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21 A ética evangélica sobre a moda Em qualquer cultura as roupas participam da elaboração cultural. A comida, a música, o idioma e as relações sociais também são parte do modo pelo qual um povo se expressa. Assim, não há como desenvolver uma teologia sobre indumentária sem levar em conta as manifestações culturais. Se legislar sobre a quantidade de pimenta que se coloca na comida de um africano é absurdo, então não se pode também querer atribuir valores morais ao modo como os chineses ou africanos se vestem. Uma das mais duras críticas direcionadas aos missionários jesuítas que evangelizaram a América Latina diz respeito à falta de diálogo intercultural. Os pregadores portugueses que aqui chegaram compreendiam-se como mensageiros não só do evangelho, ma também de uma cultura que consideravam perfeita. Partindo de seus preconceitos europeus e enxergando sua cultura como superior, detectavam pecado na nudez dos índios. Por conta disso, violentaram os costumes silvícolas, ordenando que todos se vestissem da maneira como achavam certo (ao estilo europeu). Acontece que a nudez dos índios não advinha do pecado, mas da sua própria elaboração cultural. Certa vez, no Nordeste, vi um irmão pregando às três horas da tarde, numa temperatura de 40 graus, de paletó e gravata. Por quê? Há uma exigência divina para que os seus pastores se trajem assim? Não. Essa é uma exigência cultural. Nos primeiros anos de meu ministério, alguns pastores mais jovens gostavam de desafiar os limites. Vestiam-se de paletó mas sem gravata. O colarinho da camisa era dobrado por cima do paletó. Não apago da minha memória o dia em que eu e meu amigo evangelista fomos repreendidos de púlpito. O pastor presidente leu naquela noite um texto do livro de Provérbios sobre não removermos os marcos antigos que os pais haviam estabelecido. Por vinte e cinco minutos que mais pareciam uma eternidade, cabisbaixos, ouvimos a acusação de que alguns pastores queriam desenvolver seus ministérios levianamente. Tudo porque estávamos de paletó sem gravata. O pastor de saias que vimos nas Filipinas estava mal vestido para nossa cultura e nós o olhamos com espanto. Porém, minha resistência ao seu modo de se trajar não indica que ele estivesse com algum tipo de desvio moral. Indica apenas que minha visão da cultura é obtusa e que sou preconceituoso. Já ouvi duras críticas ao uso de atabaques e tambores em cultos. Contudo, o órgão e o piano fazem parte das exigências do Espírito Santo para abençoar uma reunião? Como recebemos influência dos americanos e dos ingleses sobre a liturgia dos cultos, não conseguimos imaginar que na África não se cultue a Deus com pianos, mas sim com tambores. Escutei contundente rejeição a hinos cantados em ritmo de

ética evangelica

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Page 1: ética evangelica

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A ética evangélica sobre a moda Em qualquer cultura as roupas participam da elaboração cultural. A comida, a

música, o idioma e as relações sociais também são parte do modo pelo qual um povo

se expressa. Assim, não há como desenvolver uma teologia sobre indumentária sem

levar em conta as manifestações culturais. Se legislar sobre a quantidade de pimenta

que se coloca na comida de um africano é absurdo, então não se pode também querer

atribuir valores morais ao modo como os chineses ou africanos se vestem.

Uma das mais duras críticas direcionadas aos missionários jesuítas que

evangelizaram a América Latina diz respeito à falta de diálogo intercultural. Os

pregadores portugueses que aqui chegaram compreendiam-se como mensageiros não

só do evangelho, ma também de uma cultura que consideravam perfeita. Partindo de

seus preconceitos europeus e enxergando sua cultura como superior, detectavam

pecado na nudez dos índios. Por conta disso, violentaram os costumes silvícolas,

ordenando que todos se vestissem da maneira como achavam certo (ao estilo

europeu). Acontece que a nudez dos índios não advinha do pecado, mas da sua

própria elaboração cultural.

Certa vez, no Nordeste, vi um irmão pregando às três horas da tarde, numa

temperatura de 40 graus, de paletó e gravata. Por quê? Há uma exigência divina para

que os seus pastores se trajem assim? Não. Essa é uma exigência cultural. Nos

primeiros anos de meu ministério, alguns pastores mais jovens gostavam de desafiar

os limites. Vestiam-se de paletó mas sem gravata. O colarinho da camisa era dobrado

por cima do paletó. Não apago da minha memória o dia em que eu e meu amigo

evangelista fomos repreendidos de púlpito. O pastor presidente leu naquela noite um

texto do livro de Provérbios sobre não removermos os marcos antigos que os pais

haviam estabelecido. Por vinte e cinco minutos que mais pareciam uma eternidade,

cabisbaixos, ouvimos a acusação de que alguns pastores queriam desenvolver seus

ministérios levianamente. Tudo porque estávamos de paletó sem gravata.

O pastor de saias que vimos nas Filipinas estava mal vestido para nossa cultura e

nós o olhamos com espanto. Porém, minha resistência ao seu modo de se trajar não

indica que ele estivesse com algum tipo de desvio moral. Indica apenas que minha

visão da cultura é obtusa e que sou preconceituoso.

Já ouvi duras críticas ao uso de atabaques e tambores em cultos. Contudo, o

órgão e o piano fazem parte das exigências do Espírito Santo para abençoar uma

reunião? Como recebemos influência dos americanos e dos ingleses sobre a liturgia

dos cultos, não conseguimos imaginar que na África não se cultue a Deus com pianos,

mas sim com tambores. Escutei contundente rejeição a hinos cantados em ritmo de