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68 Mercadologia Pedro Jaime Júnior Mestre em Antropologia Social pela Unicamp, Pesquisador do Centro Educacional de Tecnologia em Administração (Cetead) e Professor da Universidade Salvador. E-mail: [email protected] ETNOMARKETING: antropologia, cultura e consumo RESUMO Neste artigo, pretende-se, inicialmente, ressaltar a presença de dimensões culturais e simbólicas no universo do consumo e evidenciar o recurso ao aporte antropológico na gestão de marketing, mediante a apresentação de alguns casos extraídos da literatura de difusão sobre o universo empresarial. Em seguida, com base no método biográfico, são descritas as trajetórias profissionais de dois antropólogos que têm empreendido trabalhos práticos situados no campo da Administração Mercadológica. O propósito final é contribuir para a discussão sobre a fronteira interdisciplinar que envolve a Antropologia do Consumo e a Mercadologia. ABSTRACT At first the article attempts to point the cultural and symbolic aspects of the consumption and the use of an anthropological approach on the marketing management. Therefore, the text focuses on real situations that have been occured in the business world. Afterwards, using the biographic method, it describes the professional trajectories of two anthropologists who have been acting in the marketing field for many years. Furthermore, there is a goal to contribute to discussions about the interdisciplinary boundary that envolves Anthropology of Consumption and Marketing Management. PALAVRAS-CHAVE Marketing, comportamento do consumidor, antropologia, antropologia do consumo, cultura. KEY WORDS Marketing, consumer behavior, anthropology, anthropology of consumption, culture. RAE - Revista de Administração de Empresas Out./Dez. 2001 São Paulo, v. 41 n. 4 p. 68-77

Etnomarketing, Antropologia, Cultura e Consumo (1)

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68 RAE • v. 41 • n. 4 • Out./Dez. 2001

Mercadologia

Pedro Jaime JúniorMestre em Antropologia Social pela Unicamp,

Pesquisador do Centro Educacional de Tecnologia em Administração (Cetead)e Professor da Universidade Salvador.

E-mail: [email protected]

ETNOMARKETING:

antropologia, cultura e consumo

RESUMONeste artigo, pretende-se, inicialmente, ressaltar a presença de dimensões culturais e simbólicas no universo doconsumo e evidenciar o recurso ao aporte antropológico na gestão de marketing, mediante a apresentação dealguns casos extraídos da literatura de difusão sobre o universo empresarial. Em seguida, com base no método

biográfico, são descritas as trajetórias profissionais de dois antropólogos que têm empreendido trabalhospráticos situados no campo da Administração Mercadológica. O propósito final é contribuir para a discussão

sobre a fronteira interdisciplinar que envolve a Antropologia do Consumo e a Mercadologia.

ABSTRACTAt first the article attempts to point the cultural and symbolic aspects of the consumption and the use of ananthropological approach on the marketing management. Therefore, the text focuses on real situations that

have been occured in the business world. Afterwards, using the biographic method, it describes theprofessional trajectories of two anthropologists who have been acting in the marketing field for many years.Furthermore, there is a goal to contribute to discussions about the interdisciplinary boundary that envolves

Anthropology of Consumption and Marketing Management.

PALAVRAS-CHAVEMarketing, comportamento do consumidor, antropologia, antropologia do consumo, cultura.

KEY WORDSMarketing, consumer behavior, anthropology, anthropology of consumption, culture.

RAE - Revista de Administração de Empresas • Out./Dez. 2001 São Paulo, v. 41 • n. 4 • p. 68-77

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©2001, RAE - Revista de Administração de Empresas/FGV-EAESP, São Paulo, Brasil.

A ANTROPOLOGIA SE CONSTRUIU

HISTORICAMENTE COMO ESTUDO

DO OUTRO, ENTENDIDO COMO

OUTRA SOCIEDADE, OUTRA

CULTURA, OUTRO GRUPO SOCIAL.

INTRODUÇÃO

O atual contexto sócio-histórico, já qualificado pormuitos como pós-moderno, caracteriza-se por uma rees-truturação na organização da atividade econômica. Entreoutros aspectos, nota-se uma passagem do consumo demassa para uma cultura do consumo marcada pela exis-tência de diversos estilos de vida que refletem a explosãode microidentidades1. Essa mudança obriga as empresasa pensarem outras estratégias de segmentação de merca-do, para além das tradicionais classificações por regiãogeográfica e renda.

Fatos que evidenciam essa alteração podem ser per-cebidos na literatura brasileira de difusão sobre o mundodos negócios. Esta tem enfatizado, nos últimos anos, apresença de dimensões simbólicas informando o compor-tamento do consumidor. Diversas reportagens de publi-cações como Exame e Gazeta Mercantil apresentam ca-sos que apontam a necessidade de as empresas atentarempara a variável cultural na elaboração de suas estratégiasde marketing, sob pena de incorrerem em grandes fracas-sos mercadológicos.

À medida que as dimensões culturais e simbólicasforam ganhando importância cada vez maior na explica-ção do comportamento do consumidor, os departamentosde marketing das empresas, os institutos de pesquisa demercado e as agências de publicidade passaram a recor-rer ao aporte antropológico, recrutando muitas vezes pro-fissionais com formação em Antropologia – disciplinavoltada à análise dos fenômenos socioculturais.

Neste artigo, pretende-se ressaltar a presença de di-mensões culturais e simbólicas no universo do consumoe evidenciar o recurso ao aporte antropológico na gestãode marketing, mediante a apresentação de algumas situa-ções concretas extraídas da literatura de difusão sobre ouniverso empresarial. Em seguida, com base no métodobiográfico (Bertaux, 1980; Becker, 1999), descrevem-seas trajetórias profissionais de dois antropólogos que têmempreendido trabalhos práticos no campo da Adminis-tração Mercadológica. Antes, porém, será apresentada,na próxima seção, uma breve discussão sobre a disciplinaantropológica e um dos seus subcampos: a Antropologiado Consumo. O propósito final é contribuir para a discus-são sobre a fronteira interdisciplinar que envolve a An-tropologia do Consumo e a Mercadologia.

A DISCIPLINA ANTROPOLÓGICA E OSUBCAMPO DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO

Neste texto, parte-se do pressuposto de que o leitor jápossui alguns conhecimentos sobre a Antropologia. Por-tanto, não será desenvolvida uma apresentação extensadessa disciplina. Antes de tratar da Antropologia do Con-sumo, serão apresentadas algumas bases gerais sobre as

quais se sustenta a própria Antropologia, destacando-se pon-tos de concordância entre os antropólogos, independentede seus pertencimentos a diferentes correntes teóricas.

A Antropologia construiu-se, historicamente, como oestudo do outro, entendido como outra sociedade, outra cul-tura, outro grupo social, enfim, aquele que se comporta deforma diferente de mim. Em outras palavras, a Antropolo-gia configurou-se como uma tentativa de compreender a di-versidade cultural, em um encontro radical com a alteridade.

Todavia, questionando-se os resultados extraídos desseencontro com a alteridade, nota-se que há discordâncias.A descoberta de universais humanos, a descrição de umacultura em sua totalidade e a experiência fragmentária dediálogo intercultural seriam algumas das respostas dadaspelos antropólogos. De toda forma, a imagem da Antro-pologia como um encontro com o outro parece represen-tar um consenso para a comunidade antropológica.

Talvez também possa denotar uma concordância a de-fesa da etnografia como o método de pesquisa por exce-lência da Antropologia. No final do século XIX, quandoela estava-se institucionalizando como campo científico,os trabalhos de investigação eram realizados pelo que seconvencionou chamar de “antropólogos de gabinete”. Es-tes não chegavam a conhecer face a face os membros dosgrupos sociais estudados pela disciplina. Para construir umaexplicação sobre os “estranhos” comportamentos dos po-vos “primitivos”, eles utilizavam dados recolhidos por via-jantes, missionários e funcionários do governo colonial2.

Essa situação modificou-se no início do século XX, ecostumam-se atribuir à Bronislaw Malinowski, um polo-nês naturalizado britânico, os créditos pelo surgimentodo método etnográfico, que caracterizou a moderna An-tropologia Social e que marca a disciplina até hoje.Malinowski julgava que o recurso a missionários, admi-nistradores coloniais ou viajantes derivava em uma sériede dados distorcidos, uma vez que a percepção dessesindivíduos não estava imune ao preconceito.

O próprio antropólogo deveria ir a campo. Seria in-dispensável o recurso ao “olhar antropológico”, aquelesupostamente desprovido de preconceito, capaz derelativizar, escapando da postura etnocêntrica, isto é, ca-paz de entender a outra sociedade a partir das razões queseus próprios membros constroem para justificar seus

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comportamentos. Durante a segunda década do séculoXX, Malinowski passou uma longa temporada entre osnativos das ilhas Trobriand, na Oceania, desenvolvendoum estudo etnográfico que resultou no livro Argonautasdo Pacífico Ocidental, um clássico da Antropologia(Malinowski, 1984).

Isso não significa, evidentemente, que todos os antro-pólogos sejam etnógrafos. Alguns profissionais dessa dis-ciplina parecem mais afeitos a contribuir com o avanço dateoria antropológica sem realizar o fieldwork, e não seriaequivocado relatar que Marcel Mauss, certamente um dosmais célebres antropólogos do século XX, nunca desen-volveu trabalhos de terreno, ainda que tenha escrito umManual de etnografia (Mauss, 1993). De toda forma, es-ses antropólogos atribuem um valor central aos dadosetnográficos, isto é, eles partem das etnografias escritas poroutros antropólogos. Esse foi o caso de Mauss no tambémclássico Essai sur le don, quando partiu dos trabalhosetnográficos de, dentre outros, Franz Boas e Malinowskipara construir uma teoria sobre a troca nas sociedades“primitivas” (Mauss, 1974). Sem cair num raciocínioexcludente, a Antropologia fez uma síntese, assumindo aetnografia como sua marca distintiva no âmbito das Ciên-cias Sociais e, conseqüentemente, valorizando o trabalhode campo etnográfico na construção de sua teoria.

Enfim, mesmo duvidando das possibilidades de esta-belecer consensos em questões relacionadas à Antropo-logia3, se se quiser arriscar uma definição sintética para adisciplina, pode-se apontar a compreensão do outro pos-sibilitada pela prática etnográfica. Em outras palavras, aAntropologia seria o encontro etnográfico com o outro.

Vale lembrar que, originariamente, esse “outro”, ob-jeto dos estudos antropológicos, eram as sociedades tra-dicionais. Assim, a Antropologia ficou conhecida, du-rante muito tempo, como a ciência das sociedades “pri-mitivas”. Porém, ao longo da sua história, ela foiredefinida. Essa redefinição pode ser resumida numaressalva feita pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1980). Ele afirmava que a Antropologia não éuma especialidade definida por um objeto particular –as sociedades “primitivas” –, mas uma maneira de pen-sar caracterizada pelo estranhamento que se impõe quan-do o objeto é o outro. Trata-se de definir a Antropologianão em relação a um objeto empírico, mas a um objetointelectual (Augé, 1994, 1999).

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss analisoumuito bem essa transformação. Em artigo publicado nosanos 60, denominado A crise moderna da Antropologia,Lévi-Strauss (1962) questionou a possibilidade de a An-tropologia tornar-se uma ciência sem objeto, fadada, por-tanto, a desaparecer. Essa preocupação estava ancorada naevidência do genocídio cultural que o Ocidente promoveucom diversas sociedades tribais e na constatação de que amaior parte daquelas que subsistiam estavam-se transfor-mando em sociedades muito parecidas com as metrópoles

européias: organizavam-se politicamente a partir de umEstado-Nação, estavam em vias de industrialização, etc.

Não se trata aqui de retomar o raciocínio do mestrefrancês em sua íntegra, apenas frisar a constatação queele faz ao finalizar o artigo: “ora, enquanto as maneirasde ser e de agir de certos homens forem problemas paraoutros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre es-sas diferenças, que, de forma sempre renovada, continua-rá a ser o domínio da Antropologia” (Lévi-Strauss, 1962).Cerca de 20 anos mais tarde, um outro antropólogo, onorte-americano Clifford Geertz (1983), vaticinou: “ago-ra somos todos nativos.”

Assim, dentro do vasto espectro do que se conven-cionou chamar de Antropologia das Sociedades Com-plexas4, muitos novos temas foram-se incorporando àdisciplina, dentre eles, a Antropologia do Consumo, so-bre a qual serão tecidos breves comentários.

O propósito aqui não é reconstruir a genealogia dessesubcampo dos estudos antropológicos. Ao leitor interes-sado, sugere-se seguir as pistas deixadas pelos francesesPhilippe Laburthe-Tolra e Jean-Pierre Warnier. No textoProdução social e consumo de objetos (1997), esses au-tores consideram a publicação do trabalho A dimensãooculta, de Edward T. Hall, o marco fundador da Antropo-logia do Consumo. Segundo eles, os trabalhos de Hallinauguram uma abordagem antropológica dos domíni-os do consumo relativos ao espaço: a arquitetura, omobiliário, a decoração interior, as cores, a iluminação, aclimatização, as vestimentas, os transportes coletivos, oslugares de trabalho, os espaços de lazer, as vias públicas,etc. No artigo, Laburthe-Tolra e Warnier resenham tam-bém diversos outros textos que consideram inseridos nocampo da Antropologia do Consumo, dentre os quaisdestaca-se o já clássico trabalho de Douglas e Isherwood(1978). Além disso, apresentam os contornos dessesubcampo da disciplina antropológica, retomando suasraízes mais remotas, nos trabalhos de antropólogos clás-sicos como Marcel Mauss e André Leroi-Gourhan, e apon-tando os seus limites porosos com a Sociologia, seja tam-bém em sua tradição clássica – por meio das obras deixa-das por Marx, Weber, Simmel, Veblen e Nobert Elias –,seja na produção contemporânea de autores como PierreBourdieu e Jean Baudrillard.

O trabalho dos antropólogos franceses representa umexcelente mapeamento introdutório. Não se pode, contu-do, deixar de destacar uma ausência importante no texto.Trata-se da referência ao antropólogo norte-americanoMarshall Sahlins, cujas idéias parecem oportunas paracompreenderem-se as evidências empíricas da presençade dimensões simbólicas informando o comportamentodo consumidor e as trajetórias profissionais de antropó-logos no campo da Administração Mercadológica, apre-sentadas nas próximas seções deste artigo.

Na sua interpretação da sociedade capitalista ociden-tal, Sahlins (1979) demonstrou que essa sociedade, que

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O FENÔMENO DO CONSUMO NÃO

PODE SER ENTENDIDO LEVANDO-SE

EM CONSIDERAÇÃO APENAS

VARIÁVEIS DE NATUREZA ECONÔMICA.

se auto-representa como regida exclusivamente pelaracionalidade econômica, sendo desprovida de dimensõesculturais e do simbólico, na verdade, é, ela mesma, umaforma específica de ordem cultural. Para ele, o sistema derepresentações simbólicas informa a própria organizaçãoda atividade econômica na sociedade capitalista, ou seja,as esferas da produção e do consumo são espaços privile-giados de produção simbólica nesta sociedade. Assim, suaespecificidade não reside no fato de o sistema econômi-co escapar à determinação simbólica, mas antes naconstatação de que nela o simbolismo econômico é estru-turalmente determinante.

Partindo dessa interpretação da sociedade capitalista,o autor entende que o significado social de um objeto, oque o torna útil a certa categoria de pessoas, é menos vi-sível por suas propriedades físicas do que pelo valor queele assume na troca. A utilidade, destaca Sahlins, não éuma qualidade intrínseca do objeto, mas um significadoconstruído pelos sujeitos. Neste sentido, nenhum objetoé ou tem movimento na sociedade humana, exceto pelasignificação que os homens lhe atribuem. Suas análisesdos sistemas alimentar e de vestuário nos EUA, lastreadasna abordagem estruturalista, são bastante interessantes.

Para ele, o papel do antropólogo é descobrir a ordemcultural escondida na sociedade; ele estabelece, então, umaanalogia entre o trabalho desse profissional e aquele de-sempenhado pelos pesquisadores de mercado e agentespublicitários. Estes últimos procuram responder às cons-tantes reformulações das relações simbólicas dentro da vidasocial, a fim de tornar um “produto-símbolo” um sucessomercantil5. Pode-se resumir sua análise do simbolismo eco-nômico nas sociedades capitalistas pelo seguinte argumento:o fenômeno do consumo não pode ser compreendido le-vando-se em consideração apenas variáveis de naturezaeconômica, isto é, as mudanças na estrutura de produção eseus impactos em termos de distribuição de renda. Deve-se atentar também para variáveis socioculturais.

A seguir, apresentam-se exemplos empíricos que cor-roboram a posição de Sahlins, uma vez que demonstramo papel que joga a dimensão simbólica no universo doconsumo.

DIMENSÕES SIMBÓLICAS DO CONSUMO E RECURSOAO APORTE ANTROPOLÓGICO NA GESTÃO DEMARKETING: ALGUNS EXEMPLOS EMPÍRICOS

A revista Exame de 10 de fevereiro de 1999 traz umamatéria que trata da nova linha de produtos da Embeleze,empresa de cosméticos situada no Rio de Janeiro, lançadapara o segmento de mercado evangélico. De acordo com otexto, tal linha de produtos, denominada “Beleza Cristã”,procura passar uma imagem mais próxima dos valores dosevangélicos. A adaptação da estratégia de marketing daempresa ao universo simbólico dos consumidores pode ser

percebida logo de início pelo nome dos artigos: “ColôniaCordeirinho” e “Condicionador Promessa”. A composiçãodo produto não conta com ingredientes de origem animalcomo o colágeno, uma vez que, segundo a empresa, osevangélicos não são favoráveis ao sacrifício de animais parafins industriais. É dada atenção também à embalagem e àpublicidade, que não contam com modelos apresentandoum visual provocante, em vista da reticência dos membrosdesse grupo a apelos de ordem sexual. Ao contrário, osrótulos dos produtos trazem versículos bíblicos como: “lem-bra-te do teu criador nos dias de tua mocidade”. A eficáciasimbólica dessas estratégias pode ser percebida nos resul-tados financeiros da empresa. Competindo com multina-cionais como a Revlon e a L’Oréal, a Embeleze, que tam-bém possui produtos voltados para os afro-brasileiros, pas-sou de um faturamento de 36 milhões de reais em 1994para 85 milhões de reais em 1998.

Em 25 de fevereiro de 1998, a mesma revista haviapublicado uma reportagem denominada Prova de obstá-culos. O artigo trazia a seguinte chamada: “Empresas bra-sileiras aprendem a competir ao superar hábitos e exigên-cias diferentes no Mercosul”. Dentre os exemplos forne-cidos, o caso da inserção da Brahma no Mercosul chamaa atenção. A empresa gastou 150 milhões de dólares paraproduzir a cerveja em garrafas de 1 litro. Pesquisas demercado teriam apontado que o consumidor argentinoconsome cerveja com os amigos, mas no espaço privado,isto é, em casa, ao passo que o consumidor brasileiro pre-fere o consumo da cerveja no espaço público, ou seja, narua6. A companhia optou, então, por alterar a embalagem.Com isso, o consumidor argentino passou a levar maislíquido para casa em menos recipiente. No que tange aomercado de refrigerantes, a matéria informava tambémque, somente na Argentina, a Brahma comercializa umproduto à base de pomelo, fruta parecida com a laranja.

Na revista Veja de 30 de junho de 1999, consta o arti-go Ao gosto do freguês, com o seguinte subtítulo: “Em-presas adaptam as fórmulas de seus produtos para con-quistar o emergente mercado nordestino”. Segundo areportagem, nos últimos dois anos, a produção de riquezasno Nordeste havia aumentado dez vezes mais que a médianacional. Com isso, a região ganhou a atenção dos fabri-cantes de produtos de consumo. O ponto central do textopode ser resumido da seguinte forma: este é um excelentemercado emergente para as empresas. Todavia, suas parti-

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cularidades devem ser observadas. Não se pode apenascolocar no Nordeste produtos que fazem sucesso em ou-tras regiões, devem-se adaptá-los ao gosto e aos costumeslocais. Os exemplos descritos são curiosos e ilustrativos.A margarina “Delícia”, da Unilever, recebeu mais sal e maiscorante amarelo para parecer com a manteiga de garrafa,tradicional no Nordeste. A Pizza Hut, uma das maiorescadeias americanas de fast-food, alterou seu cardápio-padrão internacional para incorporar na Bahia e emPernambuco a “pizza baiana”, com temperos picantes quea aproximam da apimentada culinária regional. A Kibonproduz exclusivamente na região sorvetes fabricados comfrutas típicas como cajá, mangaba, graviola e acerola. Taissorvetes são os mais vendidos pela empresa no Nordeste.

Os exemplos poderiam multiplicar-se. Assim comoevangélicos, argentinos e nordestinos, podem-se apontardiversos outros casos de produtos criados ou adaptadosatentando-se para identidades culturais construídas a par-tir de elementos religiosos, nacionais, regionais ou quais-quer outras formas de identificação que se refletem noscomportamentos de consumo dos seus membros. A essesgrupos os antropólogos costumam denominar “comuni-dades simbólicas”. Na linguagem do marketing, eles sãoconsiderados “segmentos ou nichos de mercado”.

A observação desses exemplos leva à seguinteconstatação: se, por um lado, profissionais de marketinge publicitários jogam cada vez mais com as dimensõessimbólicas do consumo em suas práticas profissionais,por outro lado, eles não trabalham com as elaboraçõesmais recentes de cultura e identidade da Antropologia.Há muito de essencialismo na visão de cultura expressanos exemplos acima, a construção das identidades cultu-rais parece ser atribuída a núcleos centrais supostamenteirredutíveis. O que é ser evangélico? Possuir cabelos lon-gos, vestir saia comprida e andar com a bíblia debaixo dobraço? O que é ser nordestino? Comer carne-de-sol commanteiga de garrafa? O que é ser baiano? Comer acarajéquente, isto é, com pimenta? Não se pretende tratar des-sas questões aqui, elas não são a motivação deste artigo.Destaca-se, todavia, que o jogo com as identidades cultu-rais expresso nas estratégias mercadológicas descritasparece estar excessivamente preso ao estereótipo.

O que interessa reter desses casos é que demonstram apresença de dimensões culturais e simbólicas informandoo comportamento do consumidor. Pode-se, então, pergun-tar se, conseqüentemente, houve uma ampliação do recur-so ao aporte antropológico na gestão de marketing. Quan-to a esse aspecto, nos últimos anos, a literatura de difusãosobre o mundo dos negócios também é rica em exemplos.

A busca pelo aporte antropológico tem valorizadobastante o método de pesquisa característico da Antro-pologia: a etnografia, à qual já fizemos alusão na seçãoprecedente. A julgar pelas informações apresentadas naliteratura, a utilização do método etnográfico na gestãode marketing não constitui um delírio de executivos ex-

cêntricos. As empresas têm obtido resultados concretos comesse recurso. A revista Exame de 10 de fevereiro de 1999 trazum artigo que aborda, explicitamente, a utilização do métodoetnográfico por algumas empresas. A matéria intitulada Tireo traseiro da cadeira expõe exemplos bem ilustrativos.

Na Gatorade do Brasil, os funcionários foram estimu-lados a visitar academias de ginástica para observar e con-versar com os consumidores. Durante uma dessas visitasde campo, surgiu uma idéia inovadora, ainda que pareçademasiado óbvia. Descobriu-se que os consumidores sótomavam a bebida depois que retornavam para casa, umavez que não a levavam para a academia com medo que agarrafa de vidro se quebrasse nem consumiam na canti-na por causa do preço elevado. Essa informação, obtidano trabalho de campo, foi a gênese do lançamento doGatorade em garrafa plástica.

A Black & Decker passava por maus momentos no seg-mento “faça você mesmo”, perdendo espaço no mercadopara concorrentes como a Sears. A empresa decidiu, então,estudar em profundidade os hábitos de 50 consumidores,com o propósito de desvendar por que eles preferiam algu-mas ferramentas em detrimento de outras. Com isso, aempresa descobriu que seus clientes queriam potentesfuradeiras sem fio e serras circulares que não levantassempoeira. A Black & Decker redesenhou sua linha de produ-tos e, como resultado, retomou a liderança do mercado.

O jornal Gazeta Mercantil de 18 de março de 1992 tam-bém apresenta uma matéria com exemplos ilustrativos.Traduzida da Advertising Age e denominada Antropólogosna Madison Avenue, a reportagem descreve experiênciasde recurso à pesquisa etnográfica com o objetivo de levan-tar subsídios para orientar ou reorientar o plano de marketingdas empresas. Dentre os diversos casos apresentadosno texto está o dos serviços de correio na zona rural e o daGeneral Wills, multinacional fabricante de biscoitos.

Sobre os correios, os antropólogos descobriram que,em áreas rurais, eles são vistos como “um contato com asociedade, um antídoto para a solidão”. Isso redirecionouos anúncios veiculados na mídia eletrônica, que passarama apresentar o carteiro como um indivíduo comum, enfati-zando a dimensão humana dos serviços postais. “Nós en-tregamos para você” passou a ser o slogan da campanha.

Quanto à General Wills, a matéria aponta o seguin-te: mães entrevistadas na pesquisa de marketing afirma-ram que a decisão de compra da marca resultava da suaintegridade. A pesquisa etnográfica, contudo, revelouque o comportamento de compra era bem diferente. Umacriança pedia para comprar biscoitos e, para a mãe, amarca era quase irrelevante. A vice-presidente associa-da e diretora de pesquisa e planejamento estratégico daDDB Needham, agência que trabalhava a conta da Ge-neral Wills, ressaltou que o dado que a pesquisa tradici-onal fornecia dizia respeito a uma motivação de catego-ria, ou seja, apontava o que incentivou o consumidor acomprar um produto, mas não uma marca específica.

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Nota
Grupos denominados de comunidade simbolica.
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A ETNOGRAFIA DE GRUPOS DE

CONSUMIDORES BUSCA MAPEAR AS

MOTIVAÇÕES DE COMPRA A PARTIR

DA TRÍADE INDIVÍDUOS-GRUPOS

DE REFERÊNCIA-PRODUTOS.

Quanto à marca, na maioria das vezes, eram as criançasque definiam a compra.

De todos os exemplos encontrados na literatura dedifusão, um chama bastante a atenção. Transcreve-se abai-xo a passagem da reportagem publicada na Exame de 10de fevereiro de 1999, dada a eloqüência do caso referenteao recurso ao aporte antropológico nas práticas demarketing da Gessy Lever:

“Gerentes engravatados da Gessy Lever sobem omorro para entrevistar ao vivo e em cores clientes até entãoreduzidos a percentagens em impessoais relatórios depesquisa. (...) Travestidos de garçons ou de telefonistas,os administradores da cadeia Westin de hotéis atendemhóspedes. Ufa! Que canseira. Nada a ver com os bonstempos em que, para desenvolver e lançar novos produ-tos (ou aperfeiçoar outros já existentes), bastava identifi-car o público-alvo, fixar o preço e aprovar a campanha depropaganda. Tudo isso sem abandonar o conforto e a pri-vacidade de um escritório refrigerado (...) Isso é passado.Pelo menos nas empresas que hoje melhor se aplicam naprática de entender a cadeia de valores considerados im-portantes pelos clientes na avaliação de produtos e servi-ços (...) Existem companhias que levam ao extremo a pre-ocupação de fazer com que seus executivos saiam a cam-po para investigar as necessidades dos consumidores. NoBrasil, o principal expoente dessa corrente é a filial daanglo-holandesa Unilever (...) Essas práticas começarama ser adotadas há cerca de cinco anos, quando a GessyLever transformou seus gerentes em aprendizes de antro-pólogos. Com gravadores a tiracolo, eles passaram a via-jar pelo Brasil para conhecer como vivem e se expressamos consumidores de baixa renda. Por trás do programahavia a intenção de desenvolver o mercado de produtospara essa faixa da população. Como o público-alvo daGessy Lever sempre foi a classe média, aquele era umuniverso pouco conhecido (...) As grandes companhiasfinalmente descobriram que seus gerentes e diretores es-tavam muito distantes do consumidor.”

Do que foi exposto até aqui, pode-se questionar a res-peito da natureza dessas pesquisas realizadas, seja porantropólogos, seja por pesquisadores de mercado. Trata-se, realmente, de exemplos de utilização do métodoetnográfico? A centralidade da prática etnográfica na pro-dução do conhecimento antropológico leva a uma res-posta negativa a essa questão. Fazer etnografia implicacolocar em diálogo as categorias nativas com os concei-tos antropológicos. Por essa razão, a etnografia tem sidoapontada como uma fonte de renovação teórica para aAntropologia (Geertz, 1983; Peirano, 1995). Todavia, apartir dos anos 80, quando a Antropologia ganhou maiorvisibilidade tanto no interior quanto no exterior das Ciên-cias Sociais (Durham, 1986), a “perspectiva antropológi-ca” e o “olhar antropológico” passaram a ser recursos rei-vindicados por diversas disciplinas, do campo da Saúde àárea da Educação, passando pela Administração, na con-

dução de pesquisas. Esse empréstimo coloca difíceis ques-tões, que não se pretende tratar aqui.

De toda forma, parece inútil que, em um cenário derevisões, renegociações e redemarcações das fronteirasdisciplinares, a Antropologia apresente-se no papel deguardiã da etnografia. Levando-se em conta os devidosrigores, o método etnográfico pode ser bem utilizado emoutros campos do saber, permitindo a outras disciplinas oconfronto dos seus próprios conceitos com contextosempíricos específicos. Ainda assim, não parece corretodenominar pesquisa etnográfica práticas que, na verdade,são trabalho de campo, observação, mas não etnografia.Apesar de toda a complexidade envolvida nessa questão,utilizam-se aqui os termos “pesquisa etnográfica” e “mé-todo etnográfico” com o objetivo de chamar a atençãopara o fato de que a etnografia é acionada como um im-portante “capital simbólico” (Thompson, 1995) pelos an-tropólogos que vêm construindo uma inserção no mundodo marketing.

Tendo ressaltado o substrato cultural e simbólico doconsumo e o recurso ao aporte antropológico no âmbitodo marketing, serão discutidas, a seguir, com base no mé-todo biográfico (Bertaux, 1980; Becker, 1999), as traje-tórias profissionais de dois antropólogos no campo da Ad-ministração Mercadológica7.

O método biográfico, também denominado de “histó-ria de vida”, ficou notabilizado entre as metodologiasqualitativas desde a sua extensa utilização pela Escola deChicago em estudos sobre imigrantes, jovens delinqüen-tes, prostitutas e outros grupos de desviantes. SegundoBecker, tal método atribui grande importância às inter-pretações que as pessoas fazem de sua própria experiên-cia, representando, assim, importante via de acesso aovivido subjetivo. Dada a sua riqueza, o método biográfi-co aplica-se a propósitos como a verificação de pressu-posições (Becker, 1999) e a construção de hipóteses(Bertaux, 1980). Assim, ele parece bem adequado ao in-teresse deste estudo, que pretende verificar o pressupostode que tem ocorrido um recurso ao aporte antropológicona Administração Mercadológica.

Vale ressaltar, entretanto, uma limitação na utilizaçãodesse método na presente pesquisa. O interesse estevevoltado apenas para a biografia ocupacional dos infor-

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mantes, ao passo que Bertaux (1980) destaca que, com aseparação domicílio–trabalho promovida pelo advento dasociedade capitalista, muitas pessoas passaram a vivervidas paralelas: uma no trabalho, outra na família, umaterceira correspondente a algum projeto pessoal. De todaforma, esse mesmo autor ressalta que nem todas as pes-quisas que fazem uso desse método precisam obrigato-riamente abranger a totalidade da existência dos sujeitossociais. É preciso destacar ainda que as histórias de vidaprofissional apresentadas aqui foram recolhidas median-te entrevistas semi-estruturadas, ou seja, entrevistas apli-cadas a partir de um pequeno número de perguntas aber-tas (Thiollent, 1981).

TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DEANTROPÓLOGOS NO CAMPO DAADMINISTRAÇÃO MERCADOLÓGICA

Antropologia e consultoria emmarketing: a trajetória do profissional A

Vindo de graduação e de mestrado em Comunicação– ocasião em que analisou a representação social da pro-fissão de publicitário –, o profissional A ingressou, inici-almente, no mestrado e, em seguida, no doutorado emAntropologia Social de uma conceituada instituição doeixo Rio–São Paulo. Suas pesquisas em Antropologiapossuem uma solução de continuidade com sua forma-ção na área de Comunicação. Publicidade, comunicaçãode massa e consumo foram temáticas privilegiadas, rela-cionadas com a questão cultural.

Até a defesa da dissertação de mestrado em Antropo-logia, ele não havia vislumbrado a possibilidade de apli-car os conhecimentos produzidos na trajetória acadêmicaem trabalhos de consultoria. Entretanto, quando cursavao doutorado, recebeu um convite para ministrar um pe-queno curso em um programa de pós-graduação em Ad-ministração do Sudeste brasileiro.

Os professores de marketing do programa tiveramacesso à sua dissertação de mestrado, que fora transfor-mada em livro, e entenderam que havia possibilidades deconvertê-la numa linha de pesquisa. Assim, de um pe-queno curso inicial, ele foi convidado, após a conclusãodo doutoramento, também transformado em livro, paraatuar como professor associado, ministrando duas cadei-ras: Antropologia Social, como disciplina obrigatória paramestrandos e doutorandos, e Antropologia do Consumo,como seminário especial para o doutorado.

No decorrer do seu trabalho nessa instituição, o pro-fissional A começou a perceber a utilidade prática da in-terpretação antropológica na consultoria em Administra-ção Mercadológica. Para ele, a Antropologia pode pres-tar excelente auxílio às empresas na formulação dos seusplanos de marketing: “A Antropologia pode dar uma con-tribuição enorme ao que se denomina em marketing de

comportamento do consumidor. Entender mais a fundoporque as pessoas compram, de que forma consomem,como é que os grupos se classificam vis-à-vis outros gru-pos a partir do uso de determinados objetos, esses sãoespaços que podem ser ocupados pelos antropólogos.”

O profissional A vem atuando como consultor deempresas nessa fronteira entre a Antropologia do Consu-mo e a gestão de marketing. Ele vem desenvolvendo tra-balhos em basicamente três direções.

A primeira delas refere-se à orientação para elabora-ção do planejamento de marketing das empresas e defini-ção de ações estratégicas. As metodologias de elabora-ção do planejamento empresarial tradicionalmente cru-zam, numa estrutura matricial, uma análise do ambienteexterno – em termos de ameaças e oportunidades – comum exame do ambiente interno – que procura identificaros pontos fortes e os pontos fracos da organização. Asinformações resultantes desse cruzamento embasam adefinição das ações que serão desenvolvidas na condu-ção dos negócios. Para auxiliar na análise do ambienteexterno, geralmente, as empresas contratam economis-tas, que empreendem os chamados “estudos de cenário”.

O profissional A argumenta que o recurso ao saberantropológico é importante tanto na análise externa quantona interna. No que tange à análise externa, a leitura dacultura brasileira e a percepção das diferenças culturaisem um mundo globalizado podem ajudar a empresa aantecipar-se às ameaças e/ou oportunidades ambientais.Seguindo a linha de Sahlins (1979), ressaltou que as ame-aças e oportunidades não dizem respeito apenas à dimen-são econômica. Assim, a análise sociocultural do ambi-ente externo também deve direcionar a formulação doplanejamento de marketing. Quanto à análise interna, aleitura das dimensões culturais da empresa representaimportante contribuição à análise organizacional. O pro-fissional A já foi contratado por um grande banco brasi-leiro para fazer um estudo da sua cultura organizacional.

A “etnografia de grupos de consumidores” foi outraprática apontada pelo profissional A. Partindo tambémda abordagem desenvolvida por Sahlins (1979)8, paraquem o consumo atua nas sociedades capitalistas comouma espécie de “operador totêmico” capaz de classificaros indivíduos em grupos, ele destacou que a “etnografiade grupos de consumidores” busca mapear as motivaçõesde compra a partir da tríade indivíduos–grupos de refe-rência–produtos. O profissional A informou que já foicontratado por grandes empresas para realizar pesquisasqualitativas, etnográficas, com grupos específicos de con-sumidores (donas de casa, representantes das camadasmédias da sociedade, etc.). O seu papel era o de interpre-tar os significados que os membros desses grupos atribu-em a determinados produtos e a seus concorrentes e des-vendar a forma como esses produtos são utilizados.

Há, ainda, uma terceira via de atuação do profissionalA: o apoio às empresas na relação com as agências de

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A GESSY LEVER TRANSFORMOU

SEUS GERENTES EM APRENDIZES DE

ANTROPÓLOGOS: ELES VIAJARAM PELO

BRASIL PARA CONHECER COMO VIVEM

OS CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA.

publicidade. Seu trabalho consiste em propor estratégiasde posicionamento dos produtos no mercado em virtudedos valores e da visão de mundo específicos do público-alvo. Trata-se de identificar features a serem fixadas àimagem dos produtos nas campanhas de comunicação.

Com sólida formação em Antropologia, o profissionalA conseguiu articular sua inserção na consultoria emmarketing. Todavia, a atividade de consultoria é algo com-plementar na sua prática profissional. Ele afirma que a pes-quisa acadêmica e a docência são suas ocupações principais.Tal não é o caso da personagem cuja biografia ocupacionalapresenta-se a seguir. Sua trajetória foi construída privilegi-ando mais as atividades práticas do que as acadêmicas, ehoje ela atua full-time como profissional de marketing.

Uma antropóloga na pesquisa demarketing: a trajetória da profissional B

A profissional B concluiu a graduação em CiênciasSociais e o mestrado em Antropologia Social em institui-ções renomadas do Sudeste brasileiro. A aproximação como universo do marketing iniciou-se na década de 70, coma decisão de procurar uma empresa que financiasse ostrabalhos de pesquisa da sua dissertação de mestrado, cujotema era a publicidade. A empresa-parceira terminou con-tratando-a, após a defesa da dissertação, para desenvol-ver dois projetos: o primeiro na área de comunicação so-cial, investigando a imagem da empresa perante a opi-nião pública, e o segundo no campo do endomarketing,utilizando técnicas de dinâmica de grupo no treinamentode pessoal para o lançamento de novos produtos.

Ao desligar-se dessa companhia, ela assumiu, por cir-cunstâncias particulares, a administração geral de umaempresa de médio porte de seu grupo familiar. A experiên-cia durou cerca de dois anos, sendo fundamental, segundoela, para reforçar o seu interesse pela atividade gerencial.

Posteriormente, a profissional B passou a trabalharem um instituto que realizava pesquisas de marketing paradiversas empresas. Devido à rede de relações com “ho-mens de negócios” construída nesse período, foi contra-tada para atuar no departamento de marketing de umaempresa multinacional. A partir daí, teve sucessivas ex-periências de Administração Mercadológica em empre-sas de diferentes setores da economia, ocasião em que seencontrava numa situação inversa àquela vivenciada noinstituto: passara a contratar pesquisas de marketing.

Durante esse tempo, complementou sua formaçãoacadêmica e profissional com uma pós-graduação emmarketing. Dessa forma, pôde incorporar à sensibilidadeque a Antropologia lhe fornecera para o trabalho no cam-po da gestão mercadológica outros conhecimentos quenão haviam sido adquiridos nos estudos de Ciências So-ciais, a exemplo de distribuição física dos produtos, ad-ministração de vendas e política e formação de preços. Aaprendizagem dessas habilidades não era motivada ape-nas por uma razão prática. A profissional B ressaltou que

a familiaridade com a linguagem própria desse métier, odomínio da terminologia consagrada no universo domarketing, foi um importante “capital cultural” (Bourdieu,1987) adquirido com a pós-graduação. Ao findar o curso,ela foi contratada para lecionar na mesma instituição.

Sua experiência de trabalho nas duas pontas do proces-so de pesquisa de marketing, como pesquisadora e comocontratante, terminou levando-a a abrir sua própria empre-sa de pesquisa mercadológica. Sua decisão é explicada daseguinte forma: “Eu sabia fazer pesquisa, então comecei apensar nos elementos que sentia falta nos fornecedores queme entregavam os trabalhos que encomendava. Sentia fal-ta de um aprofundamento maior das análises que eram fei-tas a partir dos dados levantados. Havia possibilidade defundamentar de forma mais consistente a observação docomportamento do consumidor. Então achei que esse pode-ria ser o diferencial do meu produto, da minha pesquisa”.

A empresa não teve muitas dificuldades para conquis-tar espaço no mercado, uma vez que ela possuía um “ca-pital de relacionamento” fundamental para alavancar onegócio. Os diversos alunos que passaram pelas discipli-nas que ela ministrava no programa de pós-graduação emAdministração Mercadológica estavam posicionados emcargos de gerência de marketing ou gerência de produtoem grandes empresas.

Uma interpretação apressada da biografia ocupacionalda profissional B poderia levar a supor que ela não é maisuma antropóloga ou que fizera uma escolha profissionalerrada, tendo oportunidade de corrigir o rumo no desdo-bramento da sua trajetória. As coisas, entretanto, não sepassam de maneira tão simples assim. A construção dasidentidades sociais é um jogo complexo que envolve a“auto-identificação” e a “identificação pelos outros” (Car-doso de Oliveira, 1976; Ruben, 1988, 1992). Embora aprofissional reconheça que teve dificuldades no relacio-namento com os pares antropólogos em decorrência desua aproximação com o mundo empresarial, o que a fezse sentir um “caso desviante” na instituição onde cursouo mestrado – ainda que acredite que hoje seus ex-profes-sores e ex-colegas de Antropologia não a consideram umaprofissional da área –, ela fez questão de frisar em diver-sos momentos que se auto-atribui a identidade de antro-póloga: “Eu me vejo como antropóloga, no sentido do

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exercício do saber antropológico, mas numa outra instân-cia. Me vejo assim porque depois que você adquire a for-ma de pensar o mundo da Antropologia, você não conse-gue viver sem ela (...) As ferramentas que a gente adquirenos cursos de Sociologia e especialmente de Antropolo-gia são muito valiosas para a realização da pesquisa demarketing. Em que sentido? No sentido que a pesquisade mercado busca descobrir estruturas de raciocínio queembasam processos decisórios que levam as pessoas aadotar determinados produtos e rejeitar outros, a se en-cantar com mensagens publicitárias (...) Quando estoupesquisando um produto, tenho que ter uma sensibilidadepara entender o comportamento do outro, senão acabocolocando o que eu acho, e o que eu acho não é o que oconsumidor acha. Então esse distanciamento que sou obri-gada a construir reforça minha condição de antropóloga”.

A ambigüidade de sua identidade evidencia-se tambémna percepção que as empresas contratantes têm do seu tra-balho. Ao ser perguntada se essas empresas a identificamcomo antropóloga e se visualizam e valorizam a contribui-ção que a Antropologia pode oferecer ao campo da Admi-nistração Mercadológica, a profissional B respondeu queem alguns casos sim, mas em muitos outros não. Ela acre-dita que, na maior parte das vezes, o universo empresarialainda percebe a Antropologia como um campo exótico.Exótico, mas não necessariamente negativo, ao contrário,despertando interesse, suscitando curiosidade. A identifi-cação “Antropóloga” abre seu curriculum, utilizado comocarta de apresentação da empresa. Na verdade, ela não temcerteza se as empresas contratantes possuem a consciênciade que estão comprando um serviço que agrega conheci-mentos de Antropologia. Se omitisse essa informação, tal-vez não fizesse falta, ressaltou. De toda forma, preferenão tomar essa atitude, por acreditar que a Antropologia,mesmo sendo uma disciplina que “não faz o seu própriomarketing”, “não divulga as contribuições que pode ofere-cer às empresas”, vem ganhando, nos últimos anos, maiorvisibilidade no universo empresarial.

Dois aspectos tornam a experiência da profissional Bsingular. Em primeiro lugar, o fato de ter conquistado umnovo espaço no mercado de trabalho. Não se trata de umaprofissional situada no universo acadêmico, prestandoserviços eventuais de consultoria em marketing, mas dealguém que se pretende antropóloga prática, tendo mon-tado uma empresa para interagir full-time com o universoempresarial. Em seguida, o seu pioneirismo. Sua trajetó-ria no mundo do marketing iniciou-se ainda na primeirametade dos anos 70. A julgar pelos dados etnográficoslevantados durante uma dissertação de mestrado (JaimeJúnior, 1997), ela foi a primeira antropóloga brasileira atornar-se uma profissional de marketing.

A essas biografias ocupacionais certamente poderiamse juntar outras. De toda forma, as duas experiências des-critas parecem comprovar que, motivados pelo importantepapel que jogam as dimensões culturais e simbólicas no

universo do consumo, os departamentos de marketing dasempresas, os institutos de pesquisa de mercado e as agên-cias de publicidade têm recorrido ao aporte antropológi-co. Os personagens das trajetórias apresentadas neste ar-tigo perceberam esse movimento e, então, orientaram oureorientaram suas práticas profissionais, aproveitando esseespaço aberto aos antropólogos no mercado de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendeu-se, neste artigo, contribuir para a discussãosobre a fronteira interdisciplinar que envolve a Antropo-logia do Consumo e a Administração Mercadológica. Paratanto, a estratégia narrativa adotada no texto privilegioudois aspectos: a) a apresentação de situações concretasque evidenciam o importante papel que jogam as dimen-sões culturais e simbólicas no universo do consumo e b)a discussão sobre o recurso ao aporte antropológico nagestão de marketing, mediante a apresentação de algunscasos extraídos da literatura de difusão sobre o universoempresarial e a descrição, apoiada no método biográfico,da trajetória profissional de dois antropólogos no campoda Administração Mercadológica.

Acredita-se que os casos e experiências apresentadosno texto demonstram que o saber antropológico muito podecontribuir para o avanço da gestão de marketing. Não pa-rece ser por outra razão que um número crescente de em-presas venha demandando os serviços desses profissionais.Entretanto, devemos fazer algumas observações a respeitodesse recurso ao aporte antropológico. O antropólogo queatua no campo do marketing torna-se um auxiliar da or-dem estabelecida? Estariam esses profissionais transfor-mando-se, eles mesmos, naquilo que Sahlins (1979) deno-minou de “mercenários do símbolo”? Quais as conseqüên-cias de tal transformação? O conhecimento antropológicopassa a ser uma sofisticada arma para a dominação simbó-lica do consumidor? Ao construírem estratégias de marketinglastreadas em interpretações antropológicas cada vez maisrefinadas, não estariam as empresas ludibriando os indiví-duos? Até que ponto estes estão capacitados (ou dispostos) aexercer a cidadania, se contrapondo a tais condutas?

Recomenda-se ao leitor retornar à terceira seção des-te texto e reler as considerações sobre a presença de di-mensões culturais e simbólicas informando o comporta-mento do consumidor. No que se refere, por exemplo, aocaso da margarina “Delícia”, da Unilever, que recebeumais sal e mais corante amarelo para parecer-se com amanteiga de garrafa tradicional no Nordeste, cabe per-guntar quais são os limites éticos dessa manipulação dasdimensões antropológicas do consumo.

Responder a essas questões não é uma tarefa simples.Elas exigem um debate acurado. Portanto, não se preten-de discuti-las nem resolvê-las aqui. Talvez devam serobjeto de um outro artigo. De toda sorte, se o risco de o

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Estrategias da narrativa do artigo: a) situacoes concretasdo jogo entre culturais e consumo.
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perguntas essenciais do texto.
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conhecimento antropológico ser apropriado de forma es-púria no universo do marketing existe, e isso parece ine-gável, é preferível que os antropólogos corram esse riscoe entrem nesse complexo jogo de interesses.

Ao lançarem-se no jogo, eles devem adotar uma es-tratégia de dupla entrada. Trata-se de conciliar a inserçãode antropólogos práticos em organizações empresariais,institutos de pesquisa de mercado e agências de publici-dade, com a construção, no ambiente acadêmico, nas uni-versidades, de uma Antropologia do Consumo lastreada

numa perspectiva crítica e política. Nessa última direção,a disciplina certamente pode prestar excelente contribui-ção à compreensão do fenômeno do consumo a partir deuma de suas facetas, muito debatida, mas ainda poucoestudada com um aporte antropológico: o não-consumo.No intuito de provocar o leitor a pensar sobre essa possi-bilidade, encerra-se este artigo com uma frase do soció-logo português Boaventura de Sousa Santos: “Pior quereduzir o desejo ao consumo é reduzir o consumo ao de-sejo do consumo” (Santos, 1994, p. 270). �

O autor agradece aos professores Maurício Serva, ClovesOliveira e Francisco Vieira e ao antropólogo Alcides Gussipelas críticas à primeira versão deste artigo. Contudo,a versão final aqui apresentada é de exclusivaresponsabilidade do autor.

1. Para uma discussão sobre a cultura de consumo em umcontexto pós-moderno, ver Featherstone (1995).

2. A expressão “povos primitivos” – ou “sociedadesprimitivas” – é marcada pela perspectiva evolucionista,que concebia os povos tribais como fósseis vivos dos nossosantepassados. Ainda que essa corrente paradigmáticaesteja superada no âmbito da teoria antropológicacontemporânea, tal expressão permaneceu, sendo ovocábulo primitivo grafado entre aspas para denotar o seusubstrato etnocêntrico.

3. Uma afirmação do antropólogo norte-americano VicentCrapanzano (1980, p. xiv) parece resumir bem o que está-se tentando ressaltar:“Anthropology should, I believe, leadus to question, not to confirm, our own presumptions.”

4. A expressão “sociedades complexas”, construída poroposição ao termo “sociedades primitivas”, designa associedades industriais (ou pós-industriais) que possuemas seguintes características: são formações de larga escala,possuem grande heterogeneidade interna e são marcadaspelo individualismo. As sociedades tribais, por contraste,

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NOTAS

são compostas por um menor contigente populacional, sãomais homogêneas e mais holistas, já que nelas os grupossociais são mais importantes que os indivíduos. O termo éproblemático, mas não há espaço aqui para desenvolver umadiscussão a esse respeito.

5. Vale ressaltar que Sahlins (1979) não vê com bons olhosessa apropriação do conhecimento antropológico pelosprofissionais de marketing, tidos por ele como “mercenáriosdo símbolo”. É evidente que não se trata apenas de umaidiossincrasia do antropólogo norte-americano. O que estápor trás de sua posição é a preocupação com a dimensãoética: estariam em jogo os limites da aplicação do saberantropológico e a responsabilidade social do antropólogo,questões que preocupam a disciplina desde a sua origem,no contexto da dominação colonial.

6. Para uma discussão das categorias “público” e “privado”na cultura brasileira, ver os trabalhos do antropólogo RobertoDaMatta, sobretudo seu livro A casa e a rua (DaMatta, 1991).

7. Essas biografias ocupacionais foram recolhidas durante otrabalho de campo referente à dissertação de mestrado, naqual, partindo do marco teórico-metodológico da etnografiado saber, foram analisados os encontros entre os saberes daAntropologia e da Administração (Jaime Júnior, 1997).

8. Sahlins está tomando emprestado um termo clássico daAntropologia. Falar das práticas totêmicas é retomar a própria

história da disciplina antropológica. Não se tem pretensõesnem condições de refazer essa viagem aqui. Destaca-se,porém, o seguinte: Lévi-Strauss (1986, 1989) recolocouas bases dos estudos sobre totemismo no âmbito daAntropologia. Para ele, os trabalhos precedentes,inclusive os de Radcliffe-Brown (1989) e os de Freud(1924), cometeram um erro quando tentaram analisaro totemismo a partir da relação dos grupos sociaisdiretamente com os totens. Bem dentro da sua abordagemestruturalista, ele tentou demonstrar que o centro dadiscussão deve ser alterado da relação entre o grupo sociale o totem para a relação dos grupos sociais entre si, porintermédio dos totens. Do seu ponto de vista, associedades “primitivas” empreendem uma operaçãototêmica quando elegem séries de opostos na natureza –por exemplo, animais noturnos por oposição a animaisdiurnos ou aves por contraste a rastejadores – para realçaras oposições que informam a estrutura social. Nessesentido, o alvo da explicação antropológica seria acorrespondência entre uma série de oposições na naturezae uma série de oposições na estrutura da sociedade.Segundo Lévi-Strauss, o totemismo teria desaparecido nassociedades ocidentais. É justamente aí que entra o pontode Sahlins. Para ele, o totemismo não desapareceu nassociedades capitalistas ocidentais. O que ocorre é que aoperação totêmica é realizada não mais pela mediaçãode uma série de oposições na natureza, mas buscando-seessas oposições nos objetos de consumo. Os grupos sociaisiriam diferenciar-se uns vis-à-vis os outros por meio dasrelações que estabelecem com esses objetos.

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