto em evidncia por muitos investigadores contemporneos, estes problemas tericos do conceito tm sido sentidos muito agudamente na literatura. Algumas discusses recentes (Paris & Cross, 1988; Valsiner, 1985; Wertsch, 1984; Winegar, 1988) destacam vrios problemas que os psiclogos contemporneos enfrentam quando tentam construir seus conceitos ao longo das linhas da ZBR. Ento vale a pena analisar como estes problemas conceituais so manipulados por muitos pesquisadores cujo discurso inclui o uso da terminologia zona de desenvolvimento proximal (ZDP, ou Zo-ped).

    A imitao persistente do conceito ZBR de Vigotski pelos psiclogos contemporneos levou a diferentes linhas paralelas (e ocasionalmente ligadas) no desenvolvimento da ZDP. Winegar (1988) tem sublinhado trs linhas principais na histria dos usos da ZDP. A primeira linha envolve a avaliao relativa da performance de crianas (resoluo de problemas individual versus assistida). A segunda linha concentrada no uso da ZDP em situaes de aprendizagem interativa e aes conjuntas. Finalmente, Winegar tem sublinhado alguns usos da ZDP no contexto de esforos mais tericos na psicologia desenvolvimental. Todas estas linhas emergiram na teia das respectivas situaes sociais dos pesquisadores que tm se proposto a variados objetivos em seus esforos de pesquisa, e portanto chegam em diferentes verses do conceito de ZDP. Caracteristicamente, muitos deles tendem a usar o rtulo guarda-chuva de vigotskiano (ou neo-vigotskiano) na apresentao de suas direes do uso dos conceitos derivados da ZBR. Linha 1: da ZBR "mensurao dinmica" de habilidades Dadas as ativas explanaes de Vigotski sobre o conceito de ZBR na terminologia da testagem pedolgica tradicional, no surpresa que os pesquisadores contemporneos tenham desenvolvido o conceito de ZDP ainda atravs de linhas similares (Brown & French, 1979; Campione & Brown, 1987). O papel de mediador assumido por Aleksandr Luria na inaugurao desta linha digno de nota (ver Wozniak, 1980). A correspondncia da ZDP com a avaliao dinmica do potencial de aprendizagem tornou possvel adotar o uso irresistivelmente dominante do quadro de referncia70 inter-individual e estabelecer estudos das diferenas individuais. Ao mesmo tempo, o foco da avaliao dinmica permite aos investigadores ter em mente diferentes facetas do processo de aprendizagem da criana (Day, 1983). Alm disso, o processo de aprendizagem visto como uma propriedade da criana. A criana, quando confrontada com uma tarefa especificada e com dadas insinuaes (sugestes sociais) sobre como resolv-la, move-se rumo a uma soluo. Aps a soluo, a criana pode ser observada transferindo as estratgias a novas tarefas, e a eficincia da transferncia vista como a base para declaraes sobre a ZDP mais ampla ou mais estreita de diferentes crianas (Brown & Ferrara, 1985, p. 284). O conceito de ZDP torna-se interpretado em termos da prontido da criana, e seu uso mais estreito o das diferenas mtricas inter-individuais (Campione, Brown, Ferrara, & Bryant, 1984, pp. 78-79). Portanto, no surpresa que numa perspectiva terica interacionista, a questo de se

    70 N.T.: reference frame.

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  • melhor ou pior ter uma ZDP mais ampla ou mais restrita comece a propiciar respostas ambivalentes (ver Paris & Cross, 1988). O interesse no processo de aprendizagem e na transferncia do que foi aprendido pela criana est situado no quadro individual-ecolgico71 os estmulos do experimentador na situao de resoluo de problemas so uma parte (social) da tarefa estabelecida, mais do que um equivalente72 terceiro fator que regula a interao criana tarefa ambiental (ver Valsiner, 1987; 1989). O uso da ZDP na avaliao dinmica combina os quadros de referncia individual-ecolgico e o inter-individual, com o ltimo desempenhando um papel primrio no raciocnio dos investigadores. O desta linha tem estendido o lado pedolgico convencional da noo de ZBR de Vigotski, sem avano adicional73 na teoria desenvolvimental embrinica74 que est por trs dela. Linha 2: da ZBR aprendizagem interativa andaime, e algo mais Historicamente a nfase no andaime75 (Wood, 1980; Wood, Bruner, & Ross, 1976) tem acentuado a natureza externo-interacional da aprendizagem guiada da criana. Como Griffin & Cole (1984, p. 47) apontaram, a metfora do andaime deixa em aberto questes sobre a criatividade da criana. A nfase efetiva sobre a criana ir alm de dado andaime, construindo suas prprias funes psicolgicas para alm das restries especificadas pelo andaime, permanece sem ateno explcita. Em vez disso, a renncia pelo adulto do controle sobre aspectos da atividade conjunta que percebe-se que a criana capaz de realizar, torna-se relevante:

    Adulto e criana juntos obtiveram sucesso numa tarefa, mas a natureza de suas contribuies individuais variavam com o nvel de habilidade da criana. Uma vez que a criana fosse atrada para alguma forma de atividade relevante para a tarefa, contudo de baixo nvel, o tutor76 construiria ao redor dela uma estrutura de suporte que mantivesse no lugar tudo o que ela pudesse controlar. Tal atividade de suporte serviria para conectar a atividade da criana na construo geral e para proporcionar uma estrutura dentro da qual as aes da criana podem guiar-se e significar algo mais geral do que ela pode ter previsto. Assim que a criana domina os componentes da tarefa, ela est livre para considerar o contexto mais amplo do que ela poderia fazer, para tomar mais controle da atividade complementar. (Wood, 1980, pp. 281-282)

    Aqui est claro que a noo central da ZBR de Vigotski de que a imitao persistente da criana que desenvolve as funes psicolgicas emergentes no capturada na metfora do andaime. O tutor no trabalha na criao de quaisquer novas funes na 71 N.T.: is framed within the individual-ecological frame. 72 N.T.: equal. 73 N.T.: further advancement. 74 N.T.: embryonic developmental theory. 75 N.T.: a palavra scaffolding: metal poles and wood boards that are joined thogether to make a structure for workers to stand on when they are working high up on the outside wall of building (Oxford p. 1184). 76 N.T.: tutor: a private teacher, especially one who teaches an individual student or a very small group (Oxford p. 1456).

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  • profundidade da mente da criana, mas meramente torna claro que a heterocronia na maturao das funes superada em momentos particulares de soluo de tarefas. Se uma dada tarefa pode ser executada com a seqncia X-Y-Z, e a habilidade para realizar Y ainda no est madura, o tutor ajuda a criana a executar Y, assim torna possvel para a criana a resoluo da tarefa. Assim que a habilidade para Y amadurece, o tutor retira o suporte para Y, j que a criana pode agora completar a tarefa individualmente. Aqui, o andaime assume a emergncia maturacional das habilidades de um modo heterocrnico aquelas habilidades que no esto ainda maduras no podem participar na resoluo de problemas, portanto o tutor deve andamiar estes aspectos da ao que baseam-se nestas habilidades. Aqui o ensino-aprendizagem no procede adiante do desenvolvimento (nas palavras favoritas de Vigotski), mas ao contrrio tenta adaptar-se ao programa maturacional das habilidades estabelecidas. Na verdade, a elaborao explcita do conceito de ZDP conectado com o andaime liga-o com as hipteses da criana tanto quanto descoberta pelo adulto da percia77 da criana (Wood, 1980, p. 284), sem qualquer noo das funes psicolgicas presentemente emergentes. Uma indicao igualmente clara disto evidente na comunicao78 de Bruner sobre a similaridade entre andaime e ZDP:

    Se a criana capacitada para avanar estando sob a tutela de um adulto ou um par mais competente, ento o tutor ou o par ajudante serve ao aprendiz como uma forma vicria de conscincia at o momento em que o aprendiz esteja apto a dominar sua prpria ao atravs de sua prpria conscincia e controle. Quando a criana adquire tal controle consciente sobre uma nova funo ou sistema conceitual, que ela est apta a us-la como instrumento. At tal ponto, o tutor em efeito assume a funo crtica de andaime para a tarefa de aprendizagem, tornando possvel para a criana, nas palavras de Vigotski, internalizar conhecimento externo e convert-lo em um instrumento para o controle consciente. (Bruner, 1985, pp. 24-25, itlicos adicionados)

    Em suma, a verso andaime da ZDP segue o quadro de referncia individual-ecolgico uma vez que (na perspectiva da criana) os andaimes sociais que o tutor constri ao redor das aes da criana orientadas tarefa so meramente adies humanas tarefa. Estas adies sociais como os estmulos dados pelo examinador em uma situao de avaliao dinmica torna possvel a execuo das capacidades presentemente disponveis da criana sob complexas condies de tarefa (e.g. Greenfield, 1984, p. 119; Cazden, 1983, p. 42, Zukow, 1986). Elas no se concentram nos impactos sobre aquelas funes psicolgicas que ainda no so presentemente disponveis, mas podem vir a ser num futuro prximo. Mesmo que a atual estimulao ou andaime pelos parceiros mais experientes tenha algum impacto sobre o desenvolvimento das funes psicolgicas latentemente emergentes, o uso terico da terminologia ZDP no estabelecido para capturar o processo de tal impacto. Em suma, ambas as perspectivas sobre a ZDP, tanto a da avaliao dinmica (linha 1), quanto a do andaime (linha 2), tm restaurado o contexto social ao redor do desenvolvimento individual da criana em suas formas manifestas.

    77 N.T.: talvez domnio, ou capacidade de domnio, a palavra mastery: 1. great knowledge about or understanding of a particular thing. 2. control or power (Oxford p. 822). 78 N.T.: talvez cobertura, a palavra coverage: the range or quality of information that is included in a book or course of study, on television, etc (Oxford p. 306).

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  • Contudo, estas perspectivas no tm especificado a interdependncia do contexto com os processos de desenvolvimento. Linha 3: ZDP como um componente em sistemas tericos A psicologia contempornea parece estar atravessando uma crise por um lado, seu repertrio terico esttico e de senso-comum, enquanto a necessidade da construo de sistemas tericos desenvolvimentais (dinmicos) est crescendo. A nfase sobre a estrutura e os processos dinmicos tem se tornado rara na psicologia contempornea. Como foi observado na descrio das duas primeiras linhas de interpretao do conceito de ZDP, o mesmo tem sido usado ou em vias mais gerais, ou em conjuno com a estrutura da ao sobre algumas tarefas altamente especficas. Muito poucos esforos tm sido feitos para construir estruturas tericas que localizem a ZDP em um contexto terico estruturado. Alm disso, algumas vezes os esforos tericos na psicologia dos dias atuais servem como convenientes sistemas guarda-chuva para permitir aos investigadores conduzir uma mirade de estudos empricos sem muita inovao na esfera terica. Algumas vezes o papel de Vigotski na histria das noes de ZDP na psicologia atribudo sua suposta orientao terica da atividade79. Como ns temos mostrado alhures (Van der Veer & Valsiner, 1991 no prelo) a representao de Vigotski como um dos criadores da teoria da atividade sovitica constitui um exagero historicamente recente sobre a realidade da psicologia sovitica no incio dos anos trinta. As razes efetivas das perspectivas tericas da atividade na psicologia russa remetem ao trabalho de Aleksandr Lazurskii (e.g. Lazurskii, 1906 captulo 5; 1916) e seu discpulo Mikhail Basov (Basov, 1929; Basov & Kazanskii, 1931). O papel de Vigotski no advento da teoria da atividade sovitica era certamente de natureza secundria, e insuficientemente adequada sua nfase na primazia da mediao semitica dos processos psicolgicos humanos. Portanto mais preciso ver os pesquisadores contemporneos que tm estabelecido suas verses dos conceitos de ZDP ou Zo-ped como avanos para alm dos limites da contribuio vigotskiana atravs de snteses de idias potencialmente novas. O primeiro progresso: a viso semitica de Wertsch das atividades em ZDP. Wertsch conduziu sua noo de ZDP para alm da ZBR de Vigotski em duas direes atravs de um domnio terico da atividade (amplamente leontieviano) e de um domnio semitico (bakhtiniano). No primeiro, a ligao do conceito de ZDP com a noo de definio da situao80 e estruturas do objetivo81 de parceiros82 na interao assimtrica tutor83-criana estabelece contextos para investigaes empricas e leva o conceito para novos domnios (Wertsch, 1984, 1985). Suas primeiras elaboraes do conceito de ZDP toma a forma de anlise das aes conjuntas adulto-criana (McLane, 1987; Saxe, Gearhart & Guberman, 1984; Wertsch & Hickmann, 1987; Wertsch, Minick, Arns, 1984). Contudo, ao 79 N.T.: activity-teoretic orientation. 80 N.T.: situation definition. 81 N.T.: goal structures. 82 N.T.: partners. 83 N.T.: aqui trata-se de caregiver e no de tutor, mas no encontramos outra palavra. Careguiver: carer. Carer: a person who looks after a sick or old person at home (Oxford pp. 188-189). Seria algo como um atendente, uma pessoa que cuida, um auxiliar ou acompanhante.

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  • mesmo tempo, o reconhecimento da nfase original de Vigotski na internalizao e mediao semitica tem guiado o foco para os processos interpessoais que conservam suas razes culturais nas verses internalizadas como processos dialgicos internos (Wertsch, 1985, 1989; Wertsch & Stone, 1985). O processo de internalizao segue seu curso atravs de pontos de intersubjetividade que esto presentes na ZDP. Estes pontos permitem criana experimentar a definio de ao conjunta84, e transp-la85 (apropri-la) esfera interna (Wertsch, 1985, pp. 162-163). Para resumir, Wertsch tem complementado aquilo em que o prprio Vigotski falhou sintetizar o conceito de ZDP com a idia de mediao semitica das funes psicolgicas superiores (ver especialmente Wertsch & Minick, 1990). Opondo-se forte nfase de Vigotski no significado da palavra como a unidade de anlise, e estendendo-a na direo da mediao texto-semitica atravs das idias de Bakhtin (ver Wertsch & Bivens, neste volume) o conceito de ZDP substancialmente aprimorado. Segundo progresso: abordagem da atividade-contextual86 A nfase sobre a construo mtua da cultura e da pessoa (Cole, 1985) que tem por muitos anos unificado o trabalho do Laboratrio de Cognio Humana Comparada [Laboratory of Comparative Human Cognition] (ver LCHC, 1982), tornou-se codificada no conceito de Zo-ped (Griffin & Cole, 1984; LCHC, 1983). Cole estende o conceito de ZPD ao domnio da atividade coletivamente organizada ela passa a ser vista em geral como a ...estrutura da atividade conjunta em qualquer contexto onde h participantes que exercem responsabilidades diferenciadas em virtude da percia87 diferenciada (Cole, 1985, p. 155). Em tal atividade conjunta, um indivduo na verdade desenvolve-se do presente para o futuro tendo por base modelos ideais do futuro, e do passado (j que as idias de Nikolai Bernshtein so colocadas junto ao conceito de Zo-ped Griffin & Cole, 1984, pp. 48-49). Contudo, a nfase sobre atividades coletivas partilhadas leva Cole adoo teoricamente central do foco sovitico sobre a teoria da atividade em termos gerais, e do conceito de atividade dominante em particular. Esta extenso das idias de Vigotski ao domnio da teoria da atividade conduz ao estabelecimento de uma teoria hbrida. A nfase de Cole sobre o desenvolvimento concentra-se sobre a atividade em curso que transformada na ontognese:

    ... como uma alternativa s abordagens de estgios individuais, internos, ao estudo do desenvolvimento, as atividades dominantes proporcionam para a noo de progresses socialmente proporcionadas, o tipo de mecanismos de seleo de contexto88... Segundo, a noo de dominante proporciona uma estrutura para a unio de vrios aspectos importantes do desenvolvimento: as variaes na freqncia das experincias podem ser relacionadas s mudanas nos tipos de atividade psicolgica. As mudanas nas atividades dominantes podem ser relacionadas reorganizao das aes e operaes constituintes, internamente e interpsicologi-

    84 N.T.: joint action situation definition. 85 N.T.: o termo carry it over, carry something over: to keep something from one situation and use it in a different situation (Oxford p. 191). 86 N.T.: activity contextual aproach 87 N.T.: aqui a palavra expertise: expert knowledge or skill in a particular subject, activity or job (Oxford p. 462). 88 the sort of context-selection mechanisms...

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  • camente. O surgimento de novas atividades dominantes propicia a emergncia de novos sistemas funcionais. medida que uma nova atividade dominante aparece, ela contribui para a reorganizao e internalizao dos estgios anteriores pela transformaco deles no cotidiano, em contraste com a nova atividade dominante. (Griffin & Cole, 1984, p. 51).

    Contudo, aqui dada uma nfase explcita sobre as operaes internas e a internalizao, o foco principal recai sobre os diferentes tipos de atividades nos quais a criana esta inserida. Isto est de acordo com a perspectiva prtica funcional (ou cultural) sobre os processos cognitivos especficos (LCHC, 1982) um ponto de vista que evita os problemas da generalizao mental. Isto realizado pela concentrao sobre a fuso pessoa-mundo social. O auxlio da sociedade89 pelo estabelecimento de numa seqncia esperada de classificaes etrias de atividades dominantes descrito para levar alm das atividades j estabelecidas na prtica cotidiana dos indivduos. A criana sempre participante de uma mirade de atividades culturalmente organizadas, as quais guiam o desenvolvimento dos padres de atividade individual da criana. A Zo-ped ... dinamicamente obtida pela criana e o outro no ambiente social (LCHC, 1983, p. 335, itlicos do original), ela faz parte da interao entre a criana e os outros sociais, mais do que da criana consigo mesma. Terceiro avano: teoria de Rogoff da "fuso" entre pessoa e cultura A nfase consistente de Barbara Rogoff (Rogoff, 1982, 1986, 1987, 1990) no auxlio cultural participao da criana no campo que direciona seu desenvolvimento cognitivo tem levado a um interessante desenvolvimento do conceito de ZDP. Iniciando pelo interesse na psicologia ecolgica neo-Gibsoniana por um lado, e na verso de Leontiev sobre a perspectiva de Vigotski por outro, (ver Rogoff, 1982; 1989, pp.30-36), ela mudou a viso da ZDP como uma estrutura90 na qual tem lugar a expanso91 da habilidade e da compreenso da criana (ver Rogoff, 1986, p. 27 e 31). O evento (cenrio interativo) que construdo conjuntamente pela criana ativa (orientada para metas) e outra pessoa, que mais experiente sobre os meios culturais de atividade do que a criana (mas igualmente orientada para metas), torna-se a unidade de anlise do processo de participao orientada como o contexto para o desenvolvimento humano. O uso do evento (atividade) como uma unidade leva para um claro reconhecimento da variabilidade como ponto central para o desenvolvimento (Rogoff, 1930, p. 30), j que ele necessariamente emerge no processo assimtrico (em papis ligados com o conhecimento e as habilidades), mas simultaneamente de ao conjunta, onde desafios (e.g. tarefas confortveis ainda que desafiadoras92 Ellis & Rogoff, 1986, p 315), obrigaes e suportes so construdos. Este processo de ao conjunta guiado por significados e propsitos (Rogoff, 1990, p 29), e pode ser estudado adequadamente apenas em sua forma dinmica de processo que conduz ao desenrolar gradual dos eventos. Esta nfase no desenvolvimento da criana como um aprendiz cultural ativo, que ativamente desenvolve seus meios mentais e instrumentais est ligada com a ZDP:

    89 N.T.: societys guidance. 90 N.T.: framework. 91 N.T.: stretching. 92 N.T.: comfortable-yet-challeging tasks.

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  • A criana recruta o envolvimento de tutores93 em suas prprias atividades e se esfora para entrar nas atividades dos tutores de acordo com seus interesses. provvel que tal interao esteja estabelecendo as caractersticas da participao guiada por razes pragmticas o adultos limita a soma de responsabilidade de de acordo com a habilidade da criana, e a criana insiste num papel que est interessante e, portanto, dentro da zona de desenvolvimento proximal da criana. (Rogoff, 1990, p. 100, itlicos adicionados).

    Em outros termos a ZDP de Rogoff uma regio dinmica de sensibilidade para aprender experincias em contextos de participao onde os participantes estabeleceram seus papis ativamente (ver tambm Rogoff, 1987). Pelo lado dos adultos, a responsabilidade por aspectos de desempenho de aspectos da tarefa implica o ajustamento do suporte social ao alcance da ZDP (Rogoff, 1990, p 109). A nfase de Rogoff na procura ativa, pela criana, de assistncia e estrutura dos adultos est completamente de acordo com a nfase original de Vigotski (na teoria histrico-cultural). Ao mesmo tempo, Rogoff evita esclarecer a elaborao estruturada94 de funes psicolgicas internas na criana (e nega ativamente a necessidade do conceito de internalizao uma chave para o legado terico de Vigotski95 ver Rogoff, 1990, pp 195-197). Isto leva a teoria de Rogoff a estar muito prxima da reduo de qualquer processo psicolgico noo indiferenciada de atividade situada (e.g. Lave, 1988). Contudo, a proximidade ao reducionismo fusional da pessoa situao da atividade cultural no absoluta na teoria de Rogoff uma indicao da fuga de Rogoff da cilada terica do determinismo contextual que abrange tudo seu retorno idia de Vigotski de que o jogo cria a ZBR. Sua nfase est nas aes baseadas em papis e em significados96 em ambientes onde os outros sociais no precisam estar imediatamente presentes (Rogoff, 1990, pp. 186-187). A orientao terica de Rogoff emergiu juntamente com um programa de explcita pesquisa microgentica sobre cenrios da dinmica conjunta de soluo de problemas97 onde a criana e o outro social mais experiente perseguem seus objetivos (Ellis & Rogoff, 1986; Rogoff & Gardner, 1984). Rogoff tambm enfatiza a mudana na estrutura da orientao social98 na ontogenia (Gardner & Rogoff, 1982; Rogoff, Malkin & Gilbride, 1984), e as bases internalizadas para o uso de habilidades culturais, tais como dispositivos de memorizao (Rogoff & Mistry, 1985) e planejamento de estratgias (Rogoff, Gauvain & Gardner, 1987). Tudo isto leva a perspectiva de Rogoff a destacar-se como um nico sistema conceitual que une, por um lado, a tradio em teoria da atividade99 do LCHC e, por outro, a orientao, da nfase histrico-cultural de Vigotski, aos processos psicolgicos.

    93 N.T.: caregivers. 94 N.T.: structured elaboration. 95 N.T.: a key to Vygotskys theoretical heritage. 96 N.T.: role- and meaning-based actions. 97 N.T.: dynamic joint problem solving settings 98 N.T.: social guidance. 99 N.T.: activity-theoretic tradiction.

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  • Quarto avano: contexto interativo para o animal simblico Na estrutura100 intelectual europia, a pesquisa tradicional iugoslava (Ivic, 1978) tem enfatizado a natureza construtivo-simblica do processo de desenvolvimento humano. Este avano semitico das idias de Vigotski um tanto paralelo ao de Wertsch, mas move-se em uma direo prpria, produtivamente nica, uma vez que organiza o estudo, a anlise semitica de sistemas icnicos (fenmenos no-verbais, figurativos, que ocorrem no jogo simblico e no sonho), sua maneira (Ivic, 1988, 1989). Esta linha de avano das idias de Vigotski toma as funes intra-psicolgicas como experincias internalizadas e organiza-as para investigao especfica. A natureza social do mundo psicolgico da pessoa estendida do sistema semitico verbalmente codificado para os cdigos no-verbais (figurativos), e a atividade conjunta socialmente partilhada importante como o domnio dentro do qual fenmenos intra-psicolgicos desenvolvimentalmente inditos e relevantes so construdos. A ZDP emerge aqui como um conceito usado para capturar os mecanismos de internalizao construo de inovao101 intra-psicolgica (Ivic, 1989, pp 5-7). A noo de ZDP no trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de Belgrado estabelecida no apenas teoricamente. Ela tem sido usada para analisar a ontogenia inicial da interao102 em vias que utilizam unidades dinmicas de mensurao (Ignjatovic-Savic, Kovac-Cerovic, Plut & Pesikan, 1988). O principal objetivo desta elaborao emprica reter a complementariedade da ao conjunta adulto-criana em diferentes contextos definidos em relao ao processo de desenvolvimento da criana. Este objetivo leva os pesquisadores a ver a ZDP em relao com outras reas (ou zonas) de experincia: Zona de Desenvolvimento Real103, Zona de Desenvolvimento Futuro, e Zona de Desenvolvimento Passado (ver Ignjatovic-Savic [et al], 1988, p. 110). O processo desenvolvimental segue adiante movendo alguns aspectos da atividade conjunta da Zona de Desenvolvimento Futuro para a ZDP, e subseqentemente, para a Zona de Desenvolvimento Passado. Fenmenos destas diferentes zonas podem ser observados intermitentemente no campo das tarefas microgenticas lembrando, alis, a todos os entusisticos vigotskianos, que nem todo aspecto da ao conjunta produzido realmente para incentivar o desenvolvimento. Ao longo de linhas similares, diferentes processos paralelos envolvendo a coordenao dinmica destas zonas criam a possibilidade para uma ampla variedade de cursos desenvolvimentais uma vez que o ambiente social da criana necessariamente heterogneo. Isto enfraquece o uso do conceito de ZDP como meio para predio do futuro da criana (um passatempo generalizado dos psiclogos infantis) e indica a necessidade da investigao dos recursos sociais representativos104 da criana:

    A conceitualizao de ZDP como um fenmeno interativo implica em mudanas na prtica de usar105 a ZDP como um instrumento de diagnstico para a avaliao do desenvolvimento da criana. Se ns avaliamos a criana na interao com um adulto competente, isto no necessariamente tem que ser uma boa base para predio de seu

    100 N.T.: framework. 101 N.T.: novelty. 102 N.T.: early ontogeny of interaction. 103 N.T.: Zone of Actual Development. 104 N.T.: representative social resources. 105 N.T.: practise of using. Practise: to do an activity or train regularly so that you can improve your skill (Oxford p. 1031).

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  • desenvolvimento futuro se suas interaes cotidianas no so deste tipo. Por outro lado, quando a criana est com um adulto incompetente106, ns podemos subestimar seu desenvolvimento potencial. Obviamente, se a criana est crescendo apenas com esta pessoa seu futuro desenvolvimental poder ser muito prximo ao que foi predito com base na avaliao. Felizmente, as crianas entram em interao com mais de uma pessoa. Ento o melhor caminho para avaliar o estado presente da criana e seu futuro encontrar um exemplo representativo de seu ambiente de aprendizagem. A pista para predio deveria ser a interao predominante, tpica (Ignjatovic-Savic, 1989, p.7).

    Esta perspectiva sobre a ZDP, organizada espacialmente (como foi visto no foco do conjunto representativo de ambientes107) e temporalmente (diferentes zonas operando intermitentemente e em mtua coordenao), amplia as idias originais de Vigotski numa via produtiva. a forte nfase no estudo dos processos de desenvolvimento (tanto onto- quanto microgenticos) que esta perspectiva implica. Como tal, ela antittica orientao avaliativa (Linha 1 como dada acima) e incorpora108 as tradies de andaime como casos especiais dentro de um campo terico geral. Quinto avano: co-construo do futuro atravs de interdeterminao limitada Os desenvolvimentistas, usualmente, esto teoricamente confusos quanto questo da determinncia109 versus indeterminncia no processo da ontognese. Num esforo para superar o impasse, Valsiner (1987) props uma perspectiva terica geral que v o desenvolvimento como organizado pela indeterminncia limitada. Os processos psicolgicos so vistos como desenvolvendo-se por conjuntos de sistemas restritos110 interpessoais (e subseqentemente intrapessoais, semiticos) que determinam a direo do desenvolvimento futuro mais prximo111. Estes sistemas restritos so constantemente reorganizados pelos esforos co-construtivos da pessoa em desenvolvimento e seus outros sociais em cenrios112 ambientais particulares. Os sistemas restritos so vistos como contendo dois tipos de zonas em todos os momentos do presente a Zona de Liberdade de Movimento (ZFM113) que define o conjunto de possibilidades que podem efetivadas num

    106 N.T.: A palavra exatamente incompetent: not having the skill or ability to do your job or a task as it should be done (Oxford p. 687). 107 N.T.: representative range of environments. 108 N.T.: subsumes, to subsume: to include something in a particular group and not consider it separately (Oxford p. 1350). 109 N.T.: no caso, as palavras so determinacy e indeterminacy e no determination e indetermination. Determitation consta no dicionrio que estamos usando, mas determinacy no. Determination: 1. the quality that makes you continue trying to do something even when this is difficult; 2. (formal) the process of deciding something officially; 3. the act of finding out or calculating something (Oxford p. 361). Como vemos, nenhuma destas acepes seria adequada ao uso da palavra determinacy pelos autores. Ento preferimos traduzir por determinncia, apesar da forma de neologismo que esta palavra acaba tomando. 110 N.T.: contraint systems. 111 N.T.: the nearest future development. 112 N.T.: environmental settings; setting: 1. a set of surroundings; the place at which sth happens; 2. the place and time at which the action of a play, novel, etc. takes place. (Oxford p. 1218). 113 N.T.:Zone of Freedom of Movement.

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  • dado momento, e a Zona de Ao Promovida (ZPA114) que inclui o conjunto de possibilidades cuja efetivao promovida no tempo pelas pessoas envolvidas na interao. bvio que a noo de ZFM continua as tradies da teoria de campo115 de Kurt Lewin (ver Valsiner, 1984, 1984, 1987). Valsiner tambm fez uma tentativa de integrar o conceito de ZDP em seu sistema de campo-teortico de explicao do desenvolvimento scio-cognitivo. ZDP torna-se uma zona que denota o conjunto das possveis transformaes no futuro mais prximo dos processos psicolgicos presentes, condicionais com relao organizao presente da estrutura ZFM/ZPA (Valsiner, 1987, captulo 4). bvio que a ZDP em tal sistema se torna subserviente explicao campo-teortica do estado presente e orientada a explicar as razes sociais das experincias individuais (ver critica de Van Oers, 1988). Alm disto, a ZDP na construo terica de Valsiner apresentada como empiricamente inacessvel:

    A ZDP um conceito pertencente ao domnio no qual vrios tipos de conquistas desenvolvimentais adicionais so possveis para dada criana em dado momento na ontogenia, sob a condio da assistncia de outros. Portanto, impossvel determinar os limites da ZDP em sua efetividade. Se as fronteiras116 da ZDP so determinadas indutivamente, com base em observaes empricas, o resultado de cada estudo a efetivao de algum subconjunto117 da ZDP, a partir do qual no possvel determinar o alcance total da ZDP que existia antes do subconjunto dado ter sido estudado (e efetivado pelo estudo). Uma vez que a criana tenha aprendido a ler com a ajuda da av (provando que a leitura, sob as condies de instruo que a av usou enquanto testava a criana118, estava de fato na ZDP quando o ensino comeou). Seria impossvel saber se a mesma funo (leitura) teria estado dentro da ZDP com a ajuda de mais algum, usando diferentes mtodos de ensino (e.g. me, pai, professor). Para os propsitos do estudo das fronteiras da ZDP, a criana no re-aprender a importante funo (leitura) com a ajuda de outro instrutor. O que foi aprendido com a ajuda de um instrutor de uma determinada maneira, no ser aprendido novamente, com a ajuda de outro instrutor, como uma funo totalmente indita. Esta natureza bsica do desenvolvimento traduz a extenso completa da ZDP em um princpio empiricamente inverificvel (Valsiner, 1985, p. 31).

    A delimitao, por Valsiner, do conceito de ZDP a um status condicional com relao a seus outros termos-zona constitui um esforo para clarear o uso do termo, alis largamente metafrico (tipo guarda-chuva), na psicologia desenvolvimental contempornea. Sua aplicao do conceito de ZDP encontra dificuldades similares quelas que Vigotski encontrou (e que esto descritas acima na Figura 1). 114 N.T.:Zone of Promoted Action. 115 N.T.: field-theoretic tradictions. 116 N.T.: boundaries; boundary: a real or imagined line that marks the limits or edges of something and reparts it from other things or places, a dividing line (Oxford p. 145). 117 N.T.: subset. 118 N.T.: while testing the child.

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  • Concluses gerais: desenvolvimento terico para alm da ZDP? Revisamos a histria do conceito ZBR de Vigotski, assim como a de seus derivados, sob o rtulo de ZDP. As recentes preocupaes com o status do conceito (Shoter, 1989; Paris & Cross, 1988; Winegar, 1988) podem comear a fazer mais sentido119 luz da mindscape abordada aqui. De fato, o conceito ZBR/ZDP tem sido largamente usado como uma metfora e sua operacionalizao tem sido complicada quando tentada. Mas, claro, nem todos os conceitos tericos em psicologia necessitam operacionalizao e mensurao, e argumentos contra a transformao da ZDP em outra caracterstica mensurada tm substncia120 (Valsiner, 1987, Winegar, 1988). claro que metforas podem ser to confusas quanto teis. Parece que um uso amplo e indiscriminado do conceito de ZDP, sem uma clara explicao de seu significado, permite psicologia contempornea estar mais globalmente fascinada por idias scio-genticas do que por desenvolver noes especficas que possam explicar a natureza social do desenvolvimento psicolgico individual. Alm disso, levar tal natureza social a ser exemplificada pela ZDP sem especificao adicional de sua natureza, pode ser um impasse terico que cria outra explicao do tipo caixa preta numa cincia que historicamente tem sido afligida121 por uma mirade de tais explicaes. Comeando por Vigotski, os conceitos de ZBR/ZDP tm auxiliado os investigadores a concentrar sua ateno sobre o aspecto scio-desenvolvimental das funes psicolgicas, no permitindo esquecerem que, no sentido mais geral, o desenvolvimento move-se do presente para o futuro atravs da interdependncia da criana com o mundo social. Ao mesmo tempo, o conceito tem gerado uma dificuldade conceitual adicional ele tem traduzido sries de funes psicolgicas presentemente emergentes em formas empiricamente observveis que poderiam emergir num futuro prximo. Contudo, o conceito de ZDP permanece desconectado122 dos processos efetivos123 que fundamentam a emergncia da novidade. A este respeito, a ZBR de Vigotski e as diferentes verses de seu avano como ZDP permanecem inconclusas. O uso do conceito de ZDP tem fornecido uma alternativa fcil para enfrentar as complexas questes sobre como o encontro da criana com o mundo externo torna-se funcional no sentido de fazer surgir novas funes psicolgicas. O processo da emerso interativa da novidade no explicado por uma mera referncia a uma funo estando na124 ZDP em dado momento ou vindo para125 ela no futuro. Os mecanismos reais do processo pelo qual a cultura e o individual encontram-se no processo de construo-indita do desenvolvimento permanece descoberto126, enquanto nossa fascinao pela zona de desenvolvimento proximal permanece um clich amplamente usado que ainda tem que levar inovaes tericas na psicologia contempornea. Agradecimentos. As sugestes editoriais de Ann Renninger foram muito teis para levar este captulo sua forma final. Os autores tambm so muito gratos a Terry Winegar, Jeanette Lawrence (e outros colegas e alunos da Universidade Melbourne), e a Michael Cole por sua contribuio na produo deste manuscrito. 119 N.T.: to make better sense. 120 N.T.: have substance. 121 N.T.: a palavra plagued; to plage: to cause pain or trouble to somebody/something over a period of time (Oxford p. 1002). 122 N.T.: unconnected. 123 N.T.: actual process. 124 N.T.: being in the. 125 N.T.: coming into it. 126 N.T.: uncovered.

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