Ética Do Sentimento Moral Em D. Hume

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Aula sobre Uma Investigação Sobre os Princípios da Moral de David Hume elaborada pelo Prof. Me. Fabio Antônio da Silva

Citation preview

  • tica do sentimento moral em David Hume

    Prof. Me.Fabio Antnio da Silva

    David Hume, conhecido, sobretudo, por sua epistemologia empirista, foi o

    responsvel por uma significativa revitalizao do empirismo de Francis Bacon e foi

    uma das influncias para que Emmanuel Kant elaborasse sua Crtica da Razo Pura.

    Hume repensa o mtodo cientfico do empirismo indutivo puro elaborado por

    Francis Bacon e no Tratado Sobre a Natureza Humana, uma de suas obras mais

    conhecidas, apresenta seu empirismo lgico, o qual consiste no estabelecimento dos

    limites do conhecimento produzido pelo mtodo indutivo.

    Hume mostra que muito do conhecimento produzido pelo mtodo da observao e

    induo no passa de uma crena produzido por aquilo que ele chama de "fora do

    hbito". O exemplo mais conhecido disso est na anlise que Hume faz da afirmao:

    O Sol nascer amanh.

    Para o filsofo escocs afirmaes dessa natureza, ainda que produtos de uma

    induo feita a partir da repetida observao do movimento dos astros, no passam

    de uma crena oriunda da fora do hbito, uma vez que no dispomos de previses

    seguras quanto aos possveis cataclismos.

    Ainda segundo o empirismo lgico de Hume, as ideias gerais so na verdade

    produtos de uma generalizao de ideias particulares. Nesse sentido, as ideias

    gerais muitas vezes no passam de um jogo na relao com as palavras. Mesmo

    tendo ideias gerais de uma rvore, uma vaca ou de qualquer outra coisa, isso no

    significa que essa rvore, vaca, ou seja, l o que for existam em sua forma ideal. Para

    o empirista elas so resultado das experincias que nos do ideias particulares, com

    as quais estabelecemos uma relao de ideias e extramos da nossas prprias ideias

    gerais.

  • A "Relao entre Ideias", marca do empirismo lgico de Hume, se define como

    parte do nosso conhecimento, o qual pode ser adquirido pela deduo lgica. Como

    podemos comprovar no caso das ideias matemticas a qual alcanamos mesmo sem a

    dependncia de uma experincia concreta.

    Por outro lado, Hume apresenta as "Questes de Fato" como tudo aquilo que

    passvel de conhecimento e, no entanto, se encontra num mbito no qual a lgica no

    impera e a experincia torna-se nosso principal instrumento.

    O empirismo lgico dividindo o conhecimento nestes dois mbitos influenciar, nessa

    medida, as ideias do filosofo alemo Emmanuel Kant quando da elaborao de sua

    Crtica da Razo Pura, desperto de seu "sono dogmtico", dividir o conhecimento em

    a priori e a posteriori.

    No entanto, nos lembra o Professor Jos Oscar de Almeida Marques, tradutor de

    Uma Investigao Sobre os Princpios da Moral, ainda que reconhecida a influncia de

    David Hume sobre a filosofia do sculo XVIII e seguintes, preciso evitar as

    simplificaes daqueles que reduzem sua filosofia um papel secundrio na histria

    da filosofia:

    "Esta fcil acomodao de ideias de Hume a um esquema linear de evoluo do pensamento filosfico, to a gosto dos manuais didticos de filosofia, a principal responsvel pela incompreenso da importncia de seu projeto, que s recentemente comeou a ser devidamente avaliado. Concentra-se a ateno sobre suas reflexes sobre a teoria do conhecimento, relegando-se a segundo plano seu tratamento da moral, da poltica e da religio. E, paralelamente, d-se uma nfase indevida aos aspectos negativos e cticos de seu pensamento, deixando-se de lado a parte propriamente positiva do seu trabalho"( Introduo Uma Investigao Sobre os Princpios da Moral p.8).

  • Assim, Marques nos apresenta Uma Investigao Sobre os Princpios da Moral

    como a face de um "outro" Hume que extrapola as simplificaes dos manuais.

    Para nosso propsito aqui nos debruaremos com mais ateno sobre o Primeiro

    Apndice dessa obra, intitulado: Sobre o sentimento moral.

    Para o filsofo ingls - mesmo reconhecendo o papel da faculdade da razo como um

    dos atributos imprescindveis ao homem para torn-lo capaz de elaborar juzos morais

    - , sobretudo, o sentimento que estabelece "a preferncia pelas tendncias

    teis diante das nocivas".

    Mas afinal: Qual esse papel que assume a razo no momento do juzo moral? E

    que sentimento esse to determinante?

    Para responder essa questo podemos analisar tal qual Hume nos apresenta sua

    defesa do Sentimento Moral ponderando cinco consideraes:

    I. No caso de um juzo moral baseado em uma hiptese falsa, essa preserva alguma

    aparncia de verdadeira quando "se atm exclusivamente a tpicos gerais, faz uso de

    termos indefinidos e emprega analogias em vez de exemplos concretos."

    Caractersticas, segundo Hume, so prprias de filosofias que atribuem o

    reconhecimento de todas as distines morais pura razo, sem o concurso do

    sentimento.

    Hume questiona esse tipo de filosofia usando como exemplo um juzo moral

    especfico: a aprovao e/ou desaprovao de um caso de gratido/ingratido.

    No caso de um sujeito agir com boa vontade expressa, prestando bons servios

    um terceiro. Se este retribuir com hostilidade e desservio teremos a um caso

    claro de ingratido.

    Em um caso como esse, nos dir Hume: "Se todas essas circunstncias forem

    dissecadas, buscando-se determinar pela pura razo em que consiste o

    demrito e a culpa, jamais se chegar a qualquer resultado ou concluso".

  • Se, ao recorrermos ao tipo de investigao que aqui Hume critica, podemos chegar a

    concluso de que a culpa e o demrito consiste na hostilidade e no desservio

    retribudo pelo ingrato, tambm concluiremos, no entanto, que a hostilidade, por

    exemplo, s pode ser condenada quando dirigidas s pessoas que anteriormente

    agiram com boa vontade para conosco. Ou seja, nosso julgamento que infere

    ingratido a um fato no consiste na aplicao de uma regra geral da razo a um caso

    especfico.

    Caso assim fosse, poderamos inferir que a relao moral que a razo estabelece no

    caso da ingratido de CONTRARIEDADE, onde h boa vontade de um lado e

    hostilidade de outro. No entanto, se o caso analisado ocorresse em ordem inversa

    essa contrariedade no seria objeto de censura. Se o primeiro sujeito tivesse agido

    com hostilidade e o segundo lhe retribudo com boa vontade, mesmo esse

    empregando uma relao de contrariedade seria alvo de elogio mais facilmente

    que censura.

    Em verdade, nos dir Hume, nosso julgamento moral: "decorre de um complexo de

    circunstncias que, ao se apresentarem ao espectador, provocam o sentimento de

    censura, em funo da peculiar estrutura e organizao da mente".

    No caso de conhecimentos matemticos, por exemplo, facilmente estabelecemos

    relaes entre as regras gerais e extramos resultados particulares:

    2+3 = 10/2

    J no caso da moral Hume julga impossvel estabelecer tais relaes to prprias a

    faculdade racional de nossa mente.

    Mesmo que se sustente que a moralidade consiste nas relaes entre as aes e as

    regras do direito, se nos perguntarmos em que consiste essas regras do direito

    poderemos dizer que elas so fruto do exame que a razo faz das aes morais, assim

    um ciclo obscuro que procura fundamentar as aes morais no direito e o

    direito nas aes morais se estabelece e torna a matria inteligvel e at mesmo

  • inaplicvel em casos particulares (esse obscurantismo para Hume prprio da

    Metafsica, to criticada por ele).

    Essa primeira considerao acerca do sentimento moral feita por Hume afirma que a

    moralidade determinada pelo sentimento que define a "virtude como qualquer ao

    ou qualidade espiritual que comunica ao espectador um sentimento agradvel de

    aprovao; e o vcio como seu contrrio".

    II. Uma outra distino apresentada por Hume entre as matrias de que pelo puro

    exame da razo somos capazes de julgar e a moralidade, da qual o sentimento

    imprescindvel, consiste na diferena entre raciocnio lgico e as deliberaes

    morais.

    Em ambos os casos necessrio um conhecimento das situaes particulares e

    suas distintas relaes.

    Assim, como ao determinarmos as propores de um tringulo necessrio conhecer

    a natureza e as relaes de suas diversas partes, ao deliberar sobre nossa conduta

    frente uma emergncia devemos levar em considerao as situaes particulares e

    suas relaes.

    No entanto, no caso do Raciocnio lgico, quando consideramos as vrias relaes de

    um triangulo, por exemplo, inferimos algo a partir dessas consideraes e

    exclusivamente a partir delas. J nas deliberaes morais precisamos estar

    familiarizados com as varias relaes particulares e o resultado destas para, s ento,

    determinar nossa escolha.

    Nas palavras de Hume:

    "Nas indagaes do entendimento inferimos, a partir de relaes e

    circunstncias conhecidas, algo novo e at ento desconhecido. Nas decises

    morais, todas as circunstncias e relaes devem ser previamente conhecidas,

    e a mente, baseando-se na contemplao do todo, sente alguma nova

    impresso de afeto ou desagrado, estima ou repdio, aprovao ou

    recriminao".

  • O exemplo da tragdia de dipo, que ao matar Laio julgou estar certo de seus atos,

    explicitam esse processo. Aps saber de seu parentesco com Laio, dipo muda o

    julgamento que fez e se considera culpado de um parricdio.

    Ns espectadores, por outro lado, por reconhecermos a ignorncia de dipo no ato do

    assassinato de Laio, podemos optar por consider-lo inocente.

    O mesmo no ocorreria ao avaliarmos as atitudes de Nero que, ao matar sua me

    Agripina, conhecia previamente todas as relaes entre ele e sua vtima.

    Isso no significa afirmar que o fato de Nero saber de suas relaes com Agripina

    que o fazem tom-lo como algum digno de reprovao, e o fato de dipo

    desconhecer suas relaes com Laio que o tornam digno de misericrdia, mas esses

    fatos, e as relaes dadas por eles, nos indicam o embrutecimento e falta de

    sentimentos de dever de Nero frente a dipo que despertam em ns esse sentimento

    de aprovao ou reprovao.

    Para Hume:

    " nesses sentimentos, portanto, e no na descoberta de qualquer espcie de

    relaes, que consistem todas as determinaes morais. Antes de

    pretendermos tomar qualquer deciso desse tipo, tudo que se relaciona ao

    objeto ou ao deve ser conhecido e verificado. E nada mais ser necessrio de

    nossa parte seno experimentar um sentimento de censura ou aprovao, com

    base no qual declaramos a ao ofensiva ou virtuosa".

    III. Na considerao seguinte Hume, mesmo tendo criticado as analogias no incio de

    sua primeira considerao, estabelece uma analogia entre a beleza moral e a beleza

    natural.

    Mesmo que a proporo e outros atributos estticos estejam presentes para aquele

    que julga algo belo, seu juzo obedece um sentimento de satisfao ou insatisfao

    que foge s verdades dos problemas geomtricos.

  • Euclides, segundo Hume, explicou completamente todas as propriedades do crculo,

    mas em nenhuma proposio disse sequer uma palavra sobre sua beleza. A razo

    disso reside no fato da beleza no se tratar de uma propriedade do circulo. A beleza

    no est em sua proporo ou em outro atributo geomtrico: como o fato de

    derivarmos dele uma linha cujas partes so equidistantes de um centro comum.

    Para Hume a beleza do crculo:

    "... apenas o efeito que essa figura produz sobre um esprito cuja peculiar

    estrutura ou organizao o torna suscetvel a tais sentimentos".

    Para reforar essa ideia Hume recorre aos arquitetos Palladio e Perrault afirmando

    que ao explicarem as partes e propores das colunas eles no descreveram a beleza

    das colunas pois, assim como no caso do crculo:

    "At que aparea um tal espectador, h somente uma forma com tais e tais

    propores e dimenses; sua beleza e elegncia surgem apenas dos

    sentimentos desse espectador".

    No caso da beleza moral, ou seja, os atos ou atributos que causam louvor ou

    censura, tambm uma contemplao do todo que pode provocar nossa aprovao

    ou desaprovao.

    IV. A quarta considerao esclarece o caso das coisas inanimadas, as quais no so

    suscetveis de mrito ou iniquidade.

    Na caso de uma rvore, por exemplo, ainda que ela cresa e sobrepuja e destrua

    aquela que lhe deu origem no estar essa na mesma situao de Nero quando

    assassinou Agripina. Exatamente pelo fato da moralidade no consistir simplesmente

    em relaes.

    V. Hume encerra seu apndice em defesa do sentimento moral evidenciando o papel

    da razo e do sentimento no juzo moral.

    Se questionarmos um indivduo sobre as causas de seus atos, e fazermo-lo

    continuamente haver um momento em que teremos que aceitar que alguns fins so

    desejveis por si mesmos. Tal o caso do prazer e da virtude.

    Quanto ao papel da Razo e do Sentimento ou Gosto, para que alcancemos esses

    fins, Hume afirma que:

  • "A primeira transmite o conhecimento sobre o eu verdadeiro ou falso; o

    segundo oferece o sentimento de beleza e fealdade, de virtude e vcio. A

    primeira exibe os objetos tal como realmente existem na natureza, sem

    acrscimo ou diminuio; o segundo tem uma capacidade produtiva e, ao ornar

    ou macular todos os objetos naturais com as cores que toma emprestadas do

    sentimento interno, d origem, de certo modo, a uma nova criao".

    Referncia:

    Uma investigao sobre os princpios da moral, de David Hume, traduo de Jos

    Oscar de Almeida Marques. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995.