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Etnografias Jê e as plantas cultivadas: contribuições para o debate sobre sistemas agrícolas tradicionais Ana Gabriela Morim de Lima 1 Pós-doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo [email protected] Resumo O presente artigo propõe uma reflexão acerca dos saberes associados às plantas cultivadas entre os povos Jê, indissociáveis das relações de parentesco e gênero, bem como de concepções éticas, estéticas e rituais. O objetivo é desenvolver uma análise comparativa e delinear um corpo de questões em comum, sem desconsiderar, contudo, as variações e as especificidades que caracterizam os diferentes sistemas agrícolas. O artigo busca refletir sobre a dinâmica espaço-temporal e o processo de abertura da roça em suas diferentes etapas; o parentesco vegetal; as relações com espíritos e dono-mestres das plantas cultivadas; os mitos e rituais agrícolas associados aos ciclos de vidas das plantas e das pessoas; e as redes de troca que incrementam a diversidade. Considerando a importância dos conhecimentos e práticas indígenas para a conservação da agrobiodiversidade, proponho uma investigação sobre quais seriam as contribuições etnográficas dos povos Jê ao debate atual acerca dos sistemas agrícolas tradicionais. Palavras-chave: povos Jê; plantas cultivadas; sistemas agrícolas tradicionais; cosmologias ameríndias. 1 Doutora em Antropologia Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA-UFRJ). Atualmente realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS-USP), e no centro de pesquisa Patrimoines locaux, Environnement et Globalisation (PALOC-UMR 208/IRD/MNHN SU). Este artigo é fruto da minha pesquisa de doutorado financiada pelo CNPq, pela FAPERJ e pela Fondation du Collège de France, e da atual pesquisa de pós-doutorado financiada pela FAPESP. R@U, 11 (2), jul./dez. 2019: 293-325.

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Etnografias Jê e as plantas cultivadas: contribuições para o

debate sobre sistemas agrícolas tradicionais

Ana Gabriela Morim de Lima1

Pós-doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo

[email protected]

Resumo

O presente artigo propõe uma reflexão acerca dos saberes associados às plantas cultivadas entre os povos Jê, indissociáveis das relações de parentesco e gênero, bem como de concepções éticas, estéticas e rituais. O objetivo é desenvolver uma análise comparativa e delinear um corpo de questões em comum, sem desconsiderar, contudo, as variações e as especificidades que caracterizam os diferentes sistemas agrícolas. O artigo busca refletir sobre a dinâmica espaço-temporal e o processo de abertura da roça em suas diferentes etapas; o parentesco vegetal; as relações com espíritos e dono-mestres das plantas cultivadas; os mitos e rituais agrícolas associados aos ciclos de vidas das plantas e das pessoas; e as redes de troca que incrementam a diversidade. Considerando a importância dos conhecimentos e práticas indígenas para a conservação da agrobiodiversidade, proponho uma investigação sobre quais seriam as contribuições etnográficas dos povos Jê ao debate atual acerca dos sistemas agrícolas tradicionais.

Palavras-chave: povos Jê; plantas cultivadas; sistemas agrícolas tradicionais; cosmologias ameríndias.

1 Doutora em Antropologia Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA-UFRJ). Atualmente realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS-USP), e no centro de pesquisa Patrimoines locaux, Environnement et Globalisation (PALOC-UMR 208/IRD/MNHN SU). Este artigo é fruto da minha pesquisa de doutorado financiada pelo CNPq, pela FAPERJ e pela Fondation du Collège de France, e da atual pesquisa de pós-doutorado financiada pela FAPESP.

R@U, 11 (2), jul./dez. 2019: 293-325.

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Abstract

The present article examines the gardening knowledge amongst the Jê people, which is inseparable from the gender and kinship relations, aesthetic and ethical conceptions, as well as ritual and cosmological significations. The main objective is to develop a comparative analysis articulating some common issues, without however disregarding the variations and specificities that characterize different agricultural systems. The article aims to reflect upon the following issues: the spatial and temporal dynamics of gardens and its different stages; the vegetal kinship; the relations with spirits and masters of cultivated plants; the myths and rituals connected with plants and people life cycles; and the exchange networks that increase agrobiodiversity. Pointing out the importance of indigenous knowledge and practices for the agrobiodiversity conservation, this article investigates the Jê peoples’ ethnographic contributions to the current debate on traditional agricultural systems.

Keywords: Jê peoples; cultivated plants; traditional agricultural systems; Amerindian cosmologies.

Introdução: Complexidade sócio-ritual e originalidade do cultivo entre os Jê

“It’s erroneous to picture the Gê generically as hunters and gathers, with at best an occasional group adopting a little cultivation under Tupí influence. Actually, not a single Akwe or Timbira-Kayapó tribe failed to farm; and as to the latter, at least, I am convinced that they learnt nothing from the Tupí about agriculture. (...)” (Nimuendajú 1946: 57)

A primeira imagem que se tem dos povos da família linguística Jê2, assim chamados desde von Martius, se deve à assimilação à categoria genérica “Tapuia”, palavra de origem tupi que remete aos grupos não-Tupi do interior do Brasil, cujas línguas e culturas eram bastante variadas3. Sempre que comparados aos Tupi, os Tapuia eram caracterizados pelos colonizadores pela ausência e pela falta: de agricultura, cerâmica, bebida fermentada, tabaco, rede, e por aí vai (Carneiro da Cunha 1993: 79; Coelho de Souza 2002: 21). Esta imagem foi reforçada pelo Handbook of South American Indians (Steward 1946-1950), no qual os Jê foram classificados como “culturas marginais de coletores e caçadores”,

2 Atualmente os povos Jê se dividem em três subgrupos: Jê setentrional - Apinajé, Kayapó, Panará, Suyá, Tapayuna, Timbira Oriental (Canela Apãniekrá e Ramkokamekrá, Krikati, Krahô, Parakatejê e Pykobjê); Jê central – Xerente, Xakriabá, Xavante; e Jê meridional - Kaingáng e Xokléng.

3 Tapuia se referia, para além dos Jê, aos Tupinambá e aos Botocudos (Coelho de Souza 2002: 21; Carneiro da Cunha 1993: 81).

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caracterizados por uma agricultura incipiente. O caráter marginal é evidentemente relativo ao contraste com culturas que foram consideradas como mais centrais e “completas”: as sociedades sedentárias e agrícolas da floresta tropical e dos Andes meridionais, os cacicados Circum-Caribenhos e o império andino.

Desde Curt Nimuendajú, entretanto, tal imagem de arcaísmo vem sendo questionada. Em suas monografias4, o etnógrafo alemão ressaltou a complexidade da organização social e da vida ritual dos povos Jê, colocando uma série de questionamentos à classificação de Steward. Além disso, chamou a atenção para a originalidade da agricultura entre os Jê setentrionais e centrais, a começar pela importância da batata-doce, do inhame e do cupá, em contraste com a preferência dos povos Tupi pela mandioca e pelo milho. Sem desconsiderar, contudo, a importância destes últimos cultivares, Nimuendajú registrou a existência de extensas plantações de mandioca entre alguns grupos e, analisando as técnicas de processamento da mandioca doce e amarga, concluiu que não teriam sido aprendidas com os povos Tupi, nem com os Karajá (Nimuendajú 1983: 70). Ele testemunhou, ainda, a existência de uma diversidade considerável de outras plantas cultivadas e técnicas de cultivos, assim como documentou uma rica mitologia sobre a origem da agricultura e a ênfase das práticas rituais sobre o ciclo de vida do milho e da batata-doce (Nimuendajú 1946: 57-64).

Na década de 1960, o programa de pesquisas do Harvard Central Brazil Project (HBCP) teve por objetivo aprofundar os estudos Jê, a partir do desenvolvimento de um repertório de questões próprias às sóciocosmologias ameríndias. As etnografias produzidas no HCBP também documentaram amplamente as atividades de cultivo, assim como os mitos e rituais associados ao calendário agrícola e sazonal. Algumas destas questões serão revisitadas ao longo deste artigo, em particular no que se refere ao “multidualismo” típico de suas formas de classificação, de sua organização sócio-ritual, da constituição da pessoa e do cosmos em geral (Maybury-Lewis (ed.) 1979; Coelho de Souza, 2002). O problema do multidualismo será retomado tendo em vistas como as críticas posteriores à oposição cunhada pelos pesquisadores do HCBP entre centro (associado ao pátio central, masculino, público, ritual, social, nome e nominadores) e periferia (casa materna, feminino, doméstico, cotidiano, natureza, corpo e genitores), assim como ao modelo hierárquico de dominação masculina e à imagem de “fechamento” e “auto-suficiência” que tal oposição produziu, se colocam especificamente nos dados etnográficos sobre roças e plantas cultivadas.

As trilhas abertas por Nimuendajú e pelos pesquisadores do HCBP foram, posteriormente, percorridas por outros etnógrafos que, seguindo os rastros por eles

4 The Apinaye (1939), The Serente (1942) e The Eastern Timbira (1946).

Ana Gabriela Morim de Lima

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deixados, abriram novos caminhos para a compreensão da importância das plantas cultivadas, não apenas nas atividades de subsistência, mas também na organização sócio-ritual e na cosmologia. Partindo da minha pesquisa entre os Krahô (Morim de Lima 2016, 2017, 2018), revisitarei outras etnografias que também abordam esta temática, de modo a desenvolver uma análise comparativa e delinear um corpo de questões em comum, sem desconsiderar, contudo, as variações e as especificidades dos diferentes sistemas agrícolas, que se caracterizam pela heterogeneidade e o alto nível de especialização. Sublinho, porém, que este artigo não tem a pretensão de abarcar todos os povos Jê nem, tampouco, todos os estudos já realizados sobre eles5.

Por fim, parto do pressuposto de que as noções de agrobiodiversidade e de sistemas agrícolas não se restringem aos recursos genéticos ou às dimensões técnicas, abarcando os saberes e modos de fazer que se fundamentam em concepções locais e visões de mundo particulares (Santilli 2009; Emperaire et al. 2010). É neste sentido que busco evidenciar as interações entre os sistemas agrícolas tradicionais, outros domínios da vida social e as filosofias nativas.

Territorialidade e interdependência entre agricultura itinerante, caça e coleta

A agricultura itinerante, a caça e a coleta sempre estiveram interligadas à dinâmica de mobilidade territorial dos povos Jê, num ritmo sazonal de dispersão e concentração que ficou conhecido como trekking estacional ou seminomadismo. Cabe ressaltar a complexidade tanto das práticas de cultivo quanto das técnicas de manejo e coleta, atividades coexistentes que transformam e diversificam espécies e paisagens (Balée 1993, 2013; Anderson & Posey 1989). Tal compreensão nos leva a desconstruir gradientes lineares e evolucionistas, que vão das “plantas selvagens às domesticadas” ou dos “povos caçadores-coletores aos agricultores”. Além disso, a visão que pressupõe uma passagem necessária da domesticação das plantas à intensificação da agricultura em termos evolutivos vem sendo amplamente questionada (Fausto & Neves 2018), tendo em vista que diferentes escolhas socioculturais criam também outras possibilidades ambientais.

Desde os tempos coloniais até os dias atuais, os ataques sistemáticos aos direitos originários dos povos indígenas impactaram profundamente as relações com o território e seus modos de vida. Entre os Jê, a circunscrição da mobilidade levou à diminuição do trekking estacional tradicionalmente realizado por esses povos. As estratégias de resistência são, entretanto, variadas e contextualmente situadas. Para dar alguns exemplos, entre os Xavante (Flowers 1983) e os Krahô (Melatti 1978; Niemeyer 2011; Morim de Lima 2016), 5 Neste sentido, a análise abarca principalmente os Jê do Norte ou Jê Setentrionais.

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os períodos de caminhada e de expedições de caça e coleta se tornaram cada vez mais curtos e os indígenas passaram a se ocupar mais permanentemente de seus roçados. Os Canela aumentaram o tamanho de suas roças, suas aldeias se tornaram sedentárias e a agricultura se tornou a principal atividade de subsistência (Crocker & Crocker 2004: 34; Miller 2015: 27-28) – o inverso do que se observa entre alguns povos de língua Tupi, por exemplo6. Já os antepassados dos Kayapó-Mebêngôkre Xikrin percorriam um vasto território do Brasil Central, onde se instalavam preferencialmente em áreas de cerrado; eles realizavam longas caminhadas em áreas de transição entre o cerrado e a floresta e, por onde paravam, criavam roças sem queima, que não demandavam cuidados e eram colhidas apenas no retorno ao local; até que, a partir do contato, eles se estabeleceram definitivamente no rio Bacajá, tornando-se pescadores e navegadores (Tselouïko 2018: 31, 51). Os Panará, por sua vez, abandonaram temporariamente a abertura de roças durante o período inicial em que foram levados para o Xingu; eles lamentavam, frequentemente, as condições adversas para o cultivo do amendoim e o retorno à terra ancestral pode ser entendido também como um movimento em busca de terras mais férteis e de sementes perdidas (Ewart 2013: 149). Entre os Jê Meridionais, os Kaingang viviam preferivelmente nas florestas de araucária (pinheirais) no planalto meridional do sul do Brasil, e cultivavam pequenas roças antes das migrações e expedições de coleta, que aconteciam nas épocas mais quentes. Num contexto de invasões e de exploração de suas terras, que remonta aos tempos coloniais e se intensificou nas últimas décadas com o avanço do agronegócio, os sistemas produtivos Kaingang se configuram atualmente pelo convívio entre a agricultura de coivara para auto-consumo e a agricultura mecanizada para comercialização (Nascimento 2017).

A partir de uma dinâmica cíclica entre roça e floresta, a agricultura de coivara praticada pelos povos indígenas cria uma diversidade de espaços e de condições ecológicas para o incremento da agrobiodiversidade, que inclui tanto as plantas cultivadas quanto as manejadas (Emperaire 2014). Mais do que uma simples oposição, observamos uma série de interseções entre o “espontâneo, selvagem” e o “cultivado”. Podemos citar, como exemplo, a ocorrência de diversas espécies de palmeiras em capoeiras e antigas ocupações, como resultado do manejo e do uso das populações locais (Balée & Posey 1989; Clement et al. 2010, 2015). Entre os Kayapó-Mebêngôkre Gorotire, os estudos de Posey descrevem as práticas de manejo florestal e do fogo responsáveis pela criação dos apêtê, as “ilhas de recurso”, de vegetação mais densa e rica no coração do cerrado, que

6 Os Parakanã e Araweté, por motivações distintas, abandonaram suas aldeias e experimentaram longos períodos de trekking, mas mantiveram o cultivo da mandioca, no caso Parakanã, e do milho, no caso Araweté (Fausto 2001; Viveiros de Castro 1986 apud Garcia 2012: 175). O oposto também ocorreu com os vizinhos dos Canela no Maranhão, os Awá-Guajá, que optaram pelo nomadismo como modo de não serem subjugados pelas pressões da colonização dos não indígenas (Garcia 2012).

Ana Gabriela Morim de Lima

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teriam diferentes usos: refúgio em tempos de guerra e epidemias, obtenção de plantas com fins alimentares, medicinais, ornamentais, cerimoniais, entre outros (Posey 1985: 142-143; Anderson & Posey 1989). Durante suas caminhadas, os Xavante também fazem uso de diferentes plantas de tubérculos ou rizomas - batatas silvestres coletadas nas matas, cerrados e capoeiras antigas - que, sob a ameaça de perda pela invasão de seus territórios tradicionais, começaram a ser cultivadas pelas mulheres nas roças (Leeuwenberg et al, 2007).

Cabe ainda fazer uma breve reflexão sobre a relação entre padrões de mobilidade e estratégias de pousio mobilizadas nas agriculturas indígenas, nas quais as roças indígenas parecem, ainda hoje, agir como “indutores da mobilidade territorial” (Carneiro da Cunha 2019). Antigamente, aldeias Jê inteiras poderiam ser abandonadas na busca por novas terras para cultivar, coletar e caçar, entre outras razões. Atualmente, este aspecto da territorialidade pode assumir formas distintas que, mais uma vez, expressam diferentes escolhas culturais movidas por processos históricos específicos, mesmo entre grupos muito próximos.

Os Canela Ramkokamekra e os Apanyekra, por exemplo, optaram por viver em duas grandes aldeias com padrão de vida mais sedentário (Escalvado e Porquinhos7), ao passo que continuam realizando frequentemente seus deslocamentos para as roças, que são abertas todos os anos e onde passam longos períodos (Miller 2015). Entre os Krahô, por sua vez, deslocamentos mais permanentes são provocados pelo processo extremo de cisão e de criação de novas aldeias (35 atualmente8), que são inevitavelmente fundadas por meio da abertura de uma nova roça. Também entre os Kayapó-Mebêngôkre, “o estabelecimento de uma nova roça é o ato precursor, incontornável e necessário para a fundação de uma nova aldeia” (Robert et al. 2102: 350). A roça aparece, portanto, simultaneamente como linha de fuga e ponto de atração, ligada aos sucessivos movimentos de dispersão e concentração. Como mostra, ainda, a imagem oferecida pelos Xikrin para expressar esse movimento no espaço, através da criação de caminhos e lugares:

Se déplacer (en forêt) se dit me y (ou me yry ten) en Mebêngôkre, où me est "gens", y est "graine" ou "semence", et ten est "marcher". Yry est utilisé pour dire "aller à la rencontre de", mais yry est aussi synonyme de "devenir", comme dans ba i mej yry "j’irai bientôt mieux". Linguistiquement, le y de me y évoque la disposition en file des grains de maïs sur l’épis, de la même

7 Escalvado possui 2.175 habitantes e Porquinhos possui 1.076 habitantes (Siasi/Sesai 2012): https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Canela_Ramkokamekrá e https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Canela_Apanyekrá

8 Contando com uma população total de 2.992 pessoas, a maior aldeia Krahô possui aproximadamente 500 habitantes (Siasi/Sesai 2014). https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krahô

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façon que les gens qui marchent en forêt en "file indienne" et par petits groupes sur les chemins. Me y peut se traduire par "nous allons" sans préciser où, comme si cela allait de soi, ce qui révèle l’importance d’aller en forêt. Galvão (1963: 132, ma traduction) notait d’ailleurs à propos des Kayapó qu’une fois "les jardins de maïs ouverts et plantés, le groupe se dispersait en petites bandes pour les activités de collecte, de chasse et de pêche, puis revenaient à se concentrer [dans le village] pour l’époque de la collecte [de maïs]” (Tselouïko 2018: 48-49).

Em segundo lugar, sabe-se que as capoeiras são não apenas “bancos de sementes” para replantio nas novas roças, como também lugares privilegiados para atração de caça e coleta, especialmente de frutos e folhas de palmeiras que possuem fins alimentares e artesanais (Posey 1985; Balée 1993). Observa-se um delicado balanço no manejo das roças e das capoeiras, pois se uma alta concentração de animais pode causar danos aos cultivos, tornam-se igualmente presas potenciais para a atividade de caça (Posey 1985: 145). De certo modo, numa “simbiose sutil e decisiva”, as próprias práticas de coleta e caçada dependem da pré-existência das florestas antrópicas, enriquecidas pelo cultivo de povos vizinhos ou dos próprios antepassados (Balée 1994; Coelho de Souza 2002). Carneiro da Cunha (2019) nos convida a fazer a seguinte reflexão:

Could it be that the management and enrichment of fallows in swidden agriculture are among the main mechanisms that allow for the very possibility of foraging societies? (…) Rather than being an involution or necessarily the outcome of disaster, foraging would be maintained as a possibility by the very management practices of indigenous agriculturalists. It would be as if their kind of agriculture — opening forest plots for gardens and enriching fallows — would account for being able to abandon agriculture itself (Carneiro da Cunha 2019: 133).

Fazendo o corpo da roça: papéis de gênero, a estética e a ética da produção

O saber-fazer da roça, a estética e a ética de sua produção são indissociáveis de concepções sóciocosmológicas: os modos de organização do trabalho, a espacialidade e a temporalidade da roça, os desenhos dos plantios, a percepção e o aproveitamento dos agricultores sobre certas interações multiespecíficas e outros processos ecológicos, entre outras. Assim como a fabricação de um corpo, objeto ou alimento, as roças são produtos da complementaridade das forças criativas masculina e feminina, além de outros agentes que também interferem nos cultivos – o solo, a água, o fogo, o vento, outras plantas,

Ana Gabriela Morim de Lima

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animais, espíritos, e outros. O processo de abertura da roça também está intrinsicamente conectado ao calendário sazonal, aos períodos de seca e chuva.

Entre diferentes povos Jê, as roças familiares são unidades domésticas autônomas, abertas e cultivadas pelo casal, embora o complexo de roças seja geralmente uma extensão do segmento residencial matrilocal (Nimuendajú 1946: 59; Cohn 2005: 72; Ewart 2013: 151; Miller 2015: 133; Ribeiro 2015: 66; Morim de Lima 2016: 44; Tselouïko 2018: 167)9. De modo geral, mas com algumas variações, a derrubada e a queima são trabalhos masculinos; a coivara e grande parte dos plantios (mas não todos) são realizados por ambos os sexos; já a colheita e a conservação das sementes são atividades femininas. Entre os Kaingang, alguns autores afirmam que os homens preparam a terra, enquanto as mulheres plantam e colhem, enquanto outros afirmam que apenas os homens são responsáveis pelo cultivo (Nascimento 2017: 36). Isto não significa dizer, porém, que esta questão de gênero implique numa visão homogênea ou em regras prescritas, rígidas e determinantes de cultivo.

Entre os Krahô, os Canela Ramkokamekra (Miller 2015), os Kayapó-Mebêngôkre (Robert 2012: 352) e os Xikrin (Cohn 2005: 74), o cultivo do inhame e da batata-doce são especialidades femininas. Junto com o milho que, por sua vez, é associado ao domínio masculino, são estes os cultivos de maior relevância do ponto de vista simbólico e ritual entre estes grupos. Também entre os Apinajé e os Xerente, o plantio e a colheita ritual do milho são associados às organizações cerimoniais masculinas (Nimendajú 1946: 62). Já os Panará consideram a mandioca uma especialidade feminina, enquanto o amendoim, seu cultivo central, é uma especialidade masculina (Ewart 2013: 156).

Miller (2015) descreve como os Canela Ramkokamekra classificam espécies e variedades em diferentes gêneros, o que está relacionado a um julgamento estético e moral expresso pelos classificadores impej (“belo e bom”) e ihkên (“ruim, não presta”). É o caso da macaxeira, considerada feminina por ser “suave, calma, bela, boa”, em oposição à mandioca brava, considerada masculina por ser “amarga, feroz, feia e perigosa”. Entre os Krahô, Creusa Prumkwyj Krahô conta que, de acordo com o mito do Sol e da Lua, as primeiras mulheres vieram das cabaças e os homens dos croás, aparecendo, ainda, uma relação entre o plantio das mulheres-cabaças, dos homens-croás e a origem da aldeia circular:

9 Entre os Kayapó-Mebêngôkre Xikrin do Bacajá foram descritas também as roças coletivas criadas no âmbito de projetos, as roças de associações masculinas, e as roças com a finalidade suprir a alimentação dos rituais de nominação abertas pelos pais da criança (Cohn 2005: 71; Tselouïko 2018: 167). Os Canela Ramkokamekra desenvolveram recentemente um sistema de duas roças: nas margens dos rios, cujo solo seria mais fértil e fácil de cultivar, e nas áreas florestais, maiores e mais abundantes, porém mais difíceis de cultivar (Miller 2015: 132-153).

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Cada cabaça tem um jeito diferente e é uma mulher, todas foram feitas pelo Sol. A mulher (mehi) veio da cabaça. A primeira mulher (mehi) e as outras surgiram dessa história que irei contar e junto com elas vieram os resguardos, as práticas de cuidado com a corporalidade, fundamentais para a formação da pessoa mehi. (...) Eles fizeram uma roça e plantaram somente cabaças. Lua perguntou por que Sol estava plantando somente cabaças. Sol disse que queria uma mulher, porque delas se originam as pessoas. Depois Sol pegou uma semente do croá e plantou na mesma roça. Assim, metade da roça era de cabaça e a outra metade era de croá. Lua perguntou por que Sol estava plantando croá, ele disse que eram os homens. (...) Cada croá tinha um jeito diferente, azul, vermelho e verde, tinha croá bonito, feito, de todo jeito. Todos eram magrinhos, não tinha grosso. (...) Em seguida, Sol deixou uma marca na futura aldeia das mulheres-cabaças e dos homens-croás. Trata-se do círculo redondo, base das aldeias Mehi, no centro deste círculo encontra-se o pátio. Ao redor do pátio, Sol fez várias estruturas de palha, que serão as casas de cada mulher-cabaça (...) (Prumkwyj Krahô 2017: 26-27).

Algumas atividades são realizadas por meio de mutirões, movimento que agrega as famílias para trabalharem juntas, produzindo um estado de alegria e engajamento coletivo. O trabalho na roça é produtor e produto de relações sociais prazerosas, alegres e festivas. As pessoas realizam suas atividades quando se sentem animadas, pois a motivação demanda uma atmosfera específica de afetos. Nessas ocasiões, os Krahô, os Panará (Ewart 2013: 153-160) e os Canela Ramkokamekra (Miller 2015: 208, 318), por exemplo, realizam refeições coletivas, entoam cantos para animar as pessoas e as plantas; aqueles que se sentem cansados, fracos ou que estão em luto pela morte de um parente, não trabalham na roça. Os Kaingang chamam essa ajuda mútua de “troca dia” e, geralmente, os maridos e os filhos roçam enquanto as mulheres cuidam da comida (Nascimento 2017: 74).

O verão é o tempo de abrir as roças, quando são realizadas a broca e a derrubada. É nesse primeiro momento, antes da queimada e da derrubada, que as mulheres krahô plantam as batatas-doces e os inhames, uma prática também descrita entre os Kayapo Mẽbêngôkre (Hecht e Posey 1989: 182), Xikrin (Tselouïko 2018: 186) e os Canela Ramkokamekra (Miller 2015: 144). Após a derrubada, as roças são deixadas em descanso para secar a vegetação. Ao fim do verão, a roça é queimada pelo próprio dono, sendo esta uma importante atividade masculina, como descreveram diferentes trabalhos (Miller 2015: 139; Ribeiro 2015: 76; Morim de Lima 2016: 84; Ewart: 152; Tselouïko 2018: 178). Além disso, é preciso saber o momento certo de queimar, evitando que a roça não queime completamente ou, ao contrário, que o fogo se espalhe. Entre os Krahô, as roças são queimadas logo após a primeira chuva, e uma série de indicadores orientam a atividade: a

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lua crescente, a secura da madeira derrubada, a intensidade de vento, a floração do pequi, entre outros (Mistry et al. 2005: 373; Pivello, 2006: 236). Os Apinajé também aguardam cair alguma chuva antes da queimada e fazem aceiros nos limites da roça (Ribeiro 2015: 77-78), assim como os Panará, que esperam ouvir o primeiro trovão a oeste, anunciando a chegada da chuva (Ewart 2013: 152). Em ecossistemas pirofíticos como o cerrado, o fogo deve ser manejado para a conservação, pois sua supressão pode causar incêndios descontrolados, como mostra o estudo de Welch (2015) sobre o manejo de fogo para a caça ritual entre os Xavante.

Os plantios são iniciados com a entrada da estação chuvosa. A literatura mostra que o plano espacial da roça articula aspectos centrais da sociocosmologia Jê. Os Kayapó-Mẽbêngôkre (Hecht e Posey 1989; Robert et al. 2012; Tselouïko 2018; Posey 2002) e os Panará (Heelas 1979; Ewart 2013), por exemplo, organizam suas roças em três anéis concêntricos que espelham o plano circular das aldeias Jê: em geral, o anel mais externo é dedicado às árvores frutíferas; no médio são plantados a mandioca, o milho, e outros cultivos de crescimento vertical; enquanto o central é composto pelos cultivos mais importantes, como o inhame, a batata-doce e o amendoim, que são plantas de rama.

Entre os Krahô, Niemeyer (2011: 123) observou que as técnicas de plantio dos cultivares rasteiros ao centro juntamente à queimada para limpeza e fertilização do terreiro podem atuar na proteção desses cultivares centrais no caso do fogo descontrolado invadir a roça, o que é comum no cerrado durante a seca. Já Tselouïko (2018: 188-189) coloca que, antigamente, enquanto as mulheres Xikrin plantavam batatas-doces e inhames no centro e os homens se ocupavam de plantar mandioca, milho e bananas no círculo periférico, o grupo poderia sofrer ataques de inimigos. Neste caso, tal organização do trabalho permitiria que os homens protegessem as mulheres e as crianças. Observa-se, ainda, uma inversão da organização espacial da roça em relação às aldeias, pois os cultivos femininos são plantados no centro que, no plano da aldeia, é identificado à casa dos homens. Entre os Panará, ao contrário, o amendoim é plantado pelos homens no centro da roça (Heelas 1979; Ewart 2013).

Já os Krahô, os Apinayé (Da Matta 1982: 40), os Kisêdjê (Seeger 1981: 7), os Xavante (Maybury-Lewis 1967: 48) e os Canela Ramkokamekra (Miller 2015: 28) possuem roças retangulares. Entretanto, determinados plantios também seguem os desenhos do traço e do círculo. Como aprofundei em trabalhos anteriores (Morim de Lima 2016; 2017), entre os Krahô, por exemplo, o desenho de plantio da batata-doce é circular, assemelhando-se à forma das aldeias Timbira. As sementes de milho, ao contrário, são ritualmente plantadas pelos homens em fileiras lineares, desenhando traços que atravessam a roça.

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Entre os Panará, o plantio de bananeiras é um árduo trabalho realizado pelos homens sob supervisão das mulheres, cujo desenho também reproduz círculos periféricos e linhas paralelas que atravessam o centro e devem ser corretamente posicionadas (Ewart 2013: 156).

Os Xikrin plantam mandiocas doces e amargas em espaços separados, facilitando o reconhecimento (Tselouïko 2018: 188). Os Krahô fazem o mesmo não só com as mandiocas, mas também com as variedades de milho pohypej (o “milho belo e bom”) e de pohtyti (“milho grande e pesado”, “híbrido”), que não devem ser plantadas na mesma roça, pois o milho é “namorador” e os Krahô não estimulam este cruzamento. Se algumas culturas são consideradas “companheiras”, tendo em vista que se reforçam mutuamente, outras devem ficar separadas, pois disputam espaço, água, sol e recursos nutritivos do solo. É o que descreve Miller entre os Canela Ramkokamekra, ressaltando igualmente o desenho linear de alguns plantios:

In an average rectangular garden plot, maize and fava bean, two species that are ecologically complementary, are planted next to each other in vertical rows. Rice, squash, and watermelon lie in parallel rows, and yam varieties are placed between them. Common bean usually grows around the edge in a horizontal row next to manioc, which is always placed at the edge of garden plots. Peanut and sweet potato varieties require their own separate mini gardens because their roots will interfere with other species in the main plot (Miller 2015: 71-72).

Além disso, algumas espécies possuem suas próprias comunidades, que espelham a organização social e política Canela Ramkokamekra. Os inhames, por exemplo, possuem um conselho de liderança dos mais velhos e suas comunidades são lideradas pelos chefes Krerô Pypre (“inhame peixe”) e Krerô Tekãjkãj/Rorti (“inhame anaconda”). Estas variedades são percebidas como “belas, boas, verdadeiras” e, por protegerem e fortaleceram as outras variedades de inhame, devem ser plantadas no centro. O mesmo ocorre com a mandioca e a batata-doce, que possuem suas próprias aldeias e vidas sociais. A variedade de batata-doce conhecida como Jàt Krorti (“batata-doce grande e colorida”) é a chefe das batatas, devido à sua grande “cabeça” e “espessura” quando comparada a outras variedades (Miller 2015: 151-152).

Observa-se, ainda, uma série de práticas de resguardos seguidas pelos agricultores durante o plantio e o crescimento das plantas, que envolvem restrições alimentares e de certas atividades, a abstinência sexual e a proibição do contato com sangue menstrual. Para além da questão do parentesco vegetal, aprofundada a seguir, essas práticas

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evidenciam o fato de que agricultores não cultivam suas plantas num ambiente vazio, pois outros agentes também interferem nos cultivos. Corpos de pessoas e plantas emergem de emaranhados relacionais que conectam múltiplos sujeitos humanos e não humanos.

Entre os Krahô (Morim de Lima 2016; Prumkwyj Krahô 2017), para que o milho cresça forte e saudável, evitando doenças e predadores, não se deve comer determinadas caças, especialmente suas vísceras, nem mexer com mel ou gordura animal ou vegetal. Se o agricultor comer raposa ou seriema, por exemplo, a espiga do milho ficará fina, à semelhança da pata desses animais. Quando se planta batata-doce, é proibido comer tatupeba, seu principal predador, que as desenterra e come. Somente é permitido mexer nas batatas depois de maduras, não sendo recomendável colhê-las com a ponta do facão ou comê-las quentes, pois elas sentem dor. Também entre os Panará, no plantio do amendoim, os homens não comem mel, carnes ou frutos gordurosos. Evitam atividades envolvendo excesso de calor e contato com sangue, para que as folhas não fiquem vermelhas. O homem não pode ter relações sexuais, a esposa não pode nem tocá-lo, pois ela também tem o corpo quente. Qualquer transgressão resultará na morte dos amendoins (Ewart 2013: 156). Já os Canela não tocam diretamente nas sementes do amendoim durante o plantio, pois as formigas atacam a plantação; durante seu crescimento, alimentos considerados pesados são proibidos. No caso das favas, os Canela evitam comer fígado, vísceras e gordura de qualquer animal. Fumar tabaco próximo às favas as torna não comestíveis e, no caso da mandioca amarga, esta produzirá um veneno mais forte do que o habitual. O consumo de macaúba ou bacuri torna os tubérculos de inhame e os grãos de milho arredondados e duros, com a forma e consistência destes frutos (Miller 2015: 239-241).

Quanto aos períodos de colheita, eles variam de acordo com o ciclo de cada planta, alguns sendo mais curtos e outros mais longos. Embora seja uma atividade majoritariamente feminina, algumas colheitas são masculinas, como é o caso do ritual de colheita do amendoim entre os Panará e do milho entre os Krahô. O momento da colheita é igualmente importante na seleção e conservação das sementes para os próximos plantios, atividades que a maioria dos trabalhos descrevem como femininas. Ao longo do artigo, retomaremos algumas questões no que diz respeito às formas de circulação e propriedades dos alimentos colhidos.

Por fim, como já visto na seção anterior, as capoeiras têm um papel central para colheita de banana, mamão, mandioca, inhame, assim como para coleta de frutíferas nativas e atração de caça. Elas são verdadeiros lugares de memória deixados pelos antepassados.

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Parentesco vegetal

Amplamente descritas na literatura Jê, as práticas de resguardos são realizadas no seio da família nuclear e em situações liminares ligadas ao ciclo de vida da pessoa. De modo geral, elas envolvem restrições alimentares, abstinência sexual e interdição de certas atividades por parte da pessoa e/ou de seus parentes consanguíneos próximos. A centralidade destas práticas evidencia o fato de que o parentesco ameríndio não é “dado”, mas “construído”: é preciso “fazer”, “refazer” e mesmo “desfazer” os corpos dos parentes (Gow 1997; Viveiros de Castro 2002; Coelho de Souza 2002).

É neste sentido que, entre os Jê, o cuidado com as plantas manifesto no resguardo de plantio remete às atitudes próprias aos parentes da família nuclear, particularmente aos resguardos de nascimento e crescimento dos filhos. As plantas são cultivadas enquanto parentes. Caso não sejam bem cuidadas, elas não crescem e nada dão para donos desatenciosos, mudam-se para outras roças e podem se vingar. As plantas são concebidas como seres pensantes que possuem vontades e estados de ânimo, e não meras entidades biológicas passivas diante das intervenções humanas.

É interessante perceber como a independência e as demandas das plantas cultivadas são levadas à sério, pois, em caso de descontentamento, elas simplesmente vão embora, migram para as roças de agricultores mais cuidadosos. Como coloca Carneiro da Cunha (2019: 129), “this kind of relationship to cultivated plants is hardly seen as the dependency on plants implied in domestication. It might look like domestication to us, but it doesn’t seem to look like it to them. There is no (ideological at least) subduing implied”. As concepções indígenas nos distanciam da narrativa dominante sobre a domesticação das plantas, como uma passagem do estado selvagem ao domesticado, que torna a planta mais adaptada às necessidades humanas. Visão esta que corrobora a divisão entre selvagem/natural e doméstico/artificial, assim como a imagem do excepcionalismo humano e da natureza moldada pela cultura (Ingold 2000; van Dooren 2012).

O tema do parentesco vegetal é recorrente entre os ameríndios, apresentando importantes variações, sendo bastante comum as plantas serem concebidas como filhos, mas também como cônjuges, espíritos auxiliares de xamãs, e outros. O cultivo implica num processo de “aparentamento” mútuo, envolvendo um íntimo engajamento corpóreo e afetivo que abarca a dimensão da criação, mas também da troca e da predação.

Nimuendajú (1983: 71) já chamava a atenção para o fato das mulheres Apinajé cuidarem de suas plantas como se fossem parentes: “Quando Ireti me levava pela sua plantação ela me mostrava com uma espécie de orgulho materno, que era muito mais que a satisfação de possuir muitos mantimentos, os seus jurumuns, acariciando-os com afeição

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e chamando-os ‘filhos’”. Segundo Giraldin (2001: 35-36), a recíproca é verdadeira: para as mulheres Apinajé, as plantas também as tratam como mães e, aos seus maridos, como pais. As mulheres devem cuidar bem do terreno do plantio, pois, se são deixadas sufocar pelas ervas daninhas, as plantas externam seu sofrimento através dos cantos me myr. As mulheres conversam com suas plantas antes de iniciarem a colheita e, no caso da mandioca, não podem deixar nenhum tubérculo abandonado na roça. Se uma rama jogada no solo começar a brotar, a mandioca chora seu sofrimento entoando o me myr, que denuncia os maus tratos dos donos. Giraldin relata que, certa vez, passada a época certa da colheita, um pajé ouviu o choro do arroz, que sofria por já estar caindo; também o caso de um pé de macaúba, que chorava por ter tido suas folhas cortadas, deixando pingar gotas de sua seiva. Ribeiro acrescenta ainda: “É dizendo: ‘eu vou te plantar, pra você ficar bom pra mim’ que as mulheres conversam com as sementes enquanto as plantam na terra (...) ‘Agora eu vou te plantar para você dar comida para mim’ (...)” (Ribeiro 2015: 61-64).

Creusa Prumkwyj Krahô explica que os cuidados com as plantas abarcam o plantio, o crescimento, a colheita e os modos de processamento do alimento. Como no caso da macaxeira, que deve ser preparada com cuidado, apenas pelas mulheres mais velhas que não menstruam e não podem mais ter filhos:

Existe um cuidado que está na mão da mulher idosa sobre como agir com a macaxeira. (...) Quando as mulheres estão preparando a macaxeira, cortando a macaxeira, não pode haver pessoas próximas. As cascas devem permanecer reunidas no centro da roda onde essas mulheres estão dispostas, elas devem reunir as cascas, que não podem ficar dispersas pela aldeia. Se uma pessoa fizer xixi na casca, ela terá pus na urina, semelhante a uma doença venérea, por isso o cuidado com a casca da macaxeira para ninguém urinar em cima. Ao final, elas irão varrer bem e jogar em um local onde ninguém faz xixi. Para usar a macaxeira tem que saber, tem um conhecimento que as mulheres mais velhas dominam. São poucas mulheres reunidas, ralando e preparando a macaxeira (Prumkwyj Krahô 2017: 57-58).

Também entre as mulheres Krahô, chamou-me a atenção o modo como elas falavam sobre as batatas-doces durante as colheitas, dizendo: “as batatas já brotaram para mim”. Existe aqui uma relação intrínseca entre “a batata-doce” e “suas cabeças-filhos”, as raízes tuberosas comestíveis, chamadas de “cabeça da batata-doce” ou “filho da batata-doce”. Ao longo de suas ramas, a batata-doce gera suas cabeças-filhos que, ao se tornarem grandes, são dados em retribuição às mulheres que cuidaram bem delas. Caso contrário, elas abandonam suas donas e provocam doenças. Assim, a relação social estabelecida entre

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humanos e plantas pode ser bem-sucedida ou não.

Como aprofundei em trabalhos anteriores (Morim de Lima 2016, 2017), o parentesco vegetal se anuncia de modo complexo entre os Krahô, não restrito à filiação. Por um lado, a relação entre a batata-doce e a agricultora com suas cabeças-filhos ressalta o papel dos genitores-criadores; por outro, entre a batata-doce e a agricultora se estabelece uma relação de troca e afinidade feminina. Veremos, adiante, como este complexo de relações estabelecidas no cultivo remete ao tempo do mito de origem da agricultura (entre Estrela-mulher, suas plantas-filhos e a cunhada) e que são reatualizadas na Festa da Batata (entre as parentes maternas dos palhaços hôxwa, as cabeças de batata-doce e as demais casas matrilocais). Além disso, no mito de origem da Festa da Batata, a relação entre o pajé-mensageiro e os cultivos que faziam a festa reproduz a relação entre os “cabeças velhas” (avô, tio materno) e os “cabeças novas” (neto, sobrinho) respectivamente, o que também aparece em outros mitos e nas relações entre pajés e espíritos auxiliares.

Entre os Canela Ramkokamekra, as plantas cultivadas também devem ser alimentadas e animadas com cantos, e quando se sentem ignoradas, simplesmente vão embora (Miller 2015: 151). O mesmo entre os Kinsedjê: “se as pessoas não ‘pensam’ nas plantas nem ‘cuidam’ delas, elas irão embora – como fazem os parentes maltratados e esquecidos. Você pode até ir às roças antigas buscá-las, mas elas não se mostrarão a você, e muito menos crescerão com você” (Coelho de Souza 2014: 212). Assim, podemos concluir que, tal como ressaltado em diferentes etnografias, o ponto de vista dessas agricultoras revela um importante axioma: as plantas nascem, crescem e dão alimentos para alguém, isto é, onde há relação, ela existe para mim. Neste sentido, sujeito e objeto não são absolutos, pré-constituídos ou essencializados. Nesta interação entre humanos e plantas, ambos são constituídos e transformados, afetam e são afetados.

Espíritos e donos-mestres das plantas cultivadas: fertilidade e predação

É bastante difundida entre os povos indígenas a concepção de que plantas e animais são dotados de alma e que cada espécie possui um “dono-mestre” que cuida de sua gente, reproduzindo relações que se assemelham àquelas entre pais e filhos, tio e sobrinho, chefe e seguidores, xamã e espíritos, mulher e animais de estimação (Fausto 2008). Isso implica na necessidade de negociação constante com essas figuras da alteridade para garantir a eficácia das atividades de subsistência. No caso das plantas cultivadas, concebidas na chave do parentesco, exige-se a atenção a uma etiqueta moral e social que envolve uma série de proibições, como vimos anteriormente.

Entre os Krahô e os Apinajé (Giraldin 2001), as etnografias relatam que as relações

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com os espíritos (carõ) das plantas ou com seus donos-mestres podem ser tão férteis quanto perigosas, isto é, a abundância de uma colheita generosa pode se reverter em abandono ou doença, um contexto de contra-predação e xamanismo. Isto porque, como vimos, muitas atitudes podem deixar os cultivos raivosos.

No caso Krahô (Morim de Lima 2016, 2017), a batata-doce é corpo-dona de suas cabeças-filhos batatas: ela agrega, ou melhor, ela é essa multiplicidade. Como desenvolvi em trabalhos anteriores, a noção krahô de corpo-dono pode ser traduzida por pahhi, “nosso esqueleto”, que denota a figura dos “chefes” que encorporam e sustentam uma coletividade humana ou não humana. Em diferentes relatos míticos e xamânicos, os pahhi dos animais e das plantas se manifestam enquanto espíritos vistos em sua forma humana pelos pajés, que se apropriam de seus conhecimentos de cura, cantos e danças. Ao mesmo tempo, não são raras as histórias sobre a braveza e a sedução do pahhi da mandioca, a periculosidade do inhame sucuriju, entre outras envolvendo feitiços colocados pelas plantas.

Também entre os Apinajé, uma pessoa pode adoecer ao comer alimentos vegetais ou animais, pela ação do karõ. Cada planta da roça possui uma karõ diferente, umas mais doces e outras amargas, moles ou duras (Ribeiro 2015: 61). Antigamente existia uma forma de encantamento chamada de me amnhi, que era aprendida na cerimônia de iniciação masculina. Segundo Giraldin (2001: 36), “os Apinaje mais antigos explicam-no como sendo um canto através do qual os humanos podem encantar e dominar, não os me karõ de animais ou plantas, mas os próprios animais ou plantas.” Nimuendajú e Ribeiro relatam, ainda, sobre a organização dos Txwul-putáli-Txwúdn, os “guerreirões da roça”, dois homens associados aos pares de metade que vigiam as roças. No dia do plantio, os cestos com sementes são levados para o pátio, para que os Txwul-putáli-Txwúdn da metade Kore os suspendam para o sol, pedindo-lhe uma boa colheita, chuvas e proteção contra os predadores. Eles são os responsáveis pelo primeiro plantio, ocupam-se do crescimento dos cultivos (a quem chamam de “filhos”) por meio de cantigas e outras atitudes. E vigiam para que nenhuma mulher mexa com as plantas antes do tempo da colheita (Nimuendajú 1983: 70-71). Quando colhida e consumida antes do tempo, o karõ da planta se zanga e, ao invés de garantir a fertilidade da roça, ele se vinga com doenças (Ribeiro 2015: 67-68).

Entre os Canela Ramkokamekra, a interação entre os pajés e os espíritos mestres das plantas também são essenciais para a eficácia das colheitas. Porém, de acordo com Miller, suas relações são sempre amigáveis e amistosas, e não potencialmente perigosas como os encontros com as almas dos parentes mortos (Miller 2015: 262). As plantas expressam suas preocupações e reclamações com os pajés, mas, diferentemente dos

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agricultores responsáveis pelo cultivo, aqueles não são tratados como “pais” ou “mães”. Os encontros entre o xamã e as mulheres-planta podem envolver ainda sedução, como observei também entre os Krahô.

Miller (2015: 273-274) registra em detalhes as caraterísticas e comportamentos dos mestres de cada espécie e variedade. Eles aparecem como “gente”, embora retenham aspectos morfológicos vegetais que os distinguem, seja o tamanho, a forma ou os “enfeites”. A variedade feminina de mandioca Kwỳr Awari, por exemplo, é descrita como uma mulher alta e bonita, com braceletes vermelhos brilhantes ao redor de seus braços-folha, que fazem referência à cor avermelhada das folhas e da haste dessa variedade. Já a variedade feminina Kwỳr Pakranre/Caprãn Jũkee é pequena e esfarrapada, semelhante a haste curta dessa variedade. A variedade feminina de milho Põhy Pej-re tem longos cabelos loiros, enquanto a de milho Caprecti tem cabelo vermelho. Amendoim-mulher é uma mulher-planta alta, com cabelos brancos e pele escura, como o comprimento da rama e à cor marrom-escura da semente. A mulher-fava possui sua face pintada, como os desenhos das sementes.

Segundo Giannini (1991:82-83, 169 apud Giraldin 2001: 43, nota 10), entre os Xikrin, as plantas não possuem karõ, mas uma substância chamada de udju, que tem poderes curativos. Além disso, as plantas cultivadas não causariam doenças. Nem por isso, contudo, as roças deixam se ser espaços perigosos, habitado pelas almas dos parentes já mortos (mekaron) (Tselouïko 2018: 203). As mulheres Xikrin, por exemplo, evitam ir sozinha às roças e, no retorno para a aldeia, costumam cuspir para evitar que as almas dos mortos a acompanhem (Cohn 2005: 72).

Mitos de origem e rituais agrícolas

Os Jê possuem elaborados mitos e rituais associados ao cultivo. Entre os Timbira Ocidentais, os Apinayé e os Kayapó-Mebêngôkre, a origem de todas as plantas cultivadas se deve à Estrela-mulher. Já para os Kisedjê, os Panará e também os Kayapó-Mebêngôkre (que contam ambos os mitos), foi um rato quem ensinou a cultura do milho. As narrativas Jê mostram a transição de uma humanidade primordial, que comia madeira podre, para os povos atuais que, por intermédio da Estrela-mulher ou do rato, passaram a se alimentar das plantas cultivadas e frutíferas manejadas. Os mitos de origem das plantas foram analisados por Lévi-Strauss (1964), que mostra as relações de transformação e inversão entre as diferentes versões. Vejamos algumas delas.

Como as demais narrativas Jê, a versão Kinsêdjê descreve que os antepassados

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comiam madeira podre. Eles costumavam nadar no rio dos alimentos, sem saber que poderiam ser consumidos. Até que um rato pulou no ombro de uma jovem mãe, a ensinou a cultivar as roças e contou sobre o milho. A família da mulher manteve o milho em segredo até que a criança começasse a andar e levasse um bolo de milho para os homens, no centro da aldeia. Eles correram para o rio e colheram tudo o que lá havia e, desde então, comem alimentos cultivados (Seeger 2015: 71). Este mito está relacionado à Festa do Rato, um rito de passagem dos jovens que iniciam suas atividades masculinas no pátio da aldeia, e na qual destaca-se a relação entre os nominadores e nominados, mas também entre humanos e animais (Seeger 2015: 27). Assim também conta a versão Panará, sobre como o rato mostrou o milho e a cutia o amendoim, dessa vez para uma velha senhora, dando origem à Festa de colheita do Amendoim: “Agouti and Mouse were the owners of maize and peanuts.” (Ewart 2013: 147-148).

As versões Timbira contam que a Estrela-mulher (Caxêkwyj) caiu do céu em forma de rã no peito de um jovem solteiro que dormia no pátio. Transformou-se em mulher e casou-se com ele. Depois de ser descoberta pela cunhada dentro da cabaça em que ficava escondida, ensinou o que sabia sobre as plantas cultivadas. A Estrela-mulher vem de longe e o casamento realiza uma medição entre mundos distintos. Porém, contrariando a regra da uxorilocalidade, é ela quem se muda para a casa do marido. Em uma das versões Krahô (Morim de Lima 2016), quando Estrela-Mulher engravida, os maridos não cumprem o resguardo e seu filho morre, rompendo a relação de reciprocidade existente. Ela resolve se vingar, mata os maridos com veneno de peixe, e vai embora.

Além das plantas trazidas do céu (batata-doce, mandioca, inhame, entre outras), a Estrela-mulher ensina sobre as plantas que já existiam no patamar terrestre, mas cujos usos alimentares eram ainda desconhecidos, como o milho e as palmeiras de buriti, bacaba, macaúba, e outras. Os antepassados se banhavam nas sementes coloridas do milho sem saber que eram comestíveis, até que ela os ensinou suas técnicas de cultivo e de preparação do bolo de milho. Para os antigos, que comiam “podre”, o milho era apenas “comida de passarinho”. Foram tais figuras míticas que mostraram que se tratava de “comida de gente” e promoveram, assim, uma mudança de perspectiva (Miller 2015).

Os Kayapó-Mebêngôkre, por sua vez, possuem os dois mitos: da Estrela-mulher (Nhàkpôkti), que trouxe as plantas cultivadas; e o da grande árvore de milho mostrada pelo rato a uma velha senhora. Um tema importante, que aparece nas versões Timbira e Kayapó, é o da derrubada da grande árvore de milho, que continha em si todas as variedades dessa planta. As sementes se espalharam no ribeirão e foram apropriadas pelos diferentes povos que também se separam, associando a especiação do milho e o processo de diferenciação

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dos povos. Entre os Xikrin, o mito ressalta, ainda, a diferenciação linguística entre os coletivos Mebêngôkre (Tselouïko 2018).

O milho possui importantes significados rituais para os Jê, por exemplo, na iniciação masculina e em outros rituais do ciclo de vida Xavante e Kayapó-Mebêngôkre (Maybury-Lewis 1967; Hecht e Posey 1989). Entre estes últimos, o ritual de colheita do milho celebra a iniciação de crianças de ambos os sexos e re-encena o episódio mítico da derrubada da grande árvore de milho, que deu origem à diferenciação dos coletivos Mebengôkre (Vidal 1977). As ocasiões de plantio e de colheita do milho são ritualmente celebradas também entre os Kisedjê, os Panará e os Timbiras, pois estão relacionados ao crescimento e à fertilidade das plantas, das pessoas e da vida social. Além do milho, veremos adiante como a colheita do amendoim cultivado pelos homens entre os Panará e da batata-doce pelas mulheres Timbira são igualmente valorizadas.

Ciclos de vida, trocas rituais e o gênero da dádiva

Os rituais agrícolas estão ligados ao calendário sazonal e expressam uma estreita conexão entre o ciclo de vida das pessoas e das plantas, a fertilidade das roças e das aldeias, estabelecendo uma homologia entre os ciclos ecológicos, sociais e cósmicos: o plantio e o nascimento; o crescimento e o resguardo; a reprodução e a circulação; o envelhecimento e a morte.

Entre os Krahô, o calendário agrícola e sazonal é orientado pelos rituais associados à batata-doce e ao milho, que marcam as transições das estações, o que remonta ao complexo dualismo Jê. Em trabalhos anteriores (Morim de Lima 2016, 2017, 2018), assinalo a oposição complementar entre a batata-doce e o milho, no que se refere aos diferentes modos de cultivo, reprodução, crescimento, tempo do plantio e ciclo cerimonial. Ao retomar esta reflexão, busco conectá-la às análises de outros autores que, com importantes variações, colocam uma série de questões similares.

Entre os Krahô, o milho está associado à chuva, ao masculino, ao plantio linear, ao crescimento vertical do pé, à reprodução cruzada e às espigas que dão no alto. No ritual de plantio e crescimento do milho, que marca a passagem do verão para o inverno, duas ações masculinas são centrais para o “fazer crescer, fazer levantar e ficar de pé” as plantas e as pessoas: na corrida da tora do milho, o tamanho da tora é análogo ao atingido pelos pés de milho já plantados; e no jogo de petecas de palha de milho, quanto mais tempo as petecas se mantêm no ar sem cair no chão, maior será a produção de espigas no alto do pé. Temos, ainda, as flechas de milho, usadas para treinar os jovens guerreiros. Além disso, o

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plantio ritual do milho pohypej é idealmente realizado pelo pai ou avô de um menino em fase de iniciação ligado pelo nome ao grupo cerimonial do “urubu”.

Entre os Canela Ramkokamekra, que também correm com a tora de milho na ocasião do plantio e do crescimento, são os anciãos que escolhem quem será o dono da festa e responsável pelo plantio e pela primeira colheita. O plantio se inicia com o dono da festa apresentando as sementes de milho no pátio para o conselho dos anciãos e entoando o canto do Milho, que conta sobre a fúria do milho com uma mulher que o humilhou durante a colheita. O consumo do milho deve ser assegurado pelos velhos que comem a primeira espiga colhida e, caso esta não ofereça riscos, autorizam comunidade a realizar as colheitas. Durante a tarde do mesmo dia, os jovens também brincam com as petecas de milho no pátio, o que deixa o milho alegre e garante a eficácia da colheita; este jogo pode ocorrer junto com a apresentação dos hôxwa, os palhaços cerimoniais associados à colheita da batata-doce (Nimundajú 1946; Crocker 1990: 100; Miller 2015: 255-256).

Se os rituais de colheita Krahô parecem marcar a maturidade dos cultivos, os rituais de colheita Canela Ramkokamekra, por sua vez, enfatizam o fim do ciclo de vida das plantas e das relações que os agricultores humanos estabeleceram com elas. É neste sentido que, assim como os velhos anciãos no final de suas vidas, as plantas são prestigiadas e recebem um ritual no pátio central (Miller 2015: 210, 257). Eles celebram, além do milho, a primeira coleta do caju e do buriti (como também fazem os Krahô para a bacaba e o caju), e a colheita da fava, da abóbora e do inhame. Como no caso do milho, os anciãos devem provar a primeira colheita para garantir o consumo. Aqueles que não respeitam a proibição ritual podem ficar doentes ou serem mordidos por vários insetos. No caso da batata-doce, mulheres jovens podem se tornar velhas (Miller 2015: 246-248).

Já entre os Krahô, a colheita do milho é marcada por um ritual em que os homens das metades rituais do verão e do inverno roubam as roças (e também as mulheres) uns dos outros, realizando uma colheita coletiva do milho. Os homens “derrubam” os pés de milho inteiros, cortando-os com um facão pela base, o que remete à imagem mítica da derrubada da árvore de milho. Com as plantas colhidas, os homens constroem dois grandes “feixes”, que imitam espigas de milho gigantes, chamados pohypre. Apenas os homens participam da corrida realizada com esses dois feixes, que são posteriormente abertos no pátio central, sendo os alimentos distribuídos entre as diferentes casas. A troca ocorre, portanto, entre as metades sazonais, enfatizando as relações de afinidade cerimonial masculina.

No caso da batata-doce, ela está associada à seca, ao feminino, ao plantio que é circular, à propagação vegetativa, ao crescimento horizontal das ramas e às cabeças que

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dão embaixo da terra. Cabe notar como o crescimento e a reprodução da batata-doce e da aldeia se assemelham: uma planta-aldeia-mãe cindida dá origem às plantas-aldeias-filhas, multiplicando as batatas-clones e a “forma Timbira” das aldeias (Azanha 1984). Como também colocou uma mulher Canela-Ramkokamekra: “Aqui é assim: os parentes se espalham pela aldeia inteira como rama de batata” (Ladeira 1982:52). Importante considerar que uma aldeia Timbira não se cinde jamais através das divisões do pátio central, mas pelas famílias que ocupam a periferia e constituem os segmentos residenciais matrilineares. As ramas da batata-doce também são fragmentadas e dão origem a novos plantios, se espalham circularmente e ao longo delas se reproduzem as “cabeças-filhos”. Neste sentido é que “as ramas da batata explicitam o esqueleto provido pela continuidade das linhas femininas” (Coelho de Souza 2002: 595).

A análise ritual permite aprofundar, ainda, a reflexão acerca das relações de filiação e de afinidade feminina que se estabelecem entre a batata-doce, as agricultoras e as cabeças-filhos. Vimos anteriormente que, no mito, a Estrela-mulher dá seus filhos-plantas para sua cunhada, assim como, no contexto das relações de cultivo, a batata dá suas cabeças-filhos para as agricultoras. Como aprofundei em trabalhos anteriores (Morim de Lima 206, 2017), na Festa da Batata, por sua vez, as cabeças que circulam durante a cantoria da Batata são idealmente ofertadas pelas mães e parentes maternas dos hôxwa, os palhaços cerimoniais que se apresentam na festa. A troca ocorre entre os diferentes segmentos residenciais matrilocais, enfatizando as relações de afinidade feminina: as cabeças de batatas-doces saem de suas roças maternas e se espalham pela aldeia, circulando como os filhos dessas mulheres que, ao se casarem, passam a habitar outras casas da aldeia, seguindo a regra da uxorilocalidade.

O hôxwa, espécie de palhaço cerimonial que no mito era a abóbora, é o “dono” da festa da Batata: é ele quem corta as toras, suas parentes maternas ofertam as batata-doces e fazem as fogueiras onde eles se apresentam na noite. Cabe ressaltar que este é um papel ritual ligado ao nome pessoal. A apresentação dos hôxwa é uma espécie de dança, jogo, mimese e brincadeira: eles imitam de forma caricata e jocosa, sem falas, o jeito de diferentes figuras da alteridade, em particular as plantas, além de comportamentos subversivos que provocam muitos risos. Entre os Canela, os hôxwa também estão associados à colheita da batata-doce (Nimuendajú 1946; Crocker 1990; Miller 2015). Sobre o canto da Batata, Miller coloca, ainda, que “during the song the men become the ‘sweet potatoes’ of the women. Although sung at the end of the growing season, the research assistants inform me that the purpose of the song is to ‘help the sweet potato grow well” (2015: 249).

No caso dos Panará, diferentes autores teceram reflexões semelhantes sobre o

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cultivo do amendoim, que expressa a ideologia de reprodução social masculina e pode ser comparado ao trabalho feminino de criação de filhos. Os homens saem de suas casas sozinhos, carregando suas pequenas cestas, para plantar o amendoim no centro da roça. Embora as mulheres possam estar presentes, elas nunca se envolvem no plantio do amendoim (Ewart 2013: 156). A colheita do amendoim, por sua vez, é sempre realizada por toda a aldeia, cada roça por vez. Antigamente, o tempo da colheita do amendoim estava associada à antiga cerimônia de iniciação, marcada pelo corte de cabelo dos jovens, meninos e meninas (Heelas 1979; Schwartzman 1988). Os Panará fazem ainda uma importante distinção entre duas qualidades de sementes, as maiores que são destinadas para replantio, e as menores que serão consumidas ao longo do ano:

The nuts spread out to dry are divided into two parts; the one, somewhat bigger part is known as siin mpe (siin — semen/liquid/flesh; mpe — real/true), while the other part is called sangkre (remainder, surplus; this term is also used to identify the long red cotton strings that hang from panará earplugs down over the wearer’s back) (Ewart 2013: 157).

A identificação entre o “bom” amendoim e o sêmen masculino suscita, assim, uma série de questões desenvolvidas na etnografia Panará. Segundo Heelas (1979: 271-72 apud Ewart 2013: 160), o amendoim é fertilizado e concebido, cresce e amadurece, em um domínio masculino. Os amendoins deixam as casas matrilineares para se desenvolverem no centro da roça identificada como um espaço masculino, assim como os homens deixam as casas maternas para amadurecerem nas casas dos homens no centro do pátio. Sobre a reflexão de Heelas, Ewart pontua que, embora o cultivo do amendoim e o centro da roça sejam exclusivamente masculinos, a roça, de maneira mais ampla, continua pertencendo ao segmento matrilinear da esposa. Apesar de Heelas negligenciar tal aspecto feminino da roça, isto não invalida os dois pontos centrais da análise aprofundados por Ewart: a analogia entre o crescimento do amendoim e dos jovens, e a relação entre a circulação das sementes e dos homens seguindo a regra da uxorilocalidade.

This is the only crop that involves collective activities during the harvest, which result in the crop from each garden being dispersed to form part of the new seed for every new garden in the coming year. Like men from one clan going across the village to other clans to marry there (taking their semen to other houses), the real semen (siin mpe) of each garden, that is, peanuts, is dispersed across all the gardens in every year (Ewart 2013: 160).

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Os rituais possuem ainda um importante papel na circulação das plantas cultivadas, seja para o consumo ou para o replantio. Entre os Krahô, cabeças de batata-doce são oferecidas durante a cantoria da Batata, e espigas de milho são distribuídas após a corrida dos feixes de milho. Entre os Panará, o tratamento e a seleção do amendoim ao fim da colheita implicam que “(...) each house ends up with a mixture of every other house’s peanuts” (Ewart 2013: 158). Nestas ocasiões, portanto, a circulação das sementes ocorre por meio de complexas ações e performances rituais, inseridas num contexto mais amplo de troca de objetos, alimentos, nomes, pessoas, cantos, e por aí vai10. Na medida em que circulam pelas redes de parentesco, esses bens materiais e imateriais podem ser apropriadas por outros “donos”. Entre os Krahô, especificamente, vimos que certas categorias de parentes possuem prerrogativas para o cultivo da batata-doce e do milho ofertados nos rituais, o que está ligado ao nome pessoal.

Por fim, cabe notar que os bens trocados nos rituais assumem uma forma-gênero específica: as batatas-doces, entre os Canela e Krahô, são os homens das mulheres ou os filhos criados por suas mães, assim como o “bom” amendoim é o sêmen masculino cultivado pelos homens Panara.

Beleza e diversidade das roças: especialização e abertura ao outro

Para além do ritual, a circulação de sementes está inserida em outras dinâmicas sociais mais amplas, mobilizando redes de troca que são centrais para o incremento da biodiversidade (Emperaire et al. 2010). Essas redes conectam parentes afins, parceiros de trocas intra e interétnicas, “brancos” com quem se estabelecem relações de vizinhança e compadrio e, atualmente, também as instituições de pesquisa, as organizações governamentais e não governamentais. É neste sentido que “cultivar mandioca ou milho significa cultivar suas relações” (Robert et al. 2012: 362).

A percepção de uma roça “bela e boa” passa inevitavelmente pela diversidade de espécies e variedades nela cultivada. O gosto pela diversidade é associado a uma dimensão estética e ao fascínio pela diferença e pela variação, às histórias de vida e à memória afetiva imbuídas nas coleções (Carneiro da Cunha 2015; Emperaire et. al. 2010; Emperaire 2014). No caso dos Jê, estudos entre os Kayapó-Mebêngôkre (Cohn 2005, 2011; de Robert et al. 2012) e os Timbira (Miller 2015; Morim de Lima 2016) mostram, ainda, que a diversidade

10 A transmissão e circulação das plantas cultivadas, entretanto, não se confundem com aquelas que caracterizam certas prerrogativas rituais, como é o caso dos nekrets entre os Kayapó (Lea 2015; Robert et al. 2012: 265; Cohn 2005: 74) e os cantos rituais e saberes xamânicos entre os Krahô (Borges e Niemeyer 2012).

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das roças está ligada a dois processos complementares: a especialização (relação entre consanguíneos de um mesmo segmento residencial) e a circulação (relação com afins, estrangeiros, inimigos).

Por um lado, a roça é um espaço de partilha entre os consanguíneos. Os parentes de um mesmo segmento residencial, especialmente as mulheres ligadas por vínculos matrilineares, costumam trabalhar juntos na roça e, assim, transmitem saberes e cultivares. Neste sentido, o conjunto de variedades cultivadas nas roças dessas mulheres tendem a ser mais parecidas (Robert et al. 2012: 365; Miller 2015: 200; Morim de Lima 2016: 120, Fisher 1991: 182 apud Cohn 2005: 74-75). Além disso, na abertura de uma roça, grande parte das sementes e mudas são remanejadas das roças velhas para as novas, o que faz com que cada variedade possa ter sua origem retraçada, como entre os Kayapó-Mebêngôkre, em que “uma mulher pode prontamente explicar que a variedade ‘preta’ veio de sua irmã da aldeia Xikrin do Cateté, enquanto a ‘redonda’ veio de sua mãe” (Fisher 2000: 87 apud Cohn 2011: 61). Ainda entre os Kayapó-Mebêngôkre, segundo Robert et al. (2012: 365), embora as plantas sejam cultivadas por todos, cada aldeia, cada família e até cada mulher podem vir a possuir variedades especiais, consideradas “especialidades”. Nada disso significa, porém, que exista um direito de propriedade sobre “variedades exclusivas”. Em geral, as sementes e mudas (especialmente em caso de perda) circulam livremente e as redes de solidariedade podem ser espontaneamente mobilizadas, como também observam Borges & Niemeyer (2012) entre os Krahô.

A noção de dona(o) se coloca em relação aos produtos do cultivo e evoca uma relação que não remete à mera “propriedade”, mas expressa um engajamento corporal e afetivo entre dona(o) da roça e seus cultivos: estes são os frutos do trabalho e do cuidado daquela(e) que os cria e faz crescer (Belaunde 2001: 121; Carneiro da Cunha, 2014: 15; Emperaire, 2014: 69). Entre o Xikrin, por exemplo, os produtos da roça são pensados como sendo “das mulheres”, pois são fruto do seu trabalho cotidiano, de seus conhecimentos e habilidades, e delas depende a circulação nas redes de reciprocidade. Por isto mesmo, o roubo das roças é um dos grandes motivos de conflitos numa comunidade de parentes e co-residentes (Fisher 1991, 2000 apud Cohn 2011: 60).

Por outro lado, esse “roubo da diferença” é extremamente valorizado quando praticada contra o Outro: “falar de cultivares é falar sobre a relação dos Mebengokré com os Outros a partir de um olhar feminino” (Cohn 2011: 57). Antigamente entre os Kayapó Mebêngôkre, os roubos das roças dos inimigos indígenas e não indígenas, os cativos de guerra e as migrações, enriqueciam a diversidade: “eram essas as coisas que se buscava nas roças dos inimigos, e quanto maior a diversidade e variedade de seu plantio, maior seu valor

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aos olhos Mebêngôkre” (Cohn 2005: 75).

A diversificação da roça está vinculada às trocas entre parentes afins e, mais particularmente, com outras etnias e parceiros de troca. Novas espécies e variedades são extremamente valorizadas e frequentemente adquiridas em diferentes ocasiões: deslocamentos pela floresta e visitas às roças e antigas capoeiras, indígenas e não indígenas, viagens para outras aldeias, cidades próximas e distantes, entre outras. Entre os Krahô, é interessante notar que a aldeia que apresenta maior diversidade nas roças é aquela que possui um histórico de contato mais intenso (Niemeyer 2011). Segundo Niemeyer, a transformação do sistema agrícola nesta aldeia é também uma das causas de sua resiliência e de sua grande diversidade, o que se deve, entre outras coisas, à maior amplitude das relações de vizinhança e troca com os sertanejos da região.

Atualmente, cabe ressaltar as parcerias com instituições de pesquisa que incentivam a conservação on farm, como é o caso dos Krahô com a Embrapa, assim como a realização de feiras inter-étnicas de trocas de sementes, como aquelas realizadas entre os Krahô e os Kayapó-Mebêngôkre11. Grande parte dessas iniciativas contemporâneas são estratégias de combate à perda de sementes tradicionais e à diminuição da agrobiodiversidade entre vários povos indígenas, causadas por fatores ecológicos, políticos e econômicos diversos. Um caso bastante documentado é o da perda das variedades locais de milho entre os Krahô (Ávila 2004; Dias 2013)12.

A roça é, assim, um espaço aberto, de experimentação e inovação, sendo esta dinâmica que cria a diversidade. A mitologia Jê ressalta como bens materiais e imateriais foram incorporados de “outros” seres, destacando a origem exógena dos próprios cultivos tidos como “tradicionais”. Como tudo mais entre os Jê, a diversidade dos cultivares das roças não são repertórios fechados, mas precisam ser constantemente refeitos e enriquecidos e particularizados por meia da incorporação da diferença (Cohn 20011).

Este processo de transformação de algo exterior em interior é, entretanto, controlado por critérios éticos e estéticos próprios a cada povo. Como coloca Ewart entre os Panara, “bringing things from others into the garden is desirable and positively expands the potential productive value of the garden as long as these species are planted and cared for in appropriate—that is panará—ways” (Ewart 2013: 155). Por fim, a produção de cultivares, como das próprias pessoas e coletivos, se dá neste duplo movimento entre o aparentamento e a alteridade, entre a produção de corpos e substâncias compartilhadas e

11 Alguns estudos que analisaram este novo contexto de relações e parcerias no caso Krahô são Ávila (2004), Niemeyer (2011) e Borges (2014).

12 A perda de variedades de milho e dos rituais associados também é observado entre os Kayapó (Tselouïko 2018).

Ana Gabriela Morim de Lima

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a consolidação das relações de afinidade (Cohn 2011: 67).

Conclusão: povos da diversidade e suas formas de resistência

Ao longo deste artigo, busquei demonstrar a riqueza e a complexidade dos saberes e práticas dos povos Jê associadas ao cultivo, que não se restringe a uma esfera utilitária ou funcionalista. O que nos permite lançar um outro olhar para os sistemas agrícolas indígenas, não raramente percebidos pelos defensores da “moderna agricultura” enquanto meras atividades de subsistência, pouco produtivas, típicas de povos desinteressados pelo trabalho árduo e movidos por um comportamento errante. Tal visão de modernidade pressupõe, ainda, uma relação causal entre agricultura, domesticação, sedentarização, propriedade e progresso, na qual as noções de subjugar, conquistar e colonizar estão implícitas (Carneiro da Cunha 2019).

Atualmente no Brasil, o modelo hegemônico do agronegócio se orienta pelas exigências do mercado produtor e consumidor em sua busca por uniformidade, alto rendimento, homogeneidade de produtos, durabilidade, resistência aos bioquímicos, e no qual proliferam sementes geneticamente modificadas, patenteadas e comercializadas pelas corporações multinacionais (Santonieri 2016; Morim de Lima et al. 2018). Ao fim desse ciclo, restam as paisagens degradadas e abandonadas. A ênfase na modernização agrícola, na expansão do agronegócio e nas políticas de conservação que desconsideram saberes locais geram, por consequência, a crescente erosão genética e a perda dos conhecimentos associados, assim como os impactos socioambientais que afetam não apenas os povos indígenas, mas todos os coletivos humanos e não humanos (Emperaire 2014; Carneiro da Cunha 2015).

Em contraste com esta lógica científica-industrial, os sistemas agrícolas dos povos Jê e de grande parte dos indígenas são movidos por princípios outros. Observa-se que a concepção de territorialidade entre estes povos se refere aos vínculos sociais e afetivos, simbólicos e rituais. De modo geral, a terra não é propriedade de alguns e todas as famílias possuem igual direito de acesso às terras disponíveis para o cultivo. Vimos, neste artigo, como a força de trabalho tampouco é uma mercadoria: o trabalho não é alienado das relações pessoais e comunitárias, envolve cooperação e autonomia, demonstrando um aspecto igualitário e não hierárquico. Além disso, as sementes circulam livremente e as redes de solidariedade podem ser espontaneamente mobilizadas, particularmente em caso de perdas. O que não deve ser confundido com ausência de regimes próprios de troca e circulação, com normas e valores específicos. Nestes sistemas, os agricultores reconhecidos pela comunidade pela grande diversidade de suas roças, incluindo espécies

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e variedades raras, possuem papel central num contexto de risco de erosão genética13.

A beleza das roças é reconhecida pela diversidade cultivada rodeada pela fauna e flora nativas. A dimensão estética não é separada dos outros domínios da atividade social: a produção é uma atividade criativa, cujos efeitos estão na forma de agir e transformar o mundo, o que envolve uma ética específica (Overing 1989; Lagrou 2007). Da longa vivência nos ambientes e da interação com seus outros habitantes, emergem sofisticados conhecimentos fundamentados na experiência corporal e nas percepções sensoriais, transmitidos nas narrativas míticas e históricas, no cotidiano e nos rituais. A roça, a floresta e seus habitantes não são percebidos enquanto “meios” e “recursos naturais” a serem explorados: trata-se aqui de uma complexa teia vital composta por humanos, plantas, animais, espíritos e outros sujeitos que pensam, sentem e agem no mundo.

Os modos de vida indígenas vêm enfrentando, dos tempos coloniais aos dias atuais, ataques sistemáticos aos seus direitos originários. A violência e opressão são motivadas, principalmente, pela exploração dos “recursos naturais” que abundam em seus territórios. Como consequência, as terras indígenas se tornam verdadeiras ilhas de biodiversidade em meio ao entorno devastado e, por isso mesmo, são alvos de cobiça e de invasões. Além disso, o discurso desenvolvimentista pesa sobre muitas dessas comunidades, que são pressionadas a substituir seus sistemas agrícolas tradicionais pela monocultura.

Entre os Jê, o caso dos Kaingang, por exemplo, explicita os incomensuráveis prejuízos sociais e ambientais causados pela colonização, pela perda de seus territórios e exploração da mão de obra indígena. Como ocorreu entre outros povos, os projetos governamentais de desenvolvimento levados a cabo pelo antigo SPI distribuíram sementes, máquinas, insumos agrícolas, entre outras técnicas que não faziam parte do cotidiano Kaingang. Muitas delas foram incorporadas e, atualmente, muitas famílias praticam cultivo mecanizado de soja por meio de parcerias agrícolas (Nascimento 2017).

Entretanto, a “resistência Kaingang” também se dá por meio do cultivo da terra, isto é, das roças de coivara que continuam a ser abertas nos “interstícios da soja”. Como mostra Nascimento (2017: 17), não ocorreu uma completa substituição dos sistemas produtivos e das técnicas tradicionais Kaingang, as roças de coivara e os cultivos de quintal convivem com a agricultura mecanizada. Além disso, algumas famílias estão começando a trabalhar com a produção de orgânicos para consumo e geração de renda. (Nascimento 2017: 79). A retomada de partes do território possibilitou não apenas a recuperação das atividades de pesca, caça e coleta, como também o reflorestamento de áreas que foram

13 No contexto de pesquisa e projetos, emerge a categoria de “guardiões da agrobiodiversidade” para identificar esses especialistas.

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fortemente impactadas pelas invasões sofridas (Nascimento 2017: 66). Como coloca a autora: “(...) é preciso ressaltar o importante papel das mulheres na manutenção dos cultivos de subsistência. A “teimosia” dessas mulheres em continuar fazendo seus cultivos mostra a força da resiliência do sistema agrícola tradicional Kaingang.” (Nascimento 2017: 81).

Histórias de ambientes devastados e modos de vida impactados revelam, assim, histórias de luta e resistência aos projetos de aniquilamento da vida, por povos que cultivam a criatividade e a habilidade de agir e responder às constantes ameaças do “fim(s) do(s) mundo(s)”. A contribuição desses povos para o incremento e a conservação da agrobiodiversidade merece destaque, tendo em vista sua centralidade para as questões socioambientais e para a segurança alimentar local e global, em larga escala (Santilli 2009). Para finalizar, retomamos abaixo o episódio contado por Nimuendajú e protagonizado pelos Canela-Ramkokamekra nos anos de 1930 que, longe de ser uma imagem alegórica de um passado distante, permanece literal e atual em pleno século XXI.

White neighbors are wont to mock at Ramkokamekra farmers, alleging that they raise nothing or at least nothing worthwhile and that they subsist by theft and begging. Few take the trouble even to look at the Indian plantations. Yet towards the close of 1930 these scoffers were obliged willy-nilly to aknowledge publicly that the Indians had planted considerable crops. At the time part of Maranhão suffered from a famine, for the manioc crop had failed over a wide area so that the generally indispensable flour made from this plant was lacking. In Barra do Corda the scarcity forced the local officials to ration the sale of what little was to be had. At the peak of this plight the Ramkokamekra suddenly appeared with several horseloads of manioc flour and saved the townsmen since by an odd chance they alone had saved their yield. In the meantime, not only the half-starved Guajajára form beyond the Rio Corda had billeted themselves on the residents of Ponto, but even the Neobrazilians came to offer the Ramkokamekra their labor in return for manioc. When I reached Barra do Corda in 1931 and inquired in a shop whether good flour was to be had, the owner answered, “Very good flour indeed; it’s from the aldea Ponto!” Yet in this town many “whites” had declared categorically that they would never eat anything prepared by “these nauseating beasts” (Nimuendajú 1946: 61).

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Recebido em: 08 de março de 2019.

Aceito em: 01 de novembro de 2019.

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