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Giselda Brito Silva (Org.)

Estudos Do Integralismo No Brasil_Giselda Brito

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Giselda Brito Silva (Org.)

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ISBN 85-874-5937-6

Copyright © Giselda Brito Silva

Direitos desta edição reservados à

EDITORA DA UFRPE

Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n – Dois Irmãos. Recife/PE. CEP: 52.171-300

Fone: (081) 3320 6000

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Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (lei nº 9.610/98).

Os conceitos, redação e correção textual neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

1ª. Edição – 2007

Revisão dos originais e formatação: Giselda Brito Silva

Apoio na leitura dos textos e avaliação dos conteúdos: João Fábio Bertonha

Capa: Giselda Brito Silva

As imagens utilizadas na montagem da capa foram retiradas de Prontuários Funcionais da AIB do Arquivo Público do Estado de Pernambuco (APEJE) e do livro Imagens do Sigma, organizado por Luiz Henrique Sombra e Luiz Felipe Hirtz Guerra, editado pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.

Ficha catalográfica Setor de Processos Técnicos da Biblioteca Central – UFRPE E82 Estudos do integralismo no Brasil / Giselda Brito Silva, organizadora.

- Recife: Ed. da UFRPE, 2007. 260 p. : il. ISBN: 85-874-5937-6 Inclui bibliografia. 1. Brasil – História 2. Integralismo 3. Autoritarismo 4. Igreja 5. Tradição (Teologia) 6. Perseguição política 7. Ditadura e ditadores I. Silva, Giselda Brito CDD 981

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Apresentação

Hélgio Trindade

Introdução

João Fábio Bertonha

Textos de

Ana Maria Dietrich * Edgar Bruno Franke Serratto * Emília Carnevali da Silva * Gilberto Grassi Calil * Giselda Brito Silva * Leandro Pereira

Gonçalves * Leonardo Ayres Padilha * Raimundo Barroso Cordeiro Jr * Renato Alencar Dotta * René E. Gertz * Rodrigo Christofoletti * Tatiana

da Silva Bulhões

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SUMÁRIO

Apresentação Hélgio Trindade

05

Introdução João Fábio Bertonha

07

1. Pesquisas sobre o integralismo na década de 1970 René E. GERTZ

12

2. Origens do integralismo em debate: pensando a biografia de Plínio Salgado nos anos 20 Leonardo Ayres PADILHA

26

3. Integralismo e Historiografia Edgar Bruno Franke SERRATTO

47

4. O Integralismo em Pernambuco: ascensão e queda da AIB-PE Giselda Brito SILVA

64

5. O Legionário Integralista: um novo homem para uma nova era Raimundo Barroso CORDEIRO JÚNIOR

84

6. O homem no espelho e a Legião Cearense do Trabalho: religião e política nas terras de Alencar Emília Carnevali da SILVA

106

7. Tradição e Cristianismo em Minas Gerais: O nascimento do Integralismo em Juiz de Fora Leandro Pereira GONÇALVES

130

8. A imprensa integralista de São Paulo e os trabalhadores urbanos (1932-1938) Renato Alencar DOTTA

146

9. Integralismo Proh Pudor! A crítica da grande imprensa frente às comemorações dos 25 anos do Integralismo Rodrigo CHRISTOFOLETTI

167

10. Entre Sigmas e Suásticas: nazistas e integralistas no Sul do Brasil Ana Maria DIETRICH

187

11. Fotografias, gênero e autoritarismo: representações de feminino pela Ação Integralista Brasileira Tatiana da Silva BULHÕES

201

12. 1955: A campanha de Plínio Salgado à Presidência Gilberto Grassi CALIL

220

5

APRESENTAÇÃO

Hélgio Trindade

Os estudos e pesquisas sobre o Integralismo, que no passado foram relegados a um segundo plano pela historiografia brasileira, estão gerando um renovado interesse por jovens pesquisadores de várias regiões do país.

Vale lembrar que, nas décadas de 1970 e 1980, um primeiro grupo de pesquisadores debruçou-se sobre o tema produzindo a primeira série de teses, pesquisas e ensaios. O resultado certamente foi o de trazê-lo para a produção acadêmica de algumas instituições universitárias nacionais. Os enfoques e as interpretações nem sempre foram convergentes, mas o Integralismo passou a ser valorizado como um tema relevante para vários historiadores consagrados. Além de Edgard Carone que o incorporou em seu livro sobre a Segunda Republica (1930-1937), o Integralismo entrou na História Geral da Civilização Brasileira (Período Republicano e em verbetes do Dicionário Histórico-Biográfico do CPDOC.

1 Após ter integrado a enciclopédia História do Século

20, dirigida por Francisco Weffort2, os especialistas internacionais inserem o

Integralismo na categoria dos fascismos extra-europeus. A Ação Integralista Brasileira (AIB) adquire então legitimidade acadêmica pela consagração da literatura internacional com os estudos comparativos de Juan Linz, Stanley Payne, Pierre Milza, Stein Larsen e Alessandro Campi

3, entre outros.

Professor titular de Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1 CARONE, Edgard . A Republica Nova (1930-1937). São Paulo: Difel, 1974; FAUSTO, Boris (dir). Historia Geral da Civilização Brasileira (Brasil Republicano). Sociedade e Política. T.III. 3º Vol. São Paulo: Difel, 1981; Dicionário Histórico-biográfico Brasileiro:1930-1983. Israel Beloch e Alzira Alves de Abreu (coord). Rio de Janeiro:

Editora Forense- Universitária, 1984. 2 História do Século XX. São Paulo: Editora Abril. n.52, 1974. 3 LINZ, Juan. Some notes toward a comparatives study of fascism in sociologica historical perspective. In: Laqueur, Water (edit). Fascism a reader´s guide. Berkeley: University California Press, 1976; MILZA, Pierre. Les fascismes. Paris: Imprimerie National, 1985; PAYNE, Stanley G. Historia del Fascismo. Barcelona: Edit.Planeta, 1995; LARSEN, Stein U. (edit). Fascism outside Europe. New York: Columbia

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Na última década os estudos sobre o Integralismo foram retomados de forma vigorosa por uma nova geração de jovens historiadores e cientistas sociais. Ao desenvolverem pesquisas regionais e locais estão enriquecendo os estudos sobre a diversidade das manifestações da AIB e seu sucedâneo, o Partido de Representação Popular (PRP). Esses estudos têm contribuído para uma visão mais complexa sobre as metamorfoses do movimento, partido e ideologia que, segundo diferentes olhares, penetraram não somente em alguns centros maiores, mas nas profundezas do Brasil.

Como toda ideologia e organização que arregimenta adeptos e fiéis de vários extratos sociais e em contextos regionais diversos, o Integralismo precisa ser analisado à luz das diferentes situações cuja explicação não se esgota apenas pelas análises mais abrangentes. Os estudos monográficos ou temáticos são fundamentais para o avanço da problemática não só pela riqueza e variedade de enfoques, mas pela presença de novos centros de documentação e diversidade das fontes de dados disponíveis. Nesta perspectiva, o Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, em São Paulo, é uma iniciativa meritória e que já apoiou os esforços do Grupo de Estudiosos do Integralismo (GEINT), inclusive publicando os resultados de suas pesquisas

4.

Este novo livro testemunha de forma eloqüente a atualidade do tema e a diversidade de abordagens e contribuições inéditas. Certamente uma nova geração de pesquisadores está com a palavra para lançar um olhar critico e criativo sobre os estudos fundadores e trazer a sua contribuição.

University Press, 2001; CAMPI, Alessandro. Que cos´è il fascismo? Interpretazione e

prospettive di ricerca. Roma: Ideazione Edit, 2003. 4 DOTTA, R., POSSAS, Lidia e CAVALARI, Rosa (org). Integralismo: novos estudos e reinterpretações. Rio Claro: Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, 2004.

7

INTRODUÇÃO

João Fábio Bertonha 5

Em fins da década de 1980, ainda um jovem estudante de graduação em História, resolvi iniciar alguns estudos a respeito do integralismo. Ao procurar o que seria, posteriormente, o meu orientador, Alcir Lenharo, o questionei sobre o que poderia ler a respeito. Não me recordo de suas palavras exatas, mas ele ressaltou como tudo o que havia, praticamente, era a obra do Hélgio Trindade e seus interlocutores diretos. Depois, pesquisando com mais vagar, vi que havia alguma coisa a mais, mas que não era realmente muito.

Passados menos de vinte anos, a situação mudou radicalmente e os estudos do integralismo não apenas se expandiram de forma acentuada, como se consolidaram enquanto campo analítico. Os livros, os artigos e as teses se sucedem e podemos notar como esta é uma temática longe de atingir o esgotamento.

Na verdade, a produção histórica sobre o integralismo, como qualquer outra, refletiu, em boa medida, tanto elementos práticos, como o clima político e social e a economia interna das Universidades, como as alterações teórico-metodológicas dentro da disciplina histórica e a disponibilidade de fontes. Só levando em conta esses elementos é que podemos compreender a caminhada dos estudos relacionados ao tema.

Assim, houve uma primeira fase, dos anos 30 até, grosso modo, os 60, em que a produção relativa ao movimento era centralmente de integralistas (ou de seus herdeiros do Partido de Representação Popular) ou de seus opositores. Esses livros e artigos são, claro, parte da bibliografia dos estudiosos do integralismo, mas, dado o seu próprio caráter militante, são essencialmente fontes primárias e não mais do que isso.

Numa segunda fase, entre os anos 70 e 80, o integralismo foi, essencialmente, objeto de estudo das ciências sociais. A partir da

5 Doutor em História pela Unicamp, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá/PR e pesquisador do CNPq.

8

primeira grande obra de pesquisa sobre o integralismo (o livro do Hélgio Trindade, publicado em 1975), houve toda uma série de debates mais do que conhecidos, envolvendo José Chasin, Gilberto Vasconcelos, Marilena Chauí e outros, os quais deram uma nova vida aos estudos do tema.

Curiosamente, são estas obras centralmente de cientistas sociais (cientistas políticos, filósofos, sociólogos) e não de historiadores, o que reflete as próprias prioridades da disciplina histórica naqueles anos. Nessa época, os historiadores, fortemente influenciados pelo marxismo e pela Escola de Annales, estavam envolvidos com a chamada história econômica e social e mais interessados em grandes estudos estruturais, nas mudanças sociais, nos estudos de classe, etc. História política era considerada perda de tempo e, por este e outros motivos, os historiadores, salvo exceções, deixaram temáticas como o integralismo para seus colegas das ciências sociais.

Esse fato deixou aquilo que foi escrito sobre o integralismo naqueles anos marcado por alguns elementos, como ênfase no estudo dos conceitos, uma seleção clássica de fontes (jornais, livros, revistas), um trabalho intenso de análise do discurso (então no auge do seu prestígio dentro das ciências humanas), etc. Essa produção nos ensinou muito e apoiou tudo o que veio depois. Mas muitas outras questões precisavam ser respondidas e apenas com a entrada dos historiadores no campo as coisas mudaram, o que ocorreu, grosso modo, entre o final dos anos 80 e o início dos 90

Vários elementos ajudam a explicar porque foi nesse momento que os historiadores passaram a olhar com mais interesse o movimento dos camisas verdes. O mais importante deles foi que a História se libertou da já mencionada ênfase na história econômica e social, o que permitiu uma renovação da história política. Abriu-se espaço para estudar o integralismo, o Estado Novo, o PCB, etc. No campo da produção pratica da História, além disso, houve uma explosão de cursos de graduação e pós-graduação, o que permitiu o surgimento de uma nova e mais numerosa geração de pesquisadores. Além disso, novas fontes, como as da polícia política, foram postas a disposição dos historiadores, o que também foi de importância para que as pesquisas deslanchassem.

Num primeiro momento, o grosso dos trabalhos se concentrou em “fechar” algumas das questões deixadas pela camada anterior. Os contatos dos integralistas com os movimentos fascistas europeus e as suas relações com os imigrantes, especialmente os italianos e os alemães, foram reexaminados e a história regional começou a ser

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explorada, num processo que prossegue. Na verdade, esse novo filão – que nos trouxe conhecimentos sobre cidades no Rio Grande do Sul, o interior de São Paulo e Minas Gerais, Pernambuco, etc – já tinha sido abordado na década anterior, em trabalhos como os de Renè Gertz e Josênio Parente, mas se consolidou efetivamente nos anos 90.

Nos últimos anos, ao lado da explosão numérica, já comentada, dos estudos a respeito do integralismo, houve um extraordinário desdobramento em termos de temas e problemáticas. O anti-semitismo integralista, a participação dos negros e das mulheres no movimento, os discursos e as memórias de e sobre os integralistas e outros temas passaram a ser abordados, trazendo coisas novas e novos elementos para repensar o que foi o movimento.

Claro que essa nova historiografia também trouxe, como não podia deixar de ser, problemas e/ou outras questões. Estudos sobre discursos e memórias sem uma analise crítica e uma síntese, por exemplo, podem transformar a história em uma coleção de discursos iguais, o que é perigoso, enquanto outras sub-temáticas podem se esgotar na repetição. Também há temas que ainda aguardam os seus historiadores, como o relacionamento da AIB com os militares ou o cinema integralista. Mas o momento é mais de vivacidade do que de crise na área.

O presente livro indica claramente essa situação, reunindo trabalhos de, na maioria, jovens pesquisadores que utilizam o prisma teórico do historiador para abordar temáticas novas ou, no mínimo, rever aquelas já estudadas pela historiografia.

Vemos, assim, temas clássicos como o relacionamento entre nazistas e integralistas no sul do Brasil ou aquele entre católicos e integralistas recebendo um novo tratamento, inclusive com o uso de novas fontes, nos artigos de Ana Maria Dietrich, Giselda Silva e Leandro Gonçalves. Este último, aliás, ao analisar os contatos do integralismo com o metodismo, permite que ampliemos a discussão sobre as pontes entre o integralismo e as religiões cristãs, até agora centrada no campo católico.

Os estudos regionais continuam bem representados, como nos artigos citados acima e no de Raimundo Cordeiro sobre o Ceará. Ao mesmo tempo, e de forma extremamente positiva (pois é um erro imaginar que a AIB tenha desaparecido em 1938, com suas personalidades, idéias e perspectivas atuando na história do país por muitas décadas ainda e mesmo hoje), há artigos que avançam para o período pós Segunda Guerra, como o de Gilberto Calil sobre a campanha presidencial de Plínio Salgado à Presidência em 1955 e o

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de Rodrigo Christofoletti a respeito da Enciclopédia integralista dos anos 50.

As bases sociais do movimento são investigadas, por sua vez, por Renato Dotta no seu artigo sobre a relação entre o integralismo e os trabalhadores urbanos em São Paulo. É uma tradição considerar o integralismo, como os demais movimentos fascistas, como tendo a sua base social essencialmente nas classes médias. Parecemos distantes do momento em que teremos que abandonar essa idéia, mas o trabalho de Dotta indica como essa visão tem que ser, no mínimo, matizada, pois trabalhadores e operários, como ele demonstra, também foram seduzidos pelos ideais integralistas nos anos 30.

Os artigos de Tatiana Bulhões e Leonardo Padilha também indicam perfeitamente as novas preocupações dos estudiosos do movimento. A primeira escreve um texto na fronteira entre a história de gênero e as representações fotográficas, duas das áreas de maior interesse para a nova geração de historiadores. Já o segundo tenta entender a produção literária e a formação ideológica de Plínio Salgado, mas numa visão mais histórica e menos determinista.

Padilha também sugere caminhos para a produção da biografia de Plínio Salgado (o que também tenho tentado fazer) e a memória construída em torno dela. Seu texto, e o de Emília Carnevali da Silva sobre Severino Sombra, são indicativos de um novo filão de pesquisa relativamente negligenciado nas décadas passadas e que vai lentamente se abrindo, ou seja, o das biografias e o das relações entre os líderes integralistas.

Já tínhamos, na verdade, alguns trabalhos sobre Barroso, Reale e Salgado e um ou outro texto sobre líderes regionais, além de memórias e livros auto-celebrativos dos próprios integralistas. Mas faltam ainda estudos biográficos mais densos não apenas dos três principais líderes, como também de outros secundários, regionais e de simples militantes. Seria fundamental também que tais ensaios biográficos extrapolassem o período do próprio integralismo, demonstrando, dentro de histórias de vida, as mudanças e continuidades dentro da trajetória da direita nacional no século XX.

Os artigos de Renè Gertz e Edgar Serrato, por sua vez, fazem, utilizando estratégias de escrita diversas, análises historiográficas a respeito do integralismo. Estas estão se tornando mais comuns recentemente e, mais do que tudo, indicam como esse campo de estudos tem se desenvolvido. Afinal de contas, ainda não chegamos ao ponto de “perda de controle”, no sentido da existência de uma bibliografia tão ampla que foge da capacidade de administração de um

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único pesquisador. Mas já estamos num momento em que a massa de livros e artigos demanda textos que os organizem e historicizem, de forma a orientar os que se iniciam no tópico, o que é um bom sinal.

Enfim, o presente livro é não apenas um indicativo da vitalidade do campo dos estudos a respeito do integralismo no momento atual como se configura numa excelente contribuição dentro dele. Já estamos muito longe do momento em que os estudiosos do integralismo não tinham interlocutores e deviam se resignar ou a debater com os militantes ou a ler e reler os poucos textos disponíveis, o que é algo a se comemorar.

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1. PESQUISAS SOBRE O INTEGRALISMO NA DÉCADA DE 1970

René E. Gertz*

Este pretende ser um depoimento pessoal muito breve sobre meus estudos a respeito do integralismo, na década de 1970. Em 1975, quando ingressei no curso de mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o livro hoje clássico de Hélgio Trindade sobre a Ação Integralista Brasileira (AIB) tinha sido recém publicado, e o autor era professor desse curso.

6 Tese

de doutorado na Universidade de Paris I, fora defendida em 1971, dois anos após o início da presidência do general Emílio Garrastazu Médici, de cujo governo o ex-chefe-nacional da AIB, Plínio Salgado, havia dito que permitira que os “plinianos” da década de 1930 tivessem chegado ao poder.

Não tenho mais presente nem os textos nem o conteúdo das resenhas mais rápidas publicadas na imprensa sobre o livro de Trindade, e que eram afixadas no quadro de avisos do curso. Se minha memória não está falhando, uma delas era de Alceu Amoroso Lima, e tinha como título “A interpretação do integralismo vem do Sul”. Deve ter sido importante, pois, afinal, ele se tinha ocupado de forma bastante intensa com a AIB nos anos 1930, ocasião em que manifestara simpatia pelo movimento, mas, neste momento, dera uma guinada nas suas posições políticas e se tornara um dos críticos mais categorizados do regime militar. Infelizmente, não me lembro mais de nenhum detalhe do conteúdo desse comentário sobre a obra.

Hoje, penso que seria interessante recorrer a essas resenhas, para ver os comentários que se fizeram naquela época, especificamente à tese, e quais as eventuais “atualizações” ou vinculações que se estabeleceram com a realidade dos anos 1970, numa possível tentativa de justificação da oportunidade dessas

* Professor nos Departamentos de História da PUCRS e da UFRGS. 6 TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: DIFEL, 1974.

13

pesquisas7, para comparar tudo isso com a direção que tomaram as

várias “ondas” posteriores de pesquisa sobre a AIB.8

Lembro-me com mais detalhes – e posso consultá-la até hoje – de uma polêmica em que Hélgio Trindade se envolveu com o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Este apresentou, em 1975, um texto intitulado “Paradigma e História: a ordem burguesa na imaginação social brasileira”, no qual dedicou cerca de duas páginas a uma crítica do texto do primeiro.

9 Grosso modo, pode-se dizer que

Trindade foi acusado de não distinguir entre uma série de conceitos, o que o teria levado a considerar como fascistas pessoas, grupos e movimentos que apresentavam características que não constituem exclusividade fascista. Assim, governos fortes não seriam, ipso facto, fascistas; o voluntarismo, a predisposição para um profundo engajamento político, também não constituiria característica exclusivamente fascista, pois – em partindo desse princípio – a própria Aliança Nacional Libertadora deveria ser classificada como tal; o antiliberalismo seria outra dessas características que não pode ser apontada como privilégio do fascismo. A indistinção conceitual anti-científica – já que, segundo Wanderley Guilherme, constituiria tarefa de toda ciência classificar em conceitos cada vez mais distintivos e precisos a realidade material, social e política – levaria a que, seguindo a lógica de Trindade, na realidade do início da década de 1930, apenas aqueles que defendiam de forma entusiástica uma reconstitucionalização imediata para, de alguma forma, voltar ao status quo anterior à Revolução de 1930 escapariam da classificação de “fascistas”.

7 Essa idéia é sugerida pela observação feita por Florestan Fernandes, na apresentação ao trabalho de Gilberto Vasconcelos, a ser citado a seguir, na qual afirma não enxergar nenhuma utilidade no estudo do integralismo (VASCONCELOS, Gilberto. A ideologia curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979). Fernandes escreveu: “O que me põe de quarentena [em escrever o prefácio] é o assunto. Hoje está na moda dizer-se que se deve estudar o integralismo. Não partilho dessa opinião” (p. 11). 8 A palavra “onda” encontra-se num trabalho de Rodrigo Santos de OLIVEIRA, mesmo que ele nos informa ter optado originalmente pela idéia de “geração” e passado a preferir, depois, o termo “fase” (“Perante o Tribunal da História”: o anticomunismo da Ação Integralista Brasileira [1932-1937]. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUCRS, 2004 p. 28 e segs. 9 Esse texto foi publicado, mais tarde, em SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 15-63 (a crítica ao trabalho de Trindade está nas p. 30-31).

14

Hélgio Trindade respondeu a essa crítica, destacando que fora interpretado de forma totalmente equivocada por Wanderley Guilherme, que, por exemplo, atribuiu a ele, Trindade, a elaboração de qualificações sobre aquilo que seria o fascismo que, na realidade, eram qualificações que o próprio Plínio Salgado atribuíra ao fascismo, em textos que escrevera ainda antes da fundação da AIB. O trabalho não conteria uma classificação simplória do integralismo como fascismo, mesmo que destacasse diversas características que o aproximariam desse “tipo” de regime.

10

Eu era um simples aluno de mestrado e não tinha informações sobre outras pessoas que estivessem realizando estudos sobre o integralismo. Lera, naturalmente, o livro de Hélio Silva intitulado 1938: Terrorismo em campo verde

11, e, talvez como um dos primeiros

pesquisadores brasileiros, tivera acesso à tese de doutorado de Carlos Henrique Hunsche, defendida na década de 1930, na Alemanha.

12 Não

tive acesso, por essa época, ao livro de Robert Levine sobre O regime de Vargas, cujo original, em inglês, era de 1970, mas que só seria publicado no Brasil em 1980, e que possui um capítulo dedicado ao integralismo.

13 Também não conhecia a tese de doutorado de Elmer

Broxson, defendida em 1972 nos Estados Unidos.14

10 TRINDADE, Hélgio. Texto e contexto: nota crítica a alguns aspectos do estudo “Paradigma e História” de Wanderley Guilherme dos Santos. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (da UFRGS). Porto Alegre. ano IV. 1976. p. 128-134. Essa mesma revista publica um artigo de Juan Lins sobre “O integralismo e o fascismo internacional”, no qual a tese de Trindade é inserida, em termos benevolentes, no contexto dos estudos internacionais sobre os fascismos (p. 135-143. 11 SILVA, Hélio. 1938: Terrorismo em campo verde. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. Aquilo que se encontrava em Edgard Carone era, praticamente, o resumo de algumas partes do trabalho de Trindade (Carone, Edgard. A República Nova (1930-1937). São Paulo: DIFEL, 1974. p. 194-231), a que o historiador tivera acesso antes da publicação. 12 HUNSCHE, Karl-Heinrich. Der brasilianische Integralismus.

Stuttgart/Alemanha: Kohlhammer-Verlag, 1938. Alguns anos depois, viria a descobrir outra tese defendida na Alemanha naquela época e também publicada lá (em português): Gut, Nicolau de Flue. Plínio Salgado, o creador do integralismo na literatura brasileira. Speyer a. Rh.: Pilger-Druckerei, 1940. O

livro de Hunsche, entrementes, está traduzido para o português e pode ser obtido no Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP, em Porto Alegre. 13 LEVINE, Robert M. O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 14 BROXSON, Elmer R. Plínio Salgado and Brazilian integralism, 1932-1938. Tese (Doutorado em História) Washington: The Catholic University of América, 1972. Outros trabalhos de que só tomei conhecimento mais tarde – mesmo

15

Talvez tivesse entendido melhor a polêmica entre Wanderley Guilherme e Hélgio Trindade se soubesse das teses então em andamento de J. Chasin e de Gilberto Vasconcelos, e das quais só tomei conhecimento depois da publicação, em 1978 e 1979, respectivamente.

15 Nelas, se refletem a discussão sobre o caráter

“mimético” ou não do integralismo, sobre a possibilidade de classificá-lo entre os fascismos, e também sobre os interesses daquele momento subjacentes ao estudo desse fenômeno do passado.

16

Com tudo isso, quero dizer que meu ingresso no campo de estudos sobre o integralismo não se deu a partir de uma batalha nas barricadas teóricas e metodológicas em que se tentava decidir sobre o alfa e o ômega do movimento e, por tabela, eventualmente até sobre os destinos da humanidade. Sempre tive muita consciência de que me inseria numa discussão teórico-metodológica de menor abrangência e que mordia esse tema apenas pelas beiradas. Mesmo assim, penso, hoje em dia, que dei uma contribuição de algum valor.

A modéstia de minhas pretensões pode ser inferida do próprio fato de que não ingressei no mestrado com a decisão tomada de que faria uma dissertação sobre o integralismo. Mesmo que as matérias publicadas por alguns órgãos da então nascente “imprensa nanica” sobre o estudo de Hélgio Trindade, ainda antes de sua edição em livro, tivessem despertado meu interesse e constituído uma das motivações para meu ingressado no mestrado em Ciência Política da UFRGS, não vinha decidido a transformar esse tema em interesse central de minha atividade de pesquisa. Tinha a intenção de dedicar-me ao estudo da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no Rio Grande do Sul. Depois de ter lido a então escassa bibliografia geral sobre esse assunto e de ter reunido algumas poucas informações a respeito de sua atividade no estado, procurei o escritor Dyonélio Machado, presidente da ANL, em 1935. Fui muito bem recebido, mas no final da longa conversa, o escritor me deu o seguinte conselho: “Para o meu bem [de Dyonélio

que já existissem naquele momento – foram: HILTON, Stanley E. Ação Intergalista Brasileira: fascism in Brazil, 1932-1938. Luso-Brazilian Review, Madison, vol. IX. nº 2. 1972; Williams, Margaret TODARO. "Integralism and Brazilian catholic church " The American Historical Review. vol. 54. nº 3. Washington, 1974. 15 CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 1978; VASCONCELLOS, G. op. cit. 16 Um comentário de Hélgio Trindade sobre esses trabalhos pode ser encontrado em seu texto intitulado “Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30”. In: FAUSTO, Boris [dir.]. História Geral da Civilização Brasileira [vol. 10]. São Paulo: DIFEL, 1981. p. 304-316.

16

Machado] e para o teu bem, esquece essa história”. Com a negativa do ex-presidente da ANL em colaborar com informações, tive de abandonar esse projeto.

17

A conversa com Dyonélio aconteceu no início de 1976, e no primeiro semestre desse ano me matriculei numa disciplina sobre “Pensamento político brasileiro no século XX”, ministrada por Hélgio Trindade. Paralelamente aos conteúdos desenvolvidos pelo professor, todos os participantes do seminário deveriam escolher um assunto que se enquadrasse, de alguma forma, nessa temática e ir apresentando, no decorrer do semestre, os avanços feitos na sua pesquisa, que deveria desembocar, no final do período, num paper semestral. Como eu demorasse um pouco para definir o tema e a fonte a que me dedicaria, Hélgio apareceu, certo dia, na sala de aula com um volume encadernado do jornal integralista Der Kampf, editado em Novo Hamburgo, de novembro de 1936 a novembro de 1937, num total de exatas 52 edições semanais. Relatou que, durante suas pesquisas para a tese, conseguira o jornal com a família proprietária da gráfica em que fora impresso, mas que, por não dominar o alemão, não pudera analisar o conteúdo, e por isso sugeriu que eu o fizesse.

Como o título indica, tratava-se de um jornal em língua alemã, editado em um dos mais típicos municípios de colonização germânica do Rio Grande do Sul, município que, ao lado de Caxias do Sul – típico de colonização italiana –, elegera um vereador integralista nas eleições municipais gaúchas de 1935.

18 Comecei a fazer um levantamento

sistemático do conteúdo do jornal. Para o seminário, interessava mais o conteúdo doutrinário, mas o fato de que notei desde os primeiros números que algumas opiniões preconcebidas que eu tinha sobre o integralismo, e sua expansão nas regiões de colonização alemã do sul do Brasil, não se confirmavam na leitura levou-me a sistematizar todos os conteúdos – mesmo aqueles que não se referiam a aspectos doutrinários, portanto ao “pensamento” integralista. Acabei recorrendo também a algumas outras fontes, e todas elas me diziam que a história contada como líquida e certa – e na qual também eu acreditara até então – não era tão líquida e certa assim.

19

17 Meu projeto só foi concretizado quase 20 anos depois por Diorge Alceno KONRAD (1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUCRS, 1994. 18 Caxias do Sul elegeu três vereadores integralistas. 19 O paper semestral está publicado sob o título “O integralismo e os teuto-brasileiros no Rio Grande do Sul”. In: Anais do 2º Simpósio de História da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 1976. p. 143-174.

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E qual era essa história? Em resumo, mais ou menos a seguinte. Os alemães e seus descendentes, sobretudo no sul do Brasil, teriam resistido de forma tenaz e sistemática a uma integração política e cultural na realidade brasileira desde que chegaram aqui, a partir de 1824, mantendo-se “enquistados” em território nacional, sem aderir ao Brasil, sem se nacionalizar, e com a atenção voltada exclusivamente para tudo aquilo que acontecia na Alemanha, muitas vezes sem saber que eram brasileiros, num verdadeiro Estado dentro do Estado, completamente desinteressados e apáticos em relação à vida política brasileira. Como o integralismo era um partido nos mesmos moldes do nazismo alemão, e como se supunha como evidente que o próprio nazismo deveria estar promovendo a expansão da AIB no Brasil, seu irmão de fé, a adesão relativamente grande de alemães e descendentes era considerada algo absolutamente normal e óbvio. Nessa perspectiva, a rigor nem haveria necessidade de explicar qualquer coisa. Estaria tudo claro, e a situação não demandaria qualquer explicação.

Como minha pesquisa semestral no jornal e em algumas outras fontes a que recorri, porém, indicava que nem tudo era tão absolutamente claro, e como eu estava à procura de um tema de dissertação – depois do abandono da idéia de me dedicar à história da ANL – e ainda, como na apresentação do seu trabalho, Hélgio Trindade havia escrito que não abordara três temas que considerava merecedores de uma investigação, a saber: a relação do integralismo com a Igreja Católica, com as forças armadas, e com as populações de origem imigrantista e os fascismos europeus, principalmente no sul do país – por tudo isso, eu tinha um tema para minha dissertação.

Ela ficou pronta em 1977, tendo sido defendida em outubro daquele ano.

20 As pesquisas me levaram a não poder negar que o

integralismo tivera um sucesso maior nas regiões de colonização alemã e italiana, ou seja, havia uma evidente correlação estatística entre a densidade da influência alemã (e italiana) na população e a densidade da presença integralista, mas outros aspectos pressupostos como líquidos e certos, e fundamentais no estabelecimento da lógica que supostamente explicaria essa correlação, não puderam ser comprovados. Assim, por exemplo, alguns dados sobre a atividade

20 Considerando que ela não foi publicada – mesmo que seu conteúdo tenha sido aproveitado, em grande parte, na tese de doutorado, de que falarei a seguir –, talvez valesse a pena citar seus créditos, pois seu conteúdo não foi totalmente integrado na tese: O integralismo e os teuto-brasileiros no Rio Grande do Sul: contribuição para a interpretação de um fenômeno político controvertido. Porto Alegre: UFRGS, 1977.

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nazista no Brasil indicavam que, no mínimo, o partido nazista não apoiou de forma irrestrita a difusão da AIB entre os teuto-gaúchos, e os atores políticos contemporâneos faziam uma clara distinção entre nazistas e integralistas – coisa que nas interpretações correntes não acontecia. Nesse sentido, o governador Flores da Cunha mantinha um relacionamento muito estreito e cordial com a representação diplomática do governo nazista e era assíduo nas festas dos militantes da suástica, enquanto sua polícia batia nos integralistas – fossem de origem alemã ou não. O mesmo acontecia com as autoridades do interior do estado. Também ficaram muito patentes as profundas reservas que o movimento germanista – o qual, havia muitas décadas, defendia a prática da segregação étnica dos descendentes de alemães como programa – tinha em relação ao integralismo, pelo fato deste defender um nacionalismo que tinha na fusão racial e na constituição de um melting pot brasileiro um dos seus grandes objetivos; e esse aspecto ainda era reforçado pelo fato de que germanistas luteranos enxergavam no integralismo um movimento muito influenciado pelo catolicismo, de forma que o encaravam com muita suspeita.

Evidentemente, havia exceções. Nas Ciências Humanas, o objeto de estudo não é inerte e tem vontade própria, podendo contrariar tendências gerais ou condicionamentos materiais, sociais, econômicos, intelectuais, culturais. Pode-se citar um exemplo: sem dúvida, o maior líder integralista de Novo Hamburgo, vereador eleito nas eleições de novembro de 1935, Wolfram Metzler, apesar de católico, podia ser caracterizado como um personagem bastante “germânico”. Imgart Grützmann também mostrou que ao menos um almanaque germanista, editado no interior de Santa Cruz do Sul, Der Heimatbote, que eu não consultei na época, era muito mais favorável à AIB do que mostraram as análises dos demais almanaques de língua alemã arrolados em meu trabalho.

21 Essas exceções, porém, não

conseguiram invalidar uma tendência geral que dificultava em muito a equação corriqueira, encontrável tanto na bibliografia quanto no senso comum, de que os descendentes de alemães constituíram um “quisto étnico”, concretizado na força do movimento “germanista”, o qual, por sua vez, teria escancarado as portas ao nazismo, que, por sua vez, teria conduzido, naturalmente, ao integralismo, em função da total identidade de interesses e de ideologia entre ambos. Essa equação,

21 GRÜTZMANN, Imgart. O almanaque (Kalender) na imigração alemã na Argentina, no Brasil e no Chile. In: DREHER, Martin N. el al. (orgs.). Imigração e imprensa. Porto Alegre/São Leopoldo: EST/Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004. p. 54.

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que, aparentemente, refletia uma lógica absoluta, perfeita, na realidade empírica tropeçava, a toda hora, em contradições.

Diante das evidências de que a variável étnica não podia servir de forma tão direta quanto sempre se imaginara para a explicação da difusão integralista entre os “alemães”, meu orientador sugeriu que deveria procurar a explicação na “educação autoritária” que essa gente havia internalizado. O problema da hipótese de que a variável “educação autoritária” poderia explicar a simpatia pelo integralismo consistia no fato de que, metodologicamente, era difícil testá-la com instrumentos minimamente intersubjetivos. O problema começava pela definição daquilo que é uma “educação autoritária”. Muitas atitudes que para meu orientador poderiam parecer autoritárias, como, por exemplo, uma certa rigidez na observação de algumas regras da convivência cotidiana, para outros poderiam constituir imperativo de qualquer convivência democrática. Em resumo: não embarquei nessa proposta.

Claro, não deixei de ver alguns problemas na minha posição. A recíproca também era verdadeira – eu não tinha como provar que a variável étnica não tinha absolutamente nada a ver. Mas eu simplesmente defendia – e continuo defendendo – a tese de que ela é dispensável para explicar a presença integralista nas regiões de colonização alemã. E, nesse sentido, dei destaque a fatores políticos, socioeconômicos, e até geracionais. Em primeiro lugar, ficou muito claro que naquelas localidades, às vezes nos distritos, em que havia uma densidade maior de integralistas havia um problema político local não resolvido. Citei, na época, o caso do distrito de Campo Bom, integrando o município de São Leopoldo, cognominado “berço da imigração alemã” no Rio Grande do Sul. Nesse distrito se registrou uma densidade eleitoral integralista muito maior do que no restante do município. Ao consultar a documentação da prefeitura, constatei que havia ali um movimento que vinha desde a virada da década de 1930 – e que se estendeu Estado Novo a dentro – lutando pela desanexação de São Leopoldo para ser anexado a Novo Hamburgo, criado em 1927, e cuja sede se localizava muito mais próximo do que a sede do primeiro. Como, aparentemente, a oposição oligárquica não podia ou não queria ceder a essa reivindicação, o integralismo com seu descompromisso com as oligarquias tradicionais foi favorecido. Temos aqui uma explicação política universal, que independe totalmente da variável étnica.

Além disso, o levantamento dos nomes dos integralistas mostrou que tinham características socioeconômicas e etárias muito específicas: eram jovens e sua trajetória de vida mostrava uma tendência para a ascensão social. Evidentemente, essa característica

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não era privilégio das regiões de colonização. Pessoas assim existiam também em outras regiões. Certo. Mas nas regiões de colonização durante toda a Primeira República houvera de parte do governo uma restrição política, isto é, houvera uma presença maciça de prefeitos e funcionários vindos de fora dessas regiões, restringindo, portanto, o mercado político para os cidadãos locais; em contrapartida, essas regiões apresentavam uma maior dinâmica econômica que as demais regiões, e assim se juntavam restrições de mercado político com maior presença de setores em transição social, buscando espaço no mercado político.

Tendo obtido uma bolsa para fazer o doutorado na Alemanha, resolvi continuar com o tema envolvendo nazismo, germanismo e integralismo. Na dissertação de mestrado, as fontes alemãs sobre nazismo, germanismo e suas eventuais ligações com o integralismo tinham sido indiretas, buscadas em escassa bibliografia secundária. Um passo adiante em relação à dissertação, seriam, portanto, as pesquisas em fontes alemãs – arquivos do ministério das relações exteriores, arquivos partidários e arquivos de organizações que se dedicavam aos assim chamados “alemães no exterior”, imprensa alemã e imprensa de língua alemã do Brasil (à qual eu não tivera acesso aqui), bibliografia especializada sobre o nazismo etc. A outra frente nova era sugerida por uma informação encontrada no decorrer da pesquisa para a dissertação: nas eleições municipais de novembro de 1935, no Rio Grande do Sul, os integralistas tinham conseguido eleger quatro vereadores; nas eleições municipais de março de 1936 em Santa Catarina, tinham conseguido eleger oito prefeitos e 72 vereadores. Estava aí um problema: como explicar essa enorme diferença no sucesso alcançado nos dois estados? Esses dois aspectos vieram a constituir o plus da tese em relação à dissertação.

22

De uma maneira geral, as descobertas feitas em todas essas fontes confirmaram as conclusões básicas da dissertação. E, nesse sentido, acrescentei um número considerável de informações àquelas

22 Estudos posteriores ao meu têm introduzido algumas pequenas correções àquilo que escrevi, mas nenhum deles encontrou algo completamente diferente (BARTELT, Dawid D. Die Auslandsorganisation der NSDAP in Brasilien im Rahmen der deutsch-brasilianischen Beziehungen, 1931 bis 1939. Berlim: Freie Universität Berlin, 1991 [dissertação de mestrado]; MÜLLER, Jürgen. Nationalsozialismus in Lateinamerika: die Auslandsorganisation der NSDAP in Argentinien, Brasilien, Chile und Mexico. Suttgart: Verlag Hans-Dieter Heinz, 1998; MORAES, Luís Edmundo de Souza. Konflikt und Anerkennung: die Ortsgruppen der NSDAP in Blumenau und in Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em História). Berlim: Technische Universität Berlin, 2002.

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que já apresentara ali. Um avanço mais significativo, porém, trouxeram as informações específicas sobre Santa Catarina. Uma série de referências sobre as regiões de colonização desse estado indicava que suas populações de origem alemã estavam muito mais segregadas e, portanto, não-integradas, que as do Rio Grande do Sul. Lá se falaria um alemão ainda muito mais “puro” que aqui, e tudo seria muito mais “alemão”. Disso decorreria uma explicação relativamente lógica para a presença mais densa do integralismo.

Outra vez se estava diante de uma explicação muito plausível e, aparentemente, convincente e inquestionável. Mas mais uma vez a empiria, ou a tentativa de verificação dessa visão através de dados mais objetivos, mensuráveis, se não impunha um veto total à explicação corrente, no mínimo, não a confirmava. Como medir se os descendentes de alemães de Santa Catarina eram “mais alemães” que os do Rio Grande do Sul? Os indícios antes indicavam que as igrejas, por exemplo, que no Rio Grande do Sul tiveram um papel muito importante na manutenção da “germanidade”, em Santa Catarina apareciam desestruturadas, mal administradas, sem uma presença dominante na sociedade. As associações recreativas e culturais que aqui tinham tido uma função importantíssima na manutenção dessa mesma “germanidade”, incluindo sua defesa diante dos perigos representados por uma eventual interferência do Estado, em Santa Catarina apresentavam-se com o único objetivo de fornecer lazer. Nesse sentido, mostrei, na época, que se a Liga de Sociedades Germânicas de Porto Alegre dizia no primeiro artigo de seus estatutos que sua função era a de congregar todos os “alemães” de Porto Alegre e também do interior, defendendo seus interesses diante das autoridades municipais, estaduais e federais, o primeiro artigo da Liga de Sociedades Germânicas de Joinville dizia que sua função básica era promover 20 festas anuais.

Uma análise da presença de “alemães” em cargos políticos na Primeira República mostrou que, se no Rio Grande do Sul os sobrenomes dessa origem nos cargos de prefeito não eram totalmente ausentes, eram, no mínimo, escassos. Em Santa Catarina, o quadro era completamente diferente: os sobrenomes dos prefeitos dos principais municípios típicos de colonização alemã só excepcionalmente não eram alemães. Se no Rio Grande do Sul o primeiro candidato a governador com sobrenome alemão só veio a existir em 1950 – e se até 2005 nenhum cidadão de sobrenome alemão ocupou esse cargo, ao menos como titular –, em Santa Catarina vários cidadãos de sobrenome alemão ocuparam esse cargo desde o início da República. Outros indicadores de “integração” apontaram na mesma direção. No que tange especificamente ao

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integralismo, inclusive constatei que grande parte das lideranças integralistas das regiões de colonização alemã estava casada com mulheres de origem não-alemã.

O que efetivamente era diferente era a “integração” econômica dos descendentes de alemães. Se no Rio Grande do Sul, até os anos 1930, a parte sul, a parte “tradicional” do estado, a assim chamada “Campanha”, ainda era economicamente a de maior peso, algo parecido não acontecia em Santa Catarina há muito tempo. E, correspondentemente à maior importância econômica relativa das regiões de colonização de lá, também se pode explicar a presença política mais intensa. Isso gerou um conflito latente – e, às vezes, aberto – de longa data entre as regiões de colonização alemã e as regiões tradicionais. Por isso, para as oligarquias tradicionais de origem não-alemã, os “alemães” apareciam com maior visibilidade do que no Rio Grande do Sul e a “colônia” era tida como mais alemã. Essa importância econômica e política, por sua vez, explica a existência de maiores clivagens internas a elas, do que nas do estado gaúcho. Além disso, o fato de que em Santa Catarina a Revolução de 1930 representou uma troca dos detentores do poder estadual, tivemos um pós-1930 muito mais conflituoso que no Rio Grande do Sul. Pesquisas posteriores à minha confirmam cada vez mais essa assertiva.

Em resumo, portanto, também naquele estado, explicações transcendentais, metafísicas, como conspiração nazista, educação ou cultura política autoritária etc. não conseguem explicar a maior densidade integralista. Pelo contrário, também lá tudo pode ser explicado através de variáveis muito racionais e universais.

A tese só foi publicada em 1987, portanto, mais de cinco anos depois de concluída. Teve uma repercussão relativamente boa na imprensa ao norte dos dois estados aos quais se dedicava, mas foi completamente ignorada pela imprensa de ambos. Recebi recortes de jornais como Cidade de Rio Claro (SP), O Estado do Paraná, Correio Popular (Campinas, SP), Correio do Livro (UnB, Brasília), Diário de Pernambuco, O Estado do Maranhão.

Mas a impressão que tive foi a de que os resenhistas não leram o texto ou o leram e não o entenderam. A maioria pareceu ter lido apenas o release da editora, que falava de uma interpretação nova, mas nos trechos que refletiam comentários mais pessoais dos comentaristas transpareciam suas concepções muito tradicionais, de forma que meu texto, na verdade, não fora assimilado como “revisionista”. A rigor, um único resenhista, dentre aqueles de cujo texto tomei conhecimento – por isso peço desculpas se estou

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desmerecendo, ou ignorando, algum comentário com enfoque diverso –, leu o livro com atenção e o entendeu perfeitamente, foi Roney Cytrynowicz, que escreveu um comentário de duas páginas muito pertinentes para a revista Senhor, no início de 1988.

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O livro, apesar de ter recebido certo reconhecimento entre especialistas, não atingiu um público maior. Sua edição continua encalhada, e na Feira do Livro de Porto Alegre, em 2004, chegou a ser colocado nos balaios de liquidação, a “preço de banana”. Penso que – além de eventuais problemas de distribuição – essa pouca repercussão entre um público mais amplo se deve a dois fatores básicos: em primeiro lugar, o livro narra tudo, menos uma história espetacular. Se tivesse descoberto grandes conspirações contra a nacionalidade, enormes arsenais clandestinos e coisas do gênero, certamente teriam sido comentados em muitos jornais e em muitas revistas. Mas, minha história não contém nada de especial, de emocionante. É tudo tão natural, tão pouco excitante! Em segundo lugar, meu texto não podia agradar nem a gregos nem a troianos. Aos “germanistas” mostrei que existiram nazistas agressivos, que existiram integralistas ferozes, que as grandes personalidades “alemãs” nem sempre eram benquistas entre a população etc. Mas aos “germanófobos” mostrei que pelo simples fato de ter um sobrenome alemão um cidadão não era, necessariamente, uma besta nazista, integralista, ou seja lá o que fosse. É claro que ambos não podiam ter gostado dessa minha conclusão.

João Fábio Bertonha insinuou uma pequena crítica – ao lado de rasgados elogios – por eu ter exagerado, no sentido de ter insistido demais que a variável étnica não tinha absolutamente qualquer importância na análise e interpretação do integralismo nas regiões de colonização alemã do sul do Brasil.

24 O autor tem razão: como sugere

ao analisar o integralismo entre os “italianos”, essa variável não pode ser ignorada de todo. Eu, porém, lhe responderia que, por um lado, minhas pesquisas mostraram que é muito difícil controlar, metodologicamente, a utilização e a importância dessa variável. Ela está matematicamente, estatisticamente presente na evidente correlação positiva entre densidade de população com origem alemã (e italiana) e densidade de sucesso do integralismo, mas todos os autores que tentaram uma explicação – sobretudo exclusiva – a partir dela

23 CYTRYNOWICZ, Roney. Um Reich de poucos súditos. Senhor. no 355. São Paulo. de 12 de janeiro de 1988. p. 60-61. 24 BERTONHA, João Fábio. Between Sigma and Fascio: an analysis of the relationship between Italian fascism and Brazilian integralism. Luso-Brazilian Review. Madison. vol. 37. nº 1. 2000, p. 99.

24

invariavelmente incorreram em contradições insolúveis. 25

Por outro lado, meu tratamento da questão foi ideal-típico. Eu tinha diante de mim uma bibliografia que apontava numa direção, fiz a crítica dessa bibliografia, e penso ter mostrado de forma convincente as dificuldades em que ela se emaranha, sem exceção, e, por isso, tentei uma explicação alternativa, que, justamente por tentar derrubar uma explicação profundamente internalizada, eventualmente, me fez sentir a necessidade de exagerar em sentido oposto, justamente para deixar o claro possível onde estavam as divergências.

Rodrigo de Oliveira, em trabalho recente, me classificou como pioneiro e inspirador daquilo que chama de estudos regionais sobre o integralismo.

26 Certamente se trata de um ato de benevolência de um

orientando para com seu orientador, pois não imagino que todos aqueles que se dedicaram, desde os anos 1980, a isso que ele chama de “estudos regionais” tenham tido conhecimento dos meus trabalhos e, a partir deles, tenham optado por essa linha. O que admito é que, de fato, essa linha de trabalho foi a que mais prosperou, mesmo que alguns estudos “totalizantes” de bom nível tenham sido produzidos após a década de 1970 – penso em trabalhos como o de Ricardo Benzaquen de Araújo.

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Portanto, me entendo como um dos precursores, mas não como inspirador. Talvez os “estudos regionais” sobre o integralismo tenham tido maior difusão em função do “balde de água fria” que Florestan Fernandes derramou sobre os pesquisadores, ao declarar na citada introdução ao livro de Gilberto Vasconcellos que não via qualquer importância no estudo do integralismo em si. Mas também penso que os “estudos regionais”, muitas vezes, revelaram-se mais úteis do que as grandes sínteses, porque permitiram descobrir aspectos da realidade histórica não só no campo restrito do próprio movimento, mas também muitas coisas que se localizam nas suas adjacências. Nesse sentido, um livro mais recente de minha autoria sobre a política sul-riograndense mostrou que as descobertas sobre aquilo que aconteceu nas regiões de colonização alemã nos anos

25 Talvez tenha algum sentido lembrar aqui um exemplo fictício que costuma ser utilizado pelos estatísticos para dar um exemplo de falsa correlação ou correlação espúria: o fato de que a absoluta maioria das pessoas que adoecem de câncer do pulmão seja fumante não prova que o mal vem do fumo – o câncer pode derivar do fósforo com que o fumante acende o cigarro. 26 “A dissertação de Gertz desencadeou uma onda de estudos regionais” (op. cit., p. 35). 27 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução: o integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

25

1930, abria perspectivas muito interessantes para olhar para os anos anteriores. Inversamente, as informações obtidas nesse livro sobre a vida política em Novo Hamburgo nos anos 1920, por exemplo, firmaram de forma definitiva minha convicção de que as explicações que dei para a votação integralista em 1935 naquele município estavam absolutamente corretas.

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28 Gertz, René E. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião nos Rio Grande do Sul dos anos 1920. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

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2. ORIGENS DO INTEGRALISMO EM DEBATE

pensando a biografia de Plínio Salgado nos anos 20.

Leonardo Ayres Padilha 29

Grosso modo, a história do pensamento social brasileiro procura estudar, por várias razões (estabelecimento de uma sensação de segurança, ímpeto por classificação, constituição de esquemas explicativos, etc.), os argumentos dos intelectuais com o intuito de organizá-los numa corrente de pensamento ou definí-los a partir de um conjunto de referências comuns – como, por exemplo, um contexto mental específico. Daí a preocupação sistemática em formular os “ismos”, desvendar influências, estabelecer os contornos das gerações e períodos de continuidade ou renovação. Não que isto seja irrelevante, ao contrário: situar o objeto de estudo, tentando compreendê-lo a partir de um horizonte particular, indica um cuidado profícuo com a pesquisa. Elucidar a especificidade de um autor à luz do diálogo travado no interior de um grupo ajuda o entendimento das relações produzidas durante a construção do seu argumento.

Não é diferente o caso das avaliações do modernismo brasileiro, sejam elas de cunho historiográfico, crítico ou sob a forma do ensaio. É neste sentido que surgem as indagações: o fenômeno que desestabilizou a vida cultural brasileira nos anos 20, e nos que seguiram, teve razões internas ou externas? E, independente da resposta à questão anterior, quais foram as motivações dentro dos respectivos contextos? A procura de uma filiação para a década que se iniciou em 1920 foi questão premente, com a justificativa de que este período foi radicalmente distinto de tudo o que se passara até então na vida cultural brasileira. Houve tentativas de equacionar o problema, nomeando-o de movimento “pós-parnasiano”, ou ainda, estabelecendo estratégias de aproximação construídas a posteriori, como a definição dos seus antecedentes como “pré-modernistas”. Enfim, as soluções resultavam, ou ao menos passavam, por uma definição esquemática do ambiente intelectual em que se dava o processo.

29 Mestre em História pela PUC-RJ.

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Não é por acaso então que a década posterior, os anos 30, provocava uma percepção ainda mais engessada. Como as correntes políticas se definiam com mais clareza, a tendência das interpretações segue o mesmo caminho, i.e., a polarização política corresponderia à ideológica, mesmo no que se refere às origens dos sistemas de pensamento que, ao serem concebidos, em geral são fluidos, ambíguos e até mesmo constituem-se por meio de contradições próprias do processo de auto-formação. É deste problema que este texto se propõe a tratar: ao se pensar esquematicamente a formação teórica do integralismo – buscando no passado de seu líder uma ideologia que já se apresentasse como semente do anauê – a interpretação fica comprometida até o fim com essa versão, mesmo que durante a investigação as evidências porventura apontem para a necessidade de se tomar um outro caminho. Os argumentos que se seguem tentam elencar alguns problemas que surgiram para quem optou conscientemente ou não por essa via e, na medida deste trabalho, construir um outro leque de opção a serem explorada.

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Com raras exceções, os rumos tomados pelos que se debruçaram sobre a trajetória intelectual de Plínio Salgado antes da fundação da Ação Integralista Brasileira (1932) eram norteados por uma associação quase automática entre a produção do autor anterior ao surgimento dos camisas-verdes e os manifestos integralistas nos quais se transformaram, como ele próprio diz, grande parte de suas obras a partir dos anos 30. Essa identificação imediata aparentemente soluciona de uma única vez dois tipos de problemas que, na verdade, são oriundos de uma carência de pesquisas: (a) a questão da formação ideológica de Salgado, i.e., uma vez analisado o movimento do sigma, fica fácil (mas forçoso) enxergar o seu casulo oculto, porém já constituído dez anos antes; e (b) embora, não erroneamente, se atribua ao integralismo um caráter direitista, é, contudo, equivocadamente, que os escritos do autor são classificados como produto de um pseudo-modernismo. O trajeto é o oposto: “justifica-se” (novamente a posteriori) o caminho político-militante escolhido por Plínio Salgado, tendo em vista sua “secundária” contribuição ao debate travado na década anterior. Assim, a análise é baseada numa analogia direta e artificialmente construída a partir de posições políticas e

30 Uma das opções para se entender a trajetória de Plínio Salgado antes da fundação da AIB, em 1932, é a inserção deste autor no contexto a que ele efetivamente pertenceu: o do movimento modernista. Esta interpretação foi objeto de minha dissertação de mestrado, cuja referência se encontra na bibliografia.

28

ideológicas que são transportadas imediatamente para o âmbito da pesquisa – o que certamente não é um bom ponto de partida.

Guardadas as devidas proporções, a maioria das análises sobre o pensamento modernista do autor de Discurso às estrelas se orienta pelo caminho que ele traçou nos anos 30, quando o modernismo já entrara em nova fase, bem como todo o contexto socio-político brasileiro. Na verdade, Plínio Salgado somente é pensado especificamente como integrante da renovação estética de 1922 de maneira específica pelos “manuais” de história literária; no que diz respeito às interpretações históricas, é aquela associação com o seu futuro integralista que ocupa lugar principal.

É neste sentido que, sem a pretensão de esgotar a totalidade das referências, se colocam as obras aqui brevemente citadas: (a) o livro de Gilberto Vasconcellos

31 constrói uma esquema que, por conta

de uma combinação entre dependência econômica e cultural e sentimento telúrico, faz a ideologia integralista já estar claramente presente – como tal – no discurso modernista de Plínio Salgado, i.e., embora bem construída, a tese de Vasconcellos não delimita uma diferença, a não ser de datas, entre os contextos das duas décadas no que diz respeito aos argumentos do autor em questão; ao contrário, a associação é bem-vinda; (b) já no texto de José Chasin,

32 este

raciocínio é ainda mais nítido. O espaço reservado ao exame do Plínio pré-1930 é configurado como “véspera do movimento”; o autor se atém a inúmeras repetições através de exemplos, às vezes consultando quase que exclusivamente os escritos do próprio Plínio Salgado, para “confirmar” a presença, desde o “início”, do argumento integralista; (c) Marilena Chauí

33 compreende o integralismo quase que unicamente

sob a dinâmica da luta de classes, e, assim, nas poucas vezes em que se refere à trajetória de Plínio Salgado na década anterior a 1932, o faz procurando verificar as relações causais entre seu trabalho como redator do Correio Paulistano – que era o órgão oficial de imprensa do Partido Republicano Paulista (PRP) –, a eclosão da Revolução de 1930 e a fundação da Ação Integralista Brasileira.

31 VASCONCELLOS, Gilberto. Ideologia curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979. 32 CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo híper-tardio. 2 ed. São Paulo / Belo Horizonte, Ad Hominem / Una, 1999. 33 CHAUÍ, Marilena. “Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira”. in M. Chauí & FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro, Paz e Terra: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1985. p.17-149.

29

Alheios a esse desenvolvimento, destaco ainda o livro de Ricardo Benzaquen de Araújo

34 que, embora não trate do período aqui

estudado, ajuda a compreender como se desmembrou o argumento de Plínio Salgado nos anos 30, através de análise que interpreta seus escritos como integrantes de um diálogo peculiar entre os conceitos de “totalitarismo” e “revolução”; e ainda o texto de Eduardo Jardim de Moraes

35 onde, apesar de não estudar especificamente a trajetória do

autor de O esperado, o compreende na dinâmica do movimento modernista. Estes dois trabalhos são particularmente importantes para a construção do argumento deste texto que se inicia, o primeiro como referência e o segundo como uma possibilidade de interlocução.

Seria possível ainda citar um sem número de artigos, teses e outros livros que, de alguma maneira, em sua reflexão, incluíram a questão proposta aqui. No entanto, este não é objetivo. O que se quer é retomar aquele ponto de onde se partirá, como contraponto, o argumento desenvolvido neste trabalho: entende-se a produção modernista de Plínio Salgado como prólogo à sua atividade política e militante, que o tornara mais famoso anos mais tarde. Para tornar essa questão mais clara, evoca-se agora o livro

36 que talvez seja o mais

completo sobre o fenômeno integralista, com o intuito de se introduzir a discussão. A observação se concentrará na parte do texto dedicado ao período em questão.

As análises que se preocupam em estabelecer nexos diretos entre os momentos avaliados se caracterizam por um argumento em que, mais importante do que a produção de um sentido-causa para uma determinada trajetória, a questão é da construção de sentido-temporal para a “história de vida” e, a partir daí, criação de vários outros sentidos (causas, motivos, e até histórias inteiras) para a elaboração de um fio que liga os mais diversos episódios

37. Neste

sentido, o relato pretende ser versão acabada, mesmo que para isso recorra à construção de caminhos que, no momento em que eram percorridos, nunca foram sequer imaginados. Apesar da obra de

34 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução: o integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. 35 MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão

filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978. 36 TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. 2 ed. São Paulo / Rio de Janeiro: DIFEL, 1979. (Corpo e Alma do Brasil). 37 Giovanni Levi faz um comentário sobre esse raciocínio anacrônico numa perspectiva crítica aos próprios historiadores. Ver: LEVI, Giovanni. “Usos da biografia”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p.167-82.

30

Trindade, ou mesmo as outras fontes em questão, não se tratarem de biografias, ainda assim as reflexões teóricas sobre esse gênero da escrita podem ajudar a desvendar o ponto aqui proposto sobre as interpretações acerca da trajetória de Plínio Salgado.

Pierre Bourdieu define esse tipo de situação como “história de vida”, onde há “privilégio concedido à sucessão longitudinal dos acontecimentos constitutivos da vida considerada como história em relação ao espaço social no qual eles se realizam...”

38. Mesmo

sabendo do desenvolvimento sociológico que o autor dará ao trecho assinalado,

39 podem ser expostas duas interpretações que não se

anulam: (a) a história como vida – pretendendo assim significar uma totalidade acabada, ou seja, com princípio, meio e fim, bem como com relação de causalidade entre as partes; e (b) a vida como história – representando o que “realmente” passou, uma suposta verdade histórica. Em ambos os casos há uma descaracterização do que se está a estudar, seja por estabelecimento de uma lógica temporal que não corresponde àquela em questão, seja aceitação acrítica de um relato que, por si, não pode ser considerado mais idôneo do que qualquer outro.

A própria maneira de se encarar o relato biográfico define o trabalho que será empreendido

40: para quê ela, a biografia, serve?

Maria Helena Werneck procura assumir essa questão partindo de um aspecto negativo que ajudará a formular o positivo, nomeado “pensar

38 BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. in AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs.). op.cit. p.189, grifo acrescentado. 39 O autor está preocupado com a biografia enquanto construção de uma trajetória que só pode estar num mundo social e assim, portanto, deve referir-se a ele e só terá (ou construirá) significado nele: “Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto do metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações”. In: BOURDIEU, op. cit., p.189-90. 40 Note-se que esta é uma questão teórica básica para as ciências sociais – e humanas – mas que, às vezes, parece ser desprezada por debates que priorizam a discussão metodológica, ou pior (aí assumo minha posição – ratificando a centralidade de uma perspectiva que não existe sem a reflexão teórica), conseguem separar totalmente como se fossem ingredientes de uma mistura que dependesse unicamente do seu sujeito: poderíamos entrar numa discussão, cujo caminhar só me aventuro quando tematiza o saber histórico, sobre a pós-modernidade.

31

saudável sobre biografias” – nos apresentando a visão nietzscheana.41

Para o filósofo, os biógrafos – ao tentarem atingir uma verdade – anulariam o que há de melhor na vida (então reescrita): a arte

42.

Desse modo,

a curiosidade positiva e pragmática dos biógrafos está orientada menos para as virtudes da criação que para ‘uma multidão de pormenores da vida e da obra’. Assim, o conhecimento que deriva dessa curiosidade impediria a irradiação do espírito à distância. Sem o véu do esquecimento, que é destruído pela informação crítica e biográfica, a arte não alcançaria o objetivo de ensinar a viver e a esquecer os problemas.

43

Dito isto, pode-se encarar com pessimismo a constatação da dupla dificuldade do trabalho que está por vir no exercício de se entender os escritos de tom biográfico. De um lado a preocupação incansável de se remeter cada “passo interpretativo” a um contexto específico que não está antes ou depois dele, mas o constitui; e, de outro, o esforço que consiste em desvendar o que foi criado pelo relato para dar sentido às lacunas da memória, e/ou imputar um significado que a própria história não representou. Ainda assim, não se pode tomar como solução o mergulho na pergunta é possível dar sentido à vida passada de um indivíduo? Em primeiro lugar porque um dos limites (ou melhor, uma das propriedades) da representação é justamente a apresentação de algo de novo (i.e., num novo tempo), assim, fatalmente de maneira distinta. E ainda, é vital assinalar que, seriam de pouco proveito quaisquer pretensões de se atingir a “verdade” – por concordar com a idéia de Nietzsche e por saber o lugar específico que as ciências humanas e sociais ocupam na produção do conhecimento. O desafio está lançado. É desse modo que se está propondo aqui uma observação acerca da construção da visão de Hélgio Trindade sobre a relação entre a vida e obra literária de Plínio Salgado da década de 1920.

Em Paris, fins do ano de 1971, Hélgio Trindade defendia sua tese de doutoramento intitulada L’action intégraliste brésilienne: un

41 WERNECK, Maria Helena. “Um pensar saudável sobre biografias”. In: O homem encadernado. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1996. p.17-30.

42 É importante frisar que Nietzsche, nesse caso, está se referindo às biografias de artistas. 43 WERNECK, M. H. op.cit., p.23.

32

mouvement de type fasciste des années 30, diante dos professores René Rémond, Celso Furtado e Georges Lavau. Neste ano, Plínio Salgado exercia seu último mandato como deputado federal pelo estado de São Paulo, filiado à Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e, particularmente nesta mesma data, era membro da Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Descrevendo desta maneira esses episódios (ambos à luz do ano de 1971), pode parecer estranho – e mesmo artificial – que esses dois “personagens” tomam, respectivamente, o lugar de sujeito e objeto de uma análise histórica. Contudo, estes também são problemas da análise biográfica. Reafirmo que, apesar das complicações já citadas, é possível interpretar os textos, mesmo quando estes são profundamente descomprometidos com qualquer grau de objetividade, o que não é o caso do livro de Trindade.

Na verdade, o dito “objeto” de Trindade não é especificamente Plínio Salgado, mas o movimento e organização política que fundou: a Ação Integralista Brasileira. Essa informação pode soar simples tendo em vista a já apresentação do título da tese, entretanto é muito importante para o argumento que será construído a seguir. Preocupado em desvendar a origem ideológica dos camisas-verdes, Trindade concede tom biográfico ao seu estudo, buscando as respostas na trajetória político-intelectual de Salgado. Traçando um caminho que vai do aprendiz de jornalista, passa pelo homem – mais figurante do que astro – da Semana de 1922, pelo romancista social (quando sofre a “metamorfose ideológica”), e chega, finalmente, ao status de fundador da doutrina integralista. Trindade elabora uma história que se constitui sempre determinada pelo que viria a acontecer – a luz do fim do túnel, na verdade, já iluminaria o percurso desde a entrada.

Voltando uma década antes do fenômeno integralista, o cientista político busca o início das formulações, dos princípios que se constituiriam como norte do primeiro movimento de massas do Brasil, no desenvolvimento da literatura do autor: “a evolução ideológica de Salgado, nesta fase [1920-5], se explica mais pela influência da revolução literária do que por sua experiência política em partidos tradicionais”.

44 De uma perspectiva de remontar a origem de uma

experiência política, se espera uma descrição, ainda que muitas vezes “fantasiosa”,

45 de um passado onde o protagonista já demonstrava a

vocação. No entanto, não é isso que acontece na narrativa de

44 TRINDADE, H. op.cit., p.42. 45 Digo “fantasiosa” dentro naquela perspectiva de se criar explicações a posteriori como justificativas dos atos que se seguiram.

33

Trindade. Ao invés disso e de maneira muito inteligente, o autor reconstrói o caminho do seu personagem através de etapas que constituem o que ele chama de “metamorfose ideológica”. Plínio Salgado, nos primórdios do movimento modernista, não concebia a idéia da criação de um partido político novo

46 como meio de se aplicar

suas idéias, de um lado porque elas ainda estavam em formação47

, e de outro porque não protagonizava nenhum movimento

48 – ele estava

no meio das transformações, mas, até então, não participara, como autor, delas. No entanto, justamente por viver a mutação literária que “sofria” a cultura brasileira não poderia estar alienado, e foi desse modo que sua formação política se deu através da literatura: seu primeiro romance é, na verdade, um estudo sociológico, um diagnóstico da vida brasileira.

À luz de uma história em que são revelados, simultaneamente, a formação, os problemas, e a “força” da sociedade brasileira, Salgado formula seu ideário. É então que Trindade, numa passagem, desvenda a situação política “por trás” do texto: “a problemática que está subjacente no romance [O estrangeiro], é “a formação de São Paulo, que era a do Brasil. Conglomerado de raças de várias procedências, de culturas, umas querendo sobrepujar as outras”; a mensagem do livro é o ‘nacionalismo’; seu objetivo principal é descrever a ‘vida rural, vida provincial e vida na grande cidade’, onde as correntes migratórias de diversas origens estão por realizar uma grande fusão étnica”.

49

A revolução literária, para Salgado, passa a não ser suficiente. Constatado o problema brasileiro e o destino da nação, a mudança se impunha: militância, da literatura à política.

50 Tentar entender a

trajetória do futuro chefe da AIB de uma maneira contextualista; ou ainda, procurar o ambiente literário da década de 1920 na biografia de Salgado significa correr o sério risco de não chegar à conclusão alguma, que não a de que seu caminhar foi muito peculiar. Daí a importância da noção da “metamorfose ideológica” no raciocínio de Trindade: foi Plínio Salgado que viveu esta mudança particular, é claro

46 Digo “novo” porque Salgado trabalhava no Correio Paulistano – Jornal que era órgão oficial de propaganda do Partido Republicano Paulista (PRP), situacionista. 47 Trindade, H. op. cit., p.35-69. 48 Ibid, p.43. 49 Ibid, p.57. 50 Plínio Salgado une algumas crônicas suas que saíram no Correio Paulistano e as publica num volume único intitulado Literatura e Política (ver

bibliografia). Hélgio Trindade também analisa este livro, mas como ratificação da “metaformose salgadiana”, onde a política passa a predominar sobre a literatura (Trindade, 1971. p.49-55).

34

que de acordo com a relação que estabeleceu com o seu meio; e ter vivido esta metamorfose significou uma diferença de trajeto em relação aos outros modernistas. Neste raciocínio, sua vida seria o que Giovanni Levi

51 chama de caso extremo: não como paradigma

modernista ou máxima expressão do movimento, mas por estar em uma de suas extremidades – não à margem, mas na margem.

Dentre as mais diversas posturas biográficas que se pode assumir, segundo tipologia de Levi, Trindade se aproximaria da que, através análise dos “casos extremos”, busca representatividade de suas trajetórias – mesmo quando estas sugerem que o que se estuda possa ser um caso isolado. Diz o autor:

...esse caso [o da biografia através dos casos extremos

52], o contexto não é percebido em

sua integridade e exaustividade estáticas, mas por meio de suas margens. Descrevendo os casos extremos, lança-se luz precisamente sobre as margens do campo social dentro do qual são possíveis esses casos. Podemos citar aqui (...) o artigo de Michel Vovelle sobre a biografia: ‘o estudo de caso representa o retorno necessário à experiência individual, no que ela tem de significativo, mesmo que possa parecer atípica’ ...

53

O caso de Salgado foi desenvolvido na margem, porque a revolução que pregava rapidamente se desvinculou da literatura (embora não a abandonasse – os livros do autor deixaram talvez de viver a mutação estética para virar divulgação da outra mutação, esta política) e se tornou predominantemente política. O início efetivo da mudança se dá em O estrangeiro: “a metamorfose ideológica de Plínio Salgado se processa sob a atmosfera intelectual da revolução estética. Sua obra romanesca, escrita em pleno período modernista, estabelece a ponte entre sua atividade de escritor e de ideólogo político”.

54

Hélgio Trindade não contrasta enfaticamente as diferenças da trajetória de Salgado em relação ao seu tempo, não é esse o seu caminho. A nomeação dada ao estudo (consultada em Levi), “biografia

51 LEVI, G. op. cit., p.178. 52 Na verdade, Giovanni Levi diz “biografia e os casos extremos” e não “através”; contudo, penso que a mudança aqui sugerida não altera o sentido dado pelo autor. op. cit. p.176. 53 Ibid. p.176-7. 54 TRINDADE, H. op. cit., p.48.

35

através de caso extremo”, está ligada muito mais ao direcionamento que Trindade vai dar ao seu argumento (gênese do integralismo) do que a defesa – do próprio autor – do caminho assim definido. Isto é, muito preocupado em ligar o “presente” integralista ao passado de Salgado, o autor cria um caso extremo (na margem) do modernismo.

É conveniente ainda citar outro exemplo dessa escrita que pretende formar uma cadeia de causalidades em direção a um fim previamente traçado. Agora, trata-se de um texto eminentemente biográfico. Plínio Salgado não escreveu nenhum livro de memórias – talvez exceto o que se refere especificamente as suas viagens à Europa e Oriente.

55 Todavia, sua filha Maria Amélia Salgado Loureiro

publicou em 2002 o livro que lhe parecia ser a narrativa reveladora da “verdadeira” história dessa personalidade que foi o seu pai. Amparada por uma autoridade tida por muitos como incontestável (a da convivência familiar), diz-se, em primeiro lugar, despretensiosa, mas logo em seguida revelando as mais profundas intenções, quando diz:

não sei se fiz alguma coisa que preste. Mas a minha intenção primeira foi dar o passo inicial, a ver se animava autores mais capacitados a empenhar-se numa tarefa maior, em obra mais completa sobre essa figura ímpar, das mais interessantes do seu tempo, intelectual de talento, estadista e político de grande valor e um dos homens mais injustiçados no cenário da vida nacional, apesar de ter amado com todas as forças de sua alma o Brasil, sempre sonhando torná-lo uma grande e respeitada Nação.

56

O desconforto que motivou a escrita de Loureiro (seu pai fora e é – no momento em que escreve – injustiçado) determina o conteúdo de seu texto: a pretensão de se contar a verdade nem sempre está em autobiografias de título fulano por ele mesmo, etc. A filha do biografado não cita a origem de cada fonte, a não ser genericamente numa nota explicativa que precede o texto.

57 Na verdade, sua perspicácia não

55 Ver referência na bibliografia. 56 LOUREIRO, Maria Amélia Salgado. Plínio Salgado, meu pai. São Paulo: GRD, 2001. p.XI. Grifo acrescentado. 57 O único trecho do livro que aborda a questão das referências é o seguinte: “Os capítulos referentes a sua infância foram redigidos segundo anotações por ele deixadas, talvez na intenção de escrever uma autobiografia. Entremeei-as de considerações que me pareceram pertinentes, mas procurei preservar, ao máximo a redação primitiva, sendo, portanto, realmente de sua autoria; a parte

36

está no fato de reunir documentos, mas em revisitar a sua própria memória e torná-la pública. A verdade, assim como o próprio Plínio pensava, não está na ciência, mas na intuição (ou sentimento), daí a importância e legitimidade de exercitar a lembrança. Todavia, não vem ao caso criticar de antemão o texto de Loureiro, mas sim analisar seu conteúdo e tentar descobrir suas construções, i.e., onde, como e porque a autora afirma isto ou aquilo.

O norte singularizado que conduziu a escrita de Hélgio Trindade (formação das idéias integralistas), se multiplicou em Plínio Salgado, meu pai. Loureiro, além de almejar fazer justiça à memória do pai, constrói seu texto a partir da noção de gênio individual – tanto artístico quanto político (nota-se uma proposital confusão entre os termos na sua narrativa) – e caráter íntegro. Essas qualidades aparecem como definidoras do caminho de Salgado e, portanto, do próprio país. Um dos exemplos mais característicos da genialidade pode ser personificado na figura do autodidata, do que “faz-se por si”: “depois do almoço, Plínio dirigia-se à Biblioteca Pública para estudar. Freqüentava “sebos”, onde comprava livros baratos. Fazia-se por si. Devagar. Lia, lia muito. E o livro que mais leu nesse tempo foi o livro da vida...”.

58

Ligar a inteligência do personagem às influências externas seria transformar sua originalidade, seu “verdadeiro” valor, em uma segunda versão, por isso Plínio estudava muito, mas sua maior escola foi a vida – sua inteligência era a sensibilidade. Há de se construir, entretanto, um reconhecimento, uma prova “externa” de tanta aptidão. É justamente aí que se segue a descrição do episódio que teria marcado de vez a sua entrada para a redação do Correio Paulistano: Salgado, ainda como revisor, numa ausência do então redator da coluna “Notas Políticas”, teve a oportunidade de escrevê-la, o que não só lhe rendeu a ascensão ao novo cargo, como também cumprimentos do então presidente do estado de São Paulo e futuro presidente da república, Washington Luís.

59 É curioso ressaltar, entretanto, que esta

alusão à figura do chefe de governo serve a um objetivo específico (notoriedade do autor), porque logo depois, talvez para que ele não seja cobrado, Loureiro diz que seu pai apoiou Washington Luís com condição de este garantisse idoneidade nas eleições e respeito ao

referente ao seu exílio em Portugal, também é, praticamente escrita por ele, pois retirei a maioria dos textos das cartas endereçadas a mim e meu marido, Loureiro Júnior, por serem as únicas notícias detalhadas que possuo dessa época de sua vida”. LOUREIRO, Maria Amélia Salgado. op.cit. 58 Ibid. p.116. Grifo acrescentado. 59 Ibid. p.117.

37

regime representativo para que pudesse “sentir-se à vontade para redigir seus artigos no Correio, sem ter de violentar a sua consciência”.

60 Plínio, como que se servindo do dom a ele outorgado,

conseguir traçar caminhos firmes em meios em terras bem lamacentas.

A atribuição de valor incontestável à figura de Salgado logo no início da narrativa que se refere à formação de sua personalidade – e que vai desembocar na publicação de O estrangeiro – não significa outra coisa que não admiração. Maria Helena Werneck num resumo que faz da história do desenvolvimento da biografia, descreve o que seria um exemplo de um tipo de exercício desta, a partir do século XVIII:

ao lado das cerimônias nas academias, das peças de teatros em louvor de feitos gloriosos do grande homem, das exposições e edições comemorativas, a literatura da paternidade, ou biografia do pai, consagra o filho escritor. O panegírico e o elogio fúnebre, característicos da biografia clássica, dão lugar a uma nova ‘morfologia do elogio’, que destaca o mérito em face do nascimento e explora a satisfação com a infelicidade como justificativa e lei do gênero. O elogio é a moeda que salda uma dívida da humanidade com o grande homem perseguido.

61

É imprescindível fazer ressalvas a uma eventual associação direta: (a) para fugir do anacronismo é necessário datar as situações – séculos XIII, e passagem do XX para o XXI; (b) não parece que Loureiro quer consagrar-se como escritora e sim fazer justiça ao pai; (c) a autora não se refere a uma postura de Salgado que revela satisfação com as infelicidades sofridas, mas as ressalta como que uma prova de caráter e de superação

62. Todavia, a admiração

convertida em livro demonstra a dimensão do elogio ao homem; desvenda as conclusões da autora como que vestígios, ainda

60 Ibid. p.118. 61 Werneck, M. H. op. cit., p.38. 62 Num dos acontecimentos narrados (o da morte do padrinho), Loureiro chama a atenção para a força de Salgado e, posteriormente, para a sua inquietude e desenvolvimento espiritual que fez com que o caso vivido servisse de inspiração para seus escritos. Cf. Loureiro, op.cit., p.76-81.

38

presentes, da fascinação pelo pai, da época em que era chamada de Amelinha

63.

Segue a legitimação do caminho do pai. Plínio Salgado, ao contrário do que dissera Trindade, foi uma das figuras importantes da Semana de Arte Moderna

64 e, o que era mais significativo, este

movimento do qual participara ativamente “encarnava” o íntimo dos brasileiros: “os sentimentos nacionais se polarizavam na evocação do grande acontecimento para cuja comemoração se faziam os preparativos. Nos domínios da arte e da literatura sentiam-se os efeitos de um estado de espírito comum a todos os brasileiros. Procuravam, então, os cultores de todos os ramos de arte, algo novo, que expressasse o Brasil cem anos depois de se tornar independente”.

65

A importância de Plínio para o Brasil correspondia desse modo ao valor que esta nação representava para ele e, além disso, agora Salgado começava a se distinguir dentre os outros autores de seu tempo, suas idéias estavam prestes a consagrá-lo. Isso começou, segundo a autora, numa reflexão – com a qual ela parece concordar – sobre a arte: criticando os modernistas europeus que se posicionavam como revoltosos contra as fórmulas antigas, apontam-se os valores eternos da arte e do pensamento.

66 Assim, Loureiro só dá verdadeira

importância ao momento do modernismo em que as revoluções estéticas já tinham “evoluído” para uma produção de reflexão sobre a nacionalidade – justamente o período em que foi publicado o romance primeiro de Salgado. A passagem que se segue é de suma importância para inserção do autor na fundação de algo verdadeiramente novo, e assim sagrá-lo no hall dos ilustres brasileiros:

63 O nome completo da escritora é Maria Amélia Salgado Loureiro. 64 Cf. LOUREIRO, M.A.S. op. cit., p.119-120. 65 Ibid. 66 Há em Plínio duas concepções de arte que se intercedem; ambas trabalhadas com propósitos diferentes por Loureiro. A primeira exposta acima – e servindo como crítica ao modernismo europeu – a vê como dividida, onde uma das partes é composta por um elemento eterno. A segunda concepção, servindo à noção de que o autor é original, vê a arte como fator de consciência nacional: “E continuando suas reflexões, Plínio Salgado declarava que sendo a arte de um país resultante de sua consciência nacional, no Brasil ainda não se pode falar em ‘escola’, pois a palavra ‘escola’ não está relacionada, apenas, a grupos de tendências estéticas semelhantes, mas pressupõe a idéia de nacionalidade. E concluindo, Plínio afirma que, felizmente, naquele momento, descobria-se um forte desejo de ‘criar a Pátria’: ‘A arte, principalmente, cuida muito mais desse ideal do que a política oportunista. É esse anseio que leva os artistas a representarem que nos lega tradições francesas, inglesas e portuguesas, menos a tradição nacional”. Op. cit., p.119-128.

39

Esse momento revolucionário das letras e das artes inspirava-se, pois, no desejo de libertação das formas acadêmicas, ou do neoclassicismo, dando-se ampla autonomia aos escritores e artistas para que se expressassem livremente, segundo sua própria interpretação do mundo exterior e interior. Seus objetivos eram puramente estéticos e literários. Entretanto, nascia dali um sentido de brasilidade que, posteriormente, se tornou profundo e de conseqüências sociais e políticas da maior importância.

67

As palavras grifadas, não necessariamente em sua ordem, representam um argumento importante da autora sobre a originalidade de seu biografado, aqui resumido:

superando (entretanto) um reducionismo (puramente) característico daquele primeiro momento da revolução modernista, Plínio Salgado elaborara um pensar genuinamente novo (porque profundo) sobre a nacionalidade: esta deveria ser exercida a partir de referentes internos (interior).

É interessante notar que esse pensamento original, essa concepção, serviu para a própria autora analisar a história do pai, i.e., centrada nele. Sua trajetória lhe fora revelada, e então, assumida. Salgado tivera vontade – foi um desejo, motivação interna – de escrever um romance, mas a sua concretização só pôde ocorrer através de uma experiência externa, uma vivência do mundo:

Plínio Salgado, a esse tempo, firmara-se no cenário jornalístico com seus artigos no Correio Paulistano. Mas o seu grande sonho era publicar um livro. Um livro que exprimisse a realidade brasileira. Já o tinha no pensamento: seria um romance. Quando o escreveria? (...) Um dia viajou pela Araraquarense a convite (...). No terceiro dia fizeram a mais desejada das excursões, a Monte Aprazível, que estava nascendo com

67 Ibid. p.120.

40

uma dúzia de casas, e à cachoeira do Avanhadava. Foi em Monte Aprazível que Plínio sentiu o primeiro toque de inspiração, revelando-lhe o tema que desenvolveria no romance.

68

A própria conjuntura parecia conspirar a seu favor, não havia nenhuma prosa realmente representativa do movimento. O que era escrito objetivava o ataque à situação até então presente, mas sem, contudo, produzir algo “moço”.

69 Aliada a essas condições estava sua

genialidade expressa no pioneirismo70

e qualidade de visionário, 71

pronto a desvendar as características nacionais, bem como a produzir reflexão que as contemplasse.

Antevisão do futuro nacional, O estrangeiro também era apreciação social. Essa combinação – projeção “já o tinha no pensamento...” e afetação “...sentiu o toque de inspiração...” – fazia do autor personagem ímpar. Na verdade, não só participou do movimento modernista (lembrando que, segundo a autora, foi de expressão íntima nacional), como o superou no tempo: enquanto outros ainda se perdiam em experiências estéticas, Plínio já formatava o caráter nacional, entendendo o predicado eterno da arte

72 e aplicando-o ao

nosso meio.

A originalidade de Plínio confunde-se com a “verdadeira” contribuição da Semana. A história do Brasil, em Loureiro, é narrada a partir da trajetória de Salgado (o que não é incomum numa biografia), contudo, não apenas a partir da visão dele como sendo única (expressão incontestável da individualidade), mas como se o que acontecesse à sua volta fosse algoritmo de sua vitalidade intelectual e política. Essa centralidade subjetiva pode ser teoricamente contestada em Retorno à biografia, onde Marília Rothier Cardoso, à luz de Jorge Luis Borges, chama a atenção para o comprometimento da visão que toma o sujeito biografado (entretanto pode-se pensar o mesmo para o biógrafo, já que esse sujeito não é necessariamente empírico) como uno. Borges, em 1966, com sua destreza discursiva, trataria essa questão, que é complexa (em si, e porque envolve o próprio narrador),

68 Ibid, p.121-122, grifo acrescentado. 69 Ibid, p.124. 70 Sobre o pioneirismo de Salgado, ver o episódio do loteamento da cidade de São Paulo. op. cit., p.126-7.

71 Sobre sua qualidade de visionário, ver o caso do seu posicionamento frente às eleições de 17 de fevereiro de 1924. op.cit. p.129-130. 72 Ibid, p.119.

41

de uma maneira simples,73

i.e., antes de denunciar a multiplicidade do sujeito, o autor argentino indica a primazia da divisão, exemplificando-a na sua maior singeleza, o meio (1/2), que, interpretado como duas unidades, pode ser encarado como duplo. Borges recorre “a máxima de uma filosofia hindu do século V que, ao descrever os homens como espectadores de seus próprios atos, apresenta o sujeito como duplo: o eu observa-se como outro, identificando-se com o mesmo e, simultaneamente, distanciando-se dele”.

74

Dito isso, já podemos interpretar o desenvolvimento do texto de Loureiro – centrado na unicidade (intelectual, política e, inclusive, de caráter) do personagem Plínio – como, no mínimo, fora de época, i.e., pertencente a uma tradição biográfica que remete ao texto de James Boswell (1936) sobre Samuel Johnson.

75 Caberia ainda estender a

observação à, também, leitura exclusiva – que a autora faz – da obra (no caso em pauta, O estrangeiro) como sendo, simultaneamente, o reflexo e ápice das capacidades de Salgado. Contudo, podemos também aproveitar essa condição do texto para compreender a questão da autoria, tanto em relação ao próprio biografado (em relação ao seu primeiro romance), quanto no que diz respeito à condição de escritora em que se põe a sua filha. Ainda nesta reflexão, podemos olhar para o livro de Hélgio Trindade que, mesmo não pretendendo ser uma biografia, se revela (pelo menos na parte trabalhada)

76 como um

tipo particular de história de vida.

Este trabalho não pretendeu biografar o personagem Plínio Salgado em época raramente estudada, ou tampouco quis reconstruir peculiarmente a ponte entre a vida do autor antes de depois do fatídico ano de 1932. Os escritos de Loureiro e Trindade, certamente, o fazem melhor e, por isso, não são aqui convocados para que se possa, negando seu valor, construir o argumento. O que se tentou aqui foi encontrar um espaço nesta discussão, e se possível fugir desses mecanismos quase automáticos que caracterizaram as visões acima apresentadas. Neste sentido, é fundamental, neste final, apresentar

73 Por de maneira simples entenda-se como um talento pedagógico, portanto qualidade de se narrar sumariamente. 74 CARDOSO, Marília Rothier. “Retorno à biografia”. In: OLINTO, Heidrun Krieger; SCHOLLHAMMER, Karl Eric. Literatura e mídia. Rio de Janeiro / São

Paulo: Ed. PUC-Rio / Loyola, 2002. p.120. 75 Situação descrita em Retorno à biografia. Cardoso, op. cit., p.118-22. 76 Reforço a idéia de que, embora possa parecer que foi escolhida, quase que às escuras, uma parte do livro de Trindade para servir ao propósito deste trabalho, na verdade, a alternativa se deu por causa da característica, neste caso, marcantemente teleológica do texto do referido cientista político, justamente em relação a esta época da vida de Salgado.

42

algumas questões que, embora não sejam conclusivas, denotam uma certa perspectiva por mim defendida: a medida que o historiador deixa a tentativa quase insana de almejar confundir-se com os documentos, ou seja, deixar que eles “falem por si”, para se aprofundar numa outra, que a princípio é mais difusa, é verdade, mas que também torna-se mais precisa no seu desenvolvimento porque mais consciente de suas limitações, ele atinge uma caminho compreensivo. Um rumo talvez menos específico, mas certamente mais denso e complexo.

É claro que é possível estabelecer inúmeras relações consistentes entre a produção intelectual de Plínio Salgado antes e depois de 1932, senão com a própria atuação política. O fio condutor existe, no entanto, ao mesmo tempo em que conduz, é conduzido. O próprio processo histórico da continuidade (ou se quiser da conservação) é dinâmico, recria a todo o tempo os conteúdos a serem preservados. Plínio Salgado não tinha dúvidas de que aquela “comunhão” que mencionada por ele em Discurso às estrelas, precisava ser pensada novamente (e possivelmente numa nova forma) num contexto de luta entre integralistas e comunistas. É apenas para isso que quero chamar a atenção: o contexto. Termo tão corriqueiro no mundo da história que, às vezes, pode perder-se no meio de disputas inócuas por definição: o contexto determina ou é determinado? Aliás, não é por acaso que o próprio conceito de determinação confunde-se frequentemente com o de definição, combatido no início deste texto.

Texto produzido em:

Rio de Janeiro, setembro de 2005.

43

03. INTEGRALISMO E HISTORIOGRAFIA

Edgar Bruno Franke Serratto 77

Em se tratando de estudos que contemplem a Ação Integralista Brasileira (AIB) como objeto principal, a primeira dificuldade com que os pesquisadores se deparam é a da falta de um balanço geral sobre a historiografia já produzida. Como sabemos, o levantamento bibliográfico se apresenta como de suma importância para a orientação das leituras, das problemáticas e da metodologia que já foram aplicadas nos estudos e que podem vislumbrar as novas possibilidades de pesquisa. Entendemos que é somente após o conhecimento prévio dos trabalhos já realizados e os métodos de abordagem utilizados nestes, que a visão do pesquisador, para com seu objeto, apresenta-se mais consciente e consistente para dar os primeiros passos em sua pesquisa.

Este artigo tem a pretensão de apresentar aos leitores e pesquisadores do Integralismo um breve panorama da produção historiográfica nacional e internacional, pelo menos até começo dos anos 2000. Este panorama ainda se apresenta restrito se considerarmos a quantidade de trabalhos, coletânea de artigos e outros que não nos chegam devido às limitações editoriais impostas aos autores e recém pesquisadores. Neste momento, pretende-se a elaboração de um texto próximo aos dos artigos encontrados na coletânea Historiografia Brasileira em Perspectiva, mais especificamente, ao dos artigos de Vavy Pacheco Borges e Maria Helena Capelato,

78 que se dedicam respectivamente à historiografia

produzida acerca dos anos 30 e do Estado Novo, momento que envolve nossa temática com reflexões de estudos e conceitos recentemente utilizados.

Ressaltamos, porém, que não nos deteremos a longas críticas e análises sobre os referidos estudos, pois nosso intuito é o de, minimamente, comentar algumas produções, ou seja, realizar um

77 Licenciado em História pela Universidade Tuiti do Paraná. 78 BORGES, V. P. Anos 30: história e historiografia e CAPELATO, M. H. R. Estado Novo: novas histórias In: FREITAS, M. C. (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.

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mapeamento mínimo da historiografia como pontos de leituras para futuros iniciantes.

Antes de iniciarmos as considerações acerca da historiografia sobre o integralismo, gostaríamos de assinalar que a base inicial de leitura para esta discussão foi o artigo de Hélgio Trindade intitulado “Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30” e a introdução do trabalho “Integralismo e política regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937)” de João Ricardo de Castro Caldeira. Convém esclarecer que tais estudos, apesar de incompletos, do ponto de vista de um panorama historiográfico geral de toda a produção já realizada, mostram-se com alguma abrangência para nosso tópico. Além destes materiais, utilizamos as informações obtidas em uma palestra ministrada pelo João Fábio Bertonha, intitulada “Integralismo: fontes, problemas de pesquisa e tendências historiográficas”.

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Em nossas leituras observamos que na segunda metade da década de 1940 e durante a década de 1950, não tivemos estudos que elegeram a AIB como principal objeto de análise em função da conjuntura política. Nestas duas décadas, o Brasil restabeleceu e reconsolidou a democracia. Por isso, um movimento autoritário de nosso passado até então recente, não se mostrou atraente para tornar-se objeto de novos trabalhos da historiografia brasileira. Outro importante motivo, como nos aponta Wanderley Santos, foi a crença de que o Integralismo não passara de um mimetismo dos fascismos europeus.

80

Todavia, não fora somente a AIB que sofrera com a alegação de que não passava de uma mera imitação de um modelo europeu, toda a história do pensamento político brasileiro, também, foi por muito tempo taxada por esta mesma acusação. Estas posições, contudo, não eram unânimes, dado que, já na década de 1960, João Cruz Costa (acerca do pensamento político nacional e uma de nossas bases de leitura e posterior análise) defendia que no Brasil não ocorreu a simples cópia ou apropriação fiel das idéias vindas da Europa. Mas, que aqui ganharam uma nova interpretação e assimilação, as quais

79 TRINDADE, H. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30, In: FAUSTO, B. (org.) História Geral da Civilização Brasileira - O Brasil

republicano: sociedade e política (1930-1964), 6. ed., Rio de Janeiro: Bertrand, 1996; CALDEIRA, J. R. de C. Integralismo e política regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937), São Paulo: Annablume, 1999. e BERTONHA, J. F. Integralismo: fontes problemas de pesquisa e tendências historiográficas, In: Ciclo de Palestras sobre política: idéias e práticas políticas

que marcaram a história do Brasil no século XX, Curitiba, 2004. 80 Wanderley Santos foi citado em: TRINDADE, H. op. cit., p. 302.

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eram determinadas por inúmeros fatores particulares, como as condições econômicas, políticas, sociais e culturais.

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Outro ponto a ser assinalado é a desvalorização, por preconceito ideológico, do autoritarismo e do fascismo, como nos indica Trindade.

82 Para a nova dinâmica mundial do pós-guerra, a

ascensão dos movimentos fascistas por todo o globo e o trauma das trincheiras e do holocausto deveriam ser esquecidos e não relembrados ou estudados. Devemos também levar em conta a participação da União Soviética no contexto mundial, que colocou a ideologia de esquerda, como uma das vitoriosas após a Segunda Guerra Mundial. Logo, dentro deste novo panorama, os movimentos autoritários e fascistas deveriam ficar somente na memória e é, exatamente, nesta memória que a historiografia da década de 1950 e 1960 se apoiou.

Segundo Edgar De Decca, referindo-se a historiografia que tratou da Revolução de 30, esta por muito tempo se mostrou impregnada pela memorização de um discurso produzido pelos “vencedores”. Ou seja, aquele discurso produzido por Vargas e sua base de apoio, que colocavam o ano de 1930 como divisor de duas fases distintas da história republicana brasileira, quando uma nova política e uma nova consciência se sobrepõem ao antigo jogo entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais com seus “falsos líderes”, e assim, “salvando” a nação de uma inevitável decadência. A falta de considerações acerca das outras forças políticas e sociais que agiam dentro deste contexto histórico brasileiro, e que também estavam desejosas de mudanças, por sua vez, foram anuladas, já que não faziam parte deste discurso, que é o dos vencedores e não dos vencidos.

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Podemos constatar que algo parecido ocorreu com a AIB, quando a historiografia sobre o assunto utilizou-se de um discurso oriundo de uma memória triunfante. Porém, diferentemente do caso explorado por De Decca, foi o discurso de seus opositores e não o

81 Esta é a tese central defendida em: COSTA, J. C. Contribuição a história das idéias no Brasil, 2 ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. Ver mais sobre a entrada das idéias européias no Brasil com um enfoque mais específico acerca do Integralismo em: CHAUÍ, M Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira, In: CHAUÍ, M e FRANCO, M. S. C. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: CEDEC/Paz e Terra, 1978. 82 TRINDADE, H. op. cit., p. 302.

83 DE DECCA, E. ; VESENTINI, C. A. "revolução dos vencedores: considerações sobre a constituição da memória histórica a propósito da “revolução de 30”. In: Revista ciência e cultura. São Paulo: FAPESP, 1977.

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próprio discurso Integralista que permeou esta memorização. Lembremos que este movimento não pode ser visto como o “vencedor”, uma vez que nunca chegou ao poder e, por muitas vezes, se colocou em oposição ao regime vigente. Foi exatamente este discurso estereotipado e discriminatório - criado pelos opositores do Integralismo, como os comunistas, os liberais e o próprio governo de Vargas - que a historiografia se apropria e transmite, até a sua revisão na década de 1970.

Entretanto, os estudos que contemplam a história política brasileira nunca foram deixados de lado pelos estudiosos das mais variadas áreas das ciências humanas, o que se justifica, principalmente, pelo fato de a nossa república ser ainda muito jovem. Conseqüentemente, nas décadas de 1950 e 1960, temos vários trabalhos que contemplam a história política republicana brasileira. Porém, na maioria destes trabalhos a participação da AIB na conjuntura nacional apresenta-se quase que obsoleta, fato que é denominado por Bertonha como a historiografia do parágrafo.

84 Esta

historiografia é baseada na memória comum, deixada pelos opositores do Integralismo e, em menor grau, nos textos doutrinários do movimento, que são utilizados sem nenhuma análise ou contestação, além de ser atrelado, como já citado anteriormente, a um estereótipo comum a todas as formas de fascismos, seja da vertente italiana ou alemã.

Baseada nesta visão, a participação da AIB é apresentada como de pouca importância, somente citada em breves passagens, como se fosse uma espécie de: “só para dizerem que eu não esqueci”. Um bom exemplo desta historiografia é o trabalho de João Cruz Costa, que mesmo tendo defendido a tese de que a vida política e intelectual brasileira não se tratava de uma simples cópia das que iam pelo mundo, não se utilizou devidamente desta idéia quando se referiu ao Integralismo.

Para exemplificar tal situação, apresentamos dois trechos de trabalhos distintos do referido autor. No primeiro, ao se debruçar sobre a produção do intelectual Farias Brito

85 e a crítica que o mesmo produz

para com as vertentes científicas e racionalistas presentes no

84 BERTONHA, J. F. Integralismo: fontes problemas de pesquisa e tendências historiográficas. op. cit. 85 Farias de Brito (1862-1917) foi um intelectual brasileiro formado dentro do grupo germanista de Recife, e que gozou de grande prestígio devido a sua pregação de que a metafísica iria ressurgir dentro do pensamento filosófico. Ver mais sobre Faria Brito In: COSTA, C. Panorama da história da filosofia no Brasil. São Paulo : Cultrix, 1960.

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pensamento brasileiro do início do século XX, - pois este pregava o ressurgimento da metafísica dentro do pensamento nacional - Cruz Costa cita a existência do Integralismo afirmando que: “Foi, pois, em virtude dêsse reformismo ou dêsse regeneracionismo que o partido fascista do Brasil, o integralismo fêz, do filósofo morto, o ideólogo de sua política. Foi seu nome o pretexto, o sustentáculo da vaga (grifos nossos) ideologia dos camisas-verdes do Brasil.”.

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Neste trecho, podemos perceber, de início, que o Integralismo é tratado somente como um partido fascista de “vaga” ideologia, revelando a falta de um trabalho analítico por parte do autor, unida a uma visão tanto pré-conceitual como preconceituosa. Outro ponto a ser destacado, é que a AIB é contemplada somente neste breve parágrafo, em uma obra que pretende entender o pensamento político brasileiro até o início do século XX e isto, sem nos remeter a consideração de que Farias Brito teve tão grande influência na ideologia Integralista. O pensamento de Brito realmente teve influência sobre a ideologia integralista e principalmente sobre as idéias de Plínio Salgado. Contudo, não foi este o “sustentáculo” da ideologia integralista, como afirma o autor. Já, em nosso segundo exemplo, Cruz Costa, ao introduzir a AIB dentro do contexto político e histórico da década de 1930, o faz em apenas um único parágrafo:

A propaganda dos extremismos, o da esquerda e o da direita (o integralismo) – reflexos de uma luta que se processava na Europa -, criava inquietação, aproveitável aos desígnios de Vargas. Logo após o fim da revolução de 1932 surgia em São Paulo, apoiando-se nas classes conservadoras, o movimento integralista (o da Ação Integralista Brasileira), lançado pelo escritor Plínio Salgado. Nesse movimento que se afirmava nacionalista, misturava-se outras receitas de reacionários da Europa, de Portugal, de onde lhe vinha o nome. O que tal movimento pretendia era o estabelecimento do que eles chamavam de ‘estado integral’, síntese final, diziam, das realidades nacionais (...) nunca se falou tanto e se explorou tanto essa realidade nacional. Como os fascismos europeus, o integralismo correspondia às aspiração das camadas conservadoras, e

86 Ibid., p. 63.

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contou também com o apoio de alguns altos dignitários do clero católico. Naturalmente apoiavam-nos colônias italiana e alemã e grande número se descendentes de alemães e italianos.

87

Neste trecho, encontramos uma enormidade de pontos que contribuíram para construir uma série de análise e clichês na historiografia sobre o integralismo no período. Primeiramente vamos aos clichês: o parágrafo único que tenta dar conta de todas informações necessárias para o entendimento do que foi o Integralismo, e qual foi a sua participação na vida política brasileira é o primeiro e o mais visível deles. Em um segundo momento, nos chama atenção a generalização da AIB para com os outros partidos fascistas europeus, dando pouca importância às particularidades que o diferem destas demais experiências, o que novamente nos remete a uma visão preconceituosa do fascismo e, conseqüentemente, do Integralismo.

Quanto aos pontos de análise, temos, a priori, a consideração acerca de que o principal, ou quase único, apoio da AIB dava-se dentro das classes conservadoras, sendo a sua ideologia reduzida a uma visão simplista, ou seja, uma ideologia nacionalista, conservadora e apoiada nos fascismos internacionais que, por sua vez, são vistos como irmãos gêmeos idênticos do Integralismo.

Por fim, Cruz Costa afirma que existiu uma natural adesão das colônias e descendentes de alemães e italianos ao movimento, o que é sabido que não ocorreu, a exemplo da grande luta das colônias italianas contra os fascismos. Contudo, mesmo considerando que o Cruz Costa pertence a uma época de historiadores, sendo suas condições de produção diferentes das atuais, vale a pena ressaltar suas idéias em comparação aos trabalhos de Bertonha intitulado Sob a sombra de Mussolini: os italianos em São Paulo e a luta contra o Fascismo, 1919-1945, e de Stanley Hilton intitulado O Brasil e a crise internacional: 1930-1945,

88 para os quais parte da colônia alemã não

concordava com o nacionalismo pregado pela AIB. Portanto,

87 COSTA. J. C. Pequena história da república. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 103. 88 BERTONHA, J. F. Sob a sombra de Mussolini: os italianos em São Paulo e

a luta contra o Fascismo, 1919-1945, São Paulo: Annablume, 1999. e HILTON, S. O Brasil e a crise internacional: 1930-1945, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

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visualizamos uma certa inapropriação de Cruz Costa na palavra “naturalmente”.

Já ao final da década de 1960, as correntes de análise materialistas e estruturalistas, principalmente a marxista, assumem o papel de carro chefe da produção intelectual dos principais centros acadêmicos e de pesquisa do Brasil, tornando-se praticamente o único modelo de análise utilizado na década de 1970. Sociólogos, filósofos, cientistas políticos e historiadores acabaram por ser influenciados pelo modelo de análise marxista, deixando os estudos destas décadas, ainda mais longe de adotarem o Integralismo como objeto de estudo, uma vez que estes pesquisadores privilegiavam a história dos partidos de esquerda, também originários do mesmo pensamento marxista.

Entretanto, para provar que “a história é filha do seu tempo” e que são os problemas de hoje que instigam os historiadores em seus estudos sobre o passado, cabe lembrar que importantes trabalhos foram produzidos após o golpe de 1964. Ao contrário do modelo de análise marxista, que enfatizava os aspectos materiais e econômicos, estes estudos elegeram a política como tema principal, o que se mostra como um resultado comum dentro dos interesses de pesquisa, já que o governo militar instalado em 1964, para muitos estudiosos, coloca novamente as tendências conservadoras, autoritárias, ou até mesmo, fascistas dentro da política brasileira.

89

Para Trindade,

uma das conseqüências mais positivas da retomada do estudo do pensamento político autoritário do período entre as duas guerras é a valorização da ideologia enquanto campo de pesquisa considerado crucial à compreensão do processo mais amplo de transformação da sociedade brasileira.

90

Este mesmo autor afirma que foi por este motivo, que dentro dos estudos acerca das idéias políticas no Brasil, a produção desenvolveu-se qualitativamente na década de 1970, pois na década de 1960, quem pretendesse consultar obras de referência sobre o

89 Ver mais sobre a fascistização dos militares na ditadura instaurada em 1964, em: BANBIRA, V. ; SANTOS, T. "Brasil: nacionalismo, populismo e ditadura: cinqüenta anos de crise social ". In: América Latina: história de meio século. Brasília: UnB, 1988. 90 TRINDADE, H. op. cit., p.301.

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assunto, e mais especificamente, sobre o período em questão, iria encontrar poucas publicações.

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Os trabalhos produzidos na década de 1960 não prestigiaram como deveriam a participação da AIB na vida política brasileira, contudo, consideramos que devem, no mínimo, ser citados, a exemplo do já citado estudo de Cruz Costa, intitulado, Contribuição à história da idéias no Brasil (1967), em função do panorama cronológico que oferece das diversas correntes do pensamento mundial que, em nossas terras, tiveram relevância na formação do pensamento, da cultura e da vida política nacional.

Também, cabe citar, os primeiros trabalhos que deram destaque à participação política do Integralismo no contexto nacional, como: O ciclo Vargas de Hélio Silva, o qual consiste em uma reunião de documentos referentes ao período, que acabam por também contemplar a presença integralista neste contexto; A revolução de 30: história e historiografia de Boris Fausto, que, como sugere seu título, apresenta um panorama e crítica da historiografia produzida sobre o assunto e a grande coletânea de documentos estudados por Edgar Carone.

92

Desta forma é somente na década de 1970 que foram realizados os primeiros trabalhos que contemplam a AIB como objeto central de análise, transformando esta década na mais importante para a historiografia que trata deste movimento, pois tivemos um grande número de estudos e publicações unidos a diferentes métodos de análise e abordagens. Assim, podemos identificar duas vertentes de pesquisa: de um lado, a produção nacional; de outro, a produção de brasilianistas, ou seja, estrangeiros que se dedicaram aos estudos referentes à história do Brasil.

Do lado da produção nacional, temos como principais exemplos, os trabalhos do sociólogo Gilberto Vasconcellos, intitulado A ideologia curupira: análise do discurso integralista (1977), o do, também sociólogo, José Chasin, intitulado O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hipertardio (1978), da filósofa Marilena Chauí, intitulado Apontamentos para uma crítica da razão integralista (1978) e, por fim, o trabalho que mais se destaca

91 Ibid. p.300. 92 Ibid., p. 299.

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deste período produzido pelo historiador Hélgio Trindade, intitulado Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30 (1974).

93

Sem dúvida, o trabalho de Trindade foi o mais utilizado pelos estudiosos do tema até os dias atuais. E isso se deve a que seu trabalho não somente fornece elementos centrais para se pensar a relação integralismo com o fascismo, mas, pelo tanto que instigou de novas pesquisas sobre o assunto. Além disso, apresenta uma perspectiva de abordagem que fornece elementos fundamentais para uma compreensão da organização burocrática do movimento. Já no prefácio do referido trabalho, Juan Lins ressalta a enormidade de fontes trabalhadas, algo que até então só se tinha verificado em trabalhos que tratam do fascismo alemão ou italiano, segundo esse autor.

94

Neste estudo, Trindade situa a AIB dentro do contexto social, cultural, político e econômico nacional, analisa sua ideologia e perfil do chefe, além de a compara com as demais experiências fascistas européias, traçando um retrato sociológico das lideranças e dos militantes do movimento, bem como a sua dinâmica interna de organização. Temas como a origem social e as motivações de adesão ao movimento por parte dos militantes, também são abordados, e isso, com o intuito de se traçar um perfil do movimento como um todo. As relações do Integralismo com as demais forças sociais da política brasileira, como com o catolicismo e as classes médias urbanas, igualmente estão presentes, assim como o estudo sobre a formação intelectual e política de Plínio Salgado.

Trindade ressalta, além disso, as características próprias da experiência brasileira, apontando que não foram somente os discursos antiliberal e anticomunista, que foram utilizados como agentes de mobilização do movimento, mas também uma nova concepção de autoritarismo, organização e rituais.

95 Por fim, ele desbanca a

necessidade da existência de um contexto social e político determinado para a ascensão das idéias fascistas dentro de uma nação, apontando as particularidades do caso integralista, uma vez

93 VACONCELLOS, G. A ideologia curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense, 1977; CHASIN, J. O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hipertardio, São Paulo: Ciências Humanas, 1978; CHAUÍ, M. Op. cit. e TRINDADE, H. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30, 2. ed. São Paulo: DIFEL, 1979. (primeira edição 1974) 94 LINS, Juan. Prefácio a segunda edição, In: TRINDADE, H. op.cit., p. IX 95 Ibid., p. X.

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que para o autor, o surgimento da AIB não era uma resposta a uma crise econômica, mas a uma crise política e cultural.

96

Chauí, instigada por este primeiro trabalho, não demorou a contribuir para os estudos a esse respeito. Ela se opõe à Trindade quanto à identificação do Integralismo com os fascismos, identificando dentro do discurso da AIB, elementos característicos de um pensamento autoritário que surge dentro das classes médias brasileiras e une este ao bojo das discussões nacionalistas que estavam em pauta durante a década de 1920.

97 Ressaltamos que este

estudo se debruça sobre a analise do discurso, englobando suas fontes, sua construção e seus destinatários, assim como sua principal temática, que se refere a “imagem de crise” socioeconômica e também cultural, pela qual passava o Brasil das décadas de 1920 e 1930.

Outro autor que discorda da proximidade da ideologia Integralista à fascista é Chasin, que se apóia na não existência de condições dentro do modo de produção capitalista brasileiro do período, para o surgimento de um movimento de cunho fascista. Ele contesta a idéia de que as condições sócio-econômicas do Brasil nas décadas de 1920 e 1930 são, no mínimo, semelhantes às condições encontradas na Itália e na Alemanha fascista. O autor se apropria de uma análise marxista, típica da historiografia deste período, para ir contra as afirmações de Trindade, ressaltando, o fato de o capitalismo brasileiro ser considerado como hipertardio, justifica a idéia de que a AIB não pode ser caracterizada como um movimento fascista. Entretanto, é justamente este contexto sócio-econômico diferenciado que deve ser questionado e entendido dentro do percurso histórico do movimento fascista brasileiro, ou de qualquer outro movimento desta natureza. Logo, as idéias não estão fora do lugar quando encontramos os motivos pelos quais as estas aqui chegaram

98. Tal crítica se

apresenta como de senso comum no que se refere a estes estudos.

Outro modo pelo qual Chasin afirma ser o Integralismo um movimento não fascista é a sua análise para com os textos de Plínio Salgado e é, exatamente, neste ponto que encontramos outro problema de seu trabalho. Primeiramente, sua pesquisa foi realizada com fontes de edição posterior a 1945, quando estas já tinham sido alteradas frente a readequação da doutrina integralista ao novo contexto democrático nacional, quando muitos indícios do caráter

96 Ibid., p XV. 97 CALDEIRA, C. R. de C. op. cit., p. 18. 98 TRINDADE, H. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. op. cit., p. 313. e CALDEIRA, C. R. de C. op. cit, p. 18.

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fascista da ideologia já tinham sido escamoteados. E isso, sem levar em conta que dos teóricos do movimento, Salgado era o menos fascista se compararmos a sua produção à de Gustavo Barroso e Miguel Reale.

99 Contudo, destacamos que do ponto de vista de se

analisar a obra política pliniana, este trabalho se apresenta como uma grande contribuição, uma vez que o autor acompanha a evolução de seu pensamento antes, durante e depois do período de existência da AIB.

A sua análise no nível ideológico, também não levou em conta que mais do que um conjunto de idéias, a AIB foi um movimento político e, grande parte do seu caráter fascista, vinha de sua organização, de seus militantes, de sua base social de recrutamento, de sua solidariedade para com os fascismos internacionais e de suas atitudes políticas.

100

Mais uma vez, a crítica quanto a considerar o Integralismo como um movimento fascista, está presente no trabalho de Vasconsellos, que apóia a impossibilidade de fazermos esta afirmação, no fato de que, em nossas terras, não existiu uma forte tradição liberal, um forte partido comunista e um grande proletariado urbano-industrial, que foram fatores básicos para o surgimento dos fascismos europeus. Entretanto, ele não leva em conta que a debilidade destas forças agiu justamente no fortalecimento da AIB em sua primeira fase se expansão.

101 Deste modo, Vasconcellos repete o mesmo erro de

Chasin, ao procurar entender a experiência brasileira usando como base os casos europeus.

Quanto às fontes utilizadas pelo autor, mais uma vez temos um problema próximo ao apontado no trabalho de Chasin. A maioria das fontes escolhidas foram resgatadas do período pré-integralista, e somente as produzidas por Salgado, deixando de lado os outros ideólogos integralistas e parte das produções realizadas durante a existência da AIB. E é justamente devido à utilização destas fontes, não adequadas para a sua proposta de estudo, que o autor fundamenta a tese central de seu trabalho, que é a “utopia autonomística” integralista, a qual só se apresenta claramente no pensamento pliniliano pré-integralista, uma vez que as teorias que pretendem “salvar” o Brasil da luta de classes e do mundo capitalista, são desenvolvidas, principalmente, por Miguel Reale.

102

99 TRINDADE, H. op. cit., p. 311-312. 100 Ibid., p. 316. 101 CALDEIRA, C. R. de C. op. cit., p. 18-19. 102 TRINDADE, H. op. cit., p. 305 e 307.

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Esta utopia consiste em um projeto que visa o isolamento do Brasil das nações capitalistas hegemônicas, tornado-o auto-suficiente. É por este motivo que Vasconcellos nomeia tal idéia como a “ideologia curupira”, uma vez que este personagem de nosso folclore habita o interior do território nacional, não chegando próximo ao litoral, ficando longe das influências européias que chegavam pelo Atlântico. Apesar disto, temos excelentes conclusões neste trabalho, como a consideração acerca da ideologia integralista ter suas principais bases apoiadas, tanto no fascismo europeu, como na tradição intelectual autoritária nacional. No entanto, para o autor, esta constatação não se apresenta suficiente para identificar a especificidade da AIB frente aos movimentos europeus, pois estas influências ideológicas são vistas como resultantes de um extremo “irracionalismo” integralista, e não como uma característica original da experiência brasileira.

103

Também merecem ser citados, os trabalhos: A igreja e o integralismo no Brasil: 1932-1939 de Oscar de Figueiredo Lustosa (1976), que analisa as relações da AIB com a Igreja Católica durante a década de 1930 e o estudo Ideologia autoritária no Brasil: 1930-1945 de Jarbas Medeiros (1978), que ao analisar o autoritarismo brasileiro do período de 1930 a 1945 inclui entre os intelectuais estudados o nome de Plínio Salgado.

104

A principal temática destes trabalhos está baseada na suposta constatação - ou sua negação - da caracterização da AIB como um movimento fascista, o que para Trindade já é um fato consumado, uma vez que para ele,

em todo fascismo coexistem, paradoxalmente, um nacionalismo exacerbado e uma influência ou, até mesmo, solidariedade ideológica com o fascismo internacional. Neste caso, a singularidade do discurso ideológico fascista se configura, precisamente, no tipo de combinação entre o nacionalismo nascente em cada sociedade onde ele florescia e a percepção de um sentido da história marchando para o fascismo em escala internacional, o que

103 Tanto a “utopia autonomística” quanto a “irracionalidade” do pensamento integralista correspondem a tese central deste trabalho. 104 LUSTOSA, O. de F. "A igreja e o integralismo no Brasil: 1932-1939". In: Revista de História. São Paulo: FFLCH/USP, 1976. e MEDEIROS, J. Ideologia autoritária no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: FGV, 1978.

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conduziria necessariamente com ecletismo do discurso.

105

Estes estudos, também se baseavam quase que exclusivamente nos textos doutrinários de Salgado, com exceção do trabalho de Hélgio Trindade, que nos aponta não ser possível entender o Integralismo somente pelo discurso de um único ideólogo e sem levar em conta seus militantes, que, como já foi dito, são um dos grandes responsáveis pelo caráter fascista do movimento. Por fim, trazemos a colocação de Castro Caldeira que sintetiza adequadamente esta produção ao afirmar que:

na década de 1970, os estudos das ciências humanas foram razoavelmente marcados pela análise do discurso. Essa tendência decorreu em grande parte das influências do pensamento estruturalista sobre aquelas ciências, que privilegiaram as análises da dimensão superestrutural da sociedade.

106

Concordando que foi exatamente isso que ocorreu com esta historiografia, a qual privilegiou a análise ideológica, buscando explicações e articulações a nível nacional e internacional.

Aqui, vale a pena ainda enfatizamos a produção dos brasilianistas, que se diferem da produção nacional devido ao enfoque utilizado pela maioria dos trabalhos, privilegiando mais as ações e relações da AIB e seus integrantes, com as demais forças sociais e institucionais brasileiras e internacionais.

107 Os principais autores

brasilianistas, já bastante conhecidos dos estudiosos da área e que por isso que se destacam dentro desta historiografia são: Thomas Skidmore com o estudo Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1975), Stanley Hilton com o trabalho O Brasil e a crise internacional: 1930-1945 (1977) e Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil (1977), Robert Levine com a obra O regime Vargas: os anos críticos 1934-1938 (1980) e John W. F. Dulles com Getúlio Vargas. Biografia política (s/d), que ressalta a grande importância do Integralismo dentro do contexto político nacional e suas relações com o governo de Vargas.

108 Entretanto, convém esclarecer que estes

105 TRINDADE, H. op. cit., p. 306. 106 CALDEIRA, J. R. de C. op. cit., p. 15. 107 Ibid., p. 19. 108 SKIDMORE, T. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 9 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; HILTON, S. O Brasil e a crise internacional: 1930-1945. op. cit. e HILTON, S. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem

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trabalhos não tratam exclusivamente da AIB, mas dedicam importantes análises a este movimento, sendo de grande valia a sua contribuição para com esta historiografia.

Com o intuito de apresentar, um breve panorama desta produção, iniciamos com o trabalho de Skidmore, por este se diferir dos demais, uma vez que se aproxima fortemente da produção nacional, já que o autor compara a AIB as experiências européias e, posteriormente, a considera como um movimento de cunho fascista. O apoio das classes médias ao partido e a sua tentativa de superação das dificuldades econômicas, provenientes da crise de 1929, por meio da implantação do Estado Integral, também são analisadas.

109

Quanto aos trabalhos de Hilton, o primeiro que iremos tratar é O Brasil e a crise internacional, o qual procura entender como funcionavam as relações entre os integralistas e seus opositores, que para ele eram o operariado, os governos estaduais e as colônias de imigrantes alemães do sul do país, ressaltando-se que, neste último caso, esta oposição ocorria pelo fato de que o forte nacionalismo contido na ideologia do movimento não era compartilhado por estes

110.

Já em seu trabalho Suástica sobre o Brasil, o autor aponta a participação de um pequeno círculo de militantes do sigma nas práticas de espionagem dos nazistas em nosso país. Hilton afirma que esta participação se dava por meio do empréstimo de escritórios para as reuniões dos espiões, na ajuda para com o disfarce destes e no recolhimento de informações. Para ele, esta participação ocorria devido à simpatia dos integralistas para com a causa do Terceiro Reich, uma espécie de solidariedade ideológica.

Já na década de 1980, Robert Levine nos traz um amplo panorama da experiência integralista dentro da vida política nacional, entendendo que as discussões acerca de se considerar ou não a AIB como um movimento fascista, não se faziam mais pertinentes, pois para este autor, o fascismo seria a principal característica da ideologia dos camisas verdes. Quanto ao pensamento estadonovista, este sim é analisado a fim de se entender a sua essência, já que para Levine, este pensamento se apresenta fortemente influenciado pelo fascismo, embora, longe de sê-lo. Por fim, enfatizamos que, neste trabalho,

alemã no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977; LEVINE, R. O regime Vargas: os anos críticos (1934-1938), Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1980. e DULLES J. W. F. Getúlio Vargas. Biografia política, 2. ed. Rio

de Janeiro, Renes, s/d. 109 CALDEIRA, J. R. de C. op. cit., p. 19. 110 Ibid.

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encontramos um capítulo inteiramente dedicado a AIB, e um segundo, dedicado às relações entre o Integralismo e o Estado Novo.

No primeiro deles, o autor analisa a ideologia integralista considerando-a como autoritária, nacionalista, anticomunista, antiliberalista, anti-semita e com pesada hierarquia

111, que era

“copiada” do partido Nazista alemão, entretanto, afirma que a sua maior influência veio do fascismo italiano. As considerações que o autor apresenta acerca das proximidades políticas e ideológicas da AIB para com a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que representava a outra extremidade do espectro político nacional, ou seja, a esquerda, merecem um destaque especial. Ele aponta que ambos os movimentos “se organizavam em células; ambos procuravam atrair as classes médias e trabalhadoras; ambos atacavam o statu quo do Estado e de seus opositores, o domínio econômico estrangeiro, e o fracasso revolucionário da Aliança Liberal”

112, partido que colocou Vargas no

poder, em 1930.

Levine também compara a AIB com as outras forças políticas de oposição ao governo que surgiram após a revolução de 30, as quais só se diferenciavam do pensamento Integralista no encaminhamento de soluções aos problemas políticos, uma vez que estes se baseavam em uma concepção totalitarista e mecanicista de Estado, o Integral. Em um segundo momento, o autor analisa a relação da AIB com a Igreja Católica, com o meio militar, com políticos de influência no governo, com os intelectuais e com o governo federal

113; além de fazer

uma breve biografia de Salgado e Barroso, incitando uma possível disputa entre ambos no que se refere à liderança do partido. Até mesmo os rituais e cerimônias integralistas são abordados por Levine.

No segundo capítulo, o autor narra as relações políticas entre a AIB e o Estado Novo, desde o acontecido golpe de 1937 até o fim do governo de Vargas em 1945, ressaltando as manobras políticas ocorridas na cúpula estadonovista e integralista, sejam elas sendo suas ações em conjunto ou suas discórdias. Assinala-se, também, que as fontes utilizadas para a realização desta pesquisa, foram, além da bibliografia nacional e internacional que abordou o período, os livros doutrinários e jornais integralistas, assim como os relatórios, documentos e cartas, tanto do governo quanto do movimento.

Dado esta análise inicial sobre os estudos acerca da AIB na década de 1980 pelos brazilianistas, como vemos no trabalho de

111 Ibid. 112 LEVINE, R. op. cit., p. 129. 113 CALDEIRA, J. R. de C. op. cit., p. 19.

58

Levine e outros, as pesquisas e as publicações sobre o tema continuaram crescendo nesse sentido de estudos comparativos com os movimentos europeus.

Retomando às analises sobre a produção no Brasil nesta década, vale a pena ainda destacar dois importantes trabalhos que não tratam especificamente do Integralismo, mas que se apresentam como leituras importantes para se compreender o período em que o movimento atuou. O primeiro deles é o trabalho de Alcir Lenharo, intitulado Sacralização da política

114(1986), no qual o autor apresenta

novas perspectivas de análise e interpretação para melhor entendermos as idéias do pensamento autoritário presente na política brasileira da década de 1930. Por isso, tal obra se mostra referência obrigatória para qualquer estudo que contemple esta área de estudos.

O segundo, é o conjunto de quatro volumes da coleção História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano (1986), sob direção de Boris Fausto, nos quais o volume terceiro, Sociedade e política (1930-1964), e o volume quarto, Economia e cultura (1930-1964)

115, contemplam, como já referido em seus títulos, a década de

1930. Estes trabalhos reúnem vários artigos de diversos estudiosos das mais diferentes áreas das ciências humanas, como o artigo Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30 (1981) de Hélgio Trindade.

Neste último artigo, o autor discute os problemas e as perspectivas dos estudos sobre a AIB. Apresenta um breve panorama da historiografia que tratou o integralismo durante a década de 1970, realizando um bom balanço e análise, seguido da réplica a seus críticos. Até mesmo algumas considerações sobre os estudos da política nacional republicana são apontadas. O descrédito com que a historiografia tratou os fascismos também é resgatada, seguida de alguns apontamentos para a justificação desta atitude. Um breve panorama da evolução do pensamento de Salgado, o alerta para posterior alteração dos textos Integralistas, após 1945, e as considerações sobre os diferentes níveis de análise da doutrina integralista - que correspondem ao âmbito dos dirigentes doutrinadores, separando o pensamento de Salgado, Barroso e Reale, e dos militantes - também estão presentes neste artigo.

Outro trabalho que também merece ser citado é o de Jorge Zaverucha, intitulado A questão do integralismo diante da herança

114 LENHARO, A. Sacralização da política. 2 ed. Campinas: Papirus, 1986. 115 FAUSTO, B. (org.) op. cit.

59

fascista (1984), que une-se à tese de Trindade em considerar o Integralismo como movimento fascista.

116

Outros trabalhos deste período foram: Totalitarismo e Revolução: o integralismo de Plínio Salgado, de Ricardo Benzaquen de Araújo (1988), pesquisa esta que possui uma proposta de caráter ensaístico e não acadêmico, interpretando a ideologia de Salgado e ressaltando suas tendências espiritualistas e totalitárias; e o livro de René Gertz (1987) intitulado O fascismo no sul do Brasil: germanismo, nazismo e integralismo, que analisa a relação entre os imigrantes alemães e os integralistas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

117

É ainda no final desta década e, principalmente, durante a década de 1990 que os estudos sobre o Integralismo deixaram de contemplar somente os aspectos autoritários e/ou fascistas da AIB e passam a contemplar suas especificidades, tais como a relação do Integralismo com os imigrantes, com o meio militar, a participação feminina e dos negros dentro do movimento, as políticas regionais, a simbologia e as festividades. Da mesma forma, o anti-semitismo dentro do discurso e das práticas do partido. Temos durante este período, recortes mais específicos, mostrando um panorama difuso daquele que vinha sendo produzido nas décadas anteriores

118.

Alguns títulos que representam esta historiografia são os trabalhos de Roney Cytrynowicz (1992), intitulado Integralismo e anti-semitismo nos textos de Gustavo Barroso na década de 1930, o de Fábio Bertonha (1992), A máquina simbólica do integralismo: controle e propaganda política no Brasil dos anos 30, o de Castro Caldeira (1999), Integralismo e política regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937) e o trabalho de Rosa Maria Feiteiro Cavalari

116 CHAUÍ, M. Notas sobre o pensamento conservador dos anos 30: Plínio Salgado, In: ANTUNES, R., FERRANTE, V. B. e MORAES, R (org.) Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. e ZAVERUCHA J. A questão do integralismo diante da herança fascista, In: Revista Ciência e Tópicos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1984. 117 ARAÚJO, R. B, de Totalitarismo e Revolução: o integralismo de Plínio salgado, Rio de Janeiro: Zahar, 1988. e GERTZ, R. Os teuto-brasileiros e o integralismo: contribuições para a interpretação de um fenômeno político

controverso. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. 118 BERTONHA, Integralismo: fontes problemas de pesquisa e tendências historiográficas, op. cit.

60

(1999), Integralismo: ideologia e organização de um movimento de massa no Brasil (1932-1937).

119

No trabalho de Caldeira, temos um estudo a nível regional que nos abre a possibilidade não só de entender como a AIB se inseriu no panorama político maranhense, mas também nos leva a entender como funcionava sua organização a nível regional. Este trabalho contempla a passagem da caravana de Barroso, o discurso anticomunista integralista, as lutas conta a ANL e a relação do movimento com a política regional maranhense. Ressalta-se, que o autor considera como principal motivação para a ascensão do Integralismo no estado, uma resposta ao surgimento da ANL no Estado.

No entanto, maior destaque deve ser dado ao trabalho de Feiteiro Cavalari o qual analisa a pedagogia fascista, os símbolos e rituais integralistas como responsáveis pela união, sociabilização ideológica, propaganda, agremiação, mobilização política, submissão à hierarquia e disciplina. A autora também analisa como se processou a criação de uma identidade para o movimento, onde se destaca a participação das mulheres integralistas, “as blusas verdes” que, dentro das escolas, ambulatórios e creches integralistas, pretendiam por meio de ações filantrópicas e educacionais atender às necessidades da população e agregar novos adeptos para o partido. A rede de jornais integralistas, nacionais e regionais, também é estudada, porém, como meios de divulgação e doutrinação, assim como os programas de rádio, uma vez que a retórica dos líderes integralistas era a grande responsável pelo crescimento numérico e manutenção de seus militantes. O rádio era a maneira mais direta de relacionamento da cúpula integralista com seus “soldados”. Nesse sentido, o trabalho de Feiteiro Cavalari corresponde exatamente a esta nova historiografia dos anos de 1990.

A produção historiográfica presente, de início do século XXI, dá continuidade a historiografia da década passada e, dentre os trabalhos que até hoje foram publicados, citamos os seguintes: O fascismo e os imigrantes italianos no Brasil de Fábio Bertonha (2001), Uma das coisas esquecidas: Getúlio Vargas e o controle social no

119 CYTRYNOWICZ R. Integralismo e anti-semitismo nos textos de Gustavo Barroso na década de 1930, Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP, 1992; BERTONHA, F. A máquina simbólica do integralismo: controle e propaganda política no Brasil dos anos 30, In: História & Perspectiva (Uberlândia), Vol.7, 1992.; CALDEIRA C. op. cit. e CAVALARI R. M. F. Integralismo: ideologia e organização de uma movimento de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: EDUSC, 1999.

61

Brasil / 1930-1954 de R. S. Rose (2001) e o segundo volume da coleção O Brasil republicano que traz um artigo de Marcos Chor Maio e Roney Cytrynowicz (2003) intitulado Ação integralista brasileira: um movimento fascista no Brasil

120. Por fim, também, cabe citar, neste

momento, a coletânea de artigos produzidos após o I Encontro de Pesquisadores do Integralismo, realizado, em 2002, no Arquivo Público do Município de Rio Claro, que chegou ao grande público, em 2004, com o titulo de “Integralismo: novos estudos e reinterpretações”.

121

Nesta produção contemporânea, destacamos este trecho que nos traz as seguintes observações acerca dos artigos:

Lembranças do esquecimento: datas e comemorações do Movimento Integralista Brasileiro, A ação feminina integralista no Maranhão, Notas sobre o anticomunismo integralista, A formação do Partido de representação Popular e a intervenção integralista na política brasileira, O trabalho através do discurso integralista, A educação no projeto integralista, O Integralismo e a mulher, Intelectuais brasileiros na ideologia integralista: autoritarismo, ensino e a busca de raízes nacionais, Integralismo e Eugenia e Integralistas e pesquisadores do Integralismo: o embate entre Memória e História.

122

120 BERTONHA, F. O fascismo e os imigrantes italianos no Brasil, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001; ROSE, R. S. Uma das coisas esquecidas: Getúlio Vargas e o controle social do Brasil (1930-1945), São Paulo: Companhia das Letras, 2001. e MAIO, M. C. e CYTRYNOWICZ R Ação integralista brasileira: um movimento fascista no Brasil, In: FERREIRA, J e DELGADO, L. de A. N. (org.) O Brasil republicano – o tempo do nacional-estatismo: do inicio da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 121 DOTTA, R. A., POSSAS, L. M. V. e CAVALARI, R. M. F. (org.) Integralismo: novos estudos e reinterpretações, Rio Claro: Arquivo do Município, 2004. 122 Os autores destes artigos são agora nomeados respectivamente na ordem de apresentação de seus trabalhos: Rodrigo Christofoletti, Castro Caldeira, Rodrigo santos de Oliveira, Gilberto Grassi Calil, Renato Alencar Dotta, Rosa Maria Faiteiro Cavalari, Lídia M. Vianna Possas, Alexandre Blankl Batista, Endrica Geraldo e João Fábio Bertonha.

62

A lista de títulos (citada em rodapé) se justifica pelo fato de apresentar, justamente, os temas que a atual historiografia sobre o integralismo está abordando e que, como já foi citado, tem a pretensão de construir um panorama mais detalhado do movimento. Entendemos então, que a atual historiografia que voltada a AIB, nos apresenta uma enorme gama de novos estudos, como também promove novas abordagens para temas que já foram estudados, assim como nos indica o título desta última coletânea citada.

Outro importante ponto a ser enfatizado, refere-se à necessidade de se estudar a memória produzida pelos militantes integralistas sobre a sua própria história. Para Bertonha,

foi consolidada, no decorrer dos anos, uma memória particular por parte dos militantes. Eles formularam uma visão própria do acontecido, esqueceram algumas coisas, convenientemente, remontaram os acontecimentos, e pretendem que o resultado seja a expressão da verdade pura. Tudo o que saia deste roteiro pré-estabelecido, mesmo que seja por um milímetro, é imediatamente atacado como mentira, deturpação, má fé, etc.

123

Dentro desta perspectiva de análise, citamos o trabalho de Rogério Lustosa Victor, intitulado O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento (2005)

124. Neste estudo, o autor

analisa a memória criada pelo Estado Novo e pela imprensa do período acerca da AIB, além de também abordar a memória criada pelos próprios militantes sobre o seu passado. Neste percurso, ele discute questões como a herança fascista, o golpe de Vargas em 1937 e o Putch Integralista de 1938. Além disso, Victor aborda a memória que os atuais livros didáticos constroem sobre a AIB e a sua participação na história brasileira.

Por fim, só nos resta apresentar o trabalho de Gilberto Calil (2001), intitulado O Integralismo no pós-guerra: a formação do PRP

123 BERTONHA, J. F. Integralistas e pesquisadores do Integralismo: o embate entre Memória e História. In: DOTTA, R. A., POSSAS, L. M. V. e CAVALARI, R. M. F. (org.) op. cit., p. 157. 124 VICTOR, R. L. O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento. Goiânia: UCG, 2005.

63

(1945-1950)125

, no qual é analisado o fim da AIB e a sua rearticulação após 1945 com a criação do PRP. A estrutura interna do PRP, o seu projeto político, os elementos mobilizadores de sua militância, o seu discurso anticomunista e logicamente a sua participação no processo político brasileiro, também são abordados. Assim, este trabalho se apresenta como o mais completo estudo sobre o PRP até então realizado, transformando-se em um referencial obrigatório para qualquer estudo posterior que pretender abordar o Integralismo no pós-guerra.

Entendemos que as apresentações e comentários estabelecidos até aqui, se mostram suficientes para a apresentação da historiografia que abordou a AIB. Esperamos, também, que o presente artigo sirva como uma espécie de guia de leitura para os pesquisadores que estão iniciando seus estudos sobre este tema, ou até mesmo, para que os pesquisadores já de longa data possam mais uma vez refletir sobre as produções existentes. Para finalizar, cabe esclarecer que somos conscientes de não contemplarmos toda a bibliografia que abordou a AIB, pela própria impossibilidade de tal empreitada.

125 CALIL, G.G. O Integralismo no pós-guerra: a formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

64

TRADIÇÃO E CRISTIANISMO:

o nascimento do integralismo em Juiz de Fora126

Leandro Pereira Gonçalves127

As primeiras leituras bibliográficas sobre o integralismo

confirmaram a inexistência de um completo estudo sobre a atuação

deste movimento na cidade de Juiz de Fora. À exceção de um trabalho

que relata o integralismo de forma bem factual - cujo título é Ação

Integralista Brasileira: seus reflexos em Juiz de Fora, realizado em

1973, quando muitos militantes ainda estavam vivos, nada mais se

encontra sobre a atuação do movimento na cidade. Trata-se de um

trabalho apresentado no IIº Prêmio de Pesquisa promovido pelo DCE

da Universidade Federal de Juiz de Fora, realizado na época pelo

acadêmico Maurício de Castro Corrêa, que serviu de base para tratar

do tema dentro das novas condições e possibilidades do trabalho

historiográfico acerca do integralismo no Brasil.

Além da ausência de estudos do movimento na cidade de Juiz

de Fora, a escolha do tema, Tradição e Cristianismo: o nascimento do

integralismo em Juiz de Fora, se deve, ainda, à percepção das

particularidades do movimento nesta cidade em relação às demais

localidades. Aqui, a Ação Integralista Brasileira (AIB) teve sua semente

126 Este artigo baseia-se em minha Monografia de conclusão de curso de Especialização em História do Brasil (PUC/MG) 127 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, área de concentração: Literatura Brasileira; Especialista em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora; e-mail: [email protected]

65

plantada dentro de uma instituição religiosa metodista, diferente,

portanto, de muitas localidades onde o catolicismo foi o grande

pioneiro.

A Igreja Católica chegou a apoiar o movimento na cidade, mas

a base inicial se encontra na Igreja Metodista, que através de um

grande centro educacional secular denominado Instituto Granbery,

investiu na construção ideológica de controle da população pela

educação metodista, que veiculava um discurso previamente

preparado de acordo com a situação. Foi justamente através da força

dos ideólogos metodistas que nasceu o integralismo juizforano, com a

integração do discurso integralista conservador ao discurso metodista

do contexto religioso da década de 1930.

O movimento integralista surgiu através do interesse de vários

grupos de intelectuais no Brasil, todos eles descontentes com a política

existente até então. Esse movimento foi decisivo na formação política

da década de 1930, tendo ampla repercussão no campo político e

social no Brasil. Iniciando suas atividades no princípio da década de

1930, sob a liderança do escritor e jornalista Plínio Salgado, a AIB

passou a atuar formalmente através do Manifesto de outubro de 1932,

divulgado para todo o país. Sua organização, fortemente influenciada

pelos movimentos fascistas europeus, priorizava a arregimentação de

militantes e seu enquadramento em uma estrutura hierárquica e

burocrática. A partir de então, logrou intenso e rápido crescimento

ascendente até a decretação do Estado Novo em novembro de 1937,

quando foi proibido de atuar juntamente com outros partidos e

movimentos. A hierarquia do movimento colocava Plínio Salgado como

Chefe Nacional e todos os demais membros tinham que jurar

obediência às suas ordens, sem discussão. Logo após o lançamento

oficial da Ação Integralista Brasileira, Plínio Salgado inicia suas

66

articulações políticas pelo país, aglutinando o apoio da mocidade e

transformando, assim, a AIB no principal partido de extrema-direita em

busca do poder nos anos 30.

Ao analisar a década de 1930, no Brasil, logo se depara com

as ações da Ação Integralista Brasileira, movimento político de extremo

conservadorismo que se articula com os discursos religiosos,

defendendo principalmente a tradição. No país, o integralismo propõe-

se a combater o liberalismo, o socialismo, o capitalismo internacional e

as sociedades secretas vinculadas ao judaísmo e à maçonaria. Com

esse discurso ideológico de combate em defesa às tradições cujo lema

é: Deus, Pátria e Família, os integralistas contaram com um expressivo

número de filiados. Na crise liberal, as opções eram comunismo e

fascismo, e as famílias religiosas tradicionais, que possuíam

tendências políticas, ficaram ao lado do fascismo. Descartando,

principalmente, o comunismo, essas famílias investem no integralismo

que apresenta grande relação entre a religião e a política, mais forte

combate ao comunismo.

Em 1936, o Integralismo chegou ao auge de suas atividades,

com milhares de células espalhadas por todo o país e, Plínio Salgado,

vangloriava-se de que o número de seus militantes alcançava a cifra

de um milhão de pessoas. Ao mesmo tempo, defendia que sua milícia

reunia cerca de cem mil indivíduos em condições de combate. As

pretensões integralistas em atingir o poder pareciam, assim, bastante

realistas até que Getúlio Vargas resolveu por fim às pretensões do

líder integralista em 1937.

Mostraremos um pouco de toda essa atuação na cidade de

Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, onde a AIB passou a se

destacar logo após três conferências doutrinárias ocorridas nos dias

67

20, 21 e 22 de outubro de 1933,128

realizadas pelo Chefe das Milícias

Integralistas, presidente da Academia Brasileira de Letras, Gustavo

Barroso.

A inserção do Integralismo em Juiz de Fora

A vinda de Gustavo Barroso a Juiz de Fora ocorreu através do

Instituto Granbery da Igreja Metodista, que em seu jornal de circulação

interna do dia 20 de outubro de 1933, divulga a seguinte manchete: “O

Granbery orgulha-se de ter como hóspede de honra, o ilustre brasileiro

Dr. Gustavo Barroso, digno presidente da Academia Brasileira de

Letras!”129

A vinda de Gustavo Barroso a Juiz de Fora fez parte do que

era chamado de Bandeira ou Caravana Integralista, movimento que

tinha como objetivo a doutrinação, a divulgação e a propagação da

ideologia integralista pelo Brasil. O Chefe das Milícias Integralistas,

Gustavo Barroso, utilizou seu prestígio de presidente da ABL, para

divulgar as ideologias políticas integralistas entre os professores e

alunos. 130

Desse grupo, o pioneiro do movimento integralista em Juiz de

Fora foi o professor de Sociologia Oscar Machado, então diretor dos

cursos Ginasial e Comercial do Instituto Granbery da Igreja Metodista e

membro da Igreja Metodista Central de Juiz de Fora que cedeu as

128 As duas primeiras conferências foram realizadas no salão do Instituto Granbery da Igreja Metodista, com os títulos: “A Inquietação do século XIX e a Reconstrução do século XX” e “O sentido Novo da Política, da Educação e da economia”. Já última conferência ocorreu no salão de festas do Pálace Hotel, intitulada: “Liberalismo, Comunismo e Integralismo”. 129 O Granberyense, Juiz de Fora, p. 1, 20 out. 1933.

130 Sobre sua presença na escola pode ser comprovada pelas fotos de 20 e/ou 21 de outubro de 1933 no Arquivo fotográfico Dr. Tarboux, do Museu Granbery.

68

dependências do colégio para Gustavo Barroso. 131

Segundo Maurício

Corrêa, além de Barroso, também Plínio Salgado teve atuação em Juiz

de Fora. No dia 27 de novembro de 1933, o chefe dos integralistas,

proferiu uma série de conferências doutrinárias para divulgar a

ideologia integralista. Sua visita foi fundamental para consolidar a

fundação do núcleo municipal que ganhou muitos adeptos logo após a

visita do Chefe em dezembro de 1933.132

Em março de 1934, um grupo de integralistas chegou à cidade

ampliando a consolidação do movimento, quando ocorreu a posse do

professor Oscar Machado como primeiro chefe municipal do

integralismo. Após o lançamento da semente integralista, o professor

iniciou o processo de divulgação e ampliação do movimento com a

preparação de um forte veículo de propaganda através do jornal O

Sigma. A partir daí, instalou-se a organização da milícia integralista

juizforana e da sede oficial do movimento.

A Igreja Metodista no campo da educação

O metodismo, que fez parte do movimento Reforma

Protestante, nasceu na Inglaterra no século XVIII, sob as idéias de

John Wesley, ministro da Igreja Anglicana que teve a oportunidade de

viajar por cinqüenta anos, pregando e organizando uma sociedade

metodista por todo Reino Unido. Essas viagens tiveram como meta

destacar os problemas sociais da época oriundos da Revolução

Industrial, apontada como responsável por uma transformação de toda

131 Rol n.º 1719, livro n.º 01, pág. 58. Data de recepção na Igreja Metodista Central: 09/01/1930, pelo Pastor César Darcorso Filho. Transferido para Porto Alegre em 11/09/1934. 132 CORRÊA, Maurício de Castro. Ação Integralista Brasileira: seus reflexos

em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Trabalho apresentado ao IIº Prêmio de Pesquisa DCE, 1973, p. 69.

69

estrutura social inglesa. As idéias de John Wesley foram ainda a base

da organização de uma educação destinada especificamente aos

adultos. Com isso, o ensino ocupou um lugar privilegiado na ação

social, servindo para construir escolas destinadas a instrução de todos.

A Igreja Metodista em pouco tempo se expandiu por todo o

Reino Unido, inclusive tornando-se muito poderosa na América do

Norte. No decorrer do século XVIII, na América Inglesa, a difusão do

Iluminismo permitiu a abertura de novas formas de pensamentos

religiosos, tendo como participação a Igreja Metodista. Após o

processo de Independência das Treze Colônias e a formação dos

Estados Unidos da América, os metodistas iniciaram um movimento de

expansão religiosa com muito sucesso, sendo o maior movimento

protestante dos Estados Unidos, com vários princípios como o

individualismo, marca do Iluminismo liberal, presente no século XVIII.

O metodismo chegou ao Brasil através das missões dos

Estados Unidos, no século XIX, tendo uma primeira tentativa entre

1836 e 1841 e a segunda investida iniciada em 1876. Os metodistas

além de quererem implantar a religião no Brasil, têm o objetivo de

transmitir os valores estadunidenses de liberdade, civilização e

progresso. O metodismo chegou ao Brasil com os ideais do liberalismo

já consolidados na América do Norte e foram justamente esses ideais

que exerceram um especial atrativo naqueles que desejavam

modificações, devido a uma política escravocrata e tradicional que era

a do Brasil. Com isso a expansão do metodismo ocorreu no meio

urbano, favorecida por uma burguesia em ascensão com

características modernas e por instituições de ensino que começavam

a ser criadas.

É nesse contexto que o metodismo chega a Juiz de Fora no

ano de 1884, com uma identidade liberal e progressista. Em pouco

70

tempo, avançou por toda a região mineira, inclusive a cidade de Juiz

de Fora, com a fundação de uma instituição de ensino, o Collegio

Americano Granbery, no ano de 1890. Segundo Clifton E. Olmstead,133

as instituições metodistas de ensino privilegiavam os filhos dos

membros da Igreja com o objetivo de criar homens de moral elevada

capaz de influenciarem a comunidade em que viviam. Com esse

objetivo, de criar uma obra educacional com teor missionário, o

metodismo difunde na sociedade juizforana uma cultura protestante

estadunidense, pautada no liberalismo.134

A educação metodista e o integralismo em Juiz de Fora

A Igreja Metodista, desde os seus primórdios, teve uma

característica básica em sua doutrina ideológica que era a de ser um

movimento reformador e educativo. Em Letters of John Wesley,135

observa-se o pensamento do seu fundador sobre a educação, ponto

estratégico usado na doutrina, por isso a necessidade de se construir

escolas. A educação passou a ser vista como um processo de

formação contínua do indivíduo, tendo como objetivo reformar o caráter

e a vida dos homens.

Em pouco tempo, o metodismo se transformou numa das

maiores forças educacionais da Inglaterra no século XIX e de forma

rápida, chegou aos Estados Unidos como uma grande força religiosa

influenciando a vida e a cultura da população. Na segunda metade do

século XIX, era a instituição religiosa de maior denominação e

dominação nos Estados Unidos. Identificava-se como a nação

133 Clifton E. Olmstead apud MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Bernardo do Campo:

Edufjf/Editel, 1994, p. 146. 134 MESQUIDA, Peri. op. cit, p. 162. 135 Letters of John Wesley apud MESQUIDA, Peri. op. cit, p. 97.

71

escolhida por Deus como dominante, devido à liberdade conquistada

após a Guerra Civil. Por isso acreditava que as nações mais evoluídas

tinham o dever de civilizar as nações mais atrasadas do mundo. Essa

dominação não só é restrita ao campo religioso, mas também, ao

político. Segundo Hooding Carter,136

quando os pregadores metodistas

falam, os políticos os ouvem com a mesma atenção que suas próprias

congregações.

O nacionalismo religioso metodista, que está presente nos

Estados Unidos, propunha comunicar ao mundo, valores e ideais da

América do Norte, dando assim legitimidade ao expansionismo

imperialista. O liberalismo foi o principal referencial teórico dessa

expansão. É nessa linha de raciocínio, que foi enviado ao Brasil,

algumas missões procurando promover a ideologia estadunidense no

continente.

Segundo Mesquida,137

o Journal of the General Conference of

the Methodist Episcopal Church (1880) publicou que o metodismo dos

Estados Unidos manifesta um profundo sentimento nacionalista e a

aceitação à política liberal, por isso as instituições de ensino têm como

propósito modelar e promover essas idéias. O metodismo tem como

objetivo onde quer que seja, formar uma população livre, trabalhadora,

honesta, obediente; difundir, pela educação e liberdade, o progresso e

todas as forças racionais e morais que fazem o aperfeiçoamento da

civilização americana.

A educação metodista passou a ser então um canal de

convicção intelectual, ou seja, como diz Marilena Chauí, o ideólogo, a

cabeça pensante que tem como objetivo manipular a massa, pois esse

136 Hooding Carter apud MESQUIDA, Peri. op. cit, p. 212. 137 MESQUIDA, Peri. op. cit, p.108-109.

72

grupo teve como finalidade transmitir o pensamento de todos de

acordo com os seus interesses.138

A educação metodista passou a ser o produto das idéias e do

pensamento e é assim que surgiu a ideologia como criação de domínio

da realidade, pois as opiniões passaram com o tempo e com a força

dos intelectuais a ser uma idéia vista como verdadeira e válida para

toda a sociedade.

Os missionários metodistas estavam conscientes de que era

no interior que sua dominação ideológica iria ocorrer com maior

sucesso, pois não seria, inicialmente, nas grandes cidades, a

conversão das classes sociais importantes.139

De acordo com esse

pensamento, a educação metodista tem como objetivo estratégico,

desenvolver sua doutrina em municípios do interior, entre eles a cidade

de Juiz de Fora conhecida como o Vaticano do Metodismo Brasileiro.

A Igreja Metodista, então, passa a exercer influência sobre a

cultura da elite e da nação, sendo suas instituições educacionais,

pontos estratégicos para defender e propagar os princípios liberais,

que era algo vangloriado pela elite intelectual e política.

Os colégios metodistas mostram claramente o desejo de se

dedicar particularmente à formação das elites. Percebe-se mais uma

vez que a instituição existe com o objetivo de formar a ideologia de

dominação concedendo privilégios aos membros da elite religiosa.

Esses, formados pelo Instituto Granbery, nada mais serão do que porta

vozes dos ideólogos que é o próprio metodismo. No periódico

metodista: Expositor Cristão,140

é registrado que a doutrina tem como

138 CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2004, p.387. 139 LÉONARD, Emile-G. O protestantismo brasileiro. São Paulo: Aste-Juerp,

1981, p. 55. 140 Expositor Cristão apud MESQUIDA, Peri. op. cit, p. 154.

73

objetivo resolver as questões sociais, políticas e religiosas do país.

Entre os documentos relacionados por Mesquida141

, destaca-se o

“Livro de atas da diretoria do Colégio Americano Granbery (1895-

1912)” sobre o objetivo do corpo docente que era a de ministrar a

instrução sobre uma base moral e espiritual sólida, para que o colégio

fosse um centro de influências poderosas e agressivas.

A ação da educação metodista pode ser vista como a

conquistadora da hegemonia cultural, representante de uma sociedade

considerada mais evoluída, que irá conduzir perfeitamente a prática

educativa pautada no iluminismo e no liberalismo. Os educadores

queriam criar uma nova mentalidade no cidadão, por isso dedicaram-

se à formação das elites na esperança de conquistas à hegemonia

cultural.

E é justamente dessa exigência de criar uma mentalidade para

se ter a hegemonia cultural que passamos a falar do Diretor dos

Cursos Ginásio e Comércio do Instituto Granbery. Como já foi dito, a

educação metodista tem como objetivo proporcionar uma doutrina de

dominação ideológica elitizada desde o seu início com John Wesley. A

característica principal dessa educação era privilegiar o liberalismo,

marco da política e da economia dos Estados Unidos no início do

século XX. Partindo do princípio que foram os missionários

estadunidenses que implantaram o metodismo no Brasil e,

conseqüentemente, a educação, o liberalismo passa a ser a base de

doutrinação dos estabelecimentos de ensino no Brasil.

Já que a idéia inicial das instituições metodistas é a de formar

pessoas que possam resolver as questões sociais, políticas e

religiosas do país, existe a necessidade de formar uma concepção

política nos educandos para que os ideólogos tenham a garantia de

141 MESQUIDA, Peri. op. cit, p.157.

74

seus interesses. É a partir daí que se observa uma força do

integralismo dentro do Instituto Granbery, que é alvo de análise. Cabe

lembrar que não está sendo afirmado que o Granbery é integralista,

muito menos a Igreja Metodista, mas certos grupos de domínio

ideológico dentro da instituição.

De acordo com periódicos de circulação interna, o Professor

Oscar Machado era uma pessoa detentora de grande respeito dentro

da Instituição, membro da Igreja e com raízes metodistas. Ele foi o

principal responsável pela divulgação e propagação do integralismo no

Instituto e pioneiro na cidade. Em pouco tempo, as palavras de Oscar

Machado penetraram no corpo docente e discente do colégio,

alcançando assim seu objetivo inicial, que era formar um grupo

anticomunista e posteriormente um integralista em Juiz de Fora, tendo

inclusive, ele próprio, o cargo de Chefe Municipal do Integralismo.

A responsabilidade da formação de uma ideologia é do

ideólogo que segundo Marilena Chauí,142

fica a cargo dos intelectuais,

que julgam as idéias verdadeiras e transformam-nas em idéias válidas

para toda a sociedade, moldando o pensamento de todos.

O professor Oscar Machado foi considerado um desses, já que

por ocupar um posto de destaque dentro da Instituição e por contar

com todos os mecanismos a seu favor, iniciou um movimento de

persuasão de suas idéias como sendo de todos.

O domínio ideológico de Oscar Machado começou no

momento em que ele mesmo convidou para estar presente, em 1933,

no Instituto Granbery, um dos militantes mais destacados da Ação

Integralista Brasileira, o chefe das milícias integralistas Gustavo

Barroso. Como já foi citado, esse realizou uma série de conferências,

142 CHAUÍ, Marilena. op. cit, p.387.

75

sendo duas delas dentro do Granbery. De acordo com um artigo do

periódico O Granberyense:

O Dr. Gustavo Barroso é um desses brasileiros preclaros, que se impõe pela personalidade intangível e pelo idealismo sadio, bem como pelo caráter inflexível. Autor de cinqüenta e tantos livros, colaborador de inúmeras revistas, redator chefe do nosso popular ‘Fon-Fon’, conhecedor profundo de todo o movimento político do Brasil, coloca-se ainda como líder invulnerável do Partido Integralista. Sua excelência não virá realizar um desejo seu, mas, sim, atender gentilmente a um convite nosso, pelo que, desde já hipotecamos-lhe a nossa sincera gratidão, certos de que sua vinda ao Granbery marcará um ponto iluminoso nas nossas páginas e terá um dos mais raros acontecimentos na nossa vida colegial. Certos de que tudo o que pleiteamos é pela honra da pátria, saudamo-la na pessoa ilustre do dr. Gustavo Barroso.

143

Como pode ser observado é muito claro no artigo que a vinda

de Gustavo Barroso não tem ligação com a política integralista e com

sua posição de intelectual. Mas nas palestras realizadas por ele no

Instituto Granbery nos dias 20 e 21 de outubro, verifica-se que existe

uma posição de doutrinação política nas conferências. Em uma de

suas palestras, deixa claro a sua defesa do regime fascista, que para

ele não é uma simples ditadura, porém uma filosofia que realiza um

143 O GRANBERY orgulha-se de ter como hóspede de honra, o ilustre brasileiro Dr. Gustavo Barroso, digno presidente da Academia Brasileira de Letras! O Granberyense, Juiz de Fora, p. 1, 20 out. 1933.

76

projeto cultural na sociedade, criando assim um novo sentido da vida,

renovando e reconstituindo a doutrina política dos Estados cristãos.144

De forma tendenciosa percebe-se a expansão do pensamento

político de Gustavo Barroso, mesmo não sendo o divulgado pelo

Instituto Granbery. Vê-se isso como mais uma tentativa dos ideólogos,

ou seja, do grupo pensante, em manipular as posições políticas dos

dominados na instituição. Essa passa a ter acesso a esse discurso,

que é dado como verdade absoluta dentro da instituição. A vinda de

Gustavo Barroso foi algo noticiado em toda a imprensa local, como se

nota por exemplo, no jornal de maior acesso na cidade o Diário

Mercantil:

Deverá chegar amanhã à cidade, o ilustre escritor brasileiro Gustavo Barroso, presidente da Academia Brasileira de Letras. Gustavo Barroso vem a Juiz de Fora a fim de, a convite do Centro Cívico do Granbery, realizar uma conferência literária. Essa conferência terá lugar amanhã, às 8 horas da noite, no salão nobre do importante estabelecimento de ensino. Vê se bem que o Granbery vai proporcionar ao mundo intelectual de Juiz de Fora uma grande noite de indizível prazer artístico, ao ensejo de ouvir a palavra encantadora de Gustavo Barroso, nome de grande projeção na nossa literatura.

145

Observa-se, com isso, que Gustavo Barroso vem a Juiz de

Fora com o objetivo de doutrinar, utilizando seu prestígio por ser

144 BARROSO, Gustavo. O Integralismo de Norte a Sul. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934, p. 120. 145 GUSTAVO BARROSO chegará amanhã a cidade: a sua anunciada conferência no Granbery. Diário Mercantil, Juiz de Fora, p. 1, 19 out. 1933.

77

presidente da ABL, algo que irá ajudar muito os interesses

integralistas.

De forma rápida, é visto que as idéias de Marilena Chauí são

aplicadas em Juiz de Fora na década de 30, em que um grupo de

intelectuais, liderado pelo Professor Oscar Machado, inicia um projeto

de dominação ideológica da massa. Mas, esse projeto não fica

obviamente restrito à vinda de Gustavo Barroso. Pode-se dizer que a

presença dele foi o início da chamada dominação ideológica, em que

Oscar Machado tem o objetivo de continuar, inicialmente dentro do

Granbery para, posteriormente, expandir por toda a cidade, onde

contará com o apoio de diversos segmentos, inclusive da Igreja

Católica. Mas esse não é o alvo desta investigação ficando restrita ao

início do movimento dentro do Instituto Granbery da Igreja Metodista.

Continuando, então, com esse projeto de expansão ideológica,

observa-se na mesma edição sobre a vinda de Gustavo Barroso

anunciado no periódico O Granberyense, um artigo intitulado

“Nacionalismo” de autoria de A. Vasconcelos e nele mais uma vez

notam-se passagens em que os pensantes se julgam superiores à

massa: “A multidão não assimila idéias; apenas deixa-se fermentar por

elas”.146

A dominação intelectual é algo que está presente de forma

explícita dentro do Instituto.

Ainda nessa edição existe uma entrevista do Professor Oscar

Machado com o título “Acerca de um movimento patriótico”,

comentando a visita de Gustavo Barroso e ali se pode perceber quais

são as posições do Professor sobre o integralismo que começa a estar

presente dentro do Granbery:

146 VASCONCELOS, A. Nacionalismo. O Granberyense, Juiz de Fora, p. 2, 20 out. 1933.

78

Acho que Gustavo Barroso veio ao Granbery numa hora oportuníssima (...) A inquietação social contemporânea repercute enormemente em nosso meio (...) É isso que nós estávamos precisando ouvir o que ele disse. Quer vistamos a camisa verde ou não, todos nós devemos ser integralistas. A grande maioria dos granberyenses reagiu favoravelmente diante do apelo feito ao espírito moço pelo eminente brasileiro que nos visitou (...) Acho que o integralismo tem vantagens sobre as demais correntes políticas (...) A principal dessas vantagens é a concepção filosófica que serve de base à doutrina integralista (...) As massas humanas precisam marchar para frente (...) O liberalismo, por exemplo, hipertrofia um aspecto do indivíduo. Crê o homem cívico. Tudo resolve pela mentira do voto. (...) O Socialismo, do outro lado, exagera o aspecto econômico da vida (...) O Integralismo une esses dois aspectos da vida pela influência do Espírito. Vê o homem total, integral – corpo, razão e espírito. Logo tem lugar para a Economia e a Política, mas completando, superpõe a ambas a Religião. Essa é a concepção totalitária da vida.

147

De acordo com Oscar Machado, existe no Brasil uma

inquietação que deve ser abolida. Gustavo Barroso propõe a solução:

ser integralista porque é mais vantajoso que as outras doutrinas

existentes. Portanto, os granberyenses devem seguir as doutrinas do

sigma, pois são as que mais se adequam ao espírito de vida dos que

fazem parte desse meio. Pode-se, então, verificar facilmente, que as

palavras e as doutrinas integralistas entram na instituição com o apoio

incondicional de um líder do próprio Granbery, considerado nesse meio

147 MACHADO, Oscar. Acerca de um movimento patriótico. O Granberyense, Juiz de Fora, p. 9, 20 out. 1933.

79

um detentor da intelectualidade formadora de opiniões, como pode ser

visto na seqüência da entrevista:

Aceito a concepção integralista, que é o ponto de vista totalitário, isto, aliás, decorre da concepção do Universo (...) O movimento integralista é no sentido de integrar todas as forças sociais do país na expressão da nacionalidade. Só assim pode o povo identificar-se com a Nação. (...) A Revolução integralista é um esforço para conseguir o equilíbrio, ordem, harmonia entre as forças que se processam dentro da órbita da sociedade humana. (...) O mundo contemporâneo caracteriza-se pela indisciplina, pela ausência do senso hierárquico e pelo desprestígio da autoridade. Para combater esses males, o Estado precisa ter autoridade para intervir e disciplinar a vida coletiva. (...) O Integralismo, para tornar possível a disciplina, crê na unidade de pensamento. Por isso é superior às demais correntes políticas. As correntes políticas não dão unidade ao pensamento. Não dão, porque conservam o povo na ignorância. Só existe unidade nacional quando existe unidade cultural. (...) O sistema corporativo sobre o qual se baseia a organização social integralista visa precisamente a essa chaga social que é a luta classista. A sociedade é um conjunto de atividades profissionais em função harmônica. (...) O Integralismo, porém, é a grande tendência do século XX. (...) E o Brasil precisa de um grande surto nacionalista.(...) O integralista tem certeza da vitória.

148

148 Ibid.

80

Podem ser vistos, nessa entrevista, que os ideais integralistas

estão presentes no líder da instituição de ensino que ocupa o posto de

diretor e professor de Sociologia. Com esse discurso e com a idéia de

ser o pensante da ideologia, em pouco tempo essa fala será colocada

em prática, como já foi mencionada pela fundação do núcleo

integralista na cidade e, inclusive, dentro da instituição, pois as práticas

do professor Oscar Machado, como diretor, serão de acordo com a

doutrina integralista, como se observa na transcrição de um discurso

feito por ele no momento de abertura das aulas em 1934, publicado na

íntegra no periódico O Granberyense:

Desde o princípio dos tempos, dois conceitos têm muitas vezes se chocado, algumas vezes se associado e raras vezes se integrado. Um é o conceito da liberdade, tantas vezes mal compreendido, pelo qual se batem os indivíduos e as multidões. O outro é o conceito da autoridade, tantas vezes mal interpretado, que tem servido de um lado à audácia dos prepotentes, e, de outro lado, as inclinações baixas dos desordeiros (...) Nós assumimos a direção do Ginásio e da E. de Comércio numa hora em que graves acusações pesam sobre a coletividade granberyense no que diz respeito as suas diretrizes educativas (...) Queremos estabelecer um regime baseado em harmonia da autoridade com liberdade. (...) Senhores, o nosso maior problema no Brasil continua sendo o da educação, mas educação no sentido da criação de uma mentalidade nova que venha substituir a anarquia mental e moral deste nosso século XX, pela

81

implantação da ordem, da disciplina e da hierarquia.

149

De acordo com Oscar Machado, o Granbery será dirigido com

autoridade e educação e deve ter como objetivo a ordem, a disciplina e

a hierarquia. Diz ainda que quer estabelecer uma harmonia da

autoridade com a liberdade. Pode-se ver uma transposição do ideário

integralista dentro da instituição, ao analisar o discurso de Plínio

Salgado:

Nós, no Brasil (...) queremos um governo forte. (...) quando nós, integralistas, falamos em governos fortes, não falamos em ditaduras e sim ‘num regime’. Um regime é o que queremos (...) a liberdade é o maior dom humano. (...) não pode existir governo forte sem cultura forte. Só ela cria a disciplina. Porque cria a consciência de necessidade.

150

Como se percebe, Oscar Machado diz que dentro do Instituto

Granbery deve existir autoridade com liberdade e nos faz remeter a

Plínio Salgado quando diz que o Brasil tem que ter um governo forte,

mas que a liberdade é o maior dom humano.

Existe uma mistura das práticas integralistas com as ações

existentes dentro do Colégio onde o propósito da educação metodista

é a de criar uma nova mentalidade no cidadão e Oscar Machado

propõe em seu discurso a formação de uma nova mentalidade

educacional. O que se observa de oposto a esse propósito tão

149 MACHADO, Oscar. Discurso proferido pelo diretor do Ginásio e Comércio, pela ocasião em que se realizou a cerimônia da abertura das aulas. O Granberyense, Juiz de Fora, p. 3, 15 abr. 1934. 150 SALGADO, Plínio. A doutrina do sigma. São Paulo: Revista dos tribunais, 1935, p. 63-64.

82

igualitário é a doutrina defendida, pelos pioneiros da educação

metodista: o liberalismo. Já no tempo de Oscar Machado, era o

integralismo. Mas o objetivo final é o mesmo: dedicar-se à formação

das elites na esperança de conquistas à hegemonia cultural.

De fato o integralismo passou a fazer parte do Instituto

Granbery. A partir dessas doutrinações ideológicas, a elite intelectual

alcança seu objetivo. Um exemplo claro do integralismo no cotidiano

do Granbery pode ser observado no periódico da instituição na sessão

“Um pouco de humorismo”, em uma piada envolvendo uma funcionária

do Granbery: “Até hoje a pessoa que continua como integralista

irresistível é a D. Eliza. Por quê? Porque toda vez que ela toca a

campanhia para a saída do refeitório, ela logo toma posição de sentido

e estende a mão em correta saudação integralista.151

Podemos notar

que realmente a doutrinação ocorreu e a massa teve acesso à

ideologia proposta pelos pensantes.

A partir de 1934, Juiz de Fora já tem uma sede própria da AIB

e o movimento na cidade passa a ter um destaque nacional durante

todo o período em que esteve em funcionamento. No jornal integralista

Acção de São Paulo é possível ver um relato do movimento em Juiz de

Fora:

Numa espetacular consagração: O Integralismo realiza em Juiz de Fora a sua maior parada cívica: Juiz de Fora, sede da 17ª Região mineira, viveu no domingo passado, horas de profundo entusiasmo cívico. Dois mil integralistas recepcionaram, sob calorosos aplausos, a comitiva que desta capital partiu no sábado, 27, sob a orientação do dr. Miguel Reale, (...) A comitiva viajou de

151 UM POUCO de humorismo. O Granberyense, Juiz de Fora, p. 12, 15 abr. 1934.

83

automóvel, sendo recebida em Juiz de Fora, com vibrantes manifestações dos camisas-verdes locais (...) Impressionados com o entusiasmo invulgar dos elementos que constituíram a comitiva, quisemos ouvir o dr. Miguel Reale (...) A minha impressão sobre o Integralismo em Juiz de Fora é magnífica. Volto encantado com o alto sentido de disciplina dos camisas-verdes na 17ª Região da Província de Minas Gerais.

152

Após análise, o movimento integralista em Juiz de Fora merece

um destaque especial na historiografia devido a sua força e as suas

particularidades. O objetivo do estudo não é pesquisar totalmente o

movimento em Juiz de Fora, mas apenas elucidar alguns pontos no

processo de sua consolidação na cidade com a forte presença do

Instituto Granbery da Igreja Metodista.

Não foi a intenção esgotar as informações sobre a fundação do

integralismo em Juiz de Fora, muito menos do movimento de uma

maneira completa, mas sim, a de promover uma discussão entre as

doutrinas educacionais da Igreja Metodista com o propósito da Ação

Integralista na cidade.

O ponto principal dessa análise foi o conceito de ideologia que

é sem dúvida a ligação entre as duas instituições, pois a educação

metodista subsiste com o propósito de se dedicar à formação das

elites. A instituição existe com o objetivo de formar a ideologia de

dominação, pois os privilégios serão dados aos filhos dos membros da

Igreja com o propósito de influenciarem positivamente a comunidade,

sendo capazes de resolverem as questões sociais, políticas e

152 NUMA ESPETACULAR consagração o integralismo realiza em Juiz de Fora a sua maior parada cívica. Acção, São Paulo, p. 1, 1 dez. 1937.

84

religiosas do país. Os educadores, também, têm como objetivo

ministrar a instrução sobre uma base moral e espiritual sólida, para que

o Granbery seja um centro de influências poderosas e agressivas.

Junto a esse processo de dominação, encontra-se o integralismo na

década de 1930, que como se nota tem uma forte influência dentro da

instituição, principalmente através do Professor Oscar Machado,

grande defensor do movimento.

Mais uma vez, a elite intelectual é o grupo pensante que

influencia a consciência social e tem o poder de transmitir as idéias

dominantes para toda a sociedade.

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87

4. O INTEGRALISMO EM PERNAMBUCO:

Uma história entre tantas da Ação Integralista Brasileira

Giselda Brito Silva (UFRPE)153

os estudos do integralismo no Brasil comportam uma série de fatores diversos que vão das questões externas às internas e vice-versa. Aqui, interessa-nos, particularmente, discutir alguns dos fatores internos ligados ao surgimento e atuação da AIB (Ação Integralista Brasileira) no Estado de Pernambuco e suas especificidades locais e regionais. Em nossas leituras acerca do movimento, consideramos que as questões relativas à chegada, atuação e expansão do integralismo em Pernambuco estiveram diretamente ligadas à ação de um grupo de intelectuais da Faculdade de Direito do Recife, que, em seguida, propaga a ideologia do movimento para seus familiares, em sua maioria, pertencentes às grandes famílias locais.

Imbuídos de uma mentalidade que mesclava uma contradição entre o moderno e o conservador, característica comum entre outros intelectuais da época ligados ao pensamento político brasileiro, esses intelectuais locais tomaram para si a responsabilidade de propagar o movimento no Estado em clima de profunda euforia política e “revolução espiritualista”. Aqui, tivemos então como ponto de produção de sentido dos discursos integralistas uma base familiar, política e religiosa que contribuíram para a atuação e expansão do integralismo em Pernambuco.

Contudo, não se trata apenas de localizar discursos de um grupo de intelectuais católicos e tomá-los como a causa do relativo sucesso do Integralismo no Estado. É importante lembrar que os discursos e propostas integralistas encontraram neste Estado um campo de possibilidades de dizibilidade e circulação das idéias integralistas não apenas pelas condições sócio-políticas e culturais dos que lhes apresentaram, mas também por se ter aqui uma sociedade cujo catolicismo era fortemente protegido por um grupo de famílias tradicionais e proprietárias que se amedrontaram com a chegada das idéias comunistas e com a crise da liberal-democracia, situada na

153 Professora da Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

88

desordem pós-1930 em meio aos conflitos mundias. Em nossas pesquisas percebemos que os pontos fundamentais da recepção do integralismo no Estado estavam diretamente ligados à ação e discursos anticomunistas propostos pelos integralistas, mais a concepção de recuperação dos valores morais e tradicionais centrados no lema “Deus, Pátria e Família”.

A proposta ateísta dos comunistas soava como uma grande ameaça às bases sócio-culturais de uma sociedade ainda muito presa aos valores das grandes famílias latifundiárias e conservadoras. Do outro lado, o clima do pós—guerra, mais a crise econômica, juntamente com a proposta de modernidade da sociedade, desclassificavam o liberalismo como um sistema político-econômico e social viável para uma sociedade organizada pela tensão da oposição ordem versus desordem.

Outro ponto fundamental, mas, ainda relacionado às questões acima, é o fato de que Pernambuco dos anos trinta se caracterizava por uma sociedade profundamente católica, com grandes famílias tradicionais e políticos provenientes das mesmas, que sustentavam um modelo patrimonialista e burocrático pelo qual se confundiam o espaço e as coisas do público com o privado.

Nesta sociedade, o sujeito ao ser apresentado lhe era imediatamente perguntado: quem é sua família? Você é parente de quem? Daí, política e parentela serem os referenciais da sociedade rural que se estendia ao urbano. A família era uma referência do lugar social, político, econômico e cultural ao qual se pertencia. Entretanto, algo unia os indivíduos desta sociedade, dando-lhes uma identidade: pobres ou ricos eram marcados pela presença do catolicismo na estrutura familiar. Era comum às famílias irem à missa aos domingos em jejum; pedir benção aos mais velhos da rua, orar antes das refeições, ao deitar, etc.

Segundo um dos meus entrevistados, e ex-integralista, acreditava-se em céu e inferno e os comunistas tinham chegado para destruir essa fé. Assim, na sociedade, o surgimento das idéias comunistas e a Liberal-democracia pareciam a esses indivíduos como incapazes de resolverem muitos dos problemas. Parecendo mais, como diziam, geradores de uma profunda ameaça à ordem das estruturas tradicionais vigentes. As leituras das fontes escritas e orais são indicativas de um clima de grande tensão no campo social, político e ideológico, constituindo-se num dos lugares de maior recepção dos discursos integralistas.

89

Dessa maneira, consideramos que o relativo sucesso da proposta integralista em Pernambuco, e que garantiu à Ação Integralista Brasileira (AIB) forte atuação política e ideológica durante toda a década de 30, com remanescentes ainda nos anos 40, fogem um pouco à regra geral da historiografia que parte das questões e influências externas como fatores motivadores do integralismo no Brasil. Neste Estado, pesam, principalmente, o catolicismo e o anticomunismo do movimento, com pouco referencia ao fascismo ou ao nazismo.

Adequando-se às necessidades locais, o Integralismo foi apresentado à sociedade como um movimento espiritual de resgate das tradições e valores então ameaçados, mais uma proposta alternativa ao liberalismo e ao comunismo. Surgiu como um movimento de idéias nacionalistas, anticomunistas e antiliberais, propondo uma “revolução espiritualista” com decisiva atuação na ordem social bastante próxima do conservadorismo aqui reinante entre as grandes famílias entre as quais circulou. Não se tratava de discursos que foram silenciados, mas que logo caiu em repetição e circulação. O Manifesto de 32 fora lido em Praça pública e repetido nos bairros pelos quais se fundavam os núcleos. Em 1936, o Estado reforçou os discursos de Estado forte com o Manifesto-Progama, cujo conteúdo era o projeto político-doutrinário de um Estado Integral, centralizado e hierarquicamente organizado em classes.

Além da proposta política de um Estado forte e intervencionista, os discursos dos lideres integralistas no Estado, especialmente por Andrade Lima Filho e outros no plano estadual, procuravam congregar o político ao religioso e aos aspectos familiares tão comuns na sociedade local. A nação era apresentada como uma grande família formada por famílias menores que, guiadas e orientadas por uma doutrina cristã católica, promoveriam a segurança nacional e o fortalecimento do país. O anticomunismo e o antiliberalismo formavam a unidade do discurso que em sua dispersão atingiam vários lugares de possibilidades de sentido.

Os principais responsáveis pela produção e reprodução dos discursos integralistas no Estado foram, como já destacamos, um grupo de intelectuais e estudantes de Direito. Declarando-se insatisfeitos com os resultados políticos, sociais e econômicos da “Revolução” de 1930, os intelectuais mais conservadores encontrariam na proposta integralista uma opção para a crise da “liberal-democracia” e para a ameaça comunista, que ganhava campo com as manifestações grevistas e um clima de agitação no Estado, identificados como provas da desordem.

90

Em Pernambuco, os intelectuais foram um dos grupos que mais criaram expectativas com a campanha da Aliança Liberal em Pernambuco. Depois de 1930, seus depoimentos, veiculados pelos principais jornais do Estado, por biografias, livros de memórias e outros evidenciavam a profunda frustração e desgosto com a política praticada pelo governo de Getúlio Vargas e seu projeto com a liberal democrático no período de 1930 a 1934. Através de artigos e enquêtes, alguns intelectuais passaram a declarar a falência da liberal-democracia e a alertar a população para o avanço do comunismo, destacando o clima de desordem política e social. Declarando-se desorientados e desiludidos, eles passam a ler em público o “Manifesto de Outubro de 32”, na hoje conhecida Praça 13 de Maio, centro do Recife, acrescentando à leitura outros discursos pronunciados por Plínio Salgado em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em novembro de 1932, eles lançaram o “Manifesto do Recife” em apoio ao “Manifesto de Outubro de 32”,

através do qual Plínio

Salgado havia lançado a Ação Integralista Brasileira.154

Durante todo o ano de 1932, manifestaram-se publicamente em favor do integralismo através dos principais jornais da época, especialmente através do Jornal Pequeno. Neste Jornal criaram uma coluna através da qual criticavam o Liberalismo, como um fomentador do espírito individualista “causador de todos os males sociais, que só teria fim com a implantação de um governo forte que valorizasse os aspectos morais e espirituais”. Inicialmente, seus discursos se concentravam mais em criticas ao liberalismo apontado como o principal responsável pelo clima de instabilidade e gerador do comunismo:

A origem dos erros e de todos os males de nossa vida republicana não foi a forma presidencialista. (...) foi o espirito individualista, rousseauneano, liberal, provocador de todas as revoluções burguesas e que talvez nos irá levar inconsciente e delirante até a revolução marxista (...) penso que só um regimen forte sera capaz de dominar a demagogia, o

154 - Segundo Hélgio Trindade, o “Manifesto de Outubro de 32” recebeu este nome porque foi publicado nesta data. O “Manifesto”, deveria ter sido publicado em junho de 32, entretanto o desencadeamento da Revolução Constitucionalista de São Paulo prorrogara a publicação para outubro de 32, quando então nasceu a Ação Integralista Brasileira. In: TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979. p.123

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revolucionarismo, a desordem, a indisciplina latentes no nosso povo..."

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Outros apontavam a crise liberal como conseqüência do pluripartidarismo e das brigas entre os partidos políticos e defendiam o fim dos partidos, sob uma orientação nacionalista centralizadora:

Nós precisamos é de um governo forte (...) o Brasil se verá livre das erupções subversivas. Temos vivido até hoje num clima revolucionario esse appello (sic) à revolução é no dizer de Hélio Vianna uma fatalidade dos povos sem educação social e política. No Brasil a grande geratriz das luctas armadas tem sido inegavelmente a política tortuosa dos partidos. O nosso problema é retomar as nossas tradições (...) precisamos de uma orientação nacionalista...”

156

Outros depoimentos eram mais diretos na defesa do projeto autoritário e antidemocrático, evidenciando a total descrença no Liberalismo e a crença na solução para o problema através da implantação de um governo forte:

Morte ao Liberalismo - o facto político deixou de ser o unico a interessar o Estado. Ha o econômico. Ha o religioso. Todo o problema cultural. Todo o problema da reestruturação social do Estado, que recebe novas dimensões (...) Agora mesmo, vejo a quase unanimidade dos collegas da Faculdade não dar grande importancia ao problema presidencialismo ou parlamentarismo. Hoje mais do que nunca precisamos de um executivo forte.

157

155 - Depoimento de Alvaro Lins, estudante da Faculdade de Direito do Recife, membro da “Ação Universitária Catholica e, posteriormente, membro da Ação Integralista Brasileira de Pernambuco. Jornal Pequeno, 05.11.1932. 156 - Depoimento de Andrade Lima Filho, catedrático da Faculdade de Direito do Recife e membro da Ação Católica e, posteriormente, diretor do “Quinzenário da Ação Integralista Brasileira, bem como chefe nuclear do Integralismo em Pernambuco. Jornal Pequeno. Recife, 25.11.1932. 157 - Depoimento de Otto Guerra, um “leaders da ‘Ação Universitária Integralista no Recife”. Jornal Pequeno. Recife, 26.11.1932.

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Estes são alguns dos fragmentos dos discursos produzidos no contexto que retomamos para mostrar o interdiscurso presente entre integralistas e intelectuais do Estado quanto a proposta de um governo forte. Pelos discursos acima se pode localizar as declarações de frustração, medo e ansiedade que circulava entre esse grupo que reproduz o discurso integralista, resultando na defesa e credulidade do projeto autoritário e centralizador. Lembramos aqui que a reprodução e circulação de um discurso não depende apenas de um enunciador(s), mas das possibilidades de ser dito naquele momento e repetido por outros que passam a reproduzir os discursos integralistas. Ou seja, não se trata apenas de um discurso bem articulado entre o político e o religioso, de uma proposta de Estado forte (a exemplo dos modelos que se observa na Europa), nem de um discurso político construído sob uma base espiritualista contra uma materialista identificada como responsável pela desordem, mas de discursos que circularam e não silenciaram porque encontraram uma sociedade na qual se visualiza uma produção de sentido.

Por outro lado, apesar de no Estado prevalecer a questão do catolicismo e tradicionalismo, não deixamos de identificar fragmentos de discursos simpáticos aos movimentos nacionalistas europeus. Em alguns lugares é possível identificar discursos que se aproximam do nacionalismo forte, pautado na liderança de um chefe nacional que promete combater o comunismo e o liberalismo. Entre alguns membros do “Comité Pró-Constituinte” circulava os nomes de Hitler e Mussolini:

Mussolini tanto faria um bom governo com ‘fascio’ como com a republica, bastando apenas, que fosse obedecido em suas ordens. O mal que desequilibra o governo de muitos povos é o não saber obedecer. E quem não sabe obedecer também não sabe mandar. (...) Após a guerra a Alemanha não poderia por certo ter uma republica federal do tipo da Suissa. As condições do momento naquelle tempo como ainda hoje não permitiam um governo cuja unica fortaleza estivesse apenas na fragilidade de sua estructura e, sobretudo, no respeito que todos sentissem pela idéia do util e do justo. (...) Para uns em determinado momento: um governo forte; para outros (...) uma forma

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liberal (...) a grande coisa vem da habilidade na aplicação.

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Os maiores fomentadores dessas idéias são, como já destacamos, alguns intelectuais que se declaram desiludidos com a crise liberal e ameaçados pela agitação social e o avanço comunista. Consideremos ainda que a proposta integralista, além de fazer uma reavaliação crítica da crise e dos males da liberal-democracia, pregava o fim da luta de classes e, conseqüentemente, o fim da agitação social, que ameaçava a classe proprietária,especialmente a rural, através de uma fórmula filosófica que defendia a harmonia social do político com o religioso: “... homem vale pelo trabalho e pelo sacrifício em favor da Familia, da Pátria e da Sociedade. Vale pelo estudo, pela inteligência, pela honestidade, pelo progresso nas ciências, nas artes, na capacidade técnica, tendo por fim o bem-estar da Nação e o elevamento moral das pessoas”.

159

Em outro fragmento do discurso extraído do Manifesto de Outubro, temos o investimento na questão da luta de classes e a proteção da propriedade privada, de suma importância para as famílias proprietárias que temiam a propaganda comunista:

A questão social deve ser resolvida pela cooperação de todos (...) O direito de propriedade é fundamental para nós. (...) O capitalismo atenta hoje contra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenfreado. (...) Temos que adotar novos processos reguladores da produção e do commercio, de modo que o governo possa evitar os desequilibrioss nocivos à estabilidade social. O communismo (sic) não é uma solução (...) destróe a familia para melhor escravisar o operário, destróe a religião (...) destróe a iniciativa de cada um (...) O que nós desejamos dar ao operariado, ao campones, ao soldado, ao marinheiro, é a possibilidade de subir, conforme a sua vocação (...) até no governo da Nação.

160

158 - Depoimento de Gil Duarte. "Membro do ‘Comité - Pró- Constituinte". Jornal Pequeno. Recife, 18.11.1932 159 - SALGADO, Plínio. “Manifesto de Outubro de 32”. Folheto s.d. APEJE. DOPS - Prontuário 4938. p. 2 160 - Ibid. p. 5

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A descrença nos partidos políticos era outro componente em destaque dos males da Primeira República, conhecida como “Política do Café com leite” ou “Política dos Governadores” com suas fraudes eleitorais e voto cabresto. Declarando-se combatente dessa política, o integralismo vinha como um movimento de idéias dizendo-se contra os partidos políticos. Daí propunha investir no Partido Único como a solução para as brigas em torno do regionalismo e do separatismo: “Nosso ideal não nos permite entrar em combinação com qualquer partido político, pois não reconhecemos partidos: “reconhecemos a Nação. (...) Nossa Patria precisa de estar unidade e forte, solidamente construida, de modo a escapar ao dominio estrangeiro, que a ameaça dia-a-dia, e salvar-se do communismo (sic) internacionalista, que está entrando no seu corpo, como um cancro...”

161

Para alguns desiludidos e insatisfeitos da época, a crise da liberal-democracia devia-se não apenas à sua incapacidade de lidar com o problema social, político e econômico e por ter aberto brecha para as soluções de esquerda, mas, principalmente, porque não possuía um governo forte, capaz de se impor às classes. Dentro desta visão, a proposta de um governo forte e autoritário da Ação Integralista Brasileira era a solução ideal para a agitação social e o avanço do comunismo: “Uma Nação, para progredir em paz, para vêr fructificar os seus esforços, para lograr prestigio no Interior e no Exterior, precisa ter uma perfeita consciencia do Principio de Autoridade”.

162

Alguns itens do “Manifesto de Outubro de 32” atraiam outros setores da sociedade, que não estavam satisfeitos com as interferências do Governo no pós-30. Era o caso dos atingidos com as novas Leis Municipalistas, criadas pelo Interventor, quando este tentou moralizar as administrações municipais. As interferências nos Municípios causaram muita insatisfação nos proprietários locais que tinham acesso ao poder público local. Acreditamos que estes insatisfeitos passaram a ver na proposta integralista de defesa da autonomia municipal, uma forma de reaver seu poder local: “O municipio é uma reunião de familias. (...) Os municipios devem ser autonomos em tudo o que respeita a seus interesses peculiares, porque o municipio é uma reunião de moradores que aspiram o bem estar e o progresso locaes”.

163

Aqui também se destacava a questão do nacionalismo, bastante discutida no período entre-guerras. No caso brasileiro, a

161 - Ibid. p.4 162 - Ibid.p.3 163 - Ibid.p.7

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classe média nacional e local também enfrentava o dilema da crise liberal e do perigo comunista, dentro do conturbado contexto que precedeu a Segunda Guerra Mundial. Assim, influenciados pelas idéias nacionalistas do entre-guerras e enfrentando a crise local, em virtude da instabilidade política do pós-30, os defensores do nacionalismo se sentem atraídos pela proposta nacionalista do Integralismo:

Os nossos lares estão empregnados de extrangeirismos;(...) Eles se envergonham do cabloco e do negro da nossa terra (...) nós somos contra a influencia do communismo, que representa o capitalismo sovietico, o imperialismo russo, que pretende reduzir-nos a uma capitania. Levantamo-nos num grande movimento nacionalista, para afirmar o valor do Brasil (...) unir todos os brasileiros num só espírito; o tapuio amazonico, o nordestino, o sertanejo das provincias nortistas e centraes, os caiçaras e piraquaras, vaqueiros, calús, capichabas, calungas, paroaras, garimpeiros, os boiadeiros e tropeiros de Minas, Goyaz, (sic) Matto Grosso; colonos sitiantes, aggregados, pequenos artifices de São Paulo; hervateiros do Paraná e Santa Catarina; gauchos dos pampas; operariado de todas as regiões; a mocidade das escolas; os professores, os artistas, funccionarios (sic), os medicos, os advogados, engenheiros, os trabalhadores de todas as estradas; os soldados, os marinheiros - todos os que que ainda têm no coração amor (...) e entusiasmo pelo Brasil.

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O nacionalismo do integralismo expandia-se, principalmente, para as questões de defesa ideológica. Como em Pernambuco as autoridades propagavam uma imagem bastante ameaçadora do comunismo, o integralismo passava a ser visto como o único movimento de caráter nacional capaz de fazer frente ao avanço do comunismo em meio à agitação nacional. De um lado, o integralismo alimentava essa imagem perigosa do comunismo, do outro a ação governo se encarregavam de confirmar tal perigo com “provas” resultantes da ação policialesca. Aqui, a polícia se encarregava de divulgar a ação dos comunistas nas fábricas e comércio, apontado

164 - SALGADO, Plínio. Folheto citado. p.3-4

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entre elas a causa das agitações e manifestações dos trabalhadores locais. Em oposição à ação dos comunistas, o integralismo se propunha a proteger a propriedade privada de tais idéias.

Neste caso, a proposta integralista não se mostrou atraente para as classes conservadoras apenas porque defendeu soluções políticas e sociais para o contexto conturbado do pós-30, mas também porque apresentou um projeto que defendeu - além dos valores morais, espirituais e nacionalistas - a estrutura familiar e proprietária, base da sociedade pernambucana:

Tão grande é a importância que damos às Classes Productoras (sic) e Trabalhadoras, quanto a que damos à Familia. Ella (sic) é a base da felicidade (...) estimulos de todos os dias, esperança de perpetuação no sangue e na lembrança affectuosa (sic), eis o que é a familia, fonte perpetua de espiritualidade (...) Tirem a familia ao homem e fica o animal.

165

O problema familiar era associado, principalmente, à questão liberal que teria posto em xeque o matrimonio com a mulher sendo absorvida no mundo do trabalho. Segundos os integralistas, a mulher nos empregos e na vida moderna colocava em risco a estrutura da sociedade e ameaçava a produção nacional porque desequilibrava as famílias e, segundo eles, as próprias classes trabalhadoras masculinas. Já no mundo do trabalho, os males iam da inserção da mulher à penetração das idéias comunistas desorganizando o trabalhador.

Pelo projeto integralista, a solução para a crise estava centrada no sindicato corporativista; numa nova reorganização das classes, desenvolvendo o “espírito harmonioso”, sob um “Estado forte e autoritário”, capaz de equilibrar todas as classes, evitando assim o perigo à propriedade privada, a luta de classes e a agitação social:

Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e qualquer principio de divisão: partidos políticos, estadualismos em lucta pela hegemonia; luctas de classes; facções locaes; caudilhismo; economia desorganizada; antagonismos demilitares e civis; anttagonismo entre policiais estaduais e o Exercito; entre o governo e o povo; entre o

165 - SALGADO, Plínio. op. cit., p.6-7.

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governo e intelectuais; entre estes e a massa popular. (...) Pretendemos mobilizar todas as capacidades technicas, todos os scientistas(sic), todos os artistas, todos os profissionais (...) na realização da grandeza do Brasil (...) e influir mesmo no Mundo.

166

Pelo que destacamos até o momento, podemos dizer que o Integralismo ganhou o campo político de Pernambuco na década de 30 porque se adequou aos problemas locais. E porque defendia uma proposta coerente com os anseios da sociedade, especialmente pelo seu discurso cristão, anticomunista e antiliberal, prometendo, ao mesmo tempo, investir na preservação do velho, com uma nova proposta que não ameaçava as bases do sistema. Criticava-se o capitalismo, mas, propunham-se soluções dentro dele.

Alguns autores afirmam que o sucesso da proposta integralista ocorreu porque esta se ocupou em denunciar a decomposição da ideologia burguesa e de lançar medo na ideologia comunista. Para estes, o integralismo tornou-se atraente também porque se ocupou de propagar a impotência de qualquer outra forma de governo, que não resguardasse os valores espirituais, familiares e patrióticos sob um governo forte.

167

Em Pernambuco, constatamos, através da análise desses discursos, que o “Manifesto de Outubro de 32” deve ser melhor compreendido pela mentalidade da época entre os intelectuais e a sociedade, pelo que se buscava no campo das esperanças políticas e sociais, bem como pelo que acenava o integralismo como solução aos problemas internos do país. Pensava-se o integralismo como :

...uma flama verde de esperança se estende no litoral hospitaleiro, à vista dos brasileiros naufragos condenados pelos desgovernos dos traidores. Basta de tormento e de luta (...) levantemos mais uma vez o braço forte, e descansaremos à sombra do manto verde as fadigas passadas.

168

166 - Ibid.p.8. 167 - LEFORT, Claude. Esboço de uma gênese da ideologia nas sociedades modernas. Estudos CEBRAP 10. Out, nov. Dez. 1974. Tradução de Marilena

Chaui. p.8 168 - “A Flama Verde da Esperança”. A Evolução. Recife, Maio de 1935. Ano II. p.1.

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Segundo Fernando Morais, os integralistas projetaram uma imagem de unidade e fé, pois, como nos diz: “...mesmo divergindo dos pontos cardeais da ideologia integralista, encontro na arranda de sua mocidade um emocionante ponto de contato com o programa dos ‘Diários Associados’: ‘a unidade política e espiritual do Brasil’. Os integralistas ofereciam um espetáculo de fé e esperança.”

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Segundo os depoimentos, as grandes famílias tradicionais do Estado viam no lema do movimento as três palavras mais caras para a sociedade pernambucana: “Deus, Pátria e Família”. Elas eram repetidas, principalmente, pelos católicos do estado, entre eles membros da Igreja Católica também viam algum significado no integralismo, além de simpatizarem com o discurso anticomunista do movimento que combatia o ateísmo, também aprovavam o discurso espiritualista do Integralismo.

A concepção de homem e de universo defendida pelo “Manifesto de Outubro de 32”, garantindo que “Deus dirige os destinos dos homens e do universo”, promove um retorno aos discursos de valorização do espírito sobre a razão e o materialismo capitalista, inimigos da Igreja desde a Idade Moderna. Dessa forma, o integralismo passa a ser assimilado entre os que defendem uma concepção de sociedade na qual o espírito divino se sobrepõe sobre as ações humanas guiadas pela mão divina, pois para esses “...existe Deus, existe Alma, e, como consequencia natural, tudo se relaciona com estas duas idéas...”

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Os grupos católicos de maior representatividade no estado são os que fazem parte da Ação Católica Brasileira (ACB), com essa também se posicionam os intelectuais católicos ligados ao Centro Dom Vital, situado no Rio de Janeiro, os membros da Ação Universitária Católica (AUC), da Ação Operária Católica (AOC), da Juventude Católica (JC) e outros grupos laicos apoiados pelos reformadores da Igreja no Estado.

O apoio desses grupos ao integralismo, por outro lado, levara setores protestantes da sociedade a reagir contra o integralismo, declarando-o uma “Ação Intrigalista Brasileira” que teria vindo para fazer renascer a inquisição. Segundo os protestantes, o integralismo atendia, e muito, aos fins pretendidos pela Igreja Católica. Em 1933, o Jornal O Escudo, de orientação protestante, e mais tarde, em 1934, o

169 - MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994. p.357 170 - SALGADO. Plínio. O que é o Integralismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Schmidt - Editor. 1937.p.37

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Jornal Evangélico do Recife - A Defesa expressam suas leituras dos discursos e propostas integralistas:

Não vou aqui analisar o integralismo sob o ponto de vista econômico, nem suas pretensões governamentais. Não. Também não encararei quanto à solução que pretende dar à debatida questões social. Analisa-lo-ei, unica e exclusivamente, em face da questão religiosa, problema que nos interessa sobremodo e que entra nas cogitações dos ‘senhores integrais’(...) Não apoiamos este movimento porque a sua implantação entre nós importará na extinção de nossa liberdade. (...) O sonho dourado da Igreja Católica é tornar-se a religião do Estado para ‘salvar o Brasil’ o integralismo faz-lhe a risonha promessa de torna-la oficial (...) . E então adeus liberdade! A Idade Média ressurgirá com ‘todo o esplendor de suas belezas’”.

171

A Revista Fronteiras é outro lugar de produção de sentindo dos discursos integralistas articulado na fronteira entre o político e o religioso. Em 1936, momento de auge da atuação e expansão do integralismo no Estado, esse periódico circulava as seguintes idéias de Plínio Salgado:

Todos os paises estão apprehensivos. Todos aquelles que acreditam em Deus, sentem que estão se approximando os tempos em que cada qual deverá tomar o seu logar na esquerda ou na direita. A esquerda é a violência, é o golpe cruel, é o assassinato frio, é o defloramento da massa, é o sangue organizado, é o massacre, é o incêndio, é a blasfêmia.

A direita é a união sagrada em torno da bandeira da Pátria, das tradições nacionais, é a virtude, é a castidade, é o heroísmo, é a religiosidade, é a delicadeza do sentimento, é o pudor individual e colletivo, é o sacrifício, é

171 - “O Integralismo e a Igreja Evangélica”. A Defesa. Recife, 11.10.1934.

Ano I n.º. 3.

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a honra de uma nação. Chamam-nos extremistas (...) somos extremistas em nosso amor a Deus. Somos extremistas no culto das virtudes.

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Em janeiro de 1936, o jornal A Marcha, sob a direção de Everardo A. Maciel, na cidade de Pesqueira, se dedicava a publicar notas do pensamento religioso e da família que compunham os discursos integralistas, pelas quais se pode reforçar a verificação do investimento da AIB nestes campos:

Si é verdade que a creatura humana se move, pelo seu livre-arbitrio, porém Deus conduz a sociedade, os povos, nos seus livramentos geraes, que importa tenha a nossa Patria por castigo sobre os mãos, de passar atravez de desgraças imprevisiveis? Agora, como amanhã, temos cumprido o nosso dever, somos a dignidade da Nação. (...) por toda imensa carta geografia da Patria, anda hoje um balbucio de preces que elevam a Deus, para que Ele vos guarde e vos inspire.

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Essa “Nação protegida por Deus” seria, então, um pressuposto importante para o bem das famílias: “A gente desse Brazil, que sofre com o mundo, sofre com a revolução integralista, vae afirmar os direitos da família”.

174

Esse tipo de propaganda integralista alcançou grande sucesso nos meios católicos e entre as classes tradicionais da sociedade. Desta forma, o ideal católico presente no discurso integralista foi particularmente influente na intelectualidade católica, na qual a proposta integralista foi bem aceita. Pela revista A Ordem, alguns intelectuais católicos defendiam que, “é inútil tentarmos influir no governo do paiz, christianizando a nação e o Estado, sem possuirmos uma elite realmente adextrada que esteja em condições de por em

172 “Plínio Salgado”. Fronteiras. Recife, agosto de 1936. p. 16. Arquivos da Cúria Metropolitana do Recife. 173 SALGADO, P. “Perante Deus e Perante a Patria”. In: A Marcha. (Jornal

integralista de divulgação da AIB na cidade de Pesqueira). Pesqueira, 22 de janeiro de 1936. p.3. Recife: APEJE. 174 Ibid.

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movimento as grandes massas eleitoraes, em torno de nossas idéias constructoras.”

175

Tanto entre os integralistas, quanto nos meios católicos temos a imbricação dos discursos anticomunista e antiliberal revelando a interdiscursividade, que marcava o efeito de sentido dos discursos integralistas entre os católicos. Expressando a união das idéias defendidas por ambos, em 23 de maio de 1934, A Tribuna Religiosa, jornal que posteriormente mudou seu nome para A Tribuna, publicou o seguinte: “Ação Integralista Brasileira inscreveu como princípios fundamentais da sua doutrina de conceitos eternos de Deus, como governante supremo do destino dos povos, de Pátria, realidade natural e imperecível que as teorias internacionalistas do judeu Marx e de seus sucessores não conseguiram nem conseguirão destruir jamais.”

176

Além desse discurso imbricado entre o político e religioso, é importante destacar a figura de Plínio Salgado que aqui em Pernambuco será reproduzida como um intelectual carismático cuja ação literária ultrapassa o campo das reflexões e vai passa a se dedicar ao campo das ações políticas. Costa Porto colocou em palavras precisas a imagem que se tinha de Plínio Salgado no campo da literatura e sua projeção nacional:

A figura de Plínio Salgado avulta com o brilho inconfundivel dos valores reais (...) seu nome é quase um simbolo e o observador criterioso dos nossos problemas não pode contempla-lo, com desdém que em nós provoca o espetáculo cotidiano dos nulos. (...) O literato do Brasil (...) era bem o retrato do Brasil.

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Para os simpáticos do integralismo no Estado, Plínio Salgado, além de grande literário e nacionalista da década de 20 e 30, foi um homem de família altamente religiosa, criado sob rígidos valores moraes, que tinham definido sua personalidade. A questão da confiança na moral, na palavra dada era um costume da época que pesava na avaliação dos indivíduos. Segundo os depoimentos, Plínio Salgado destacava-se diante de outros líderes políticos porque era

175 “Dever Cultural”. A Ordem. Recife, abril de 1932. nº. 26. Recife: APEJE; Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Olinda e Recife. 176 A Tribuna Religiosa. Recife, 23 de maio de 1934. APEJE.

177 - PORTO, José da Costa. “Um Chefe - Plínio Salgado na literatura brasileira”. Ação - Quinzenário de Propaganda Integralista. Recife, 30.09.1934. p.4 - APEJE.

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considerado: “...um homem de Vergonha, de Palavra e de Fibra (...) sentiamos que podíamos confiar nele...”.

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Para os integralistas, Plínio Salgado tinha respeito aos valores nacionais, morais e religiosos, e os defendia muito bem dentro da trilogia do movimento: “Deus, Pátria e Família”. Por isso, tudo o que fizesse ou dissesse seriam sempre considerados como verdades, especialmente dentro do contexto de descrença política do pós-30. Naquele momento, muitos acreditaram que o autoritarismo que permeava o discurso do movimento e do Chefe Nacional, era absolutamente necessário para organizar a vida política do país, que a “Revolução” de 1930 não havia conseguido resolver. Afinal, as classes pareciam agitadas e em conflito com os líderes revolucionários, as oligarquias continuavam atuando em seus domínios, ameaçando voltar ao poder nas próximas eleições e o comunismo ameaçava tomar conta da situação.

Neste momento de descrédito nos partidos políticos, Plínio Salgado e o integralismo significavam uma esperança de moralização do campo político. Significava uma esperança de mudança sem ameaçar o sistema, um novo dentro do velho, que resguardava todos os valores ameaçados:

...o país naquele momento precisava de caráter, de dignidade, de moral, e era justamente o que o partido apresentava: Deus, Pátria e Família. O indivíduo crê em Deus, trabalhar pela Pátria e pela sua família. Resultado, com isso ingressou quase totalmente toda a classe alta, a sociedade de modo geral aceitou (...) foi uma filosofia para o povo brasileiro ...

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Com esta imagem e discursos, Plínio Salgado e a Ação Integralista Brasileira projetaram-se com grande impacto na sociedade pernambucana desde a cidade do Recife às cidades do interior do Estado onde passou a implantar núcleos que obedeciam as diretrizes da organização burocrática do movimento. A disciplina e militarização do movimento eram apresentadas como os pontos fundamentais da seriedade do movimento e um modelo do que seria o Estado Integral.

178 - SARAIVA, J. Entrevista sobre o Integralismo em Pernambuco. Cabo,

novembro de 1994. 179 - BRANCO, J.F. C. Entrevista sobre o Integralismo em Pernambuco. Recife, 07.01.1994.

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Por outro lado, se em Pernambuco o movimento foi recepcionado entre intelectuais católicos, não podemos deixar de fazer referências às famílias católicas e tradicionais do Estado, de onde saiam os intelectuais da Faculdade de Direito do Recife. O apoio do chefe de família era fundamental para o sucesso do integralismo no Estado. Sendo esse integralista todo o resto da família aderia, principalmente as mulheres e crianças que faziam parte da ala feminina e dos plinianos do movimento no Estado.

Devido a essa questão, na “Província de Pernambuco”, como era chamado o Estado de Pernambuco pelos integralistas, a burocracia e autoritarismo do movimento atuaram sob condições locais bastante complexas. Especialmente nas cidades do interior do Estado, onde o mandonismo local ainda era muito forte. No interior do Estado, a atuação e expansão do movimento ficavam, então, condicionadas ao apoio dos chefes locais. Em certos casos, para que os núcleos fossem instalados e funcionassem com sucesso os integralistas precisavam do aval das grandes famílias locais. Este fato levou o integralismo a funcionar sob normas menos rígidas nos núcleos das cidades pequenas do que em outros núcleos instalados no Recife. Uma vez que, implantar todas as normas rígidas do movimento sobre os membros de certas cidades significava arriscar-se a perder os poucos adeptos que havia conseguido.

Para os lideres do integralismo, isto não significava que o movimento tivesse perdido seu sentido doutrinário de formar a nação integral acima das forças particulares. Alguns chefes integralistas diziam nas reuniões, que se tratava de “ceder aqui para que o movimento cresça ali.” Tratava-se de adotar certas estratégias políticas, para enfrentar as dificuldades locais. Visto que, nestas cidades as condições não eram tão favoráveis quanto no Recife, onde o integralismo conseguiu instalar núcleos com o apoio dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife, comerciantes e outros profissionais liberais, que tinham certa independência econômica e política.

No interior do Estado, as dificuldades para se instalar um núcleo eram bem maiores. Em grande parte das cidades, onde foram instalados núcleos integralistas, a quantidade de adeptos era pequena em relação aos núcleos da Capital, porque muitos temiam envolver-se num projeto político que não tivesse o apoio do poder local, especialmente entre os economicamente dependentes. Nesses núcleos houve casos de desobediência tolerada.

Muitas vezes, os departamentos e secretarias responsáveis por determinada função enviavam ordens do Chefe Provincial para os chefes municipais, e estes para os distritais, que não eram cumpridas,

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não resultando, como era de se esperar pelos deveres dos integralistas, na eliminação dos membros desobedientes, conforme dita o Estatuto da Ação Integralista Brasileira. Entendemos que, diante das dificuldades locais e para não perder os poucos elementos conseguidos, os chefes integralistas eram obrigados a adotar posturas “flexíveis”. Entretanto, quando os proprietários locais apoiavam, recusavam-se a vestir a “camisa-verde” e a inscrever-se na AIB-PE para não se comprometer com outros acordos políticos locais.

Contudo isto não impedia que o integralismo recebesse os donativos oferecidos, como se pode ver pelos documentos da AIB-PE: “Exmo.Sr.Dr. Belmiro Corrêa de Araujo. Donativo: Em nome da Ação Integralista Brasileira (...) venho agradecer a V.Excia o donativo de 500$000 (quinhentos mil reis) feito ao nosso movimento por intermédio do nosso companheiro Dr. Francisco Lopes Filho, Chefe Provincial de Pernambuco...”

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É importante destacar que, essa também era uma postura contraria às normas do Estatuto da Ação Integralista Brasileira, que determina ser:

expressamente vedada à Ação Integralista Brasileira, quer no ambito Municipal, quer no Provincial, e, principalmente no Nacional, receber donativos cujo volume, por excessivo, venha criar compromissos moraes e diminuição da autoridade do chefe nacional ou dos chefes provinciais, ou municipais (...) A Ação Integralista Brasileira manter-se-á pela contribuição de todos os integralistas.

181 (o grifo é nosso)

A AIB em Pernambuco recebeu outros auxílios de proprietários locais que não eram inscritos na organização integralista. Alguns proprietários que simpatizavam com o movimento emprestavam caminhões para levar os integralistas do local para desfiles e comícios no Recife. O apoio destes proprietários locais era muito importante para o sucesso e expansão do movimento em determinadas cidades do interior.

180 - “Donativos”- Secretaria Provincial de Finanças. Prontuário Funcional n.º 4938 - DOPS. 181 - “Da vida economico-financeira da Ação Integralista Brasileira” Estatuto da Ação Integralista Brasileira. Jornal Ação 14.10.1934 - APEJE.

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Como se pode daí aferir, esse tipo de apoio significava ajuda financeira e material para o funcionamento do núcleo, além de garantir novas adesões entre membros de sua família, amigos, trabalhadores e agregados. Vinculada a essas questões, estava a adesão dos trabalhadores nas cidades do interior. Devido à sua situação de dependência, eles podiam até simpatizar com o integralismo, mas sua adesão estava ligada à simpatia ou adesão do seu patrão. Segundo depoimento do Sr. José Antonio Mello, líder integralista em Bezerro, foram poucos os trabalhadores rurais que aderiram à AIB-PE:

Além de simpatizar com as idéias do movimento o cabra tinha que ter coragem para enfrentar o chefe local. Poucos se atreviam. Eu tive sorte, porque minha familia era muito respeitada aqui e ninguém se atrevia a bulir com a gente. Os investigadores do delegado ficavam olhando a gente de longe. Outras familias aderiram porque meu pai apoiou (...) eramos agricultores da região e tinhamos parentes na prefeitura local (...) Tinhamos muita esperança no movimento. Eu entrei somente porque queria uma nova organização política para o Brasil e pela religiosidade do movimento, alguns empregados do campo também aderiram, participavam sem ninguém obrigar. Muitas vezes, cooperavam até vendendo galinhas para participar das conferencias do Recife. Tinhamos muita esperança no movimento (...) foi um grande sonho, eramos muito jovens e sonhadores. Faltou apoio do povo e do exército.

182

Nestas cidades, o integralismo chamou a atenção com suas “caravanas” e desfiles, onde os indivíduos apresentavam-se com uma postura do tipo militar: fardados, marchando e cantando o Hino Nacional. Entretanto, este fato não muda o temor que tinham de ingressar numa organização do tipo do integralismo, que enfrentava o regime e o governo instituído. Como nos disse o Sr. Mello, “movimento quanto maior, mais cautela havia...”. O povo tinha vontade de

182 - MELLO, José Antonio A. Entrevista sobre o Integralismo em Pernambuco. Bezerro, 14.10.1995.

106

participar, mas também tinham medo das conseqüências políticas. Esperavam a decisão dos grandes, para depois se posicionarem.

183

De qualquer maneira, assim como nas cidades grandes, foi o discurso católico e, principalmente, o discurso comunista os mais repetidos e que produziam sentido nessas cidades e entre essas famílias. Pelos documentos da AIB que circulavam nas cidades do interior do Estado destaca-se com grande repetição o ateísmo do comunismo como um dos males que assolava a sociedade, sendo a ameaça sobre a propriedade privada a segunda queixa.

A sociedade pernambucana se caracteriza, então, como um lugar de produção de sentido dos discursos integralistas por uma série de fatores internos, alguns dos quais não foram citados aqui. De modo geral, a conjuntura externa é muito pouco citada entre os documentos de Pernambuco, sendo muito mais repetido o avanço comunista e a desordem da sociedade brasileira após a “revolução de 1930”.

Fala-se muito em anarquia, desordem e ameaça das tradições do que em Hitler e Mussolini. Esses eram mais comentados pelos intelectuais que mantinham contato com o contexto externo. Também suas famílias dependiam de seus informes em épocas de férias e visitas desses intelectuais. O que se percebe é que nas cidades do interior do Estado de Pernambuco os meios de comunicação eram muito precários e os jornais não circulavam entre a população, ficando essa mais alheia ao que se passava na Europa.

O governo e os lideres locais integralistas se dedicavam a propagar no Estado muito mais a desordem espiritual, a ameaça às raízes cristãs e ao avanço do comunismo como conseqüência da crise liberal do que idéias fascistas de um partido de massa aos moldes italiano e alemão. Assim, entendemos que o anticomunismo e o antiliberalismo em favor da preservação dos valores católicos e da estrutura famílias, que o lema “Deus, Pátria e Família”, constituem a base de atuação e expansão do integralismo no Estado de Pernambuco.

183 - Ibid.

107

5. O LEGIONÁRIO INTEGRALISTA: um novo homem para uma nova era

Raimundo Barroso Cordeiro Júnior (UFPB)184

A historiografia brasileira, em suas diversas abordagens, identifica na década de 1920 a eclosão das condições históricas e intelectuais que dariam origem aos confrontos político-ideológicos das décadas seguintes, culminando com a “revolução de 1930”. Esse período é apresentado como o cenário da emergência de correntes de pensamento político, social e estético, propondo formas novas de enfrentamento das temáticas da “velha ordem aristocrática”. A ação política vai estabelecer a tonalidade da colorida efervescência daqueles anos, permitindo que se constitua um imaginário revolucionário nas gerações que vivenciaram aquele momento de voluntarismo e engajamento na questão nacional.

A mentalidade revolucionária inspira-se no aspecto fáustico, criador, carismático, esteticista, do Romantismo. Sua tradução no plano político é invariavelmente voluntarista, mobilizante quer na deificação fichteana da Nação e do Estado, quer em sua forma anarquista, quer, finalmente, no mito soreliano.

185

Os temas da identidade nacional e da realização histórica da Nação se apresentaram à juventude como chamamento à realização da tarefa de salvar o Brasil do arcaísmo social, econômico e político. Modernizar significava, pois, redimensionar os critérios políticos de acesso, conquista e permanência no poder, possibilitando o surgimento de um número considerável de projetos políticos reformadores.

Nas primeiras décadas do século XX, parte da juventude das grandes cidades brasileiras deixou transbordar suas expectativas político-reformistas, para além dos limites do circuito fechado das

184 Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba. 185 LAMOUNIER, Bolivar de. « Um pensamento Político Autoritário na Primeira República. Uma Interpretação ». In : FAUSTO, Boris (org.) Historia Geral da Civilização Brasileira III. Brasil Repúblicano. Sociedade e Instituição (1889-1930). Tomo III, 2º volume, 3

a. edição. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.

362.

108

sociedades culturais, agremiações literárias ou simplesmente confrarias boêmias, atingindo uma amplitude significativa no seio da sociedade.

Esse novo universo social se constitui na mesma dinâmica em que seus membros se fazem como sujeitos de uma nova cultura política

186. Daí surgirão os movimentos políticos que definirão a

intensidade das mudanças, a exemplo do Partido Comunista como novo elemento no interior das lutas pela organização e mobilização do operariado. Antes dirigidos hegemonicamente pelo anarquismo, os trabalhadores urbanos assalariados encontrarão no Partido Comunista uma opção a mais para mediar os conflitos com os patrões.

O nacionalismo é o principal mediador e o elo comum entre os projetos que se rivalizam nos anos 1930. Dessa forma, nas décadas iniciais do século XX, foram arregimentados os pensadores militantes que se confraternizavam em torno da busca das raízes da nacionalidade, mesmo que os objetivos fossem diversos e opostos (democracia liberal, ditadura do proletariado etc.), aproximavam-se em torno da noção de realidade nacional para dela tirar os ensinamentos emancipatórios da Nação. O nacionalismo virou regra geral para o ativismo das novas gerações preocupadas com a reconstrução do país.

Durante algum tempo, o ativismo foi proporcional à incerteza sobre a verdadeira orientação do governo provisório. Ele se apodera dos participantes da Revolução: tenentes, líderes políticos, chefes locais. Foi a hora das legiões revolucionárias em São Paulo, Minas Gerais, Ceará e outros locais, sob a direção de tenentes onde doutrinários como Francisco Campos; do Clube 3 de Outubro, pedra de toque de outros clubes pelo quais os tenentes desejavam conquistar a opinião pública e acertar suas próprias divergências; hora de conflitos entre os políticos tradicionais e os novatos, cuja profundidade foi atestada pela Revolução paulista de 1932. O ativismo conquistou

186 Segundo Sani, devemos entender por cultura política o conjunto de atitudes, normas, crenças partilhadas por membros de uma sociedade, tendo como objeto fenômenos políticos. Compõem a cultura política o conhecimento, as tendências, as normas, a linguagem e os símbolos políticos que atuam sobre as instituições e definem as práticas e as forças políticas de uma sociedade. Conf. SANI, Giacomo. “Cultura Política”. In: BOBBIO, Norberto, MATTTEUCCI, Nicola, PAQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11

a.

edição. Tradução de Carmen C. Varriale et al. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998, pp. 306-308.

109

também os intelectuais, de maior ou menor envergadura, católicos, reacionários ou revolucionários, que aderiram às legiões, fundaram centros, desencadearam movimentos e sonharam com a tomada do poder.

187

A ação militante da intelectualidade, muito freqüentemente adversária do exercício puramente político, posto que o entendia como caudatário da inoperância proposital dos parasitas do poder, do desvirtuamento moral em função do oportunismo e dissimulação dos políticos profissionais e da ignorância geral sobre o verdadeiro Brasil, passou, ao fim dos anos vinte, a enveredar pelos caminhos do engajamento partidário.

2- A Legião Cearense do Trabalho

É na esteira das discussões e expectativas desse contexto de ebulição de idéias, que surge a Legião Cearense do Trabalho (LCT), movimento político filiado ao pensamento catolicismo integral, criado pelo tenente Severino Sombra, antecessor da Ação Integralista Brasileira criada por Plínio Salgado, cuja militância se dirigia à organização e mobilização de trabalhadores.

A Legião Cearense do Trabalho, dado fundamental e particular da expansão direitista no Brasil. Enquanto as outras agremiações pretendem o apoio da pequena burguesia, a Legião Cearense do Trabalho consegue a adesão do operariado. ... sua direção e métodos assemelham-se aos dos movimentos fascistas fato que o aproxima logo a Plínio Salgado.

188

A entidade teve sua criação oficializada em 1931, após a “peregrinação” política de Severino Sombra, jovem tenente de orientação católica, formado no interior da Reação Católica e movimentos de recristianização,

189 até as associações de profissionais

187 PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil. Entre o Povo e a Nação. São Paulo: Ed. Ótica, 1990. p. 75.

188 CARONE, Edgard. A Segunda República. São Paulo: Difel, 1974. p. 295-296. 189 Segundo MONTENEGRO, a formação católica de Sombra baseou-se em Santo Tomás de Aquino, Bardieff e Bergson. Cf. MONTENEGRO, João Alfredo de Souza. O Integralismo no Ceará. Variações Ideológicas. Fortaleza. IOCE.

1986. p. 115.

110

existentes em Fortaleza.190

Dessa primeira iniciativa foram conquistadas as adesões de 11 associações de diversas profissões. Essas associações quase sempre possuíam uma estrutura ainda ligada à tradição do mutualismo e do assistencialismo, representando os interesses de elementos ligados ao trabalho assalariado e autônomo no Ceará, congregando cerca de 9 mil associados.

Muitas destas associações eram de natureza beneficente, incluindo dezenas de “Círculos Operários e Trabalhadores Católicos”. As categorias profissionais que pertenciam ao elenco de sociedades inscritas na Legião eram, entre outras, as seguintes: tecelões, bombeiros, trabalhadores portuários e gráficos, empregados da Light, automobilistas, ambulantes, padeiros, empregados em hotéis e cafés, engraxates, carpinteiros, alfaiates, sapateiros, lavadeiras e pedreiros. 191

A opção pelos trabalhadores revela a importância atribuída ao trabalho pela LCT, considerado como elemento mediador das novas relações sociais que serão instauradas na nova era. Através da valorização do trabalho é possível construir o mundo ético ideal, enaltecendo a fraternidade acima das desigualdades acidentais. Da mesma forma, a influência do pensamento tenentista sobre a doutrina legionária reproduzirá uma atitude de voluntarismo e bravura em face da causa da salvação do país e à construção da Nação.

Apesar do conservadorismo evidente do movimento legionário, a sua prática sindical demarcou pontualmente bandeiras políticas aparentemente “avançadas” para a época. O discurso legionário valoriza a necessidade de um instrumento de coerção social exterior ao indivíduo, a partir de uma pauta de reivindicações que inclui bandeiras tais como co-gestão e divisão de lucros nas fábricas.

Ao incorporar o operariado à sua doutrina, a LCT o define como elemento de propagação da possibilidade efetiva de construção de uma sociedade regida pela colaboração universal. Demonstrar às outras classes a exeqüibilidade deste projeto através da apresentação do operariado cearense “docilizado” e coeso, passa a ser então a estratégia política de reconhecimento social da direção legionária.

190 Os fundadores da Legião Cearense do Trabalho aproveitaram os espólios políticos da Aliança das Classes Trabalhistas e da União Operária Cearense, ambas inativas no início dos anos 1930. Ver : O Legionário, junho de 1933. p. 2-3. 191 PONTE, Sebastião Rogério Barros da. “Tenente e Operários: A Legião Cearense do Trabalho. (1930-1937)”. Fortaleza: NUDOC - Universidade Federal da Ceará, 1990, (mimeo.) p. 5.

111

Entretanto, nem sempre recebeu das classes proprietárias a compreensão e o apóio que esperavam pelo esforço de organização dos trabalhadores em torno da política de colaboração entre as classes.

Envolta num indifferentismo criminoso e de uma ingratidão lastimável, não reconhece a burguesia, a sinceridade e o desprendimento de como agimos, procurando reunir as classes trabalhadoras e orientá-las num sentido de ordem, sem nenhum interesse individual (grifo d'O Legionário) tendo em vista, apenas o bem social, quando ella é que seria a grande prejudicada na victoria do communismo, e permanece hostil ao nosso movimento dizendo-se paradoxalmente, anti-communista.

192

A centralidade do trabalho no discurso legionário tem seus vínculos com a origem católica do movimento, por conseguinte, os “humilhados”, os “injustiçados”, são pegos de empréstimo à causa da LCT como exemplo de boa vontade. Mesmo em condições sociais adversas o homem pobre demonstra, por intermédio de sua humildade e aquiescência à ordem natural das coisas, sua superior altivez ao ensinar aos “acidentalmente diferentes” o caminho para a harmonia universal.

A forma como a intelectualidade legionária pensa o trabalho e projeta o trabalhador procuram se diferençar substancialmente dos demais ideários políticos do período, enfatizando os seus aspectos ideológicos orientados pelo humanismo cristão. Este elemento concederia ao ideal legionário a autoridade e reconhecimento por parte daqueles que ansiavam por uma alternativa sociopolítica para a sociedade brasileira.

O trabalho é «pessoal e necessário». O homem realizando-o deixa-lhe uma marca humana. Executando uma obra o homem põe nella sua própria pessoa. E elle a faz, elle trabalha para manter a sua vida e a de sua família com a dignidade que lhe exige sua condição de ser racional e livre. Assim, em sua causalidade como em sua finalidade, o

192 O LEGIONÁRIO, 18 de maio de 1933. p. 02.

112

trabalho está impregnado da pessoa humana, do seu valor moral e não pode, portanto, ser tratado como uma simples mercadoria. A obra realizada é uma obra coletiva do operario e do patrão que o dirigiu e forneceu-lhe o material necessário. E a associação entre os dois não pode ser regulada por um contrato tendo em vista apenas a produção, o aspecto material da participação. Esse contrato visa uma associação humana, uma união de homens livres, com consciência moral e dignidade fundamental idênticas e não simplesmente a coisa fabricada, o bruto, o material.

193

Assim, patrão e operário gozam do prazer de ver seus esforços serem consagrados no surgimento do produto. A positividade do trabalho humano destrói as desigualdades acidentais entre os homens, quando transformado na ação que religa os homens e os liberta das ingerências imprevisíveis do mundo natural Ao mesmo tempo ressalta a infinita superioridade daqueles que se irmanam por ocasião do manifesto supremo de sua humanidade.

O projeto de valorização do trabalho e do trabalhador, enunciado fundante do ideário da LCT, tem o objetivo de despolitizar a Questão Social, simplificada na sua suposta natureza ética, cuja exeqüibilidade somente é possível pela aceitação inconteste do princípio regulador do Estado e do intelectual tecnocrata. A militância responsável para novos comportamentos sociais, estabelece o paradigma da colaboração e submissão política e técnica dos trabalhadores frente à intelectualidade vaticinada para comandá-los.

A relevância dada pelo legionarismo ao Estado, considerado como o elo integrador do social, expressa sua essência autoritária, ao passo que manifesta seu pessimismo em relação à natureza humana. Sendo o homem originalmente inclinado para cometer ações maléficas à existência coletiva, a LCT propõe que um elemento exterior - o Estado - controle a dinâmica das relações entre pessoas.

Por intermédio do estabelecimento de um rigoroso quadro ético-comportamental, o Estado corporativista se transforma, pois, no sujeito instituinte de uma socialidade de tipo novo. O Estado é a fonte e

193 SOMBRA, Severino. O Ideal Legionário. Fortaleza: Edição da Legião Cearense do Trabalho, 1932. p. 10.

113

repassador de orientações éticas para o bom viver em sociedade e sua autoridade não pode, em hipótese alguma, ser agredida por nenhum cidadão ou instituição da sociedade civil.

A “Legião Cearense do Trabalho” foi mais uma das várias entidades que surgiram inspiradas pela vontade de redefinir os rumos da vida política nacional. Sua finalidade explícita era mobilizar e organizar os trabalhadores do Ceará, e posteriormente do Brasil, contra os “excessos e injustiças do capital”, através da implantação de um Estado forte e centralizado. “Definindo-se como antiliberal e anticomunista, a LCT pretendia organizar e educar o operariado cearense na defesa do trabalho contra os excessos do capital, mas sem recorrer à luta de classes, conceito que abominavam”.

194

3. A Legião Brasileira do Trabalho

Passados os primeiros embates, aqueles que fariam da LCT e de seu chefe notícia política constante, conseqüência da velocidade com que se arregimentavam suas forças, Severino Sombra vai amadurecendo a idéia de transformá-la em um organismo classista de dimensões nacionais. A Legião Brasileira do Trabalho (LBT) seria a vitoriosa expansão do ideal Legionário por todos os estados do país.

Nos planos traçados para a deflagração da LBT, os principais aliados seriam Olbiano de Melo em Minas Gerais e Leão Sobrinho no Rio Grande do Sul, dirigentes de movimentos semelhantes a LCT. Entretanto, Sombra buscava, principalmente, o apoio de São Paulo por sua importância no cenário político nacional. Encontrar em São Paulo um aliado que acolhesse a proposta de se tornar o representante do movimento legionário nascido no Ceará, passa a ser o propósito quase exclusivo do chefe da Legião. Tristão de Athayde será o primeiro contatado para assumir esse compromisso. Para decepção do dirigente legionário, Tristão de Athayde recusa o convite, indicando o nome de Plínio Salgado.

Durante o primeiro semestre do ano de 1932, mantiveram correspondência Salgado e Sombra, com o intuito de dar prosseguimento ao projeto. Contudo, em julho de 1932, tendo iniciada a revolução constitucionalista de São Paulo, ficaram impedidos de realizar o encontro que certamente selaria a fundação da LBT, nos moldes da pregação do “Manifesto ao Operariado Brasileiro” de 1º de maio de 1932:

194 PONTE, Sebastião R. B. Da. op.cit. p. 1.

114

Ouvi sua palavra, operários do Brasil, e formae nos Estados, outras Legiões, para que, em breve, a Legião Brasileira do Trabalho seja a grande organização victoriosas dos elementos trabalhadores, marchando para o Futuro [sic], dentro da ordem, reivindicando justiça e offerecendo à Pátria sua collaboração honesta e imprescindível. Operários, avante, pelo trabalho, pelo Brasil, pela sociedade.

195

Ao chegar em São Paulo no momento da eclosão da revolução constitucionalista, Severino Sombra vai sofrer a primeira e definitiva derrota política. Avaliando que os revoltosos paulistas pudessem sair vitoriosos do confronto com o governo Vargas - isto é destituí-lo do cargo e de poder - o tenente Sombra passou a apóia-los incondicionalmente. Era certamente a oportunidade de manifestar sua oposição ao liberalismo da Revolução de 30 e especificamente a Vargas, cujas propostas de política sindical atentavam explicitamente contra o modelo organizativo legionário. Voltando ao Ceará com a finalidade de compor uma unidade político-militar de apoio aos constitucionalistas, sua prisão fora decretada pelo Presidente, que, mesmo antes de chegar a Fortaleza, foi confirmada ao desembarcar no porto, lugar de onde partiria por um tempo de exílio forçado em Portugal.

196.

Com a expulsão do líder fundador da LCT, processou-se imediatamente sua substituição, subindo ao poder o também tenente Jeovah Mota. Esta nova fase representa o período da aproximação dos legionários com o recém-criado Movimento Integralista, oficializado na sigla Ação Integralista Brasileira (AIB). Seu fundador fora aquele mesmo que se comprometera com Sombra na construção da LBT. Plínio Salgado divulgou seu manifesto no mesmo ano da revolução constitucionalista (1932), vindo a presenciar em pouco tempo ampla repercussão dos ideais integralistas.

A partir dessa campanha de consolidação do Integralismo, a LCT, sob o novo comando, realizará o pacto de adesão aos princípios de Salgado, ressaltando sua independência política, doutrinária e institucional. Portanto, a decisão de se aliar ao contingente político da AIB, passou a ser de natureza individual. Isto significa que cada

195 SOMBRA, S. in: O Legionário, 10 de maio de 1932. p. 01. 196 Severino Sombra permaneceu exilado em Portugal até o início do ano de 1934.

115

legionário, se assim desejasse, teria a ampla liberdade de unir-se aos membros da doutrina do sigma.

No entanto, a maioria dos associados da LCT, confirmou sua participação nas hostes do Integralismo, revezando na medida das circunstâncias e solenidades as camisas, ora cáqui ora verde-oliva, o que representa uma demonstração notória de empatia com o credo político de Plínio Salgado.

O legionário pode vestir indifferentemente, a blusa mescla do Trabalho dignificante e dignificado, ou a camiza verde oliva da mocidade pensante e laboriosa, patriótica e sadia, agrupada sob o estandarte do Integralismo. (...) No Ceará, o Integralismo está organizado e representado pela Legião Cearense do Trabalho! Os operários desta província são soldados fiéis e disciplinados da Legião Integralista.

197

A aproximação entre as duas tendências reflete um grau de reciprocidade e parentesco de ideário. Princípios como corporativismo, Estado forte, centralização política etc., estiveram sempre em alta cotação no corolário doutrinário do legionarismo e do Integralismo. Apesar das evidências manifestas no acordo de “cooperação mútua”, fato que merece relevância, é o que se apresenta como perspectiva de autonomia da LCT, permitindo-se, pois, vislumbrar pontos de dissenso, cujo sentido aponte para um mais profundo conservadorismo político de uma das partes acordantes.

O retorno de Severino Sombra ao Brasil não significou a retomada dos trabalhos e a direção legionária. O seu substituto, Chefe Jeovah Mota, consolidou-se no cargo conquistando o apoio e a simpatia dos comandados. Mesmo porque o antigo líder rompera com a LCT e sua nova chefia antes mesmo de findar o seu período de ostracismo

198. Assim, Severino Sombra o buscará a AIB, alimentado

pelo desejo de mudar aquela instituição pelas bases e a partir dela mesma. Apesar da articulação realizada em alguns simpatizantes, a tentativa de dividir com Plínio Salgado a liderança do movimento integralista e, posteriormente, a conquistar a chefia geral, frustrou-se no Congresso Integralista de Vitória naquele mesmo ano.

197 O LEGIONÁRIO, 12 de agosto de 1933, p. 1. 198 O rompimento foi motivado pela adesão de alguns legionários à Ação Integralista Brasileira.

116

O desempenho político da LCT em seguida será ofuscado, pelo menos no que diz respeito à divulgação por intermédio da imprensa, pela ascensão vertiginosa atingida pelo Integralismo. Efeitos previstos em função dos conflitos vividos no interior daquela agremiação, envolvendo os chamados sombristas e os simpatizantes de Jeovah Mota. O declínio certamente atinge não somente as personalidades que garantiram a existência efetiva da instituição, mas se verificou, inclusive, no poder de dirigir as massas legionárias.

Enquanto sombristas e legionários se hostilizavam - chegam a acontecer brigas de ruas e invasões de sede - a conjuntiva nacional de 1934-1935 atraiu o operariado ora para o trabalhismo varguista, ora para um sindicalismo mais autônomo e combativo (face ao crescimento das forças democráticas em torno da Aliança Nacional Libertadora, frente única que articulou comunistas, socialistas, liberais e antifascistas em 1935). No Ceará, por exemplo, emergiram novas organizações operárias como a Liga Operária Independente que combatia a dominação político-ideológica da LCT.

199

4. O Pensamento Católico Reformista

A LCT nasce das preocupações de jovens sobre o destino histórico do país, orientando sua militância política pelo movimento de recristianização da modernidade realizado pela Igreja Católica através do apostolado leigo. Esses moços antiliberais não apoiaram a Revolução de 1930 e, sempre que lhes foi conveniente, manifestaram sua oposição radical ao Governo de Vargas.

Em outubro de 1930 “quando triumphava a revolução, a revolução que prometteu muito para fazer pouco, as classes trabalhistas ficaram, mais uma vez na expectativa de melhores janeiros, janeiros que não fossem comparados aos quarenta da velha República que só miséria trouxe aos infortunados párias desse colosso de Brasil”.

200

199 PONTE, Sebastião R.D. da. op.cit . 1990, p. 8. 200 O LEGIONÁRIO, 11 de março de 1933. p. 03.

117

A LCT representa um momento importante na história dos movimentos sociopolíticos nacionais. Seu projeto de sociedade integral, montada sobre normas e preceitos católicos, apresenta-se como a alternativa política para o liberalismo e o socialismo. O envolvimento da LCT com a Igreja católica é determinante, inclusive para viabilizar sua fundação que se efetivou através do consentimento das autoridades eclesiásticas locais.

Os quadros legionários são representantes de uma formação política oriunda da experiência da juventude católica, elaborando um discurso que é a expressão organizada da Ação Católica. Dessa maneira, o pensamento legionário realiza a proposta para o apostolado leigo, inserindo-se nos planos de atuação da Igreja sobre a problemática do mundo moderno industrial.

Nas democracias modernas vemos a «hipertrofia do poder político, o repúdio do poder espiritual e a anarchia do poder econômico». Democracias individualistas, burguesas e materialistas que marcham para o suicídio. (...) Lutar por esta humanidade jogada pelas tempestades que ella mesma semeou ao longo da história, desde o apontar da auto-affirmação individualista da Renascença até o repugnante technicalismo capitalista americano. Lutar para salvá-la da conseqüência última de todos os seus erros - do comunismo catastróphico e aniquillador.

201

A Igreja Católica apresentou suas críticas à modernidade, expondo as causas da desorganização social instaurada pelo capitalismo da Revolução Industrial e sua repercussão nos diversos aspectos da existência humana, ressaltando o processo de abandono da esfera religiosa invadida pelo laicismo materialista, denotando o desapego moderno às coisas da espiritualidade.

As premissas da concepção integral do catolicismo se encontram na Syllabus de Pio X (1864), onde se recalca em termos explícitos a impossibilidade da Igreja de se reconciliar com a sociedade moderna, porquanto tal sociedade quer excluir a Igreja e a religião da vida pública. (...) Pio IX

201 SOMBRA, S. op. cit. 1932. p. 12.

118

mantivera-se na defensiva; Leão XIII retoma a iniciativa. É assim que se explicam as suas diversas intervenções, primeiro visando a restaurar nas escolas católicas uma rígida disciplina de pensamento com o retorno à tradição tomista, depois assentando as bases para novas relações entre a Igreja e o Estado e, finalmente, dando sobretudo a ordem social cristã um conteúdo consentâneo com os dados concretos do tempo.(...) Ela [«Rerum Novarum»] se tornou também o texto básico do catolicismo integral, que se revela, em conseqüência, intransigente, com acentuados aspectos sociais. Contra a burguesia e a sua revolução, que provocaram a desordem social, de onde se originará necessariamente o movimento socialista, a Igreja se apresenta como defensora do povo cristão, das categorias mais pobres e desafortunadas, esquecidas pela nova ordem burguesa.

202

Reorganizar a sociedade implica em redirecioná-la para o combate à degeneração moral e ética vivenciada na “Idade Moderna”. É reencaminhar os homens para os desígnios de seu destino glorioso, somente possível de ser reencontrado pela recuperação dos laços de fraternidade e harmonia universais, a partir de mecanismos da planificação estatal.

Desconfiança em relação ao funcionamento do capitalismo da época ou condenados por princípio de sua lógica, dúvida sobre a viabilidade do liberalismo político no Brasil ou antipatia doutrinária em relação às próprias premissas do liberalismo; temor inspirado pela multiplicação anárquica de interesses particulares ou pessimismo devido à desorganização do social: eis o que levou grande parte dos intelectuais a aderir a uma ideologia de Estado.

203

202 POULAT, Émile. “Integralismo”. In: BOBBIO, Norberto, MATTTEUCCI, Nicola, PAQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora

da Universidade de Brasília, 1998. p. 636.

203 PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil. Entre o Povo e a Nação. São Paulo: Ed. Ótica, 1990. p. 44-45.

119

O clima de guerra contra os desvios da humanidade é ressaltado na pregação aos jovens intelectuais católicos, na medida em que devem encarar sua missão histórico-espiritual como uma cruzada em favor da recuperação da pessoa humana. Os intelectuais devem se entender como “os bons e fortes” que se encarregam de reerguer os atingidos pela decadência civilizacional e corrigir “os maus e orientarem os transviados”.

Na teoria social cristã, portanto, o voluntarismo e o caráter intencional da conduta humana são enfatizados, bem como a capacidade dos agentes de escolher entre diferentes objetivos e projetos. Isso não exclui a análise e discussão de estruturas, mas significa que a teoria social cristã é, basicamente, uma teoria de ação.

204

Com a formação da sociedade católica se dará o cruzamento do destino político do pensamento legionário e os ensinamentos intercambiados pelos intelectuais do clero. Se o encontro desses jovens com os incansáveis peregrinos da Igreja conduziu parte da juventude cearense ao seio doutrinário do Integralismo, parece que há uma relevante colaboração daquela instituição religiosa na consolidação deste pensamento político.

O movimento católico organizado nessa época em torno do Centro Dom Vital, e que seria dirigido sucessivamente por Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, reduzir os intelectuais que sem dúvida, simpatizavam com um racionalismo deliberadamente reacionário. A partir de 1916, certos bispos esforçaram-se para arrancar a Igreja de seus costumes de submissão diante do Estado, enraizados durante o Império e mantidos depois, apesar da separação entre ambos estabelecida pela República. Quanto aos intelectuais-leitores de Joseph de Maistre, Charles Maurras, Henri Massis, Léon Bloy, Jacques Maritain e outros - sonhavam com a contra-revolução católica.

205

A partir de então, inicia-se um amplo processo de divulgação da palavra da hierarquia católica sobre as contradições do mundo moderno, ao mesmo tempo em que propõe um engajamento ao apostolado emancipador dos males liberados pelos tempos corrompidos. Os equívocos, as injustiças, a miséria espiritual a

204 MCHUGH, Francis P. “Teoria social cristã”. In: OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século XX.

Tradução de Eduardo Francisco Alves e Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1996. p. 160. 205 PÉCAUT, Daniel. op. cit. 1990, p. 27-28.

120

materialização das relações humanas, constituir-se-ão nos alvos da práxis

206 do catolicismo reformista, defendendo a idéia de retorno a um

universo existencial mantido e substantivado por fundamentos éticos.

É uma proposta que se lança acima da experiência democrático-liberal e do pensamento revolucionário e socialista, na medida em que esses programas prático-doutrinários são entendidos como elementos originários de uma matriz histórica, qual seja, a Revolução Francesa. Portanto, a compreensão é que liberalismo, democracia, socialismo e comunismo são momentos indistintos de uma só origem causal promotora do dissenso social.

Sobre as novas gerações, leigos, moços católicos, operários etc., recairão as responsabilidades de se transformarem em reformadores sociais, corrigindo os descaminhos históricos da modernidade e reconduzindo a sociedade à sua idade de ouro perdida e desprezada pelos excessos do materialismo.

Em uma palavra, a tarefa da juventude, agora transformada em quadros da Ação Católica, será a de libertar a humanidade dos males provocados pela indústria e pelo liberalismo. Esta militância em forma de apostolado, congregando leigos e clérigos, remonta à primeira metade do século XIX, quando se iniciaram movimentos católicos de oposição ao Estado liberal em defesa do direito da Igreja de definir e decidir sobre os modos de vida na sociedade moderna.

Segundo FERRARI (1998), a participação dos leigos nas atividades apostólicas da Igreja através do movimento católico, seja nomeada como Ação católica ou ação dos católicos, visava, para além da simples recondução daqueles que se afastaram da fé, por em prática um projeto integral de homem e sociedade, recriando um organismo social de acordo com os princípios da Igreja.

Na discussão sobre as matrizes intelectuais, políticas e doutrinárias da LCT, constata-se a presença indiscutível do pensamento reformista da Igreja Católica. A influência dessas idéias na formação intelectual legionária é evidente, desempenhando um grau de importância significativa na prática política de seus militantes. É nesse clima de arregimentação reformista que Severino Sombra encontra resposta positiva ao seu projeto de sociedade, modelada a partir do “Ideal Legionário”.

206 De acordo com Mchugh “a teoria social cristã pode ser encarada como práxis, no sentido aristotélico de um estudo da sociedade com um fim, a saber, o de facilitar o florescimento de uma vida boa e justa na polis”. Cf. MCHUGH, Francis P. op. cit. p. 160.

121

5. O legionário – um novo homem para uma nova era

Ao se apresentar como crítico do comunismo e do liberalismo por intermédio do ideário cristão reformista, o movimento político da LCT se distingue de outras experiências conservadoras de inclinação fascista no país. Convém ressaltar que o seu desempenho político não é dado somente por seu discurso de oposição aos agentes da “desordem social mundial”, mas, sobretudo, por suas características organizativas junto às massas trabalhadoras, com vistas a recristianização da sociedade.

A «Legião» organiza o operariado para que, protegido, educado e coheso, elle se torne um collaborador honesto e consciente das outras classes. (...) Nós precisamos sobretudo defender o trabalho. Defendê-lo do liberalismo econômico que, reconhecido ou ignorado, regula actualmente suas relações com o capital. Defendê-lo do communismo que, parecendo exaltá-lo, rebaixa-o a uma condição servil anti-humana.

207

Neste sentido, sua intervenção no mundo do trabalho dá-se com o intuito de “harmonizar” a realidade moderna industrial caracterizada pelos efeitos danosos do “machinismo”, do “tecnicalismo capitalista” e da “auto-affirmação individualista”, alimentando esperanças de retorno a um mundo ético abandonado, quando se viveu uma época resplandecente de paz e estabilidade social. Reconstituir esse passado remoto - a idade de ouro perdida - somente seria possível através de uma ação prático-política de convencimento das classes sobre a necessidade de uma nova ordem social eticamente sustentável.

Nós estamos vivendo uma extra-limitação da chamada Idade Moderna. Esta é dominada pelo individualismo e nós já não passamos sem o sindicalismo, o corporativismo. Vai longe o tempo em que Turgot podia dizer que a fonte de todo o mal era a faculdade de associar-se outorgada aos operários de uma mesma profissão. E quanto mais nos associamos, quanto mais fugimos ao signo

207 SOMBRA, Severino. op. cit. 1932. p. 09.

122

do individualismo, mais ultrapassamos as fronteiras na Idade Moderna e penetramos na Idade Nova que viverá sob o signo corporativista e orgânico, segundo tudo faz crer. Era em que a humanidade esteja menos asphixiada pelos vapores da machina e possa retomar o ritmo humano que perdeu em contato com os machinismos. Era que se estabeleça sobre um humanismo real, integral e não inhumano como o que criou a cultura moderna e conseqüentemente sua civilização. Era mais simples, menos artificial e em que predominam os valores moraes sobre os valores econômicos.Era que não alcançaremos mais, mas para o advento da qual empenharemos intelligencia, vontade, sangue, vida.

208

A especificidade do movimento se manifesta quando a ação política legionária se volta para o trabalhador e a partir deste sujeito coletivo inicia o caminho de retorno ao “mundo bom”. Enquanto o Integralismo de Plínio Salgado prezou por uma abordagem de raízes culturalistas e destinou sua mensagem para as chamadas classes médias urbanas, a LCT optou por eleger como parceiro-interlocutor os elementos das classes econômicas. Assim, a sua militância se desenvolve em meio a uma aparente contradição, qual seja, ao mesmo tempo em que elabora uma crítica aos efeitos da sociedade moderna sobre o homem, realiza um discurso apologético sobre a sociedade do trabalho.

Todo homem tem a obrigação precípua de trabalhar para ganhar o necessário à sua subsistência e a daquelles por quem é responsável. A lei universal do trabalho imposta pelo próprio Creador à humanidade há de ser cumprida até o fim dos tempos, como uma necessidade invencível Maldição para os que, negligentemente, não se querem submeter à lei do trabalho, e arrasta pelo mundo uma vida parasitária.

209

208 Ibid. p. 12-13. 209 O LEGIONÁRIO, 03 de feveriero de 1934. p. 01.

123

Para que se realize a promessa de um novo mundo, a LCT promoverá insistente reflexão sob a necessidade de preparar um novo homem para a nova era. Portanto, em nome da reabilitação da imagem original de sociedade orgânica e harmônica, o papel pedagógico da missão legionária excede as preocupações de natureza imediatista. Desta forma, é fundamental para os seus projetos estabelecer os mecanismos possibilitadores de uma visão de mundo operária ancorada no ideário da positividade do trabalho, da colaboração entre as classes e da re-espiritualização do homem.

O discurso legionário se apresenta como regime disciplinar, ao se projetar sobre o mundo de vida da coletividade ligada ao universo do trabalho, visando normatizar suas ações fora e dentro do lugar da produção. A catequese legionária manifesta sua fé na sociedade nova, solidária e produtiva, fundada sobre as bases da hierarquia (à semelhança da Igreja Católica), abastecida pela vigília perseverante que observa os princípios de um novo humanismo.

Para nós, para a formação das mentalidades futuras, para disciplina e consciência das massas operárias que amanhã teem de continuar, ou realizar a obra patriótica de reorganização nacional por que nos batemos actualmente, não há melhor caminho a seguir do que formar a alma da mocidade escolar; levar desde a escola primária o influxo dos ideaes, dos princípios que devem servir de base à formação mental do Brasil novo! As escolas legionárias e jocistas estão nesse caso. Sem instrucção será quase impossível realizar as aspirações operárias a completa reivindicação dos seus direitos.

210

A ênfase dada à educação dos trabalhadores aproxima o pensamento legionário da noção iluminista de emancipação por meio do esclarecimento, entretanto, sem aderir aos princípios políticos da Revolução Francesa. O projeto pedagógico da LCT será liderado pelo Padre Helder Câmara, mentor e organizador de um programa de educação operária - adultos e principalmente crianças - com a instalação de escolas inicialmente noturnas e, posteriormente, diurnas. As escolas legionárias funcionarão com professores voluntários, militantes legionários e integralistas. Helder Câmara conquistará

210 O LEGIONÁRIO, 08 de abril de 1933. p. 02.

124

notoriedade e respeito a partir da organização da Juventude Operária Católica - JOC.

O jocismo foi fundado em Fortaleza pelo tenente Severino Sombra, em setembro de 1931 (...) De setembro de 1931 a fevereiro de 1932, o jocismo realizou núcleos de divisões para a meninada pobre em todos os arrebaldes da cidade. Em 11 de fevereiro de 1932 o padre Helder Câmara, autorizado por S. Excia. o Sr. Arcebispo Metropolitano a abrir as escolas da JOC...

211

A recristianização da sociedade impunha não somente um esforço de condução da sociedade a uma convivência coletiva mediada pela espiritualidade, mas estabelecer mecanismos de manutenção da harmonia e de defesa dos valores fundamentais da pessoa humana. Como os operários são os interlocutores imediatos da ação ressocializadora da LCT, convinha iniciar essas tarefas para sua pronta conversão moral. Essa preocupação de natureza ética está definida no discurso legionário, ressaltando os aspectos sacralizantes da família e do trabalho.

Dessa forma, mudar o comportamento do homem pobre trabalhador, é estimulá-lo a acreditar no caráter sagrado da ordem social. Assim, prepondera no ideário da LCT corrigir os hábitos perversos próprios dos regimes liberais e do programa comunista. Inculcar no meio dos trabalhadores as noções de decência, dever, retidão e altruísmo, transforma-se na finalidade precípua do legionarismo, antes que sejam capturados inteiramente pelo superficialismo da sociedade industrial.

Portanto, legionários, detestaes o quanto possível o jogo, entregae-vos a vosso trabalho, seja qual for o vosso mister; depois o atributo do vosso trabalho - o salário - levae para casa, a fim de effectuar as despezas da subsistencia necessária à vossa família.

212

A superação dos males que impregnam a humanidade de “materialismo”, da perda da espiritualidade, do sensualismo do consumo, só se efetivará quando todos reconhecerem a essência corrompida do mundo moderno. Para tanto, é necessário indicar uma

211 O LEGIONÁRIO, 06 de maio de 193. p. 03. 212 O LEGIONÁRIO, 06 de novembro de 1933. p. 04.

125

alternativa de organização social que substitua o capitalismo e o comunismo. A terceira via se apresenta na proposta do corporativismo onde, segundo o entendimento dos intelectuais da LCT, seriam transpostas todas as barreiras históricas à solidariedade humana.

É para o movimento de recristianização que o legionário volta seu apostolado, agindo de maneira voluntarista e altruísta para a conquista da comunidade ideal. Dessa forma, expressa duas características ideológicas fundantes do seu ideário, quais sejam o tradicionalismo radical e o racionalismo católico.

O que o tradicionalismo mais radical não aceitava era a subjugação das consciências, dos valores sociais, pelo imediatismo das práticas empíricas, pelo utilitarismo que acabava anestesiando o sentido transcendental, da visão superior do homem e da sociedade. E revelando, neste ponto de vista o desconhecimento das virtualidades espirituais e éticas do cotidiano da técnica, do afã utilitário. (...) O racionalismo católico tendia, por conseguinte, a delimitar em campos opostos o espírito e a matéria, o transcendente e o imanente. Daí o sobrenaturalismo, o catolicismo desvinculado dos condicionamentos sócio-culturais determinando a incidência natural do moralismo, o aviltamento inconseqüente das ciências empíricas, da racionalidade social.

213

O discurso legionário defende um modelo de sociedade orgânica baseada em princípios ético-religiosos, opondo-se às expectativas contemporâneas de se transferir para a ciência o papel de orientadora das ações humanas. O pensamento legionário considera que o intelectualismo aprofunda as contradições da modernidade e aprofunda o distanciamento do homem em relação à unidade divina criadora, exacerbando a soberba do racionalismo e do antropocentrismo antiespiritualista.

A rejeição ao intelectualismo e à razão pressupõe a tese da livre manifestação do Espírito, quando a “intuição” assume um papel relevante na orientação do homem frente às evidências das realidades concretas. Assim, a LCT defende um mundo e uma vida social livres

213 MONTENEGRO, João Alfredo de Souza. op. cit. 1986. p. 61.

126

dos artificialismos produzidos pelo individualismo. Embora não se furte de imaginar a construção de vias que possibilitem o acesso dos trabalhadores ao poder, a finalidade dessa conquista está associada a um movimento de retorno do homem à vida comunitária.

214

Lutaremos contra a introdução das machinas. Lutaremos contra a mecanização cada vez mais intensa da vida. Repellimos o technicalismo monstruoso da civilização yankee e que a Russia communista quer imitar. Sonhamos com a volta a uma vida mais simples, mais humana (grifo nosso), através de uma sociedade que seja realmente um fim para o indivíduo e um meio para a pessôa desenvolver-se e attingir seu fim der ser racional e livre.

215

A palavra de ordem é estimular a união operária, posto que dela surgirão as condições de possibilidade de instaurar a nova era. Para isso seria preciso recusar frontalmente a estrutura partidária atomizadora dos homens. Neste sentido, a atitude negativa quanto aos partidos políticos corrobora a finalidade social do programa legionário, qual seja, o combate ao individualismo e a revalorização da pessoa.

De acordo com o pensamento legionário, a Idade Moderna e a Renascença promoveram o surgimento do indivíduo e provocaram o desaparecimento da pessoa como fundamento de todas coisas. O indivíduo, resultado deplorável do orgulho possessivo, da ambição desmedida, do egoísmo desenfreado, contraria os princípios da vida comunitária, exemplo de solidariedade verdadeira, onde as diferenças casuais são esquecidas pelo princípio moral promotor da “igualdade essencial entre o rico e o pobre, o patrão e o operário, o governante e o governado”.

216

214 Embora o conceito de comunidade seja “vago” e “evasivo”, segundo Shore, o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936), contemporâneo dos movimentos conservadores do início do século XX, elaborou uma explicação sobre as diferenças entre sociedade e comunidade, que pode sintetizar o sentimento de oposição às sociedades modernas. Cf. SHORE, Cris. “Comunidade”. In: OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Tradução de Eduardo Francisco Alves e Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1996, pp. 115-117. p. 115)

215 SOMBRA, S. op. cit. 1932. p. 19. 216 Ibid. p. 17.

127

Em conseqüência disso, a proposta cooperativista da vida em comunidade visa estabelecer relações no interior do ambiente de trabalho que permita fluir a “pessoa”, sufocada pelo individualismo. “Em seu aspecto cooperativista a «Legião» pretende criar um ambiente material menos grosseiro para o operário, sem as cores da miséria que o revertem tão commumente por meio de uma assistência carinhosa nas fábricas, nos lares e nas escolas”.

217

A partir de então, os operários se reconheceriam como elementos indispensáveis na conquista e manutenção da ordem universal instituída pela paz social, harmonia nos interesses díspares e colaboração entre as classes. No ideal legionário, o cooperativismo não possui nenhuma conotação de classe, ou algo que permita a radicalização de antagonismos sociais, ao contrário, é o fundamento de uma solidariedade instaurada no interior das diferenças sociais.

A nova era se libertaria da concorrência desleal propugnada pelo liberalismo econômico, subsidiado pelas leis da oferta e da procura, e recuperaria a economia no seu significado clássico de administração das necessidades da casa. Procedendo desta maneira, a LCT destitui a legitimidade e necessidades pressupostas nos fundamentos das práticas macro-econômicas ao sugerir uma economia de feições estritamente domésticas e familiares.

A crítica legionária às injunções econômicas da modernidade instaura-se na constatação da ausência de qualquer ética nas relações no seio do mercado. Aqui, prevaleceria a ambição, a falcatrua, a dissimulação; enquanto que na organização comunitária, a camaradagem, a troca desinteressada e o senso de justo preço preponderariam por sobre quaisquer conveniências particulares ou interesses escusos.

Se ao homem cabe se preocupar, especialmente, com as coisas do espírito, sua sustentação material é simplesmente um acidente enfadonho que marca sua condição biológica. Obstáculo que pode ser resolvido através da cooperação entre todos os envolvidos no trabalho produtivo, representando o trabalho necessário apenas para a sobrevivência orgânica, livre, pois, de concorrência ou ambição.

Enquanto um mantem os mais estreitos laços de amisades com os seus operários, o outro lamentavelmente deixa-se possuir dos sentimentos de hostilidades as mais descabidas para com os pobres (...) um

217 Ibid. p. 17.

128

transforma a sua fábrica num lugar saldável, onde trabalhar é um prazer, e collaborar com o patrão dando-lhe um rendimento máximo, é uma necessidade que todos sustam imperiosamente. E o outro (...) foz da fábrica um suplício, onde tudo é abafado e asphixiante, onde o trabalho tem o trono do fel (...) Na fábrica de um, a alegria, o prazer, a amisade desenvolvendo-se em mil formas de colaboração. Trabalho, eficiência, vida.

218

A prática política da LCT sugere um processo de conciliação entre a sociedade moderna e a construção de um universo social diferente, caracterizado pela fraternidade e cooperação universais. Para disso, o projeto político de terceira via é exposto como um programa doutrinário apolítico. Essa astúcia discursiva nega a validade moral do fazer político, ao mesmo tempo em que recorre a uma argumentação política como condição necessária à realização de seu projeto social. Isto é, fazer política em nome do apolitismo

219. A

apoliticidade justificada pela idéia de atomização do social provocada pelos partidos e a inescrupulosa conduta dos políticos profissionais.

Felizmente o operário de 1933 já não é aquelle inconsciente e automato miserável de annos atraz. Já possue um espirito de classe esclarecido e alerta, e está em condições de resistir aos manejos da politicagem profissional a serviço da plutocracia. O operário de hoje é um libertado. É um consciente. É um forte. Livre, consciente, disciplinado, elle, no campo politico como nos demais campos, será a grande força que extirpará do Brasil, auxiliado e dirigido pela mocidade, o politiquismo coronelício, o plutocrata insaciavel, e desfraldará a

218 O LEGIONÁRIO, 27 de maio de 1933. p. 01. 219 De acordo com Ferrari, este falseamento da ação política no discurso católico é possível pois que “não há distinção, nessa perspectiva, entre ‘religioso’ e ‘político’: os dois planos convergem num modelo ideal de sociedade hierarquicamente estruturada ...”. Cf. FERRARI, Liliana. “Ação Católica”. In: BOBBIO, Norberto, MATTTEUCCI, Nicola, PAQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11

a. edição. Tradução de Carmen C.

Varriale et al. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998, p. 9.

129

Bandeira Legionária (sic!), símbolo (sic!) de uma nova ordem e de uma nova vida.

220

A nova ordem social defendida pela LCT é defendida através da exaltação do sentimento de nacionalidade e valorização da Nação, entendida como espaço de manifestação do espírito de harmonia e da valorização da esfera ético-moral-espiritual da existência humana. A Nação é o lugar onde os trabalhadores podem ser felizes. A sua construção nos modelos legionários reabilitaria a sociedade fragmentária criada pela modernidade industrial, conduzindo-a até a unidade nacional, garantida pela fraternidade universal entre o povo e as instituições políticas.

Essa tarefa só poderia ser confiada àqueles que demonstram efetivamente compromisso, altruísmo e devoção, ou seja, aos jovens e aos trabalhadores. Os primeiros, incompreendidos pelos antigos, enquanto os outros se submetem à exploração, alimentando a ganância desmesurada do capitalista. Somente estes elementos possuem a experiência prática das desventuras do mundo contemporâneo, que os capacita a questioná-lo e, movidos pelo ardor da justiça, transformá-lo para melhor.

Queremos uma nova Revolução. Revolução que destruindo, venha ordenar e construir. Que despedaçando mitos, venha refazer a unidade e trazer a estabilidade social. Que anniquilla o utópico e absurdo sistema em que vivemos e affirma uma nova ordem. Que venha reagir contra a falta de unidade, e força dos Estados modernos, acabando com as guerras civis.

221

O catolicismo, como filosofia de base do movimento legionário, sugere como fim da sociedade, a recomposição de uma infra-estrutura de relações sociais que remontam à vida comunitária, desprezada pela Idade Moderna desagregadora. Entretanto, o esforço de elucidação da problemática da sociedade moderna, longe de ser entendida ou divulgada como simplesmente uma verdade revelada, apresenta-se revestida de uma teoria da crise da modernidade a partir da qual todas as reflexões sobre a condição humana advirão.

No discurso legionário é constante o uso de palavras como sadio e doentio, demonstrando uma preocupação civilizadora com a

220 O LEGIONÁRIO, 22 de abril de 1933. p. 01. 221 O LEGIONÁRIO, 01 de maio de 1933. p. 08.

130

higienização moral da sociedade moderna. Essa abordagem organicista sobre os elementos do conflito social invoca um silogismo para a crise, na medida em que por sadio compreende-se tudo quanto se referir à alternativa de substituição do status quo. Isto é, sadio é tudo que reflete os bens morais e éticos identificados como principais “mercadorias” do mercado das relações humanas.

De outra forma, o doentio se expressa na sua ligação estreita com tudo que ilude o homem, na lógica de legitimação da modernidade industrial capitalista. Portanto, o apelo ao consumo, o elogio às riquezas do materialismo, o desprezo pela espiritualidade, denotam a substância virulenta e deletéria da Idade Moderna. Nessa mesma linha de raciocínio, faz-se necessário aos que lutam por uma nova era, segundo a doutrina da LCT, atentar e reconhecer os fatores que possibilitam ao sistema decadente escamotear a profundidade de sua crise.

Não paramos na simples contemplação ridícula das legislações sociaes que o liberalismo nos offerece a título de esmola, simples cafiaspirinas para cura de dores de cabeça, quando se trata de curar todo um organismo cheio de doenças já seculares e que exigem uma terapêutica enérgica e eficiente.

222

A higiene do social, por conseguinte, representa, na terapia para uma nova era marcada pela saúde moral da humanidade, índice de larga importância no projeto da redenção universal. Eliminar as sujeiras infecciosas lançadas pelo sistema degenerado das relações interpessoais, adquire o estatuto de imprescindibilidade histórica. Mesmo que para se atingir essa meta, a sociedade tenha que se submeter aos excessos da centralização do poder nas mãos daqueles eleitos, proprietários do saber remediador da crise. Até porque, para o pensamento legionário, o fortalecimento do poder, quer seja do Estado ou do indivíduo, é elogiável e defendido, pois representa uma das bases de sua orientação doutrinária, qual seja, o princípio de autoridade.

O importante mesmo é que a fuga deste cativeiro que esmaga o homem integral, escravo inerme dos vícios e encantos do mundo da vida sensualista do capitalismo, seja empreendida vitoriosamente sob

222 O LEGIONÁRIO, 16 de setembro de 1933. p. 03.

131

a liderança do messias autorizado por revelação, seguindo o caminho que vai dar nas terras onde prepondera a fraternidade e a harmonia.

Trazemos, para todos os que são victimas dos erros sociaes presentes uma palavra de fé e combate. Por entre a confusão angustiosa, a rebeldia desordenada, a crescente anarquia que correm o mundo e abarcam-no tragicamente, fazemos soar a voz salvadora do Ideal Legionário.

223

Desta forma, a LCT executa sua atividade política com o intuito de formar uma nova mentalidade, para que a sociedade integral seja aceita verticalmente como única solução possível ao mundo desequilibrado do capitalismo industrial.

A atuação da LCT foi toda atravessada pelo recurso constante da ritualização e cerimonialização de seus atos, apelando à sensibilização do indivíduo através do artifício da encenação coletiva. As grandes demonstrações coletivas tinham a intenção de manifestar a confiança na solidariedade e na indiferenciação entre as pessoas.

O sentimento de camaradagem e colaboração perpétua é sua principal arma para propiciar o engajamento pessoal na causa. Ao propor uma sociedade unificada e sem conflitos, a Legião expõe essa proposta nas solenidades, ao arregimentar, com um máximo de organização, centenas de legionários uniformizados e orientados pela mesma bandeira e o mesmo slogan.

As condições de possibilidades de realização da sociedade integral estão dadas em escala diminuta nas solenidades dos desfiles, onde se visualiza apenas a uniformidade verde da massa. O desejo legionário de construir um corpo social sem fraturas, implica na intenção de efetivar a supremacia do institucional sobre o privado. É, pois, a apologia da prevalência do espaço público sobre a esfera da privacidade. Processa-se, dessa forma, o apagamento das marcas da individualidade e se erige o totalitarismo da coletividade.

A Legião Cearense do Trabalho representa, pois, um elemento significativo na produção de projetos sociais e na constituição da memória social dos trabalhadores, afora seus desdobramentos políticos posteriores, posto que simboliza uma experiência pioneira de política voltada para as massas.

223 O LEGIONÁRIO, 01 de março de 1933. p. 04

132

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134

6. O HOMEM NO ESPELHO E A LEGIÃO CEARENSE DO TRABALHO: religião e política nas terras de Alencar

Emília Carnevali da Silva (PUC/SP)

A Legião Cearense do Trabalho - LCT - surgiu como alternativa à crise da sociedade industrial, substituindo o capitalismo e o comunismo. Nasceu em uma região de fraca industrialização - o Estado do Ceará - e num momento tido como divisor de águas na historiografia brasileira, por ser uma época de intensa preparação para os grandes confrontos político-ideológicos das décadas seguintes. É então que se “processa o enfrentamento do arcaico-rural como característica definidora da natureza estrutural da sociedade, com os questionamentos provenientes de diversos segmentos urbanos em defesa de uma nova ordem social

224”. Objetivamos buscar um

entendimento nas relações estabelecidas entre os trabalhadores - meta dos discursos do idealizador da Legião - e as circunstâncias que os envolveram.

A Igreja colocou-se como um dos principais veículos do discurso legionário, oferecendo os subsídios necessários para que se efetivasse o projeto, já que se sentia à parte do poder, desde a Questão Religiosa

225. Foi através dela que se criou a idéia do uso de imagens

consagradas, importadas tanto no tempo como no espaço, em conformação com o pensamento autoritário que estabelecia a idéia de vazio, com a manipulação dos fatos. Para este vazio ser preenchido, bastaria a importação de idéias consagradas, utilizando-se da imagem santificada da fé.

Se realmente o Integralismo lançou as suas raízes a partir do Ceará, temos então que buscar os nexos que viabilizaram este fato, porquanto, se realmente nasceu ali, onde tem a identificá-lo uma série de discursos que retiram a possibilidade de rigorosa coerência

224 CORDEIRO; Jr. Raimundo Barroso. A Legião Cearense do Trabalho: Política e Imaginário no Integralismo Cearense(1931 – 1937). Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Ceará – Departamento de Ciências Sociais e Filosofia. Fortaleza, 1992. p. 7- 8. 225 Ver mais em: SILVA, Francisco de Assis. História do Brasil: Colônia, Império, República. São Paulo, Editora Moderna, 1992. p 177 / 8.

135

ideológica, e não apenas as três correntes clássicas: a de Plínio Salgado, a de Gustavo Barroso e a de Miguel Reale.

A Ação Integralista Brasileira – AIB - despontou na região, onde o “credo verde” surgia, num primeiro momento, como fruto de uma imensa elaboração doutrinária, “por uma práxis edificante mobilizadora de seguimentos médios e de grupos operários: a Legião Cearense do Trabalho”

226. A LCT foi um movimento trabalhista de cunho corporativo,

representando o interesse de 71 associações e de 20 mil trabalhadores assalariados e autônomos, em um curto período. Existiu entre 1931 a 1937

227.

Nos anos 30, nasceu um fenômeno que atingiu o Brasil – o operariado urbano. Surgiu tanto pela imigração, como pela chegada de trabalhadores da zona rural, atendendo ao chamado do projeto varguista, compondo, assim, a classe trabalhadora industrial. O anarco-sindicalismo desembarcou junto com a imigração, com expressiva participação dos europeus na composição da classe operária brasileira. Dentro da classe trabalhadora foram eles que difundiram a idéia de transformação radical da sociedade pela via revolucionária socialista ou anarquista. Isso acontecia com maior freqüência no centro-oeste do país, por oferecer uma indústria mais desenvolvida, porém a região norte-nordeste não ficou incólume às grandes transformações, apesar de esquecida nos centros do poder, já que tinha como agravante o fato de ser sacudida por “invasões” de retirantes em cada seca que se apresentava.

Com a expansão capitalista, os movimentos sociais “irromperam no curso de uma História dramática de submissão, para trilhar os caminhos da rebeldia sem projeto, ou seguir as vias místicas que lhes eram dadas, ousando assumir a condição de sujeitos”

228.

Como a LCT anunciava um projeto pacificador foi aceita imediatamente pelos participantes da classe dominante assim como pelos próprios trabalhadores. O Integralismo pôde então, ser implantado, nesta região a partir da união com a LCT, por contar com o forte apelo religioso do homem íntegro que via em Deus, na Pátria e na Família a sua razão de ser. “A noção legionária de trabalho constrói-se

226 Cf. MONTENEGRO, João Alfredo de Sousa. O Integralismo no Ceará – Variações Ideológicas. Fortaleza : Editora Imprensa Oficial do Estado do Ceará, 1986. p 11. 227 CORDEIRO. op. cit., p 125.

228 MONTEIRO, Douglas Teixeira. “Um Confronto Entre Juazeiro, Canudos e contestado”. IN: História Geral da Civilização Brasileira - Brasil Republicano. vol 9. São Paulo : Editora Bertrand Brasil,2004. p 43.

136

a partir de uma explicação religiosa da sua natureza divina, assumindo um caráter obrigatório, impondo-se de maneira punitiva ao homem que tem que prover sua existência material

229”

Assim, formou-se uma classe sem noção de organização, dispersa, carente de estudos prévios de natureza econômica e social, cujo vazio político propiciou um solo fértil às idéias totalitárias.

1- O Homem de ação e de reflexão: Severino Sombra

Nasceu Severino Sombra na cidade de Maranguape-CE, em 8 de Junho de 1907, filho do Dr. Vicente Liberalino de Albuquerque e de dona Francisca Sombra de Albuquerque, que moravam no Rio de Janeiro e tinham oito filhos. Como sempre prometiam ao avô materno visitá-lo, o fizeram perto do nascimento dele, o que serviu de pretexto para o velho enfermo pedir aos seus pais para que o criasse. Com a morte do avô passou a ser criado por uma tia: dona Marocas, que se decidira pela vida celibatária, a fim de cuidar dos velhos pais e de um irmão paralítico. Seu avô coronel Joaquim José de Souza Sombra, era do Partido Conservador e foi durante 15 anos prefeito de Maranguape e amigo pessoal do Senador Alencar. Privando mesmo da amizade de seu filho; o grande escritor José de Alencar.

Uma das obrigações do menino era ler, diariamente ao seu tio enfermo, as grandes obras universais

230, recebidas através de um

outro tio, então Coronel do Exército Nacional: Luiz Sombra. Após essas leituras, certamente havia a interpretação e explicação pelo tio, colocando assim, no jovem o gosto pelo conhecimento. Outro modelo foi o militarismo visto pelo prisma da interpretação familiar. Muito jovem ainda seguiu para o Rio de Janeiro, onde cursou a Escola Militar do Realengo.

No inicio do século XX, os jovens intelectuais brasileiros agitavam-se em debates que conclamavam a sociedade para projetos reformistas. Não existia, naquele momento, uma organização católica que representasse a Igreja no âmbito dessas discussões. Só em 1922

229 CORDEIRO, Jr. Raimundo. “A Legião Cearense do Trabalho”. In: SOUZA, Simone de. (org.) Uma Nova Historia do Ceará.” Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. p 338. 230 Recebeu do tio “Biblioteca Internacional de Obras Celebres”, composta de

24 volumes que trazia desde a cultura dos vedas, dos ramaianos, dos hindus até a literatura contemporânea. Ms. Severino Sombra. Vassouras-RJ. Fundação Universitária “Severino Sombra”. UFSS.

137

é que foi fundado o Centro D. Vital231

, que viria a propiciar a ela, a Igreja, a possibilidade de se inserir na esteira das discussões e expectativas quanto ao contexto da época. Severino Sombra recebeu forte influência católica e seus primeiros estudos foram nesta direção. Quando ainda na escola Militar, entrou em contato com o Centro D. Vital e os estudos realizados lá lhe inculcaram as necessidades de obediência às normas hierárquicas da Igreja, assim como a adoção de idéias antiliberais e anticomunistas, passando a assumir a ideologia da “reação e ordem”, apregoada por Jackson de Figueiredo.

Em 1929, quando retorna ao seu Estado de origem, tinha como meta a Renovação Católica “que deveria atrair leigos e operários para o seio da Igreja Católica

232”. Pois estava impregnado das idéias

de São Tomás de Aquino. Porém foi envolvido em uma questão pertinente ao comando militar, que acarretou sua transferência para o Rio Grande do Sul. Logo após sua chegada foi questionado sobre a “fase pré-revolucionária”. Por se colocar contra o Liberalismo, lógico seria ser contra a Revolução liberal, o que lhe rendeu uma prisão e, estando afastado de tudo, refletiu que “aquele era o momento” de se tomar uma medida reformuladora aos destinos dos trabalhadores que eram vistos por ele como desprotegidos e órfãos do poder. O movimento criado por ele pretendia fixar no meio operário cearense, a idéia de volta ao lirismo da Idade Média. Outro elemento que compôs sua ideologia foi a "questão nacional", largamente apresentada por grupos de intelectuais não só católicos, mas também teóricos que pensavam em "endireitar o Brasil", como Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, e tantos outros que refletiam sobre o Brasil legal versus o Brasil real, apontado por Alberto Torres. Esses questionamentos vieram a corroborar com a sua idéia de começar a transformação da sociedade brasileira. Então, aproveitando o momento histórico em que a sociedade via com bons olhos a participação dos tenentes no cotidiano de suas vidas; organizou e implantou a Legião Cearense do Trabalho, inspirado na encíclica “Rerun Novarum”, cuja elaboração ideológica começava pela crítica à modernidade. Desde o inicio, tornou-se uma personalidade de projeção nas lutas sociais e políticas

231 O movimento espiritualista tem seu inicio a partir da fundação da revista “A Ordem” e do Centro D. Vital no Rio de Janeiro. O centro D. Vital foi criado por

Jackson de Figueiredo e que, após sua morte precoce, passou a ser dirigido por Alceu do Amoroso Lima. Uma agremiação que congregava a jovem

intelectualidade católica em torno dos ideais nacionalistas e reformadores dentro de uma perspectiva da Igreja católica. 232 PONTE, Sebastião Rogério de Barros da. “A Legião Cearense do trabalho”. In: SOUZA, Simone. (org.) História do Ceará. Fortaleza : UFC; Fundação Demócrito Rocha , 1989. p. 365.

138

do Ceará, subscrevia com o pseudônimo de Agathon, no jornal católico“O Nordeste

233”, criando as bases à reformulação social e à

renovação católica.

Para difundir suas idéias, Severino Sombra publicou o jornal “O legionário”, servindo de veículo para suas críticas ao sistema político e conclamando as classes sociais a cooperar entre si pelo resgate dos ideais humanistas. Elaborou as diretrizes do seu movimento em uma cartilha chamada “O Ideal Legionário”, além de lançar também folhetos, panfletos, etc, conclamando os trabalhadores a compor esta Legião.

234 Por ser interpretada como a terceira via entre

o capitalismo e o comunismo, foi prontamente aceita pelos dois lados do sistema produtivo cearense.

A Igreja católica mantinha interesse na preservação do modelo tradicional de sociedade, apresentando uma crítica feroz ao modernismo, já que para ela “aceitar a teoria de progresso e da perfeição humana seria, tanto negar seus próprios fundamentos, quanto fazer causa comum com aqueles que exigiam, ou pelo menos vaticinavam, o seu fim

235”. A modernidade era vista por ela como fonte

de todo o mal que afligia a humanidade.

Essa preocupação surgiu com a bula papal “Rerum Novarum”, de Leão XIII

236, encíclica que tratava especificamente da questão

operária. Considerada uma dos grandes marcos da doutrina social da Igreja, ela reforça o direito à propriedade e à harmonia entre as classes sociais. Condenava a alternativa socialista, que instigava nos pobres o ódio aos que possuem riquezas. Quarenta anos após seu lançamento, recebeu reforço da encíclica “Quadragésimo Anno”, de Pio XI.

A LCT foi idealizada e organizada por Severino Sombra na época, um jovem tenente que, por ser antiliberal não reconhecia a

233 MONTENEGRO, op., cit , p 115. 234 Panfleto entregue na porta dos estabelecimentos pelos legionários, no período da implantação da LCT : "Apello aos homens de trabalho do Ceará. A Legião Cearense do Trabalho vem até vós com o seu brado de alerta, com a sua palavra de enthusiasmo,com a sua ordem de congraçamento para reivindicações. As classes, os homens de trabalho, as forças productoras, precizam tomar o lugar que lhes compete na vida nacional. É mister que no Brasil Novo as forças economicas e espirituaes collaborem na direção do Paiz.(...)” 235 MANOEL, Ivan. O PÊNDULO DA HISTÓRIA : Tempo e Eternidade no Pensamento Católico (1800-1900). Paraná : Editora da Universidade de Maringá, 2004. p 45. 236.CAMACHO, Ildefonso. Doutrina Social da Igreja. Editora Loiola. Rio de Janeiro : Petrópolis, 1954. p 33.

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Revolução de 30 que empossou Getúlio Vargas, capaz de amparar os trabalhadores brasileiros em suas reivindicações. Ela foi um movimento trabalhista e contou com o fato relevante de ter precedido o Integralismo e de ter sido uma das primeiras manifestações dos trabalhadores cearenses.

237. Organizou esse movimento contando com o apoio dos

que comungavam com seus pensamentos: Helder Câmara, o então Tenente Jehovah Motta, entre outros.

2- Os movimentos que antecederam o Integralismo no Brasil.

O Integralismo teve sua pré-fase em 1922, com a fundação da Legião do Cruzeiro do Sul, realizando a primeira manifestação fascista que se tem noticia

238 no Brasil. Tudo leva a crer que essa manifestação

foi uma imitação do episódio da “Marcha sobre Roma239

”. Em 1928, um grupo de italianos organizou o “Partido Fascista”. Pouca ou nenhuma notícia se tem sobre ambos, porém o Jornal do Comércio de 14 de novembro de 1930, trazia a seguinte conclamação:

Prestigiando o governo que o povo impôs à Nação, faremos valer nosso pensamento. Neste sentido aguardai o manifesto que faremos publicar no dia 18 do corrente, para a criação do Partido Fascista Brasileiro, de combate ao comunismo, que estrangeiros inimigos do Brasil desejam implantar em nossa Pátria.

240

A nota vem com a assinatura de representantes insuspeitos, todos da mais alta relevância dentro do cenário nacional. A Ação Social Brasileira e o Partido Fascista Brasileiro, diferentemente dos contemporâneos de vida curta, foram mais sofisticados e anunciam um esquema que viria a se repetir. Muitos fracassaram, mas deixaram a oportunidade dos atores entrarem novamente em cena

241.

Entre os ensaios para se chegar a AIB, contamos com os contemporâneos da LCT, como em “A Legião de Outubro”, de Amaro

237 CORDEIRO, op. cit. p 125. 238 CARONE, Edgard. A Segunda República. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973. p. 288. 239 Partindo de várias regiões da Itália, milhares de milicianos fascistas(os camisas negras)invadiram a capital. Ver mais em: BERTONHA, João Fábio.Fascismo, nazismo, integralismo. São Paulo: Editora Ática, 2002. p. 14. 240 CARONE. op. cit., p. 290 241 Ibid. p. 290 e 291.

140

Lanari e Francisco Campos (março de 1931), com o Partido Nacional Sindicalista, de Olbiano de Melo, com o Partido Nacionalista de São Paulo, de Mario Antunes, com a pequena ala do Partido Socialista Brasileiro, de Cristiano das Neves

242 e com a Legião Revolucionária de

São Paulo, de Miguel Costa. Este último teve seu “programa-manifesto” publicado em março de 1931, e redigido por Plínio Salgado

243. Aos que antecederam a AIB, podemos juntar a Legião

Cearense do Trabalho.

Em 1935, Astrojildo Pereira publicou “URSS- Itália – Brasil”, livro que analisava o antagonismo nos regimes fascista e soviético. Neste livro, encontra-se o ensaio denominado “Manifesto da Contra Revolução", de 1931, feito a pedido do Comitê Central do PCB, onde efetuou uma análise do “manifesto-programa” da Legião Revolucionária de São Paulo, redigida por Plínio Salgado e assinada por várias personalidades consideradas da "esquerda”, mostrando já o germe do Integralismo.

O Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, que pretende haver traçado "uma diretriz definida e clara em face dos problemas fundamentais" do país, constitui, na realidade, por sua expressão e seu conteúdo, um documento que se pode considerar característico de ideologia confusa, contraditória e delirante de certa camada de intelectuais e pequenos burgueses. Seus autores ou signatários estão convencidos de que lhes cabe a gloriosa predestinação de regenerar e salvar o Brasil . Esta presunção, que é originariamente inevitável, e seria inofensiva se limitada a círculos privados, apresenta grave perigo para a coletividade quando tenta enveredar pelo domínio publico, forcejando por atribuir-se a direção de movimentos políticos

244 .

O manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo foi publicado no jornal “O Tempo”, de São Paulo, em março de 1931, firmado por homens da esquerda e tendo como chefe o General Miguel Costa, promulgando um sentimento esquerdista que recebeu de Astrojildo Pereira a seguinte crítica:

Penso haver contribuído para desmascarar a mistificação, mostrando no meu artigo o caráter fundamentalmente fascista, portanto, direitista da extrema direita, das "idéias" e

242 Ibid. p. 295. 243 PEREIRA, Astrojildo. Ensaios Históricos e Políticos. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979. p. 187. 244 Ibid. p. 175.

141

dos "princípios" contidos ali. O redator do Manifesto. como é notório, fora o antigo perrepista Plínio Salgado, mais tarde um dos fundadores e hoje dito "chefe nacional" do Integralismo, isto é, de um partido fascista declarado. (...) Não me venham dizer que o homenzinho é que mudou: anteontem perrepista, ontem legionário, hoje integralista. Qual nada. Plínio é sempre o mesmo, e a sua ideologia também. Anteontem como ontem, ontem como hoje, hoje como provavelmente amanhã ele sempre esteve, está e estará ao serviço da burguesia contra o operariado.

245

Severino Sombra, ao contrário, mostra que a LCT foi exclusivamente voltada aos trabalhadores, cuja intenção era a de prepará-los para que vivessem em melhor situação econômica e social: "A LCT foi um dado fundamental e particular da expansão direitista no Brasil. Enquanto as outras agremiações pretendiam o apoio da pequena burguesia, a Legião C. do Trabalho consegue a adesão dos operários.

246 E, diz mais:

A verdade é que o movimento inicial cabe ao tenente Severino Sombra, e que sua intenção é dirigir os sindicatos operários de Fortaleza, unindo-os em torno de suas reivindicações. Porém, sua direção e métodos assemelham-se aos dos movimentos fascistas, fato que o aproxima logo de Plínio Salgado (...), a Legião em 1932 foi absorvida pelos integralistas , e , logo depois, Severino Sombra perde a liderança e é reintegrado no Exercito.

247.

A interpretação fascista deve-se ao fato de que nos encontros dos legionados ser feita uma chamada oral que era respondida por todos com a palavra: “Pronto”. Fez, também uso de um uniforme (um blusão mescla com um emblema na manga), a semelhança do fascismo italiano. Participavam dos desfiles cívicos, onde reverenciavam a bandeira da Legião. O 1º de Maio foi incorporado ao calendário das festas solenes com desfiles que lembravam as “paradas

245 Ibid. p.187 e 188. 246 CARONE. E. op. cit., p. 298. 247 Ibid. p. 295-296.

142

militares”, o “1º de Maio é o dia do trabalho, não o dia do trabalhador. Consideravam seu chefe Severino Sombra, como militante especial (...) uma espécie de sacerdote que soleniza o cotidiano da entidade que representa

248.

2- A religião, componente aproveitado por aqueles que usavam

o lema "Deus, Pátria e Família".

Não podemos ignorar o fato de que o retirante nordestino, vitimado pelas secas constantes, procurava subsídios ao seu viver sob os auspícios da fé. O Ceará, particularmente, foi um dos Estados nordestinos em que se constituiu um lugar privilegiado de reprodução ideológica. Ao procurar nas raízes da alma do povo nordestino e na sua natureza geográfica, que o cerca, percebemos as razões de ter sido ali o nascedouro de movimentos que deram coloração ao cenário nacional. Se em primeiro momento, a religião teve sua cota de participação na decisão e adesão dos trabalhadores ao chamamento do Severino Sombra; também não podemos deixar só para ela a responsabilidade histórica, temos que questionar se por não terem ainda a capacidade de “se organizarem em classe”, o operariado cearense no meio das conjunturas, que criaram nele o sentido de ser a infância da classe no Brasil. Isso na verdade foi gestado pela fraca industrialização nordestina, pelas mudanças nos modelos econômicos, e pelo capitalismo hiper-tardio

249; agentes que no caso brasileiro é a quem

devemos realmente creditar o sucesso do discurso da direita daquela época. Assim como, é na concepção religiosa, que vamos buscar o entendimento aos movimentos sociais que têm a sua origem dentro dos fundamentos apregoados pela Igreja.

Há uma “variante do catolicismo designada como rústico”. Isso revela que de um modo geral “em sua modalidade rústica [o catolicismo] tem suas raízes mais importantes plantadas no solo da Grande Tradição judaico-cristão, onde sobressaem, as vezes, contraditoriamente, a esperança messiânica do Reino de Deus em uma terra renovada

250”. Portanto, falar em questões que envolvem os

trabalhadores do período estudado, e em especial o nordestino,

248 CORDEIRO. R. op., cit., p. 340 249 CHASIN, José. O Integralismo de Plínio Salgado. Forma de Regressividade no Capitalismo Hiper-tardio. São Paulo: Editora Ciências

Humanas, 1978, p 647. 250 MONTEIRO. op. cit., p 45.

143

vitimado por uma série de vicissitudes análogas à sua região, nos fornecerá talvez a compreensão do que se passou.

É, também, na concepção religiosa que vamos buscar o entendimento dos movimentos sociais que tiveram sua origem dentro dos fundamentos apregoados pela Igreja. Já por volta de 1853, surge no Nordeste um precursor de Cícero Romão Batista – o Padre Mestre Ibiapina - um missionário no sertão, que desenvolveu uma intensa militância religiosa. Ao fundar algumas “casas de caridade”, Pe. Ibiapina foi visto como profeta e curador, não se limitando às práticas piedosas e filantrópicas, mas estendendo seu campo de atividade à construção de estradas, de açudes, etc.

251

Padre Cícero, seguindo o mesmo caminho, deu ainda maior conotação aos campos sagrados da fé. Ao consagrar e dar em comunhão a uma das suas beatas, a hóstia se transformou em sangue. Este fato, largamente difundido, levou a alma do povo oprimido à buscar na Igreja Católica, a proteção que necessitavam. O Movimento Legionário criado por Sombra, mostrava o valor da doutrina católica aos trabalhadores, propondo a eles o papel de vanguarda de uma nova ordem.

4- A sua pretensão: dar resposta ao mundo em crise.

O mundo passava pelo vendaval de grandes transformações. O período “entre guerras” foi rico em acontecimentos marcantes para o mundo, de maneira geral. Com o prenúncio deste acontecimento, crises econômicas surgiram na Europa, em 1913, retraindo o fluxo de capital para o Brasil. Houve uma diminuição da importação de produtos manufaturados e as nações que investiam em nosso país, estavam comprometidas com a preparação da guerra. No meio de toda essa ‘reviravolta”, surgiram os “movimentos sociais” como resposta. Foram eles: o Integralismo, na Península Ibérica, o Fascismo, na Itália e o Nazismo, na Alemanha. Essas ideologias criaram uma rede de persuasão que refletiu-se nos quatro cantos do mundo. Sardinha, Mussolini e Hitler tiveram suas imagens apregoadas no Brasil, usadas na elaboração de um discurso que conclamava os trabalhadores brasileiros para a perspectiva de uma melhoria de vida. Portanto, a disciplinação do pensamento deste sertanejo que, com os pés no chão e a roupa desbotada pelo sol escaldante, havia enterrado junto com as

144

suas últimas sementes, os seus próprios sonhos e, por não ter mais nada ou alguém para acreditar; seguiu “o canto da sereia legionária

252”.

A emergência e a consolidação da “nova ordem” não podem ser analisadas apenas em função das condições sócio-políticas, advindas da conjuntura internacionais pré-guerra e das contradições inerentes ao próprio processo de modernização. Se o Estado nacional brasileiro buscava, naquele momento, sua identidade, o mundo também assistia à falência do liberalismo e a consolidação do nazi-fascismo, revelando a necessidade de se pensar em uma redefinição das políticas nacionais, que dessem conta de reencaminhar a humanidade no trajeto perdido.

O modelo urbano industrial, gestado na Revolução de 30 como resultado de uma política econômica de incentivo à industrialização e como política social trabalhista de cunho corporativista, efetivou uma mudança comportamental no meio proletário urbano. Essa mudança, encabeçada pela reorientação dos modelos econômicos, que antes de 1930 tinham referência na agro-exportação, passou a assumir o modelo industrial.

Naquele momento, o Estado tentou tutelar a classe operária e impedir a autonomia de suas organizações sindicais. A preocupação por parte do governo getulista em conter a politização e emancipação do operariado concorre, para explicar o surgimento e expansão de movimentos políticos, no contexto de trinta. Esses movimentos tinham os mesmos objetivos em comum: proteger, orientar, educar, valorizar os operários, assim como atender algumas das suas reivindicações. Com isso, os vinculados aos ensinamentos apregoados pela Igreja, os mantinha afastados dos perigos que os comunistas acenavam.

O processo de industrialização era frágil, consubstanciava-se numa produção basicamente composta do ramo têxtil, de vestuário, de calçados, de materiais de construção e etc. Essa indústria incipiente situava-se principalmente nas capitais dos Estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Pernambuco. Derivada das condições inerentes à produção cafeeira, a acumulação ou a concentração de renda, fruto da economia gerada por esse produto, propiciou a questão social trazida na esteira da contradição entre a burguesia agrária e a classe operária, constituindo-se no eixo da crise do estado oligárquico. Segundo Boris Fausto, o proletariado urbano não seria senão “uma pequena mancha” em um imenso oceano agrário

253, significando que traziam para as

classes dominantes a chamada questão social, que se tornaria “caso

252 CORDEIRO Júnior, Raimundo. op. cit., p. 124. 253 FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social (1890 – 1920 ). São Paulo: DIFEL, 1976. p. 5.

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de polícia”, por traduzir a necessidade de levar em consideração essa classe e o seu peso político. Por ser desorganizada, a classe operária era incapaz de tomar decisões que influíssem na política nacional, mas a possível mobilização de alguns já era temida pelas classes conservadoras

254.

A questão operária passou a ser motivo de preocupação, já que os trabalhadores eram continuadamente bombardeados por “novas idéias”, tanto dos anarquistas, como dos militantes do Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922, levando-os a questionar a situação nacional. Outros setores da sociedade também se sentiam insatisfeitos com os caminhos indicados pela mudança na reorganização da política-econômica e começaram a articular movimentos que procuravam responder as ansiedades surgidas pela falta de projeto político das elites.

255

O discurso ideológico da Legião, assim como a recorrência ao uso das imagens, possibilitou a Severino Sombra provocar em seus legionados a crença de seus conhecimentos sociais e políticos, fazendo-os acreditar que poderiam alcançar o que prometia.

5- As primeiras atividades: uma das tendências da frente integralista.

Quando deu início a sua atividade intelectual no jornal católico “O Nordeste”, defendendo o catolicismo renovado sob a inspiração de filósofos franceses e caminhando para o Tradicionalismo Social, tinha em mente trazer para sua terra natal o embasamento político-social adquirido no Cento D. Vital, pretendendo a renovação católica. Em março de 1932, no Ceará, anunciou-se a breve fundação da Sociedade de Estudos Político -SEP-, cuja reflexão era trazer à juventude a efervescência glamurosa do Rio de Janeiro. Em um artigo nesse jornal, de 23 de março de 1932, Sombra descreve o grupo: “Era um grupo de formação antiliberal, preparada por Jackson de Figueiredo, por De Bonald, por De Maistre”. Ele próprio estudara a fundo a “história da contra revolução, na França”. Analisara o papel das sociedades secretas, tão influentes na deflagração da Revolução Francesa. Sentia-

254MUNAKATA, Kazumi- Algumas Cenas Brasileiras. Dissertação (Mestrado de História) Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 1982. Mimeo. p

10. 255 CHAUI, Marilena ; FRANCO, Maria Silvia Carvalho. Ideologia e mobilização CEDEC. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1978. p 19.

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se revoltado com o contexto político brasileiro, então dominante. Aderira à pregação de Jackson de Figueiredo, que buscava “uma nova base para a renovação política brasileira”. Não podia aceitar a doutrinação dos tenentes, cujos ícones - Juarez Távora, Eduardo Gomes, Siqueira Campos - apresentavam excelente conteúdo moral, boas intenções no agir e no aceno de reformas, mas faltava-lhes o realismo propiciado por uma ideologia bem urdida, sem a qual não se faria uma revolução.

256

O que transformou seu ideal foi o episódio ocorrido no 8º Regimento de Passo Fundo, RS

257, motivando a criação de “O Ideal

Legionário”, cartilha que trazia as bases da LCT, definindo-a como uma organização com finalidade econômica, política e social. Tinha como objetivo o reformismo para o Brasil, pretendendo ampliar o corporativismo nas bases de uma legislação social que abolisse o partidarismo, colocando em seu lugar a representação de classes em consonância com um Estado forte e centralizado. Com o controle da economia e da política, surgiria um novo país, sem conflitos sociais e hierarquizado dentro da ordem e do progresso. Propunha um contrato coletivo, com a fixação e o cumprimento de um salário vital, a obediência às oito horas de trabalho diário, do repouso dominical, do limite de trabalho para menores e mulheres, além de preconizar a co-gestão, com a participação dos operários nos lucros da empresa. A LCT prometia educar os legionados, permitindo a estes a conscientização dos direitos e deveres materiais e morais, ao mesmo tempo em que tomassem conhecimento das questões econômicas e se preparassem para ascender a pequenas propriedades através de cooperativas.

Diante da expansão do movimento legionário no Ceará, Severino Sombra decidiu ampliá-lo para todo o Brasil, convidando Alceu de Amoroso Lima para isto. Por estar dirigindo o Centro D. Vital, este recusou o convite, mas sugeriu o nome do jornalista paulista

256 SOMBRA, Apud. MONTENEGRO, op, cit, 117.

257 Quando chegou em Fortaleza imbuído do sentimento renovador católico, ele promoveu palestras, discussões, atuou como escritor em jornais, publicou panfletos, enfim, Sombra agitou a cidade pacata com a sua práxis causando tamanho reboliço, a ponto de desagradar “alguns”. Numa briga entre soldados do quartel em que servia com soldados da policia civil, ele agiu como determinava a lei, desagradando o chefe da polícia local, que telegrafou ao governador e pediu sua transferência para o RS. Chegando em Passo Fundo, a Revolução de 30 foi deflagrada. Como esta era fruto de uma aliança liberal e ele combatia o liberalismo, foi preso. Nesse período, após muita reflexão, entendeu que aquela era a hora de se fazer alguma coisa pelo país..Ms. Severino Sombra. Vassouras, RJ.

147

Plínio Salgado, que escrevia no jornal “A Razão”, em São Paulo. Após entendimentos, Plínio Salgado aceitou levar ao Sul do país a Legião Trabalhista Brasileira

258, porém pediu um prazo para isto, alegando a

necessidade de criação de uma base ideológica259

. Mas, ao criar a Sociedade de Estudos Políticos(SEP), juntamente com outros intelectuais da direita – em sua maioria estudantes de Direito do Largo São Francisco - articulava já a fundação de um movimento autoritário em nível nacional: a Ação Integralista Brasileira.

Severino Sombra, sentindo a demora de noticias por parte de Plínio Salgado, convocou uma reunião em São Paulo, em julho de 1932, porém, com o estouro da Revolução Constitucionalista, o encontro não se efetivou. Alguns dias antes da data marcada para a realização da reunião, recebeu uma carta de Salgado, que falava da necessidade de se reunirem com urgência, e de que já havia entrado em contato com Olbiano de Melo, de Minas Gerais, para que fosse um dos participantes da grande missão de estender a Legião Brasileira do Trabalho ao Brasil inteiro. “Se essa reunião não se efectuar logo, corremos o risco de vermos dispersar-se em movimentos desconexos o maior movimento da mocidade brasileira de todos os tempos”. Olbiano de Melo queria padronizar as informações, para haver uma absoluta unidade de idéias.

Também a organização operária no sul, nos moldes da sua é urgente e depende de você. Eu tive de assumir a chefia do movimento aqui, para que ele não fracassasse. Você sabe pelo que lhe disse dos responsáveis pelas conseqüências da desagregação que pode ressaltar, se não fundirmos numa só, a

258 Quando a Legião estava para se expandir ao resto do país, Sombra muda seu nome para Legião Brasileira do Trabalho. Entrevista. Fita nº 8.Centro de Documentação e Informação Cientifica “Professor Casemiro Reis Filho” - Cedik-PUC/SP 259 “Com essas idéias (expandir a LBT), venho ao Rio, em fins de1931. mostrei o meu pensamento para muitos. (...) Indicaram-me o escritor Plínio Salgado, que escrevia” Notas Políticas”no jornal “A Razão”, de São Paulo(...) Entendemo-nos Ficou resolvida a creação de uma SOCIEDADE DE ESTUDOS POLITICOS (S.E.P.) para realização do movimento cultural que eu projetara." SOMBRA, Severino. Memórias. Museu Severino Sombra. Vassouras-RJ.

148

mentalidade do Norte e do Sul” (...) Plínio Salgado.

260

Impedido pela Revolução, Severino Sombra não compareceu ao encontro. A dolorosa guerra civil prolongou-se por mais de três meses impedindo a reunião de se efetivar. Por coerência com seus pontos de vista integrou-se aos brasileiros que desejavam a paz. Ao perceber que a luta se arrastava e que no Rio de Janeiro era constante a ameaça de golpes, com ameaças contra os jovens militares que exerciam atividades políticas, retornou ao Ceará a fim de apelar aos companheiros de militância na tentativa de arregimentar forças por um movimento pacificador.

No mesmo ano, ele foi preso, acusado de articular forças nordestinas para auxiliar São Paulo contra o governo de Vargas. Foi mandado para Portugal, permanecendo no exílio por um ano. Lá, soube da fundação da Ação Integralista e da filiação do seu movimento legionário

261. Ao voltar para o Brasil, aceitou participar do Integralismo,

porém, ao perceber que Plínio Salgado havia dado uma roupagem mais urbana ao movimento e que, ao juntar as fardas caqui da LCT com as verdes do Integralismo, acabou por envolver a classe média, contrariando sua idéia, que era proletária e sindical. Após acusar Plínio Salgado de ter plagiado suas obras, de ter apropriado e incorporado seu projeto, se afastou do Integralismo. De Lisboa Severino Sombra escreveu:

Um belo dia, porém, vejo em jornal chegado do Brasil, que o líder integralista de São Paulo comparecera ao Congresso dos Revolucionários, realizado no Teatro Municipal, deixando o local, com seus companheiros debaixo de vaias e insultos. Desacreditado em São Paulo (...) planeja então, o seu grande golpe: ir ao Norte, aproveitar o meu movimento, explorar na Bahia, em Recife, em João Pessoa, em Natal e em Fortaleza o idealismo da mocidade que

260 SOMBRA, Severino. A Verdade Sobre a Ação Integralista Brasileira.

Memórias. Ms SS, Vassouras, RJ, 1984. p 6 261 “Em Lisboa, onde estive durante todo o tempo de exílio, não recebi nenhuma noticia do senhor Plínio Salgado. Um belo dia, porém, vejo em jornal chegado do Brasil, que o líder integralista de São Paulo comparecera ao Congresso dos Revolucionários, realizado no Teatro Municipal, de onde saíra com seus companheiros debaixo de vaias e insultos.” SOMBRA. Memórias, Museu SS – Vassouras-RJ.

149

eu chamara a luta e junto a qual fizera propaganda em seu nome.

262

Ainda no exílio, Sombra recebeu a seguinte carta de Plínio Salgado:

Sombra. Escrevi-lhe, há tempos, uma longa carta, da qual não tive resposta (Severino afirmou nunca ter recebido tal carta). Venho hoje lhe contar que o movimento em que você me poz, em São Paulo, marcha victoriosamente. Já alistei mais de 3.000 “camisas verdes”em São Paulo. Organizei núcleos integralistas na faculdade de Direito, Medicina, Engenharia, Pharmacia, Escola de Comercio e Gymnasio de S. Paulo, Rio, Bahia e Recife. Tenho doutrinado, sem cessar, o operariado; conto já com o apoio dos“camisas verdes”em São Paulo; conto já com o apoio dos ferroviários da Mogyana, Paulista, Sorocabana e Nordeste, podendo vestir-lhes a “camisa verde”, que pedem.

Quando lemos a introdução desta carta, tem-se a impressão de que nunca foi interrompido o diálogo entre eles, fato que é negado por Sombra, quando afirma que nunca havia recebido dele nenhuma carta. “Vou publicar uma revista Estudos Integralistas, em São Paulo”. Plínio Salgado continua a relatar, como se fizesse uma prestação de contas, o que ele estava desenvolvendo aqui.

Em Minas Geraes, o Olbiano de Mello caminha vitorioso. No Distrito Federal, a cousa vae indo muito bem. No Rio Grande do Sul estou começando. Já tenho núcleos no Amazonas, Pará, Paraíba e Goyaz, além dos do Estados que citei acima; grande parte dos voluntários paulistas vieram comnosco. Um delles foi meu candidato à Constituinte (cumpria justamente uma pena, como participante e responsável por um dos movimentos mais liberais e plutocrata realizado no Brasil”. (Nota Oficial mandada

262 SOMBRA, Severino. Memórias. Vassouras, RJ. op. cit.

150

publicar em Recife (Jornal Pequeno” de 22 de Março de 1934)

Em desabafo, mais tarde Sombra diria numa entrevista gravada pertencente ao CEDIK: “Ah! O Sr Plínio que deixara S. Paulo sangrando de dor e viera ao Congresso Revolucionário do Rio, andava agora, choramingando pedidos aos “amigos de S. Paulo!!!”

7- A Dissidência de Severino Sombra.

Ao tomar conhecimento de dissidência dele, outros membros da AIB também o fizeram, como o exemplo citado dos participantes do Sul do país. Em carta aberta a população do Rio Grande do Sul, assinada por Humberto Della Méa, Eduardo Martins Gonçalves, Pedro Weinmann, Andrino Braga, Alcino Trindade, Helio F. Sporleder, Horacio Duarte. Carta dirigida aos principais jornais do Rio Grande do Sul colocam os motivos que os levaram a tomarem tal atitude. Enumeraram que dentro das hostes integralistas havia: maçons; que existia tal desorganização dentro da hierarquia; falta de sinceridade no relato dos dados; que o movimento que se dizia cristão passava agora a ser somente “deista”, aceitando até budistas:

O Triunvirato Provincial procurando elucidar essa dúvida deu uma carta assinada pelo Dr. Leães Sobrinho, em que elle fazia referências ao Congresso de Victória, no qual tomara parte como representante desta Província, e onde, para demonstrar o christianismo do movimento; dizia que nelle, até budhista poderia ingressar.

263

Como se pode observar, não foi somente Severino Sombra que se desligou da AIB, porém sua dissidência foi vista por seus antigos companheiros como uma traição. Helder Câmara escreveu no jornal “A Ação”, de 11 de fevereiro de 1934, crítica feroz ao antigo companheiro. Onde dizia: “a relação do Integralismo com falsos católicos, já havia conhecido, desde os primeiros tempos um traidor em potencial: o Severino Sombra, que causa ojeriza aos seus amigos de ontem

264”. Helder Câmara afirmava que seu antes amigo feria agora os

263 Carta aberta à população do Rio Grande do Sul. Severino SOMBRA, Vassouras-RJ. 264 CÂMARA, Helder. “O Integralismo em face do Catolicismo”. In: Enciclopédia do Integralismo V. IV. Rio de Janeiro: Editora Livraria Clássica Brasileira, 1958. p 74.

151

sentimentos cristãos daqueles que de boa vontade ansiavam pelas reformas no meio trabalhista brasileiro.“Mais uma vez surgiram dúvidas sobre perigos de heresias na doutrina e prática integralista.” Suas queixas reportavam o desentendimento entre os participantes do Sigma liderados por Severino Sombra, que abria uma brecha nas fileiras integralistas:

Católicos, bem intencionados uns mal intencionados outros, têm tentado jogar uma contra a outra, a cidade de Deus e a cidade da terra. Não aprende, ao que parece, que o nacionalismo orgânico das pátrias totalitárias é o sentido novo do século. Isto deveria bastar para a Igreja, tomando sua posição providencial na caminhada humana, de logo se prestasse a focalizar todos os belos valores positivos que a nova idéia contém. Que todos os que se levantaram em pontos diversos do Brasil contra a doutrina do Sigma meditem no que lhes manda um sacerdote camisa-verde da província do Ceará...

O Padre, que fora afilhado de Severino Sombra, quando da sua ordenação sacerdotal não reconhecia mais o antigo amigo e reclamava deste ter enviado uma carta as Autoridades Eclesiásticas, esperando ser condenado por elas o movimento.

265.

Por todas essas circunstâncias, a LCT representou um momento importante na História dos movimentos de massa no Brasil

266. Não foi objetivo desse artigo falar da biografia de Severino

Sombra. O que pretendemos é mostrar até que ponto "certas contingências" moldam o modo de ser e de pensar de alguns indivíduos. Quais os nexos que levaram Severino Sombra a estruturar um ideal capaz de organizar um movimento que trazia em seu bojo a filosofia social-cristã, que pregava o retorno à terra, estruturada nos moldes do período medieval. A LCT sendo corporativa propunha a abolição das classes e imprimia a esse movimento a necessidade de um governo forte. Se compreendermos suas motivações e sua interpretação, deste momento da historiografia, talvez possamos encontrar alguma idéia para as soluções que nos apresentam o momento político atual, visto que, a História como o pêndulo de um relógio, sempre se repete. É com esse objetivo que nos lançamos

265 Ibid. p. 74. 266 PONTE. op. cit., p. 374.

152

nesta pesquisa, através da compreensão do passado buscarmos entender o nosso presente.

8- O Integralismo: conclusões finais.

Das três vertentes sobre as quais se diz da formação do integralismo; Gustavo Barroso, então presidente da Academia de Brasileira de Letras, já com 44 anos, que ele entrará em contato com as idéias plínianas. Leu pela primeira vez o Manifesto de Outubro de 1932. Assim passa em 1933, a integrar as fileiras verdes. Publicando a sua primeira obra integralista, onde reúne uma série de conferencias datadas do mesmo ano. Somente a partir de “O Integralismo em Marcha” que ele adotara suas ideologias anti-semitas, após a tradução que fez do “O Protocolo de Sião”. Com esse trabalho ele denunciava aos brasileiros o que ele considerava que estava por trás do “mal do mundo”. Quando lançou “Brasil – Colônia de Banqueiros” tenta demonstrar que a crise nacional é “produzida historicamente pelo capital inglês “mas precisamente por Rotschild, por um judeu que há um século subordina a economia brasileira ao interesses do banqueirismo internacional e faz do governo uma marionete

267”.

Gustavo Barroso não foi apenas conhecido pela ampla produção literária, mas também pelas inúmeras atividades que desempenhou ao longo da vida. Cearense, nascido em 29 de dezembro de 1888, em Fortaleza, iniciou cedo sua vida intelectual. Foi advogado, jornalista, político, escritor. Empenhou-se no projeto de renovar a sociedade “da restauração do culto de seu glorioso passado

268”. Ao teorizar sobre a nova posição política procurou na

análise histórico-economica, as causas do depauperamento de nossa economia e encontra essa causa a partir dos primeiros empréstimos externos tomados a banqueiros judeus logo aos a Independência e que se desdobraram e assumiram uma nova forma de colonização

269Acreditando nas igualdades humanas traçou analogias

entre os cantadores sertanejos e os menestréis medievais. Foi secretario do Estado do Interior e da Justiça, no Ceará , em 1914,

267 RAGO FILHO, Antonio. A Crítica Romântica à Miséria Brasileira de Gustavo Barroso. Dissertação (Mestrado em História). Departamento de Pós-Graduação em Historia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, 1989. p. 8. 268Ibid. p. 2-10. 269 SOUZA, Francisco Martins. “O Integralismo”. In : Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. p. 64.

153

elegendo-se deputado Federal no ano seguinte. Foi, sem sombra de dúvidas, o segundo homem no integralismo.Aderiu a AIB em 1933. Foi um dos responsáveis pelas “bandeiras” - grupos de intelectuais que percorriam o país para divulgar e criar novos grupos. Foi o comandante-geral das milícias integralistas e respondia pela secretaria Nacional de Educação Moral e Cívica, além de ser membro do Conselho Supremo

270.

Já para Miguel Reale, o integralismo era fruto de um amadurecimento analítico dos problemas que rondavam o nosso país, dentro das nossas especificidades e, não uma expressão mimética de fenômenos como o fascismo italiano e muito menos do nazismo.Ele inicia assim uma corrente visando mais o desenvolvimento social vinculado ao problema da liberdade “Essa corrente foi iniciada com a reflexão jurídico-poíitica, que tomando a si a posição de vanguarda entre os jovens de sua época, assumiu a tarefa de teorizar princípios desta filosofia política ligada ao processo revolucionário que se desdobrava

271”.Para ele haveria uma possibilidade de aglutinar os

interesses dos sindicatos e respectivas corporações. Reale toma o socialismo como um valor que se vinculará a toda a problemática brasileira. “Corporação e sindicato, conceitos que para ele, serão trabalhados ao nível da sociologia, da Economia, da Ciência Jurídica e finalmente ao nível da reflexão da filosofia política. Essa seria a base sobre a qual alicerçaria o arcabouço da unidade planejada para a integração e respectivos ordenamentos”

272.Coube a ele dentro das

fileiras do credo verde, à organização jurídico-política ordenamento de um Estado modernizador, portanto, uma proposta mais tecnicista. Ele nascido na mesma cidade de Plínio São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo, em 1910. Jurista famoso, professor do Largo São Francisco, político, escritor, aderiu ao integralismo em 1933, após contato com as idéias integralistas vistas por ele naquele momento como capazes de dar uma resposta ao artificialismo em que estavam submetidas as intelectualidades brasileiras. Afastou-se do movimento após o golpe de 37, por discordar da aliança feita entre o integralismo com os liberais em 1938. Formou com Barroso e Salgado o tripé da

270 SIMÔES, Renata Duarte. Integralismo e Ação Católica: Sistematizando as Propostas Políticas e Educacionais de Plínio Salgado, Jackson de Figueiredo e Alceu do Amoroso Lima no Período de 1921 a 1945. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Estudos de Pós-Graduados em Educação: História, Política e Sociedade da Pontifícia Universidade de São Paulo, 2005. p. 56. 271 SOUZA. op. cit., p. 64. 272 Ibid. p. 64.

154

base integralista. Já, sobre a biografia de Plínio Salgado desnecessário se faz discorrer sobre ela, pois muitos já o fizeram.

Quando a historiografia nacional questiona o Integralismo, traz a afirmativa de que “a Legião Cearense do Trabalho teve uma grande repercussão política, a ponto de ter precedido e reforçado a convergência ideológica de direita que se manifestou nessa época”

273,

A LCT criou as bases do Integralismo e demonstrou que Plínio Salgado já tinha a pretensão de criar um Estado integral, forte, determinante; mas o projeto político que a AIB ofereceu em 1932, quando foi fundada, era emprestado da Legião criada por Sombra. Este foi um movimento de expressão, que defendia o trabalho e que não aceitava a possibilidade deste ser tratado como mercadoria

274, sujeito à lei de

oferta e procura: “A influência da Carta Del Lavoro, fica evidente (...),neste contexto, a Legião é a precursora da legislação trabalhista no Brasil”

275. Esta corrente “a analisar , além da natureza ideológica

do movimento, as condições históricas que permitiram o seu nascimento.”

276

Uma outra corrente intelectual, liderada pela interpretação chasiniana, vê o Integralismo como resposta ao capitalismo hiper-tardio, como foi o caso em nosso país. Partindo do pressuposto que a crítica do Integralismo tem sucumbido “a explicação mimética, negando sua identidade com o fascismo europeu, mas, pelo contrário, o Integralismo seria uma ideologia reacionária e utópica,“uma forma de regressão” no desenvolvimento do capitalismo nacional.

277

O forte sentimento religioso e místico do nordestino, “temente a Deus" e, a fraca industrialização que ocorria nos Estados brasileiros que se situavam fora do eixo Rio- São Paulo, não permitindo por parte dos trabalhadores, a compreensão da sua capacidade de influir nos vários segmentos da sociedade brasileira. Nos dois casos, os trabalhadores deveriam ser isentos de culpa, até porque esses “sucessos da direita no Brasil’ só se deram em função das

273 TRINDADE. H. Integralismo : fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: DIFEL, 1974. p. 114. 274 SOMBRA. Apud. TRINDADE, Hélgio. p. 115. 275 Embora Hélgio Trindade tenha afirmado isso, em sua obra citada, na página 115, em nossa leitura é bastante problemática a afirmação sobre a criação das leis trabalhistas no país, a partir da Carta Del Lavorno; a respeito ver: MELQUIOR, J. G. “Grandeza de Batle” In : O Argumento Liberal. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983. p. 257-354. 276 CAVALARI, R. M. Feiteiro- Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937) Bauru, SP : EDUSC., 1999. p. 21. 277 CAVALARI, R.M.F. op. cit. p. 26.

155

contingências mostradas. Embora tenha sido desqualificado pela historiografia como mero fascismo caboclo

278, na verdade o

Integralismo não pode ser repudiado pela História, pois foi uma resposta às transformações políticas, econômica, cultural e religiosa ocorridas entre as duas guerras mundiais, fornecendo o espaço para a penetração de idéias totalitaristas, já que a classe média não dispunha de nenhum projeto social e político. Os operários desorganizados, à falta de uma burguesia nacional plenamente constituída, fizeram com que surgisse "um vazio de poder", que somente o Estado poderia "preencher", ajudado pelos militares. Nascido desse vazio político, o Estado é o sujeito histórico do Brasil.

279

278 TRINDADE. Apud, CAVALARI. op.cit., p. 9. 279 CHAUÍ, Marilena; FRANCO. M, Silvia. op. cit., p 19, 20 ,21.

EMÍLIA CARNEVALI DA SILVA - Mestre em História Política. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo. São Paulo, 2006.

156

8. A IMPRENSA INTEGRALISTA DE SÃO PAULO E OS TRABALHADORES URBANOS (1932-1938)

Renato Alencar Dotta

De uma forma geral, a imprensa é um vasto e diversificado depositário de informações, documento riquíssimo para a pesquisa histórica. Já há muito está superado o conceito de que a imprensa, por ser tendenciosa – seja a “grande imprensa”, a de caráter partidário etc. – não seria útil para a investigação historiográfica. Como é sabido, esse caráter tendencioso pode elucidar muito mais a respeito da própria fonte do que sobre seu objeto de descrição. No que tange à imprensa partidária – ainda mais desprezada – esquece-se que ela pode ser uma fonte fundamental a respeito do partido ou ideologia dos quais determinado periódico é porta-voz. No dizer de Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, “a escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social”.

280

Na imprensa integralista não foi diferente. Neste texto, pretendo fazer uma análise da trajetória da imprensa integralista na capital paulista, centrando-me nas questões sindicais e trabalhistas, as quais ocupavam espaços consideráveis em vários de seus jornais. Tal tema – a relação entre integralistas e trabalhadores – também tem sido pouco estudado. Esse artigo pretende ser uma contribuição para o conhecimento da imprensa integralista e do espaço reservado às questões sindicias e trabalhistas nessa mesma imprensa. Enfatizei a análise do jornal Acção, que foi um dos principais periódicos integralistas do país na década de 1930.

No que tange à questão operária, verifiquei que nos livros doutrinários de autores integralistas (Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Miguel Reale, Olbiano de Mello, dentre outros), um discurso específico voltado para - ou sobre - os trabalhadores foi pouco comum. Nestes, poderia ser encontrada, no máximo, uma temática sindical-corporativa,

280 CAPELATO, Maria Helena & PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino – Imprensa e ideologia: o jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980, p. 19.

157

que era, porém, de caráter abstrato, e que muito pouco poderia informar sobre a relação entre integralistas e trabalhadores.

A imprensa do movimento integralista era bem abrangente. Várias capitais - de Manaus a Porto Alegre - e cidades de interior dos estados possuíam, no auge do movimento, um jornal diário ou semanário diretamente vinculado ao movimento, formando uma cadeia de jornais de nível nacional que foi batizada de “Sigma Jornaes Reunidos”, que incluía ainda revistas de circulação nacional. Havia ainda jornais que não pertenciam ao movimento, mas que, simpatizando abertamente com a causa integralista, publicavam artigos de chefes e militantes.

281

O foco sobre a imprensa integralista no estado de São Paulo – e não outro estado – se justifica porque o mesmo já possuía naquele momento o maior contingente operário do Brasil.

282

Antes de analisarmos o Acção, um dos principais jornais integralistas do país, faremos uma pequena retrospectiva da imprensa do movimento publicada na capital paulista

283. O primeiro jornal da AIB

publicado na cidade de São Paulo (aliás, o primeiro no Brasil) foi O Integralista, lançado em dezembro de 1932, e era o porta-voz do Departamento Universitário da AIB da Província de São Paulo. Entre seus artigos, estão textos de interesse cultural e livresco, além de alguns fatos políticos. Nos quatro exemplares encontrados, não há textos sobre operários ou trabalho. Os exemplares são de datas com

281 Detive-me nos jornais da capital paulista e que tinham alcance por todo o estado. Estão excluídos, pois, os jornais publicados no interior do estado. As revistas eram Anauê (sediada no Rio de Janeiro) e Panorama (com redação em São Paulo e sob a responsabilidade de Miguel Reale). Quanto aos jornais, havia até uma folha integralista em língua alemã em Novo Hamburgo (RS), chamada Der Kampf. Para uma ampla relação dos periódicos integralistas, v. TRINDADE, op. cit., p. 361-3 e CAVALARI, Rosa M., op. cit., anexo II. A “Sigma Jornaes Reunidos” chegou a ter 88 jornais (CAVALARI, Rosa M., op. cit., p.58). Não encontrei listas de jornais simpatizantes, mas há indicações valiosas sobre isso em GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil, P. Alegre, Mercado Aberto, 1987, e CALDEIRA, João R. Integralismo e Política Regional – A Ação Integralista no Maranhão (1933-1937). S. Paulo, Anna Blume, 1999. 282 Como exemplo, em 1939, o estado de São Paulo tinha 476 472 trabalhadores na indústria, ou 42,84 % de todo o país. O segundo contingente ficava no Distrito Federal, com 16,78 %. CARONE, op. cit., p. 100. 283 O único periódico integralista do qual encontramos referência na História da Imprensa Brasileira, de Nelson Werneck Sodré, foi A Offensiva, do Rio de

Janeiro. Aliás, nem é citado seu caráter partidário. V. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 384.

158

espaços de tempo variáveis entre si, não sendo possível precisar uma periodicidade (o número 1 é de dezembro de 1932, os outros exemplares são: dois de 1935 e um de 1936).

Outro periódico integralista sediado em São Paulo chamava-se Variedades, do qual localizamos apenas o exemplar de número 4, datado de outubro de 1933. Sob a direção de Adelmo Sampaio, tinha por subtítulo: “Gazeta Literária-Política-Noticiosa”. Apesar do título vago, a maior parte dos textos desse exemplar foi escrita por militantes da AIB e referentes ao integralismo. Não existe, contudo, nenhum artigo referente à questão trabalhista.

O Aço Verde foi um periódico integralista publicado na cidade de São Paulo, de caráter mais geral, com a intenção de atingir um maior público, isso já em 1935. Dirigido por Osvaldo Bastos, de periodicidade semanal, seu primeiro número possui oito páginas. A data escolhida para o surgimento do jornal não foi casual: 23 de maio, efeméride já celebrada pela elite paulista como um símbolo de resistência ao governo Vargas.

284

É a mocidade de uma Província humilhada por uma ditadura inepta que se ergue forte e luta! É Miragaia, por exemplo, que cai sem vida! É mais tarde, sua irmã que veste uma camisa verde, em resposta aos exploradores do sangue ainda quente de uma mocidade generosa! É o batismo de fogo de uma geração, que despertou para glória da vida no lamaçal das trincheiras! (...) O Aço Verde aparece neste dia histórico de Piratininga gloriosa – para ser a grande Tribuna donde falarão os moços paulistas a palavra moça da Revolução Integralista.

285

284 Em 23 de maio de 1932, os estudantes Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo foram mortos num protesto depois de atacarem, juntamente com uma multidão a redação de um jornal favorável ao governo Vargas. Os jovens, mais conhecidos pela sigla MMDC, foram considerados “mártires” pela elite paulista. Esse fato seria um dos estopins da chamada Revolução Constitucionalista. Curiosamente, nesse mesmo dia era empastelado por motivos semelhantes o jornal A Razão, que veiculava os artigos de Plínio

Salgado antes da criação da AIB. 285 BASTOS, Oswaldo. “O nosso aparecimento”, O Aço Verde, 23/5/1935 (nº 1), p.2.

159

Embora não houvesse uma seção voltada ao operariado no semanário, as notícias e textos doutrinários dirigidos aos trabalhadores eram freqüentes. Logo no primeiro número, é publicado o artigo “O operariado em face do Integralismo”, que segue uma estrutura que será recorrente em outros artigos de jornal: critica-se o capitalismo e o liberalismo, depois a “ilusão” do comunismo e, por fim, mostra-se que a “solução” seria o Estado forte corporativo representado pelo integralismo.

286

Uma tônica do jornal será o anticomunismo, voltado para a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que vinha arrebanhando um número crescente de militantes, inclusive no meio operário. Assim, o texto “Pão, Terra e Liberdade”, desqualifica o mote da ANL ao mesmo tempo que exalta o da AIB (“Deus, Pátria e Família”):

Operários! Vosso lugar é com os vossos companheiros que aos milhares já estão no Integralismo. Só o Integralismo dará PÃO, TERRA e LIBERDADE.

Sem Deus, não há justiça, logo não há pão.

Sem Pátria, não há direitos para os nacionais, logo não há terra.

Sem Família, não há dignidade humana, logo não há liberdade.

Só o Integralismo dará Pão, Terra e Liberdade, em nome da justiça de Deus, da honra da Pátria e dos direitos da Família!

287

Somado a esse anticomunismo, o anti-semitismo também aparece nas páginas do jornal:

O consórcio entre o comunismo disfarçado da Aliança Nacional Libertadora e o Judaísmo Internacional, é patente. Vimos na organização do diretório de Belo Horizonte, diversos nomes de judeus, à frente dos ‘aliancistas’ daquela Província. (...)

286 FUNARI, Clemente. “O operariado em face do Integralismo”, O Aço Verde, 23/5/1935 (nº 1), p. 8. 287 “Pão, Terra e Liberdade”, O Aço Verde, 30/5/1935 (nº 2), p. 1.

160

O último comício anti-integralista, realizado em local cedido pelo judeu Saul Cag, proprietário do Rink São Paulo, teve entre os seus oradores os conhecidos hebreus, Leunroth (sic) e Fúlvio Abramo.

E a estupidez burguesa ainda assim ficará pensando que o problema judaico é uma criação da fantasia dos Srs. Henry Ford, Leon de Poncins, do povo alemão e dos integralistas?

288

À caça de adeptos e eleitores, é publicado, nesse mesmo número, um modelo de boletim para trabalhadores rurais, que os convoca a entrarem na AIB. Esse boletim era para ser reproduzido pelos núcleos integralistas do interior do estado e distribuídos “aos milhares, em todas as cidades”:

Lavrador humilde, que trabalha o dia inteiro e não tens conforto em casa, nem livros, nem instrução para teus filhos, nem crédito, nem descanso na velhice (...)

Isso assim, como estás, não é vida! Isso precisa acabar! Precisa raiar dias melhores, para ti e para teus filhos!

Vem ajudar os teus companheiros! Entra, já, para as fileiras dos 450.000 camisas-verdes! 289

O jornal também não deixou de defender a política trabalhista da Itália fascista, em texto que diz que aquele país era “uma imensa oficina em que o trabalho se desenvolve num ritmo fecundo e feliz”.

290

Através dessa rápida análise, vemos que o jornal integralista que antecede o Acção já procurava manter um diálogo com os trabalhadores, muito embora com um discurso calcado nos dogmas integralistas do anticomunismo e até no anti-semitismo. Não sabemos quando O Aço Verde deixa de circular. O exemplar mais recente encontrado é o de nº 17, datado de 19 de outubro de 1935.

288 “Aliança & Judaísmo S. A.”, O Aço Verde, 20/6/1935 (nº 5), p. 8.

289 “Aos trabalhadores rurais! Aos colonos! Aos sitiantes! Leiam com atenção!”, O Aço Verde, 20/6/1935 (nº 5), p. 8. 290 RIVELLI, César. “Fascismo e trabalho”. O Aço Verde, 6/7/1935 (nº 7), p. 8.

161

Assim, vemos que era comum os jornais integralistas fazerem referências a operários e trabalhadores em geral, sobretudo a partir de 1935, quando a AIB sofre um grande impulso em termos de quantidade de adeptos.

291

Para se ter uma idéia da importância da questão do trabalhador no movimento integralista, houve desde o primeiro número do Acção, uma seção chamada “Syndicalismo” – depois “A Nota Syndical” - que vai marcar presença no jornal até praticamente a extinção da AIB como partido político em dezembro de 1937. A seção sindical circulava diariamente. Esta – nem sempre assinada – variou de formato através do tempo. De início, além do texto principal, havia convocações sindicais profissionais, entrevistas com pessoas do meio sindical, anúncios publicitários. Alguns meses depois, a coluna fica restrita àquele texto principal e o noticiário referente ao trabalhador invade outras páginas do jornal, sobretudo a última (posição estratégica, já que tal página tende a ficar mais exposta que as outras, à exceção da capa).

Além da seção sindical, existem notícias referentes às questões do trabalho. Entre os militantes, o Acção certamente era uma importante caixa de ressonância das idéias e ideais integralistas, mas podemos crer que ressoava para além da esfera das fileiras verdes, já que o jornal chegou a uma circulação de 78 mil exemplares em nível estadual

292. Ou seja, em tese, operários de diversos centros urbanos

do estado de São Paulo poderiam tomar conhecimento dos pareceres do jornal.

293

291 A Offensiva, com redação no Rio de Janeiro, mas de circulação nacional, por exemplo, possuía uma “Página Syndical”. Quanto ao número de filiados da AIB, temos apenas os computados pelos próprios integralistas, que devem ser examinados com cuidado, por seus fins propagandísticos. Assim, temos em fins de 1933: cerca de 20 mil inscritos; em 1934, 180 mil; 1935, 380 mil; em 1936, o número teria saltado para 918 mil; e até julho de 1937, chegado a 1 milhão 352 mil militantes inscritos. V. CAVALARI, Rosa M., op. cit., p. 34. Cavalari colhe esses dados do jornal Monitor Integralista de 7/10/1936, p. 4. 292 Ver Acção, 22/10/1936, p. 6 (“Não há município de São Paulo que não receba este jornal.”) e 12/11/1937, p. 1. Em 8/5/1937, p.3, há indicação de que Acção circula em “mais de 400 municípios e distritos brasileiros.” 293 Apesar de o analfabetismo ser alto neste momento (sendo que provavelmente, muitos dos não-alfabetizados eram trabalhadores de baixa renda), não podemos esquecer que havia uma tradição de imprensa operária, em geral ligada a anarquistas ou socialistas. Sobre essa tradição ver: FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil – 1880-1920. Petrópolis, Vozes, 1978.

162

Tal momento, analisado nas páginas do Acção, cobre ainda um período particularmente dinâmico do movimento: desde 1935 há uma tendência crescente da militância

294;em dezembro de 1936, há um

Congresso Operário Integralista, de nível nacional, no Rio; em maio de 1937, a candidatura de Plínio Salgado à presidência da República; no final do mesmo ano há a aproximação com o governo de Vargas

295 e a

cancelamento das eleições presidenciais de 1938, antes do golpe do Estado Novo, quando, por fim, a AIB deixa de existir como partido político. O diário continua circulando ditadura Vargas adentro, porém com a prescrição do termo “integralismo”, e a AIB passa a se chamar Associação Brasileira de Cultura (ABC).

296

O diário Acção, órgão da AIB na capital paulista, teve seu primeiro número lançado em 7 de outubro de 1936, quarto aniversário de fundação da Ação Integralista. A primeira sede da redação do jornal localizava-se na Rua do Carmo, 17, 1º andar, e, depois (a partir do dia

294 Além das estatísticas referentes ao número de adeptos, já citadas, um indicador mais confiável são os números referentes às eleições de 1936: “Nas eleições municipais realizadas em alguns estados nesse mesmo mês [março 1936], a AIB conseguiu uma importante vitória, capitalizando o clima de anticomunismo existente no país: elegeu 24 prefeitos e mais de quinhentos vereadores em Santa Catarina, S. Paulo, Ceará, Alagoas, totalizando cerca de 250 mil votos.” BELLOCH, Israel e ABREU, Alzira Alves de (orgs.) op. cit., vol.

3, p. 3056 (verbete “Plínio Salgado”). 295 Entre os principais fatos que apontam uma crescente aproximação entre a AIB e o governo federal estão a suspensão da perseguição e a libertação dos integralistas presos na Bahia, ordens expedidas pelo Tribunal de Segurança Nacional. Além disso, a imprensa integralista mostra apoio a iniciativas governamentais. Contudo, o ponto culminante dessa aproximação/colaboração foi a confecção do chamado “Plano Cohen” –suposto plano de subversão comunista – por um integralista, o cap. Olímpio Mourão Filho. Esse plano foi utilizado como pretexto para o golpe de novembro de 1937. HILTON, Stanley., op. cit., pp. 37-57. 296 Nesse período, sem opções, o Acção vai oficialmente apoiar o Estado Novo. O jornal deixa de existir a menos de um mês antes da “Intentona Integralista” de 11 de maio de 1938. Esta consistiu de uma revolta que exprimia a insatisfação - não só de integralistas, mas também de grupos liberais (dela participaram representantes da família Mesquita, Otávio Mangabeira e o Cel. Euclides Figueiredo, entre os líderes). Suas ações restringiram-se basicamente ao dia 11 de maio de 1938, quando foram atacados o Palácio Guanabara, residência oficial do presidente Vargas e sua família, e o Ministério da Marinha, ambos no Rio de Janeiro. Entre os líderes da conspiração estavam Belmiro Valverde, o Gen. Castro Jr. e o Ten. Severo Fournier (estes últimos, não-integralistas). A grande maioria de soldados e marinheiros envolvidos (além de alguns civis) era formada por integralistas. Sobre esse episódio, v. SILVA, Hélio. op. cit.

163

3/8/1937), com oficinas próprias, na Rua Irmã Simpliciana, n º 17-A, no centro de São Paulo

297. Pretendia ser um jornal de circulação estadual

(ou “provincial”, nos termos integralistas) e, se possível, ser lido em outros estados. Com exceção das segundas-feiras, circulou ininterruptamente até 23 de abril de 1938, já durante a vigência do Estado Novo.

Os jornais integralistas tinham como razão mesma de sua existência, a divulgação da doutrina partidária. Para um melhor controle, unificou-se todos os periódicos da AIB numa rede, chamada Sigma Jornaes Reunidos, criada em 1935 e subordinada à Secretaria Nacional de Propaganda. O diário Acção, naturalmente, era parte deste “consórcio jornalístico”.

298

Acção foi, sem dúvida, o maior investimento, em termos de imprensa, da AIB em São Paulo, tendo se tornado um dos mais importantes veículos publicitários do partido. Não é à toa que ele surge exatamente em 1936. Este foi considerado o “Ano Verde”, pois além da crescente militância, sobretudo após a tentativa fracassada de tomada do poder conhecida como Intentona Comunista (o sentimento anti-comunista era muito explorado pelos integralistas), os camisas-verdes tiveram importantes vitórias nas eleições de 1936 em diversos estados, chegando a eleger no estado de São Paulo, dois prefeitos e vários vereadores incluindo um na capital.

299 Vislumbravam a hipótese que

parecia cada vez mais palpável de chegar ao poder, pois aproximavam-se as eleições presidenciais de 1938, na qual Plínio Salgado sairia candidato. Por tudo isso, provavelmente a seção paulista da AIB possuía dinheiro em caixa para financiar um jornal diário mais ou menos nos moldes do vespertino integralista carioca, A Offensiva (do qual, por sinal, o Acção por vezes reproduzia matérias)

300.

297 “Jornal ‘Acção’ ” (anúncio). Acção, 3/8/1937, p. 1. A Rua Irmã Simpliciana, hoje, é uma pequena rua no lado norte da Praça da Sé, ligando esta à Rua Venceslau Brás. 298 CAVALARI, Rosa M. op. cit., p. 84. 299 Os candidatos a prefeito do Sigma venceram em Presidente Prudente e Cravinhos. Aquele, Bento Fontão Lippel, era ferroviário. O prefeito de Cravinhos foi Pedro de Gasperi. O vereador da capital era José Cyrillo Jr. Acção, 9/10/1936, p. 1. 300 Principal jornal da AIB, com redação no Rio de Janeiro, tinha circulação nacional. Inicialmente semanal, depois diário e matutino, A Offensiva foi

fundado por Plínio Salgado a 17/5/1934 e extinto em março de 1938, sendo, provavelmente, o periódico integralista de maior longevidade nos anos 30. Dirigido por seu fundador, tinha como chefe de redação Madeira de Freitas,

164

Durante toda sua existência, o Acção teve como diretor e editor Miguel Reale, que escrevia com freqüência no jornal, e Paulo Paulista de Ulhoa Cintra como “secretário” da folha. Advogado, Cintra era também chefe municipal da AIB em São Bernardo, tornando-se depois membro da Câmara dos Quatrocentos

301. Já a gerência passou

pelas mãos de Eduardo Graziano (médico) até 14/1/1938, e José Ribeiro de Barros (desta última data até a extinção do periódico, três meses depois). Além destes, Mário Mazzei Guimarães

302 (advogado) e

Benedito Vaz303

eram os redatores principais das notícias.

É interessante acompanhar as lembranças de Miguel Reale, em suas Memórias, uma das poucas fontes de informação sobre o Acção.

304 Reale lembra da criação do jornal praticamente como uma

iniciativa pessoal, juntamente com alguns amigos próximos, aos quais manifestou seu propósito de fundar um diário em São Paulo.

305

Segundo o ex-teórico integralista, “Acção foi um vespertino vibrátil e até mesmo agressivo. Tosco como um moirão mal lavrado e à pressa fincado na terra para servir de marco militar, denunciava tanto a

Thiers Martins Moreira na secretaria e Santos Maia na gerência. Entre seus colaboradores estavam Miguel Reale, Luis da Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Hélio Viana, Ernani Silva Bruno, Olbiano de Mello e Oliveira Viana. BELLOCH, Israel e ABREU, Alzira Alves de (orgs.) op. cit., p. 2425, v. 3

(verbete “A Ofensiva”). 301 A Câmara dos Quatrocentos, órgão consultivo da AIB, formada em junho de 1937 era “composta de militantes de diversas províncias integralistas”. TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O fascismo..., op. cit., p. 175.

302 Mário Mazzei Guimarães foi chefe municipal da AIB em Colina, município localizado na região de Barretos (SP). Nos anos 40, trabalharia como redator-chefe do grupo jornalístico Folhas da capital paulista. V. VITALE, João. Adeus, Mico, Adeus! – Desafios de uma vida (memórias). São Paulo, Edições GRD,

1996, p. 101. Vitale foi militante na AIB, no núcleo de Barretos. 303 Benedito Vaz nasceu em Ipameri (GO) em 28/8/1913. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1936. Segundo Damião Duque de Farias, era “membro destacado da JOC (Juventude Operária Católica)”, mas não teve papel de destaque na AIB. Advogado e jornalista, depois do Estado Novo entrou no Partido Social Democrático (PSD) em 1949, e no ano seguinte elegeu-se deputado federal pelo seu estado natal na mesma legenda. A partir de 1965, passou a pertencer ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). BELLOCH, Israel e ABREU, Alzira Alves. op. cit., pp. 3518-9, v. 4 (verbete “Benedito Vaz”); FARIAS, Damião Duque de. Em Defesa da Ordem – Aspectos da práxis conservadora católica no meio operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Hucitec, 1998, p. 187. 304 REALE, Miguel. Memórias. Volume 1: Destinos Cruzados. São Paulo, Saraiva, 1986, pp. 110-117. 305 Ibid., pp. 110-111.

165

pobreza dos recursos como a inexperiência dos ‘focas’ que o redigiam”.

306

Tendo atingido uma tiragem declarada de 78 mil exemplares

307, o jornal se pretendia de circulação estadual, e às vezes

até fora do estado. Seu formato, em seu primeiro ano de existência (isto é, do número 1 até 27/9/1937), era próximo do formato que hoje chamamos de “standard”, ou seja, 60 centímetros de altura por 48 de largura. A partir do dia 28 de setembro até sua dissolução, o Acção passa a ter um formato mais próximo do “tablóide”, mais exatamente 49 centímetros de altura por 33 de largura. Ao mesmo tempo, o jornal passa de vespertino para matutino

308.

Assim como os demais jornais integralistas sediados em capitais, as imagens da folha eram basicamente fotos personalistas, sobretudo de líderes integralistas, fotos de reuniões do movimento (em sua maioria com os militantes fazendo a saudação com o braço e ostentando o sigma e bandeiras), e eventualmente, cartuns

309.

Contudo, o jornal não pretendia ser apenas um repetidor do que se lia nos livros e panfletos integralistas. Mas, de acordo com Reale, “era preocupação diuturna dos colaboradores a análise da conjuntura social e econômica do País, desde o problema da dívida externa às causas determinantes da persistente crise agrícola e industrial”

310. Tal esforço visava, contudo, fins doutrinários, pois tudo

isso era veiculado de uma maneira a direcionar o pensamento do leitor e/ou militante.

Miguel Reale afirma que, mesmo antes do Estado Novo, o jornal foi alvo de censura. O jornal muitas vezes era impedido de fazer críticas ao Partido Constitucionalista (PC), do então candidato às frustradas eleições presidenciais de 1938, Armando de Salles Oliveira. O PC, partido do governo estadual “se valia ilicitamente das leis de exceção (baixadas pelo Governo Federal para combater o comunismo) a fim de nos impor uma rígida censura, com um censor como cérbero a

306 Ibid., p. 113. 307 Acção, 12/11/1937, p. 1. 308 “Nova fase”, Acção, 28/9/1937, p. 3. 309 Cf. CAVALARI, Rosa M. op. cit., p. 90. Segundo Cavalari, “os jornais do interior, aqueles que chegavam até o militante mais distante, eram organizados de modo a reproduzir os jornais maiores, editados nos grandes centros onde se concentrava a elite dirigente do Movimento”. CAVALARI, Rosa M. id., p. 79. 310 REALE, M. op. cit., p. 115.

166

domicílio, a cujo critério palmar éramos obrigados a submeter não só os artigos como todo o noticiário!”

311

O financiamento do Acção era feito através da compra em bancas, ao preço de duzentos réis, além de assinaturas e publicidade em suas páginas. A única análise de caráter histórico realizada sobre este jornal é de autoria de Maria Luiza Tucci Carneiro em seu livro O Anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945)

312. Qualificando-o de

“mensageiro anti-semita”, Tucci Carneiro analisa o linguajar anti-judaico do diário, ramerrão comum naquele período em diversos setores na sociedade brasileira, tema central desta sua tese de doutoramento.

313

Tucci Carneiro, situando a imprensa como importante divulgadora do preconceito contra os judeus nesse momento histórico, privilegia a análise de dois diários: O Estado de S. Paulo e Acção. Destacando reportagens, frases e títulos de notícias referentes aos judeus (ou não necessariamente concernentes a eles) publicados no Acção, a autora aponta que o periódico “expressou, através do noticiário nacional e internacional, nas linhas e entrelinhas de seu texto, um delineado posicionamento anti-semita”, tendência difundida entre vários setores do movimento integralista.

314

De acordo com a pesquisa de Tucci Carneiro, as afirmações de anti-semitismo, apesar de existentes desde o início da circulação do jornal, serão realmente significativas depois do golpe de Estado de 1937, período que a autora identificou como sendo de “um revigoramento do anti-semitismo político e xenófobo nos bastidores do governo Vargas”.

315

311 Ibid. Segundo Reale, a censura do Partido Constitucionalista permitia toda e qualquer crítica ao candidato oficial às eleições presidenciais de 1938 José Américo de Almeida, mas vedava todas em relação ao candidato da oligarquia paulista Salles Oliveira. É curioso que Reale enfatize a censura armandista, mas não dedique nem uma linha à censura do Estado Novo, muito mais intensa, conforme veremos adiante. 312 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945) – Fantasmas de uma geração. São Paulo, Brasiliense, 1995, 2a. edição,

pp. 403-417. 313 Segundo Tucci Carneiro, os integralistas tiveram um papel importante nesta difusão do pensamento anti-semita no Brasil dos anos 30: “o maior número de obras anti-semitas publicadas durante a era Vargas é de autoria de integralistas”. op. cit., p. 353. 314 Id., p. 417. 315 Ibid., p. 393.

167

Além deste estudo, há apenas um verbete no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, assinado por Amélia Cohn, no qual ela relaciona brevemente as principais características do diário, bem como os principais momentos de sua trajetória. Apenas nos permitimos reafirmar que Miguel Reale foi sozinho o diretor do Acção, ao contrário do apontado no verbete que afirma que teria sido Alfredo Egídio de Souza Aranha, ao lado de Reale

316.

Dentro do jornal, privilegiei, conforme já dito, analisar suas seções sindicais, a saber “Syndicalismo” e “A Nota Syndical”, além do noticiário referente ao trabalhador. Segundo Miguel Reale recorda em suas Memórias, é provável que o Acção tenha sido, “talvez, o primeiro jornal do Brasil a dedicar toda uma secção especial ao movimento sindical, anunciando as reuniões, as atividades e as reivindicações das ações profissionais, sempre precedidas de um tópico ilustrativo de um papel do sindicato no mundo contemporâneo.”

317

Optei por não chamar as partes sindicais do jornal de “coluna”, por um motivo muito simples: “Syndicalismo”, por ser formada por vários textos, não é tecnicamente uma coluna, ao contrário de “A Nota Syndical”. O Manual Geral de Redação da Folha de São Paulo, por exemplo, diz que coluna “tem dois sentidos: ou é o espaço usualmente reservado a um colunista ou cada uma das faixas verticais em que as páginas são divididas”

318. Como o caso de “Syndicalismo” não é

nenhum desses (apesar de “A Nota Syndical”, sim) optamos classificar conjuntamente “Syndicalismo” e “A Nota Syndical” como seções, conforme sugestão do editor do diário, Miguel Reale

319.

Podemos dividir o material sindical do Acção em três períodos diferentes: de 7 de outubro de 1936 a 12 de março de 1937 foi o momento de circulação da seção “Syndicalismo”; desta última data até 2 de dezembro de 1937, quando a seção sindical passa a se chamar “A Nota Syndical”, e muda sua configuração, e dessa edição, até 23 de abril de 1938, etapa correspondente ao momento que vai da proibição dos partidos políticos até a extinção do jornal. Neste último período verifica-se que não há mais nenhuma seção sindical, a AIB deixa de

316 COHN, Amélia. “Ação”. In: BELLOCH, I. e ABREU, A. (orgs.) op. cit., p. 10, v. 1. Alfredo Egídio foi editor, sim, do diário A Razão, no qual Plínio Salgado

escrevia em 1931-2, antes, portanto, de fundar a AIB. Sobre esse jornal ver verbete “Razão, A (São Paulo)”, in BELLOCH, I. e ABREU, A. (orgs.) op. cit., pp. 2891-2, v. 4. 317 REALE, M. op. cit., p. 114. 318 FOLHA DE S. PAULO, Manual Geral de Redação. 2a. edição revista e ampliada. São Paulo, 1987. 319 REALE, M. op. cit., p. 114.

168

existir legalmente enquanto partido político e nem sequer o termo “integralismo” e derivados podem ser mencionados nas páginas do jornal

320.

1.2 - As seções sindicais e o noticiário referente ao trabalho

1.2.1 – “Syndicalismo”

Essa seção surgiu logo na primeira edição do jornal, a 7 de outubro de 1936, na página 4. Diária, durando até março de 1937, ela não era composta por apenas um texto, mas, na maioria das vezes, por vários textos.

Em geral, havia um texto doutrinário, indicando o que era o sindicato para o integralismo, quais as vantagens que o operário integralista teria com a ascensão da AIB ao poder, história do sindicalismo, os sindicatos em outros países (sobretudo onde havia regimes autoritários, como Itália e Portugal) e temas correlatos. Outra espécie de texto muito recorrente era o texto reivindicatório, ou seja, de reclamações do trabalhador em relação aos direitos adquiridos da legislação trabalhista então em voga, que muitas vezes não eram respeitados pelos patrões, assim como a morosidade da justiça em punir os violadores das leis. As profissões mais citadas no período estudado foram os bancários e os ferroviários. Além disso, havia anúncios de reuniões sindicais e dos Grupos Profissionais integralistas e balanços de reuniões já acontecidas.

Esse formato, porém, se consolidou apenas a partir do número 4 (10/10/1936). No primeiro número do jornal, havia apenas um texto principal, chamado “Se aqui fosse assim...”, relatando um episódio ocorrido na Itália fascista referente à expulsão de um empresário da Confederação das Indústrias local por ter agredido fisicamente um

320 Trecho de carta de Plínio Salgado a Getúlio Vargas, em 28/1/1938: “Logo [depois do golpe de 10 de novembro de 1937] os jornais, havendo censura oficial, começaram a me atacar, a ridicularizar o movimento integralista. Alguns diretores de jornais me informavam que recebiam ordens diretas de autoridades de abrir fogo contra nós. (...) A censura de imprensa começou a dar ordens que mais parecem de inimigos de V. Exa. Proibiu a publicação de meu nome muitas vezes ou em tipo que ultrapassasse o tamanho indicado; proibiu elogios até literários sobre livros de minha autoria; proibiu que se usassem as palavras integralismo, integralista, integral, etc.” (Apud SILVA, Hélio. op. cit., p. 375, grifo meu). Podemos confirmar esta reclamação de Salgado, ao observarmos as páginas do Acção. De fato, as menções a termos integralistas vão diminuindo conforme passam os dias, até desaparecerem.

169

operário que trabalhava para ele. Ao lado desse texto, notas a respeito de sindicatos e associações diversas.

321

Na edição do dia 8 de outubro, número 2, página 2, além do texto histórico e doutrinário (“Evolução do Sindicato”, não creditado, mas assemelha-se a um resumo de trecho de livro de Reale, Perspectivas Integralistas

322), havia uma notícia referente à lei dos dois

terços, que obrigava a todas as empresas a terem um mínimo de dois terços de empregados brasileiros em seus quadros, em detrimento de estrangeiros. Aliás, o tom dessa notícia é claramente voltado para os empresários.

323

Algumas vezes havia fotografias e, durante certo tempo a seção possuía inserções ou lembretes, que eram usados “quando se queria fixar determinadas idéias” tidas como essência do pensamento a ser transmitido

324. Assim, ladeando o título da seção sindical estavam

as frases:

Trabalhadores do Brasil – Uni-vos contra o Capitalismo e o Comunismo

O Integralismo dará aos trabalhadores Trabalho, Salário justo e Educação.

325

321 Algumas muito estranhas, aliás, pois várias delas não tem qualquer vínculo com o mundo sindical. Vejamos alguns: “Sociedade de Medicina Legal e Criminologia”, “Clube Zoológico do Brasil”, “Federação Paulista das Sociedades de Rádio”. Há uma nota sobre associação não necessariamente operária, “Associação dos Proprietários de Imóveis”; e apenas uma sobre um sindicato propriamente dito: “Sindicato dos Proprietários de Açougue”. Tal fato, o de divulgar notas sobre organizações não necessariamente sindicais, não se repete posteriormente. Acção, 7/10/1936, p. 4. 322 REALE, M. “Perspectivas Integralistas”, in: Obras Políticas (1a. fase – 1931/1937). Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1983 (Cadernos da UnB), pp. 15-67 (1a. edição, Rio de Janeiro, Livraria H. Antunes, 1936). “Nem sempre os atribulados empenhos partidários me deixavam lazer bastante para escrever o artigo de fundo do jornal, sendo obrigado a transcrever trechos de meus livros, escolhendo sempre tópicos que focalizavam a posição do Integralismo perante o Fascismo europeu ou tratavam da questão social ou problemas econômicos.” REALE, M. Memórias, op. cit., p. 115. 323 “O decreto N º 20.291 que estabeleceu o mínimo de 2/3 de empregados brasileiros nas empresas vai ser cumprido – O Departamento Nacional do Trabalho fixa o prazo para entrega das relações dos empregados”. Acção,

8/10/1936, p. 2. 324 CAVALARI, Rosa. op. cit., p. 99. 325 “Syndicalismo”, Acção, diversas edições.

170

Além disso, em várias edições os lembretes permeavam os textos diversos da seção. Assim, encontramos frases como:

O Integralismo é uma Revolução Sindicalista

O ‘CAMISA-VERDE’ que não estiver inscrito em seu sindicato não está cumprindo seu dever.

Esses lembretes não precisavam ser necessariamente referentes às atividades sindicais, mas também ao funcionamento da AIB de uma forma geral:

A TAXA DO SIGMA é a única arma de que dispõe a A.I.B.

326

Devemos reparar no caso acima que, nos dois últimos exemplos, o uso das maiúsculas para enfatizar o objeto central da mensagem.

327

1.2.2 - “A Nota Syndical”

Esta seção, disposta em formato vertical, normalmente, era composta por um texto, e por algum anúncio de reunião sindical. Ela surgiu em 12/3/1937, em substituição à seção “Syndicalismo”, e sua última aparição se deu em 6/11/1937, depois de estar ausente em várias edições (a imediatamente anterior havia aparecido em 30/10).

O texto que compunha a seção era normalmente histórico e/ou doutrinário

328 ou comentava algum fato político que acontecia no

momento, voltado para o trabalho ou o sindicato. A seção, na maioria das vezes, não era assinada. Quando o era, subscrevia-a B.V. (Benedito Vaz, Secretário Provincial das Corporações e Serviços Eleitorais), ou ainda Ormelin (não identificado).

329 Os avisos dos

326 Esses três últimos exemplos foram extraídos de “Syndicalismo”, Acção, 30/10/1936, p. 4. 327 A técnica dos lembretes é estudada por CAVALARI, Rosa. op. cit., pp. 99-101. 328 Isto é, referente à história das organizações sindicais e do corporativismo, inserindo o integralismo como o mais novo capítulo desta trajetória. Obviamente, tais textos não deixam de ser, também, doutrinários. 329 É possível que Ormelin seja o chefe do Grupo Profissional dos Farmacêuticos (integralista), Orestes Medeiros Pullin. Levantei esta hipótese

171

sindicatos referentes às reuniões (convocações, por exemplo) foram muito reduzidos. As convocações dos Grupos de Trabalho integralistas passaram a ser na seção “Movimento Integralista”, também diária, e que normalmente relatava as atividades dos núcleos integralistas do estado.

As notícias relativas ao trabalhador se espalharam pelo jornal, sendo que alguns acontecimentos tidos como mais importantes como greves, por exemplo, passaram a ter manchete de última página (local de destaque no corpo do jornal, por sua visibilidade privilegiada)

330.

Na página 4, passa a haver a seção “À Margem da Vida Brasileira”, com textos diversos que comentam a situação política e social no país, inclusive sobre o trabalho. A seção, não era assinada, ocupava grande parte da página, e também era diária.

É importante, porém, que se faça uma ressalva: a partir de maio, com os preparativos para o plebiscito interno da AIB que vai escolher Plínio Salgado como candidato da agremiação para as eleições presidenciais de 1938, nota-se que a “Nota” vai se tornando um espaço em que se tenta convencer o trabalhador a não votar nos outros dois candidatos: Armando de Sales Oliveira e José Américo de Almeida, ao mesmo tempo em que dava loas ao advento do Estado Integral, a partir da eleição de Salgado

331.

1.3 - O noticiário referente ao trabalho: do golpe do Estado Novo até a extinção do jornal.

Depois do golpe do Estado Novo (10/11/1937), a situação dos integralistas é complexa, muito embora a AIB e o próprio jornal tenham declarado apoio à nova ordem política

332. Em seu primeiro mês, o novo

regime é apoiado pelas lideranças camisas-verdes. A 2/12/1937, todos os partidos políticos são extintos, incluindo a AIB, que somente poderia subsistir desde que mudasse de identidade e renunciasse à ação política. Os integralistas criam, assim, a Associação Brasileira de

observando as letras iniciais e finais do nome de Pullin. Acção, 28/11/1936, p. 4; 19/1/1937, p. 2. 330 Por exemplo, Acção, 1o/10/1937, p. 16: “1500 tecelões em greve” sobre reivindicações na Fábrica de Tecidos Jafet. O título estava em letras garrafais e na parte superior da página. 331 V. p. ex. BRANDÃO, Antonio de Azevedo. “Vésperas de Eleições – Recomeçaram as promessas”, in: “A Nota Synidcal”, 1/6/1937, p. 2. 332 Ver a edição de 11/11/1937, na qual, em primeira página, estão postas lado a lado fotos oficiais de Plínio Salgado e Getúlio Vargas.

172

Cultura (ABC) e não podem mais ostentar sua simbologia característica, como a camisa-verde, o sigma, as bandeiras, a saudação “anauê”, e nem mesmos os termos “integralismo” ou “integralista” podem ser veiculados em sua imprensa, a qual persiste em alguns casos, como o Acção

333.

A ação da censura se faz sentir. Vejamos esta nota, provavelmente um recado sutil aos leitores:

Departamento da Censura

O Departamento da Censura teve a gentileza, ontem, de transmitir à ‘Acção’, e a todo o pessoal redatorial e das oficinas, seus agradecimentos pelas deferências recebidas e fazendo votos de felicidades para o corrente ano, que ora se inicia.

A comunicação foi recebida pelo Dr. Paulo Paulista, nosso secretário, que agradeceu a gentileza, retribuindo as felicitações.

334

Esta harmonia que o jornal tenta passar, contudo, é apenas aparente. É importante lembrar de duas coisas: primeiro, após o 10 de novembro, os integralistas se dividem em dois grupos: aqueles que aceitam a nova situação política, já que, entre outros motivos, a Carta de 1937 defende postulados corporativistas e antiliberais, pregados durante toda a existência da AIB, e os rebeldes à nova ordem; e segundo, a perseguição que a polícia pratica contra esses rebeldes.

335

333 Além do Acção, o diário carioca A Offensiva, de circulação nacional, continua sendo publicado até meados de março de 1938. O Diario do Nordeste, de Recife, também integralista, tem seu fechamento decretado pela polícia a 21 do mesmo mês (SILVA, H. op. cit., p. 27.). 334 “Departamento de Censura”. Acção, 1/1/1938, p. 3. 335 Hélio Silva faz um apanhado dos acontecimentos: desde o fechamento da AIB, militantes integralistas são detidos e presos, suas sedes invadidas e fechadas pela polícia, armas e documentos são confiscados. Em Barra Mansa, no estado do Rio, no dia 10 de janeiro de 1938, um grupo de integralistas é preso por ter saudado o delegado local com um “anauê”; uma semana depois, há um cerrado tiroteio entre a polícia e integralistas em Campo Grande, também no Rio, sendo diversas armas apreendidas e presas 24 pessoas; em 23 de fevereiro, vários integralistas são acusados de distribuição de boletins contrários ao Estado Novo e indiciados ao Tribunal de Segurança Nacional.

173

O jornal, porém, não faz a menor menção a esses fatos. A imprensa integralista, obviamente, se declara oficialmente favorável à nova situação. “Obediência à lei” foi a manchete do Acção a 28/12/1937. O texto fazia referência a “boletins apreendidos pela polícia” no Rio de Janeiro, que teriam sido distribuídos por militantes integralistas.

336

Contudo, a folha não está totalmente passiva. É interessante notar que o Acção parece querer se utilizar de discursos velados para manter firmes os ideais e as posturas dos militantes. Em algumas ocasiões, em geral na página 4, eram transcritas longas passagens bíblicas, sem qualquer explicação aparente (por exemplo, uma data religiosa). Na edição do dia 5 de fevereiro de 1938, há uma transcrição do capítulo 3 da 2 ª Epístola de Paulo a Timóteo.

10 – Tu porém tens seguido a minha doutrina, modo de viver, fim que me proponho, fé, longanimidade, caridade, paciência (...). 12 – Também todos que querem viver piamente em Jesus Cristo, padecerão perseguição (...). 14 – Tu, porém, mantém-te firme naquelas coisas que aprendeste e que te foram confiadas, sabendo de quem as aprendeste.

337

Pode-se pensar aqui em uma comparação das dificuldades dos primeiros tempos do cristianismo com os problemas políticos que, naquele momento, passavam os integralistas. Essa estratégia (seria, de fato?) de apelar para discursos religiosos, parece pretender convencer os ex-camisas-verdes para permanecerem firmes em seus ideais, porque um dia venceriam, como venceram os cristãos

338.

As notícias internacionais agora predominam sobre as nacionais e mesmo as de caráter local diminuíram muito. A própria ABC não ocupa muito espaço nas páginas do jornal, ao passo que o anti-semitismo tem uma presença mais significativa do que anteriormente. Por exemplo, vejamos a manchete do dia 4/1/1938:

SILVA, Hélio. op. cit., respectivamente pp. 15, 16 e 22. V. tb. CARONE, Edgard. O Estado Novo, op. cit., pp. 195-8. 336 “Obediência à lei”. Acção, 28/12/1937, p. 1. 337 “Prediz o apóstolo das perigosas heresias”. Acção, 5/2/1938, p. 4.

338 Sobre a criatividade da imprensa em burlar a censura institucional (num período posterior), ver AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978). Bauru, EDUSC, 1999, sobretudo pp. 98-110.

174

Realizam-se os planos dos Protocolos dos Sábios de Sião! Os judeus internacionais criam um fundo de 80 milhões de contos para combater os países nacionalistas! A Inglaterra, amiga dos judeus, lucrará com a ação da judiaria.

339

Comparado com o período anterior ao Estado Novo, as referências ao movimento “ex-integralista” diminuíram muito, mas ainda aparecem. O “Natal das Crianças Pobres”, tradicional atividade de fim de ano da AIB de distribuição de brinquedos às crianças carentes, subsiste como mostra esse título de uma notícia de primeira página: “O Natal das crianças pobres em Jaú – A atividade das senhoras e senhorinhas da filial da ABC nessa cidade”

340Segundo o

Acção, a ABC continua atraindo adeptos, conforme a manchete do dia 8/1/1938, que diz: “Milhares de inscrições na ABC”

341

Não há mais nenhuma seção ou coluna sindical. As notícias concernentes aos trabalhadores ou aos sindicatos são menos freqüentes, sendo que várias edições deixam de ter qualquer referência ao assunto. Em geral, quando aparecem notícias ou notas sobre isso, são de apoio ao novo regime e à sua política sindical e trabalhista.

342 Porém, a 8/1/1938, na última página, a notícia em

destaque: “A Fiação e Tecelagem Jafet despede 36 operárias, sem pagar indenização fixada por lei”

343

Apesar de, nas edições seguintes, o jornal não ter nem citado eventos sobre o ocorrido, volta a dar o mesmo destaque alguns dias depois, na última página: “As operárias injustamente demitidas pela Tecelagem Jafet – Acção fornece a seus leitores dados pormenorizados da clamorosa injustiça cometida por um capitalista estrangeiro contra operários brasileiros – 40 contos de indenização que não foram pagos”.

344

339 Acção, 4/1/1938, p. 1. Para se ter uma idéia, no período anterior analisado (outubro de 1936 a fevereiro de 1937), não havíamos encontrado nenhuma manchete de caráter anti-semita. 340 Acção, 14/1/1938, p. 1. 341 Acção, 8/1/1938, p. 1. 342 Por exemplo, a 16/12/1937, Acção publica a página 7 um texto intitulado “Mentalidade”, que elogia o corporativismo sindical existente na Carta Constitucional de 1937. 343 Acção, 8/1/1938, p. 12. 344 Acção, 13/1/1938, p. 12.

175

E, depois de mais uma semana de silêncio, o jornal exige atitude das autoridades estadonovistas, colocando mesmo em dúvida sua eficiência:

Continuam as queixas dos operários contra a Tecelagem Jafet – Existe ou não justiça social no Brasil? Serão os capitalistas estrangeiros mais fortes que o Estado? As operárias demitidas injustamente da fiação e tecelagem Jafet esperam a indenização que lhes cabe por injusta demissão – Que faz e para que serve o Departamento Estadual do Trabalho?

345

Contudo, a partir de meados de fevereiro, o jornal vai tomando cada vez mais uma expressão conformista, opaca. Quase nada, nas páginas de Acção, lembra o “vespertino vibrátil e agressivo” a que se refere Reale, do período anterior ao Estado Novo.

346

Acção deixou de circular no dia 23 de abril de 1938, número 464. Em sua carta de despedida aos leitores, o jornal não explica o motivo de seu desaparecimento:

Esta tribuna vai desaparecer; nós não conversaremos mais com o Brasil através das colunas de Acção; porém, isso não significa que hemos desaparecido: há no coração de todos nós uma chama sempre viva acalentando um Ideal e o Ideal não morre quando uma tribuna desaparece!

347

345 Acção, 20/1/1938, p. 12. 346 Com exceção, talvez, dos artigos elogiosos ao corporativismo, doutrina coincidente com a da Constituição de 1937. Por exemplo, o artigo “O sistema corporativo e a democracia moderna”, o qual elogia uma suposta substituição de intermediários entre cidadãos e governo: partidos políticos por sindicatos. Acção, 10/3/1938, p. 4. 347 “Aos leitores de Acção”, Acção, 23/4/1938, p. 2.

176

Observamos a importância de ressaltar aqui que um grupo político, não obstante sua linha autoritária e, nesta altura dos acontecimentos, oficialmente apoiando o governo, teve seus movimentos tolhidos pelo próprio governo, situação que acabou levando aos acontecimentos de maio de 1938, conhecido como a “Intentona Integralista”.

348

A imprensa integralista – não obstante seu caráter partidário e tendencioso - nos ajuda a conhecer melhor a visão de mundo da AIB, aqui particularmente a respeito dos trabalhadores assalariados. Tal observação evidencia a importância do estudo dessa fonte a partir de toda a gama de temas de que foi portadora (como política nacional, economia, política internacional, cultura etc.), o que faz dela um manancial para um maior conhecimento não somente da trajetória desse movimento político, mas também a respeito da política e sociedade brasileiras nesse período.

348 Sobre as diferentes reações dos integralistas ao Estado Novo (e vice-versa), anteriormente à Intentona Integralista, v. CARONE, Edgard. O Estado Novo. São Paulo, Difel, 1977, p. 193-205.

177

9. INTEGRALISMO PROH PUDOR!

A crítica da grande imprensa frente às comemorações dos 25 anos do Integralismo

Rodrigo Christofoletti349

A partir da segunda metade da década de 1940, verificou-se a abertura de um novo horizonte nas articulações político-partidárias do país. Após a derrocada de Vargas, em 1945, siglas foram recriadas, partidos rearticularam-se e, no bojo desse novo cenário de redemocratização, surgiu um partido que, embora estigmatizado por sua atuação anterior, tentou transformar alguns de seus princípios políticos visando a aproximação com o eleitorado que reconquistava o direito de voto. Tratava-se da sigla liderada pelo líder integralista, Plínio Salgado, o PRP (Partido de Representação Popular), herdeiro da AIB (Ação Integralista Brasileira).

O novo partido, que durante os seus dezenove anos de atuação parlamentar (1945-64) configurou-se como uma das agremiações políticas mais controversas do citado período, teve atuação de retaguarda, centrando foco nas articulações de bastidores da política nacional. O PRP constituiu-se no instrumento de intervenção política dos integralistas durante todo o chamado período democrático. É interessante notar que o integralismo do pós-guerra, mais especificamente da segunda metade da década de 1950, tenha ressurgido não como uma mudança política propriamente dita, mas essencialmente como uma transformação de linguagem. Essa transformação se deu, aliás, de maneira incompleta, pois seus quadros desvalorizaram inicialmente a essência ideológica da extinta AIB e depois a reafirmaram (em partes), estabelecendo uma contradição interna no movimento. O problema consistiu em não explicar, não re-politizar, não enquadrar o movimento à nova realidade do pós-guerra. Foi nesse contexto contraditório de redemocratização que ocorreu o retorno do integralismo.

349 Mestre em História e Educador da Universidade de São Paulo.

178

Imprensa nacional versus Integralismo

O clima de liberdade partidária que o país viveu no contexto constitucional e democrático de pouco mais de 18 anos entre a queda da uma ditadura e a emersão de outra, estimulou o exercício de independência e expansão dos meios de comunicação. A grande imprensa sempre fez do tema político sua tônica, selecionando, caricaturando e adaptando a realidade a partir de “instantâneos” do real. Os antagonismos políticos tornavam-se, então, agudos e se refletiam claramente na imprensa. Na maioria das vezes, a contraposição ideológica saltava das manchetes desses jornais para tomar parte na vida cotidiana da sociedade civil. Foi diante deste cenário de definidas posições ideológicas, que se deu o reavivamento da simbologia integralista. Se nos anos 40 a esfera político-partidária conheceu a reestruturação institucional da sigla integralista, agora o poder simbólico da instituição buscava reajustes.

Desde 1945, a relação entre o integralismo e os jornais da imprensa brasileira foi marcada por atritos. Longe de se manter indiferente, tal relação primava, de um lado, pela hostil e virulenta manifestação antiintegralista e de outro, pela pequena, mas não menos contundente auto-afirmação verde. A grande imprensa, preocupada com a manutenção da ordem democrática passou a fazer o papel de porta voz de uma sociedade desgostosa da permanência do integralismo no cenário político nacional. As acusações acirraram os ânimos de ambos os lados. Este enfrentamento tornou-se mais evidente a partir de 1957, quando se intensificaram as campanhas contestatórias às comemorações dos 25 anos do movimento integralista.

Segundo Plínio Salgado, “enquanto as penas do integralismo foram molhadas nas tintas da convicção, a alquimia da grande imprensa fez-se sentir de maneira nociva”.

350 Isto equivale a pensar

que tanto o integralismo quanto a imprensa de grande circulação intensificaram suas acusações. Então, o dístico em desuso serviu como alerta para grande parte da imprensa da época: Integralismo Proh Pudor.

351

350 SALGADO, P. A Marcha, 3/11/1957, p. 9. 351 “Integralismo: Oh! Vergonha!”: Mote das campanhas veiculadas na maioria dos jornais de grande circulação do país.

179

A grande imprensa352

noticiou as comemorações integralistas de maneira bastante variada: de um absoluto descaso a mais fervorosa agressividade. Dias após ocorrer as festividades do Jubileu de Prata integralista (primeira semana de outubro de 1957), O Diário Popular (SP) publicou um artigo cujo título exprimia a posição do jornal com relação à volta integralista. O jornal questionava que tipo de mudança teria ocorrido no integralismo

353. A suposta contradição entre o

discurso de Salgado e a ação do movimento foi fomentada pelas acusações de “uma fantasiosa demonstração de poder”

354 – que

chegava às páginas dos jornais pelo caminho inverso. Seu lugar, segundo o próprio Diário Popular, “era as páginas de fundo”

355, um

eufemismo para designar as páginas policiais que na época fechavam os jornais.

Outro periódico que questionou a alegação de que o integralismo havia se transformado num movimento brando foi o Última Hora/RJ. O vespertino teve, num primeiro momento, uma postura meramente informativa que se modificou com o passar das primeiras semanas do mês de outubro. Sob o título “Bodas de Prata Verde. Sigma e rituais renasce o integralismo no Brasil”

356, dispensou mais de

meia página detalhando sua organização e festividade. Como o jornal de Samuel Wainer não era simpático nem ao integralismo nem ao seu chefe, Plínio Salgado, a ênfase dada à manifestação integralista no Teatro João Caetano - RJ (sede das comemorações do jubileu) teve um caráter peculiar.

Os jornais Folha da Tarde e Folha da Noite deixaram implícita em sua linha editorial a contrariedade frente à reformulação do movimento. Ambos os jornais imprimiram, a rigor, as mesmas notícias:

352 No presente trabalho foram analisados os seguintes periódicos: O Estado de S. Paulo; Correio Paulistano; Folha da Manhã, Folha da Tarde; Folha da Noite; Diário Popular; Diário de Notícias; O Jornal; Diário Carioca; Tribuna da Imprensa; A Notícia; Gazeta de Notícias; Jornal do Brasil; O Globo;. Última Hora; Diário da Noite; Diário de Notícias/RS; Diário de Notícias/RS e Gazeta de Vitória – ES. Também foram pesquisados alguns periódicos integralistas: Idade Nova; A Marcha; Boletim PRP –RS. 353 “Transformação do quê?”. Diário Popular, 7/10/1957, Caderno 1, p.2. Todas as citações deste trabalho seguem a grafia original, sem atualizações ortográficas. 354 Diário Popular. 9/10/1957. 355 Ibid. 356 Última Hora/RJ, 12/10/1957, p.7.

180

“Com Sigma camisa verde e anauê, retorna ostensivamente, à atividade os integralistas!”.

357

De acordo com as Folhas:

O movimento ressurge agora sob um novo dístico, e novo nome: agora não é mais AIB, mas MIB, Movimento Integralista Brasileiro, que, segundo assessores de Salgado – deverá substituir o PRP em breve. A troca de uma instituição política para uma de cunho político cultural, vem de encontro com os propósitos dos Integralistas de reeducarem as novas gerações de acordo com os novos preceitos da agremiação.

358

Diferentemente de seus congêneres do Grupo Folha, o matutino Folha da Manhã tomou a celebração a partir de uma perspectiva mais desfavorável. Noticiou as festividades, explicitando sua oposição diante do novo integralismo: “Sob os 5 lustros deste movimento, pouco teríamos a noticiar. Entretanto e infelizmente, empolga os meios integralistas a volta do Sigma e a oficialização da galinha verde como símbolo .. Que jamais amadureça!”

359

Em outro trecho retirado da extensa reportagem da Folha da Manhã, a idéia de transferência de ‘posse e poder’ surgiu carregada de simbolismos. Tal questão se mostrou como novidade dentro do PRP. Com a criação dos Centros de Cultura da Juventude - órgãos de reajuste político/ideológico implícitos do integralismo - as novas gerações obtiveram maior influência nas decisões do partido. O sentido da transposição do legado não era apenas cultural, mas principalmente político. Finalizando sua apreciação quanto ao retorno integralista e sua celebração, adjetivada como non sense, o editorial de 8 de outubro dirigiu um veemente repúdio à permanência dos integralistas:

Por estar de novo nas ruas, e sem disfarces, o integralismo assusta. Se não aos cobras criadas, aos mais novos que podem ser

357 “Com Sigma camisa verde e anauê, retorna ostensivamente, à atividade os integralistas”. Folha da Tarde, 8/10/1957, p.4 & Folha da Noite, 9/10/1957, p.4. 358 O jornal Folha da Noite foi inaugurado em 1921. Quatro anos depois foi inaugurada a Folha da Manhã e em 1945 a Folha da Tarde. Em 1960, as Folhas juntaram-se dando origem à Folha de S. Paulo. Folha da Tarde, 9/10/1957, p.3. 359 Folha da Manhã, 10/9/1957, p.3.

181

ludibriados pelo canto da sereia maviosa transvertida de democrática verde... Estão eles, prontos para explorar os pontos mais vulneráveis da democracia nacional. Chega-se à audácia de colocar-se de novo o problema do fardamento e da milícia, imitações baratas do fascismo mundial. (...) Temos que alertarmos a toda a nova geração sobre essa sereia. (...) Portanto, para que não haja ceticismo em torno do novo perigo integralista, o democrata consciente não pode deixar de bradar a todos, a ver se nos livramos da ameaça sem o mesmo processo sofrido em 1937.

360

Com um texto de abordagem tão ácida quanto os publicados por seus concorrentes, o jornal Correio Paulistano noticiou as bodas de prata do movimento de maneira incisiva, como a manutenção de um arcaísmo. O periódico situou as celebrações num bojo maior de conflitos político/ideológicos, acentuando alguns elementos:

Aceitando o que identificam como provocação extremista, com a qual declararam, se procurou embaraçar num enredo ridículo a doutrina que perfilaram em 32. Os integralistas vão institucionalizados pela nova sigla, paralelamente às comemorações do jubileu de prata; oficializar a galinha verde como símbolo da vergonha e da sua ação política. Restam-nos saber, de que aves se tratam na realidade. Fênix, águias ou meras galinhas (...) o retorno do inatingível, ou a atenção do inevitável? Resta-nos apenas marcarmos o dia, para sabermos qual é a resposta! Um repúdio ao integralismo.

361

O jornal O Estado de S. Paulo criticou o que chamou de apelo sensacionalista do PRP, descrevendo as celebrações como o ápice de um conflituoso e “apopléctico retorno”.

362 A metáfora biológica da

apoplexia, como sendo o integralismo “um quisto sanguíneo que

360 “Editorial: O perigo Verde!”. Folha da Manhã, 8/10/1957, p.8. 361 “Águias, ou galinhas?”. Correio Paulistano. 8/10/1957. p.5 362 O Estado e S. Paulo, 9/10/1957, p.9.

182

estourara na sociedade brasileira, vazando intenções espúrias para todos os lados”,

363 foi continuamente utilizada pela maioria dos jornais

da época. Em especial, uma nota de canto de página do O ESP, cuja sutileza amenizava o caráter ácido do pequeno, porém contundente escrito.

(Da sucursal , Rio, 7) – Centenas de adeptos de Plínio Salgado compareceram ontem no Theatro João Caetano. Além da ressurreição pré programada do Manifesto Integralista que propagava anteriormente a dissolução dos partidos; houve a volta dos rituais. Seria a volta dos estridentes centuriões?

364

Outro ponto de discórdia entre O ESP e os integralistas foi a forma como o primeiro se referiu aos chamados “milicos do além”. O texto do jornal reacende uma questão central para os integralistas, então mais acirrada que nunca: a passagem do legado. A contraposição ideológica deu lugar ao escárnio: “Houve, durante a comemoração, uma estranha homenagem aos mártires que nunca morrem. Isto porque – segundo o jornal – os integralistas nunca morrem: vão para a milícia do além!”.

365

A idéia de imortalidade no integralismo contém uma simbologia própria, tomada como espécie de bhrama ou nirvana penosamente conquistado pelo membro integralista, justamente por este ter servido o movimento em períodos conturbados e difíceis. Segundo a crença integralista, todos os mortos continuariam hierarquicamente lutando a favor dos que se mantiveram na luta cotidiana. Como pano de fundo, tal homenagem visava a aproximação entre o auto-escalão integralista e as famílias dos falecidos, uma espécie de tutela, num momento em que se encontravam em condições de abandono e orfandade. Na hierarquia festiva do movimento, a celebração do culto aos milicos do além ocupava um lugar todo especial. Entende-se que a exacerbação da proteção familiar visava antes de tudo apadrinhar a família do ex-militante objetivando que não se afastassem do ideário integralista.

A manutenção da doutrina consubstanciava-se por meio do oferecimento à família órfã de toda a sorte possível de provimento material e psicológico, bem como da disponibilidade de escolas para os filhos dos falecidos, ajuda financeira e até profissional. Nesse

363 Ibid. p. 9. 364 “Volta o Integralismo com seus antigos símbolos”. O Estado de S. Paulo. 8/10/1957. 365 Ibid.

183

sentido, o retorno das homenagens aos “milicos do além” [militantes já falecidos] - episódio passível de chacotas – era coberto de um simbolismo bastante significativo para os integrantes do movimento. O que para os integralistas significava “a manutenção da tradição, o primeiro passo para a efetivação integral”,

366 para a exterioridade não

passava de um descompasso com relação ao presente. Os adversários do integralismo não perderam a oportunidade de ridicularizar a denominação ‘milícia do além’, que rendeu demoradas gargalhadas.

Com exceção dos jornais Tribuna da Imprensa e Diário Carioca

367, de propriedade dos jornalistas Carlos Lacerda e Assis

Chateaubriand, a maioria dos jornais da grande imprensa carioca focou a celebração integralista com menor animosidade que a mídia paulistana. A despeito disso, alguns periódicos não pouparam frases de efeito e ataques veementes ao projeto refundador de Salgado. O Integralismo foi denominado de “Insepulto” e “envernizado de segunda mão”, pelo jornal Diário de Notícia, que noticiou a celebração espelhada na “magnificência carismática do Chefe Integralista”, supervalorizando o acontecimento:

O Insepulto Integralismo e seu curioso ritual: Dispersou qualquer dúvida quanto a esse particular a onerosa celebração verde que encerrou-se ontem a noite. A festa foi só do Integralismo. Os oradores em momento algum lembraram de mencionar o PRP. Sintomático... o partido bem que não anda bem das pernas mesmo... Porém, juntamente com os hurras surgiu também a mística integralista do Chefe. Tanto, que o chefe não pôde entrar pela porta da frente do Teatro J. Caetano... Necessitou entrar pela porta dos fundos para evitar os arrebatamentos de

366 “As cerimônias da Milícia do Além”. Protocolos e Rituais. Estrato 4, p.23, 1936. Reeditado n A Marcha em 12 de novembro de 1957. 367 Em ambos periódicos podem ser encontradas importantes informações sobre as comemorações, destacando a contrariedade destes com relação ao integralismo. A consulta desses jornais está temporariamente interditada devido à microfilmagem dos mesmos. Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

184

seus companheiros, empolgados pela rememoração integralista.

368

Dias após a veiculação da primeira notícia publicada sobre as festividades integralistas, o Diário de Notícias abriu suas páginas para um dos mais significativos adversários do Integralismo: o intelectual e líder católico, Gustavo Corção. Se de um lado, os integralistas do pós-guerra viam-se solidarizados com alguns setores da igreja católica, de outro, significativos representantes do catolicismo apreendiam a reorganização integralista de modo contrário.

Em linhas nada condescendentes, Corção atacou veementemente o Integralismo, tecendo um paralelo entre o que julgava moderno e anacrônico para a época. Sob a tinta do intelectual católico, o impacto das acusações desferidas contra o movimento integralista soou como uma vingança pessoal:

Tivemos nessa semana o satélite artificial e a noitada integralista. Sim senhores, enquanto o planeta todo se ocupava em focar a bola que os russos atiraram no espaço a mais de 900 quilômetros de altura, os adeptos sobreviventes de Salgado se reúnem numa fúnebre sou irrè. Para comemorar o 25º aniversário da AIB. Tem toda razão o nosso confrade em assinalar a sombria idéia fixa daqueles que sonham em andar pra trás quando o mundo inteiro sonha andar pra frente. E é triste para ele e para mim ter que falar de Integralismo na hora em que todos falam em geofísica de rádio astronomia e de viagens interplanetárias. Devo antes dizer que não acredito muito que o futuro da humanidade esteja na linha do satélite, mas longe mais ainda está da linha do Integralismo!!! Ou do Anauê!!! (...) Em termos políticos todos querem andar pra trás. E ainda tem mais... há um simulacro entre o governo pessedista de JK e o Integralismo: O senhor presidente consulta o senhor Plínio e este consulta os mortos, e assim vai o

368 “Com Anauês e Hurras ao Chefe Nacional encerrou-se ontem a Convenção Integralista”. Diário de Notícias, 8/10/1957, p.8. Grifos meus.

185

Brasil para trás com velocidade maior que a do famoso satélite.

369

Não bastassem as referências nada lisonjeiras publicadas por Gustavo Corção no Estado de S. Paulo, a revista católica A Ordem, que na época era dirigida por Alceu Amoroso Lima, passou a publicar em seus editoriais, desde 1945, um veemente repúdio à reorganização integralista. O seu ressurgimento foi considerado pela revista como “um grave erro, que nem mesmo o surto comunista poderia justificar”

370. Ainda segundo a revista, tratava-se de um “claro

retardamento da evolução democrática, um incentivo à propagação comunista”

371, daí concluir enfaticamente: “nos opomos

inequivocamente ao integralismo e sua antidemocracia”.372

O caráter antidemocrático do PRP foi o mote explorado pelo Jornal do Brasil, que noticiou a “nova incursão plinista” carregando nos adjetivos:

A tirania está em voga apenas na cabeça dos que não respeitam a vontade popular. Ser popular hoje em dia não é arregimentar fardas a esmo. Por isso precisamos noticiar que ressurge entre nós as coisas verdes. (...) Plínio guardou a camisa verde no fundo do Baú, e foi escrever seus livros em tranqüila vilegiatura em Portugal e agora, 20 anos depois, em franca contradição com as tendências contemporâneas ressuscita símbolos, camisas verdes, braços levantados à Romana, saudações indígenas... Definitivamente não há espírito pro Integralismo vingar. P.B.

373

Da mesma maneira com que a imprensa contrapôs-se ao PRP e às comemorações dos 25 anos integralistas, também repudiou a reedição da passeata integralista, simulacro de um dos episódios mais cultuados pelo movimento. Tal reconstituição causou furor na imprensa de grande circulação, que o destacou em suas primeiras páginas. Os

369 “Noitada Integralista. Por: Gustavo Corção”. Diário de Notícias. RJ: 10/10/1957, p.5. 370 “Comunismo, reacionarismo, Integralismo”. A Ordem. RJ. p.167-168, set. 1945. No mesmo mês de setembro de 1945, o PRP protocolou seu registro no TSE, como partido regularmente adequado à nova ordem democrática. 371 Ibid, p.172. 372 Ibid. p.173. 373 “Camisas verdes para Museu: Ressurgem entre nós as coisas verdes”. Jornal do Brasil, 9/10/1957, p.4. Grifos meus.

186

jornais noticiaram a realização da marcha segundo posturas que variaram entre a aguda contraposição e o mais profundo desprezo.

Das matérias publicadas pelos mais variados segmentos da grande imprensa, com relação à frustrada comemoração dos integralistas paulistas, talvez, o exemplo de contrariedade mais contundente tenha sido o da revista Manchete. Por outro lado, a notícia do frustrado episódio integralista espalhou-se por todo o território nacional, sendo reproduzida, por vários dias, em diversos meios de comunicação das mais distantes localidades do país.

Em maio de 1958, a Manchete publica uma matéria intitulada: “Vergonha Verde vem ai!”

374, na qual focaliza Plínio Salgado, Damiano

Gullo (diretor regional do PRP/SP) e Leovegildo Pereira Ramos, respectivamente representantes das gerações de 32 e 58, perfilados e mantendo o característico gesto de saudação Anauê. Sob uma atmosfera sensacionalista, denunciou o caráter ‘aproveitador da nova/velha sigla’. A citação, apesar de longa, sintetiza a postura da grande imprensa frente ao integralismo.

Descreveu a matéria:

As galinhas travestidas de águia tentam galvanizar o falecido fascismo caboclo (...) Remanescentes da antiga Ação Integralista Brasileira comemoraram, durante a semana, o 25º aniversário da primeira “marcha” dos camisas-verdes, realizada naquela cidade em 1933. As manifestações se iniciaram, debaixo d’água, às 5 horas da manhã da penúltima quarta-feira, com uma “cerimônia de saudação ao nascimento do sol”, completamente ofuscado pela chuva. Prosseguiram com a inauguração de uma “exposição histórica” do integralismo e uma passeata, no sábado, encerrando-se com a convenção do PRP, fachada pseudo-

374 A despeito da fotografia publicada no jornal A Marcha trazer o logotipo da Revista Manchete no canto superior direito (ver foto), sugerindo que a reportagem tivesse sido destacada da capa da revista, o que se comprovou foi que a matéria publicada por Manchete não foi uma matéria de capa, e sim, mais uma das muitas matérias constituintes da revista. Portanto, isto sugere que os integralistas, no afã de superdimencionar a notícia editaram a fotografia de Salgado e próceres juntamente com o logotipo da Manchete, numa justaposição que aumentava a relevância da matéria.

187

democrática dos plinistas de hoje. À frente de todas as manifestações, o sr. Plínio Salgado, chefe nacional daquele que em tempos foram conhecidos como galinhas-verdes e agora se rebatizaram como águias-brancas, declarou que se enganaram os que supõem morto o integralismo. Mas a verdade é que a manifestação de há duas semanas atraiu muito pouca gente, sendo poucos os que ainda não se acanham de usar camisa verde em público. Necessitamos descobrir quem acoberta esses proto-integralistas e congêneres, para que não deixemos passar as mesmas vergonhas que outrora o Brasil foi obrigado a conhecer

375.

Acusado pelo jornal O Globo376

de se equiparar a um copiador compulsivo, representante de uma ideologia anacrônica e um farsante da retórica, Salgado reagiu enfaticamente:

Quem diria que voltaria no local onde fui condenado à forca pelos comunistas para comemorar o jubileu de prata e força integralista sob os olhares atentos e aplausos festivos da população brasileira... esta é mais uma prova que a força se faz em conjunto. Ideologia anacrônica? Copiador compulsivo? A resposta é dada nesta noite: um cérebro e um corpo forte: eis o resultado do melhor possível (...) O problema é que Marinho e seu jornalzinho não respeita sua vez (...) ele ainda terá chance, se algum dia virar um jornalista de verdade. Desde 45 nos encontramos (...) e desde de lá, me faz ou

375 Revista Manchete, nº 317 – 17 de maio de 1958. Após 1955, outra revista de envergadura nacional, a revista O Cruzeiro, teria uma postura menos inquisitiva com relação ao integralismo, comprovando, mais uma vez, a ambígua relação entre Chateaubriand e Salgado. Grifos meus. 376 O Globo, desde os anos 40, havia se constituído num opositor sistemático

do integralismo. No início do período de rearticulação partidária, as acusações entre Salgado e Roberto Marinho acabaram rompendo a esfera ideológica. Nos anos 50 a contraposição ideológica continuou.

188

manda fazer sempre a mesma pergunta: fraquinho esse repertório não Marinho?

377

Na esteira da agressividade e dissimulação da réplica pliniana endereçada ao proprietário de O Globo, diversos outros jornais receberam prontas respostas do movimento integralista: “A contra ofensiva da imprensa integralista: ideologia e produtos”.

As respostas integralistas não tardaram. O jornal A Marcha passou a publicar reiteradamente réplicas que buscavam inverter os argumentos dos periódicos, e em especial, da revista Manchete, que fora incisiva contra os militantes integralistas dias após a celebração do jubileu, demonstrando que o projeto de permanência integralista era, antes de tudo, bem assessorado. A frase é verdadeiramente formidável!

E (...) de agora em diante, na boca de nossos oradores e na penna de nossos jornalistas, será o grande ‘slogan’ de nossas campanhas, o magnífico cartaz com que nos apresentamos à Nação. Entre todas as homenagens rendidas ao Integralismo pela imprensa, pela televisão, pelo rádio e pela Tribuna Parlamentar, nenhuma foi mais expressiva e eloqüente que a da Revista Manchete da capital federal. Publicando o mais belo dos clichês sobre a comemoração grandiosa ocorrida em São Paulo, aquela revista o marginou com um título que é um aviso profético: ‘Vergonha Verde Vem Aí!’. O Integralismo é considerado, numa época de desbriamentos e desbragamentos impudicos, a própria vergonha da Nação. Que venha a Vergonha Verde para dar vergonha a quem já a perdeu. (...) Por isso tudo, A Marcha exprime os sentimentos de todos os integralistas e agradece à Manchete – profética e iluminada - a frase interpretativa do atual momento histórico nacional.

378

377 As luzes do archote! Estão de volta as gerações do Sigma.O Globo,

8/10/1957, p.10. Grifos meus. 378 “Editorial: Vergonha da Nação: A devida interpretação!”. A Marcha 5/1/1958, p.5.

189

Assim, os integralistas apresentavam-se à nação como os únicos e verdadeiros “bastiões da vergonha e da honradez políticas: virtudes, imperceptíveis no cenário político de então”.

379 Utilizando-se

de uma manobra político-discursiva bastante incomum, o PRP apresentou-se como uma alternativa aos “gêneros do mercado disponíveis no momento”

380: o representante de uma política de

moralização, mesmo que para muitos tal artifício tenha soado como uma artimanha estritamente demagógica.

Em matéria de duas colunas cujo título era: “Não voltarão os camisas verdes?”, a Folha da Manhã priorizou estratos da entrevista e discurso de Salgado, sustentando sua contraposição à figura do líder integralista que, ao ser indagado sobre a comemoração e a rememoração do antigo movimento, respondeu:

Não, não voltarão os camisas verdes. Sei da anacronia deste símbolo, que fora inclusive sugerido, isto é, parcialmente sugerido pelo antigo general... Mais importante é que hoje a chama não morreu. Quiseram queimar o verde do uniforme assim como fizeram com as matas do relampejo febril, como se sentem politicamente as novas gerações, mas não conseguiram. O verde morreu só no uniforme, que era importante naquele momento para contrapor a uma idéia fascistizante de camisas caqui e preta. Era essa a diferença. Hoje não. Hoje o ideário fica, mas veste roupagens diferentes

. 381

As respostas integralistas aos ataques da grande imprensa compuseram mais um capítulo no projeto de supervalorização do movimento. O exemplo das réplicas publicadas nos mais diversos jornais da época, seguidas da contundente resposta ao artigo da revista Manchete, vieram a acentuar o caráter combativo da sigla, que tentava se restabelecer publicamente como uma real possibilidade de

379 Notas. Boletim PRP – RS, 13/5/1958, p.4. 380 Aqui fazemos referência à metáfora utilizada por Salgado num de seus discursos na bancada da Câmara dos Deputados, no início da década de 1970. Salgado faz uma retrospectiva das coligações políticas realizadas pelo PRP em finais da década de 50, com especial enfoque ao fortalecimento da UDN e à articulação entre o PTB e o PSD. Ver: Plínio Salgado na Câmara dos Deputados, na comemoração do 40º aniversário da AIB. Perfis Parlamentares da Câmara dos Deputados. 27 de fevereiro de 1971. 381 “Não voltarão os camisas verdes”. Folha da Manhã. 8/10/1957. p.6

190

escolha, dentre as muitas alternativas do cenário político. Nessas intervenções encontramos o divisor de águas entre a tímida postura do Partido de Representação Popular pré-1957 e o caráter mais ofensivo adquirido pela sigla a partir de então.

Os festejos das bodas de prata, bem como as respostas às acusações dos grandes jornais, forneceram o tema para uma campanha de valorização do integralismo. No entanto, a celebração não se alimentou apenas das questões públicas (os festejos populares), mas também da materialidade expressa na vendagem de seus produtos. A compra de suvenires despertava no simpatizante a manutenção de sua lembrança e o sentimento de pertencimento ao integralismo, o que estimulava a permanência cotidiana dessa cultura material. Se a imprensa posicionou-se contrariamente ao reaparecimento da mística e simbologia integralistas, a mídia impressa integralista, por sua vez, destinou um significativo espaço para a propaganda de sua doutrinação e vendagem de seus produtos.

Depois dos anos 50 os fatores do progresso brasileiros incorporaram-se a receita jornalística de grande escala o produto de nova forma de veiculação, como o anúncio a varejo, a mensagem institucional, e a gama de produção que derivava do novo ingrediente: o marketing.

382

Foi, portanto a otimização da imprensa-empresa, que favoreceu o fortalecimento do consumo no setor editorial, redimensionando as perspectivas do setor jornalístico brasileiro. A propaganda, por sua vez, passou a desempenhar papel fundamental no panorama político e ideológico, fomentando o consumo de bens produzidos pela denominada indústria cultural incipiente, mas promissora. Nesse sentido, oi fundamental o papel desempenhado pelo jornal A Marcha - que permaneceu como órgão oficial do partido até 1965, sob a direção de Plínio Salgado e a redação de Gumercindo R. Dórea.

A Marcha, órgão oficial de imprensa do Partido de Representação Popular foi o mais significativo periódico do integralismo de pós-guerra. Com uma circulação nacional, o semanário era mantido com a colaboração dos assinantes e dos pouco mais de 50 anunciantes fixos, dentre os quais se destacavam empresas de projeção internacional, como empresas aéreas, de laticínios, empresas farmacêuticas dentre outras. Entretanto, o maior montante do dinheiro utilizado para a manutenção dos quadros do jornal, bem como para

382 BAHIA, Juarez. Jornal História e Técnica. São Paulo: Ática, 1990, p.145.

191

manutenção do maquinário provinha das assinaturas, que em março de 1958 foram contabilizadas em mais de 25 mil em todo o território nacional.

Havia no jornal seções diferenciadas para abarcar todas as faixas etárias. Assim, ao mesmo tempo em que havia as seções políticas e econômicas, geralmente voltadas ao público masculino adulto, havia também o suplemento feminino, o caderno adolescente e o infantil. O público dA Marcha era, principalmente, os correligionários do PRP e simpatizantes do integralismo.

Uma vez que o jornal era semanal, a rede de distribuição d’A Marcha abrangia a maioria das grandes cidades do país, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. A tiragem oficial do semanário é desconhecida. Entretanto, diversas vezes foram publicados balanços da empresa que apontam para números aproximados. Entre 1957 e 1959, a tiragem d’A Marcha oscilou entre 25 e 30 mil exemplares semanais.

383 Entretanto,

a meta inicial pretendida pelo jornal era a casa dos 50 mil.

Ontem, hoje e sempre o PRP e A Marcha estão do lado do verdadeiro patriota, noticiando o que o brasileiro precisa saber. Enquanto a voz da verdade, enquanto a pena e a tinta do patriotismo estiverem trabalhando por um Brasil melhor, Você não tem o que temer. Mas para isso é preciso que divulgue nosso ideal. Divulgue nosso partido. Divulgue nosso jornal. A Marcha, nesses 6 anos de prestação de serviço, orgulha-se de poder ser chamado de órgão oficial do Partido de Representação Popular e de ter em seus leitores a marca de quase 50 mil brasileiros

.384

Anúncios como estes foram veiculados a parir de abril de 1957 e perduraram até o final de 1958. Entretanto, foi a partir de setembro de 1957 que o jornal passou a anunciar uma gama significativa de produtos e suvenires, com a clara intenção de reapresentar as “logomarcas” integralistas: o Sigma e a galinha verde. Dentre os produtos oferecidos com vistas à comemoração das bodas de prata integralista estavam distintivos do PRP, que se diferenciavam pelo gênero (homens e mulheres usavam distintivos diferenciados), flâmulas do Sigma e de Salgado, réguas, lapiseiras, calendários, termômetros com a figura do líder integralista imersa no interior do tubo medidor, cinzeiros, utensílios de cozinha, jogos de chá com o Sigma impresso, carteiras de fósforos, formas de bolo, diplomas artísticos,

383 A Marcha, 26/9/1958, p.9. 384 A Marcha, 17/5/1958, p.9.

192

canetas esferográficas, broches, pratos de louça e discos promocionais com jingles integralistas.

385

Outros materiais foram elaborados, como carimbos e fotografias de Plínio Salgado em vários tamanhos e autografadas. Nesse sentido, é emblemático o texto constituinte da Tabela de preços dos suvenires da campanha dos 25 anos, que dizia o seguinte:

Integralista, se você vem ao Rio assistir às comemorações de 7 de outubro, adquira os objetos que recordam esse fato histórico e guarde-os para que passem, de mão em mão, a seus filhos, netos e bisnetos. E se você não pode vir, encarregue seu companheiro que vier de comprar e levar para você uma dessas lembranças.

386

Todos esses produtos movimentaram um considerável aparato industrial e comercial que dava suporte à marca integralista. Empresários, industriais e comerciantes simpatizantes do movimento e ligados aos mais diferentes ramos, foram os responsáveis pela fabricação e distribuição desses produtos. Sua vendagem foi organizada pelos integralistas, que se valeram de malas diretas e reembolso postal. Um exemplo dessa prática foi o serviço de Caixa Postal mantido pelo movimento. O interessado enviava seu pedido e os integralistas remetiam os produtos, no período máximo de uma semana. Assim, as mercadorias integralistas chegavam à residência do consumidor em prazo bastante curto, o que gerou um fluxo contínuo de remessas, principalmente no período de setembro a novembro de 1957. Em consonância com a indústria cultural que se formalizara, o Sigma apresentou seus produtos visando atingir os mais variados setores sociais.

Nas páginas dos jornais perrepistas, em especial n’A Marcha, as propagandas desses produtos ganharam vida. O jornal foi o fórum das discussões partidárias e o armazém mais bem sortido dos integralistas. Procurando abarcar as mais diversas clientelas, tais anúncios objetivavam “falar a língua dos que tomavam contato com eles [produtos]”.

385 A Marcha, especialmente os números de setembro de 1957 a abril de 1958. 386 Propaganda veiculada no jornal A Marcha de 27/9/1957, p.3. Perceba a

preocupação dos integralistas com relação de seu ideário simbólico junto às gerações futuras, um dos pilares da conceituação propagandística do movimento. Grifo meu.

193

Por meio dos anúncios, comunicavam-se com os mais diferenciados receptores, apresentando um significativo número de produtos. Falava-se à dona de casa, ao provedor do lar, ao colecionador, aos militantes saudosistas, ao trabalhador, ao adolescente.

O primeiro segmento social a ser atingido pelo assédio propagandístico dos produtos que levavam a marca Sigma foi o das mulheres, ou, de acordo com os integralistas, o das donas de casa. No estrato abaixo, tem-se a dimensão de como o direcionamento se deu:

A Marcha em sua nova fase não quer levar apenas as notícias semanais aos seus leitores e a orientação doutrinária, deseja como um jornal de base cultural penetrar mais profundamente nos lares, e para isso instituiu, dentre outras, esta dedicada exclusivamente às mulheres(...) Nosso objetivo, portanto é oferecer tudo que seja importante para a mulher para o desempenho de sua elevada missão, conhecimentos que vão da moda aos cuidados pessoais e domésticos.Além desses objetivos procuramos despertar para os problemas sociais... assim sendo uma reparação rigorosa e completa lhe deve ser ministrada tendo por base a educação integral (...) Eis porque daqui desta página feminina procuraremos abordar todos esses aspectos, do pequeno conselho ao trabalho de arregimentação da mulher... para uma cruzada de redenção nacional pela sua acção decidida, patriótica e cristã.

387

Os anúncios integralistas buscavam, de maneira mais específica, comunicar-se diretamente com a figura da mulher dona de casa. Esta rotulação limitava a sua ação social, uma vez que ela era vista pelo integralismo como a responsável pela administração do lar. Tal postura indica os limites da modernização do discurso integralista: as mulheres, ao invés de companheiras, seguiam sendo caracterizadas pelas funções domésticas. Vale notar que a realidade feminina da época contradizia o discurso passadista apresentado pelo Integralismo, o que aprofundou as contradições entre as posturas do

387 A Marcha, 5/4/1958. p.5.

194

partido e a prática social, atestando o descompasso integralista. A casa continuava sendo vista como o espaço social feminino, no qual a mulher interagia tão somente no sentido de proporcionar à família bem-estar e comodidade.

A despeito da questão sobre a subserviência feminina no integralismo, ter sido mais complexa nos anos 30 percebe-se, nos anos 50, resquícios bastante marcantes de tal postura. Nos anos 30, os integralistas defendiam o casamento, a maternidade, condenavam a luta pela emancipação feminina e também incorporaram uma série de valores modernos em relação à mulher e à família. No discurso médico, por exemplo, a mulher - mãe, dona de casa - possuía papel de destaque nos projetos integralistas. A educação feminina era defendida com o objetivo de preparar a mulher para ser uma mãe melhor, mais preparada; para ter condições de formar seus filhos sob novos critérios higiênicos etc.

Simultaneamente aos estratagemas utilizados para aproximar a dona de casa da doutrinação, e atentos aos demais segmentos da sociedade, os integralistas afinaram sua busca de prática doutrinal, seguindo uma das preocupações mais diretas do partido: arregimentar novos simpatizantes para a sigla. Evidenciou-se, então, uma campanha conjugada, visando abarcar um amplo espectro de pessoas. A figura masculina foi privilegiada. No trecho abaixo é clara a preocupação do partido em trazer para seus quadros o provedor do lar:

Poesia para o Bom Homem

Se tu és o provedor do Lar, o que trata das eventuais dores e rega as alegrias do lar, a família depende de vc. A Nação depende de vc. O integralismo depende de vc. Não podes, no entanto desapontar a tríade de sua vida. Venha participar das sessões de doutrinação. Lá vc poderá levar seus filhos, sua esposa e todos juntos serão trazidos à verdade. Vc que provê seu lar provenha de inteligência sua família.Deixe que o PRP venha até vc.

388

Obedecendo a estratégias bastante variadas, que se confundiam, muitas vezes, com a própria doutrinação, os anúncios voltados aos militantes propriamente ditos eram divididos em algumas

388 A Marcha, 15/9/1956. p.5.

195

sessões específicas, explorando pontos de aproximação particulares. As propagandas comparativas: “Somos nós o diferencial entre o passado carcomido e o futuro representável”; as que traziam embutidos nos textos um “chamamento imperativo”: “seja um correligionário do PRP!”; as de interpretação subjacente: “O Brasil anda bem? Porque você não o Recupera e o melhora Praticando?”; e aquelas cujo texto dirigiu-se a um público indiferenciado:

Todos podem se filiar ao PRP: se não vejamos: podem ao menos ajudar aos companheiros consumindo seus produtos: Um caixa de fósforos, um selo, uma marca de cigarro que vc mude, passando a fumar Cigarros do Sigma, você está ajudando a nos promover, mostrando ao Brasil que somos bem mais que meros arregimentados de pessoas e idéias. Somos o partido da Nação. 389

A sofisticação das estratégias arquitetadas pelos integralistas criou, no espaço de seis meses de celebrações, um calendário rememorativo que contemplou festas populares, simulações históricas, constituição de novos órgãos ligados ao partido, (a exemplo dos Águias Brancas), bem como a produção de uma série variada de produtos que ostentavam a marca integralista. Independente de tais estratégias e do grau de sucesso conseguido por elas, percebe-se que os agentes de celebração conseguiram congregar a propaganda e a doutrinação com vistas à efetiva partilha de seu ideal: um futuro partilhado por todos aqueles ligados ao movimento.

Entretanto, para a imprensa não integralista, a aceitação, a força e a possibilidade desse ideal mostraram-se profundamente arcaicos frente à realidade dos anos 50 e 60. Segundo os jornais de grande circulação, o descompassado discurso integralista havia caducado devido à contradição que sua permanência causava ao estabelecimento da democracia. A despeito das comemorações dos 25 anos do integralismo servirem para colocá-lo novamente na ordem do dia, não foram suficientes para revigorar o movimento. As celebrações não se limitaram às festividades públicas e às mordazes críticas trocadas com a imprensa, mas sem dúvida foi este um dos mais interessantes e contraditórios momentos vividos pelo integralismo.

389 Todos esses anúncios foram publicados no jornal A Marcha durante os meses de março a setembro de 1957.

196

Resumo da ópera

O contexto político dos anos 50 diferiu profundamente daquele que viu nascer o integralismo. Adequando-se à nova diretiva pluripartidária, o integralismo passou a requerer status de “atento paladino da nova democracia”,

390 apresentando-se como parceiro do

novo regime. Com exceção do anticomunismo, que permaneceu como um elemento arraigado da doutrina do novo partido, e da presença sempre marcante da figura do “chefe”, agora instituído como presidente do partido, os demais elementos fundadores da doutrina integralista passaram por radicais transformações. As intenções corporativistas do partido, assim como sua postura antiliberal arrefeceram-se. No entanto, aos olhos da grande imprensa de circulação nacional, nada disso ajudava a caracterizá-lo como um movimento político afastado do que fora nos anos 30.

O PRP passou seus primeiros quinze anos de atuação parlamentar (1945-1960) se defendendo das acusações de envolvimento com o fascismo italiano, ideologia política inadequada à nova conjuntura político-democrática. Nesse sentido, a oposição da grande imprensa frente ao integralismo mostrou-se, a partir de finais da década de 1950, na sua forma mais acabada. Em decorrência disto, o antagonismo criado entre o movimento integralista do pós-guerra e a imprensa de grande circulação favoreceu a permanência do integralismo nas discussões e páginas dos jornais. O dístico Proh Pudor simultânea e paradoxalmente estigmatizou o movimento integralista ajudando o integralismo a permanecer em evidência.

Neste sentido, Assis Chateaubriant foi profético: o cachorro morto, que não estava tão morto assim havia conseguido permanecer no cotidiano das páginas dos jornais, nunca como protagonista de uma efetiva reestruturação simbólico-política, mas atraindo para si a luminosidade de holofotes coadjuvantes.

Acusados de não possuírem propostas adequadas nem para o presente nem para o futuro os integralistas fixaram suas investidas nos poucos jornais que o movimento dispunha. Em contrapartida, mesmo congregando os matizes mais variados, a imprensa de grande circulação dos anos 50 foi unânime em afirmar que os “jacarés falantes do integralismo”, tal como enfatizou Mario de Andrade, significaram um enorme retrocesso político, tipo de aparição que serviu, sobretudo para lembrar os esquecidos e incautos que a democracia exigia credenciais bastante claras. As credenciais integralistas foram cassadas no

390 Boletim PRP/RS, nov/1946.

197

momento em que resolveram retomar sua simbologia, mesmo em nome de uma nova roupagem pseudo-democrática.

Referências

A Enciclopédia do Integralismo, 12 vol. RJ: Livraria Clássica Brasileira, 1957-1961.

BAHIA, J. Três fases do jornalismo Brasileiro. Santos, Presença, 1960.

CALIL, Gilberto. A Nova face do verde: o Integralismo no pós guerra e a criação do PRP. Dissertação de Mestrado na PUC-RS, 1998.

COHN, Gabriel.(org) Comunicação e Indústria cultural. SP, Cia da Ed. Nacional/Edusp, 1971.

4 volumes. Rio de Janeiro, FGV/Cepedoc, 1984. DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFICO (1930-1983).

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil - uma história. Edusp, SP, 1981.

IANNI, Otávio. Imperialismo e Cultura. Petrópolis: Vozes, 1976.

ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. SP, Brasiliense, 1988.

198

10. ENTRE SIGMAS E SUÁSTICAS

Nazistas e integralistas no Sul do Brasil

Ana Maria Dietrich 391

Um dos principais efeitos da tropicalização do nazismo foi a adesão de teuto-brasileiros às fileiras do integralismo principalmente nos estados do Sul do país, onde estavam concentradas as colônias alemãs fundadas desde a metade do século XIX. Na perspectiva do III Reich, o integralismo representou uma onda de nativismo local que ameaçava o Deutschtum (germanismo)

392.

Tropicalização é aqui entendido como o processo de amoldamentos e modificações do nazismo enquanto ideologia e nas estruturas organizacionais do partido nazista instalado no Brasil. Neste sentido, o integralismo pode ser identificado como uma importante característica do nazismo tropical por ser visto como algo extraordinário que não estava nos planos originais da organização do partido nazista no exterior. O anauê que muitos teutos-brasileiros declamavam nas ruas de Blumenau, Harmonia e Rio do Sul em Santa Catarina é aqui considerado uma reação “tropical” ao nazismo exportado e segregado que não admitia nas suas fileiras os miscigenados. Por outro lado, para os representantes do Reich, havia um explícito repúdio ao integralismo justificado pelas regras da Organização do Partido Nazista no Exterior que deixavam claro que os alemães não deveriam participar da política local do país de hospedagem (Gastland).

O Partido Nazista no Brasil estava ligado à Organização do Partido Nazista no Exterior e era o maior grupo das 83 filiais do partido nazista espalhadas no mundo. Tinha cerca de 2.900 membros, dos quais a grande maioria (92,8%) era de cidadãos alemães. Ele deixava de fora um grande contingente da comunidade alemã, os chamados

391 Ana Maria Dietrich é doutoranda em História Social pelo NEHO/ Departamento de História/ USP em parceria com o Centro de Estudos de Anti-Semitismo da Universidade Técnica de Berlim, Mestre em História Social, historiadora e jornalista. 392 “Die integralistische Bewegung in Brasilien“. In: Der Auslanddeutsche.

Zeitschrift für die Runde vom Auslandsdeutschtum. Herausgegeben vom Deutschen Ausland-Institut Stuttgart. Jahrgang 18. März 1935, p. 125.

199

teuto-brasileiros, que não podiam entrar no partido por não serem portadores da cidadania alemã. Este é um dos motivos indicado pelos alemães nazistas para a grande adesão de brasileiros descendentes de alemães às fileiras integralistas.

Em alemão, chamados de Deutschbrasilianer (alemães-brasileiros), formaram uma nova categoria dentro de uma maior Auslandsdeutsch (alemães estrangeiros). Os Deutschbrasilianer se encontravam em um nível inferior aos alemães puros, criando-se uma hierarquia racial dentro da própria comunidade alemã.

Inferior, mas ainda interessante, pois representavam uma força que não pode ser deixada de ser considerada – tanto em termos numéricos, considerando que a comunidade de teutos somava 900 mil integrantes

393, quanto ideológicos – afinal, 80% desta comunidade era

simpatizante do regime hitlerista394

.

Ainda que formalmente não lhe eras permitido a participação efetiva dentro do partido, o governo nazista pensou em formas para a inclusão política e social desta “categoria”. A solução encontrada foi a formação de uma associação de amigos de Hitler, que serviria, em tese, para defender os interesses desta categoria

395. A Federação 25

de Julho desempenhou em grande parte este papel, mas ainda faltava um grande caminho para se tornar uma organização dinâmica e disciplinada. Tal organização representaria os interesses e as exigências dos teuto-brasileiros, que não precisariam, então recorrer ao integralismo

396.

Mas, o integralismo com seus desfiles, marchas, uniformes e hinos, cuja forma se assemelhava às demonstrações nazistas foi mais sedutor. Além da “roupagem”, o integralismo teria atraído também pelo seu conteúdo ideológico. Inconformados e estimulados a se engajar politicamente – os descendentes de alemães viram no integralismo uma alternativa viável. Segundo Natália Cruz, o apoio do integralismo aconteceu em via dupla, ou seja, tanto os colonos alemães apoiavam o integralismo, quanto os integralistas queriam o engajamento desta população. Alguns traços de caráter atrairiam a população de descendentes de alemães para o partido integralista: “a valorização da

393 SEITENFUS apud GERTZ, René Ernaini, O Fascismo no Sul do Brasil: Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. 394 GERTZ, René Ernaini, O Fascismo no Sul do Brasil: Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

395 Ata R79005. Ministério das Relações Exteriores. Berlim, Alemanha. 396 Revista Deutschtum im Ausland, 1937, p. 21. Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart, Alemanha

200

ordem e do trabalho, virtudes cultivadas pela AIB; possuiriam um forte “idealismo pátrio”, fazendo-os se identificarem com um partido realmente nacional, em vez de se ligarem aos partidos tradicionais, que representavam apenas interesses regionais”

397. Segundo Cruz,

havia diversas semelhanças nos princípios do integralismo e do nazismo e ambos tinham como alvo a democracia liberal, os comunistas e o judaísmo internacional. A mesma autora cita o envolvimento de alemães supostamente espiões nazistas com o integralismo.

Os integralistas, além de utilizar em sua propaganda efeitos e símbolos similares à da propaganda nazista como, por exemplo, o sigma sob o mapa do Brasil, faziam questão de mostrar semelhanças entre os dois movimentos políticos. “- Si tu fosses allemão, certamente serias Nacional Socialista. (...) És brasileiro, inscreve-te, portanto, nas Legiões Integralistas e vem vestir a camisa verde dos que se batem pelo bem do Brasil” – constava em um panfleto que circulou na década de 1930

398.

Para conseguir o engajamento desta fatia da população, a Ação Integralista Brasileira também se valeu de propaganda em alemão, sempre citando o regime nacional-socialista de Adolf Hitler como paralelo ao que acontecia no Brasil:

Se você é um alemão nacional-socialista e é agradecido à sua Pátria de origem, seu braço se levanta para Hitler que fez a Alemanha livre do caos marxista e comunista (...), então ingresse para as camisas verdes lideradas por Plínio Salgado. O integralismo é um apelo do Brasil para todos que são aqui nascidos! É um chamado da terra que te acolheu de forma hospitaleira (...) Anauê!

399.

O Estado de Hitler, através de suas associações no exterior, observou o crescimento e desenvolvimento do integralismo como força política no Brasil, desde 1935. Caracterizando-o tal movimento

397 CRUZ, N., Nazismo e Integralismo: Proximidades e Conflitos. Mímeo, 2005. 398 RIBAS, Antonio de Lara. Punhal Nazista no Coração do Brasil. Florianópolis, Imprensa Oficial do Estado, p. 137. 399 Ibid.

201

pejorativamente como nativismo, era completamente contrário a que os alemães e seus descendentes se filiassem a este movimento. A preocupação era que este movimento iria afetar o Deutschtum (germanismo), com o “Heil Hitler” tropicalizado para o “anauê”. Atenção especial se dava a juventude alemã, que em parte também aderiu ao integralismo

400. A suposta “ameaça” do integralismo foi registrada em

relatórios realizados pelo corpo diplomático alemão no Brasil e por membros do partido nazista. A Revista Deutschtum im Ausland

(Espírito de ser Alemão no Exterior) também se ocupou desta temática. Tal revista, denominada até 1938 como Der Auslanddeutsche

401, era o

periódico do Institut Deutsches Ausland (Instituto dos Alemães no Exterior), localizado em Stuttgart, cidade que na época recebeu o título “Cidade dos alemães no Exterior”. Tal periódico contém diversos artigos sobre nao só alemães no Brasil, mas da América do Sul e do mundo inteiro.

A visão do III Reich do movimento integralista destacava principalmente a questão racial que visava melhorar a raça com a diminuição da porcentagem de negros e índios e o aumento dos europeus. Eles caracterizavam tal conceito de raça como Lusotum (lusitanidade) em contraposição ao Deutschtum (germanismo). Apesar de observar as tendências anti-semitas e o combate ao comunismo, o que eram vistos como aspectos positivos pelo III Reich, o que era enfatizado nos relatórios e artigos é a ameaça ao Deutschtum. A citação abaixo mostra uma tentativa dos alemães de compreender o integralismo, visto como nativismo lusitano que tinha como “grande pretensão” fazer do Brasil um Estado semelhante aos países do oeste europeu. Observar a maneira irônica que se referem aos brasileiros colocando em dúvida a capacidade de se formar um estado nacional semelhante aos europeus:

O integralismo, que se apresenta no mundo como um nativismo lusitano, engloba o conceito de brasilidade de tal maneira, como se os brasileiros pudessem formar um estado nacional que tem como os europeus do oeste como modelo, também como um Estado que historicamente, linguisticamente e

400 Revista Deutschtum im Ausland, 1935. Instituto de Relações Exteriores de

Stuttgart, Alemanha. 401 A partir de 1938, é denominada Deutschtum im Ausland.

202

sociologicamente tivesse formado uma unidade aproximada.

402.

Mesmo com toda esta visão do III Reich de não-aceitação, não-colaboração e até menosprezo, a realidade dos círculos das colônias alemãs do Sul do Brasil era diferente. No cotidiano destes alemães e teutos brasileiros, os discursos se misturavam e a colaboração se dava em diferentes níveis. As ordens vindas da Organização do Partido Nazista no Exterior sediada na Alemanha eram obedecidas de maneira diversa, ao nosso entender tropicalizada. O jornal Blumenauer Zeitung, de Santa Catarina, por exemplo, chegou a ser o porta voz dos dois grupos ao mesmo tempo. Verificamos alguns registros de fotos, que mostram sedes dos dois movimentos que funcionavam sob o mesmo endereço. No livro O Punhal Nazista no Coração do Brasil vemos publicada uma foto de uma sede localizada na cidade de Rio do Sul (SC) que abrigava, ao mesmo tempo, os dois partidos nazista e integralista e tinha o símbolo da suástica e do sigma na fachada

403.

Da parte das lideranças integralistas, as atitudes variavam entre aproximações e distanciamentos. Plínio Salgado teria feito um acordo diplomático em que não mais ofenderia os nazistas no seu discurso. Mas, em outros momentos, ele afirmou que o Brasil estava ameaçado pelas doutrinas estrangeiras. Plínio, quando estava no exílio, fez uma retrospectiva da história do integralismo e mandou publicar um “manifesto diretiva” em 9 de setembro de 1945, enfatizando o perigo dos camisas cáquis nazis do qual os camisas verdes iriam proteger o Brasil

404. Cumpre-se notar que esta fala data

do pós-guerra, quando, supostamente, toda a associação de nazistas deveria ser repudiada pelos integralistas.

Ainda, tanto Salgado quanto Gustavo Barroso, a fim de conquistar a numerosa colônia teuto-brasileira, fizeram questão de relembrar suas raízes germânicas de seus descendentes

405. Salgado,

através de um enviado, teria feito em 1935 um contato para pedir apoio financeiro e moral para a luta contra o comunismo. No mesmo ano de 1936, o secretário de estudos da AIB de Pindamonhangaba teria

402 Hünsche, apud, Übersetzung aus der Zeitung “O Radical” in Rio de Janeiro vom 12. November 1941. „Die Tätigkeit des Nazismus in Südbrasilien“ (40f) Ata R 12506. Ministério das Relações Exteriores. Berlim. Alemanha. 403 RIBAS, Antonio de Lara. Punhal Nazista no Coração do Brasil. Florianópolis, Imprensa Oficial do Estado, p.129. 404 GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 116. 405 Ibid, p. 184.

203

pedido dinheiro a Embaixada Alemã para uma viagem cujo propósito seria levar o integralismo para uma linha alemã

406. Mas a tentativa foi

frustrada.

Gustavo Barroso, a figura do número 2 do partido integralista, era considerado um grande simpatizante do nazismo. Costumava citar sua descendência alemã, sendo que parte de sua família tinha o sobrenome Dodt. Barroso teria tido, também, receptividade para seus artigos no jornal alemão Der Stürmer, um dos principais veículos da propaganda nazista publicado por Julius Streicher

407. Mesmo com

alguns artigos que elogiavam Barroso e outros que demostravam uma simpatia pelo “fascismo à brasileira”, o integralismo foi lembrado pelo jornal no período de seu início (1934-1935) e “esquecido” no momento de sua maior expansão (1935-1938)

408. O mesmo líder integralista

tentou em diversos momentos a aproximação com o Instituto Ibero-americano de Berlim, chegando a enviar livros anti-semitas de sua autoria para serem resenhados pela revista do instituto, fato que nunca aconteceu. Ele também foi convidado junto a outras autoridades brasileiras para visitar a Alemanha e melhorar as relações entre o Brasil e a Alemanha. Barroso permaneceu na Alemanha durante 5 semanas em 1940. Segundo René Gertz, as opções simpáticas de Gustavo Barroso ao nazismo são evidentes:

Entre as lideranças integralistas Gustavo Barroso sempre foi considerado o mais germanófilo e pró-nazista, sobretudo em função de seu ferrenho anti-semitismo. E não há dúvida de que Barroso em diversas oportunidades tentou aproximar-se do Nazismo e do Instituto Ibero-Americano.

409.

Todo este movimento não mudou a idéia do III Reich sobre o integralismo que era visto como perigo e ainda mais, como algo extraordinário. Em ofício da A. O. para o DAI (Deutsches Ausland-Institut – Instituto alemão do exterior) é colocado o seguinte problema:

406 Ibid, p. 135. 407 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Anti-Semitismo na Era Vargas. Sao Paulo: Editora Brasiliense, 1995, p. 335. 408 GERTZ, René, A influência política alema no Brasil da década de 30. Estudos Interdisciplinários da América Latina y el Caribe. http://www.tau.ac.il/eial/VII_1/gertz.htm 409 Ibid.

204

“A questão do integralismo coloca nosso trabalho alemão no Brasil diante de problemas extraordinários”

410. A nosso ver, esta mistura

ideológica que, contra toda a vontade e orientação do III Reich, aconteceu no Brasil, é tida como o principal ponto da tropicalização do nazismo e da resistência à tropicalização proferida pelas lideranças nazistas. Os tais “problemas extraordinários” não estavam previstos nas diversas regras e diretrizes propostas pela A. O. aos grupos dos partidos nazistas no exterior. Os camisas verdes e seu grito de anauê vistos, pejorativamente como uma mera imitação do nazismo, causaram sérias preocupações aos alemães nazistas. O problema se intensificou com o golpe integralista e a suspeita de que alguns alemães nazistas teriam participado. Isto poderia acabar se tornando um ruído diplomático entre os dois países, que neste momento, se viam em um namoro comercial muito intenso.

O discurso ideológico semelhante fez com que os descendentes de alemães se beneficiassem da estrutura integralista para desenvolver o programa do nazismo

411. Por outro lado, os

integralistas utilizavam em sua propaganda que só com o integralismo seria preservado o Deutschtum (germanismo), idéia que não tinha crédito na Alemanha. Segundo a revista Deutschtum im Ausland, sempre haveria uma diferença entre os brasileiros integralistas e os “outros”, um grande grupo de estrangeiros, nos quais os alemães e seu Deutschtum não seriam valorizados. Segundo a revista, dois teuto-brasileiros haviam morrido pelo integralismo

412.

“Nós não conhecemos a expressão “alemães de Blumenau”. Em Blumenau, existem apenas brasileiros e estrangeiros.”

413

Pelos "mandamentos" dos divulgadores do nazismo no exterior, os alemães deveriam ter o cuidado de não se "misturar" com os estrangeiros, não devendo nem mesmo usar a língua local. Em contrapartida, como solidariedade a Gastland (terra de hospedagem), como eram chamados os países onde estavam localizadas comunidades de alemães, era proibido aos partidários a participação

410 Ibid, p. 136. 411 Revista Deutschtum im Ausland, 1935. Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart, Alemanha 412 Revista Deutschtum im Ausland, 1937, p. 21. Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart, Alemanha 413 Ibid. p. 20.

205

na política local em eleições ou movimentos revolucionários. Os nazistas deveriam se manter neutros com relação à política interna e não poderiam divulgar suas idéias a estrangeiros

414. Participar do

movimento integralista infringia diretamente tal mandamento.

Segundo Emil Ehrlich, havia 10 deveres da A. O. (Auslandsorganisation der NSDAP – Organização do Partido Nazista no Exterior) instituídos a partir do decreto do Führer de 1937. Entre eles, os dois primeiros referem-se a este princípio de “não intervenção”: “1. Seguir as leis do país, no qual você é hóspede. 2. A política da terra de hospedagem deve ser deixada para seus moradores. Você não deve entrar na política de uma terra estrangeira. Não se intrometa nesta política, nem mesmo por meio de conversas”.

Apesar da discussão sobre a adesão de teuto-brasileiros, a preocupação maior se dava com os alemães. Temia-se que se os alemães aderissem aos ensinamentos integralistas aconteceria a miscigenação e a raça ariana desapareceria em duas ou três gerações

415.

A força do movimento no Sul do País, região que se concentrava o maior número de teutos e de alemães, também é enfatizada. Para provar tal força eleitoral, a revista relata a vitória maciça nas eleições de 1936 dos integralistas nas prefeituras das cidades do Sul, principalmente em Santa Catarina (Blumenau, Joinville, Rio do Sul, Jaraguá, Harmonia e São Bento) e Rio Grande do Sul. Isto aponta para a adesão dos teutos que votaram e apoiaram os integralistas e também pode ser visto como um dos fatores da dificuldade de se opor politicamente a tal movimento

416.

Nos anos 1930, o Brasil contaria com 3,3 milhões de votos. Destes, cerca de 850 mil eram a favor do integralismo. Nos estados do Sul, se concentraria a maior parte de votantes, com 560 mil e em Santa Catarina, estariam localizados 125 mil adeptos do integralismo.

Efetivamente uma grande porcentagem do Deutschtum (germanismo) de Santa Catarina marcha nas fileiras integralistas. Do Rio

414 Ehrlich, Emil, Die Auslandsorganisation der NSDAP. Schifften der

Deutschen Hochschule für Politik, Herausgegeben von Paul Meier-Benneckenstein. II. Der Organisatorische Aufbau des Dritten Reiches. Heft 13. Junker Dünnhaupt Verlag, Berlin, 1937. 415 Revista Deutschtum im Ausland, 1937. Instituto de Relações Exteriores de

Stuttgart, Alemanha 416 Revista Deutschtum im Ausland, 1937, p. 19. Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart, Alemanha

206

Grande do Sul vem também das antigas regiões de colonização alemã próximas a São Leopoldo, Nova Hamburgo e Santa Cruz como também das mais novas regiões de colonização no nordeste e leste do estado, em que se nota uma forte apresentação do integralismo.

417.

Alguns teutos brasileiros chegaram a morrer como mártires da Ação Integralista Brasileira. José Luiz Schroeder, morto em conflito de rua em São Sebastião do Caí (RS) com a polícia em 24 de fevereiro de 1935 e Ricardo Grünwaldt, morto em Jaraguá (SC), em 7/10/1936 eram os mais lembrados pelos próprios integralistas. Germano Sacht morreu no mesmo dia e local que Ricardo

418.

Vários relatos reportam a esta espécie de “racismo tropical” difundido entre a comunidade alemã no Brasil. Alguns destes alemães que mantinham este pensamento racista proclamavam-se integralistas. É o caso do alemão Hans Walter Taggesell, citado como integralista destacado e Comandante da Milícia Integralista, que escreveu em carta para o seu pai na Alemanha, datada de 1929:

Quando me casar, se alguma vez o fiser, procurarei mulher que ajude um pouco o marido e não uma que saiba apenas vestir-se bem para agradar outro homem... Em caso algum, porém com brasileira. Meus filhos deverão ter sangue limpo e não virem ao mundo sifilíticos.

419.

Em outro momento, em 1931, ele escreve: “No que se refere à preguiça e comodismo, o brasileiro certamente não é superado por nenhum povo no mundo”. Em 1932, ele volta a fazer comentários pejorativos sobre o Brasil, chamando-o de “terra de macacos”

420.

Uma reportagem no jornal inglês Times, de 3 de setembro de 1937, sobre as influências nazistas no Brasil, fez com que jornais brasileiros passassem a prestar mais atenção ao partido nazista no

417 Revista Deutschtum im Ausland, Junho de 1937, p. 661. Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart, Alemanha 418Jornal "Acção", São Paulo, 7/10/1937, p. 3. 419 RIBAS, Antonio de Lara. Punhal Nazista no Coração do Brasil. Florianópolis, Imprensa Oficial do Estado, p. 112 e 113. 420 Ibid. p. 113.

207

Brasil. Segundo o Times, o principal questionamento era com relação a nacionalização do povo alemão no Brasil. Perguntava-se se havia intenção de uma invasão de Hitler no Brasil por uma política de expansão territorial. Paralelamente, afirma-se que havia infiltração nazista

421.

O jornal o Globo, do Rio de Janeiro, em outubro de 1937, foi um destes jornais brasileiros, que atento a matéria do Times, publicou diversas reportagens sobre o movimento nazista no Sul do Brasil e fez várias referências ao integralismo e à “mistura ideológica” entre as duas correntes. O jornal colocou em cheque a germanização da colônia alemã no Sul do Brasil, principalmente em Santa Catarina, através de perguntas como “o elemento allemão se deixa de boa vontade absorver pelo brasileiro, integra-se sem relutância na nacionalidade brasileira ou resiste?” ou “Qual o sentido desta resistência, a) será puramente racial: manutenção de costumes, predilecções, mentalidade pura da raça germânica? b) Ou será particularista, de ordem política, de intenção nazista?”

O jornal chega a descrever a situação das colônias alemãs no Sul do Brasil como um simulacro das ditaduras alemãs e italiana, que fazia até o uso de boicote contra empresas que não eram aliadas à causa alemã:

Em algumas colônias mais recuadas do centro principal que é Blumenau, verifica-se afinal a existência de verdadeiro simulacros de dictaduras, arremedo de regimens totalitários, e cuja arma principal é o “boycott”, desde que, no Brasil, não é possível a existência de campos de concentração.

422

O medo da invasão militar fica implícito neste trecho, quando se refere à construção de uma Alemanha em solo brasileiro:

Os núcleos germânicos, isolados, entregues a si mesmos, livres, por descaso em eral dos poderes públicos, de controles

421 “O Times e as influências nazistas no Brasil” in Correio da Manhã, 3/09/1937. Ata 104939. Ministério das Relações Exteriores. Berlim, Alemanha. 422 O Globo, outubro de 1937. Ata 104939. Ministério das Relações Exteriores. Berlim, Alemanha.

208

conacionalizadores, adensaram-se a sua moda, com sua mentalidade, costumes e idioma próprios. Desse modo formou-se o que alguns commentadores atrícios tem apontado como “um pedaço da Allemanha” tratando de se consolidar sob os céos do Brasil”

423.

Os artigos, tanto do Times quanto do O Globo, tiveram grande repercussão no III Reich, que caracterizou-as como uma campanha difamatória contra a Alemanha. As reportagens foram arquivadas em atas no Ministério das Relaçoes Exteriores e exaustivamente analisadas pelos diplomatas. De fato, poucos meses depois, em abril de 1938, o partido nazista foi proibido e alguns dos líderes partidários foram presos.

Ao citar as semelhanças entre as duas correntes, o jornal faz uma distinção entre dois “tipos” de integralista. Os primeiros são considerados nacionalistas e lutam pelo bem estar do Brasil, os segundos transgridem estas normas, acentuando-se mais o lado germanizado.

Segundo o jornal, da parte dos nazistas também havia certa confusão, uma vez que alguns líderes, como o caso do chefe da cidade de Taió (SC), identificado com Friss, que compareceu a um ato público em Rio Sul (SC) ostentando o sigma ao lado da suástica. A explicação para tal mistura é que a população teuta condenava o “nazismo de exportação” dos nazistas tradicionais e se identificavam mais com o integralismo, pelo seu discurso, que segundo o jornal, era anti-semita, anti-comunista e anti-liberal.

Sem deixar de expressar a sua opinião contra o movimento integralista, o jornal publicou também uma série de artigos sobre o governo integralista nas prefeituras, enfatizando principalmente a má-gestão. Eles são acusados de maus-administradores. Em reportagem de outubro de 1937, o jornal abre com a manchete: “Nao prometemos nada”. A frase foi atribuída para a “gente integralista”, sem especificar quem a tinha falado. No corpo da matéria, a opinião é explícita: “Blumenau nao teve o prazer de receber nenhum resultado

423 Ibid.

209

verdadeiramente apreciável da propalada açção renovadora e progressista do sigma”

424.

Em obras públicas, os trabalhadores que não eram adeptos do integralismo teriam encontrado problemas. O jornal refere-se, por exemplo, às obras da Estrada de Ferro Santa Catarina. Como havia muitos trabalhadores nesta obra que não-integralistas, os integralistas, representados pelo jornal “Alvorada” teriam reclamado

425.

Com o golpe integralista de 1938, a visão do III Reich sobre o integralismo muda de perspectiva. O que eles chamavam antes de um “Brasil integralista” dada a força com que o movimento se expandiu nos anos 1930, com o fracasso do golpe, os integralistas passam a serem vistos pelo III Reich como incapazes de se chegar ao poder

426.

A preocupação passa a ser outra: a suspeita de que partidários do nazismo no Brasil, entre eles seu líder máximo Hans Henning von Cossel, teriam participado do golpe integralista

427. Algumas prisões

foram efetuadas, mas nada ficou provado. Em entrevista ao jornal O Radical, Cossel se isenta da culpa com relação ao golpe de 11 de maio de 1938

428. Neste momento, a atenção do III Reich se volta para um

outro acontecimento importante na história das relações entre a Alemanha e o Brasil: a proibição do partido nazista local pelo governo brasileiro. Tal acontecimento gera uma série de ruídos diplomáticos e o integralismo e sua ameaça ao Deutschtum é colocado em segundo plano.

Os estudos que exploram as relações entre o nazismo e integralismo divergem entre si. Uma primeira corrente acredita no separatismo entre os dois movimentos e a segunda, acredita que

424 „Não prometemos nada. „ A decepção causada pela estréia dos integralistas no governo de Blumenau. Observações de um blumenauense. In O Globo, outubro de 1937, Ata 104939. Ministério das Relações Exteriores- Berlim, Alemanha. 425 „A preferência aos trabalhadores integralistas em obras públicas e os casos que a respeito surgiram em Blumenau.- as sinecuras- o secretário Schubert Jr.” O Globo, outubro de 1937, Ata 104939. Ministério das Relações Exteriores- Berlim, Alemanha. 426 Revista Deutschtum im Ausland, 1938, p. 384, 385. Instituto de Relações

Exteriores de Stuttgart, Alemanha. 427 Ata R127506. Ministério das Relações Exteriores. Berlim. 428 Übersetzung aus der Zeitung “O Radical” in Rio de Janeiro vom 12. November 1941. „Die Tätigkeit des Nazismus n Südbrasilien“ (40f) Ata R 12506. Ministério das Relações Exteriores. Berlim, Alemanha.

210

houve uma grande colaboração. Há ainda, outros estudos que, de uma maneira simplista, indentificam uma corrente com a outra, sem prestar atenção às devidas peculariedades. Entre aqueles que defendem o colaboracionismo, podemos citar Edgar Carone, Natália Cruz e Bailey Diffie. Edgar Carone cita possíveis variáveis deste colaboracionismo como a publicacao em Santa Catarina do já citado jornal integralista Der Blumenauer Zeitung em língua alemã, palestras no Sul do Brasil para esclarecer o racismo alemão e financiamento do movimento integralista pelo Banco Alemao Transatlântico

429. Bailey Diffie

corroborou tais afirmações acrescentando que ações isoladas dos nazistas agiam em prol do integralistas, como foi o caso de Walter Honig, chefe do partido nazista no Rio Grande do Sul, que mantinha relações com os integralistas. Ele acrescenta que os nazistas queriam “dominar” o Sul do Brasil

430. Cruz enfatiza que apesar das séries de

evidências apontarem para uma colaboração entre as duas correntes, deve-se levar em conta as diferenças marcadas principalmente pelo caráter nacionalista de ambas.

Não se pode desconsiderar que a relação entre o nazismo e o integralismo também era marcada por desconfianças mútuas, já que o integralismo, como movimento extremamente nacionalista, temia a influência imperialista do Reich Alemão, e o nazismo não simpatizava com a idéia integralista de nacionalização das minorias étnicas no Brasil, o que incluiria a assimilação cultural dos alemães residentes no país.

431.

429 CARONE, Edgar apud GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p.

119. O nosso levantamento bibliográfico neste artigo se dará de maneira resumida. Recomendamos a leitura da obra de René Gertz supra-citada para o aprofundamento destas questõ es, principalmente o capítulo 4.2 Integralismo e nacional-socialismo.

430 DIFFIE, Balley apud GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 119-120. 431 CRUZ, N., Nazismo e Integralismo: Proximidades e Conflitos. Mímeo, 2005, p.2.

211

Stanley Hilton, assim como Arthur von Magnus, na posição contrária, defende que entre nazistas e integralistas houve mais conflitos que aproximações

432. Para Magnus, o movimento integralista

e os descendentes de alemães faziam uma oposição ao partido nazista no Brasil. Ele considera improvável a participação nazista no golpe integralista e acredita, que se houve colaboração, apenas aconteceu em níveis individuais. Tal pensamento a respeito do golpe integralista é compartilhado por Käte Harms-Baltzer

433. Segundo Manfred Kossok,

umas das diretrizes do governo nazista na época seria conseguir a hegemonia comercial e para isto teria se organizado em diferentes frentes: dominar os mercados de matéria-prima, influenciar alemães e descendentes para trabalharem como 5ª. Colunas e colaborar com o movimento “fascista local”. Nesta última frente, foi citado pela imprensa alema na época que a subida do movimento integralista ajudou o o Brasil a ser retirado da “órbita americana”

434.

A nossa posição, tendo em vista os documentos analisados, é que não houve, em nenhum momento, uma política oficial de colaboracionismo entre os dois partidos, integralista e nazista. Ao ver do III Reich, o integralismo era um movimento local de caráter nativista que deveria ser ignorado pelos alemães e teutos residentes no Brasil. A tal “mistura ideológica” deveria ser evitada. Com relação às tentativas individuais de aproximação, a história é outra. Na práxis, vemos diversos exemplos que mostram um trabalho em conjunto entre os dois partidos. Outra variável levada em consideração é a diferença regional. Neste artigo, foi pontuado a todo momento que a realidade que analisamos foi da região sul do brasil, onde se concentrava o maior número de teutos-brasileiros. Como se deu a relacao entre integralismo e nazismo em estados de outras regioes do Brasil, ainda deverá ser analisado pela historiografia.

432 HILTON, Stanley e MAGNUS apud GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 116-121. 433 HARMS-BALTZER apud GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 121. 434 KOSSOK, Manfred apud GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Germanismo, Nazismo, Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 122.

212

11. FOTOGRAFIAS, GÊNERO E AUTORITARISMO:

representações do feminino pela Ação Integralista Brasileira435

Tatiana da Silva Bulhões436

(...) Crê, ardentemente, em Deus; ama, sinceramente, a tua Pátria, e serve conscientemente, a tua Família. (...) VI Na paz ou nas horas de lucta, sê sempre, e acima de tudo, MULHER, e como tal, útil, necessária, respeitosa, caritativa, inteligente, simples, honesta, abnegada (...) XI Faze de tua consciência um espelho límpido. Deante do qual nunca tenhas de corar de vergonha de ti mesma. (...).

(Três regras de conduta do “Breviário da mulher integralista”, escrito por Iveta Ribeiro e publicado em A Ofensiva, de 5/1/37)

A Ação Integralista Brasileira, fundada em 1932 e posta na ilegalidade em 1937 pelo Estado Novo, produziu e divulgou um amplo discurso imagético sobre o cotidiano de seus militantes e sua ideologia através da fotografia. As “blusas-verdes”, militantes mulheres que participaram do movimento, neste discurso, assim como no discurso textual, têm suas condutas delimitadas. Pelas imagens que o movimento produziu das mesmas, temos uma forma de visualizar as representações do feminino na sociedade brasileira.

435 A análise apresentada neste artigo reflete o estágio atual da minha pesquisa documental, sendo está passível de inserções documentais e revisões até a defesa do Mestrado. 436 Mestranda em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (TEMPO/IFCS/UFRJ).

213

Considerando-se que tanto a escolha do objeto fotografado quanto a posição de produção de sua imagem são o resultado das condições históricas das relações sociais e expressam os significados culturais de uma época, o objetivo central de nossa pesquisa tem sido investigar as formas de produzir e divulgar as fotografias do movimento no Rio de Janeiro e o lugar da mulher nas mesmas.

437

Além disso, interessa-nos rastrear os usos e produção de significados dessas imagens e suas utilizações no amplo leque de instrumentos de propaganda utilizados pela A.I.B.

438 Consideramos, ainda, que as

fotografias fazem parte de um processo, denominado por Pollak, de “enquadramento de memória”

439, no qual uma determinada imagem do

movimento e de seus militantes é escolhida e enquadrada como a verdadeira a ser perpetuada e que procura construir no presente a coesão do grupo a que pertenceu projetando essa imagem também para o futuro.

A fotografia integralista apresenta uma memória da militância integralista e sua identidade em relação a um Brasil em franca redefinição política e social, na década de 1930. O conjunto fotográfico e os periódicos integralistas analisados retratam militantes e uma auto-imagem do movimento, monumentalizando seu dia-a-dia. As novas condições de escrita da história, permiti-nos considerar a fotografia como documento para a história – marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre o passado – e também como monumento – algo que traduz valores, idéias, tradições e comportamentos contribuintes da formação de uma identidade coletiva e de uma memória que se quis perenizada para o futuro, tal como sugere Jacques Le Goff quando trata dos “materiais da memória coletiva e sua forma científica, a história”.

440

As referências teóricas e metodológicas que orientam a pesquisa e análise imagética deste trabalho estão intimamente ligadas ao campo de uma história social onde a fotografia é pensada como

437 Muitas destas imagens fotográficas se encontram arquivadas e publicadas pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro à disposição dos interessados. 438 Outros exemplos de instrumentos de propaganda utilizados pelo Integralismo são o rádio, o cinema, os livros produzidos pelos seus ideólogos, revistas ilustradas, panfletos e jornais, tanto regionais quanto nacionais. Ver: CAVALARI, Rosa Maria Feitero. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil. São Paulo: EDUSC,1999, p.125. 439 POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos,

Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989, p.7 440 LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. História e Memória. São Paulo: UNICAMP, 2003, p.525.

214

prática social e expressão de relações sociais e significados culturais. A imagem não existe apenas em função do desenvolvimento técnico ou da possibilidade colocada pelo equipamento, separada das questões sociais (quem fotografa? Por que fotografa? Quais as intenções/objetivos?) e do tempo histórico em que foi produzida. Contudo, apesar de ter como meta a analise do conteúdo do corpus fotográfico (objetos, pessoas, gestos, locais, entre outros), bem como as técnicas fotográficas usadas na produção fotográfica, pretende-se nesta pesquisa ir além desta esfera, indagando os usos e escolhas dos produtores das fotos, os sentidos dados à fotografia no Brasil da década de 1930, as formas como foram divulgadas (periódicos integralistas ou não, exposições, folhetos, por exemplo) e o modo que elas apareciam no material de divulgação.

441 Além disso, cabe

comparar as representações de feminino nas fotografias integralistas com outras fotos da sua época.

A Ação Integralista Brasileira, entre 1933 e 1937, construiu em seu discurso textual e imagético padrões de feminino e masculino em consonância com sua filosofia e visão de mundo, intimamente ligadas aos argumentos dos discursos médicos eugênicos e de inspiração cristã desta época. Sendo assim foram delimitadas pela intelectualidade, dirigente ou não, do movimento representações

442 dos

gêneros, consolidando não somente as diferenças, mas também hierarquias entre eles. Tais representações se tornam instrumentos de poder integralista, como aponta Bourdieu em seu estudo sobre

441 Tais preocupações com análise da fotografia são similares às de Marta E. J. Barbosa em seu trabalho sobre as fotos da seca no Ceará, no final do século XIX. BARBOSA, Marta E. Jacinto. “Os famintos do Ceará”. In: MACIEL, Laura A., et al. (orgs.) Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004 442 O conceito de representação também é compreendido nesta análise à luz da psicologia social e da semiótica, como sendo, em linhas gerais, “a percepção de um objeto como signo do mesmo, como algo que existe para significar ou designar o objeto” e conforme afirma o psicólogo Pascal Moliner “correspondem a um conjunto de crenças, opiniões, comportamentos referentes a esse objeto. Ela é constitutiva da realidade desse objeto, da subjetividade de quem o vincula e do sistema social no qual se inscreve a relação sujeito-objeto”. Ver: JOLY, Martine. Introdução à analise da Imagem, Campinas, São Paulo: Papirus, 1996, pág.33 e MOLINER, Pascal. Images et représentations sociales – De la théorie des représentations à la étude des images sociales. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 1996, p.16. Apud SILVA, Helenice Rodrigues da. “A história como ‘representação do

passado’: a nova historiografia francesa”. In. CARDOSO, Ciro Flamarion e MALERBA, Jurandir. Representações: Contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas, São Paulo: Papirus, 2000, p.86.

215

representações, pois estas fazem ver e fazem crer, dão a conhecer e fazem reconhecer, assim como impõem as definições legítimas das divisões de mundo, neste caso aos integralistas

443.

Ressalto que estas representações não são “criações” separadas da sociedade e do tempo histórico em que foram elaboradas visto que é preciso mais que uma certa sintonia entre aquilo que está sendo mostrado e o público que receberá a mensagem, já que não se pode entender as representações como imposições simplesmente, pois elas são muito mais o resultado das relações sociais em determinado momento histórico, onde existem muitas hierarquias, mas onde também são possíveis negociações e improvisações

444. A crítica elaborada por mulheres intelectuais,

feministas ou não, contra o casamento e a desigualdade de direitos entre os gêneros, nas décadas 1920 e 1930, por exemplo, marcou e mesmo transformou o discurso conservador destas décadas

445.

A consciência de que o discurso integralista construiu representações do gênero feminino, de fundo biológico, cristão e antifeminista, intimamente ligadas à sociedade da sua época – por este motivo não são dados “naturais”-, e que estas estão imersas em relações de poder e de hierarquia, evidencia minha opção pelo conceito de gênero tal como proposto por Joan Scott, ao pensá-lo como categoria útil de análise histórica e uma forma de indicar as construções sociais dos papéis femininos e masculinos

446.

A fotografia à serviço da propaganda e da memória do Integralismo: o caso da revista Anauê!

Na década de 30, a propaganda política, como fenômeno da sociedade e da cultura de massas, era fator integrante da cultura política

447 brasileira e internacional da época e adquiriu enorme

443 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1989, p.137. 444 Ver: CHARTIER, Roger. “O mundo como representação”. In: Estudos Avançados, 11 (5). São Paulo, 1991 , p.182. 445 SILVA, Cleusa Gomes. Modernizando o casamento: a leitura do casamento no discurso médico e na escrita literária feminina no Brasil moderno (1900-1940). Dissertação de mestrado, Campinas: Unicamp, 2001, pp.117 e 118. 446 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica (tradução de

Christine R. Dabat e Maria Betânia Ávila). Recife, SOS Corpo, 1991, pp.1-3. 447 Entendo Cultura política neste trabalho como “um conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político,

216

importância, quando ocorreu, em âmbito mundial, um avanço considerável dos meios de comunicação

448. O nazismo e o fascismo

se utilizaram desse recurso e sua influência se fez perceber aqui no Brasil. Hitler, por exemplo, tinha um fotógrafo de confiança, Heinrich Hoffman, que tirava suas fotos e escolhia as que parecessem mais adequadas aos fins da propaganda alemã.

449O Estado Novo também

vai utilizar a fotografia, assim como a imprensa e o cinema, como veículos de propaganda governamental .

A leitura do periódico Revista do Serviço Público450

, na década

de 1940, dá algumas indicações do entendimento do sentido da propaganda naquela época. Benedito Silva, em seu artigo nesta revista, afirma que a propaganda possuía natureza emocional e para chamar a atenção do receptor deveria estar baseada em “argumentos dramaticamente convincentes e símbolos poderosamente emocionantes”. E mais, ela se faz muito mais a poder de símbolos do que através de argumentos, o que tornaria sua leitura de fácil apreensão. Lacerda ao analisar este artigo, afirma que, a técnica de propaganda se beneficiaria da “falta de pensamento crítico por parte do receptor, a massa, atingindo diretamente suas emoções e paixões”.

451

O Integralismo também se insere na cultura política da sua época e utilizou largamente artifícios propagandistas, incluindo a fotografia, para manter seus militantes e conquistar mais adeptos

452.

Segundo o regulamento da Secretaria Nacional de Propaganda

pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores”. KUSCHNIR, Karina e CARNEIRO, Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da Política: Cultura Política e Antropologia da Política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n.24, 1999, p.1. 448 CAPELLATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998, p.34. 449 FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade. Lisboa, Editora Vega, s/d., p.125. 450 SILVA, Benedito. “Como se caça a versátil atenção humana”. Revista do Serviço Público. Rio de Janeiro, v.1, n.3, p.5-12, mar.1940. 451 LACERDA, Aline Lopes de. Fotografia e discurso político no Estado Novo: uma análise do projeto editorial “Obra Getuliana”. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicação da UFRJ, Rio de Janeiro, 1998. 452 Ver: BERTONHA, João Fábio. “A máquina simbólica do Integralismo: Propaganda e controle político no Brasil dos anos 30”. In: História e Perspectivas, Uberlândia, (7): 87-110, jul/dez 1992.

217

(S.N.P.), que tinha ramificações em nível estadual e municipal, ela era “um dos setores fundamentais da Ação Integralista Brasileira”.

453

Um relatório da Secretaria Municipal de Propaganda do Núcleo Integralista de Ipanema

454, datado de 27 de fevereiro de 1937,

indica a importância dada pelo movimento à fotografia como fator de propaganda de si. Uma das perguntas do questionário procura descobrir se o Núcleo tem utilizado a fotografia em seus eventos ou textos de propaganda. Um trecho do editorial da revista ilustrada integralista, de circulação nacional, Anauê!, de 1936

455, também

parece indicar esta intenção do movimento de utilizar a foto para propaganda de si: “ (...) A revista Anauê! reflete o carinho dos “camisas-verdes” pela causa do Sigma. À medida que se for compreendendo que a revista está intimamente ligada ao trabalho de propaganda de nosso movimento, irá crescendo o número de assinantes, e ela aparecerá então mais bonita, mais caprichada, mais elegante”.

Não só a fotografia, mas as imagens em geral, eram utilizadas com fins propagandísticos e mereciam cuidados e investimentos por parte da AIB. Um Boletim da Província da Guanabara, de 30 de maio de 1936

456, por exemplo, relata o julgamento do concurso de cartazes,

feitos por militantes, apresentados no 3° aniversário da Província da Guanabara, onde ocorreu “uma cuidadosa consideração de desenho e cor” e se avaliou “a significação, a intenção e a simbólica do cartaz e procurou-se examinar sua capacidade didática, isto é, seu poder de sugestão e transmissibilidade da idéia”.

As fotografias circulavam em periódicos integralistas e possivelmente em periódicos não integralistas que fossem simpáticos à causa da AIB. Uma das orientações da Secretaria Nacional de Imprensa às Secretarias Municipais era identificar, por meio de um questionário, os jornais não integralistas do seu município, investigando inclusive se existiam integralistas infiltrados no corpo de funcionários e qual a posição do jornal em relação ao movimento

457. A

Diretiva n° 1, da Secretaria Nacional de Imprensa,458

aponta como uma das informações que deve conter o relatório do Departamento Provincial de Imprensa “publicações feitas da imprensa sobre o

453 Enciclopédia do Integralismo, v.9, RJ, Livraria Clássica Brasileira, 1959, p.117. 454 Folhas 97 e 98 da pasta 12. Série Integralismo, Fundo DESPS. 455 Anauê!, n.7, ano II, 1936.

456 Folhas 9 a 12 da pasta 2. Série Integralismo, Fundo DESPS. 457 Folha 107 da pasta 17. Série Integralismo, Fundo DESPS. 458 Folhas 85-92 da pasta 17, Série Integralismo, Fundo DESPS.

218

Integralismo, enviadas pelo Departamento Provincial de Imprensa”. Estas orientações internas indicam a existência de esforços para aproximar a AIB da imprensa diária não integralista e que, provavelmente, textos e imagens do movimento foram enviados pelos departamentos provinciais de imprensa da AIB. Observei na pesquisa à revista ilustrada “Fon, fon”, nos anos de 1935 e 1936, por exemplo, que ela reservava algumas páginas para mostrar “o Integralismo nos Estados”.

459

A propaganda integralista através da fotografia era reforçada pelo caráter de “foto-descrição” do fotojornalismo, no Brasil e no mundo, dessa época, que se propunha à descrição da realidade como ela era

460. A Revista ilustrada Cruzeiro, lançada em novembro de 1928,

no Rio de Janeiro, por exemplo, em seu editorial advogava ser “o espelho em que se refletirá, em períodos semanais, a civilização ascensional do Brasil, em todas as suas manifestações; ser o comentário múltiplo, instantâneo e fiel dessa viagem de uma nação para o seu grandioso porvir”.

461 Esta postura tem como premissa que o

que está ilustrado é a própria verdade. Tal concordância entre a realidade e sua representação seria reforçada pelo que Vilén Flusser explica ser a capacidade da imagem fotográfica de, diferentemente do texto escrito, chegar de forma mais direta e objetiva a nossa compreensão, com menos espaço para dúvidas. Segundo ele “o observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos”

462 A confiabilidade naquilo que as imagens fotográficas

representam promoveu sua proliferação nas revistas ilustradas da época. Outra característica do fotojornalismo desta época era o objetivo básico de suas reportagens: “mostrar o desenrolar das atividades cotidianas, narrar ou comentar visualmente uma história, um tema, uma idéia, não enfatizando necessariamente um acontecimento privilegiado”.

463

Os sentidos de veracidade e confiabilidade ligados à imagem fotográfica também são partilhados pela intelectualidade da A.I.B, assim como pelos produtores de seus periódicos. Observa-se isto em um panfleto sobre a revista ilustrada “Anauê!”, nº 5, de 1935, chamado o “número das multidões”, onde se afirma que “é dever de cada núcleo

459 Fon, fon!, 1935-36. 460 SOUZA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental.

Chapecó: Grifos, Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2000, p.83. 461 Cruzeiro, n.1, ano 1, 1928. 462 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p.14. 463 LACERDA, op. cit., p.25.

219

e de cada ‘camisa-verde’ assinar a revista, que pela evidência esmagadora dos seus argumentos fotográficos, está gritando do Acre ao Chuí: nenhuma força humana deterá mais a marcha gloriosa dos soldados do Sigma!”.

464

O exemplo da revista integralista Anauê! é interessante aqui por ser uma representante do fotojornalismo da época, tendo o caráter de “mostrar”, de “testemunhar”, através do seu grande número de fotografias e desenhos o cotidiano do movimento, o nascimento e morte de militantes, e principalmente, difundir idéias e convencer o receptor da veracidade do seu conteúdo. Uma análise desta revista indica vários usos e funções que a fotografia tinha na imprensa ilustrada como fator de propaganda e construção de memória do Integralismo.

A divulgação recorrente da figura do Chefe Nacional, Plínio Salgado, nas suas páginas, seja com sua presença aos eventos integralistas, como concentrações de militantes, congressos integralistas, na casa de militantes, seja com sua fotografia sempre presente nas paredes dos núcleos integralistas, é um recurso amplamente explorado na difusão da imagem do chefe e produz um efeito de onipresença do líder integralista na vida cotidiana dos militantes. Na leitura de um trecho do editorial do primeiro número da Revista Anauê!, de 1935, encontra-se o incentivo aos militantes para que mantenham a imagem do chefe até no seu espaço privado, o lar, o que alarga ainda mais o sentido de onipresença da figura do líder em sua vida diária: “ (...) o Integralismo é a Revolução da Família. Por isso não pode faltar nos lares brasileiros o retrato do Chefe Nacional. Aí o tem os leitores. Está feito de modo a ser facilmente destacado e colocado num quadro que deverá honrar a sala de visita de todo integralista. Afinal, o Chefe não é uma pessoa e sim, a Idéia. Além disso, não é justo que só os núcleos possuam a fotografia do Chefe, às famílias, como verdadeiros subnúcleos, assiste igual direito”

465.

A fórmula utilizada pela revista de conferir ao meio fotográfico a função de mostrar, e mais que isso comprovar, o que o texto escrito afirma é algo flagrante. Um exemplo do que afirmo está na revista de nº 4, de 1935

466. Duas fotografias, uma focalizando o muro de uma

casinha em Pernambuco, onde estava escrito “Viva o Entegralismo de Plínio Salgado”e a outra focalizando a frente de um “mocambo” em

464 Panfleto 152, Série Integralismo, Fundo DESPS, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. 465 Anauê!, n.1, ano I, jan. 1935. 466 Anauê!, n º 4, ano 1, out./1935, p.64.

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Recife, onde se vê uma senhora, descalça com o filho nú no colo, o Sigma pintado no topo da parede e dois militantes uniformizados do seu lado. Em cima das fotos um texto afirma: “Não é só nos quartéis, nas academias, nas fazendas e nas metrópoles que o Integralismo vai penetrando vitoriosamente. Aí vê o leitor mais duas provas de atração irresistível que a Doutrina do Sigma exerce sobre os brasileiros de todas as categorias, de todas as classes sociais”. Sobre a frase no muro da casinha o texto ressalta: “E Almeida Salles (um dos militantes da foto) já encontrou a Idéia precedendo o pregador”. Além da intenção de comprovar, vemos que a interligação entre foto e texto difunde idéias e procura convencer os leitores, em um exercício de propaganda do integralismo.

A fotografia em conjunto com o texto também estabelece relações, cria afinidades e produz sentimentos de identificação com as pessoas e eventos retratados. Na revista n º 8

467, encontrei um

exemplo interessante disto. Na pequena história o integralista Olympio Mourão relata que estava no trem voltando de sua viagem a várias localidades brasileiras, onde “tivera oportunidade de avaliar a força de uma doutrina salvadora e ao mesmo tempo as dimensões das (suas) responsabilidades”. Quando o trem para numa pequena localidade chamada Monjolos, entra um “legítimo tipo do caboclo brasileiro, são, vivo, inteligente e duma chispa de audácia e altivez no olhar”, que se apresentou como Nezinho. O rapaz diz a Mourão que é o único integralista da localidade e que se achava “senhor de muito poucas letras” para fundar um núcleo local. Enquanto conversavam, entra um engenheiro no trem e após escutar a conversa por algum tempo pergunta ao “caboclo” se ele não se sentia “vexado” em prestar juramento de fidelidade a um homem de carne e osso. Quando Mourão “se preparava para ir ao auxílio daquele integralista de poucas letras e muitas virtudes”, o mesmo com “o olhar vivo e sagaz de quem sabe que domina facilmente o antagonista” responde: “- No momento em que presto juramento de fidelidade ao Chefe, ele também está prestando juramento de fidelidade a mim”. Concluindo o relato, ele diz que seis meses depois ele passou de trem em Mojolos e vários integralistas entraram no veículo, segundo ele: “Nezinho, com poucas letras, muitas virtudes e inteligência fizera o milagre”. Ao lado da história, uma fotografia mostrava Nezinho, sua esposa e seu filhinho fazendo a saudação integralista.

Nestas duas historinhas acima, observa-se também a valorização das pessoas humildes e sem ou com pouca instrução. Em outros números da revista também se encontram pequenos contos

467 Anauê!, n.8, ano II, mar/1936, p.29.

221

onde o caboclo é citado como uma pessoa simples, mas detentora de grande sabedoria. Pode-se supor que estes textos, na maioria das vezes ligados à fotografias, são direcionados a um público específico, que vai se identificar com eles e se interessar em participar do movimento.

A militante integralista também era alvo fundamental da propaganda integralista nas páginas desta revista. Ela aparecia em concentrações, uniformizada, com crianças e homens a sua volta, distribuindo mantimentos e roupas, com suas companheiras, no Natal, na Escola integralista junto aos seus alunos, posando com suas companheiras do Departamento Feminino em frente ao seu núcleo, ou casando com algum militante, em uma cerimônia cheia de símbolos integralistas. Sua conduta é delineada através destas imagens e também de pequenos textos, como um, sem autoria, que aparece no n º 11 da revista, onde um “militar graduado” pede a sua mãe que o ajude a encontrar uma noiva. Ele diz a mãe que a moça não deve gostar de ir a bailes. O texto termina com a afirmação “Como este oficial, pensam muitos outros: não julgam capazes de serem boas esposas e mães de família as moças que freqüentam os bailes de hoje”.

468

No diálogo entre foto e texto, algo presente a todo o momento na revista, a militante integralista também é evidenciada. Na Anauê! de n º 3

469, por exemplo, a fotografia do casamento de Nayr Ferreira e

Theodoro G. Renneberg, do núcleo de Joinville, está próxima ao texto, sem autoria, “Decálogo da boa esposa”. Neste pode ser percebido o intuito de construir a imagem da esposa submissa e propriedade do marido, sendo a conduta da mulher novamente delimitada.

Os textos e artigos escritos sobre as mulheres eram de autoria de dirigentes, homens e mulheres, como também, a partir de 1936, da integralista Nair Nilza Perez. Nos textos desta militante universitária, voltados para as leitoras, ela tenta convencer que o Integralismo não irá privar a mulher “de todos os seus direitos públicos e políticos” e ela não ficará “tolhida no seu anseio de liberdade”

470. Em seus

argumentos o Integralismo quer “a mulher superior (em relação à mulher comunista e liberal norte-americana), cursando as Faculdades, ilustrando o espírito, lutando na vida prática ao lado dos homens com estímulo e alegria, e não se esquecendo nunca de sua condição de

468 Anauê!, n.11, ano II, jul/1936, p.4. 469 Anauê!, n. 3, ano I, ago/1935, p.22. 470 PEREZ, Nair Nilza. “O integralismo e a mulher”. Anauê!, n.11, ano II, jul/1936, p.8.

222

mãe, esposa, filha”. A condição da mulher evoluiu graças à “revolução espiritual” realizada pelo cristianismo e não pelas “lutas femininas por igualdade de direitos”. A partir de então, “o desenvolvimento da civilização (cristã) libertou a mulher dos preconceitos, colocando-a no mesmo plano intelectual dos homens e fazendo dela deputada, jurista, escritora, médica”.

471 Em seu texto, ao contrário dos escritos dos

integralistas mais conservadores, Nair tenta atrair não só as donas de casa, mas também as mulheres que queriam ou precisavam trabalhar, lutavam por seus direitos políticos, e se identificavam com seu discurso imbuído de argumentos anti-feministas, anti-comunistas e cristãos. Creio que a aquisição de algumas liberdades pelas mulheres neste momento, como a obtenção de empregos antes restritos aos homens e o direito ao voto, fez a A.I.B., da mesma forma que o restante da intelectualidade brasileira conservadora da época, adaptar seu discurso repressor e formular uma argumentação, tanto textual quanto imagética, que atraísse a mulher brasileira

472.

Percebe-se também na revista ilustrada “Anauê!” o uso da fotografia para construção da memória e da identidade integralistas, quando na leitura de um trecho do apelo da revista, de outubro de 1935, aos seus militantes, fotógrafos e Secretários de Propaganda, nota-se que eles são convidados “a enviar a esta redação a sua colaboração fotográfica, que virá de encontro aos desejos do Chefe Nacional, que insiste em que “Anauê!” seja um museu portátil do Integralismo”.

473

A produção destes suportes materiais de memória, as fotografias, era tarefa, não só de fotógrafos contratados pela revista, mas também de fotógrafos amadores entre os militantes. É interessante notar que a produção fotográfica neste momento, não é mais monopólio de alguns fotógrafos profissionais. Aqueles que tivessem recursos financeiros suficientes podiam comprar sua máquina, e até fazer os cursos para fotógrafos iniciantes oferecidos pelo Fotoclube Brasileiro, fundado em 1923, no Rio de Janeiro

474. A

471 PEREZ, Nair N.“A civilização e a Mulher”, in: Anauê!, n° 12, ano II, set /1936, pp.31-32. 472 Sobre o discurso conservador sobre a mulher nesta época ver: SILVA, Cleusa Gomes. Modernizando o casamento no discurso médico e na escrita literária feminina no Brasil moderno (1900-1940). Dissertação de Mestrado em História, Unicamp, 2001. 473Anauê!, n.11, ano II, jul/1936, p. 34. 474 Sobre o Fotoclube Brasileiro ver: MAUAD, Ana Maria. Sob o signo da imagem. A produção fotográfica e o controle dos códigos de representação social da Classe Dominante, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX. Tese de Doutorado defendida na UFF, Rio de Janeiro, 1990, p.13.

223

A.I.B. através da atribuição de “tarefas fotográficas” aos seus militantes procurou transmitir a impressão de que estava aberta a todos a construção da memória e identidade do movimento.

Visualizando a militante integralista: análise da técnica e conteúdo fotográficos

A série fotográfica, por volta de 82 fotografias475

, analisada aqui, foi produzida pela A.I.B. na década de 1930 e apreendida dos seus Núcleos e Jornais no Rio de Janeiro pela Delegacia Especial de Segurança Política e Social (D.E.S.P.S.), após a implantação do Estado Novo e colocação do partido na ilegalidade em dezembro de 1937. A análise de alguns aspectos do conteúdo fotográfico desta série permite também problematizar a representação de feminino produzida pelo Integralismo e sua conduta sendo delineada através da fotografia

O método de análise do conteúdo e das técnicas fotográficas neste trabalho se baseia no método histórico-semiótico, criado pela professora Ana Maria Mauad da Universidade Federal Fluminense. O eixo da análise é a codificação da noção de espaço. A fotografia, da mesma forma que outros sistemas de signos, abriga em si uma forma de expressão e uma forma de conteúdo. No plano de expressão, analiso o espaço fotográfico, categoria que compreende um estudo das escolhas do fotógrafo, a sua forma de expressão fotográfica. Estão incluídos aí os itens: sentido (horizontal e vertical), direção (esquerda, direita e centro) da foto e objeto central, além de uma reflexão sobre o ofício do fotógrafo na década de 30 no Brasil. No plano de conteúdo, analiso os seguintes espaços: espaço geográfico, que compreende o espaço físico representado na foto e sua relação com as “camisas verdes”; o espaço da vivência, que abrange as atividades, vivências e eventos femininos que se tornaram objeto do ato fotográfico; o espaço da figuração, que compreende as pessoas retratadas, a relação entre os gêneros e as hierarquias presentes; e finalmente, o espaço do objeto, que abrange a lógica existente na representação dos objetos e sua relação com a experiência vivida pelas integralistas. Estes planos serão analisados separadamente, mas são entendidos como inter-relacionados

476

475 Estas fotografias fazem parte de um conjunto, já digitalizado, da Série Integralismo, fundo DESPS. APERJ. 476 Ver: MAUAD, op. cit. pp. 93-96.

224

A seguir, o aplicarei, de forma simplificada, a fim de expor algumas impressões sobre o conteúdo das fotos, estando esta análise sujeita a revisões ao longo do processo de pesquisa.

Embora não identificados a identidade do fotógrafo, ou dos fotógrafos, e o equipamento fotográfico utilizado, suponho que se usou uma máquina leve e com alto nível de definição da imagem em variadas condições luminosas, devido à presença de fotografias com a movimentação dos seus atores e em alguns momentos fora do espaço privado. Identifiquei alguns aspectos do plano de expressão das fotos: o tipo de foto que predomina é a fotografia posada, mostrando a intencionalidade do fotógrafo, e de quem encomendou a foto, de retratar pessoas, objetos e lugares de seu controle e escolha; o enquadramento predominante da mulher no corpus fotográfico é: sentido horizontal, direção central e o objeto central é a figuração coletiva. A mensagem transmitida por essas escolhas espaciais enfatiza significados de aglutinação, de coletividade, de união e confluência de interesses entre homens e mulheres, que estão estreitamente relacionados com o caráter totalitário da A.I.B

477.

No plano de conteúdo do conjunto das fotos, verifiquei que o espaço geográfico predominante é o urbano, o Rio de Janeiro, onde se tomavam as grandes decisões do movimento. As mulheres estavam presentes nestes momentos, participando ativamente como colaboradoras do movimento. Embora elas não estivessem no espaço privado, contrariando o discurso de alguns integralistas mais conservadores, suponho que ocorreu um deslocamento do espaço privado de controle do feminino, do lar para o núcleo integralista (na maioria do conjunto fotográfico elas aparecem em núcleos ou espaços integralistas fechados e observada pelos integralistas homens). O Núcleo integralista era o espaço por excelência da normatização e do controle do militante. Em uma das leituras obrigatórias de todo integralista, a extensa legislação chamada de Protocolos e Rituais, o integralista era informado que neste espaço “não se discute política, religião, pugnas de futebol, nem se fala mal de ninguém. Deve haver uma alegria sã, comunicativa, pois todos ali são companheiros, ricos e

477 Como aponta Ricardo Benzaquen477, a visão de mundo integralista tem o caráter totalitário, na medida em que persegue um ideal de sociedade uniforme, sem divisões, tendo como valor básico a participação obrigatória e generalizada de todos e buscando a eliminação total de todas as diferenças, tanto no interior da sociedade, como na relação entre os grupos sociais e o Estado. ARAÚJO, Ricardo Benzaquén de. Totalitarismo e Revolução. O Integralismo de Plínio Salgado. RJ, Zahar, 1988, p. 21.

225

pobres, poderosos e humildes, e ali estão unidos pelo bem do Brasil”.

478

No espaço do objeto estão à sua volta objetos do cotidiano integralista, que estão imbuídos de uma gama de simbologia e ritualística: uniformes, de acordo com seu gênero; miniaturas do cristo crucificado; frases, pintadas na parede ou em cartazes, recomendadas pelo Protocolos e Rituais que estivessem nos Núcleos integralistas; símbolos integralistas como o Sigma e a bandeira integralista; a bandeira nacional; a foto de Plínio Salgado. Tais objetos garantem a manutenção da identidade da integralista, além de divulgar os ideais de nacionalismo e de respeito e obediência ao Chefe Nacional. A sua presença, assim como uma padronização da postura, indica também a representação homogênea e única das militantes, não há indícios de individualismo, somente existe a militante integralista. Um exemplo do que está sendo afirmado aqui é a fotografia I0137, exposta abaixo, tirada no Núcleo da Gamboa, Rio de Janeiro, em uma data não identificada da década de 1930. As militantes uniformizadas, com a mesma postura e posição, posam para o fotógrafo. Ao fundo, as bandeiras nacional e integralista e no centro delas a foto do Chefe Nacional. Na parede da direita está pintado o texto: “Nós despertaremos a Pátria. Nós a ergueremos. De pé, a fronte erguida, ela dará o primeiro passo e marchará”. Em outra foto (I0139) abaixo, vemos meninas levando bicicletas no último desfile do movimento, Rio de Janeiro, em 1937, e a presença da Educação Física na A.I.B., que segundo Geraldo era utilizada pelo movimento como instrumento de militarização, promovendo disciplina e hierarquia

479.

478 Protocolos e Rituais, capítulo VIII, artigo 89. Edição do Núcleo Municipal de Niterói, 1937. 479 GERALDO, Endrika. A raça e a nação: a família como alvo dos projetos integralistas de nação brasileira nas décadas de 20 e 30. Dissertação (Mestrado em História). Unicamp, 2001, p.98.

226

Foto I0137 – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

Foto I0139 – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

Analisando o espaço da figuração, notei que a mulher, na maioria das fotos vem acompanhada da presença masculina e infantil. Estas representações indicam as associações feitas pelo integralismo com a figura feminina: exercer seu papel “natural” de maternidade, ser

227

“colaboradora” e dependente do homem480

. Idéias eugênicas e fascistas de melhoria da raça pela sua disciplinarização e “docilização” através do esporte e de defesa de uma militarização corporal e psicológica dos brasileiros – tornando-os “soldados da pátria” -, perpassam o discurso da intelectualidade brasileira na década de 1930

481. Os integralistas se inserem nessa discussão e a presença de

milícias organizadas no movimento, de uniformes no cotidiano de militantes e dirigentes, além de uma linguagem bélica no seu discurso, apontam para a intenção de militarizar corporal e psicologicamente seus integrantes. Na fotografia onde mulheres integralistas são retratadas, esse aprimoramento físico, essa militarização do corpo, defendido pelos intelectuais integralistas, é flagrante. A postura ereta e rígida - a mulher está com o semblante sério e de braços cruzados em praticamente todas as fotos coletivas, com algumas exceções, onde elas esboçam um sorriso - aponta para a representação da mulher-soldado integralista. Nas fotografias onde estão presentes crianças e adolescentes, também é vista a mesma postura e gesto, a mesma representação feminina disciplinada e obediente, o que mostra a intenção em retratar que as mulheres desde muito cedo se tornam “soldados do integralismo”.

E, finalmente, no espaço da vivência observei que as atividades e vivências femininas retratadas pelo fotógrafo, em toda a série fotográfica selecionada, estão relacionadas à A.I.B. Não há fotos de vivências femininas que não sejam aquelas no âmbito da convivência com seus companheiros integralistas. Sendo assim, o olhar fotográfico contemplou atos oficiais - reuniões da Secretaria de Arregimentação Feminina e Plinianos

482, onde o público feminino e as

dirigentes são o principal foco; congressos femininos; desfiles públicos; solenidades nos Núcleos Municipais; comício pró-candidatura de Plínio

480 Como afirmamos anteriormente, a conduta feminina no discurso integralista é delimitada utilizando argumentos dos discursos médicos eugênicos. 481 Sobre este discurso de militarização corporal dos brasileiros ver: LENHARO, Alcir. Sacralização da política, Campinas, 2 ed., SP: Papirus, 1986. 482 A S.N.A.F.P era composta pelos Departamentos Feminino e de Plinianos, sendo que cada um destes subdividia-se nos Departamentos Nacional, Provincial, Municipal e Distrital, tendo cada um deles uma chefia. O Departamento Feminino tinha por objetivos “arregimentar, orientar e controlar as atividades femininas no Movimento” e o Departamento dos Plinianos “reunir, disciplinar, e educar, através da escola ativa, todos os brasileiros, de ambos os sexos, até 15 anos de idade, de modo a realizar o seu aperfeiçoamento moral, cívico, intelectual e físico”. Regulamento da S.N.A.F.P. In: Enciclopédia do Integralismo, vol. 9, op. cit., p.168.

228

Salgado; sessões de entrega de diplomas às militantes que fizeram cursos oferecidos pelo Integralismo e o evento integralista denominado “Matinas de Abril”

483 – e atos cotidianos do movimento – Casamento de

militantes; Batizado de plinianos; visita aos militantes nas suas Universidades; festas dos plinianos; entrega de mantimentos às famílias carentes e momentos de descontração com os militantes. Não há uma só atividade entre estas citadas acima que não esteja imersa em rituais ou simbologias ligadas à A.I.B., como se fossem cerimônias católicas.

Um aspecto nos atos oficiais me chamou atenção. A participação política feminina, retratada em votações, provavelmente para escolha de dirigentes, e no comício da candidatura de Plínio Salgado, é incentivada pelo movimento (a ponto de uma integralista discursar em apoio a Plínio Salgado no comício de sua candidatura). Cavalari aponta que o Integralismo distribuiu milhares de panfletos no Brasil inteiro incentivando o voto feminino e que ele queria conquistar este voto para chegar à presidência.

484 Contudo, mesmo sendo óbvio

que as militantes iriam votar em Plínio conscientes e orgulhosas de seu ato, o exercício da política pela mulher é visualizado na fotografia de forma estritamente ligada aos interesses do movimento. Isto fica claro ao notar que não há fotos de mulheres em comício de outros candidatos ou votando em outros candidatos. Além disso, a A.I.B. entendia o exercício da política pelos seus militantes muito mais pela sua participação em desfiles, concentrações, em rituais, e não através da discussão ou da liberdade de expressão. Sobre esse modo de se fazer e exercer a política concordo com Walter Benjamin ao afirmar que “o fascismo tende naturalmente a uma estetização da vida política”.

485

Considerações finais

Para Concluir esta exposição, gostaria de esclarecer que não é meu objetivo vitimizar a mulher integralista ou localizar a fonte da dominação num ponto fixo, o outro masculino, neste trabalho, mas sim analisar e problematizar o discurso imagético produzido pela Ação

483 Solenidade criada para homenagear o primeiro desfile integralista, em São Paulo, em 1933, onde os militantes no dia 23 de abril, virados em direção ao nascer do sol, juravam fidelidade ao Chefe Nacional e ao Integralismo. 484 CAVALARI, op. cit., p.62.

485 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’água Ed., 1992, p.113 a 115.

229

Integralista Brasileira e as formas que este era divulgado e imbuído de um caráter verídico. Por meio de um exercício de intertextualidade, meu propósito é mostrar que a fotografia, pensada como expressão de relações sociais e significados culturais, foi utilizada pelo movimento como forma de poder, ao usá-la para propaganda política e construção de sua memória. Deixando claro, o desejo de abandonar um viés explicativo do uso desta imagem para “manipular” mentes inocentes ou vítimas do processo.

Identificando aspectos da forma integralista de ver o feminino e o mundo, tais como a militarização, a determinação biológica, o catolicismo, além dos usos e funções que a fotografia teve para o movimento, adquire sentido a representação da mulher-soldado integralista, com seu corpo militarizado, obediente e disciplinada, se comportando, politicamente e socialmente, da forma que ele quer.

Embora a pesquisa aos periódicos integralistas e não integralistas favoráveis ao movimento, além da busca às informações sobre os fotógrafos que produziam as fotos integralistas, ainda estejam inconclusas, vislumbrei com as fontes que possuo a delimitação da conduta feminina, alvo da propaganda do movimento através da fotografia, e a naturalização das relações e diferenças entre os gêneros. Este Discurso imagético determina a conduta ideal pela presença de representações pautadas na ideologia integralista e censura a conduta, chamada pelos militantes de “vergonhosa”, pela ausência de representações pautadas na liberdade feminina.

230

12. 1955: A CAMPANHA DE PLÍNIO SALGADO À PRESIDÊNCIA486

Gilberto Grassi Calil 487

O movimento integralista é quase sempre lembrado por sua trajetória nos anos 30, quando constituiu uma organização de massas com projeto fascista e forte mobilização de setores médios. Um dos poucos eventos lembrados da trajetória integralista posterior ao Estado Novo é a candidatura de Plínio Salgado à presidência da República, em 1955, quando obteve expressiva votação. A apresentação da candidatura do “Chefe Integralista”, no entanto, não foi um fato isolado e eventual mas, ao contrário, pode ser melhor compreendido se analisado no contexto da trajetória do integralismo durante o chamado

486 Este artigo é parte do sexto capítulo da tese de doutorado O integralismo no processo político brasileiro: a trajetória do PRP – cães de guarda da ordem burguesa (1945-1965), defendido em fevereiro de 2005 na Universidade Federal Fluminense, sob orientação da Profa. Dra. Virgínia Fontes. 487 Professor adjunto do Colegiado de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Doutor em História Social (UFF).

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período democrático (1945-1964), particularmente através do Partido de Representação Popular. Este artigo tem como objetivo discutir a importância desta candidatura neste contexto, situando-a em uma fase específica da trajetória do integralista no pós-guerra, iniciada em 1952, a qual denominamos de “independência partidária”, em oposição ao período anterior (1945-1951), cuja ênfase principal da estratégia integralista era a realização sistemática de alianças com os mais diversos partidos políticos, visando a obtenção do reconhecimento do alegado “caráter democrático” do integralismo, a consolidação de seu registro partidário e o acesso a postos governamentais e parlamentares, no âmbito dos estados e municípios.

488

A política de independência partidária

No início da década de 1950, o processo de institucionalização do integralismo estava bastante avançado, com a consolidação do PRP como instrumento fundamental de sua intervenção política. Naquele momento, no entanto, uma expressiva parcela da militância integralista mostrava-se descontente ou desanimada com aquilo que percebia como uma “acomodação” do movimento, manifestando seu desejo de uma retomada da ofensiva política por parte do integralismo. As reações de descontentamento frente à nova estratégia assumida pelo integralismo no pós-guerra ocorreram desde os primeiros movimentos de articulação partidária, em 1945, mas intensificaram-se em conseqüência dos resultados modestos obtidos pelo PRP nas eleições de 1950.

Em resposta a este descontentamento e à tendência à estagnação do PRP, entre 1952 e 1957 a direção integralista tomou um conjunto de iniciativas visando dinamizar o movimento, dotá-lo de novas estruturas e colocá-lo politicamente na ofensiva. A primeira destas iniciativas foi a “independência partidária”, que tinha como objetivo o lançamento de candidaturas próprias pelo PRP e o reforço de sua identidade integralista. O principal desdobramento desta política foi a candidatura presidencial de Plínio Salgado, em 1955, que teve grande impacto no interior do integralismo e colocou-o no centro do embate político nacional.

488 Ver a respeito 1945-1952: Afirmação Institucional e aliança com o pólo conservador. In: CALIL, Gilberto. O integralismo no processo político brasileiro: a trajetória do PRP – cães de guarda da ordem burguesa (1945-1965). Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 2005, p. 379-437.

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A proposta de adoção de uma “política de independência partidária” surgiu de um grupo de integralistas do Rio Grande do Sul, descontentes com o acordo que o PRP estabeleceu com o PTB nas eleições municipais em 1951 e com a fracassada tentativa de obter cargos no governo estadual petebista. Como afirma a historiadora Claudira Cardoso, “como resultado de todo esse processo, percebemos que a direção do PRP sofreu um certo desgaste, na medida em que os acordos firmados com outras agremiações não trouxeram concretamente os resultados esperados”.

489 Em depoimento

oral, Alberto Hoffmann, dirigente do PRP na época, também explica a “independência partidária” como decorrência dos insucessos do partido nas coligações até então, relatando que: “o pessoal estava desiludido de coligações”.

490

Em setembro daquele ano, Salgado recebeu “uma moção da concentração regional de Novo Hamburgo, aprovada também pelas de Santa Maria, Santa Cruz do Sul, Ijuí, Caxias do Sul, Passo Fundo e Bagé, pela qual os populistas gaúchos desejam fazer uma política independente, sem quaisquer acordos com outros partidos políticos, nem mesmo quando houver nestes acordos relação com os interesses nacionais do PRP”.

491 Em 1953, o descontentamento com a política de

alianças do PRP no Rio Grande do Sul levou à construção de uma candidatura própria ao governo estadual nas eleições do ano seguinte. A defesa da “independência partidária” foi levada à Convenção Nacional do PRP pela bancada do Rio Grande do Sul, propondo que o PRP deveria “disputar sempre que possível com candidato próprio a governança estadual” e, “em caso de não ser absolutamente possível a candidatura própria ao cargo acima e aconselhável o apoio a outro candidato, fazê-lo com a mais completa independência, não solicitando e nem acordando a cessão de cargo algum”. Além disso, solicitava “que determine o Diretório Nacional estudar a viabilidade do candidato próprio à presidência da República, como expressão de independência

489 CARDOSO, Claudira. Partido de Representação Popular: política de

alianças e participação nos governos estaduais do Rio Grande do Sul de 1958 e 1962. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUCRS, 1999, p. 26-27. 490 CALIL, Gilberto Grassi & SILVA, Carla Luciana. Depoimento de Alberto Hoffmann. Porto Alegre: CDAIBPRP, 2003, p. 34. 491 Correspondência do Presidente Nacional do PRP Plínio Salgado ao Vice Presidente em Exercício do PRP-RS, Guido Mondin, 1.9.1952 (CDAIBPRP). Os acervos consultados serão referidos pelas siglas: CDAIBPR (Centro de Documentação sobre a Ação Integralista Brasileira e o Partido de Representação Popular, em Porto Alegre) e APHRC (Arquivo Público e Histórico de Rio Claro).

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partidária”.492

Embora aquela Convenção não tenha aprovado uma política nacional de “independência partidária”, definiu “que o Rio Grande do Sul iria com chapa própria, tanto para deputados estaduais, como federais, senador e governador de Estado, devendo nas demais unidades da Federação o partido tomar as deliberações que fossem mais convenientes”.

493 Em março de 1954, a VIII Convenção Regional

do PRP gaúcho aprovou, por 23 votos a 16, proposição que estabelecia que “O PRP não fará coligações, alianças ou acordos bilaterais com nenhum partido”.

494

Ainda naquele ano, a IX Convenção Regional do partido aprovou uma proposição que reivindicava o aprofundamento da linha de “independência partidária”, solicitando “que a convenção se dirija ao Diretório Nacional, propondo a independência partidária em todo o território nacional, e que em 1955 o PRP concorra com candidato próprio à Presidência da República”.

495

O manifesto de lançamento da candidatura própria, de Wolfram Metzler, afirmava que “depois de termos, sinceramente, tentado colaborar com outras entidades partidárias”, o PRP decidira “total desligamento de todo este passado político caracterizado pelo despistamento, pelo não cumprimento da palavra empenhada, pela pasmaceira administrativa, pela falta de planejamento e de realizações concretas e definitivas”.

496 O relativo êxito da campanha de Metzler,

obtendo 8,4% dos votos e aumentando as bancadas estadual e federal de deputados, estimulou a militância dos outros estados a mobilizar-se pela candidatura própria à presidência. Ainda no início de 1954, o jornal Diário de Notícias relatou esta mobilização, apresentando-na como reação ao esvaziamento do partido:

A maioria dos elementos do PRP com assento nos diversos legislativos foram eleitos em coligação de legenda, principalmente com a UDN. Depois de eleitos, por força de atração, foram sendo assimilados pelos partidos. É o caso nítido do deputado Raymundo

492 Ata da XI Convenção Nacional, 11.12.1953 – Livro de Atas da Fundação e das Convenções Nacionais do PRP (APHRC - Fundo Plínio Salgado 023.004.004). 493 Convenção Nacional do PRP. A Marcha, Rio de Janeiro, 18.12.1953, p. 9.

494 Ata da VIII Convenção Regional do PRP-RS, 21.3.1954 – Livro de Atas das Convenções Regionais do PRP-RS (CDAIBPRP). 495 Ata da IX Convenção Regional do PRP-RS, 25.7.1954 – Livro de Atas das Convenções Regionais do PRP-RS (CDAIBPRP). 496 Ao povo do Rio Grande do Sul: Lançamos Wolfram Metzler porque não queremos que o Rio Grande continue se empobrecendo, espoliado por falsa política (Panfleto) (CDAIBPRP).

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Padilha. O mesmo aconteceu com o deputado Jorge Lacerda, de Santa Catarina, também considerado hoje em dia mais udenista do que do PRP. Nessas condições, e diante de tais evidências, os ortodoxos do partido resolveram forçar o sr. Plínio Salgado a tomar uma atitude heróica, de modo a salvar o partido, agora às vésperas das eleições.

497

Naquele momento, a Direção Nacional do partido já discutia o lançamento da candidatura de Plínio Salgado. No entanto, para isto, era necessário combater a proposta de uma “candidatura única”, propagada por setores conservadores.

O PRP contra a União Nacional

No final de 1954, após o suicídio de Getúlio Vargas e no contexto conservador do governo Café Filho, constituiu-se um forte movimento, capitaneado pela UDN, cujo objetivo era a imposição de uma “união nacional” visando o lançamento de uma “candidatura única” nas eleições presidenciais. Este movimento opunha-se às prováveis candidaturas de Adhemar de Barros e, especialmente, de Juscelino Kubitschek, sob alegação de que fariam o país retornar à instabilidade política e social do governo Vargas. Naquele momento, a opção pelo lançamento da candidatura de Salgado já havia sido tomada, o que levou os integralistas a ironizar a proposta de “união nacional”:

Os que se arrogam defensores da Democracia em nosso país (...) são os primeiros a pretender em nosso país, nem mais nem menos do que um “partido único” (tipo nazista, fascista ou soviético), pois outra coisa não seria o conglomerado dos partidos em torno de um único nome. É de pasmar que esses homens que sustentam, de unhas e dentes, o dispositivo da Constituição que proíbe até mesmo a inscrição nos programas de partido, das proposições contrárias ao pluripartidarismo, sejam eles quem, na prática, querem burlar essa mesma Constituição... É muito hipócrita. É muito farisaísmo.

498

O movimento pela “candidatura única”, de acordo com Salgado, seria responsável pelo “enfraquecimento da consciência da diferenciação partidária, o que pode determinar a morte dos partidos e, logicamente, a morte da Democracia, que não pode subsistir sem

497 Vai voltar à atividade política a Ação Integralista Brasileira. Diário de Notícias, Porto Alegre, 2.2.1954 (CDAIBPRP). 498 Adhemar de Barros acredita na democracia. A Marcha, Rio de Janeiro, 21.12.1954, p. 1.

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partidos”,499

pois “é justamente este artifício, cujo termo expressivo é o ‘cambalacho’ e cuja concretização se chama ‘barganha’, o motivo do desencanto do eleitorado brasileiro pelos partidos”.

500 Para Salgado, o

lançamento da candidatura Kubitschek pelo PSD era legítimo e deveria ser respeitado pelos demais partidos:

Quando um partido, como no caso do PSD, lança o seu candidato, homens de outros partidos, em vez de se apresentarem candidatos ou candidato em contraposição ao do PSD, começam a falar em “salvação nacional”, a imiscuir-se na vida íntima de um partido que não é o seu, a conclamar céus e terras para que se retire essa candidatura a fim de que surja outra que possa congregar todos os partidos em torno dela. Quer dizer, pretende-se, em última análise, um partido único. Mas isso não é democracia e muito menos democracia do tipo liberal.

501

Em meados de junho de 1955, ainda permanecia a articulação dos setores mais conservadores em defesa da “candidatura única”, naquele momento duramente criticada por A Marcha e considerada como uma farsa e uma ameaça à democracia:

O ponto básico das “demarches” fixa-se na retirada de todos os nomes atualmente em foco como candidatos. Nesse sentido, sondagens e consultas vem sendo feitas. (...) Pretendem, assim, impor ao povo mais essa farsa, nomeando um Presidente da República, que não corresponderá aos anseios dos brasileiros. Se concretizado esse desejo dos golpistas teremos em breve tempo as botas de um militar a governar esse país discricionariamente. O povo brasileiro não suportará este esbulho e saberá reagir a essa nova forma de subversão.

502

499 SALGADO, Plínio. Palavras a uma democracia suicida. A Marcha, Rio de Janeiro, 14.1.1955, p. 3. 500 Entrevista de Plínio Salgado, s./d.(abril 1955)– Original datilografado (APHRC - Fundo Plínio Salgado 011.004.010). 501 SALGADO, Plínio. Palavras a uma democracia suicida. A Marcha, Rio de Janeiro, 14.1.1955, p. 3. 502 Pretendem os golpistas a retirada de todas as candidaturas para surgir um ditador: envolvidos na trama os srs. Etelvino Lins, os dutristas e os dorminhocos da “eterna vigilância”. A Marcha, Rio de Janeiro, 10.6.1955, p. 1 e 4.

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A veemente crítica dos integralistas à proposta de uma “candidatura única”, era lógica se considerarmos a perspectiva de lançamento da candidatura presidencial de Plínio Salgado. Mas além disso, era condicionada também por outro elemento, menos evidente: os entendimentos secretos entre Salgado e Juscelino Kubitschek.

O acordo entre Plínio Salgado e Juscelino Kubitschek

Durante toda a campanha eleitoral, os defensores da candidatura Juarez Távora sustentaram que a candidatura de Salgado visava apenas tirar dividir os votos conservadores de forma a facilitar a eleição de Kubitschek. De fato, a eleição de Kubitschek por uma margem de votos muito inferior à votação recebida por Salgado confere plausibilidade a esta tese. Na argumentação udenista sugeria-se, ainda, a existência de um acordo secreto por meio do qual Kubitschek financiaria a candidatura de Salgado. Embora não tenhamos encontrado nenhuma prova deste acordo na documentação integralista, cabe observar que alguns indícios reforçam a hipótese, destacando-se a posterior participação do PRP no governo Kubitschek. Em entrevista concedida quase duas décadas depois, Kubitschek admitiu explicitamente as conversações:

Como meus opositores martelavam muito na tecla do candidato único, fiz um apelo a Plínio Salgado para apresentar e manter sua candidatura, convencendo-o de que sua candidatura fortaleceria a posição democrática no Brasil. Não se poderia mais impor a tese da candidatura única – agora já seriam dois candidatos.

503

Além de contrariar a versão sustentada pelo PRP, esta declaração também desmente a afirmação de Salgado, no final de março de 1955, de que não conhecia pessoalmente Kubitschek. Ainda em dezembro de 1954, quando o PSD comunicou oficialmente da escolha do nome de Kubitschek como candidato a presidência e dirigiu ao PRP “um convite para um pronunciamento a respeito, solicitando também da Presidência dia, hora e local para um breve entendimento”, o Diretório Nacional do PRP “autorizou o sr. Presidente [Salgado] a

503 Entrevista Particular com o Ex-Presidente Juscelino Kubitschek. In: BENEVIDES, Maria Vitória. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 293. Grifo meu.

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entrar em entendimento e responder à consulta logo que julgar conveniente”.

504 Estranhamente, não há nenhum registro posterior nas

atas do Diretório Nacional acerca deste encontro, que possivelmente ocorreu secretamente. Uma carta recebida por Salgado depois da eleição mencionava um suborno que teria sido pago por Kubitschek para que ele mantivesse sua candidatura:

Quem tem razão é o Joel Silveira, que disse: “Plínio é um homem que traz escrito na testa Aluga-se”. Em 1932 alugou-se ao Fascismo; em 1937 alugou-se a Getúlio Vargas e agora em 1955 (...) você se alugou por 10 milhões de cruzeiros ao Juscelino, que viu em sua candidatura o único meio de derrotar Juarez Távora. Eis o seu retrato fiel: ALUGA-SE.

505

Não existem elementos que permitam confirmar a veracidade destas denúncias, veementemente repelidas pelos integralistas. Objetivamente pode-se afirmar que a candidatura de Salgado beneficiou Kubitschek, em pelo menos dois aspectos: a desmoralização da tese da “candidatura única” e a divisão do eleitorado conservador, retirando de Távora um contingente de votos que lhe daria a vitória.

O lançamento da candidatura de Salgado

A definição de Salgado pelo lançamento de sua candidatura ocorreu bem antes da Convenção que a aprovou, em março de 1955. Sua decisão estava tomada desde, no mínimo, meados de 1954, mas é possível que a opção tivesse sido feita ainda bem antes. Já à vésperas da eleição de 1950, Salgado recebera telegramas propondo sua candidatura,

506 embora naquele momento tenha descartado esta

possibilidade. A primeira manifestação pública indicando seu lançamento teria ocorrido em julho de 1953, durante uma concentração

504 Ata do Diretório Nacional, 3.12.1954 – Livro de Atas do Diretório Nacional e do Conselho Nacional do PRP (APHRC-Pprp 021.001.004). 505 Correspondência de Florival Rosa a Plínio Salgado, 14.10.1955 (APHRC-Pprp 14.10.55/16). 506 Em maio de 1950, por exemplo, recebeu do Diretório Municipal de Garanhuns a seguinte mensagem: “Populistas Garanhuns apóiam entusiasticamente sugestão convencionais Varginha apresentação candidatura nosso presidente Plínio Salgado sucessão presidencial pelo bem do Brasil”. Telegrama de José Sales a Plínio Salgado, 12.5.1950 (APHRC-Pprp 12.05.50/1).

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de Diretórios Municipais do PRP do Vale do Paraíba507

Visando aumentar suas possibilidades eleitorais, Salgado teria feito conferências em “mais de duas centenas de cidades do Brasil, entre 1952 e 1955”, recebendo um número crescente de telegramas de apoio, “elevando-se a milhares em princípios de 1954”.

508 No entanto,

na documentação pessoal de Salgado, encontramos alguns poucos telegramas e algumas dezenas de abaixo assinados, desmentindo os números apresentados.

509 Em julho de 1954, ao retirar sua candidatura

a deputado federal, que seria lançada possivelmente pelo estado de Minas Gerais,

510 Salgado comunicava oficialmente que pretendia

lançar sua candidatura:

Em 25 de dezembro deste ano, daqui a 5 meses precisamente, deverei lançar a campanha presidencial, em que o PRP irá com chapa própria. Essa resolução é inabalável, porque chegamos a um ponto tal que temos de dar uma satisfação definitiva à Nação. Temos um compromisso de honra com os que morreram por nossa idéia e com milhares de brasileiros que acreditam em nós e esperam algo de nós no atual momento. O PRP, como partido, tem crescido muito lentamente, principiando com 90.000 votos em 1945, atingindo 146 mil em 1947 e 252 mil em 1950. As desculpas dadas por muitos antigos integralistas e por muitos brasileiros que simpatizam com as idéias integralistas é a de que o PRP é um partido igual aos outros, podendo portanto todos os que vêem no integralismo a salvação nacional, operarem em qualquer partido, até ao dia em que um grande motivo chame todos a se unirem. Temos, pois, o dever de dar essa oportunidade a todos os brasileiros e tal oportunidade é a

507 Cf. SALGADO, Plínio. Livro Verde de minha campanha. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1956, p. 7. 508 Ibid. p. 9. De acordo com A Marcha, “entre 1953 e fins de 1954, Plínio Salgado falou em 185 cidades brasileiras”, em palestras em diversos tipos de entidades, como paraninfo de turmas universitárias, de ensino técnico e normal, sociedades de agricultores, universidades, concentrações marianas, academias de letras, sindicatos, faculdades de direito, grupos religiosos, associações femininas, centros operários, prefeituras e câmaras municipais. A popularidade de Plínio Salgado. A Marcha, Rio de Janeiro, 17.12.1954, p. 1. 509 Abaixo-assinados (APHRC - Fundo Plínio Salgado 028.006; 028.007; e 028.008). 510 Foram feitas diversas estimativas e projeções sobre as possibilidades eleitorais do partido em 1954, com Plínio Salgado como candidato a deputado federal, em chapa própria e em coligações no estado de Minas Gerais, mas todas apontavam possibilidades de que o contingente de votos ficasse abaixo do que seria aceitável para o “Chefe Nacional”. Comportamento Eleitoral, 8.6.1954 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 017.001.001).

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apresentação da nossa candidatura à Presidência da República. E isso deve ser feito já, antes que surjam outras candidaturas.

511

Em outubro, a decisão foi comunicada aos presidentes dos diretórios regionais e logo, através de A Marcha, a toda a militância integralista:

Nos dias 21 e 22 do corrente, realizou-se nesta Capital uma reunião de presidentes de Diretórios Regionais do Partido de Representação Popular, a fim de: 1º) exporem ao Presidente Nacional a situação da agremiação em cada Estado, após as eleições de 3 de outubro; 2º) sugerirem ao Diretório Nacional as medidas mais urgentes no sentido da reestruturação do Partido e; 3º) manifestarem a sua opinião sobre o problema da sucessão presidencial da República. De modo geral, os Presidentes Regionais revelaram o desejo da coletividade partidária no sentido de que o PRP tenha candidato próprio. (...) A Convenção Nacional do PRP, que deverá reunir-se em fevereiro, lançará a sua proclamação ao povo brasileiro.

512

A partir de então, diversas convenções regionais ratificaram seu apoio à candidatura, a começar pelas do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, a qual decidiu que também “nas próximas eleições municipais, abster-se de quaisquer coligações locais com outros partidos, disputando sozinhos os cargos de prefeito e vereador”.

513 A

ênfase na “independência partidária” levava a uma espécie de autocrítica em relação à política de alianças até então adotada. Para o dirigente integralista Loureiro Júnior:

A verdade é que possuímos uma ideologia, um pensamento doutrinário, límpido, substancial, exato, e que atende perfeitamente às aspirações do povo brasileiro. Entretanto, em nossa atividade prática, chegamos quase a contradizer nossa doutrina, levados pelos interesses eleitorais de caráter regional e particular. Nosso partido despersonaliza-se, toma em cada Estado as mais diferentes colorações políticas, ameaçando dessa forma a unidade em sua ação em plano nacional. O PRP no momento, é udenista em Minas, no Estado do Rio, em Santa Catarina; é pessedista em São Paulo, Bahia, Pernambuco, e assim por diante. Ora, isso é um absurdo. O PRP só pode e deverá ser PRP e para tal vamos pleitear que a Convenção

511 Comunicado de Plínio Salgado ao Diretório Nacional, s./d. (junho 1954) (APHRC - Fundo Plínio Salgado 019.004.001). 512 O PRP e a sucessão presidencial. A Marcha, Rio de Janeiro, 29.10.1954,

p. 1. 513 Indicado Plínio Salgado pela convenção paulista do PRP. A Marcha, Rio de Janeiro, 19.11.1954, p. 3.

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Nacional trace uma linha de autonomia partidária, determinando que o nosso partido tenha candidatos próprios aos cargos eletivos.

514

Um dos objetivos pronunciados do lançamento da candidatura própria era atrair os integralistas afastados do PRP. De acordo Salgado, na Convenção do PRP do Distrito Federal, “assistimos o retorno de centenas de adeptos do Sigma, até há pouco sem nenhum contato com o PRP”.

515 Naquele momento, no entanto, a opção pela

candidatura própria à presidência não era consensual no interior do partido, e a firme decisão de Salgado de levá-la adiante precipitaria a formação de uma dissidência. A divergência explicitou-se em uma reunião do Diretório Nacional, em 22 de novembro, na qual o deputado federal Raymundo Padilha manifestou-se veementemente contrário à candidatura própria, iniciando campanha aberta e declarando, “em entrevistas à imprensa, o seu desacordo”.

516 Assim, a divergência

tornou-se pública. Conforme o jornal A Hora, “alguns meios perrepistas pretendem alijar Plínio Salgado da direção nacional, colocando em seu lugar Raymundo Padilha. (...). A luta interna ameaça solapar a frágil unidade interna do PRP, já que o grêmio dirige-se em duas alas, uma pró-Plínio e outra pró-Padilha”.

517 Salgado negava a existência de uma

crise no PRP, afirmando retoricamente que “nunca houve maior coesão e disciplina dentro do Partido do que agora”

.518

Na Convenção Nacional, realizada entre 19 e 21 de março de 1955, a candidatura própria sofreu acirrada oposição dos diretórios regionais de Pernambuco e Rio de Janeiro.

519 Ainda assim, a

Convenção oficializou a candidatura, dando início à campanha eleitoral propriamente dita, com uma “Mensagem ao Povo Brasileiro”, discurso pronunciado por Salgado no encerramento da Convenção e irradiado para todo o país. A dissidência se confirmou, com o rompimento de Raymundo Padilha com o PRP.

514 Desfraldar bandeira e marchar: imperativo nacional a candidatura Plínio Salgado. A Marcha, Rio de Janeiro, 26.11.1954, p. 1. 515 Recenseamento moral a candidatura Plínio Salgado. A Marcha, Rio de Janeiro, 3.12.1954, p. 1 e 9. 516 Cf. SALGADO, Plínio. Origem da candidatura Plínio Salgado. In: Livro verde de minha campanha, op. cit., p. 16. 517 A crise nas hostes integralistas. A hora, Porto Alegre, 15.2.1955 (CDAIBPRP - Recortes). 518 Contra a farsa de alianças e coligações pró-candidato único. A Marcha,

Rio de Janeiro, 18.2.1955, p. 1 e 11. 519 Cf. SALGADO, Plínio. Origem da candidatura Plínio Salgado. In: Livro verde de minha campanha, op. cit., p. 18.

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A campanha eleitoral

Em janeiro de 1955, ainda antes do lançamento oficial da candidatura de Salgado, os integralistas buscavam formar uma rede de “comitês populares” para impulsioná-la, de acordo com um planejamento nacional hierarquicamente estruturado. Assim, foram formados comitês estaduais, municipais e de base. Todos os comitês deveriam se formar a partir de uma lista de contribuição financeira, transformando-se em comitê de ação eleitoral e propaganda quando obtivessem um mínimo de dez contribuições de CR$ 10,00,

520

encaminhassem-na ao Comitê Nacional e informassem Plínio Salgado.

521 A 15 de abril, realizou-se uma primeira “cerimônia de

entrega das contribuições dos Comitês Populares” da Guanabara. Na cerimônia, “representantes de cerca de oitenta comitês, chamados sucessivamente, entregaram ao sr. Plínio Salgado mais de trinta e nove mil cruzeiros”.

522 Já naquele momento buscava-se caracterizar a

campanha de Salgado como “popular”. Segundo o dirigente integralista Luis Compagnoni, os comitês eram “formados, em sua quase totalidade, por elementos proletários, operários, comerciários, bancários, funcionários públicos, cidadãos que nunca militaram no PRP ou na extinta Ação Integralista Brasileira”.

523

A estrutura da campanha era claramente hierárquica: o Comitê Nacional de Propaganda determinava que “qualquer nova idéia de propaganda, antes de ser lançada, seja submetida e aprovada pelo CNP” para que houvesse total uniformidade na propaganda da candidatura.

524 Estabelecia, ainda, que “toda propaganda deverá ser

orientada sobre o tema ‘Plínio Salgado – Candidato do Povo’”,525

indicando os dois elementos que marcariam toda a campanha de Salgado: seu pretenso caráter popular, e sua abrangência além dos limites partidários. A caracterização “popular” da candidatura era buscada através de diversos instrumentos. Um panfleto trazia um

520 Aproximadamente R$ 3,30 em valores atualizados de acordo com tabela de conversão disponível em http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/servicos/pg_atualizacao_valores.php. 521 Como se organizam os “Comitê Popular Pró-Candidatura de Plínio Salgado à Presidência da República”, 22.1.1955 (CDAIBPRP – Correspondência do Diretório Nacional). 522 Cf. COMPAGNONI, Luis. Os comitês-populares: um espetáculo comovente. A Marcha, Rio de Janeiro, 15.4.1955, p. 3. (O valor corresponde a aproximadamente R$ 12.500,00). 523 Ibid.

524 Diretiva nº 1 do Comitê Nacional de Propaganda (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.009.009). 525 Ibid.

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“apelo dos que vivem da enxada aos irmãos operários das capitais e do interior brasileiro”, afirmando que “precisamos eleger um presidente que saiba que ganhamos a irrisória quantia de CR$ 30,00 a CR$ 50,00 por dia e que em muitos lares existem muitas boquinhas a pedir comida”. O panfleto propunha aos operários que elegessem

um brasileiro Patriota, Honesto, Cristão, Culto, um homem que já sofreu na sua própria carne fome, frio, dor e humilhação!; um homem que já foi operário [sic], que depois de eleito olhe para baixo, olhe para o operário, olhe pela pobreza, um homem que nasceu pobre e pobre cresceu. Esse homem, operários sofredores, esse homem existe e chama-se Plínio Salgado.

526

Mesmo alegando ser o candidato “pobre”, Salgado tomava cuidado para não se afastar do discurso da conciliação de classes: “Não faço alarde da pobreza. A pobreza em si não é virtude, porque existem homens pobres nos quais não se pode confiar, como existem ricos honestos que juntaram o que tem pelo trabalho aliado ao bom senso”.

527 De acordo com relatório do Comitê paranaense, “a

penetração nos bairros da capital, junto às massas operárias se operou por várias formas simultâneas: desde os comícios, as visitas às fábricas, até o trabalho individual”.

528 A principal estratégia foi a

formação de comitês populares. Para Compagnoni, teriam sido formados “dezenas de milhares de comitês populares, com centenas de milhares de brasileiros empunhando listas de contribuições para a nossa candidatura”.

529 Exagero à parte, é certo que um grande número

de comitês foi formado. Na documentação de Plínio Salgado consta uma lista de 125 comitês apenas na cidade de São Paulo.

530

526 Apelo dos que vivem da enxada aos irmãos operários das capitais e interior brasileiro. Panfleto (APHRC - Fundo Plínio Salgado 067.001.005). 527 Plínio abre o livro de sua vida. A Marcha, Rio de Janeiro, 24.6.1955, p. 1 e

4; 528 Relatório das Atividades do Comitê Estadual do Paraná da candidatura de Plínio Salgado, 27.11.1955 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 089.013.001). 529 Mais de 1 milhão de brasileiros contribuíram para a campanha. A Marcha,

Rio de Janeiro, 23.9.1955, p. 1 e 4. 530 Comitês Plínio Salgado em São Paulo (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.001.001).

243

Segundo A Marcha, em abril uma reunião teria reunido “os dirigentes dos 298 comitês populares” da capital paulista.

531 No norte e

nordeste teriam sido fundados “mais de trezentos” comitês:532

De acordo com A Marcha, os comícios de encerramento da campanha se constituíram em grandes atos populares,

533 reunindo 90.000 pessoas

em Belo Horizonte534

e 80.000 em Curitiba,535

onde Salgado teria sido recepcionado no aeroporto por “cerca de 500 automóveis, caminhões e ônibus, e mais de 5.000 pessoas”.

536 O caráter popular da campanha

se traduziria também na campanha popular de arrecadação financeira:

De todo o Brasil chegam recursos para Plínio. São milhares de cheques, de vales postais, de ordens bancárias. Nos comícios, Plínio pede dinheiro e o povo dá. O comício de Curitiba rendeu sessenta mil cruzeiros; o de Belo Horizonte setenta mil; o de Campinas oitenta mil. Em 15 minutos, em Recife, recolheram 35.000 cruzeiros para Plínio. (...) Acredito que até o presente momento, mais de 1.000.000 de brasileiros já tenha contribuído com dinheiro para a campanha de Plínio.

537

Os simpatizantes da candidatura eram chamados ainda a financiar o programa radiofônico da campanha, sob o apelo de que

531 Reunião de Presidentes de Comitês Populares na capital paulista. A Marcha, Rio de Janeiro, 6.5.1955, p. 4. 532 Cf. Mais de trezentos comitês populares fundados no Norte e Nordeste. A Marcha, Rio de Janeiro, 15.4.1955, p. 12.

533 Também para a realização dos comícios havia grande preocupação em manter a homogeneidade na linha de campanha. Uma diretriz indicava minuciosamente como deveriam se portar os oradores, estabelecendo inclusive que “a parte doutrinária e programática deve ser exposta pelo próprio candidato”, e que portanto “compete aos oradores que precedem Plínio Salgado falar da pessoa do candidato, da sua vida e da sua obra”. Caso Salgado não estivesse presente, o orador principal deveria seguir um roteiro pré-definido, com indicações específicas sobre como criticar os demais candidatos e como abordar temas como o comunismo, além de dever tratar Salgado sempre como “Candidato do Povo”. Comitê Nacional de Propaganda: Instruções para oradores (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.005). 534 90 mil pessoas em Belo Horizonte. A Marcha, Rio de Janeiro, 19.8.1955,

p. 1 e 2. 535 Foi o maior comício que o povo de Curitiba já presenciou até agora. A Marcha, Rio de Janeiro, 16.9.1955, p. 1 e 5. 536 Relatório das Atividades do Comitê Estadual do Paraná da candidatura de Plínio Salgado, 27.11.1955 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 089.013.001). 537 Mais de 1 milhão de brasileiros contribuíram para a campanha. A Marcha, Rio de Janeiro, 23.9.1955, p. 4.

244

“Plínio Salgado é o candidato pobre”.538

As contribuições teriam permitido que o programa passasse a ser veiculado duas vezes por semana a partir de junho,

539 e três vezes a partir de agosto,

retransmitido por 20 emissoras.540

Apresentando-se como “candidato do povo”, Salgado pretendia ser reconhecido como “verdadeiro candidato da União Nacional”, em evidente contradição com o discurso anteriormente assumido em oposição à uma candidatura de União Nacional e de defesa da necessidade de candidaturas com projetos distintos. Mesmo tendo argumentado que cada partido político deveria apresentar seu candidato, uma vez indicado pelo PRP, Salgado não se assumia como expressão daquele partido e apresentava sua candidatura como suprapartidária. Salgado buscou ainda o apoio de membros de outros partidos e das “classes produtoras”, os quais eram divulgados como evidência da amplitude de sua candidatura. Tal perspectiva fica evidente no editorial do jornal integralista A Marcha:

Quando vemos centenas e centenas de chefes políticos do PSD, da UDN, do PTB, do PR e de outros partidos comparecerem à presença de Plínio Salgado para dizer-lhe que o acompanharão na disputa da suprema magistratura da Nação; que permanecerão fiéis aos respectivos partidos no tocante à sucessão estadual, mas que votarão nele para Presidente da República, por ser ele o melhor candidato, por ser esta atitude um imperativo da própria consciência – então sim verificamos o mais surpreendente fenômeno desta quadra da vida política nacional: Plínio Salgado transformado naturalmente, por força de lógicas deduções cívicas, no legítimo candidato de União Nacional.

541

538 É preciso que os brasileiros ouçam a palavra de Plínio Salgado. A Marcha, Rio de Janeiro, 6.5.1955, p. 7. 539 Plínio Salgado duas vezes por semana na Rádio Globo. A Marcha, Rio de

Janeiro, 1º.6.1955, p. 3. 540 Batalha final pela Rádio Globo. A Marcha, Rio de Janeiro, 26.8.1955, p. 12. Evidentemente não eram divulgadas as contribuições mais volumosas recebidas, como é “o caso do industrial Sr. Arlindo Araújo, proprietário dos Laboratórios Antisardina, que além dos anúncios feitos em A Marcha, custeou programas de Rádio, imprimiu um milhão de prospectos e fez intensa campanha pessoal junto as pessoas de sua reputação”. Relatório das Atividades do Comitê Estadual do Paraná da candidatura de Plínio Salgado, 27.11.1955 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 089.013.001). 541 Plínio, o verdadeiro candidato da união Nacional. A Marcha, Rio de Janeiro, 19.8.1955, p. 3.

245

Embora se apresentando como “candidato do povo”, Salgado buscou reconhecimento e apoio junto a classe dominante, o que ficou especialmente claro em sua participação na Mesa Redonda das Associações Comerciais do Brasil, com ampla repercussão na imprensa. De acordo com o Diário Carioca:

Juscelino e Juarez discordam das classes produtoras em dois pontos capitais: a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e a exploração do petróleo. As classes produtoras são favoráveis à participação dos empregados no lucro das empresas, mas como prêmio à atividade e capacidade de cada um. Juscelino e Juarez, no entanto, são favoráveis à participação direta dos empregados nos lucros das empresas. Apenas Plínio Salgado mereceu toda a receptividade (embora inicialmente fosse antipatizado) das classes conservadoras, pois suas idéias satisfizeram plenamente as suas pretensões.

542

Para o Correio do Povo, de Porto Alegre, “ao contrário da sabatina de Juscelino, o plenário ouviu atentamente e sob os maiores aplausos o pronunciamento de Plínio Salgado, que apreciou a realidade brasileira à margem dos interesses políticos, examinando-a em seu conjunto e apontando soluções reais e objetivas dentro dos princípios doutrinários”. De acordo com o jornal, o apoio de Salgado à revisão da lei da Petrobrás “foi saudado pelo plenário, de pé, com a mais prolongada salva de palmas”.

543 Segundo O Dia, de Recife, “as

classes produtoras ficaram empolgadas com o desenvolvimento do plano do sr. Plínio Salgado”.

544 Desta forma, a propostas do “candidato

popular” seduziam as “classes conservadoras”, satisfeitas com a defesa de medidas antipopulares, como o fim do monopólio estatal do petróleo, que os demais candidatos não proclamavam publicamente. Fica evidente, nesse aspecto, que Salgado assumia abertamente posições reacionárias, e, ao mesmo tempo buscava, sistematicamente, estabelecer e reforçar vínculos com setores da classe dominante, buscando qualificar-se como interlocutor confiável.

Além de apresentar-se como candidato “popular” e “suprapartidário”, Salgado tentava ainda caracterizar sua candidatura como “doutrinária”, em contraposição às demais candidaturas, que

542 Quem mais satisfez os conservadores foi Plínio Salgado. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 7.7.1955, p. 2 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 112.004.REC 55). 543 Apud Em São Paulo Plínio Salgado fala às Associações Comerciais do Brasil. O Dia, Recife, 11.7.1955, p. 1-2 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 112.004.REC 55). 544 Ibid.

246

seriam resultado de “conchavos políticos”. Sua “doutrina” se resumiria “num critério governamental que considera os problemas brasileiros no seu conjunto e não isoladamente cada um”, em “íntima conexão uns com os outros”.

545 Tal “doutrina” conduzia à proposta de despolitização

do governo, como fica expresso em sua proposta de formação de um ministério “técnico”:

Sem um Ministério homogêneo quanto à compreensão e interpretação das realidades e das necessidades brasileiras e quanto ao critério ordenador dos problemas, orientador da ação e executor de um plano geral de realizações, não será possível arrancar o Brasil das suas atuais dificuldades, empreendendo uma obra de fortalecimento econômico, financeiro, político, social e moral da Nação. Não tendo compromissos com governadores de Estado, nem com partidos políticos, nem mesmo com o meu, a não ser quanto aos princípios doutrinários, penso que estarei em condições de ir buscar, dentro de qualquer partido ou fora dessas agremiações políticas, os homens culturalmente mais competentes, tecnicamente mais fortes, moralmente mais perfeitos, para compor um Ministério.

546

Tal posição ensejava uma crítica genérica aos “políticos profissionais”, afirmando-se que “a desilusão é geral com os demagogos, os promesseiros, os mentirosos”,

547 e que “os políticos

profissionais não cuidam dos interesses da Pátria, mas dos seus próprios interesses” e “são escolhidos e indicados pelos próprios sócios políticos e também interessados em devorar os dinheiros públicos”. Em contrapartida, sua candidatura seria “contra a politicagem profissional, contra o roubo organizado, contra a desunião dos brasileiros, contra a anarquia”.

548 Além de se apresentar como o

único com conteúdo doutrinário, Salgado também seria o único dos candidatos sem compromisso com o comunismo, pois “O Partido Socialista Brasileiro apóia Juarez Távora”, “o Partido Comunista do Brasil apóia Juscelino e João Goulart”, e “os comunistas e socialistas, debaixo da bandeira do Partido Social Progressista, do sr. Adhemar de

545 Esta minha candidatura não é propriamente a candidatura de uma pessoa, mas de uma doutrina e de um programa. A Marcha, Rio de Janeiro, 12.5.1955, p. 1 e 2. 546 Ibid.

547 Proclamação ao Povo Brasileiro. Panfleto (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.011). 548 Porque. Panfleto (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.011).

247

Barros, deram a vitória ao seu candidato, que é hoje o Prefeito daquela Capital”.

549

O Comitê Nacional de Propaganda enviou aos comitês populares 17 “sugestões de legenda para muros”

550 e 37 slogans a

serem utilizados, enfatizando o cristianismo (“Deus dirige o destino dos Povos! Graças a Deus já temos em quem votar”; “Em Deus pomos o princípio e o fim de nossa doutrina política. Com Plínio Salgado queremos torná-la realidade”; “Um governo sem os sagrados princípios da fé cristã será como uma criatura sem alma ou um corpo sem vida”), seu alegado caráter popular (“Só quem trabalha tem direito de governar”; “É ele o candidato de milhares de operários e digno portanto do voto de todos aqueles que desejam ver entre nós a queda do burguesismo oficializado”); a idéia de mudança (“Para continuar como está qualquer candidato serve, para mudar só Plínio Salgado”); e a oposição aos “políticos tradicionais” (“Trancai as portas do Brasil contra a orgia organizada dos políticos profissionais”; “Os tubarões da política sempre ganharam eleições gastando rios de dinheiro”).

551

O objetivo de atrair os antigos integralistas afastados do movimento foi perseguido através de diversas iniciativas. Uma correspondência enviada aos integrantes dos “memoráveis dias da Ação Integralista Brasileira” convocava-lhes: “É pelo vosso passado de luta que hoje vos conclamamos a participar da campanha pró-candidatura de Plínio Salgado”.

552 A Marcha publicou uma “Carta aos

integralistas da primeira hora”, chamando todo aquele que “por uma razão ou outra não está ao lado de Plínio Salgado neste terrível momento em que passa nossa Pátria”, lembrando-lhes do “dever de quem prestou um juramento e do qual foi desobrigado por ato espontâneo e liberal do depositário deste” e do “dever diante de Deus e da Pátria e da própria consciência”, apelando para que voltassem “a lutar ao lado de Plínio Salgado”.

553 Salgado incumbiu ainda um oficial

da Marinha integralista a fazer um levantamento entre seus pares do

549 Brasil versus Rússia Soviética. Panfleto. (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.011). 550 Sugestão de legenda para muros (APGRC - Fundo Plínio Salgado 016.009.007). Destacam-se as frases com sentido dúbio “Com seu voto ajude a endireitar o país” e “Está na hora de endireitar o Brasil”.

551 Comitê Nacional de Propaganda. Slogans da candidatura de Plínio Salgado (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.009). 552 Correspondência do Comitê Feminino do Distrito Federal aos ex-integrantes da Ação Integralista Brasileira, s./d. (APHRC - Fundo Plínio Salgado 014.002.001). 553 Carta aos integralistas de primeira hora. A Marcha, Rio de Janeiro, 29.4.1955, p. 5.

248

apoio com que ainda contava naquele setor militar, o qual concluiu que “na esfera superior há muito elemento que continua firme, outros, embora fiéis ao pensamento, mais temerosos de atitudes francas, poucos adversários (de um modo geral os não muito considerados na classe) e ainda um grupo que, tendo pertencido à AIB, o fizeram não por convicção mas por interesse próprio”.

554 Para tanto, dirigiu uma

circular aos oficiais que foram integralistas, convidando-os para “sua cooperação na cruzada de salvação nacional”, além de enviar um manifesto a todos os oficiais da Marinha.

555

Desde o lançamento da candidatura Salgado, a imprensa e especialmente os defensores da candidatura Juarez Távora especulavam sobre sua possível retirada, assegurando sua inviabilidade eleitoral, o que foi respondido através de reiterados desmentidos pelos integralistas. Afirmando que sua candidatura pertencia ao povo, Salgado assegurava que não renunciaria, e afirmava que se o fizesse “estaria traindo a confiança de milhares de brasileiros”.

556 Na medida em que se aproximava a data da eleição,

Salgado avisava para que os integralistas ficassem de sobre-aviso, pois “estes boatos irão recrudescer e quero acreditar que nas vésperas da eleição eles virão com absoluta intensidade para perturbar a ação eleitoral daqueles que querem transformar o Brasil”.

557 Ao mesmo

tempo repetia continuamente que acreditava em sua eleição:

Vou às eleições de outubro com a finalidade de alcançar vitória e posso dizer, pelo que se está passando em todos os Estados do Brasil, que essa vitória está assegurada.

558

Vencerei o pleito, ainda que vigore o princípio da maioria absoluta.

559

554 Relatório Confidencial do Almirante Jatyr de Carvalho Serejo, 18.8.1955 (APHRC-Pprp 18.08.55/6). Nos anos 30, os integralistas contavam com grande contingente de adeptos dentre os oficiais da Marinha. 555 Ibid. 556 Plínio: minha candidatura é definitiva. A Marcha, Rio de Janeiro, 10.6.1955, p. 4. 557 Sou homem de doutrina, jamais desistirei! A Marcha, Rio de Janeiro, 28.9.1955, p. 3. Já o Comitê paranaense alertava “que os inimigos do Brasil estão e irão continuar propalando – com o propósito de desorientar o povo – a cínica e pérfida mentira de que Plínio Salgado desistiu ou desistirá de sua candidatura. É falso! É mentira! Serão capazes de dizer inclusive que Plínio morreu”. Não acredite: Plínio Salgado não desistirá. Panfleto (APHRC - Fundo

Plínio Salgado 089.013.005). 558 Entrevista concedida por Plínio Salgado à United Press em agosto de 1955 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 001.004.004).

249

Acredito na minha vitória e até mesmo por maioria absoluta. Ganharei em Minas. Ganharei ainda no Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Bahia. Para segundo lugar indico dois candidatos: Juscelino e Adhemar. Juarez Távora será o último.

560

Em algumas prévias promovidas por rádios e jornais Salgado aparecia em primeiro lugar,

561 o que parece indicar uma participação

organizada dos integralistas para a produção daqueles resultados, utilizados como argumentos eleitorais. As alegações que remetiam ao caráter “popular”, “doutrinário” e “suprapartidário”, junto a várias outras, eram reunidas em um panfleto sobre as “Dez forças que sustentam a candidatura de Plínio Salgado” e que, portanto, lhe garantiriam a vitória:

I – Seu valor pessoal, sua cultura, sua formação moral e cristã; II – Um milhão de livros espalhados pelo Brasil; III – A imprensa do interior que publica sempre os seus artigos; IV – Centros de Juventude espalhados em todo o Brasil; V – Os Comitês Populares, agrupamentos de homens do trabalho; VI – Os antigos integralistas que reconhecem o valor do candidato; VII – O Partido de Representação Popular; VIII – O elemento religioso que toma conhecimento do seu trabalho; IX – O fracasso dos governos e dos políticos que todos vêem; X – O esfacelamento dos partidos que não tem mais autoridade.

562

Embora seja pouco provável que a direção integralista realmente acreditasse em suas possibilidades de vitória, o jornal A Marcha publicou uma projeção da votação que cada candidato obteria por estado, segundo a qual Salgado venceria a eleição com 2.930.850 votos (quatro vezes a votação efetivamente recebida).

563 A publicação

desta improvável projeção visava neutralizar a campanha promovida pelos defensores da candidatura de Juarez Távora, que pregava o “voto útil” visando derrotar Kubitschek.

559 Plínio Salgado otimista. Gazeta de Santa Cruz, Santa Cruz do Sul, 27.8.1955, p. 3 (CDAIBPRP- Recortes). 560 De Fortaleza. A Gazeta, São Paulo, 14.9.1955, p. 5 (CDAIBPRP-Recortes). 561 É o caso, por exemplo, da prévia realizada pelo Correio Católico de Uberaba. Perto de 5 mil cupons já apurados na prévia. Correio Católico, Uberaba, 2.7.1955 (APHRC - Fundo Plínio Salgado 112.003.REC 55). 562 As dez forças que sustentam a candidatura de Plínio Salgado. Panfleto (APHRC - Fundo Plínio Salgado 018.010.011). 563 Plínio vencerá com 2.930.850 votos. A Marcha, Rio de Janeiro, 9.9.1955, p. 16.

250

PRP X UDN – o conflito aberto pelo eleitorado conservador

A eleição presidencial de 1955 acirrou ao extremo o conflito entre os integralistas e o udenismo. Este conflito tinha como objeto principal a disputa pelo eleitorado conservador. O PRP buscava crescer disputando a base social pequeno burguesa da UDN e seus aliados, como o Partido Democrata Cristão. Em 1953, quando o PDC apoiou Jânio Quadros à prefeitura de São Paulo, foi classificado pelo PRP como “o partido dos comunistas de sacristia, cujos chefes se enfeitam com a fita de congregados marianos, trazendo no coração a estrela vermelha de Moscou”.

564

A disputa de votos entre Salgado e Juarez Távora ensejou ataques mútuos os mais diversos. A candidatura de Távora era repetidamente criticada pelos integralistas por ter recebido o apoio do Partido Socialista Brasileiro:

O PSB homologou a candidatura Juarez Távora à Presidência da República. Para merecer o apoio das hostes de Trotski e Marx, Juarez teve que se comprometer com um programa socialista, cujos principais pontos provêm diretamente do cérebro de Marx, Sorel e outras belezas deste quilate.

565

Alguém não está usando, no caso, de sinceridade. Ou o general se mostra confuso nesta quadra conturbada de sua vida, ou os partidos que o apóiam estão agindo de má-fé. Eis o que se deduz desse casamento imprevisto da linha auxiliar comunista (os socialistas do sr. João Mangabeira) com os católicos do Monsenhor Arruda Câmara.

566

Para A Marcha Juarez seria “um candidato de tendências totalitárias que procura atrair, com promessas demagógicas, as classes trabalhadoras bem como a pequena burguesia desorientada e confusa, enfurecida e desesperada pela crise econômica e financeira que o país atravessa”.

567 A UDN, por sua vez, contra-atacava

divulgando declaração de Belmiro Valverde, ex-integralista e principal líder da “Intentona de 1938”, na qual manifestava seu apoio a Juarez, sustentando que “a grande maioria dos ex-integralistas votará contra o

564 Máscaras ao chão. A Marcha, Rio de Janeiro, 13.3.1953, p. 1 e 4. 565 Juarez e o socialismo. A Marcha, Rio de Janeiro, 3.6.1955, p. 1 e 5. 566 As contradições de Juarez Távora. A Marcha, Rio de Janeiro, 10.6.1955,

p. 1 e 4. 567 Juarez é o Perón brasileiro. A Marcha, Rio de Janeiro, 24.6.1955, p. 1 e 12.

251

sr. Plínio Salgado”.568

Também a Tribuna da Imprensa, dirigida por Carlos Lacerda, contra-atacava: “Plínio mente, difama e calunia, envolvendo em suas mentiras, infâmias e calúnias o general Juarez Távora. (...) A conduta do sr. Plínio Salgado, o chefe fascista brasileiro, constitui um caso de psiquiatria. É o paranóico ‘iluminador’, o ‘Enviado de Deus’ (...) Mas um exame mais atento e minucioso do comportamento do ‘profeta’ do integralismo conduzirá à certeza de que nele predomina o espertalhão”.

569 As críticas centravam-se na

qualificação de Salgado como fascista e a inviabilidade de sua candidatura:

Fundador e chefe de um partido fascista, fascista no programa, nos métodos, até no uniforme e no ritual macaqueados dos modelos italiano e alemão, passou a afirmar o caráter democrático desse partido quando a guerra destroçou o nazi-fascismo. (...) Enfrenta o ridículo de anunciar que vai ser eleito e por maioria absoluta, quando sabe, melhor do que ninguém, que está fazendo apenas uma agitação para ampliar futuramente seu partidinho; que é um autêntico “candidato suicida”, condenado fatalmente ao último lugar na votação e com uma soma de sufrágios irrisória em relação aos demais. Sabe que, dizendo-se crente na vitória (e por maioria absoluta!) assume aos olhos de todas as pessoas sensatas o papel de um imbecil.

570

Salgado revidava os apelos para que retirasse sua candidatura, pedindo, ao contrário, que Juarez Távora se retirasse do pleito e o apoiasse:

Insistem os dirigentes da campanha eleitoral do General Juarez Távora, em apelar para que eu desista de minha candidatura, em favor da vitória daquele ilustre e respeitável militar patrício. (...) É grave o engano dos orientadores da campanha do General, ao suporem que a minha desistência iria carrear votos para o seu candidato. Os brasileiros que sufragarão o meu nome a 3 de outubro próximo, dando-me a mais surpreendente e estarrecedora vitória eleitoral de nossa História, não seguem um homem, mas sim uma doutrina, de bases nitidamente espiritualistas, que não comporta transigências com partidos de esquerda, de inspiração materialista. (...) Recuso o apelo que me foi dirigido, certo de que, assim procedendo,

568 Plínio sem o apoio dos camisas-verdes. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 10.9.1955, p. 1 e 5 (CDAIBPRP – Recortes). 569 MAGALHÃES Júnior, Rafael. Misto e paranóico e embusteiro o sr. Plínio Salgado. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 20.9.1955, p. 3 (CDAIBPRP-Recortes). 570 Ibid.

252

sirvo melhor à Pátria a quem dediquei toda a minha vida e que dispensa novas demonstrações do meu espírito de renúncia. Ao fazê-lo, formulo de volta, ao General Juarez Távora, em quem reconhecemos um grande patriota, uma exortação para que desista ele de sua candidatura, reconhecidamente derrotada até pelos seus próprios seguidores, para felicidade e pelo bem do Brasil.

571

Passada a eleição, e confirmadas as previsões de que a votação recebida por Salgado determinaria a derrota de Távora, os udenistas denunciavam suposto envolvimento de Salgado na falência fraudulenta do Banco Nacional Interamericano, dirigido por Roxo Loureiro, irmão de seu genro Loureiro Júnior,

572 dando seqüência à

troca de acusações. A Marcha, por sua vez, comemorava a derrota da UDN:

O prazer dos integralistas foi este, exatamente: impediram que o candidato de Lacerda, de Jânio, de Joel Silveira, de Corção, de Adauto, de Juraci, de Osório Borba, de Chico Mangabeira, fosse eleito. Ah! Isso impediram mesmo. E a história não foi escrita à moda da UDN dos salafrários, metidos a moralistas, dos Tibérios do nosso tempo. Esse prazer nós temos. Derrotamos os caluniadores de Plínio Salgado, que agora estorcem de raiva.

573

Em 1956, Salgado publicou o Livro verde de minha campanha, respondendo às críticas que recebeu durante sua campanha, sustentando que nunca ter sido “oficialmente procurado por Juarez Távora, nem pelos próceres da UDN, para solicitar a retirada da minha candidatura”, e alegando que jamais poderia fazê-lo, pois “o PRP proíbe, desde a sua fundação, qualquer aliança de seus partidários, tanto com o Partido Comunista como com o Partido Socialista”, para concluir que “dentro da cabeça desses caluniadores não existem, na verdade, miolos. O que há lá dentro é da competência da City ou das Águas e Esgotos, conhecedoras do material que conduzem as descargas das sentinelas”.

574 Para ele, as “calúnias e injúrias” seriam

decorrência do “ínfimo nível moral a que chegou a sociedade brasileira do nosso tempo” e da “influência e, por vezes, ação direta do

571 Juarez: considera-te fora da sucessão! A Marcha, Rio de Janeiro, 16.9.

1955, p. 1 e 15. 572 De negócio em negócio Plínio enche o papo. Tribuna da Imprensa, sem referência (CDAIBPRP-Recortes). O jornal sustentava que Loureiro seria “o homem que manda hoje em Plínio e o domina totalmente”. 573 "A Tribuna da Imprensa como sempre". A Marcha. Rio de Janeiro, 27.4.1956, p. 12. 574 SALGADO, Livro verde de minha campanha. op. cit., p. 15, 21, 81 e 87.

253

comunismo”.575

O conflito persistiria nos anos seguintes, principalmente em virtude do apoio dos integralistas à posse e ao governo de Kubitschek.

Os resultados alcançados e sua repercussão no PRP

Salgado atingiu, afinal, 714.379 votos, ou 8,3%, a maior votação obtida nacionalmente pelo movimento integralista em um processo eleitoral, em toda história do movimento. A votação recebida por Salgado reforçou a tese dos udenistas de que a candidatura de Salgado mudaria o resultado das eleições, pois a diferença entre Kubitschek e Távora foi de apenas 466.949 votos. Ainda assim, em face das reiteradas proclamações de Plínio de que seria vencedor, o resultado obtido deve ter frustrado os militantes mais entusiasmados. Assim, os dirigentes integralistas tentaram apresentar o resultado obtido como uma grande vitória. Para A Marcha, o resultado surpreendeu os grupos dominantes “que controlam as máquinas de coação para extorquir votos, montadas em todo o território nacional, isto é, as cúpulas dos chamados grandes partidos”.

576 Salgado enviou

uma carta aos militantes agradecendo os serviços prestados à candidatura e garantindo que ela foi vitoriosa, “batalhando contra três poderosas máquinas”, afirmando que “nenhum partido, isoladamente, levou essa quantidade de votos” e garantindo que “está plenamente provado que, com mais quatro anos de doutrinação, de trabalho sistemático, conquistaremos o triunfo”.

577

A distribuição da votação foi bastante desigual: Salgado foi o segundo mais votado no Paraná, atingindo 24% dos votos, e recebeu expressivas votações também no Espírito Santo (18,8%), Santa Catarina (17,5%) e Bahia (13,6%). A maior parte dos votos foi obtida em pequenos municípios, embora os melhores percentuais tenham sido alcançados em estados populosos:

578 Salgado obteve 21,6% de

seus votos nas capitais (154.486 votos); 12,7% nas cidades com mais de 20.000 eleitores (91.018 votos); 19,9% nas cidades que detinham entre 10.000 e 20.000 eleitores; e 45,8% nas cidades com menos de

575 Ibid. p. 95. 576 Plínio Salgado surpreendeu os grupos dominantes. A Marcha, Rio de Janeiro, 20.1.1956, p. 3. 577 Circular de Plínio Salgado, s./d. (APHRC - Fundo Plínio Salgado 014.006.016). 578 Levantamento realizado a partir dos dados publicados em TRIBUNAL Superior Eleitoral. Dados Estatísticos. Brasília: Imprensa Oficial, 1964. 9 volumes. Volume 3.

254

10.000 habitantes (326.939 votos). Salgado foi o candidato mais votado em 18 municípios do Paraná e em 11 municípios de Santa Catarina. Neste último estado, Salgado captou 46,7% do total de seus votos em apenas 10 municípios (todos eles de colonização germânica), atingindo maioria absoluta em alguns deles. A despeito das diferenças, em todos os estados predominaram os votos provenientes da pequena burguesia, sejam em sua maioria urbanos, como em São Paulo e Minas Gerais, sejam pequenos proprietários rurais, como nos estados do Sul e Espírito Santo..

Alguns meses depois, Salgado avaliava que a candidatura própria tinha dado ao PRP consciência de sua autonomia e de sua força eleitoral:

Nunca o PRP poderia ter adotado uma orientação mais certa, uma atitude de maior clarividência. O pleito de outubro deu consciência de autonomia, de autodeterminação a um partido que vinha perdendo a substância pela adesão a candidatos estranhos à sua doutrina em duas eleições sucessivas, a de 1945 e a de 1950. Embora dignos dos sufrágios dos brasileiros, o marechal Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes, cujos méritos pessoais não negamos, não polarizavam os anseios mais profundos dos integralistas, nem daqueles que aspiram a reformas largas e decisivas dos costumes políticos e das normas administrativas em nosso País. O desfraldar de uma bandeira própria deu ao partido herdeiro da doutrina espiritualista e cristã da democracia orgânica uma energia nova que se revelou numa verdadeira ressurreição. O pleito de outubro passado incutiu-nos também, a certeza de nossa força.

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Esta avaliação deu novo fôlego à “independência partidária”, política que seria mantida ainda nos dois anos seguintes, embora o apoio à posse e posterior participação no governo de Juscelino Kubitschek introduzisse uma contradição que terminaria por minar esta política, reintroduzindo os integralistas na dinâmica de alianças e

579 SALGADO, Plínio. Ergueu-se uma força nova! A Marcha, Rio de Janeiro, 27.4.1956, p. 3 e 8.

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coligações. Certamente a candidatura própria cumpriu uma função importante na unificação do movimento e motivação de seus militantes, reforçando sua identidade, abalada em virtude das oscilações da política de alianças até então seguida. A médio prazo, no entanto, o resultado obtido não foi suficiente para garantir a manutenção da “independência partidária” e impedir a retomada das alianças e coligações e da participação em gestões conduzidas por outros partidos, o que se concretizaria no final de 1957 quando o PRP assumiu a presidência do Instituto Nacional de Imigração e Colonização no governo Kubitschek e se aprofundaria com as inúmeras alianças realizadas em 1958, inclusive no Rio Grande do Sul, berço da política de “independência partidária”, onde os integralistas coligaram-se com o PTB, apoiando a eleição de Leonel Brizola ao governo estadual e elegendo o primeiro senador integralista, Guido Mondin, apoiado pelo PTB.