Evandro Lins e Silva, Salão dos passos perdidos

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EVANDRO LINS

E

SILVA

o SALO DOS PASSOS PERDIDOSDEPOIMENTO AO CPDOC

Proibida a publicao no todo ou em parte; permitida a citao. A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme abaixo.

REFERNCIA BIBLIOGRFICA:

O SALO dos passos perdidos: depoimento ao CPDOC / [Entrevistas e notas: Marly Silva da Motta, Verena Alberti ; Edio de texto Dora Rocha]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed. Fundao Getulio Vargas, 1997. 525p. il.

Disponibilizado em: http://www.cpdoc.fgv.br

EVANDRO LINS

E

SILVA

o SALO DOS PASSOS PERDIDOSDEPOIMENTO AO CPDOCEntrevistae

MarlyMotta Verena A/berli Dora Rncha

notas:

Edio de texto:

3'

impresso

EDITORA NOVA FRONTEIRA

..

by

Evandro Lins e

Silva,

1997

Direitos de edio da obra em lngua portuguesa no Brasil adquiridos pela CEP.: 22251 -050 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Rua Bambina, 25 - Botafogo

EDITORA NOVA FRONTEIRA S.A.

TeJ.: (02 1 ) 537 8770

Fax: (02 1 ) 286 6755

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Fax: (02 1 ) 536 9155

e-mail: [email protected] http://www.fgv.br/fgvpublicacao/livros.htm Edio de originaisDom Rocha

Equipe de produoRegina Marques Carlos Alves Leila Name Julio Fado

Reviso tipogrficaIsabel Grau

Caderno de fotosCV Designer

Projeto grfico e diagramaoMareio Peres

CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte

f

Sindicato Nacional dos Editores de Livros,

RJ

S579s Silva, Evandro Lins e, O salo dos passos perdidos: depoimento a o CPDOC I

1912-

Evandro Lins e Silva; entrevistas e notas, Marly Motta, Verena Fronteira : &1. FOV, 1 997. ISBN 8520908365 Brasil - Biografia. 3. Brasil - Poltica e governo. 4. Brasil Alberti; edio de texlo, Dora Rocha - Rio de Janeiro : Nova

1. Silva, Evandro Lins e, 1 9 1 2-

-

Biografia. 2. Advogados -

Histria. I. Motta, Marly. 11. Alberti, Verena. m. Rocha, Dora. IV. Ttulo. CDD 923.4 8 1 CDU 9 2 (SILVA, E. Lins e)

Sumrio

Prefcio

9

Apresentao

17

1. Razes nordestinas 0 sonho do magistradoA odissia maranhense A grande faffillia O Ginsio Pernambucano O intelectual e os revolucionrios A capital federal O Colgio Pedro II

23 27 34 37 43 45 51

2. A escola da vidaBacharel por decreto O Clube da Reforma A escola do jornal A escola do jri O tempo das revolues

61 64 69 78 83

3. A audcia da juventudeEstria no jri Profisso: advogado criminal A aventura da Intentona e o fascismo Defensores de presos polticos O caso Pedro Ernesto Perfis: Sobral Pinto e Prestes Criando fann1ia

97 107 115 121 125 130 135

tupiniquim

4. A pgina negra do TSNCrime poltico, matria da Histria Denncia era condenao Os juzes e os advogados Problemas com a represso Vitrias sobre o arbtrio Lobo x Chateaubriand O fim do Estado Novo A guerra e os espies

147 150 156 162 166 171 178 181

5. O defensor da liberdadeDa privao de sentidos legtima defesa da honra O Cdigo Penal de 1940 O direito e as cincias Em defesa do jri A priso monstruosa

195 200 202 206 214

6

6. Paixes e desatinosOs grandes criminalistas O caso Zulmira Galvo Bueno O crime do padre de Maria da F O caso do Marcha--R Geraes de advogados Os acusadores Casos e mais casos Conselho aos moos

229 234 239 244 250 255 263 269

7. Anos polmicosA CPI da

O bessarabiano

ltima Hora

277 282 288 295 299 306

O atentado da Toneleros A Liga de Defesa da Legalidade Carlos Lacerda O dever do advogado

8. O homem de governoContatos com Joo Goulart Viagem China Impresses: os chineses, Arajo Castro e GouIart A renncia de Jnio e a posse de Goulart Procurador-geral da Repblica Chefe do Gabinete Civil Ministro das Relaes Exteriores

319 322 331 334 339 342 350 356

Vivendo em Braslia

7

9. O ministro do SupremoBatalha no Senado A queda de Joo Goulart O STF e o golpe militar O STF e o regime militar Coeso e coerncia Aposentadoria compulsria O STF sob o AIS

365 368 377 384 393 397 403

10. Volta tribunaLicena para trabalhar O caso Doca Street Sempre socialista O caso Collor: um mandato invisvel A acusao e a defesa A fruru1ia Collor de Melo O

417 425 435 440 445 453 456

impeachment e a renncia

11. O Judicirio e a Justia, hojeO STF absolve Collor: deciso jurdica ou deciso poltica? O Judicirio, o Legislativo e o Executivo Justia rpida e para todos A lei do trabalho

469 483 492 499 509

ndice onomstico

8

PrefcioEVANDRO LINS E SILVA, OU o

MINISTRIO PBLICO DA ADVOOlCIANeste memorial fascinante de uma vida que atravessou quase todo o sculo, o leitor encontrar, ao mesmo tem po, um testemunho histrico e uma lio de cidadania. O testemunho de um observador arguto da evoluo de nossos costumes e da personalidade de alguns dos prin cipais vultos de nossa histria poltica contempornea. A lio de cidadania dada por um advogado que soube fazer da profisso, desde a juventude, uma misso de servio pblico, antes e depois de ocupar alguns dos mais elevados cargos na estrutura federal de Poderes. Como explicar essa extraordinria harmonia entre a atividade profissional e a vida pblica? A explica o, a meu ver, est na fidelidade a uma mesma linha de conduta tico-social. Evandro Lins e Silva , com efeito, a ilustrao de uma espcie poltica rarssima em nosso melO: um autntico social-democrata. Hoje, mais do que nunca, neste momento de uni versal confuso ideolgica, importa sublinhar que o socia lismo democrtico no veio negar os grandes valores do autntico liberalismo, mas sim complement-las. O social democrata , antes de tudo, um liberal no sentido genuno da palavra, ou seja, o defensor intransigente das liber dades individuais e do princpio da igualdade perante a lei.

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Ora, no preciso grande capacidade de an lise ou conhecimento histrico para perceber que os movimentos ou partidos ditos liberais, em nosso meio, sempre representaram uma escandalosa contrafao. O Partido Liberal do Imprio em nada se distinguiu do Partido Conservador, no tocante instituio que encarnava, poca, a permanente negao da liberda de individual e do princpio da igualdade perante a lei: o trabalho escravo. O primeiro grande partido de ideologia liberal na Repblica - a Unio Democrtica Nacional - tornou-se em pouco tempo a organizao onde se aninharam os lderes civis do golpe de .' instituidor do vintenrio regime militar

1 964,

tido da Frente Liberal, cujos prceres vm servindo ininterruptamente a todos os governos desde a do minao militar, reduz toscamente o seu liberalismo defesa da propriedade privada e da supremacia

empresarial. Foi, sem dvida, vista dessa mistificao permanente que Srgio Buarque de Holanda pde quali ficar a democracia, entre ns, como um "lamentvel mal entendido". "Uma aristocracia rural e semi feudal", lem brou ele, "importou-a e tratou de acomod-la, onde fosse possvel, aos seus direitos ou privilgios, os mesmos pri vilgios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta z da burguesia contra os aristocratas." Democracia legti ma, a rigor, nunca tivemos neste pas, pois jamais aceita mos, honestamente, o regime da igualdade de todos na fruio das liberdades civis e, portanto, a negao dos privilgios de raa, sexo, classe, religio, instruo ou fortuna. Para os nossos falsos liberais, ser democrata con siste apenas em saber ajustar, destramente, a dominao oligrquica realizao peridica de eleies.10

PREFCIO

Ora, na vida profissional e funcional de Evandro Lins e Silva, esse lamentvel mal-entendido nunca exis tiu, e foi isto que surpreendeu muita gente. Como pode um socialista defender intransigentemente os direitos in dividuais, a ponto de se proclamar com bonomia "um alquimista da liberdade", que forceja utopicamente por encontrar um dia "um p, um elixir, uma pedra ftlosofal, capaz de manter a liberdade de toda a gente" (captulo 5)? Que socialismo esse, que interpreta o princpio da igualdade de todos perante a lei como justificativa da defesa enrgica, tanto de comunistas quanto de integralistas, diante do infame Tribunal de Segurana Nacional do Estado Novo? Como entender o nacionalis mo de algum que advoga perante a jurisdio militar a causa de brasileiros, culpados de atuar a favor do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial? Qual o sentido soci al, ainda se perguntam muitos, de se defender com ardor na tribuna do jri os homicidas passionais, sejam eles homens ou mulheres? Essa miopia poltica incapaz de enxergar o fato bvio de que, para a democracia socialista, todos os ho mens nascem livres e iguais, em dignidade e direitos. socialismo assenta o princpio da solidariedade univer sal, ou seja, o reconhecimento de que os seres humanos, de qualquer classe, povo ou cultura, formam um todo indissocivel, onde no h excludos nem explorados; uma sociedade onde o direito vida no pode ser sacrifi cado barbrie da especulao financeira ou da acumu lao de capital. E a vai a segunda dimenso do princpIO tico social, que sempre norteou a vida de Evandro Lins e Silva: a defesa constante do fraco contra o forte, do pobreII

justamente sobre esta base democrtica que o

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

contra o rico; a luta pela supremacia do bem pblico, isto , o bem comum de todo o povo

("res publica, reI

popull',

lembrou Ccero), contra a tradicional hegemonia

dos interesses privados; a sustentao do papel dirigente e regulador do Estado na defesa do interesse nacional, perante as potncias estrangeIras ou as empresas multi naCionaIS. Foi essa a convico de princpios que lhe permitiu compreender, desde logo, a terrvel falcia da modernidade neoliberal, no momento em que muitos se deixavam contaminar pela propaganda dessas idias, aps a liquidao do comunismo sovitico. "Acho que o socialismo no acabou. O tempo mostrar como ilu sria a euforia neoliberal que anda por a. O socialismo democrtico ainda a soluo para a humanidade" (cap tulo

2).

Esta lcida previso realizou-se, como se est a

ver, mais cedo do que se supunha. J se comea a perce ber, em todo o mundo, a profundidade da crise, provocada pelo assalto aos direitos dos trabalhadores e ao Estado do Bem-Estar Social, dois dos maiores benefci os que o socialismo democrtico deu humanidade. Pois a solidariedade socialista no apenas um princpio tico, mas tambm uma regra inafastvel de eficincia econmica. Foi ainda com base nessa mesma convico de princpios que Evandro Lins e Silva soube emprestar a todas as atividades profissionais ou funcionais que exerceu - como advogado, procurador-geral da Repbli ca, ministro de Estado e ministro do Supremo Tribunal Federal - uma autntica dimenso pblica, isto , o senti do do servio permanente causa do povo. Como advogado, primeiramente, ao iniciar des de cedo uma campanha ininterrupta pela humanizao12

PREFCIO

d o direito penal, com a abolio da pena de priso. Como advogado de jri, sobretudo, ao mostrar incessantemen te, contra a opinio desdenhosa das elites, a excelncia de um tribunal onde o povo, retomando em suas mos o poder de j ulgar, pode corrigir os excessos legislativos e fazer justia, sem preocupaes de coerncia terica. Como chefe do Ministrio Pblico Federal e duas vezes ministro de Estado, em seguida, Evandro Lins e Silva soube distinguir os interesses nacionais dos mera mente estatais ou governamentais, mostrando por essa forma, a governantes e polticos, que a fidelidade aos interesses da nao h de ter precedncia sobre a fideli dade ao governo de onde provieram as nomeaes para esses cargos pblicos. Como magistrado, enfim, ao defender com bra vura, n u m momento e m que tantos se submetiam timoratamente fora armada, a independncia do Su premo Tribunal Federal diante do Poder Executivo, sub metido ocupao militar. A est o que significa exercer em sua pleni tude, em qualquer posio profissional ou funcional, a defesa da Constituio e da ordem jurdica, segundo o mandamento que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil impe a todos os seus membros. Pois foi exatamente com base nessa qualidade de permanente advogado do interesse pblico que Evandro Lins e Silva, no crepsculo da vida, veio assumir a misso d e resgatar, em memorvel processo, a dig nidade d o povo brasileiro, duramente ofendida pelo comportamento indecoroso de um chefe de Estado. Tive ento a ventura e a honra de acompanh lo, perante o Senado e o Supremo Tribunal Federal, no desempenho desse 'mandato popular invisvel'.13

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Guardo vivamente na memria um dos epis dios mais expressivos dessa batalha cvica. Na manh do dia em que se julgava, no Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurana impetrado pelo ex-presidente contra a deciso condenatria do Senado, encontrei Evandro muito indisposto num hotel de Braslia. Lastimei o destino que vinha atacar aquela esplndida rijeza nordestina, exatamente na hora em que o povo mais precisava do seu defensor. Ao chegarmos para a sesso de julgamento, Evandro deixou-se examinar pelo mdi co do tribunal. Dirigimo-nos lentamente para a entrada da sala das sesses. Minha inquietao aumentava de mi nuto a minuto. at o momento em que o velho colosso subiu tribuna. A, subitamente, tudo se transfigurou: o Advogado de sempre aprumou-se, tomou a palavra com galhardia e assumiu energicamente a causa do povo trado, reproduzindo o mesmo ardor juvenil com que o estudante de direito, sessenta anos antes, defendera seu primeiro cliente no Tribunal do Jri do Rio de Janeiro. Pois a histria dessa permanente juventude que se vai ler nas pginas deste livro.

Fbio Konder ComparatoProfessor titular da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo Doutor em Direito da Universidade de Paris

NOTAS 1ambigidades do liberalismo brasileiro (1945-1965), Paz e Terra, 1981.do ex-presidente Jnio Quadros. o diretor do jornal cf. Maria Vicwria de Mesquita Benevides, A UDN e o UdeniJmo -

Em carta dirigida, em 20 de janeiro de 1962, a um dos ministros militares

S. Paulo. porta-voz notrio da UDN, traou aquilo que ele prprio 14

O Estado de

PREFCIO

chamou "um roteiro d a revoluo", e gue veio a ser aplicado, com ligeiras variantes, aps o golpe de 1964. Props a instalao de uma Junta Militar, incumbida de, com base nwn 'ato institucional' cujo pro jeto anexara guela missiva, outorgar uma nova Constituio ao pas, dissolver todas as Cmaras Leglslativas da Unio, dos estados e munic pios e expurgar os tribunais. Ficaria impedida a apreciao judicial dos atos do governo provisrio e excludo o habeas-corpus em relao aos "crimes contra as instituies, bem assim os crimes contra a organiza o do trabalho, os meios de comunicao e transporte, a sade pbli ca e os crimes, funcionais ou no, contra a Administrao Pblica." Ou seja, a reedio reforada do Estado Novo getulista_ Esse 'roteiro da domingo, dia 30 de maro de 1969, e no livro de Jlio de Mesguita Filho, intitulado Poltica e cultura, S. Paulo (Ed. Martins), 1969. revoluo' foi publicado no O Estado de S. Paulo em sua edio de

:2

Razes do Brasil, 5 ed., Rio de Janeiro (Livraria Jos Olympio, Editora),

1969, p. 119.

15

ApresentaoEste livro a edio do depoimento de carter histrico e do cumental que Evandro Lins e Silva concedeu ao Centro de Pes quisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC) da Fundao Getulio Vargas em 17 encontros reali zados entre

16 de agosto de 1994 e 25 de janeiro de 1995. O 36horas e

resultado desta conversa que se estendeu por cinco meses foi uma entrevista longa, de

30 minutos

de gravao,

e rica, tanto em histrias quanto em testemunhos da Histria. O depoimento acompanha a trajetria pessoal e a atuao profis sional de Evandro Lins e Silva desde sua infncia no interior do Maranho at o julgamento do Fernando Collor. Hoje com 85 anos, Evandro Lins e Silva testemu nha privilegiada de diversos acontecimentos e conjunturas da histria contempornea brasileira. Desde antes de menos de

impeachment do ex-presidente

1930, com

18 anos, j tinha contato com os debates polticos em

curso no pas, graas ao ambiente poltico-intelectual que en contrava principalmente na casa de seu av, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti. Ali conheceu alguns integrantes do movimento tenentista que mais tarde viriam a participar da revoluo que deps Washington Luis em outubro de 1930, quando ele pr prio, estudante de direito e jovem reprter do Dirio de Noticias, saiu s ruas do centro do Rio de Janeiro procura de informa es sobre a instalao do governo provisrio de Getlio Vargas. Foi como jornalista tambm que cobriu importantes jul-

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

gamentos que mobilizaram a opinio pblica no inicio dos anos

1 930 e durante os quais, assistindo atuao do velho Evaristode Morais e de outros advogados de renome, foi tomando gosto pela profsso i Membro da "gerao de

30",

profundamente

marcada pelo debate ideolgico entre "direita" e "esquer da", Evandro Lins e Silva f iliou-se, desde os tempos da Faculdade de Direito, corrente socialista, que conquis tou coraes e mentes de boa parte da intelectualidade brasileira da poca. Ao lado de Sobral Pinto e de outros advogados, atuou na defesa de presos polticos perante o Tribunal de Segurana Nacional (fSN), o tribunal de ex ceo criado para julgar os envolvidos na revolta comu nista de

1 935

que s foi extinto ao final da ditadura do

Estado Novo, em

1945.

Tinha

25

anos quando defendeu

o primeiro preso poltico - j era ento um advogado respeitado entre seus pares -, e acabou por tornar-se um dos mais requisitados defensores de rus julgados pelo TSN. Aps a redemocratizao do pas, participou em

1 947

da fundao do Partido Socialista Brasileiro

(PSB), iniciando uma longa militncia em favor de um socialismo democrtico.um criminalista altura dos que admirava na juventude. A

A paixo pelo Tribunal do Jri o transformou em

competncia profissional o fez atuar em processos de grande repercusso nacional, como o que foi movido contra Samuel Wainer e Ricardo Jafet em decorrncia da o levou a ser um dos principais articula dores, ao lado de CPI do jornal

ltima Hora, em 1953. A defesa da democracia

Sobral Pinto e de Vtor Nunes Leal, da Liga de Defesa da Lega lidade, que defendeu a posse de Juscelino Kubitschek em 1956.

O esprito pblico, finalmente, o fez participar diretamente dogoverno Joo Goulart, primeiro como procurador-geral da18

APR E S E N TA O

Repblica e em seguida como chefe do Gabinete Civil e mi nistro das Relaes Exteriores. Em

1963 tomou posse como

ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua atuao no STF foi particularmente marcada pelas restries impostas pelo regime militar instaurado em

1964, uma vez que poucos meses 1969, por fora do Ato

depois de assumir o cargo j julgava pedidos de habeas-corpus em favor de presos polticos. Em Institucional n

5, foi aposentado do STF juntamente com

Hermes Lima e Vtor Nunes Leal, episdio especialmente signi ficativo para a anlise das relaes entre o autoritarismo e o sistema judicirio no Brasil. Ao longo desse percurso, Evandro Lins e Silva convi veu com personalidades como Carlos Lacerda, Osvaldo Ara nha, Lus Carlos Prestes, Assis Chateaubriand, Joo Goulart, entre outros, dos quais traa perfis argutos e reveladores. Seu depoimento se debrua tambm sobre questes que nunca dei xaram de ser atuais, como as causas sociais e econmicas do crime, a pouca ou nenhruna eficcia da priso como mtodo penal e o papel do advogado no aperfeioamento da ordem jurdica. Ao reproduzir uma experincia profissional concreta, a entrevista d uma noo mais exata das relaes entre a teoria e a prtica do direito, abordando os diferentes aspectos impli cados no exerccio da advocacia, como por exemplo o relacio namento com os clientes, com as outras partes e seus represen tantes, ou ainda com os juzes. Mas a atuao de Evandro Lins se estende at mo mentos mais recentes da histria poltica brasileira, e por esta razo que sua entrevista tem uma relevncia especial para o ce nrio atual. Sua participao direta no processo de im peachment do ex-presidente Fernando Collor, em

1992, permite uma apro

ximao talvez indita da relao entre os poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, em uma situao em que estavam en volvidas presses polticas das mais diferentes origens. As re1 9

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

flexes sobre o funcionamento do aparelho judicirio condu zem finalmente o depoimento para um terreno ultimamente bastante explorado nos debates nacionais. Todas as dimenses destacadas tm na trajetria de vida de Evandro Lins e Silva seu eixo de ancaramento. Este o pressuposto bsico da metodologia da histria oral, que orientou o trabalho da entrevista: revelar a rela o entre o indivduo e as conjunturas polticas, econmi cas e sociais em que ele se insere, de modo a ptoduzir um depoimento de valor histrico e documental. A expe rincia do CPDOC nesta rea hoje inegvel: seu Progra ma de Histria Oral tem

23

anos de existncia, e seu acer

vo de entrevistas com homens pblicos que se destaca ram em nossa histria recente compreende cerca de

350

depoimentos. A entrevista que se segue, um longo pas seio por nossa histria a partir do ponto de vista de um advogado cujo papel como ator, testemunha e pensador de nossa sociedade largamente reconhecido, constitui mais uma contribuio do CPDOC preservao da me mria do pas. A s entrevistas foram conduzidas pelas pes quisadoras Marly Motta e Verena Alberti e gravadas pelo tcnico de som Clodomir Oliveira Gomes. A transfor mao do depoimento em livro exigiu a edio do ma terial transcrito, feita por Dora Rocha, e a elaborao de notas explicativas, a cargo das entrevistadoras, com a colaborao do auxiliar de pesquisa Cristiano Santiago de Sousa. A edio deste depoimento recebeu o apoio finan ceiro da Companhia de Cimento Portland Paraso e o incen tivo de sua diretora-presidente, dra. Sonia Pereira da Silva Isnard, e do presidente do conselho de administrao, dr. Paulo Mrio Freire. No CPDOC, empenharam-se especialmente na20

APRES ENTAO

realizao deste projeto as professoras Marieta d e Moraes Ferreira, ento coordenadora do Setor de Histria Oral, Alzira Alves de Abreu e Lcia Lippi Oliveira, diretoras do Centro. A eles expressamos o nosso reconhecimento. Ao dr. Evandro Lins e Silva, que abriu mo de seus afazeres para reconstituir conosco a histria de sua vida e rever atentamente os originais deste livro, acrescentando-lhes inclusive novas passagens, nossos agradecimentos especiais.

Mar/y Motta, Verena Alberti Dom Rocha

e

2 1

1. Razes nordestinas

o SONHO DO MAGISTRADO No comeo do sculo, o mundo vivia um perodo de calmaria, de tranqilidade. No havia expectativa de conflito entre os pa ses e os povos. Foi nessa poca, em

1906, que meu pai se for1

mou pela legendria Faculdade de Dreito do Recife, criada em

1827

juntamente com a Faculdade de Direito de So Paulo.

Depois de formado ele deveria comear sua vida profissional, e o fez indo em 1907 para Santa Catarina, para ser promotor em Ararangu, municpio limtrofe com o Rio Grande do Sul. Na quela poca os estados que no tinham faculdade de dreito fica vam procurando quem quisesse ir ocupar cargos que s o diplomado em direito podia desempenhar, e foi esse o motivo da sua nomeao para Santa Catarina. Mas ele l permaneceu apenas um ano. No ficou sarisfeito com suas tarefas - no sei se tambm no se adaptou bem ao clima, j que vinha do Nor deste - e quis mudar de pouso. Alm disso quera casar, estava noivo de minha me. Veio ento ao Rio de Janeiro, onde morava Joo Barbalho Uchoa Cavalcanti, tio-av de minha me, que foi uma grande figura na Primeira Repblica - vinha da cha mada Escola do Recife, que fez aparecer e deu destaque a Tobias Barreto, Clvis Bevilaqua, Slvio Romero, toda uma gerao ilus 3 tre daquele tempo. E Joo Barbalho obteve para meu pai um cargo de advogado da Central do Brasil, que era na poca uma funo de certa importncia, alm de tudo exercida na capital federal. Frustrou-se, porm, essa soluo, por um motivo im previsto.2

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Freqentava a casa de Joo Barbalho uma figura muito interessante de poltico brasileiro, Lus Domingues da Silva, governador e tambm senador pelo estado do Maranho e, contam todos, um

causem' magnfico

e encantador. Lus

Domingues tomou conhecimento do assunto e convenceu meu pai de que o futuro dos jovens bacharis do comeo do sculo estava na magistratura. Fazia essa avaliao tendo em vista um projeto que ele, ou havia apresentado, ou pretendia apresentar ao Senado, para a federalizao da magistratura. E ofereceu a meu pai um cargo de juiz municipal no intetior do Maranho naquela poca no havia concurso, era o prprio governador quem nomeava. Meu pai se sentiu seduzido, viu-se comeando como juiz municipal, ascendendo na carreira e acabando minis tro do Supremo Tribunal Federal. Uma iluso, um sonho, uma utopia. Mas a realidade que ele se deixou fascinar por Lus Domingues e aceitou o cargo. Agora faamos uma pausa para saber quem so as pessoas de quem falei. Meu pai, Raul Lins e Silva, era pernam bucano de nascimento, como toda a sua fanulia, e minha me tambm, como todos os seus ancestrais. Meu pai era filho de um funcionrio do Tesouro do estado de Pernambuco chama do Augusto Paulino da Silva e de uma professora jubilada, como se dizia naquela poca, o que significa aposentada, nascida Leobina de Barros Lins. Quando lhe nasceu o primeiro filho, ela achou que ficava mais eufnico, mais bonito botar como sobre nome, no "Lins da Silva", mas "Lins e Silva". Portanto, o nome da famlia foi criao dessa minha av. Ela era professora pri mria, uma mulher inteligente, de olhos verdes, muito ativa, dominadora. Minha me chamava-se Maria do Carmo Uchoa Cavalcanti e era, como j disse, sobrinha-neta de Joo Barbalho. Quem era Joo Barbalho Uchoa Cavalcanti? Foi o grande co mentarista da Constituio de 1891. Escreveu o livro Comentrios24

RAIzES

NORDESTINAS

Constituio de 1891, um clssico que ainda hoje citado nostribunais. Ningum pode fazer um trabalho sobre direito cons titucional, uma interpretao de sua histria, sem consultar o livro de Joo Barbalho. Em relao origem familiar de mi nha me vou um pouco mais longe, conheo-a melhor por ou vir dela prpria. Minha bisav chamava-se Maria Umbelina Wanderley Cavalcanti de Albuquerque.

Famlia tradiciona4 no ?Sim, tanto que o livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freire, registra como o povo se vingava dessas famlias que pre tensiosamente deitavam importncia, sabedoria, prestgio e no breza, dizendo em tom de zombaria: "No h Wanderley que no beba, Albuquerque que no minta e Cavalcanti que no deva..."

A faml1ia de minha me muito numerosa. Meu av materno chamava-se Pedro Celso Uchoa Cavalcanti. Foi uma figura de grande prestgio intelectual no seu tempo, professor do Ginsio Pernambucano, fillogo, poliglota. Foi o tradutor de um livro de Wiitjen, da Brasiliana, intitulado

O domnio colonial

' holands. Era um homem de grande popularidade no Recife, porque lecionou dezenas de anos em vrios colgios. Por exem plo, foi professor de meu pai e meu professor no Ginsio Pernambucano, que era um colgio modelar, tal como o Pedro II no Rio de Janeiro. Os grandes professores da poca ensina vaml. Minha av materna chamava-se Maria da Conceio Cavalcanti de Albuquerque. Era filha de Maria Umbelina e prima do marido, meu av Pedro Celso.

holands no Brasil, para o qual teve que traduzir inclusive textos em

De onde veio a opo de seu pai pelo direito? Seu av Augusto Paulino da Silva tambm era formado em direito?25

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

No. No era diplomado. Sei pouco sobre sua ori gem, a no ser que era filho de portugueses e morreu relativa mente cedo. Quanto escolha de meu pai, a mocidade daquele tempo tinha como aspirao, como sonho, como projeto de ,da, ser advogado. Era o mais comum. Ou mdico. E mais raramente engenheiro. Por exemplo, minha me tinha 1 7 irmos, dos quais conheci 14. Eram dois advogados, trs mdicos, um formado numa escola qualquer de administrao daquela po ca, que no sei bem como se chamava, dois engenheiros... E as mulheres, de modo geral eram donas de casa, no tinham pro fisso remunerada. Uma era freira, e as demais se casaram. Essa que era freira no usava hbito. Morava e lecionava num colgio eucarstico que ha0a no Recife, onde professou, embora no fosse uma ordem religiosa. Foi professora de geraes e gera es de moas no Recife. Outra irm de minha me - foi, na poca, uma surpresa imensa - se desquitou do marido e de pois disso passou a trabalhar em banco. Todas elas eram muito preparadas, por influncia, talvez, do meu av, do estudo em famlia. Todas falavam linguas. Minha me casou aos 17 anos e falava correntemente o francs e o ingls, o que era rarssimo naquele tempo.

de sua me era muito tradicional e importante no Reci fi. J a de seupai seria o que se poderia definir como umaf amlia de setores mdios?Nas genealogias pernambucanas, os Lins aparecem l no comeo, mil seiscentos e poucos. E os Barros tambm so antigos. Agora, eram gente de classe mdia, como a famJ1ia de minha me tambm: meu av materno era um professor. Quem tinha maior destaque era minha bisav Maria Umbelina, porque foi casada com um Cavalcanti de Albuquerque e tinha engenho. Mas isso tudo foi acabando. Ela ficou 0va muito cedo, aos 21 anos de idade, no casou outra vez e viveu at os

Af amlia

99. Tanto que quando minha filha mais velha nasceu, ela ainda26

RAZES

N O R D E ST I N A S

era viva. Ela quase teve pentanetos! Casou-se com

1 3 anos de

idade, teve quatro filhas, e essas filhas deixaram uma descendn cia numerosssima que hoje ainda existe espalhada por a. Basta dizer que s a descendncia de minha me, que era sua neta, foi de

13 Hlhos.

Dona Maria Umbelina era uma grande senhora de Pernambuco.Sim. Ela morava com meu av Pedro Celso, seu gen ro. E tinha um grande domnio sobre a casa. Mandava em todo mundo, influa em todas as decises, era uma pessoa de muita personalidade.

Seu pai tinha irmos? O que f a'{}am eles?Um era mdico e dois eram bacharis em direito, ad vogados tambm.

O senhor sabe como seu pai e sua me se conheceram?Como se conheceram, eu no sei Recife era urna cida de pequena, ele era estudante de direito, ela era uma jovem casadoira, deviam freqentar os mesmos crculos, da o conhe cimento entre ambos e o casamento. Tenho ainda uns cartes dele do Ararangu para ela. Eles se casaram em logo para o Maranho. A ODISSIA MARANHENSE Posso citar as cidades em que meu pa foi juiz no Maranho, e pode ser que ainda haja outras de que no me lem bro. Sei que houve Tutia; Imperatriz -" pequenissima, hoje uma grande cidade, um entroncamento importante; Barra do Corda; Pastos Bons; Colinas, que se cha mava Picos naquela poca; Brejo do Anapurus; So Bernardo; So Lus Gonzaga; Itapicurumirim... A permanncia de meu pai no Maranho durou de

1908 e foram

1908 at 1920. Foram 12 anos percor27

o

SALO DOS PASSOS PERDIDOS

rendo eSSas cidades, uma verdadeira odissia. Contavam eles minha me sobretudo - que, numa das transferncias de meu pai de uma cidade para outra, fizemos uma viagem de 100 lguas, que eram 600 quilmetros, em condies terrveis. J ra mos trs irmos nascidos, os dois mais velhos e eu, que era o terceiro, e fomos a cavalo: minha me num cavalo, meu pai no outro, os trs irmos num outro, com duas cangalhas, os dois mais magros de um lado e o mais gordo do outro... E uma vaca para alimentar as crianas, e o guia. Essa viagem levou um ms! Parando em pousadas, com um desconforto total. Durante essa viagem, contava minha me, ns trs, os filhos, tivemos saram po e catapora ... E havia o impaludismo, que contraimos desde cedo, todos ns, com aquela febre ter, em que noite a gente tremia. ltapicuru foi a lrima cidade em que meu pai foi juiz. Hoje a gente vai de l a So Luis de automvel em uma hora e meia, duas horas. Antigamente ia-se num vapor gaiola. Eu me recordo muito dessa viagem, porque j tinha oito anos quando viemos de ltapicuru para So Luis, deixando o Maranho. Mi nha me gravemente doente, ns todos com impaludismo... Meu pai foi compelido a se aposentar pelas condies de sade da famlia. Estava para ser desembargador, j tinha sido pro movido a juiz de direito, estava numa comarca importante e logo poderia ir para o Tribunal de Apelao, como se chamava na poca o Tribunal de Justia. E a iramos morar em So Luis. Era o sonho dele ser desembargador.

Mas devido

doena da f amlia ele viu esse sonho...

Desmoronar. Ento ele voltou para a sua terra, para Pernambuco, aposentado em condies muito precrias, por que tinha pouco tempo de servio. Para poder sustentar a fan lia, que estava sendo mantida por minha av Leobina, com quem morvamos, lecionou em colgios secundrios, advogou28

RAZES

NORDESTINAS

um pOUCO e afinal aceitou um lugar de funcionrio do Banco do Brasil. Ele tinha muito orgulho da sua profisso de magistrado. Jamais se identificou, em qualquer documento, como bancrio ou funcionrio do Banco do Brasil. Sempre, quando pergunta vam sua profisso, ele dizia: "Magistrado aposentado."

Na mesma poca em que sua f amlia era assolada por doenas como o im paludismo no interior do Maranho, aqui no 5u/ a gri pe espanhola provocava grandes estragos.Exato. E l tambm. Ns estvamos em Itapicuru mirim quando veio a gripe espanhola. No fim, o grande risco que houve foi a morte de meu pai, porque ele teve a gripe em condies ultradesfavorveis, em um local que no tinha recur sos. Ns tivemos uma gripe logo debelada, ele tratou de todos e depois adoeceu. Ficamos muito preocupados. Nessa poca eu tinha oito anos, mas me recordo perfeitamente dele gravemente doente. Mas se salvou.

Quais so suas lembranas mais anti as? gA primeira recordao que tenho gravada na minha retina e na minha memria da cidade de Picos, hoje Colinas. Isso deve ter sido em 1916 ou

1 7,

porque tenho um irmo

nascido nessa cidade em 1915. Ha\a l um pistoleiro, um ho mem considerado perigoso, olento, autor de vrios homi cdios, que estava pronunciado e tinha que ser preso, mas que ningum prendia. Todos o temiam. Meu pai, ao assumir o cargo de juiz de direito, resolveu que fosse cumprida a lei. Mandou prender o bandoleiro e foi ameaado de morte. At hoje me lembro de ns, os membros da famlia, no meio de um grupo de pessoas que nos protegiam - eu era bem pequeno, devia ter meus quatro ou cinco anos -, caminhando da nossa casa at a casa de um chefe poltico ou prefeito local, que ficava no alto de uma colina. amos ali, no meio das pessoas, resguardados29

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

para evitar um ataque contra meu pai - um ambiente de muita tenso. Tenho essa lembrana da nossa passagem em Picos, mas So Luis Gonzaga a cidade de que comeo a ter lem brana mais ntida. Eu devia ter uns seis anos quando fomos para l. Foi quando comecei a fugir para ir escola. Meus ir mos maiores iam, eu no queria ficar em casa e saa correndo atrs deles. Lembro que uma vez levei um bolo porque errei uma tabuada. O aluno seguinte acertou e ficou com o direito de me bater na mo com a palmatria. Eu, na hora, quis fechar a mo... O certo que apanhei de palmatria. Lembro muito tambm que a nossa distrao era montar em carneiro. Ns, garotos, eu e meus irmos, cada um tinha um carneirinho, e passevamos montados neles. Essa a recordao mais ntida que tenho dessa poca. De So Lus Gonzaga fomos para o Itapicuru, onde ficamos at 1920, ano de nossa volta para Pernambuco. J nessa cidade recordo de um detalhe que causa espanto, porque mos tra as dificuldades de comunicao naquela poca. Estava ha vendo a guerra de 14 a

1 8, e no me lembro de qualquer refe

rncia sobre ela, a no ser que meu pai s soube da terminao da guerra mais ou menos um ms depois, por uma carta que recebeu do irmo, de Recife! No havia jornal na cidade, no havia telefone, rdio, televiso, no havia nada. Estvamos num fim de mundo.:.

Deve ter sido um contraste muito grande para sua me, sair do Reci para enfrentar no Maranho tantas doenas e percalos... feClaro. E a resistncia, a bravura, com que ela enfrentou isso? E a capacidade que teve de se orientar diante de uma situ ao nova, delicada, dificil, em que tinha que tomar medidas... E depois, o desconforto total! Por exemplo, vou contar a histria do meu nascimento. Meu pai era juiz municipal em duas cida des: Brejo do Anapurus e So Bernardo. O juiz de direito dessas

30

RAZES

NORDESTINAS

duas cidades era um cidado chamado Henrique Couto, pai de Deolindo Couto e de Bernardo Couto. Ambos mdicos: Deolindo, que foi daAcademia Brasileira de Letras, e Bernardo, que tem um consultrio de neurologista famoso. Pois bem, es sas cidades ficavam em frente cidade da Pam:uba, no Piau, apenas com o rio de permeio, que era o limite entre o Maranho e o Piau. Parn:uba era prspera, porque produzia cera de de msica no mundo inteiro - o sinttico s foi descoberto depois da Segunda Guerra Mundial. Por ser mais adiantada, meu pai levou minha me e meus dois irmos mais velhos para Parn:uba, pata eu nascer l. Alugou uma casinha no delta do rio Parn:uba, na ilha de Santa Isabel. O delta do rio Parn:uba de uma rara beleza! Sabem que o segundo ou terceiro maior delta do mundo? Meu pai procurou o mdico, combinou o atendi mento minha me, mas, no momento do parto, foi cham-lo e no o encontrou. O mdico tinha sado para fazer parto num outro lugar longe, e no se sabia quando voltava. Meu pai foi para casa e fez o parto, acompanhando as notas de um livro dado por seu irmo mdico! Havia, nesse livro, a indicao de como se fazia um parto, ele acompanhou a lio e eu estou aqui, vivo e salvo, com 8 2 anos! Ficamos na casinha tosca da ilha de Santa Isabel uns 20 dias, regressamos ao Maranho, e passaram se mais oito anos at voltarmos para Pernambuco. S muito tempo depois vim a conhecer a cidade em que nasci. Eu no tinha parentes l, ningum. Como conhecer a minha terta? Eu tinha vontade, mas no tinha oportunidade. Quem proporcionou minha ida a Parnatba pela primeira vez foi Jos Sarney. Em 1968, eu era ministro do Supremo Tribunal e recebi um convite para fazer uma conferncia na Faculdade de Direito de So Lus. Fui para l com um cidado que foi muito meu amigo, foi senador pelo Maranho, deputado muito tem po, chamado Henrique de La Rocque Almeida. A estada no5

carnaba, que

era a matria-prima com que se faziam os discos

31

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Maranho foi cheia de emoes. Inicialmente fui visitar o Itapicurumirim, a ltima cidade onde meu pai tinha si do juiz e onde aprendi a ler. Eu visualizava a topografia da cida de em propores maiores do que aquelas que encontrei. Ao chegar, atravessava-se um riozinho, uma ponte, e estavam l as crianas da escola com bandeirinhas... Foi uma coisa que me tocou muito, a recepo. O prefeito, o padre, a professora, to dos. Levaram-me Cmara Municipal, onde recebi o titulo de cidado itapicuruense. E fomos tambm casa onde nhamos morado. Dali a pouco - isso me comoveu muito - come aram a surgir processos com a letra de meu pai, sentenas, decises que ele tomou... Eu at brinquei: ''Vocs esto queren do vaga no Supremo Tribunal Federal! Esto querendo matar um ministro de emoo para arranjar uma vaga!" Era governador na poca o dr. Jos Sarney, que me convidou para um jantar no palcio, em So Lus, com autori dades. Contei-lhe, nessa oportunidade, que eu no conhecia a terra em que tinha nascido, a Parnatba. Ele perguntou se eu gos taria de conhecer. Respondi: "Sim, gostaria imensamente, mas os a,es no passam na Parnruba; eles vo porTeresina, que a capital." Nem a Teresina eu tinha ido ainda. Ele sugeriu: ''Vamos fazer ento o seguinte. O aviozinho do governo leva voc at Parnruba. Podemos fazer daqui as comunicaes. L, certa mente, os juzes, o prefeito, esperam, e voc ento conhece a sua terra." Fui nesse aviozinho, que era um monomotor de trs ou quatro lugares - at brinquei com ele depois, dizendo que

aquilo no era um avio, era uma emergncial - e l, de fato, estavam o juiz federal, o prefeito, as autoridades locais, me espe rando no pequeno aeroporto local. Almocei e fiquei encantado com a cidade. Digo isso no discurso que fiz quando re cebi a medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil: ''Tardei muito a realizar esta viagem, mas pagou a pena faz-la. Libertei-me de um vago sentimento de culpa, fui32

RAfzES

NORDESTINAS

logo seduzido pelos encantos da cidade e a ela me senti, de 6 sbito, integrado como quem volta aos seus penates."o

senhor chegotl a ir ilha de Santa Isabel, tambm?

Sim. Naquela ocasio ainda no existia a ponte. Fui l depois, outras vezes, e j existia. Da primeira vez ainda se ia de bote. E identifiquei a casa onde nasci. Minha me dizia que era prximo do desembarque. Eu estava por ali, havia um senhor idoso l numa janela, perguntou o que estvamos olhando, e ento expliquei que estava procurando a casa onde eu tinha nas cido em 1912. Ele disse: "Era filho de um juiz? Pernambucano?" Respondi: "Era, exatamente." Ele: "Ento aquela casa." E eu conheci. Era uma casa tosca, modestssima. Depois, na segunda ou terceira vez que fui a Pamruba, ela j no existia, tinha sido posta abaixo.

Era sobretudo stla me qtlem lhe contava eJJas histrias do tem po do Maranho?Sim. Minha me era uma mulher sumamente inteli gente. Vinha de uma famlia de letrados e tinha muita curiosi dade intelectual. Eu me lembro que ela lia muito, a famlia lhe mandava livros, porque a distrao que ela tinha era exclusiva mente a leitura. Ela aprendeu a fazer tudo: nossa roupa era feita por ela, ela estava na cozinha todo dia, arrumando as coisas. E um filho atrs do outro. Mas a leitura dela era sagrada. Quando tinha wn vagar, estava sempre lendo um livro. E conversava muito comigo, no sei se porque eu era o mais falador dos ir mos maiores. Guardo essas histrias na memria porque ouvi dela. H poucos dias assisti na televiso a uma aula da minha filha Patricia, que uma das diretoras da Escola Parque, exata mente sobre a memria, a transmisso das coisas e dos conheci mentos de gerao a gerao. Aprendi ento que a histria da Cinderela uma antiga lenda chinesa, coisa que eu no sabia.33

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Guardei muito as coisas porque minha me contava todos esses episdios que eu hoje rememoro: a travessia pelo Maranho ... Foi uma epopia! Fazer 30 dias a cavalo! Em casas de pouso, sem sanitrios e com uma cacimba no quintal. Minha me suportou aquilo tudo. Ela, que vinha de uma famlia de classe mdia bem-situada no Recife, meteu-se naquelas brenhas do interior do Maranho, no comeo do sculo, e teve uma vida muito difcil. Um ftlho atrs do outro! Criar esses filhos! No morrer ningum! No Maranho no morreu ningum. Minha me foi urna herona.

A GRANDE FAMliA

Seus pais tiveram 13 filhos, no isso? Como se chamavam e que pro fisses tiveram?Meu irmo mais velho chama-se Harnleto. De Harnlet Desconfio que a sugesto tenha sido do meu av ma terno. . funcionrio aposentado do Banco do Brasil e tambm.

bacharel em direito. Nasceu em.1909, fez agora

85 anos. Mora

em Santos. O segundo chamava-se Jose e estudou medicina. Foi at o sexto ano, formava-se no mesmo ano que eu em direito, mas adoeceu gravemente, com perturbaes psquicas. Durou ainda muitos anos, mas no teve nenhuma atividade. Depois de mim vem Raul, falecido, que foi meu com panheiro de escritrio enquanto advoguei. Quando me afastei para ser procurador-geral da Repblica, depois chefe da Casa

Civil, ministro do Exterior e do Supremo, ele ficou com o escritrio. Foi um excelente companheiro, morreu em 1968 com cin qenta e poucos anos, de um problema cardiaco, um aneurisma da aorta. Era o mais ligado a mim, evidentemente, trabalhou a vida toda comigo, desde que entrou para o primeiro ano da faculdade. Eu sa da faculdade em 1932, ele entrou em 34 e se formou em 37, mas trabalhava comigo desde estudante. Foi, tambm, procurador do estado do Rio de Janeiro.34

RAZES

NORDESTINAS

Depois vem Joel. Esse quase foi padre, chegou a rece ber as ordens menores. Para deixar de ser padre, precisou at de licena das autoridades superiores da Igreja. Dizia ele, no que perdera a f, porque continuou religioso, mas que achou que no seria um bom padre. No se diplomou noutro curso e de pois trabalhou no Instituto do Caf. Morreu cedo tambm, com quarenta e poucos anos, de um ataque cardaco fulminante. Em seguida vem Haroldo, que foi um advogado de

destaque em matria de direito de famlia, falecido h poucos anos. Depois, lvaro: formou-se em direito, mas foi jornalista, e

tambm faleceu poucos anos atrs. Fomos sete homens segui dos, e depois, as mulheres. A primeira, Maria do Carmo, tinha o nome de minha me. Faleceu com um ano, um ano e pouco de idade. Depois vem Maria. Foi professora primria, aposenta da. Depois, Clia, tambm professora primria aposentada. Sempre encontro gente que diz: "Fui aluno de sua irm ... " Elas ensinavam no Colgio Antnio Vieira. Depois, Leobina - o nome de minha av paterna. Essa bibliotecria, aposentada tambm. E depois vm mais dois ainda, que nasceram no Rio deJaneiro.

Onde nasceram os outros?Quase todos nasceram em Pernambuco. Meus pais vieram do Maranho para Recife para nascerem os primeiros filhos, Hamleto e Jos. No terceiro, que fui eu, eles no vieram.

Raul

tambm nasceu no Recife. Joel nasceu em Picos, hoje

Colinas, Haroldo no Recife, lvaro em Itapicuru. As meninas Rio: Geraldo e Jrio. Ambos se formaram em direito. Geraldo advogou um pouco e aposentou-se como procurador previ dencirio. Jrio nunca advogou. Foi funcionrio do Ministrio da Fazenda e morreu cedo.

nasceram todas no Recife, e depois, os dois mais moos, no

Quem escolheu seu nome? Seu pal sua me, seu av?35

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Meu nome resultou de uma opo puramente casual. Contavam meus pais que eles conversavam sobre que nome iam escolher, e minha me disse ao meu pai: "Voc v l, no tabelio, passa assim as f olhas do livro de registro de nascimen tos..." Ele comeou a examinar as folhas, viu vrios nomes, at que encontrou "Evandro". Achou bonito e botou.

Sendo seu pai de uma f amlia tradicional em Pernambuco, ma me tambm, por que, ao voltar para Reci e, ele no conseguiu f uma vaga de juiZ? Houve injunes polticas?Tambm injunes polticas. Existia a dificuldade da idade - ele j tinha passado da idade de comear - e, em segundo lugar, havia a situao poltica. Tenho uma recordao pouco nitida, meio esfumaada, mas sei que houve naquela po ca uma grande disputa pelo governo. Um dos candidatos, eu me lembro que se chamava Lima Castro. Do outro no me recordo o nome. Mas chegou a haver at ameaa de luta arma da, e ento surgiu um tertius, um candidato de conciliao, ue era juiz federal em Pernambuco, chamado Srgio Loreto. O fato que a f amlia do meu av matemo estava em oposio ao governo na poca em que meu pai voltou - no posso garantir que o governador f osse Srgio Loreto ou o antecessor de Sr gio Loreto -, e isso dificultou a obteno de um lugar de juiz para ele, conforme era sua pretenso. At ir para o Banco do Brasil, ele ficou lecionando e advogando para poder manter a f amlia, que j era bastante numerosa - em 1920 ns j ramos sete irmos. Ele teve muita dificuldade de vida nessa poca. Mesmo j trabalhando no Banco do Brasil, meu pai ainda mantinha alguns clientes residuais, remanescentes da sua pequenina banca de advogado. Tinha uma causa no Rio de Janeiro, no Supremo Tribunal Federal, e por volta de

1925, 26,

precisou vir ao Rio atender ao interesse desse cliente. Pediu ao gerente permisso para vir cuidar do caso e embarcou. As via36

R A fzES

NORDESTINAS

gens naquele tempo eram longas, porque no havia avio, viaja va-se de navio, e o fato que ele aqui recebeu a notcia de que o gerente do Banco do Brasil de Recife o havia demitido. Come ou ento a se movimentar, a procurar pessoas ligadas f aruilia. Procurou o consultor juridico do Banco do Brasil, que era o

grande comercialista Carvalho de Mendona, homem origin tio tambm de Pernambuco, cujo irmo, Trajano de Mendona, foi meu professor de matemtica no Ginsio Pernambucano. Carvalho de Mendona ficou indignado com o ato arbitrrio da demisso e, ao que ouvi de meu pai, deu um parecer dizendo que a demisso era ilegal, arbitrria, violenta, e no se justificava de maneira alguma. Em face disso, meu pai foi para o Recife e props uma ao contra o Banco do Brasil - ao na qual foi vitorioso em todas as instncias, pois o Banco do Brasil recotreu at ao Supremo Tribunal Federal. Outro dia estive vendo o memorial dele ao Supremo Tribunal Federal, para contrariar razes do recurso do Banco do Brasil. Lembro-me que filfi cionou como advogado aqui no Rio, acompanhando esse processo, um parente nosso que foi muito ligado Fundao Getulio Vargas: Temistocles Brando Cavalcanti - cuja primeira mulher, Dolores Barros Barreto, era prima-irm de minha me. Temistocles depois foi meu colega no Supremo Tribunal Federal. Meu pai, vitorioso na ao, recebeu a proposta de um acordo. Uma das condies desse acordo era que ele no volta ria agncia do Recife, e sim agncia do Rio de Janeiro, o que ocorreu em 1927. O GII'SIO PERNAMBUCANO8

Como transcorreu sua vIda no Reci ? Seus estudos? O senhorj fe foi para l alf abetizado.J fui sabendo ler e escrever. Continuei o curso prim rio em Recife numa escola pblica perto de casa, no bairro do37

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

Espinheiro, perto do Hospital Portugus. Lembro da professo ra, dona Carmen - nunca mais tive noticia dessa senhora - e sei que fui um aluno normal, comum. Freqentei o curso prim

rio em 1 920, 21 e 22, e me recordo da solenidade de formatura,

em que fui o orador da turma. Meu pai resolveu colaborar no meu discurso e botou uma frase muito empolada. Eu era um garoto de 10 ou 1 1 anos de idade, no queria dizer a frase e no disse. Comeava assim: "Delegado por esta coorte de bravos batalhadores invencveis do ideal... " Lembro que fiz um discur so simples de um menino da minha idade.

De toda forma o senhor se destacava por gostar de f ... alarSim. No meio da minha famlia, dos meus irmos, eu era aquele que mais se comunicava com os pais e falava mais. Conversav" muito com minha me - acho que j registrei isso . lia, hoje em dia, sou aquele que conhece -, tanto que da farru mais os ancestrais e suas atividades. Isso resultado das con versas com ela.

a

conservao da memria dos fatos pela

transmisso oral dos mais velhos aos mais moos.

Terminado o curso primrio, o senhor entrou para o Ginsio 9 Pernambucano?Sim. Em 1923 fiz o vestibular para o Ginsio Pernam bucano - naquele tempo se fazia vestibular - e entrei no primeiro ano. De acordo com a chamada reforma do ensino Rocha V az, que foi feita naquela poca, instituiu-se o que se cha mava de curso seriado no ginsio. Quer dizer, o aluno entrava e fazia at o quinto ano. At ento permitia-se que os alunos fizessem os exames parceladamente - os chamados prepara trios. Eram 1 2 preparatrios ao todo, compondo o curso gi nasial, o curso de humanidades. Aqueles que no eram alunos do Ginsio Pernambucano, que vinham dos colgios de fora, s podiam fazer os preparatrios l, que era o ginsio oficial.

38

RAZES

NORDESTINAS

o aluno que tivesse capacidade podia fazer quattocadeiras em cada ano, ou seja, podia fuzer todos os preparatrios at em trs anos. Por isso que se encontra muita gente diplomada cedo naquela poca.10

Perdi um ano no ginsio, por causa da transferncia do Recife para o Rio de Janeiro, que se deu no ms de maro de

1927. Eu no tinha sido aprovado na cadeita de geometria noano anterior. Lembro muito bem que eu sabia geometria de cor. Era o livro de Serrasqueiro, um autor portugus. Decorei aque les teoremas todos, e na hora da prova oral, o professor me mandou ao quadro: "Teorema tal." No tive dvida: desenhei a figura, botei aquelas letras e fiz a demonstrao igualz(nho ao livro. Ele ento apagou, fez uma figura diferente, com letras diferentes, e eu a me atrapalhei... Ia f azer outro exame em se gunda poca, estava estudando muito e esperando passar para o quinto ano. Mas foi quando nos mudamos para o Rio de Janeiro: exatamente em maro. No pude f azer a segunda po ca, e ento repeti o quarto ano no Colgio Pedro lI, j no Rio.

Como era o Ginsio Pernambucano? Vrios de poimentos insis tem na importncia desse colgio, sobretudo para a sua gerao.Ah, sim, no h dvida. Para a minha formao, oGinsio Pernambucano foi bsico. Costumo dizer que o pouco que sei, devo em grande parte ao Ginsio Pernambucano. Era um excepcional colgio, de curso secundrio, com um corpo docente de alto nvel. Por exemplo, meu av Pedro Celso Uchoa Cavalcanti, na poca em que fui aluno de l, era profes sor e diretor. Professor de lnguas. Inicialmente fez concurso para a cadeira de ingls - os concursos para o Ginsio Pernambucano eram f amosos como os da Faculdade de Direi to. Meu av ento lecionava ingls, e quem lecionava alemo era um amigo dele chamado Max Hut, um alemo de nascimento que morava no Recife, um homem tambm humanista. Faleceu esse professor de alemo, ficou vaga a sua cadeira, mas no

39

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

havia concorrente para substitui-lo. Para a cadeira de ingls, ha veria. Meu av, ento, deixou a cadeira de ingls e fez concurso para a de alemo. Mas lecionava, como alguns outros professo res, praticamente todas as cadeiras. Se faltasse um professor de geografia, ou de histria, ou de lgebra, eles entravam na sala e davam a aula. Eram verdadeiros sbios, realmente era um gru po de homens de conhecimentos humansticos muito amplos. Havia l, por exemplo, o professor Leal de Barros, de geografia. Era pai de Joo Alberto Lins de Barros, que foi te nente e interventor em So Paulo quando a Revoluo de 3 0 assumiu o poder.II

Joo Alberto era at meu parente, porque

minha av Leobina era prima-irm de sua me. Havia Osvaldo Machado, professor de histria; o cnego Jonas Taurino, que substituiu meu av na cadeira de ingls; o padre Cabral, que era um severssimo professor de portugus, reprovava muito os alunos... Os pais dos maus alunos sempre o atacavam nos jor nais, porque achavam que ele tinha sido injusto ao reprovar seus filhos. Havia o Cabral de Melo, que devia ter um parentesco prximo com o poeta Joo Cabral de Melo Neto. E assim por diante. Ah! Professor de matemtica: Trajano Carvalho de Men dona, cujo irmo foi o grande comercialista brasileiro. Costa Pinto, professor de histria natural. Era um grupo seleciona dissimo que lecionava nessa poca no Ginsio Pernambucano, no s pela capacidade de ensinar, como pelo estimulo que pro vocava nos alunos, pelos conselhos para leiruras, para conheci mentos, para aperfeioamentos. Era, de fato, um grupo excep cional. Devo muito a esse grupo na minha formao intelectual.

Era um colgio s masculino, no?S masculino. No havia nenhuma moa naquela poca. Tambm no havia nenhuma professora. S professores homens. Era um colgio gratuito.

40

RAZES

NORDESTINAS

senhor lembra de colegas que tenham se destacado? Srgio Ma galhes, por exemplo, foi seu cole a? go

No. No me lembro dele no ginsio. Lembro que 12 Agamenon Magalhes, seu irmo, foi meu professor. Entre os colegas havia Paulo Montenegro, um rapaz que se distinguiu um pouco, escreveu em jornais etc.; Giovani Barbalho, que era at meu contraparente, no sei que destino tomou ... So os de que me lembro. Aqueles a quem eu era mais ligado no tiveram destaque maior, ao que eu saiba, na vida pblica, nem na vida intelectual.

Seus irmos tambm f reqentaram o Ginsio Pernambucano?O mais velho, Hamleto, no freqentou o curso seria do, fez os exames parcelados. Mas Jos j entrou em 1922 no curso seriado, a consdho do meu av, que achava que era um estudo mais sistemtico, mais orgnico, mais correto, com continuidade de ensino de ano a ano, at o aluno terminar o curso de humanidades. O outro sistema era fragmentrio: a pes soa ia l e fazia o exame, sem obedecer a um currculo regular e ordenado.

Como era ser neto do diretor?No tinhamos nenhuma regalia por essa razo. ra mos alunos absolutamente iguais aos outros. Participvamos das aulas, ramos chamados para sermos ouvidos, fazamos prova, de maneira inteiramente idntica a todos os alunos. E podamos ser reprovados, como aconteceu comigo em geometria...o

senhor passava o dia inteiro no colgio?

No. A carga horria era de oito da manh ao meio dia. Eram quatro horas de aula. Eu morava longe, primeiro em Olinda, e vinha de bonde. Depois morei em Tegipi, um subr bio mais distante, e vinha de trem.41

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

senhor tinha contato com seus pro fessores f da escola? Eles ora freqentavam a casa de seu av?o

No os encontrava na casa do meu av, no. Mas o cnego Jonas Taurino, por exemplo, professor de ingls, nos levava para a missa na igreja da Santa Cruz dos Militares, de que era capelo, aos domingos de manh, para aprendermos ingls. Depois da missa oferecia o caf da manh aos alunos, e aquilo era um complemento da aula. Ningum tinha obrigao de ir, acredito mesmo que no fossem todos, mas ia um grupo razo vel. O que sei de ingls aprendi exclusivamente nesse perodo. De francs tambm. E comecei a estudar o alemo, que parei com a mudana para o Rio de Janeiro. Na casa do meu av o ambiente era de estudo. Meus tios, irmos de minha me, tinham mania de participar de con cursos para a decifrao de charadas. As revistas ;q>tigas do Rio, como O Malho, A Careta, e mesmo alguns jornais de Pernambuco tinham a sua seo de charadas, e meus tios e eu nos reunamos e ficvamos tentando decifr-las: "Um rio com duas slabas... Um rio da Rssia... " Leitura constante e pesquisa em dicionrios. Havia l o "Calepino", que era um dicionrio no me lembro de qu. Guardo esse nome, mas no sei se o autor ou se significa registro de nomes de aves. Desconfio que 13 seja o autor. Tive s vezes incumbncias assim: ''Voc vai ter que ler a letra m do dicionrio tal, ou do 'Calepino', para achar uma ave ou pssaro de duas slabas que caiba na charada... " Isso me foi muito vantajoso para a aquisio de vocabultio: a leitura do dicionrio. Tanto que eu me lembro que brincvamos em casa, jovens, garotos, e um dizia: "Eu j li isso!" O outro: "Eu j li aquilo!" Aquele que queria mostrar que sabia mais dizia: "Eu j li at o dicionrio!" Leu at o dicionrio! Ele sabe tudo!...

Qualfoi seuprimeiro contato com a leitura? O senhor se lembra do primeiro livro que leu?42

R A izES

NORDESTINAS

Quando comecei a ler, foram mais os clssicos, no gi nsio. Havia, naturalmente, a biblioteca do meu av, que era sedutora. E a comecei a ler alguns romances. No me lembro qual foi o primeiro. Talvez tenha sido Ea de Queiroz. No gin sio, por exemplo, tive que fazer anlise lgica d', lusadas. Havia uma gramtica em francs de Habout, ou Halbout. A de portu gus, era de Eduardo Carlos Pereira. Havia muitos trechos de clssicos no livro de gramtica. Eu lia tambm um pouco de jornal, o

Dirio de Pernambuco. De vez em quando havia umas

crnicas do Gilberto Freire. Havia um professor de histria que escrevia noutro jornal, cujo nome acho que era Jornal Pequeno, de T om Gibson, em que trabalhou Assis Chateaubriand isso agora no livro sobre ele. Osvaldo Machado. O INTELECTUAL E OS REVOLUCIONRIOS14-

vi

L eu lia os artigos do professor

Por tudo o que o senhorj nos contou, seu av deve ter sido um personagem realmente interessante.Sim. Ele tinha uma biblioteca extraordinria, em grande parte provinda do seu amigo, o professor alemo Max Hut. Nunca o vi noutra posrura - quando a gente ia falar com ele que no fosse com um dedo dentro do livro, marcando, preo cupado e impaciente que acabssemos a conversa para ele po der continuar a leitura dos clssicos de que gostava. Meu av foi, como j disse, professor de meu pai e meu professor. Ensinou a muitas geraes. Era um homem de conhecimentos enciclop dicos, um grande ledor dos clssicos, uma figura de intelectual dificil de se encontrar hoje em dia. Falava com tal perfeio a lngua inglesa, por exemplo, que um ingls com quem estava conversando - eu assisti a isso no Rio de Janeiro -, ao cabo de algum tempo, perguntou-lbe: "Quantos anos o senhor mo rou em Londres?" E ele respondeu que nunca tinha srudo de Pernambuco. Falava correntemente, tambm, o francs, o italia43

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

no, o alemo. Dominava as lnguas mortas, o grego, o latim e o hebraico. Era uma figura muito interessante de filsofo e educa dor. H um livro de Eustrgio Wanderley, um intelectual 15 pernambucano, sobre tipos populares de Pernambuco, e est l retratado o velho Pedro Celso Uchoa Cavalcanti como pro fessor emrito e poliglota. Ele era do Instituto Histrico e Geo grfico de Pernambuco, foi a alguns congressos, traduziu Waen..

Como seu all aprendia tantas lnguas? Porque, para f alar sem sotaque, preciso ouvir.Max Hut era seu grande amigo desde moo, e ele aprendeu lnguas com esse cidado, alm do curso normal. Naquele tempo, em Pernambuco, surgiu a Escola do Recife, grande movimento intelectual da Faculdade de Direito, com Tobias Barreto frente, Slvio Romero, Cl,s Bevilaqua... O prprio Tobias no falava alemo? Aquela era exatamente a poca do meu av, que tambm era bacharel em direito e so freu influncia daquele ambiente intelectual. Agora, no sei como ele desenvolveu essa capacidade de falar lnguas sem sotaque. Talvez tivesse um dom natural. Tenho um filho que tem esse dom: fala tambm as lnguas estrangeiras muito bem. Talvez seja um problema gentico. Infelizmente, no fui premiado com essa herana. ..

Como esse Max Hut veio parar em Reci ? feNo sei como esse homem bateu em Pernambuco. Mas era um intelectual. Deixou, como j disse, uma bela biblio teca para o meu av. Ainda hoje conservo alguns livros que foram da biblioteca do velho Max Hut.

At quando seu avfoi diretor do Ginsio Pernambucano?Meu av se aposentou do Ginsio Pernambucano an tes de 30, em 1926, por a assim. Houve um incidente, porque44

RAizES

NORDESTINAS

estava um tenente, Cleto Campelo, foragido na sua casa em Recife, e esse tenente saiu de l para um episdio que a histria registra: atacou um quartel no interior e foi morto. Isso provo cou uma divergncia entre meu av e o governo do estado, e meu av ento se aposentou e veio morar no Rio de Janeiro.

Houve um problema poltico.Sim. Meu av no era poltico. Tinha um ftlho que era revolucionrio, o tenente Lus Celso Uchoa Cavalcanti, mas ele mesmo no fazia poltica. O filho evidentemente que deu gua rida ao seu companheiro de ideais, de revoluo, Cleto Campelo no estava l por convite do meu av. Mas diante da repercusso do episdio envolvendo seu nome, meu av, que era um homem respeitado, resolveu se afastar. Homem de bem, no iria delatar ou censurar o procedimento do filho.

Seu tio Lus Celso tambm participou desse ataque aO quartel junto com Cleto Cam pelo?Ao que me lembre, Lus Celso no estava nesse ataque. No foi preso nessa oportunidade.16

O que fez com que meu

av se mostrasse muto agastado com o governo foi que fize ram uma revista em sua casa, certamente para verificar se Luis Celso estaria l. Talvez o objetivo fosse esse. Aquilo foi conside rado uma espcie de afronta do governador contra ele, pessoal mente. As condies que se criaram tornaram intolervel sua permanncia no Recife, e ele resolveu vir para o Rio de Janeiro. A CAPITAL FEDERAL

Como f para o senhor e para sua f oi, amlia, a perspectiva de vir para a ca pitalfederal? Era uma coisa que trazia muitos sonhos, muitos medos, ansiedades?No realizei, no fiz nenhum clculo sobre as van tagens que isso representaria na minha vida. Mas claro que45

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

representou. No h dvida: vnhamos para a metrpole, para a capital da Repblical Eu tinha apenas um vago sentimento de que isso era melhor do que ficar no Recife. Da parte de meus pais, eles devem ter visto na mudana melhores perspectivas para o futuro dos filhos, com as oportunidades mais amplas oferecidas por um meio maior e mais desenvolvido material e cultutalmente. Naquela poca eu tinha 15 anos. Tinha f eito os exames no Ginsio Pernambucano, no tinha passado de ano, estava dependendo de fazer o exame de segunda poca de geometria, e meus pais me tinham mandado para a casa de um casal amigo em Campina Grande, na Parru a. Estava l quando veio o reca b do do Recife para eu voltar imediatamente porque haveria a nossa mudana. Fiquei surpreso com a notcia, voltei e vim em seguida com minha me e irmos para o Rio de Janeiro num navio do Uoyde Brasileiro, oAlmiranteJaceguai. Meu pai j estava no Rio, tinha vindo um pouco antes, para assumir seu lugar no Banco do Brasil.

Onde vocs foram morar? Perto de seu av?Meu pai logo alugou uma casa em Vila Isabel, na rua Jorge Rudge, 81. Era ao lado de um centro esprita. Meu av, quando veio para c, morou de incio numa penso na rua Mariz e Barros. Depois foi para a rua Visconde de Abaet, tambm em Vila Isabel. Ele morava aqui com minha av e alguns filhos. Havia tambm uma filha, chamada Asta. Era o nome de uma grande atriz sueca, na poca, Asta Nielsen. Meu av gostava muito de cinema, naturalmente se impressionou com essa atriz e deu seu nome filha, que depois f ser freira... Meu av no oi a deixava ser freira, s concordou quando ela completou 21 anos. Ela foi ser carmelita descala, no convento de Santa Tere sa, junto dos Arcos.

46

RAZES

NORDESTINAS

Qual era a formao religiosa da f amlia? Seu av no permitia que a filha f ser f ... osse reiramanteve um excelente relacionamento com ela. Meu av no Num primeiro momento no permitiu, mas depois

tinha o fervor religioso da mulher e das filhas - minha me e as

irms -, que eram ultra-religiosas. Eu prprio quase fui desti nado a ser padre. Minha me tinha o sonho de ter um filho padre. Af mal, meu irmo Joel foi para o seminrio. Mas eu tive f ormao religiosa, de freqentar igreja, desde a infncia. No Maranho, eu devia ter meus sete, oito anos, s vezes ajudava a missa. Essa influncia religiosa foi muito grande, comunguei at o terceiro ano da f aculdade. Minha me tinha uma outra irm, de quem j falei, que era freira leiga num colgio eucarstico em Recife.

Seu av devia ser mais positivista, no?No me lembro de Pedro Celso ter ido a uma missa... Ele no ia missa, no. Meu pai tambm era assim, como se diz, catlico no-praticante. Mas Pedro Celso acabou se conver tendo ao catolicismo numa missa festiva no convento das carmelitas.

senhor tinha muito convvio com a f amlia de sua me aqui no Rio de Janeiro?oSim. Alguns tios meus, fIlhos do velho Pedro Celso, vieram para o Rio. Primeiro,Joo Celso, j mdico. Viveu at h pouco tempo. Era oculista. Paulo Celso, na poca, era estudante de medicina, depois se formou. Est vivo ainda, o nico so brevivente da famlia. Todos eles tinham Celso no nome: o Cel so, que era de Pedro Celso, um nome composto, virou sobre nome. Tanto que eles eram chamados: "Dr. Paulo Celso, dr. Joo Celso..." Ningum mais se lembrava do Uchoa Cavalcanti. Lus Celso, o militar, tambm morava aqui. Depois veio o Carlos, tambm mdico. Esse tinha-se formado quando47

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

ns ainda estvamos em Recife. Lembro de quando ele chegou da Bahia, formado mdico, moo, solteiro ainda, e resolveu aprender alemo sozinho. Com aquela fora de vontade que tinham os Uchoa Cavalcanti para estudar, meteu-se dentro de casa e no saiu para lugar nenhum: "Resolvi aprender alemo." Passava o dia e a noite estudando. Realmente, ao fim de dois ou trs meses, j tinha f eito um avano grande. Tinha a f acilida de de, a qualquer momento, consultar o pai, meu av. Achava que o alemo era necessrio para o exerccio da profisso de mdico. Outro que tambm veio para o Rio foi Alcenor. Esse quase se tornou padre, como meu irmoJoel, mas quando che gou ao final achou que no tinha vocao. Para desagrado e grande tristeza, ele, de minha av, e o Joel, de minha me, os dois deixaram a batina. Esse tio Alcenor tem um ftlho, ilustre professor, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti Neto, autor da Hist-

ria nova do Brasil.

17

O outro ftlho, Fernando Celso Uchoa

Cavalcanti, hoje presidente do Clube de Engenharia.

Da fomlia Lins e Silva tambm veio algum para O Rio de Janeiro?

Veio um primo meu, Mauro Lins e Silva, mdico

otorrinolaringologista. TInha consultrio em Laranjeiras, na Casa de Sade Santa Maria. Ainda vivo. um pouco mais velho do que eu. No comeo ns tnhamos tambm muita ligao com a famlia Mota e Albuquerque. Era um mdico que morava no Boulevard, em Vila Isabel, perto da casa do meu av, e tinha umas f ilhas moas amigas da minha tia que veio a ser f reira. Tivemos um contato muito grande com essa famlia, que tinha um parentesco conosco, j que o Mota era casado com uma filha de Joo Barbalho Uchoa Cavalcanti.

Seu av ainda teve alguma atividade no Rio de Janeiro?48

RAfzES

NORDESTINAS

Era professor do Colgio Paula Freitas,

na rua

Haddock Lobo, na Tijuca. Meu irmo Raul fez o ginsio l e depois Haroldo tambm estudou nesse colgio. Sempre estuda meu pai no podia pagar. Mas esse no era um colgio pblico. mos em escola pblica, os colgios tinham que ser grtis, porque

Nunca soube como meus irmos o freqentavam, mas acho que freqentavam gratuitamente pela condio de professor do meu av.

J o senhorfoi para o Pedro lI.Sim. J contei que tive de repetir o quarto ano, porque no pude fazer a prova de geometria em segunda poca no Recife. Mas aquelas cadeiras que eu tinha terminado j eram definitivas, no precisava repetir. De maneira que fiquei com poucas aulas, mas freqentava diariamente o colgio, no podia deixar de ir.

o senhor entofez o

quarto e o quinto anos doginsio no Pedro lI.

No, s o quarto. A reforma Rocha Vaz permitia, a quem tivesse feito o exame vestil:iular para o ginsio no ano de

1923, fazer os exames parcelados. Eram cinco cadeiras no quinto ano. Resolvi ento deixar o Pedro II no fim do quarto ano e fazer parceladamente os exames que faltavam. Mas temi fazer os cinco de uma vez. Fiz trs cadeiras em maro de 1 928 e passei. Mas deixei duas por fazer e fiquei, no ano de 28, no mais aluno do Pedro lI, mas j trabalhando. No fim do ano fiz as duas cadeiras restantes, fui aprovado e, em 29, fiz o vestibular para a Faculdade de Direito.

o

senhor tem recordao de Vila Isabel como um bairro bomio? Ou um bairro operrio, com a f amosa f brica de tecidos?O bairro no era operrio, no. Era bairro de classe

mdia. A fbrica era mais adiante, no fim, na rua Maxwell. Lem49

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

bro, por exemplo, que no Boulevard, depois da rua V isconde de Abaet, na esquina da rua Sousa Franco, tinha um ponto de seo do bonde, o "ponto de cem ris". Ponto de seo era o seguinte: voc pagava uma quantia at aquele ponto, e dali em diante era outra etapa. Ento, se voc tomasse um bonde na cidade para ir ao Engenho Novo, pagava trezentos ris. Se vies se da cidade s at O ponto de seo da Sousa Franco, pagava duzentos ris. Mas se voc por acaso tomasse o bonde no pon to de seo para chegar ao Engenho Novo, pagava cem ris. Registro esse detalhe para mostrar que se pagava pela distncia percorrida e no, como hoje, uma passagem inteira, qualquer que seja o percurso. A cobrana era feita pelo condutor, que fazia um verdadeiro malabarismo nos estribos, debaixo de sol ou de chuva, para ir de banco em banco cobrar de cada passa geiro, ainda por cima quantias diferentes. Era um trabalho peri goso, esrafante e irracional.

Na esquina da rua Sousa Franco at ho existe um botequim je chamado Ponto Cem Ris.Pois , e ali eu vi muiras vezes Noel Rosa. Mais velho que eu um pouco. Nunca tive aproximao com ele, que naque la poca j era um compositor extraordinrio. Tudo aquilo que fazia tinha uma repercusso imensa atravs do rdio ou no car naval. As poesias de suas msicas so o retrato do Rio da minha juventude. At hoje gosto de ouvi-las e me comovo: "Feitio da Vila", "Conversa de botequim", ' 'As pastorinhas"...

Sua f amlia sem morou em Vila Isabel? preNo. Moramos l um perodo talvez de dois anos, mas depois nos mudamos para a rua Campos Sales, quase em frente ao campo do Amrica Futebol Clube. Depois Santa Te resa. Como sempre, casas modestas, simples, porque meu pai no dispunha de recursos maiores: era funcionrio do Banco do

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RAfzES

NORDESTINAS

Brasil e tinha famili a numerosa. Depois fomos para a rua Gustavo Sampaio, no Leme, uma casa de centro de terreno, que no tinha segundo andar. Dessa casa mudamos para uma outra na prpria Gustavo Sampaio. No sei bem as razes, mas certa mente porque o contrato de locao teria acabado. Dali passa mos para Botafogo. Recordo-me que a conselho mdico, por que o Leme era beira de praia, minha me tinha problemas car dacos, e o mdico aconselhou que ela no morasse nas proxi midades do mar... Em Botafogo moramos em vrias casas. Pri meiro, na rua Conde de Iraj, depois na rua Mena Barreto, narua Viva Lacerda, na rua da Matriz.

Essa foi a ltima casa, onde

faleceram minha me e meu pai, no mesmo ano de 1951. Minha

me ia fazer 60 anos, e meu pai tinha 68, mais nove anos do que ela. Ela morreu de infarto, e ele porque, depois da morte alguns meses depois. dela, levou um tombo em casa e nunca se reequilibrou. Morreu

o COlGIO PEDRO II

o

senhor estudou no Pedro II internato ou externato?Externato. Eu ia e voltava de bonde todos os dias para

o colgio. Naquela poca andava-se de bonde, no havia nibus. S pouco depois foi que comearam a surgir aqueles nibus grandes, uma coisa esquisita. Eu pegava o bonde na esquina da na rua Larga. O internato era em So Cristvo. Afonso Arinos minha casa, na ruaJorge Rudge, e saltava na porta do Pedro lI, conta muito bem sua passagem pelo colgio nas suas memrias.

E Pedro Nava tambm, conta nas suas memrias sua vida no internato do Pedro lI.

senhor estranhou a maneira de ensinar, os pro essores, o ambi f ente dos cole gas?oNo estranhei, no. Sou um homem de fcil convivio. Apesar de expansivo, sou reservado nos meus sentimentos. Mas5 I

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

me dei muito bem; at hoje me dou muito bem com todos com quem conVIVO.

Havia outros pernambucanos na sua turma?Encontrei - curioso - um colega que tinha come ado comigo no Ginsio Pernambucano, na mesma turma que eu: Tecrito de Castro Almeida Neves. Era filho de militar. Veio de Pernambuco e estava fazendo o Pedro TI aqui. Depois se formou em medicina. Um dia, eu j advogado, no comeo da

carreira ainda, ele me apareceu: dirigindo seu automvel, tinha atropelado uma pessoa em Vila Isabel, no Boulevard 28 de Setembro. Eu o defendi nesse processo. Lembro ainda dos ir mos Cravo, um deles se tornou mdico e o outro militar. Havia o Mem Xa,er da Silveira, que se tomou mdico de destaque na sua especialidade, endocrinologia. Haa o Anacleto, que era um tanto indisciplinado, o Nri, que depois trabalhou na Alfnde ga... Anacleto se f ormou em direito tambm. Eu o acompanhei no curso da vida. Tambm tive oportunidade de defend-lo num processo por causa de uma briga que ele rinha tido num bar. No era uma causa dif cil nem grave que justificasse qual quer condenao.

o

ambiente no Pedro 11 era mais liberal que no Ginsio Pernam bucano?Muito menos liberal. Haa dois chefes de disciplina, o

Castro e outro de cujo nome no me lembro agora, que fiscali zavam os corredores. Os alunos iam fumar no banheiro, e eles iam v ;giar. Haa algumas cadeiras em que eu no precisava ir aula, porque j tinha feito o exame final em Pernambuco. Nesses momentos eu podia ficar na prpria sala ou ir para o laborat rio de histria natural. No podia ficar no corredor. Nessas situaes eu pedia sempre para ir para o labo ratrio, da ter aprendido tudo sobre as plantas e os minerais que l se encontravam. Lembro que no dia do exame oral, na

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RAizES

NORDESTINAS

prova prtica de histria natural, havia wn professor, Mindelo, que vinha de um outro colgio. Era militar. Eu estava absoluta mente consciente de que sabia aquilo tudo de cor e no tinha qualquer dvida de que deveria passar no exame. Esse profes sor Mindelo comeou ento a me perguntar. Mandava buscar as pedras e eu imediatamente identificava, dizia o que era, por que era, como que se reconhecia... At que ele disse: "Vou mandar buscar uma pedra que est fora do programa. Se o senhor res ponder certo, eu lbe dou

10

-

porque eu no costumo dar

10

a ningum, a nota maior que eu dou 9." Quando vi, de longe, o continuo trazendo a pedra, era minha velba conhecida: mine ral de brio! Ainda fiz wna encenao, olbei, medi, falei da expe rincia que era preciso fazer com cido sulfurico para identificar, porque borbulhava etc. Ele: "Est muito bem. Ento lhe dou

10." E deu.A primeira aula que tive no Pedro II tinha sido de his tria natural, com o professor Valdemiro Potsch, que estava dando mineralogia. Cheguei wn pouco atrasado, as aulas j ti nham comeado, a transferncia demorou alguns dias. Eu estava ainda paisana, no tinha farda, estava sentado no fundo da sala, e ele j comeava a interrogar os alunos sobre os pontos dados. Lembro que o assunto era sistemas cristalogrficos. Chamou um ou outro, e percebi que estava com o olhar dirigido para

mim . Fui me escondendo atrs do outro menino e ele foi meacompanhando... Tentei ver se no me localizava, mas dali a pouco ele chamou: ''Voc a que est paisana!" Fui l para a frente da sala, diante da mesa, e ele perguntou como que cris talizava a pedrax. Eu no sabia absolutamente. No tinha estu dado, no tinha tido aula nenhuma e disse:

" o primeiro dia

que eu venho aula, no tenho nem livro, no sei." A ele me perguntou: " De onde voc veio?" Respondi, com um sotaque bem acentuado: "Eu vim di Prnambuco." Quando eu disse isso, a garotada deu uma gargalhada... Fiquei com wn dio danado5J

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

daquilo. E ele foi duro comigo, disse: ''Veio de to longe para levar zero!" Mas a eu caprichei na histria natural, comecei a estudar e me tomei um aluno de certo destaque. ramos dois: eu e um outro, Marcelo, que depois foi ser mdico, no sei que fim levou. Sei que era um excelente aluno. E o Potsch nos deu a

tarefa de darmos uma aula. Fui incumbido de dar uma aula sobre estmago. Meu irmo, estudante de medicina, me ajudou Testut, um livro de medicina, e me preparei. A fui: suco gstrico, composio do

muito. Fui para a Biblioteca Nacional, lembro que peguei l o suco gstrico etc. .. Fiquei envaidecido com

o elogio do professor Potsch no final da aula sobre estmago... O Potsch se tornou muito meu amigo, depois desse episdio inicial. Mais adiante, eu j advogando, ele era amigo de mdico, Afonso Homem de Carvalho, casado com uma Konder, tia da minha mulher. Freqentava a casa do Afonso, e algumas vezes nos encontramos l. Depois ele foi jurado, quando eu j era advogado no Tribunal do Jri. A re/embra mos os episdios da nossa vida, e ele gentilmente, talvez para me estimular, disse que se orgulhava de ter sido meu professor. Depois, o filho dele foi professor e diretor do Pedro n.um

Alm de V aldemiro Potsch, de que outros professores do Pedro II o senhor se lembra?Havia o Venncio Filho, grande professor e educador. Havia um outro, que era professor de qumica, Corrgio de Castro. Acontecia o seguinte: havia dois professores que de vez em quando saam, porque eram parlamentares. Um era o Henrique Dodsworth, que era substitudo pelo Venncio Filho, e o outro era o Oliveira de Meneses, que era substitudo pelo 18 Corrgio de Castro. No Pedro n tambm no havia professoras nem alunas no meu tempo.

Em que o senhor trabalhou no ano em que no f reqentou o col gio, ficou apenas f azendo os exames parcelados?54

RAizES

NORDESTINAS

Fui trabalhar numa firma chamada Mestre e Blatg, que hoje a Mesbla. Era uma oficina de automveis, na avenida Osvaldo Cruz. Aprendi a dirigir automvel ali, com 16 anos. Mas no trabalhava na oficina, e sim no escritrio, onde eram vendidas peas, onde havia escriturao de livros. Eu registrava aquelas notas de venda em livros, minha tarefa era essa. No havia lei traballiista, de maneira que ns entrvamos pela manh s oito, ficvamos at meio-dia, voltvamos do almoo a uma e amos at seis. A freqentemente a gente saa, jantava e vol tava s sete, para contnuar trabalhando at 11 da noite. Naquela poca eu precisava estudar para fazer os dois ltimos prepara trios, e tive que f azer o es tudo por mim mesmo. la para baixo de uma rvore no quintal de casa, em Vila Isabel, para ler os livros de cosmografia, de flsica e qumica, para fazer o exame no Pedro n.

Como o senhor conseguiu esse empre na Mestre e Blatg? goAtravs de um parente nosso chamado Francisco Brando Cavalcanti, que era engenheiro e tinha uma ligao qual quer com a empresa. Ele irmo do Temstocles Brando Cavalcanti, pai de Henrique Brando Cavalcanti, atual ministro do Meio Ambiente e da Amaznia parente.19

Legal, que tambm meu

Nesse meu emprego eu ganhava quatrocentos ris por hora. O dono da empresa era um francs, o senhor La Saigne. Havia o chefe do escritrio, Jos Kopke Fres, e um irmo dele, chamado Rafael. Havia um funcionrio que se chamava Mrio Freire, outro que tinha o nome de Guilhermino. O chef e da oficina era um francs que, se no me engano, se chamava Le Garric. Ali eram consertados os carros. O Mestre e Blatg era, como at hoje a Mesbla, sua sucessora, representante da Gene ral Motors. Vendia os carros de luxo da poca - o Cadillac, o Buick - e o Chevrolet:, que era o carro mais popular. Tinha um grande movimento, e ns, os empregados, muito trabalho.55

o SALO DOS PASSOS PERDIDOS

o

senhor foi trabalhar porque precisava ajudar na renda fomiliar?Claro, exatamente. O que eu recebia dava para me

manter, para pagar meu almoo, meu jantar, para comprar uma roupa... Era apenas o suficiente, no havia sobra desse dinheiro. O sero, no fundo, me agradava, porque eu recebia hora extra. Meus irmos tambm trabalhavam. Hamleto fez concurso para o Banco do Brasil. Daqui ele se transferiu para Santos, porque noivou l, e l se casou. Ganhava melhor e ajudava a famlia. Jos, que era estudante de medicina, durante um perodo traba lhou como mata-mosquito.

Quais eram suas leituras nessa poca?Nessa poca eu comeo a ler mais os romancistas cls sicos, sobretudo Machado de Assis, Ea de Queiroz... Um pou co de Shakespeare, os autores franceses de um modo geral: Anatole France, Balzac, Zola. Euclides da Cunha! Euclides eu j vim a ler na faculdade, nos meus 19, 20 anos. Nabuco,

Um esta

dista do Imprio

-

j mais tarde um pouco, depois de formado.

Ah, os poetas! Tambm gostava muito de ler poesia: GuerraJunqueiro, Castro Alves, os brasileiros todos. Ainda hoje gosto de ler poesia. Drummond, Pessoa... Outro dia li esse livro do Joo Cabral de Melo Neto, que uma delcia, Sevilha andando. uma beleza. o elogio da mulher sevilhana... NOTASA criao das faculdades de direito de Recife e de So Paulo por lei de

1 1 de agosto de 1827, sancionada por Pedro I aps votao pela Assemblia Geral, marco importante na histria da formao d a inte1ectualidade brasileira, pois as duas escolas constituram os primeiros cursos jurdicos no Brasil. A Faculdade de Direito de Recife foi instalada inicialmente em Otinda, nas dependncias do mosteiro de So Bento, transferindo-se para Recife em 1 854. A de So Paulo tambm funcionou

inicialmente em instituio.religiosa, o convento de So Francisco. A rele vncia dessa origem para a constituio de uma identidade profissional aparece, por exemplo, no nome do Centro Acadmico 1 1 de Agosto, da tradicional escola do largo de So Francisco, em So Paulo. Sobre a impor tncia de ambas as instituies na fonnao poltica e na histria das idi-

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RAZES

NORDESTINAS

as do Brasil, ver Clvis Bevilaqua, Histn-a da F aculdade de Direito do

de (So Paulo, USP, 1959);Joo Cruz Costa, Contribuio ti histria das idias Roque Spence:r Maciel de Barros, A ilustrao brasrleira e a idia de unJersida Brasil, 56), Alberto Venncio Filho, Das arcadas ao bachare!ismo: 150 anos de no Brasil (2a ed., Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1967; Retratos do ensinoJllridico no Brasil (So Paulo, Perspectiva, s.d. ; Estudos, 57), e Srgio

(2' ed., Braslia, INLjConselho Federal de Cultura, 1977; I' ed. 1 927);

Reaft

2

Adorno, Os a prendiifs d poder: o bacharelismo h-heral na polh'ca brasileira (Rio o erra, 1 988). de Janeiro, p az e T Joo Barbalho Uchoa Cavalcanti (1846-1 909) foi bacharel pela Faculda-

de de Direito do Recife em 1867, deputado constituinte por Pernambuco em 1891, ministro da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas, da Instru o Pblica, Correios e Telgrafos e do Interior (interino) no governo Deodoro da Fonseca, senador por Pernambuco (1892-1 896) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1 897 at aposentar-se em 1904_ Escreveu a obra Comentn-os aos disposititJos d Constituio Brasileira d 1891) a e com r f e erncias aos do Pro jeto da Comisso do Governo Provisrio, SUaS emendas e3

leis anteriores, editada pela primeira vez em 1 902. A Escola do Recife foi um movimento intelectual que comeou a des-

pontar nos anos 1 870, em Recife, e se estendeu at a dcada de 1910 apro ximadamente_ Constituiu um dos f ocos mais importantes do chamado "surto de idias novas" que ocorreu em meados do sculo XIX no pasto

e repercutiu nas reas da literatura, da filosofia, do direito e do pensamen poltico. Uma de suas caractersticas foi a admirao pelo pensamento alemo, especialmente o mm -1mento neokantiano. Sobre o assunto, ver, alm das indicaes relacionadas na nota 1 , Antonio Paim, A jiloso/ia da EICola do Reci (Rio de Janeiro, Saga, 1966), Histria das idias filosficas no fe Braszl (So Paulo, GrijalbofUSP 1967), c O estudo do pnuamento filosfico , \ erneck, O conceito d jiloso/ia d cilncia em Slvio Romero (Rio de Janeiro, V e a brasileiro (Rio de Janeiro, T empo Brasileiro, 1979). Ver tambm Norma

PUC-RJ, 1 978, disserrao de mestrado).,

Hennan Wacn, O domnio colonial holand s no Brasil. Um ca ptulo da hist

n-a colonial do smlo XVII (traduo de Pedro Celso Uchoa Cavalcanti, So Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Companhia Editora Nacio nal, 1938: Brasiliana, 1 23). A obra foi rraduzida do original alemo Das hol/lind ische Kolonialreich in BraJih-rn. Ein KB pitel alls der Kolonia/geschichte des,

17. Jahr hunderts (1921).

Jos Sarney foi governador do Maranho de 1966 a 1970 e seria mais

tarde presidente da Repblica (1985-1 990).,

RJIi Barbosa 1991_ Agraciado: Evandro Cavalcanti L-ns e Silva (Braslia, Asses soria de Imprensa do Conselho Federal da OAB, 1 991).

Evandro Lins e Silva, "Discurso do homenageado", em Prmio medalha

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o SALO DOS PASSOS PERDIDOS,

Essa disputa pelo governo de Pernambuco ocorreu em

morte do governador Jos Rufino Bezerra Cavalcanti, em

1 922, aps a 28 de maro,um

antes do final de seu mandato. Disputaram a sucesso estadual, de

lado, Carlos de Lima Castro, ento prefeito de Recife, apoiado pelos che fes poliricos Esticio Coimbra e Dantas Ribeiro e pelos Pessoa de Queirs, sobrinhos do presidente da Repblica Epitcio Pessoa Manuel Borba (governador de Pernambuco de

(1919-1922), e, de

outro, Jos Henrique Carneiro da Cunha, apoiado, entre outros, por

1915 a 1919) e Carlos de 27 de maio, mas o

Lima Cavalcanti, que haviam sido partidrios da Reao Republicana em Pernambuco. A segunda f aco venceu as eleies de conflito prosseguiu, surgindo constantes rumores sobre a participao do Exrcito na preparao de um golpe em Pernambuco. Os dois grupos politicos acabaram entrando em acordo e escolheram para governar o estado, de Barros, A"

1922 a 1926, o juiz federal Srgio Loreto. Ver Manuel de Sousa

dcada de

Grfica F.ditora Acadmica Ltda, ... Temstocles Brando Cavalcanti

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em Pernambuco: uma inter pretao1972).

(Rio de Janeiro,

(1899-1980) formou-se em direito peja (1922), defen deu integrantes dos movimentos tenencistas de 1922 e 1924 e participou da Revoluo de 1930. Jurista de renome, exerceu diferentes funes aoFaculdade de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro

longo de sua carreira, entre as quais as de consultor geral da Repblica (de

1945 a 1946 e em 1955), procurador geral da Repblica (1946-1947) e ministro do SlF (1967-1969). Em 1947 foi um dos fundadores do Instituto de Direito Pblico e Cincia PoHtica (lndipo) da Fundao Getulio Vargas, rgo que dirigiu at o final de sua vida, assumindo inclusive a direo da

cia Poltica

da FGY. Ver

Revista de Direito Pblico e Cinda Poltica, depois Revista de Cin Didonrio histrico-biogrfico brasileiro: 1930-19831984), designado daqui em dian

(coord. Israel Beloch e Alzira Alves de Abreu. Rio de Janeiro, FGV CPDOC/Forense-Universitria/Finep,9

te pela sigla DHBB. O Ginsio Pernambucano faz parte do conjunto de instituies de ensi-

no tradicionais de Pernambuco. Sua criao, em

1825, inicialmente como

Liceu Provincial, esteve conceitualmente vinculada ao Seminrio de Olinda: tanto seu idealizador como seu primeir