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Etica Valores Humanos e Transdisciplinaridades
Ementa:
Ética e moral. A questão da alteridade como princípio da relação
social. Os valores humanos fundamentais à construção de uma
cultura de paz. A ética profissional. Responsabilidade social e
ambiental. Transdisciplinaridade e convergência de
conhecimentos.
Objetivo Geral:
Compreender a Ética e a Cidadania como princípios
indissociáveis da vida em sociedade, tanto pública quanto
privada.
Objetivos Específicos:
Identificar e analisar as concepções filosóficas mais importantes
sobre a ética;
Compreender as particularidades inerentes à Ética e à Moral;
Compreender a Ética à luz da constituição de uma sociedade
cidadã;
Compreender a cidadania à luz dos direitos e dos deveres do
cidadão;
Contribuir para promover uma cultura ética e cidadã no
trabalho;
Compreender a Ética e a Cidadania como princípios
indissociáveis das políticas de Responsabilidade Social nas
organizações.
Só dispomos de quatro princípios da moral:
1) O filosófico: faça o bem pelo próprio bem, por respeito à lei.
2) O religioso: faça-o porque é vontade de Deus, por amor a Deus.
3) O humano: faça-o porque seu bem-estar o requer, por amor próprio.
4) O político: faça-o porque o requer a sociedade da qual você faz parte, por amor à sociedade e por consideração a você (LICHTENBERG apud SAVATER, 2004: 46)
Introdução
Bem vindos à disciplina Ética, Valores Humanos e Transdisciplinaridades. A
realidade na atual conjuntura em que vivemos, nos mostra que precisamos dela mais do
que imaginamos, especialmente em um país no qual, vemos a ética e a cidadania serem
atropeladas quase todos os dias, principalmente por muitos daqueles que mais deveriam
preservá-las e exercê-las. Além do mais, no contexto do mundo contemporâneo,
vivemos uma crise de valores, que desperta nas pessoas, sentimentos de indignação e
revolta. Torna-se mais difícil as pessoas terem a certeza do que é certo ou errado,
especialmente em um país como o Brasil, no qual os casos de corrupção brotam como
capim, a cultura da esperteza toma o lugar da cidadania e o “levar vantagem em tudo”
toma o lugar da ética. Vemos ocorrer uma espécie de inversão de valores, onde o certo é
ser esperto e ser honesto é ser otário. A impunidade deixa-nos mais indignados ainda
quando vemos mandantes de assassinatos impunes, corruptos impunes, crimes de
trânsito impunes, agressores de empregadas domésticas, assassinos de índios e
mendigos impunes ou com penas tão leves, que não vemos a justiça ser feita.
Por outro lado admiramos pessoas que desenvolvem programas solidários, de
forma voluntária. Em seus depoimentos dizem que seus atos são mais gratificantes para
si próprias do que para os outros e que elas mais recebem do que doam. Admiramos
também pessoas que acham um pacote de dinheiro na rua, em uma rodoviária, em um
aeroporto ou em um supermercado e devolvem o achado intacto, sem faltar um centavo.
Ficamos divididos quando nos deparamos com temas polêmicos como a pena de
morte, o aborto e a eutanásia e nos sentimos culpados quando nos omitimos diante de
uma questão nacional ou de um problema particular. Por que nos sentimos indignados?
Por que nos sentimos revoltados? Por que achamos que algo é justo ou injusto? Por que
nos sentimos culpados quando omitimos? Para Mo Sung e Silva, diante da injustiça e de
situações que ferem a dignidade humana, passamos por uma “experiência existencial”
de revolta. Vivenciamos uma “indignação ética”, frente a absurdos revestidos de
normalidade. Para eles, sem esta indignação, seria difícil vislumbrarmos e construirmos
um futuro melhor que o presente (MO SUNG e SILVA, 2000: 17).
Tais indagações não só revelam nosso senso moral, nossa noção de moralidade,
como também põe “à prova nossa consciência moral”, como observa Marilena Chauí.
Ambos, senso e consciência moral, dizem respeito a valores (honra, justiça),
sentimentos (admiração, revolta), decisões e ações (CHAUI, 1995:335). As indagações
citadas anteriormente revelam também a dimensão ética presente em nossa existência,
levando-nos a questionar direitos e deveres de cada um e de todos. Tal questionamento
nos faz dar conta de que somos cidadãos.
Assim, é sobre Ética e Cidadania que veremos ao longo deste curso. No qual,
abordaremos na Unidade I, Ética na História, na Unidade II, Ética e Moral, na
Unidade III, Ética e Cidadania e na Unidade IV, Ética no trabalho.
Uniade I – A Ética na História
Síntese da Unidade Nesta unidade veremos as concepções de ética entre filósofos como Sócrates e
Aristóteles na Grécia Antiga; a relação entre ética e religiosidade na Idade
Média, a ética cristã; as concepções de ética para Rousseau e Kant no século
XVIII; para Hegel e Nietztche no século XIX e para Freud no século XX.
Objetivo da Unidade Compreender as principais concepções filosóficas sobre a ética.
Ética e filosofia na Grécia Antiga
Nossas noções de ética e moral não nasceram do nada, nem nascemos com elas.
Não são universais e nem são as mesmas o tempo todo, ao longo da história da
humanidade. Somos seres determinados culturalmente e historicamente e, portanto,
valores, sentimentos, tomadas de decisões e ações, variam de tempo histórico para
tempo histórico e de sistemas culturais para sistemas culturais.
Porém, como nosso objetivo neste estudo é compreender sobre ética e cidadania,
na sociedade na qual vivemos e especialmente suas relações com o trabalho, nos
deteremos a estudar estes dois temas inseridos nos valores da cultura ocidental, cuja
matriz é greco-romana. Por isto, não há como falarmos de ética sem nos referirmos à
Grécia e especialmente, a dois grandes pensadores da antiguidade clássica: Sócrates
(http://www.professordehistoria.com/socrates.htm) (470 a.C – 399 a.C) e Aristóteles
(http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u190.jhtm) (384 a.C – 322 a.C).
No grego, ética vem de ethos,
(http://s3.amazonaws.com/ppt-download/etica2567.ppt) que quer dizer costumes, os
quais eram questionados por Sócrates (pagou com a vida por isto), que era
desconcertante nas suas indagações sobre os valores nos quais acreditavam os
atenienses. Indagava sobre o que é a justiça, a coragem, a piedade e os atenienses
respondiam que eram virtudes; indagava o que é virtude e os atenienses respondiam que
era o agir em conformidade com o bem. As indagações de Sócrates, observa Chauí
Terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância. Como cada um havia interpretado à sua maneira o que aprendera, era comum, no diálogo com o filósofo, uma pergunta receber respostas diferentes e contraditórias (CHAUÍ, 1995: 339).
A morte de Sócrates. Jacques Louis David (1787). Fonte: ARGAN, 1992.
Os atenienses se sentiam confusos porque associavam valores morais com fatos,
com o feito heróico de alguém. Isto fez Sócrates perceber que os valores nos quais os
atenienses acreditavam não eram essencialmente conhecidos, ou seja, não eram
conhecidos na sua origem, como algo inerente aos seus costumes. Isto quer dizer que se
queremos compreender o que é ética e o que é moral, devemos compreender melhor a
cultura na qual estamos inseridos.
Não nascemos acreditando nos valores que acreditamos, nem com nossas
crenças religiosas. Adquirimos, com o passar do tempo, valores, crenças, hábitos,
costumes, reações afetivas, noções de certo e de errado, de feio e de bonito, etc. A isto
chamamos de cultura, que é expressão da essência humana e não um mero enfeite como
acreditam alguns. A cultura envolve nossa forma de organização política, econômica,
social, religiosa, de expressão artística e simbólica. Organizamo-nos orientados por
determinados valores, para darmos sentido à vida, em busca do que acreditamos ser a
felicidade.
O que a humanidade mais teme é o caos. O caos pode ser a guerra, a fome, a
desagregação familiar, a doença, o holocausto. Para que ele seja evitado criamos normas
e leis, orientadas por valores éticos e morais. Sendo assim, esses valores não são
individuais, são valores coletivos, repletos de significados coletivos que estão
impregnados na nossa cultura que, por sua vez, também é coletiva (GEERTZ, 1978).
Visto que se queremos compreender melhor o que é ética, devemos compreender
a cultura da qual fazemos parte, voltemos a Sócrates, cujas questões lançadas aos
atenienses, inauguram a ética ou filosofia moral na cultura ocidental, segundo Marilena
Chauí,
porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral. É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais (CHAUÍ, 1995: 341).
O que isto quer dizer é que a ética ou filosofia moral é algo externo a nós
mesmos. A partir do momento em que nascemos, passamos a adquirir valores, de
acordo com nossos costumes, inclusive os valores éticos. Estes são parte fundamental da
nossa existência. Portanto somos agentes morais e ao estudarmos sobre ética devemos
vê-la como algo muito mais próximo de nós do que imaginamos. Torna-nos mais
responsáveis o fato de nos enxergarmos como sujeitos da própria ética.
Por outro lado não adianta muito, termos consciência ética e sabermos que
somos sujeitos da ética e da moral, se não temos atitude ou se não mudamos nossa ação.
De nada vale termos consciência ecológica, por exemplo, se jogamos lixo para fora dos
carros e dos ônibus, se continuamos desperdiçando alimentos ou misturando lixo
orgânico com lixo reciclável. Muitas vezes sabemos que fazemos algo que contraria
nossa consciência, mas não mudamos nossa conduta.
O exemplo acima nos serve para chamar nossa atenção para o fato de que a ética
refere-se à práxis, a ética é um saber prático. Mais uma vez, Marilena Chauí nos
conduz à Grécia Antiga e nos mostra que se encontramos em Sócrates, o início da
filosofia moral, em Aristóteles encontramos a distinção entre saber teórico e saber
prático. Para ele, o saber teórico é o conhecimento que temos daquilo que existe, sem a
nossa intervenção, como o conhecimento que temos da natureza, por exemplo; já “o
saber prático é o conhecimento daquilo que existe como conseqüência da nossa ação”
(CHAUÍ, 1995: 341). A ética é um exemplo disto, no nosso agir verdadeiro em busca de
uma finalidade nobre, “virtuosa”. Assim Aristóteles distinguia ética e técnica, como
práticas diferentes. A ética como vimos, refere-se à ação. A técnica refere-se à
finalidade da ação.
Para clarear as coisas, peguemos como exemplo um funcionário de uma
empresa, competentíssimo, a ponto de extrair elogios diários de seus superiores, cujos
interesses estavam voltados para os índices positivos apresentados nos resultados. Ele
tem a técnica, o saber teórico de acordo com a filosofia da empresa na qual trabalha. Ele
tem as suas finalidades pessoais, os objetivos a serem alcançados. Porém, o seu agir é
pouco ético em relação aos seus colegas de trabalho, deturpa o sentido do trabalho em
equipe, age de modo egoísta, exalta suas virtudes (o saber técnico, sua competência e
esperteza) e subestima seus vícios (os meios antiéticos para atingir seus fins).
De acordo com o pensamento dos filósofos gregos, Marilena Chauí afirma que a
ética é determinante de três princípios da vida moral: a busca pela felicidade depende
de nossas virtudes; as nossas virtudes se expressam na nossa conduta; a conduta
ética é aquela na qual o sujeito tem consciência dos seus limites (CHAUÍ, 1995).
Nesta perspectiva a consciência dos nossos limites se situa entre o que desejamos e o
que nos é possível.
Ética e religiosidade cristã
Se para os gregos, a ética estava associada à relação do indivíduo com sua
sociedade, para o cristianismo, a ética está associada à relação do indivíduo com Deus.
Nesta “nova” concepção, duas diferenças se apresentam em relação à concepção de
ética na antiguidade. Como esclarece Chauí: a primeira traz a idéia de que as virtudes
passam antes por nossa relação com Deus e não com os outros. A relação que
estabelecemos com os outros vai depender da qualidade da nossa da relação com Deus e
da caridade (a qualidade da relação com os outros); a segunda traz a idéia de que somos
dotados de “vontade livre” e, por meio do livre-arbítrio, tendemos a agir para o mal, por
sermos fracos e pecadores. Daí a importância do intermédio divino, sem o qual, a vida
ética seria impossível (CHAUI, 1995). Em Santo Tomás de Aquino
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino) (1225-1274),
encontramos a Lei Divina dos Dez Mandamentos, a Lei Eterna, o plano racional de
Deus e a Lei Positiva, que é a lei do homem, subordinada à Lei Natural, de Deus.
(CAMPOS, http://64.233.169.104/search?q=cache:EMLkbvxdLvYJ:br.geocities.com).
upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/...
Com a ética cristã se introduz também a noção de dever, expresso no
reconhecimento da lei e da vontade de Deus. Esta noção de dever passa a definir as
condutas éticas e morais, em acordo ou em desacordo com as normas e as regras sociais.
Com a noção de dever, advém também a idéia de intenção. Para o cristianismo, não
bastam as atitudes visíveis, pois o dever está associado também às intenções invisíveis.
A relação do cristão com Deus é uma relação de interioridade, cuja qualidade ética é
avaliada por Deus, mesmo sendo invisível. Por isto um cristão deve confessar seus
pecados visíveis (atos, palavras) e invisíveis (as intenções) (CHAUI, 1995).
Estágio embrionário no qual surgem as células tronco.
(http://images.google.com.br/imgres?imgurl=)
A ética para Rousseau e Kant
Vimos que a ética cristã está baseada na qualidade da nossa relação com Deus,
interiorizada em cada indivíduo, a partir da noção de dever. Nisto, porém, reside um
problema: se a ética é expressão do sujeito moral, com sua consciência moral, como
falarmos em ética por dever, baseada em uma vontade externa aos homens?
Na tentativa de contornar este problema, Jean Jacques Rousseau
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau) (1712-1778), no século
XVIII, recorre à idéia de que a consciência moral e o sentimento de dever são inatos.
Vejamos o que Marilena Chauí tem a nos dizer sobre isto, em relação ao pensamento do
filósofo francês:
...a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são ‘a voz da Natureza’ e o ‘dedo de Deus’ em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos (CHAUI, 1995: 344).
Rousseau Fonte: ebooks.adelaide.edu.au/r/rousseau/jean_jacques/
Certamente vocês já ouviram de algum professor, no segundo grau, a célebre
frase de Jean-Jacques Rousseau, de que o homem nasce bom, mas é a sociedade que o
corrompe. Pois bem, esta é a “moral do coração”, do filósofo francês. O homem é um
ser ético, que obedecendo a Deus, obedece a si próprio. Baseado nos seus sentimentos
de obediência e não na razão é que advém sua noção de dever.
Ao contrário de Rousseau, para Immanuel Kant
(http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u350.jhtm) (1724-1804) não existe
bondade natural e a ética não é expressão do sentimento, mas da razão. Para ele o
homem carrega naturalmente consigo o egoísmo, a ambição, o espírito de destruição, a
agressividade e a crueldade, sendo tudo isto, a parte da Natureza que está em nós e
quem se submete a ela é desprovido de autonomia ética. Por isto Kant acredita que
precisamos do dever para nos moralizar-mos. Esta é uma condição para a nossa própria
liberdade. Nossos apetites e impulsos (ou seja, a nossa própria natureza humana), ao
serem controlados pelo dever, revelam nossa verdadeira natureza (CHAUI, 1995).
Marilena Chauí pontua as três máximas morais de Kant:
A primeira máxima afirma a universalidade da conduta ética, válida para todos em todo tempo e lugar. A ação por dever é uma lei moral para o agente.
A segunda máxima afirma a dignidade dos seres humanos como pessoas e, portanto, a exigência de que sejam tratados como fim da ação e jamais como meio ou como instrumento para nossos interesses.
A terceira máxima afirma que a vontade que age por dever institui um reino humano de seres morais porque racionais e, portanto, dotados de uma vontade legisladora livre ou autônoma (CHAUI, 1995: 346).
Fonte: www.uri.edu/personal/szunjic/philos/preamble.htm
A ética para Hegel
Enquanto que para Rousseau e Kant a noção de ética está baseada na idéia de uma
natureza humana (a bondade ou a maldade naturais em nós), para Hegel a cultura e a
história são os determinantes da vida ética. Mais que as vontades individuais subjetivas,
próprias da nossa natureza, para Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Wilhelm_Friedrich_Hegel) (1770-1831) há
uma vontade objetiva determinada pela cultura e as instituições nela presentes, como a
família, a religião, a política, o trabalho. São estas instituições que dão o tom da
moralidade, da idéia de dever, através de valores e costumes seguidos.
Hegel
Fonte: http://lfn.esef.net/index.php/Georg_Wilhelm_Friedrich_Hegel
A vida ética – afirma Chauí – é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa Cultura, de tal maneira que praticamos espontânea e livremente seus costumes e valores, sem nele pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, porque são como nossa própria vontade os deseja. O que é então o dever? O acordo pleno entre nossa vontade subjetiva individual e a totalidade ética ou moralidade (CHAUI, 1995: 347).
Aprendemos com Hegel, portanto, que ser ético é estar em conformidade com os
valores morais da sociedade do nosso tempo. Peguemos como exemplo a condição da
mulher na história. Na década de 1910, o que seria uma mulher ética em conformidade
com os valores éticos da sua época? Seria a mulher conformada com os papéis
atribuídos a ela, ou seja, de “dona-de-casa”, “rainha do lar”, “mãe” e “esposa”. Caso a
mulher “fugisse” a este padrão estabelecido, sobre ela recairia o peso social da
imoralidade. Basta citar o caso de Chiquinha Gonzaga
(http://almanaque.folha.uol.com.br/chiquinha.htm) (1847-1935), que escolheu
seguir a carreira musical ao invés de se submeter aos valores da família de sua época. O
preço da sua liberdade foi se ver apartada dos filhos, devido aos rígidos padrões de
comportamento social.
Chiquinha Gonzaga
http://almanaque.folha.uol.com.br/chiquinha.htm
Mas e a mulher de hoje? É imoral ser dançarina, ser cantora ou ser atriz de
cinema? Trabalhar fora e ir à festa de confraternização da empresa em que trabalha,
desacompanhada do marido? Certamente que não. O tempo histórico é outro, os valores
morais se alteraram e os rígidos padrões de comportamento social se tornaram mais
flexíveis. Este é um exemplo do determinante cultural sobre o campo da ética. A cultura
não é estática, é dinâmica e assim também devemos entender a dimensão ética.
Outro exemplo bastante esclarecedor para entendermos a ética e a moral como
produto histórico e cultural é a relação do homem com o trabalho. Podemos dizer com
tranqüilidade que um homem que não se identifica com o trabalho, é um homem sem
virtude, por não gostar de trabalhar e ser preguiçoso. Porém, na antiguidade e na Idade
Média, o trabalho era uma das menos nobres atividades do homem. Seria uma ofensa
para um nobre medieval, enaltecermos sua bravura na guerra, referindo-nos às virtudes
do trabalho. Do mesmo modo, estaríamos ofendendo um papa medieval, elogiando-o
pelo seu santo trabalho em prol da humanidade. Para se ter uma idéia, o ócio era digno,
uma condição para o exercício da política na antiguidade. Hoje, é o trabalho que
dignifica e enobrece o homem. Tem um poder moralizador, ao passo que, especialmente
a partir do início da época moderna, na transição do feudalismo para o capitalismo, “o
ócio é a oficina do diabo”, como dizia Lutero.
Vimos até aqui, basicamente, que somos naturalmente levados pelos impulsos
das paixões, cabendo à razão regular e determinar limites que controlem nossos desejos.
Fazendo uso de nossa inteligência e/ou da nossa vontade para isto. A esta tarefa da
inteligência humana em função de uma vida ética, denomina-se racionalismo ético.
Chauí explica que
O racionalismo ético define a tarefa da educação moral e da conduta ética como poderio da razão para impedir-nos de perder a liberdade sob os efeitos de paixões desmedidas e incontroláveis. Para tanto, a ética racionalista distingue necessidade, desejo e vontade (CHAUI, 1995: 351).
O irracionalismo ético
Ao longo de toda uma tradição filosófica que percorremos até agora, a ética está
associada à vontade humana, vontade esta, determinada pela razão. Esta, se sobrepondo
aos nossos desejos, nos chama para a responsabilidade da convivência em uma
sociedade do modo mais harmonioso possível.
Porém, em contraposição ao racionalismo ético, se desenvolveu uma outra
concepção ética, denominada de irracionalista, que tem em Friedrich Nietzche
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Nietzsche) (1844-1900), um dos seus
principais expoentes. Em linhas básicas, o irracionalismo ético entendia que a moral
racionalista serviu para subtrair do homem a sua liberdade, de modo que o que
chamamos de virtudes e valores morais só tem servido para oprimir nossa natureza
humana. A concepção irracionalista entende que a verdadeira vida está na expressão
incondicional das nossas paixões e dos nossos desejos, mesmo que estas transgridam
normas e regras. Assim, as idéias de pecado e culpa aprisionam os homens, ao invés de
libertá-los. Para os irracionalistas, a ética racionalista é baseada em uma moral
hipócrita.
Não podemos negar que vemos muita gente antiética fazendo uso de discursos
éticos e moralistas, para defender sua posição, para se defender de acusações de práticas
corruptas. Vemos também governos e Estados, em nome da liberdade, oprimirem povos
submetidos à violência brutal da agressão aos direitos humanos, vemos também, em
nome de uma moral, pais espancarem filhos, maridos espancarem mulheres, “machões”
agredirem homossexuais. Porém é inegável que sejam necessárias normas e regras
determinadas por valores que regulam a vida social e servem para que um povo se
autoposicione no mundo, para garantir uma convivência mínima, em função da própria
sobrevivência coletiva do grupo, comunidade ou nação. Não podemos negar também
que quando falamos de ética, devemos ter em mente que ela se propõe estabelecer
limites sobre a violência humana. Seja a violência de um homem contra outro homem,
na forma de homicídios, agressões aos direitos humanos, aviltamento do trabalho alheio,
como a escravidão; seja a violência do homem contra si próprio, na forma da omissão,
da covardia, do medo, etc.
Fonte: http://www.filosofix.br9.biz/blogramiro/imagens/nietzche.jpg
A ética e o inconsciente
Sigmund Freud (http://pt.wikipedia.org/wiki/Sigmund_Freud) (1856-1939),
o criador da psicanálise, nos mostrou que o inconsciente tem um poder extraordinário
sobre nossa consciência. Defendeu que a
Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da cosnciência, no restante da vida psíquica...(FREUD apud CHAUI, 1995:166).
A vida psíquica à qual se refere Freud, é composta pelo id, o super-ego e o ego
(o eu). Id e super-ego são inconscientes e o ego, consciente. O que forma o id são
nossos desejos, nossos impulsos, é o princípio do prazer, é a libido. Representa nossas
necessidades de sentimento de prazer, de satisfação. O super-ego é, por outro lado, a
censura e a repressão sobre o id. Esta censura é determinada socialmente e
culturalmente. Enquanto o id se desenvolve entre os primeiros meses de vida e os cinco
ou seis anos de idade, o super-ego se desenvolve entre os seis ou sete anos de idade e o
início da puberdade, período no qual se forma nossa personalidade moral e social. Já o
ego é a nossa consciência, que, no enfretamento com a realidade tem que satisfazer o id
sem ao mesmo tempo contrariar o super-ego (CHAUI, 1995).
Para Freud, o ego é ‘um pobre coitado’, espremido entre três escravidões: os desejos insaciáveis do id, a severidade repressiva do super-ego e os perigos do mundo exterior..Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos) (CHAUI,1995: 168).
Deste ponto de vista, a busca pelo autoconhecimento é um desafio para qualquer
indivíduo. Daí a importância do estudo sobre a ética, que traz uma contribuição
relevante na busca pelo equilíbrio da consciência, neste jogo de forças entre o id e o
super-ego. Se o primeiro, que desconhece limites, exerce forte domínio, o que se vê é
uma total ausência de valores morais, uma busca insaciável da satisfação dos desejos,
sem fronteiras, transpondo não só os limites do ego, como também os limites do alter,
ou seja, do outro; se o segundo, por outro lado, que só conhece limites e barreiras exerce
forte domínio, anula o sujeito e representa uma violência contra o próprio indivíduo,
que passa a sofrer o peso de uma moralidade rígida. Esta pode resultar em dois tipos de
reações: a da negação violenta dos indivíduos aos rígidos padrões, ou a aceitação
passiva dos indivíduos, que se anulam como sujeitos.
Sigmund Freud
Fonte: sexoenlaciudad-lx.blogspot.com/2006/05/o-broc...
Para Chauí
Em outras palavras, em lugar da ética há violência; por um lado, violência da sociedade, que exige dos sujeitos padrões de conduta impossíveis de serem realizados e, por outro lado, violência dos sujeitos contra a sociedade, pois somente transgredindo e desprezando os valores estabelecidos poderão sobreviver (CHAUI, 1995:356).
Não é difícil perceber, que estudar sobre ética é estudarmos sobre nós mesmos,
sobre a condição humana e nossa existência. Ajuda na busca do nosso auto
conhecimento, porque revela até que ponto tratamos com equilíbrio as nossas
necessidades de realização de desejos e a nossa própria censura sobre eles.
Glossário
Ethos – O ethos de um povo é a sua ética, que define o caráter e a qualidade de sua
vida, seu estilo moral; é a atitude subjacente a ele mesmo e ao mundo que a vida reflete.
Referências Bibliográficas
Livros
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 2ª ed., São Paulo: Atica, 1995.
GEERTZ, Clifford. A interpretação da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
SILVA e SUNG. Conversando sobre ética e sociedade. 8ª ed., Petrópolis, 2000.
SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Internet
CAMPOS, Sávio Laet de Barros. Da lei segundo Santo Tomás de Aquino. Disponível em http://64.233.169.104/search?q=cache:EMLkbvxdLvYJ:br.geocities.com