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Etica Valores Humanos e Transdisciplinaridades Ementa: Ética e moral. A questão da alteridade como princípio da relação social. Os valores humanos fundamentais à construção de uma cultura de paz. A ética profissional. Responsabilidade social e ambiental. Transdisciplinaridade e convergência de conhecimentos. Objetivo Geral: Compreender a Ética e a Cidadania como princípios indissociáveis da vida em sociedade, tanto pública quanto privada. Objetivos Específicos: Identificar e analisar as concepções filosóficas mais importantes sobre a ética; Compreender as particularidades inerentes à Ética e à Moral; Compreender a Ética à luz da constituição de uma sociedade cidadã; Compreender a cidadania à luz dos direitos e dos deveres do cidadão;

Etica e Cidadania – On-line€¦  · Web viewA partir do momento em que nascemos, passamos a adquirir valores, de acordo com nossos costumes, inclusive os valores éticos. Estes

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Page 1: Etica e Cidadania – On-line€¦  · Web viewA partir do momento em que nascemos, passamos a adquirir valores, de acordo com nossos costumes, inclusive os valores éticos. Estes

Etica Valores Humanos e Transdisciplinaridades

Ementa:

Ética e moral. A questão da alteridade como princípio da relação

social. Os valores humanos fundamentais à construção de uma

cultura de paz. A ética profissional. Responsabilidade social e

ambiental. Transdisciplinaridade e convergência de

conhecimentos.

Objetivo Geral:

Compreender a Ética e a Cidadania como princípios

indissociáveis da vida em sociedade, tanto pública quanto

privada.

Objetivos Específicos:

Identificar e analisar as concepções filosóficas mais importantes

sobre a ética;

Compreender as particularidades inerentes à Ética e à Moral;

Compreender a Ética à luz da constituição de uma sociedade

cidadã;

Compreender a cidadania à luz dos direitos e dos deveres do

cidadão;

Contribuir para promover uma cultura ética e cidadã no

trabalho;

Compreender a Ética e a Cidadania como princípios

indissociáveis das políticas de Responsabilidade Social nas

organizações.

Só dispomos de quatro princípios da moral:

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1) O filosófico: faça o bem pelo próprio bem, por respeito à lei.

2) O religioso: faça-o porque é vontade de Deus, por amor a Deus.

3) O humano: faça-o porque seu bem-estar o requer, por amor próprio.

4) O político: faça-o porque o requer a sociedade da qual você faz parte, por amor à sociedade e por consideração a você (LICHTENBERG apud SAVATER, 2004: 46)

Introdução

Bem vindos à disciplina Ética, Valores Humanos e Transdisciplinaridades. A

realidade na atual conjuntura em que vivemos, nos mostra que precisamos dela mais do

que imaginamos, especialmente em um país no qual, vemos a ética e a cidadania serem

atropeladas quase todos os dias, principalmente por muitos daqueles que mais deveriam

preservá-las e exercê-las. Além do mais, no contexto do mundo contemporâneo,

vivemos uma crise de valores, que desperta nas pessoas, sentimentos de indignação e

revolta. Torna-se mais difícil as pessoas terem a certeza do que é certo ou errado,

especialmente em um país como o Brasil, no qual os casos de corrupção brotam como

capim, a cultura da esperteza toma o lugar da cidadania e o “levar vantagem em tudo”

toma o lugar da ética. Vemos ocorrer uma espécie de inversão de valores, onde o certo é

ser esperto e ser honesto é ser otário. A impunidade deixa-nos mais indignados ainda

quando vemos mandantes de assassinatos impunes, corruptos impunes, crimes de

trânsito impunes, agressores de empregadas domésticas, assassinos de índios e

mendigos impunes ou com penas tão leves, que não vemos a justiça ser feita.

Por outro lado admiramos pessoas que desenvolvem programas solidários, de

forma voluntária. Em seus depoimentos dizem que seus atos são mais gratificantes para

si próprias do que para os outros e que elas mais recebem do que doam. Admiramos

também pessoas que acham um pacote de dinheiro na rua, em uma rodoviária, em um

aeroporto ou em um supermercado e devolvem o achado intacto, sem faltar um centavo.

Ficamos divididos quando nos deparamos com temas polêmicos como a pena de

morte, o aborto e a eutanásia e nos sentimos culpados quando nos omitimos diante de

uma questão nacional ou de um problema particular. Por que nos sentimos indignados?

Por que nos sentimos revoltados? Por que achamos que algo é justo ou injusto? Por que

nos sentimos culpados quando omitimos? Para Mo Sung e Silva, diante da injustiça e de

situações que ferem a dignidade humana, passamos por uma “experiência existencial”

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de revolta. Vivenciamos uma “indignação ética”, frente a absurdos revestidos de

normalidade. Para eles, sem esta indignação, seria difícil vislumbrarmos e construirmos

um futuro melhor que o presente (MO SUNG e SILVA, 2000: 17).

Tais indagações não só revelam nosso senso moral, nossa noção de moralidade,

como também põe “à prova nossa consciência moral”, como observa Marilena Chauí.

Ambos, senso e consciência moral, dizem respeito a valores (honra, justiça),

sentimentos (admiração, revolta), decisões e ações (CHAUI, 1995:335). As indagações

citadas anteriormente revelam também a dimensão ética presente em nossa existência,

levando-nos a questionar direitos e deveres de cada um e de todos. Tal questionamento

nos faz dar conta de que somos cidadãos.

Assim, é sobre Ética e Cidadania que veremos ao longo deste curso. No qual,

abordaremos na Unidade I, Ética na História, na Unidade II, Ética e Moral, na

Unidade III, Ética e Cidadania e na Unidade IV, Ética no trabalho.

Uniade I – A Ética na História

Síntese da Unidade Nesta unidade veremos as concepções de ética entre filósofos como Sócrates e

Aristóteles na Grécia Antiga; a relação entre ética e religiosidade na Idade

Média, a ética cristã; as concepções de ética para Rousseau e Kant no século

XVIII; para Hegel e Nietztche no século XIX e para Freud no século XX.

Objetivo da Unidade Compreender as principais concepções filosóficas sobre a ética.

Ética e filosofia na Grécia Antiga

Nossas noções de ética e moral não nasceram do nada, nem nascemos com elas.

Não são universais e nem são as mesmas o tempo todo, ao longo da história da

humanidade. Somos seres determinados culturalmente e historicamente e, portanto,

valores, sentimentos, tomadas de decisões e ações, variam de tempo histórico para

tempo histórico e de sistemas culturais para sistemas culturais.

Porém, como nosso objetivo neste estudo é compreender sobre ética e cidadania,

na sociedade na qual vivemos e especialmente suas relações com o trabalho, nos

deteremos a estudar estes dois temas inseridos nos valores da cultura ocidental, cuja

matriz é greco-romana. Por isto, não há como falarmos de ética sem nos referirmos à

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Grécia e especialmente, a dois grandes pensadores da antiguidade clássica: Sócrates

(http://www.professordehistoria.com/socrates.htm) (470 a.C – 399 a.C) e Aristóteles

(http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u190.jhtm) (384 a.C – 322 a.C).

No grego, ética vem de ethos,

(http://s3.amazonaws.com/ppt-download/etica2567.ppt) que quer dizer costumes, os

quais eram questionados por Sócrates (pagou com a vida por isto), que era

desconcertante nas suas indagações sobre os valores nos quais acreditavam os

atenienses. Indagava sobre o que é a justiça, a coragem, a piedade e os atenienses

respondiam que eram virtudes; indagava o que é virtude e os atenienses respondiam que

era o agir em conformidade com o bem. As indagações de Sócrates, observa Chauí

Terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância. Como cada um havia interpretado à sua maneira o que aprendera, era comum, no diálogo com o filósofo, uma pergunta receber respostas diferentes e contraditórias (CHAUÍ, 1995: 339).

A morte de Sócrates. Jacques Louis David (1787). Fonte: ARGAN, 1992.

Os atenienses se sentiam confusos porque associavam valores morais com fatos,

com o feito heróico de alguém. Isto fez Sócrates perceber que os valores nos quais os

atenienses acreditavam não eram essencialmente conhecidos, ou seja, não eram

conhecidos na sua origem, como algo inerente aos seus costumes. Isto quer dizer que se

queremos compreender o que é ética e o que é moral, devemos compreender melhor a

cultura na qual estamos inseridos.

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Não nascemos acreditando nos valores que acreditamos, nem com nossas

crenças religiosas. Adquirimos, com o passar do tempo, valores, crenças, hábitos,

costumes, reações afetivas, noções de certo e de errado, de feio e de bonito, etc. A isto

chamamos de cultura, que é expressão da essência humana e não um mero enfeite como

acreditam alguns. A cultura envolve nossa forma de organização política, econômica,

social, religiosa, de expressão artística e simbólica. Organizamo-nos orientados por

determinados valores, para darmos sentido à vida, em busca do que acreditamos ser a

felicidade.

O que a humanidade mais teme é o caos. O caos pode ser a guerra, a fome, a

desagregação familiar, a doença, o holocausto. Para que ele seja evitado criamos normas

e leis, orientadas por valores éticos e morais. Sendo assim, esses valores não são

individuais, são valores coletivos, repletos de significados coletivos que estão

impregnados na nossa cultura que, por sua vez, também é coletiva (GEERTZ, 1978).

Visto que se queremos compreender melhor o que é ética, devemos compreender

a cultura da qual fazemos parte, voltemos a Sócrates, cujas questões lançadas aos

atenienses, inauguram a ética ou filosofia moral na cultura ocidental, segundo Marilena

Chauí,

porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral. É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais (CHAUÍ, 1995: 341).

O que isto quer dizer é que a ética ou filosofia moral é algo externo a nós

mesmos. A partir do momento em que nascemos, passamos a adquirir valores, de

acordo com nossos costumes, inclusive os valores éticos. Estes são parte fundamental da

nossa existência. Portanto somos agentes morais e ao estudarmos sobre ética devemos

vê-la como algo muito mais próximo de nós do que imaginamos. Torna-nos mais

responsáveis o fato de nos enxergarmos como sujeitos da própria ética.

Por outro lado não adianta muito, termos consciência ética e sabermos que

somos sujeitos da ética e da moral, se não temos atitude ou se não mudamos nossa ação.

De nada vale termos consciência ecológica, por exemplo, se jogamos lixo para fora dos

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carros e dos ônibus, se continuamos desperdiçando alimentos ou misturando lixo

orgânico com lixo reciclável. Muitas vezes sabemos que fazemos algo que contraria

nossa consciência, mas não mudamos nossa conduta.

O exemplo acima nos serve para chamar nossa atenção para o fato de que a ética

refere-se à práxis, a ética é um saber prático. Mais uma vez, Marilena Chauí nos

conduz à Grécia Antiga e nos mostra que se encontramos em Sócrates, o início da

filosofia moral, em Aristóteles encontramos a distinção entre saber teórico e saber

prático. Para ele, o saber teórico é o conhecimento que temos daquilo que existe, sem a

nossa intervenção, como o conhecimento que temos da natureza, por exemplo; já “o

saber prático é o conhecimento daquilo que existe como conseqüência da nossa ação”

(CHAUÍ, 1995: 341). A ética é um exemplo disto, no nosso agir verdadeiro em busca de

uma finalidade nobre, “virtuosa”. Assim Aristóteles distinguia ética e técnica, como

práticas diferentes. A ética como vimos, refere-se à ação. A técnica refere-se à

finalidade da ação.

Para clarear as coisas, peguemos como exemplo um funcionário de uma

empresa, competentíssimo, a ponto de extrair elogios diários de seus superiores, cujos

interesses estavam voltados para os índices positivos apresentados nos resultados. Ele

tem a técnica, o saber teórico de acordo com a filosofia da empresa na qual trabalha. Ele

tem as suas finalidades pessoais, os objetivos a serem alcançados. Porém, o seu agir é

pouco ético em relação aos seus colegas de trabalho, deturpa o sentido do trabalho em

equipe, age de modo egoísta, exalta suas virtudes (o saber técnico, sua competência e

esperteza) e subestima seus vícios (os meios antiéticos para atingir seus fins).

De acordo com o pensamento dos filósofos gregos, Marilena Chauí afirma que a

ética é determinante de três princípios da vida moral: a busca pela felicidade depende

de nossas virtudes; as nossas virtudes se expressam na nossa conduta; a conduta

ética é aquela na qual o sujeito tem consciência dos seus limites (CHAUÍ, 1995).

Nesta perspectiva a consciência dos nossos limites se situa entre o que desejamos e o

que nos é possível.

Ética e religiosidade cristã

Se para os gregos, a ética estava associada à relação do indivíduo com sua

sociedade, para o cristianismo, a ética está associada à relação do indivíduo com Deus.

Nesta “nova” concepção, duas diferenças se apresentam em relação à concepção de

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ética na antiguidade. Como esclarece Chauí: a primeira traz a idéia de que as virtudes

passam antes por nossa relação com Deus e não com os outros. A relação que

estabelecemos com os outros vai depender da qualidade da nossa da relação com Deus e

da caridade (a qualidade da relação com os outros); a segunda traz a idéia de que somos

dotados de “vontade livre” e, por meio do livre-arbítrio, tendemos a agir para o mal, por

sermos fracos e pecadores. Daí a importância do intermédio divino, sem o qual, a vida

ética seria impossível (CHAUI, 1995). Em Santo Tomás de Aquino

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino) (1225-1274),

encontramos a Lei Divina dos Dez Mandamentos, a Lei Eterna, o plano racional de

Deus e a Lei Positiva, que é a lei do homem, subordinada à Lei Natural, de Deus.

(CAMPOS, http://64.233.169.104/search?q=cache:EMLkbvxdLvYJ:br.geocities.com).

upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/...

Com a ética cristã se introduz também a noção de dever, expresso no

reconhecimento da lei e da vontade de Deus. Esta noção de dever passa a definir as

condutas éticas e morais, em acordo ou em desacordo com as normas e as regras sociais.

Com a noção de dever, advém também a idéia de intenção. Para o cristianismo, não

bastam as atitudes visíveis, pois o dever está associado também às intenções invisíveis.

A relação do cristão com Deus é uma relação de interioridade, cuja qualidade ética é

avaliada por Deus, mesmo sendo invisível. Por isto um cristão deve confessar seus

pecados visíveis (atos, palavras) e invisíveis (as intenções) (CHAUI, 1995).

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Estágio embrionário no qual surgem as células tronco.

(http://images.google.com.br/imgres?imgurl=)

A ética para Rousseau e Kant

Vimos que a ética cristã está baseada na qualidade da nossa relação com Deus,

interiorizada em cada indivíduo, a partir da noção de dever. Nisto, porém, reside um

problema: se a ética é expressão do sujeito moral, com sua consciência moral, como

falarmos em ética por dever, baseada em uma vontade externa aos homens?

Na tentativa de contornar este problema, Jean Jacques Rousseau

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau) (1712-1778), no século

XVIII, recorre à idéia de que a consciência moral e o sentimento de dever são inatos.

Vejamos o que Marilena Chauí tem a nos dizer sobre isto, em relação ao pensamento do

filósofo francês:

...a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são ‘a voz da Natureza’ e o ‘dedo de Deus’ em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos (CHAUI, 1995: 344).

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Rousseau Fonte: ebooks.adelaide.edu.au/r/rousseau/jean_jacques/

Certamente vocês já ouviram de algum professor, no segundo grau, a célebre

frase de Jean-Jacques Rousseau, de que o homem nasce bom, mas é a sociedade que o

corrompe. Pois bem, esta é a “moral do coração”, do filósofo francês. O homem é um

ser ético, que obedecendo a Deus, obedece a si próprio. Baseado nos seus sentimentos

de obediência e não na razão é que advém sua noção de dever.

Ao contrário de Rousseau, para Immanuel Kant

(http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u350.jhtm) (1724-1804) não existe

bondade natural e a ética não é expressão do sentimento, mas da razão. Para ele o

homem carrega naturalmente consigo o egoísmo, a ambição, o espírito de destruição, a

agressividade e a crueldade, sendo tudo isto, a parte da Natureza que está em nós e

quem se submete a ela é desprovido de autonomia ética. Por isto Kant acredita que

precisamos do dever para nos moralizar-mos. Esta é uma condição para a nossa própria

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liberdade. Nossos apetites e impulsos (ou seja, a nossa própria natureza humana), ao

serem controlados pelo dever, revelam nossa verdadeira natureza (CHAUI, 1995).

Marilena Chauí pontua as três máximas morais de Kant:

A primeira máxima afirma a universalidade da conduta ética, válida para todos em todo tempo e lugar. A ação por dever é uma lei moral para o agente.

A segunda máxima afirma a dignidade dos seres humanos como pessoas e, portanto, a exigência de que sejam tratados como fim da ação e jamais como meio ou como instrumento para nossos interesses.

A terceira máxima afirma que a vontade que age por dever institui um reino humano de seres morais porque racionais e, portanto, dotados de uma vontade legisladora livre ou autônoma (CHAUI, 1995: 346).

Fonte: www.uri.edu/personal/szunjic/philos/preamble.htm

A ética para Hegel

Enquanto que para Rousseau e Kant a noção de ética está baseada na idéia de uma

natureza humana (a bondade ou a maldade naturais em nós), para Hegel a cultura e a

história são os determinantes da vida ética. Mais que as vontades individuais subjetivas,

próprias da nossa natureza, para Georg Wilhelm Friedrich Hegel

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Wilhelm_Friedrich_Hegel) (1770-1831) há

uma vontade objetiva determinada pela cultura e as instituições nela presentes, como a

família, a religião, a política, o trabalho. São estas instituições que dão o tom da

moralidade, da idéia de dever, através de valores e costumes seguidos.

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Hegel

Fonte: http://lfn.esef.net/index.php/Georg_Wilhelm_Friedrich_Hegel

A vida ética – afirma Chauí – é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa Cultura, de tal maneira que praticamos espontânea e livremente seus costumes e valores, sem nele pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, porque são como nossa própria vontade os deseja. O que é então o dever? O acordo pleno entre nossa vontade subjetiva individual e a totalidade ética ou moralidade (CHAUI, 1995: 347).

Aprendemos com Hegel, portanto, que ser ético é estar em conformidade com os

valores morais da sociedade do nosso tempo. Peguemos como exemplo a condição da

mulher na história. Na década de 1910, o que seria uma mulher ética em conformidade

com os valores éticos da sua época? Seria a mulher conformada com os papéis

atribuídos a ela, ou seja, de “dona-de-casa”, “rainha do lar”, “mãe” e “esposa”. Caso a

mulher “fugisse” a este padrão estabelecido, sobre ela recairia o peso social da

imoralidade. Basta citar o caso de Chiquinha Gonzaga

(http://almanaque.folha.uol.com.br/chiquinha.htm) (1847-1935), que escolheu

seguir a carreira musical ao invés de se submeter aos valores da família de sua época. O

preço da sua liberdade foi se ver apartada dos filhos, devido aos rígidos padrões de

comportamento social.

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Chiquinha Gonzaga

http://almanaque.folha.uol.com.br/chiquinha.htm

Mas e a mulher de hoje? É imoral ser dançarina, ser cantora ou ser atriz de

cinema? Trabalhar fora e ir à festa de confraternização da empresa em que trabalha,

desacompanhada do marido? Certamente que não. O tempo histórico é outro, os valores

morais se alteraram e os rígidos padrões de comportamento social se tornaram mais

flexíveis. Este é um exemplo do determinante cultural sobre o campo da ética. A cultura

não é estática, é dinâmica e assim também devemos entender a dimensão ética.

Outro exemplo bastante esclarecedor para entendermos a ética e a moral como

produto histórico e cultural é a relação do homem com o trabalho. Podemos dizer com

tranqüilidade que um homem que não se identifica com o trabalho, é um homem sem

virtude, por não gostar de trabalhar e ser preguiçoso. Porém, na antiguidade e na Idade

Média, o trabalho era uma das menos nobres atividades do homem. Seria uma ofensa

para um nobre medieval, enaltecermos sua bravura na guerra, referindo-nos às virtudes

do trabalho. Do mesmo modo, estaríamos ofendendo um papa medieval, elogiando-o

pelo seu santo trabalho em prol da humanidade. Para se ter uma idéia, o ócio era digno,

uma condição para o exercício da política na antiguidade. Hoje, é o trabalho que

dignifica e enobrece o homem. Tem um poder moralizador, ao passo que, especialmente

a partir do início da época moderna, na transição do feudalismo para o capitalismo, “o

ócio é a oficina do diabo”, como dizia Lutero.

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Vimos até aqui, basicamente, que somos naturalmente levados pelos impulsos

das paixões, cabendo à razão regular e determinar limites que controlem nossos desejos.

Fazendo uso de nossa inteligência e/ou da nossa vontade para isto. A esta tarefa da

inteligência humana em função de uma vida ética, denomina-se racionalismo ético.

Chauí explica que

O racionalismo ético define a tarefa da educação moral e da conduta ética como poderio da razão para impedir-nos de perder a liberdade sob os efeitos de paixões desmedidas e incontroláveis. Para tanto, a ética racionalista distingue necessidade, desejo e vontade (CHAUI, 1995: 351).

O irracionalismo ético

Ao longo de toda uma tradição filosófica que percorremos até agora, a ética está

associada à vontade humana, vontade esta, determinada pela razão. Esta, se sobrepondo

aos nossos desejos, nos chama para a responsabilidade da convivência em uma

sociedade do modo mais harmonioso possível.

Porém, em contraposição ao racionalismo ético, se desenvolveu uma outra

concepção ética, denominada de irracionalista, que tem em Friedrich Nietzche

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Nietzsche) (1844-1900), um dos seus

principais expoentes. Em linhas básicas, o irracionalismo ético entendia que a moral

racionalista serviu para subtrair do homem a sua liberdade, de modo que o que

chamamos de virtudes e valores morais só tem servido para oprimir nossa natureza

humana. A concepção irracionalista entende que a verdadeira vida está na expressão

incondicional das nossas paixões e dos nossos desejos, mesmo que estas transgridam

normas e regras. Assim, as idéias de pecado e culpa aprisionam os homens, ao invés de

libertá-los. Para os irracionalistas, a ética racionalista é baseada em uma moral

hipócrita.

Não podemos negar que vemos muita gente antiética fazendo uso de discursos

éticos e moralistas, para defender sua posição, para se defender de acusações de práticas

corruptas. Vemos também governos e Estados, em nome da liberdade, oprimirem povos

submetidos à violência brutal da agressão aos direitos humanos, vemos também, em

nome de uma moral, pais espancarem filhos, maridos espancarem mulheres, “machões”

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agredirem homossexuais. Porém é inegável que sejam necessárias normas e regras

determinadas por valores que regulam a vida social e servem para que um povo se

autoposicione no mundo, para garantir uma convivência mínima, em função da própria

sobrevivência coletiva do grupo, comunidade ou nação. Não podemos negar também

que quando falamos de ética, devemos ter em mente que ela se propõe estabelecer

limites sobre a violência humana. Seja a violência de um homem contra outro homem,

na forma de homicídios, agressões aos direitos humanos, aviltamento do trabalho alheio,

como a escravidão; seja a violência do homem contra si próprio, na forma da omissão,

da covardia, do medo, etc.

Fonte: http://www.filosofix.br9.biz/blogramiro/imagens/nietzche.jpg

A ética e o inconsciente

Sigmund Freud (http://pt.wikipedia.org/wiki/Sigmund_Freud) (1856-1939),

o criador da psicanálise, nos mostrou que o inconsciente tem um poder extraordinário

sobre nossa consciência. Defendeu que a

Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da cosnciência, no restante da vida psíquica...(FREUD apud CHAUI, 1995:166).

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A vida psíquica à qual se refere Freud, é composta pelo id, o super-ego e o ego

(o eu). Id e super-ego são inconscientes e o ego, consciente. O que forma o id são

nossos desejos, nossos impulsos, é o princípio do prazer, é a libido. Representa nossas

necessidades de sentimento de prazer, de satisfação. O super-ego é, por outro lado, a

censura e a repressão sobre o id. Esta censura é determinada socialmente e

culturalmente. Enquanto o id se desenvolve entre os primeiros meses de vida e os cinco

ou seis anos de idade, o super-ego se desenvolve entre os seis ou sete anos de idade e o

início da puberdade, período no qual se forma nossa personalidade moral e social. Já o

ego é a nossa consciência, que, no enfretamento com a realidade tem que satisfazer o id

sem ao mesmo tempo contrariar o super-ego (CHAUI, 1995).

Para Freud, o ego é ‘um pobre coitado’, espremido entre três escravidões: os desejos insaciáveis do id, a severidade repressiva do super-ego e os perigos do mundo exterior..Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos) (CHAUI,1995: 168).

Deste ponto de vista, a busca pelo autoconhecimento é um desafio para qualquer

indivíduo. Daí a importância do estudo sobre a ética, que traz uma contribuição

relevante na busca pelo equilíbrio da consciência, neste jogo de forças entre o id e o

super-ego. Se o primeiro, que desconhece limites, exerce forte domínio, o que se vê é

uma total ausência de valores morais, uma busca insaciável da satisfação dos desejos,

sem fronteiras, transpondo não só os limites do ego, como também os limites do alter,

ou seja, do outro; se o segundo, por outro lado, que só conhece limites e barreiras exerce

forte domínio, anula o sujeito e representa uma violência contra o próprio indivíduo,

que passa a sofrer o peso de uma moralidade rígida. Esta pode resultar em dois tipos de

reações: a da negação violenta dos indivíduos aos rígidos padrões, ou a aceitação

passiva dos indivíduos, que se anulam como sujeitos.

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Sigmund Freud

Fonte: sexoenlaciudad-lx.blogspot.com/2006/05/o-broc...

Para Chauí

Em outras palavras, em lugar da ética há violência; por um lado, violência da sociedade, que exige dos sujeitos padrões de conduta impossíveis de serem realizados e, por outro lado, violência dos sujeitos contra a sociedade, pois somente transgredindo e desprezando os valores estabelecidos poderão sobreviver (CHAUI, 1995:356).

Não é difícil perceber, que estudar sobre ética é estudarmos sobre nós mesmos,

sobre a condição humana e nossa existência. Ajuda na busca do nosso auto

conhecimento, porque revela até que ponto tratamos com equilíbrio as nossas

necessidades de realização de desejos e a nossa própria censura sobre eles.

Glossário

Ethos – O ethos de um povo é a sua ética, que define o caráter e a qualidade de sua

vida, seu estilo moral; é a atitude subjacente a ele mesmo e ao mundo que a vida reflete.

Page 17: Etica e Cidadania – On-line€¦  · Web viewA partir do momento em que nascemos, passamos a adquirir valores, de acordo com nossos costumes, inclusive os valores éticos. Estes

Referências Bibliográficas

Livros

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 2ª ed., São Paulo: Atica, 1995.

GEERTZ, Clifford. A interpretação da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

SILVA e SUNG. Conversando sobre ética e sociedade. 8ª ed., Petrópolis, 2000.

SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Internet

CAMPOS, Sávio Laet de Barros. Da lei segundo Santo Tomás de Aquino. Disponível em http://64.233.169.104/search?q=cache:EMLkbvxdLvYJ:br.geocities.com