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ELIANE GANDOLFI EVENTOS TOXICOLÓGICOS COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA: informação, ações estratégicas e modelo de toxicovigilância para o sistema único de saúde CAMPINAS Unicamp 2007 i

EVENTOS TOXICOLÓGICOS COMO PROBLEMA DE SAÚDE … Doutorado Eliane Gandolfi.pdf · Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade

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ELIANE GANDOLFI

EVENTOS TOXICOLGICOS COMO PROBLEMA DE SADE PBLICA:

informao, aes estratgicas e modelo de toxicovigilncia para o sistema nico de sade

CAMPINAS

Unicamp

2007

i

ii

ELIANE GANDOLFI

EVENTOS TOXICOLGICOS COMO PROBLEMA DE SADE PBLICA:

informao, aes estratgicas e modelo de toxicovigilncia para o sistema nico de sade

Tese de Doutorado apresentada Ps-Graduao da

Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Estadual

de Campinas, para a obteno do ttulo de Doutor em

Sade Coletiva, rea de concentrao em Sade Coletiva

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA DA GRAA GARCIA ANDRADE

CAMPINAS

Unicamp

2007

iii

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA FACULDADE DE CINCIAS MDICAS DA UNICAMP

Bibliotecrio: Sandra Lcia Pereira CRB-8 / 6044 Gandolfi, Eliane

G152e Eventos toxicolgicos como problema de sade pblica: informao, aes estratgicas e modelo de toxicovigilncia para o Sistema nico de Sade / Eliane Gandolfi. Campinas, SP : [s.n.], 2008.

Orientador : Maria da Graa Garcia Andrade Tese ( Doutorado ) Universidade Estadual de Campinas. Faculdade

de Cincias Mdicas. 1. Intoxicao. 2. Centros de controle de intoxicaes. 3.

Vigilncia sanitria. 4. Vigilancia Epidemiolgica. 5. Medicamentos. 6. Centros de Informao. I. Andrade, Maria da Graa Garcia. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Cincias Mdicas. III. Ttulo.

Ttulo em ingls : Toxicological events like health surveillance proposition: information, strategies and national health system guidelines and model for toxicological surveillance Keywords: Poisoning Poison control centers Health surveillance Sanitary surveillance Epidemiological Surveillance Drugs Information centers Titulao: Doutor em Sade Coletiva rea de concentrao: Sade Coletiva Banca examinadora: Profa. Dra. Maria da Graa Garcia Andrade Profa. Dra. Nicolina Silvana Romano Lieber Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas Prof. Dr. Gasto Wagner de Souza Campos Prof. Dr. Heleno Rodrigues Corra Filho Data da defesa: 24- 08 - 2008

iv

v

vi

DEDICATRIA

queles

que se dedicam a construir

o Sistema nico de Sade cotidianamente

nos seus locais de trabalho, e especialmente aos que fazem

do exerccio profissional na vigilncia sanitria

um compromisso de cidadania

nestes duros tempos de globalizao

e de estado mnimo.

vii

viii

AGRADECIMENTOS

Durante a realizao do presente trabalho, foi possvel contar com a

colaborao de vrias pessoas e instituies que, direta ou indiretamente,

contriburam para o seu desenvolvimento, s quais, expresso publicamente meu

sincero agradecimento.

A Prof. Dra. Maria da Graa Garcia Andrade pela orientao, incentivo,

confiana e compreenso, sendo que, sem seu estmulo a elaborao deste

estudo no teria sido possvel.

A todos profissionais dos Centros de Assistncia Toxicolgica Paulistas

que registraram seus atendimentos e os digitaram em algum programa de

informtica, tornando possvel os dados para esse trabalho.

A Zlia Rodrigues da Cunha Gandolfi, meu agradecimento e gratido

por todo o apoio, todos os meios e condies para que esse trabalho fosse

possvel.

A Malva I. M. Hernandez e Rodrigo Vianna pelo trabalho de

organizao do banco de dados e a afetuosa acolhida.

Aos professores que me colocaram no caminho da sade coletiva, e

que em muitos momentos despertaram em mim oportunidades de sistematizao

do conhecimento e destas idias em particular.

Aos colegas de trabalho Sonia Aparecida Dantas Barcia, Marcela

Rodrigues Silva, Alaor Aparecido de Almeida, Antonio Francisco Godinho, Darcilea

Alves do Amaral, Maria Zilda Nunes Carrazza, Hebe Teixeira Soares, Cristiana

Aparecida Azzolini, Amadeu Capobianco Junior, Rosngela Aparecida Malavazi,

Lia Satiko Nakaie e outros que compartilham os sonhos, as construes e as

dificuldades, e a Elba Custdio Pinheiro, Paula Pozzi, Cllia Bauer e Iara Camargo

que em diferentes momentos apoiaram minhas proposies. A todos agradeo as

polmicas produtoras de inquietudes intelectuais.

ix

x

A Guilherme Gandolfi, meu filho, que disputou minha ateno com esse

trabalho, mas o apoiou, quando de minha ausncia espiritual estando fisicamente

presente.

Aos inspiradores dos meus ideais cientficos Nedy Rachid Cursino,

Odlia Gomes, Carlos Peppe e Mania Sklodovska (Marie Curie).

A Deus pela oportunidade.

xi

xii

MOTE

Lewis Carroll era professor de matemtica na Universidade de Oxford quando

escreveu o seguinte em Alice no pas das maravilhas:

Gato Cheshire... quer fazer o favor de me dizer qual o caminho que eu

devo tomar?

---Isso depende muito do lugar para onde voc quer ir disse o Gato.

---No me interessa muito para onde... --- disse Alice.

---No tem importncia ento o caminho que voc tomar --- disse o Gato.

---...contanto que eu chegue a algum lugar --- acrescentou Alice como uma

explicao.

---Ah, disso pode ter certeza --- disse o Gato --- desde que caminhe

bastante.

A resposta do Gato tem sido freqentemente citada para exprimir a opinio de que

os cientistas no sabem para onde o conhecimento est levando a humanidade e, alm

disso, no se importam muito. Diz-se que a cincia no pode oferecer objetivos sociais

porque os seus valores so intelectuais e no ticos. Uma vez que os objetivos sociais

tenham sido escolhidos por meio de critrios no cientficos, a cincia pode determinar a

melhor maneira de prosseguir. Mas provvel que a cincia possa contribuir para

formular valores e, assim, estabelecer objetivos, tornando o homem mais consciente das

conseqncias de seus atos. A necessidade de conhecimento das conseqncias, no ato

de tomar decises, est implcita na observao do Gato de que Alice chegaria

certamente a algum lugar se caminhasse o bastante. Desde que esse algum lugar poderia

revelar-se bem indesejvel, melhor fazer escolhas conscientes do lugar para onde se

quer ir.

Ren Dubos O despertar da razo.

So Paulo: Melhoramentos/ Edusp 1972; p.165.

xiii

xiv

SUMRIO

PG.

RESUMO.................................................................................................... xxxv

ABSTRACT................................................................................................ xxxix

APRESENTAO....................................................................................... 43

1- INTRODUO........................................................................................ 47

1- As substncias qumicas e suas implicaes.............................. 49

1.1- O desenvolvimento insustentvel................................................ 50

1.2- A dimenso dos produtos qumicos no Brasil............................. 58

1.3- Os danos sade relacionados s substncias qumicas.......... 61

1.4- A busca do desenvolvimento sustentvel................................... 66

1.5- Poltica de sade para substncias qumicas no Brasil.............. 72

2- A Toxicologia e seus desafios........................................................ 74

2- OBJETIVO.............................................................................................. 83

3- MATERIAL E MTODOS....................................................................... 87

4- RESULTADOS........................................................................................ 93

Artigo 1- Eventos toxicolgicos: informao para toxicovigilncia........ 96

Artigo 2- Eventos toxicolgicos relacionados a medicamentos no Estado de So Paulo..............................................................

123

Artigo 3- Toxicovigilncia para o SUS: proposio e estratgias.......... 145

5- DISCUSSO........................................................................................... 173

6- CONSIDERAES FINAIS.................................................................... 183

7- REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................... 187

xv

xvi

8- ANEXOS................................................................................................. 203

Anexo 1- CNAE....................................................................................... 205

Anexo 2- Convenes............................................................................. 207

Anexo 3- Variveis.................................................................................. 209

Anexo 4- Bases Legais........................................................................... 211

xvii

xviii

LISTA DE SIGLAS

ABIHPEC Associao Brasileira das Indstrias de Produtos de Higiene e Cosmticos

ABIPS Associao Brasileira da Indstria de Produtos para a Sade

ABIQUIM Associao Brasileira da Indstria Qumica

ABRAFARMA Associao Brasileira de redes de Drogarias

ABRAFAS Associao Brasileira das Industrias de Fibras Artificiais sintticas

ABRAFATI Associao Brasileira das Indstrias Fabricantes de Tintas e vernizes

ACG Autorizao de Internao Hospitalar

ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica

CAS Chemical Abstract Service

CCG Commission on Global Governance.

CEATOX Centro de Assistncia Toxicolgica

CEBRID Centro Brasileiro de Informaes Sobre Drogas Psicotrpicas

CGG Comisso sobre Governana Global

CGVAM Coordenao Geral de Vigilncia Ambiental

CID -10 Classificao Internacional das Doenas 10 Reviso

CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas

CNUMAD Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

xix

xx

CNUMH Conferncia Mundial das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano

CRST Centro de Referncia de Sade do Trabalhador

CVS Centro de Vigilncia SanitriaDCB = Denominao Comum Brasileira

DATASUS Departamento de Informtica do SUS/MS

EPA = USEPA Environmental Protection Agency (USA)

EUROTOX Federacin Europea de Toxicologa

FAO Organizao Mundial para Alimentao e Agricultura

FDA Food and Drug Administration

FEBRAFARMA Federao Brasileira das Associaes das Industrias Farmacuticas

FIOCRUZ Fundao Instituto Oswaldo Cruz

FPEEEA modelo da OMS para indicadores de sade e ambiente Fora motriz/ Presso/ Estado/ Exposio/ Efeito/ Ao

IARC Centro Internacional de Pesquisa sobre o Cncer (WHO)

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

ICSC = TISPQ Cartes Internacionais de Segurana Qumica

IFCS = FISQ Foro Intergovernamental de Segurana Qumica

IMS Intercontinental Medical Services - Brazil

INTOX (IPCS) Poison Information Database Management System Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados sobre

Intoxicao Aguda

IOMC Programa Interinstitucional para a Gesto Racional das Sustncias

xxi

xxii

IPCS Programa Internacional de Segurana Qumica

IRPTC Registro Internacional de Produtos Qumicos Potencialmente Txicos

MS Ministrio da Sade

MTb Ministrio do Trabalho

NIOSH National Institute of Occupational Safety & Health (USA)

OCDE = OECD Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmicos

OIT = ILO Organizao Internacional do Trabalho

OMS = WHO. Organizao Mundial da Sade

ONG Organizaes no governamentais.

ONUDI Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial

OPAS Organizao Pan-americana da Sade

PISQ Programa Internacional de Segurana Qumica.

PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente.

POPs Poluentes Orgnicos Persistentes

RTECS Registry of Toxic Effects of Chemical Substances.

SETOX-SP Sistema Estadual de Toxicovigilncia So Paulo

SIH-SUS Sistema de Informaes Hospitalares do Sistema nico de Sade

SIM Sistema de Informaes de Mortalidade

SINAN Sistema de Informaes de Agravos de Notificao

SINDAG Sindicato Nacional dos Produtores de Defensivos Agrcolas

xxiii

xxiv

SINITOX Sistema Nacional de Informaes Txico - Farmacolgicas

SUS Sistema nico de Sade

TIAFT The International Association of Forensic Toxicologists

VE Vigilncia epidemiolgica

VS = VISA Vigilncia Sanitria

xxv

xxvi

LISTA DE TABELAS

PG.

Tabela 1- Estimativas mundiais de acidentes de trabalho fatais e bitos por enfermidades profissionais

totais, por gnero, OIT, 2000................................

62

Tabela 2- Estimativa em escala mundial da mdia anual de disfunes atribuveis ao contato com

substncias perigosas no trabalho, por

enfermidades........................................................

63

Tabela 3- Distribuio de casos registrados de intoxicaes humanas no SINITOX, 1990 a

2000, Brasil...........................................................

64

Artigo 1-Tabela 1- Distribuio dos eventos toxicolgicos humanos segundo sexo e tipo de evento, Estado de

So Paulo, Brasil, 1991 a 2000............................

104

Artigo 1-Tabela 2- Distribuio dos eventos toxicolgicos humanos segundo agente txico Estado de So Paulo,

Brasil, 1991 a 2000...............................................

106

Artigo 1-Tabela 3- Distribuio dos eventos toxicolgicos humanos segundo agentes txicos e circunstncias,

Estado de So Paulo, de 1991 a 2000.................

107

Artigo 2 -Tabela 1- Distribuio dos eventos toxicolgicos relacionados a medicamentos por tipo de

evento. Estado de So Paulo, 1998.....................

131

xxvii

xxviii

Artigo 2 - Tabela 2- Distribuio dos 10 Princpios Ativos (PA) mais

freqentes, associados aos eventos

toxicolgicos relacionados a medicamentos nas

faixas etrias de menores de 1 ano, de 1 a 4 e

de 5 a 9 anos, em ordem decrescente. Estado

de So Paulo, 1998..............................................

133

Artigo 2 - Tabela 3- Distribuio dos eventos toxicolgicos relacionados a medicamentos segundo grupos

teraputicos e respectivos princpios ativos

dentre os 30 mais freqentes. Estado de

So Paulo, 1998...................................................

134

Artigo 2 - Tabela 4- Circunstncias em que ocorreram os eventos toxicolgicos e distribuio dos medicamentos

relacionados por grupos teraputicos e 5

princpios ativos mais freqentes. Estado de

So Paulo, 1998...................................................

135

Artigo 3 - Tabela 1- Avaliao de sistemas de informao em sade segundo sua contribuio constituio da

toxicovigilncia......................................................

161

xxix

xxx

LISTA DE FIGURAS

PG.

Artigo 2 - Figura 1- Riscos relacionados a medicamentos........................ 128

Artigo 3 - Figura 1- Fluxograma de Funcionamento da Toxicovigilncia.. 167

xxxi

xxxii

LISTA DE GRFICOS

PG.

Grfico 1- Composio do faturamento lquido da Indstria Qumica Brasileira por Segmentos,

2005................................................................

60

Artigo 1 - Grfico 1- Distribuio dos eventos toxicolgicos humanos segundo faixa etria e sexo,

Estado de So Paulo, Brasil, 1991 a 2000.....

105

Artigo 1 - Grfico 2- Distribuio dos eventos toxicolgicos humanos entre as crianas at 10 anos,

Estado de So Paulo, 1991 a 2000................

105

xxxiii

xxxiv

RESUMO

xxxv

xxxvi

O estudo objetivou conhecer a toxicovigilncia no Brasil, com nfase no estado de

So Paulo, e propor diretrizes e modelo para o SUS.

Foi utilizado banco organizado com esta finalidade a partir dos eventos

toxicolgicos registrados pelos CEATOX no Estado de So Paulo. Realizou-se

dois estudos epidemiolgicos descritivos de srie de casos: um para o perodo de

1991 a 2000, no qual observou-se a distribuio em relao s caractersticas

gerais dos eventos, dos pacientes, dos agentes txicos e das circunstncias em

que ocorreram, e outro em 1998, no qual observou-se a distribuio dos eventos

toxicolgicos relacionados a medicamentos.

Encontrou-se no primeiro 128.769 eventos toxicolgicos em humanos, originados

em sua maioria de ligaes telefnicas (68,65%), de servios de sade

hospitalares (51%); 60,8% dos atendimentos presenciais, foram oriundos de

enfermarias e, 33,3%, de UTI. Predominaram as exposies agudas (84,5%), por

via oral (68%), oriundas de rea urbana (87,8%). O principal local de exposio foi

a residncia (74%). Predominou para o sexo masculino (52%), com maior

concentrao at os 10 anos (43%), sobretudo aos 2 e 3 anos de idade. Os

agentes txicos predominantes foram os: medicamentos (38,6%), agrotxicos

(17,9%) e produtos de uso domiciliar (15,4%). As principais circunstncias:

acidentais (47,0%), tentativas de suicdio (19,8%) e ocupacionais (11,7%).

Os medicamentos ocuparam o 1 lugar entre todos os tipos de agentes txicos

registrados, e foram predominantemente registrados por telefone (78,5%), a partir

de hospitais (86,6%); originados em exposies agudas, por via oral (90,2%), em

residncias (85,7%) de rea urbana (95%). Predominou para o sexo feminino

(59%) e nos primeiros 10 anos de vida (49,4%), sobretudo aos 2 e 3 anos.

Preponderaram os grupos teraputicos: psiquiatria, analgesia/anestesia e

respiratrio. Preponderaram os princpios ativos: fenobarbital, diazepam,

haloperidol, carbamazepina e bromazepam, e as circunstncias: acidentais

(38,8%) e tentativas de suicdio (36,5%).

Resumo xxxvii

Resumo xxxviii

Foram analisados documentos marcos da poltica internacional, nacional, e

estadual e os aspectos operacionais da toxicovigilncia no SUS relacionados :

informao, assistncia, vigilncia sade, constituio de equipes e integrao

de reas.

Diagnosticaram-se os principais sistemas de informao que registram agravos

com o objetivo de verificar o estado da arte em relao s necessidades da

toxicovigilncia, para o qual estabeleceram-se critrios. Considerou-se estratgica

a construo de sistema especfico, props-se instrumentos e aspectos

operacionais.

Props-se o modelo no marco da vigilncia da sade, a incluso da exposio e

do evento toxicolgico como objeto do registro de informaes para a

toxicovigilncia e que as anlises e aes consideram causa e contexto, atuando

de modo integrado, articulado, programtico, com parcerias intersetoriais,

promovendo aes preventivas, de promoo da sade e de precauo.

ABSTRACT

xxxix

xl

The study to make known the toxicological surveillance in the Brazil, with

accentuation in the State of So Paulo, as well as toxicological surveillance

according to the National Health System guidelines and suggest and model.

To assess the epidemiological characteristics of related toxic events in the

Toxicology Centers in the State of So Paulo, Brazil, in period 1991 and 2000. A

descriptive epidemiological case series study was conducted, using the category

related toxic event, and registered cases were analyzed. The variables studied

comprised the characteristics of the events and the affected patients, toxic agents

and the circumstances involved.

In the study 97% (128.769) the related toxic event concerning to human cases,

related toxic events were mostly reported by phone (68.65%) and hospitals (51%);

they were originated from acute exposure (84,5%), oral (68%) at home (74%) and

place to work (13%) in the urban area (87.8%). Most people affected were males (59%) in their first decade of life (43%), mainly between two and three years of

age. Drugs ranked first among all toxic agents registered in the Centers (38.6%)

and pesticides (17.9%) and the products to use in home (15.4%). The main

circumstances were accidental ingestion (47%) and suicidal attempts (19.8%) and

the occupactional (11.7%).

Another descriptive epidemiological case series study was conducted. Using the

category "drug-related toxic event", 6,673 registered cases were analyzed in the

Toxicology Centers in the State of So Paulo throughout 1998. The variables

studied comprised the characteristics of the events and the affected patients, toxic

agents and the circumstances involved. The analysis of toxic agents took into

consideration three levels of disaggregation: therapeutical groups, active

ingredients and commercial brand names. Drugs ranked first among all toxic

agents registered in the Centers. Drug-related toxic events were mostly reported

by phone (78.5%) and hospitals (86.6%); they were originated from acute oral

exposure (90.2%) at home (85.7%) in the urban area (95%). Most people affected

were females (59%) in their first decade of life (49.4%), mainly between two and

three years of age. The most common active ingredients found were:

Abstract

xli

Abstract

xlii

phenobarbital, diazepam, haloperidol, carbamazepine and bromazepam. The main

circumstances were accidental ingestion (38.8%) and suicidal attempts (36.5%)

and among the related active ingredients, the most prevailing therapeutical group

were psychiatric, analgesic/anesthetic and respiratory. Law-abiding practices

regarding prescription drugs are needed, as well as toxicological surveillance

according to the National Health System guidelines.

Are needed as well as toxicological surveillance according to the National Health

System guidelines. The instruments principal strategy the following the toxic events

and the articulate to epidemiological surveillance and sanitary surveillance the

occurrence to approach integral and sectors association actions.

APRESENTAO

43

44

O tema toxicovigilncia tem sido objeto de minhas reflexes cotidianas

desde 1996 quando passei a compor um grupo de trabalho institudo no Centro de

Vigilncia Sanitria da Secretaria Estadual de Sade de So Paulo que tinha

prazo de 90 dias para apresentar uma proposta para a integrao dos Centros de

Assistncia Toxicolgica ao SUS /SP. Passaram-se mais de dez anos e ainda levo

a chama acesa, compartilhando-a.

Parti, como farmacutica, do universo do medicamento e dos seus

riscos, para a expanso, e trato hoje das substncias qumicas e seus riscos. O

desafio - a integrao de prticas e saberes. O SUS, a toxicologia, sistemas de

informao, organizao dos servios, os Centros de Assistncia Toxicolgica e

seus problemas, o ambiente e o trabalho. Desafios que fui me colocando na busca

da articulao das idias, e no pragmatismo de operacionalizar. Filosofar. E a

expectativa de contribuir. Minha viso vai se aprofundando sempre um pouco mais

na busca de dar resposta a questes que se vo apresentando. O desafio de

teorizar, de explicar os pensamentos, um gosto, e de organiz-los num formato

estabelecido. E o desejo de que estas idias sejam teis a algum, que possam

circular.

Na introduo algumas informaes, o contexto poltico, econmico,

tcnico, cientfico, de sade, do movimento das idias e sociais, apenas com a

preteno de pintar um painel de fundo, situando o cenrio e colocando os atores.

Poderia dizer muito mais, pois a tendncia de ser prolixa. Procurei me conter,

talvez no o necessrio.

Os resultados do trabalho sero apresentados na forma de trs artigos

cientficos. Para a execuo do primeiro artigo construi e utilizei um Banco de

Dados com casos registrados por Centros de Assistncia Toxicolgica do Estado

de So Paulo por dez anos e fiz um estudo descritivo do conjunto de casos. Os

achados encontrados so analisados observando-se tambm o estado da arte e a

preocupao com a informao para a toxicovigilncia no SUS.

Apresentao

45

Apresentao

46

No segundo artigo, buscando demonstrar as possibilidades de anlise

especfica, fiz um recorte do Banco no tempo, focalizando 1998, e num agente

txico, o mais freqentemente relacionado a evento toxicolgico, o medicamento.

Fiz um estudo descritivo do conjunto de casos encontrados, e discuto os mesmos

luz do contexto referido ao tipo de agente txico. Abordo o risco inerente e o

socialmente determinado relacionado aos frmacos, apontando a necessidade de

caracterizar o papel da toxicovigilncia, suas necessidades e suas limitaes para

se constituir e exercer seu papel.

No ltimo artigo proponho aspectos gerais para operacionalizar a

toxicovigilncia no SUS. Na proposio dada nfase ao papel estratgico da

informao, analisando-se as caractersticas deste tipo de informao nos bancos

de dados existentes no setor sade, e aos pontos crticos para a construo de

um sistema de informao com vistas toxicovigilncia, porm so essenciais a

integralidade, a intersetorialidade, e o papel da vigilncia da sade. Discuto os

achados dos trs artigos com o propsito de ressaltar as contribuies das

anlises efetuadas para o tema central, a identificao das necessidades e as

proposies para a construo da toxicovigilncia no SUS.

1- INTRODUO

47

48

1- As substncias qumicas e suas implicaes

Os Homens, misturando minerais, extratos de plantas e substncias

retiradas de animais, procuraram resolver problemas de seu cotidiano. Assim

deu-se incio a vrias cincias, dentre elas a qumica, campo de conhecimento, de

tcnica e de alto poder de faturamento e de interveno na sociedade, que est na

base do desenvolvimento econmico e tecnolgico.

Um produto final , de modo geral, obtido a partir de matrias primas,

de onde se extraem produtos bsicos, dos quais so obtidas substncias

intermedirias que vo dar origem s substncias refinadas e aos produtos

destinados ao consumidor. Alguns produtos intermedirios esto prontos para

serem usados, como, por exemplo, os solventes, enquanto outros passam por

novos processos qumicos para dar origem a produtos finais.

A indstria qumica, regra geral, bastante verticalizada, cada setor

(refinao de petrleo, produtos de borracha e plstico, produtos de pedra,

cermica, concreto, vidro, medicamentos, etc.) utilizando uma ou algumas

matrias primas presentes na natureza, transforma-as at chegar ao produto final

com grande quantidade de substncias sendo consumidas dentro de empresas

do prprio ramo qumico. A partir de poucas centenas de produtos qumicos

bsicos e intermedirios so produzidas milhares de substncias qumicas e

produtos destinados ao consumidor. Estes produtos bsicos e intermedirios so,

por sua vez, produzidos em grandes quantidades ao redor do mundo de algumas

centenas a vrios milhes de toneladas por ano.

Atravs de avanados processos as substncias qumicas so

modificadas e recombinadas gerando produtos que esto presentes em nossa

sociedade, nos mais diferentes contextos do dia-a-dia, como em medicamentos,

alimentos, plsticos, detergentes, tintas, cosmticos, roupas, agrotxicos, produtos

de limpeza e desinfeco, em processos produtivos industriais e rurais, alm da

poluio tpica dos grandes centros urbanos.

Introduo 49

E assim que nos expomos a produtos perigosos, a substncias

txicas ou potencialmente txicas, que vm se constituindo em relevante problema

de sade pblica na atualidade, medida que o processo de industrializao iniciado no sculo XIX no foi acompanhado da necessria precauo, do

desenvolvimento do conhecimento e de leis trabalhistas e de proteo das

pessoas e ambientes.

So apresentadas adiante algumas referncias temticas de interesse

para a abordagem do problema, buscando contextualizao, de forma integrada e

resumida, uma vez que no se pretende esgotar os assuntos, mas salientar

aspectos essenciais para a compreenso do nosso tema - a necessidade e a

proposio da construo da toxicovigilncia no SUS.

1.1- O desenvolvimento insustentvel

As sociedades pr-industrializao usavam como motriz a fora de

trabalho animal e humana, com o vapor e a combusto de recursos renovveis e

no renovveis foi grande o impulso aos processos de industrializao. O

desenvolvimento tecnolgico, os processos qumicos cada vez mais complexos e

industrializados, a migrao de grandes massas para as cidades, articularam-se

no aprofundamento das mudanas promovidas pela II Guerra Mundial.

Franco et all (2002) nos lembram que expande-se capacidade produtiva com

escalas inditas para a humanidade e, conseqentemente, o uso de volumes

crescentes de recursos naturais (gua, matrias primas, insumos), a criao de

recursos sintticos (substituindo as antigas e empregadoras lavouras de algodo,

fibras naturais, borracha, produo de cermica, etc..), o uso crescente de novos

materiais,...com o impulso indstria qumica e petroqumica e a gerao de

quantidades crescentes de resduos industriais de maior ou menor grau de risco

para a vida humana. Desde ento uma exploso de sntese e uso de substncias

qumicas vem se verificando, obrigando-nos a consider-las em volume e

diversidade, tendo sua origem na natureza ou na produo pelo homem, e sendo

ou no persistentes no ambiente.

Introduo 50

Todo produto qumico novo tem sido registrado em um banco de dados

americano, o Chemical Abstracts Service Registry, uma espcie de servio de

registro de substncias qumicas, e recebe um nmero de identificao

denominado n CAS, que deve aparecer nas fichas de informaes de segurana

dos produtos (FISQ). S em 1998 foram registradas mais que 1,7 milhes de

substncias novas! Deste total existem cerca de 220.000 substncias regularizadas para uso comercial em vrias partes do mundo. E at dezembro de

2000 foram registradas mais de 28 milhes de substncias (CAS, 2000).

Segundo o Programa Internacional de Seguridade das Substncias

Qumicas (PISSQ), existem mais de 750 mil substncias conhecidas no meio

ambiente, sendo de origem natural ou resultado da atividade humana

(IPCS,1992). Cerca de 70 mil so cotidianamente utilizadas pelo homem, e

aproximadamente 40 mil em significantes quantidades comerciais (IPCS, 1992).

Grisolia (2005) cita que um levantamento feito por pases da Unio Europia

estimou-se que, de toda a gama de produtos qumicos, apenas 7% possuem

algum tipo de avaliao toxicolgica. J Landrigan (1992) estimava a existncia

de informaes toxicolgicas para cerca de 20% das 60 mil substncias em uso

nos processos produtivos e no Registry of Toxic Effects of Chemical Substances,

observa-se que esto documentados efeitos negativos sade de cerca de 116

mil substncias (NIOSH, 1995).

Grisolia (2005) aponta que com toda a capacidade tcnica existente,

seria impossvel identificar e conhecer todas as substncias que provocam danos

ao meio ambiente e sade humana. A proposta dos governos da Comunidade

Europia a de que sejam implementadas novas exigncias nas agncias

ambientais e de sade, de modo que, a cada novo produto desenvolvido pela

indstria, este deva ser previamente avaliado com relao a sua persistncia,

bioacumulao e interao com os organismos antes da liberao comercial. Alm

disso, necessrio incrementar as avaliaes toxicolgicas dos produtos j

existentes.

Introduo 51

Estima-se que, a cada ano, 350 mil trabalhadores norte-americanos

adoeam em decorrncia de exposies ocupacionais a substncias txicas, com

cerca de 60 mil bitos pela mesma causa. Repetto (1995) citou que em 1994, Ian

Kimber, informou que a dermatite ocupacional custa nos EUA um bilho de

dlares ao ano, e aproximadamente 1/3 deles tem base alrgica. Apenas no ano

de 1988, os centros de controle de intoxicao dos EUA registraram 25.368 casos

de intoxicaes ocupacionais (Litovitz, 1993).

Todas as empresas do ramo qumico apresentam algum risco, com

maior ou menor probabilidade de acidentes ampliados, isto , de acidentes que

ultrapassam os limites da empresa. Isto porque todas manipulam substncias

qumicas com algum grau de periculosidade, destacando-se entre elas, as que

utilizam ou produzem substncias inflamveis e explosivas.

Os registros de acidentes de grande porte tm sido muitos, inicialmente

nos pases mais industrializados, e que depois se espalharam pelo mundo como

as empresas. Seguem alguns exemplos:

em 1921, Oppau (Alemanha) duas exploses envolvendo 4.500

toneladas da mistura sulfato de amnia e nitrato de amnia (50:50)

resultou em 561 mortos, sendo 4 vtimas fatais a 7 km de distncia;

em 1937, na New London School no Texas, mais de 300 crianas

foram mortas numa exploso aps vazamento de gs natural;

a exploso de esferas de GLP, registrada por sismgrafo, em que

mais de 650 foram a bito, e em que houve uma bola de fogo de 300

m de dimetro em San Juanico, no Mxico, em 1984;

no mesmo ano, o pior deles em nmero de mortos, num vazamento

de isocianato de metila e outras substncias na Union Carbide, em

que mais de 2.500 foram a bito de imediato, chegando a cerca de

8.000 entre trabalhadores e moradores da regio e outros tantos

feridos e cegos chegando a mais de 150 mil pessoas, no Bhopal,

ndia.

Introduo 52

O caso de Bhopal se tornou smbolo, levando a entidade Greenpeace a

apresentar o documento Princpios de Bhopal sobre Responsabilidade Corporativa

na Cpula para o Desenvolvimento Sustentvel, a Rio + 10, em 2002, e em

Joanesburgo (frica do Sul) aos governantes mundiais, buscando a adoo de

medidas como forma de garantir que os Princpios acordados na Declarao da

Eco 92 sobre Responsabilidade (13), Duplos Padres (14), Precauo (15) e

Poluidor Pagador fossem consolidados (Murti, 1991; Greenpeace, 2002).

O Brasil no est fora destas ocorrncias trgicas, por exemplo, em

1972, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, explodiram esferas de GLP

resultando em 21 mortos e 49 feridos; e ainda no fatdico ano de 1984, na Vila

Soc, em Cubato, um suposto vazamento em oleoduto de gasolina, seguido de

incndio, matou cerca de 500 pessoas de acordo com o que se conseguiu avaliar.

A cada ano entre 1 e 2 mil novas substncias vem sendo

disponibilizadas no mercado devido capacidade de inovao tecnolgica do

setor qumico, porm sem equidade, cabendo aos habitantes dos pases

industrializados o benefcio do consumo da maioria dos bens produzidos, e aos

habitantes dos pases em desenvolvimento a produo e os riscos nela envolvidos

(Macneill,1992).

Ziglio et all (2004) entre outros autores denunciam que o interesse

econmico das indstrias ainda tem se sobreposto s questes relacionadas

sade pblica e conservao e uso sustentvel do meio ambiente.

Observa-se um duplo-padro nas indstrias de capital transnacional,

cujas condies de controle e preveno dos riscos so maiores nos pases em

que se localizam suas matrizes, com legislao restritiva e opinio pblica crtica e

atuante e, ao contrrio, quando esto nos pases perifricos, conforme afirma

Ziglio et al (2004) A migrao das indstrias extremamente poluentes dos pases

centrais para pases com legislaes menos restritivas como o Brasil tem sido

uma questo importante a ser considerada. Atualmente, muitos produtos banidos

em seus pases de origem, no so proibidos entre ns, simplesmente porque as

Introduo 53

Introduo 54

fbricas que os produzem, foram transferidas para c. E alm de no haver a

implementao de medidas de segurana eficazes, h a reduo de tais medidas

por motivos de custo, alm da falta de investimentos na modernizao das

instalaes.

No Brasil, um exemplo deste condenvel duplo-padro o caso da

Siderrgica Gerdau, que no utilizando os mesmos padres de segurana

adotados no Canad, contaminou a regio metropolitana de Porto Alegre com

metais pesados e ascarel (PCB), um dos doze sujos1, sendo que o Canad,

como o Brasil, ratificou a Conveno de Estocolmo sobre POPs (UNEP, 2003).

Outro exemplo ocorreu com os organoclorados, os Drins, cuja produo foi

proibida nos EUA em 1972, e transferida para o Brasil, que teve sua proibio em

1985 (Brasil, 1985), continuaram a ser fabricados na dcada de 90 para exportao, originando dois casos complexos de contaminao ambiental com

comprometimento da sade e vida dos seus trabalhadores, e dos moradores do

seu entorno em dois municpios do estado de So Paulo: a Capital So Paulo e

Paulnia (Gandolfi, 2002-1; Greenpeace Brasil, 2002).

A produo de substncias qumicas no planeta tem reforado cada vez

mais a noo de sociedade de risco, devido ao fato de nos encontrarmos diante

de uma questo de natureza global (Garca-Tornel, 2001). Os riscos tecnolgicos

ao afetar extensas superfcies, superam limites territoriais, e sua carga nociva ao

permanecer ativa atravs do tempo, torna impraticvel contabilizar as dimenses

dos impactos a sade humana e ao meio ambiente (Ziglio et all, 2004). No estado

de So Paulo, tem-se assistido a todo tipo de contaminao, como os de resduos

e efluentes no esturio da Baixada Santista, e outros tantos acidentes, que j

contabilizam mais de 1500 reas contaminadas segundo a CETESB, sendo a

maioria em zona urbana. Essas contaminaes so resultantes de diversos

processos, muitos deles industriais, porm poucos de acidentes maiores, sendo a

maioria de processos produtivos e de distribuio negligentes, irresponsveis e

1 Estocolmo 2001 - Representantes de 120 pases assinam uma conveno pelo boicote s substncias batizadas de Os 12 sujos, incluindo agrotxicos como DDT e vrios outros organoclorados e dioxina. Estas substncias so tambm chamadas POPs, devido a sua longa permanncia no ambiente.

inconseqentes, em que o risco aos trabalhadores, moradores, e ao ambiente de

modo geral foi desconsiderado, embora o estado citado tenha um rgo estadual

para zelar pelo meio ambiente desde 1976 (Greenpeace Brasil, 2002).

A sobreposio dos interesses industriais aos de sade pblica e de

conservao e uso sustentvel do meio ambiente tem como conseqncia o que

afirma a Comisso sobre Governana Global (CGG, 1995) conforme citam Freitas

et all (2002) o crescimento nas quantidades de produtos qumicos produzidos tem

resultado em nveis de poluio em uma escala tal que vem alterando a

composio qumica das guas, do solo, da atmosfera e dos sistemas biolgicos

do planeta, colocando em perigo no s o bem-estar, mas tambm a

sobrevivncia do planeta. Portanto, essa no uma situao apenas do Brasil.

Na Agenda 21, o Captulo 19 aponta tambm os problemas de contaminao em

grande escala decorrentes das substncias qumicas, e suas conseqncias, com

graves danos sade humana, s estruturas genticas, reproduo e o meio

ambiente. Reconhece, ainda, que a situao de gravidade no bem conhecida

devido falta de dados cientficos para avaliar os riscos inerentes a utilizao dos

numerosos produtos qumicos e, a falta de recursos para avaliar os produtos

qumicos para os quais j se dispe de dados (CNUMAD, 1992).

Freitas e colaboradores (2002) nos advertem de que para que novas

abordagens e novos processos decisrios sejam minimamente viveis,

particularmente no contexto dos pases em industrializao, devemos considerar o

conceito de vulnerabilidade (Horlick-Jones, 1993), consideram que este deve ser

subdividido em dois, que se inter-relacionam: a vulnerabilidade populacional

(Morrow, 1999) relacionada existncia de grupos populacionais vulnerveis, de

acordo com suas caractersticas em termos de status social, poltico, econmico,

tnico, gnero, incapacidade, idade etc., sendo isto derivado de variadas formas e

nveis de excluso social; e a vulnerabilidade institucional (Barrenechea, 1998)

que se relaciona ao funcionamento da sociedade enquanto polticas pblicas,

processos decisrios, processos institucionais daquelas instituies que atuam

nos condicionantes estruturais ou presses dinmicas que propiciam ou agravam

Introduo 55

as situaes e eventos de risco. Como exemplificam: No Brasil, consideramos

que muito ainda deve ser feito a fim de que a segurana qumica na sua interface

com a governana possa ser realizada, especialmente quando se considera que

no atual contexto o Estado vem sendo continuamente desestruturado, tornando-se

incapaz de controlar e prevenir os problemas de origem qumica, caracterizando

uma vulnerabilidade institucional.

Nossa atualidade o casamento entre cincia e tcnica, resultando

numa tecnocincia cujo uso condicionado pelo mercado e no pela humanidade

e suas necessidades. A cincia produzindo o que interessa ao mercado, e as

empresas produzindo o consumidor antes mesmo de produzir os produtos,

resultando da o imprio da informao e da publicidade, no qual as relaes

sociais se fundam na informao e no valor do dinheiro. Relaes essas entre

pessoas, classes e pases (Santos, 2000). Exemplifica-se: As empresas se

apresentam como salvadoras de lugares, e credoras de reconhecimento pelo seu

aporte de empregos e modernidade, porm devem seguir regulamentaes, a

que se estabelecem chantagens com o poder pblico, quando ameaam ir embora

quando pressionadas a se regularizarem ou quando no so atendidas

(Santos, 2000).

Vive-se sob a gide da desordem, do consumismo, da competitividade,

do menosprezo solidariedade, da ampliao das desigualdades, da corrupo.

Hoje no pior dos cenrios pergunta-se para onde vai a tica e a poltica?

No Brasil, carecemos de democracia, de distribuio de renda, de

diminuio da explorao da mo de obra, de conhecimento e polticas pblicas

para fazer frente industrializao desordenada, omisso do estado, ausncia

de planejamento urbano, aos imensos problemas dos grandes centros urbanos,

repletos de despejos irresponsveis de substncias qumicas, associados aos

problemas sociais (Barbosa, 1992).

Neste ponto novamente nos apoiamos em Milton Santos (2000) quando

afirma que para entender a globalizao, como de resto, a qualquer fase da

histria, h dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das tcnicas

Introduo 56

e o da poltica....No caso do mundo atual, temos a conscincia de viver um novo

perodo, mas o novo que mais facilmente apreendemos a utilizao de

formidveis recursos da tcnica e da cincia pelas novas formas do grande

capital, apoiado por formas institucionais igualmente novas. O mestre chama

ateno, pois .. h, freqentemente, tendncia em se separar uma coisa da outra.

Na verdade, nunca houve, na histria humana, separao entre as duas coisas. A

histria fornece o quadro material e a poltica molda as condies que permitem a

ao.

No s a indstria contamina. Nas reas rurais so bem conhecidos os

casos de contaminao de trabalhadores, suas famlias, e de moradores do

entorno expostos aos agrotxicos, contaminao ambiental. E da cadeia

alimentar num circuito de complexas interaes qumicas e sociais

(Yokomizo, 1989; Garcia, 2001). Avana o agronegcio, bem como o consumo de

agrotxicos dada a sua dependncia, e o consumo de fertilizantes. Associam-se

problemas estruturais resultantes dos modelos de desenvolvimento adotados no

pas, como a ausncia de uma poltica de reforma agrria, de oferta de trabalhos

estveis que contribuem para fluxos migratrios do campo para as cidades, e

tambm entre reas de minerao e de outras frentes (Benato, 2001). Conclui-se

conforme Novaes (2001), que talvez a grande questo do desenvolvimento

agrrio no Brasil possa ser sintetizada ao se mencionar que quase todas as

polticas do setor apontam para a insustentabilidade e, ao mesmo tempo, no se

vislumbram no horizonte prximo indcios de mudanas significativas a no ser

na conscincia social, que comea a manifestar preocupao com seus rumos.

A gesto da segurana qumica no Brasil depende dos setores sade e

ambiente, que so frgeis diante das polticas desenvolvimentistas, o que resulta

em gesto ineficiente, com pouca integrao entre os vrios setores, nveis de

governo e grupos sociais relacionados, alm de enfrentar embates e conflitos com

outros setores de governo. Identifica-se conflito de competncias entre diferentes

rgos dos governos, omisses e falta de capacidade de recursos humanos e

tcnicos.

Introduo 57

Embora, no Brasil tenha-se avanado no arcabouo legal disponvel,

deve-se considerar que as leis no se cumprem por si. Seus instrumentos

precisam ser incorporados s prticas e tcnicas do exerccio cotidiano das

instituies, mas diante da contnua desestruturao dos rgos de governo,

resultado em parte das descontinuidades das polticas pblicas e da falta de

recursos financeiros nos setores, ambiental e de sade, no se logra o

enfrentamento da complexidade e das incertezas referentes compreenso do

problema.

1.2- A dimenso dos produtos qumicos no Brasil

A indstria qumica brasileira considerando todos os segmentos que a

compem - produtos qumicos industriais, produtos farmacuticos, produtos de

higiene pessoal, perfumaria e cosmticos, defensivos agrcolas, adubos e

fertilizantes, tintas e vernizes, produtos de limpeza, fibras artificiais e sintticas -

teve, em 2004, um faturamento lquido de US$ 59,4 bilhes, equivalentes a

R$ 173,8 bilhes (ABIQUIM, 2006).

A indstria qumica tem papel de destaque no desenvolvimento das

diversas atividades econmicas do Brasil, participando ativamente de quase todas

as cadeias e complexos industriais, inclusive servios e agricultura, de acordo com

o ltimo dado disponvel relativo ao ano de 2004, no qual a sua participao no

PIB total brasileiro foi de 4,0%. Para comparar nos EUA, a maior indstria qumica

do mundo, a participao do setor no PIB de aproximadamente 2%. Segundo

dados do IBGE levando-se em considerao a matriz industrial do Brasil, o setor

qumico ocupa a segunda posio, respondendo por quase 12% do PIB da

indstria de transformao (ABIQUIM, 2006).

Segundo a ABIQUIM, as exportaes brasileiras de produtos qumicos

somaram US$ 7,380 bilhes em 2005, o que significou crescimento de 24,6% em

relao a 2004, sendo o segundo maior incremento da histria. Os produtos

Introduo 58

qumicos responderam por 6,2% do total das exportaes realizadas pelo pas em

2005. E em 2004 a participao no total das importaes realizadas pelo pas foi

de 20,8%, totalizando US$ 15,330 bilhes, com crescimento de 5,7% no ano. Com

o bom desempenho das exportaes, o dficit anual da balana comercial

brasileira de produtos qumicos, de US$ 7,9 bilhes, recuou 7,4% em comparao

a 2004.

Em volume, o Brasil exportou em 2005, aproximadamente 8,4 milhes

de toneladas de produtos qumicos, 11,9% mais do que em 2004. As importaes

em 2005 foram superiores a 20,2 milhes de toneladas, com queda de 16,1% em

relao ao ano anterior. Os produtos qumicos de uso industrial responderam por

86% do valor e por 96,7% do volume total das exportaes de 2005 (ABIQUIM,

2006).

Em 2005, os produtos qumicos de uso industrial (Grfico 1) tiveram

vendas totais de US$ 39,1 bilhes, e responderam por 56,3% do total do

faturamento lquido da indstria. J o segmento dos produtos farmacuticos foi

responsvel por 13,2%, com faturamento de US$ 9,2 bilhes. Os demais

segmentos somados responderam por 30,5% do total, nos quais destacam-se, os

grupos de defensivos agrcolas, higiene pessoal, perfumaria e cosmticos, e

adubos e fertilizantes, que apresentaram taxas de crescimento anual nos ltimos

16 anos acima de 8,0%. Com a finalidade de verificar o significado deste

faturamento em relao ao global observa-se que o faturamento estimado da

indstria qumica mundial para 1998 foi de cerca de 1 trilho e 500 bilhes de

dlares, e no Brasil estima-se que o faturamento bruto do setor foi de 53 bilhes

de dlares (ABIQUIM, 2006).

Introduo 59

Fonte: ABIQUIM.

Grfico 1- Composio do faturamento lquido da Indstria Qumica Brasileira por segmentos, em 2005, em US$ bilhes.

As estimativas do setor para 2006 foram de que a indstria qumica brasileira alcance um faturamento lquido de R$ 174,3 bilhes, com crescimento

de 1,7% em relao a 2005. Em dlares o faturamento estimado de US$ 80

bilhes, crescendo 11,7% no ano.

Dados preliminares indicam que o segmento de produtos qumicos de

uso industrial dever apresentar faturamento de R$ 98 bilhes, aproximadamente

US$ 45 bilhes. Em relao a 2005, o faturamento dever crescer 2,9% em reais

e 15,1% em dlares. O faturamento dos segmentos de perfumaria e cosmticos,

produtos de limpeza, tintas esmaltes e vernizes, sabes e detergentes,

fertilizantes, produtos farmacuticos e defensivos agrcolas est estimado em

R$ 76 bilhes, cerca de US$ 35 bilhes, em 2006 (ABIQUIM, 2006).

Observando-se no Perfil Nacional da Gesto das Substncias Qumicas

aquelas substncias e produtos que se destacam no comrcio exterior, que tem

maiores volumes de importao, que tem maior valor de importao e exportao

Introduo 60

no ano de 2001, observa-se que ressalta a presena majoritria dos produtos

relacionados a fertilizantes, petroqumicos bsicos e agrotxicos (Brasil, 2003).

Finalizando essas observaes lembra-se que o Brasil um grande

produtor de lcool etlico utilizado em grande parte como combustvel. E que

atualmente se lana cada vez mais neste sentido com objetivo da energia

renovvel, menos poluente. Observe-se que a produo de lcool no

considerada no conjunto das indstrias qumicas porque produzido por processo

fermentativo e no atravs de uma reao qumica, no entanto so usadas

substncias qumicas em seu processamento nas usinas e os agrotxicos e afins

na lavoura da cana.

1.3- Os danos sade relacionados s substncias qumicas

Todas as substncias qumicas apresentam algum grau de toxicidade.

Quando se associam substncias txicas ou potencialmente txicas a

determinadas condies ou circunstncias tm-se danos sade e ao ambiente.

E somam-se ainda aquelas situaes em que h exploses e/ ou incndios. Estes

so os desafios que o setor sade devem enfrentar.

A OIT no Dia Mundial da Segurana e Sade no Trabalho de 2004

apresentou o tema - promoo da cultura da segurana no trabalho - e a

segurana qumica no local de trabalho estava entre os 3 temas priorizados,

justificada pela manipulao inadequada de substncias qumicas que afeta a

sade dos trabalhadores em grau alarmante. Estima que dos 2 milhes de

acidentes ocupacionais que se produzem cada ano, 439.000 se devem a produtos

qumicos, e que, dos 160 milhes de casos de enfermidades relacionadas com o

trabalho, 35 milhes esto originados por esses produtos (OIT, 2004).

Demonstrados atravs de dados referentes aos bitos mundiais relacionados aos

acidentes de trabalho em 2000 (Tabela 1) e de uma estimativa de escala mundial

Introduo 61

da ocorrncia anual de disfunes atribuveis ao contato com sustncias perigosas

no trabalho, por enfermidades (Tabela 2).

Segundo a Classificao Internacional de Doenas (CID 10/ Captulo

XIX -das leses, envenenamentos e algumas outras conseqncias de causas

externas) ocorreram 6,9% das internaes em 2001, e 7,8% em 2002, realizadas

pelo SUS /SP (IBGE, 2001, 2002).

Tabela 1- Estimativas mundiais de acidentes de trabalho fatais e bitos por enfermidades profissionais totais, por gnero. OIT, 2000.

Causas

Mortalidade relacionada c/ o

trabalho, homens

Mortalidade relacionada c/ o

trabalho, mulheres

Mortalidade relacionada c/ o

trabalho, estimativa total

Enfermidades transmissveis 108.256 517.404 625.660

Neoplasmas malignos 570.008 64.975 634.984

Enfermidades do sistema

respiratrio

127.226 17.562 635.984

Enfermidades do sistema

circulatrio

337.129 112.214 449.343

Afeces neuropsiquitricas 18.827 5.384 24.212

Enfermidades do sistema digestivo 16.307 4.959 21.266

Enfermidades do sistema

geniturinrio

9.163 1.200 10.362

Acidentes/ atos de violncia no

local de trabalho

311.493 34.226 345.719

Mortalidade total 1.498.410 757.925 2.256.335

Fonte: www.ilo.org./safework

Introduo 62

Aponta-se ainda que, enquanto o Sistema de Informaes de

Mortalidade (SIM) traz um nmero baixo de bitos explicitando a relao com

substncias qumicas para o Brasil, os casos humanos de intoxicao registrados

no Sistema Nacional de Informaes Txico-farmacolgicas (SINITOX) na dcada

de 90, somam 629.561 (Brasil, 1991 a 2004) (Tabela 3).

Tabela 2- Estimativa em escala mundial da mdia anual de disfunes atribuveis ao contato com substncias perigosas no trabalho, por enfermidades.

Causas N (SP)

homens mulheres

% est. atribuda SP

homens mulheres

N atribudas a

SP

Cncer (total) 314.939

Cncer de pulmo/ mesotelioma 996.000 333.000 15% 5% 166.050

Cncer de fgado 509.000 188.000 4% 1% 22.240

Cncer de bexiga 128.000 42.000 10% 5% 149.000

Leucemia 117.000 98.000 10% 5% 16.600

Cncer de prstata 253.000 1% 2.530

Cncer de boca 250.000 127.000 1% 0,50% 3.135

Cncer de esfago 336.000 157.000 1% 0,50% 3.517

Cncer de estomago 649.000 360.000 1% 0,50% 8.290

Cncer de clon/ reto 308.000 282.000 1% 0,50% 4.490

Cncer de pele 30.000 28.000 10% 2% 3.560

Cncer de pncreas 129.000 99.000 1% 0,50% 1.785

Outros Cnceres/ no especificados 819.000 1.350.000 6,80% 1,20% 71.892

Enf.cardiovasculares 15-60 anos 3.074.000 1% 1% 30.740

Transtornos do SN + de 15 anos 658.000 1% 1% 6.580

Transtornos reais + 15 anos 710.000 1% 1% 7.100

Enf. respirat. crnicas +de 15 anos 3.550.000 1% 1% 35.500

Pneumoconiose 36.000 100% 100% 36.000

Asma + de 15 anos 179.000 2% 2% 3.580

Total 438.489

Fonte: Programa SafeWork da OIT.

Introduo 63

Tabela 3- Distribuio de casos registrados de intoxicaes humanas no SINITOX, de 1990 a 2000. Brasil.

Ano Intoxicaes humanas

1990 31.462

1991 39.780

1992 41.857

1993 59.174

1994 44.859

1995 52.862

1996 63.968

1997 76.863

1998 79.366

1999 66.584

2000 72.786

TOTAL 629.561

Fonte: SINITOX /CICT /FIOCRUZ /MS

Diante da ausncia de informao adequada sobre intoxicaes ou

eventos toxicolgicos no Brasil tem sido utilizado o parmetro estimado pela OMS

de que, anualmente, em torno de 3% da populao urbana, nos pases em desenvolvimento, afetada por intoxicaes e envenenamentos (Bortoletto, 1990).

Os agentes qumicos, no interesse da sade, podem ser classificados a

partir de vrios critrios considerando-se seus efeitos. A classificao mais

utilizada para acidentes qumicos a de acordo com o conceito de substncias

perigosas da Classificao de Substncias Perigosas das Naes Unidas,

acompanhada pelo nmero de identificao de substncias da ONU para o agente

(PNUMA/ OIT/ OMS, 1998).

Para os objetivos desse estudo cita-se de forma resumida e didtica os

tipos de efeitos que se relacionam s substncias qumicas, que podem ser

genericamente: txicos sistmicos, causadores de danos pulmonares e

genotxicos.

Introduo 64

As txicas sistmicas so definidas quando a ao da substncia se desenvolve em rgo ou tecidos do organismo aps a sua absoro e podem ser:

a. hepatotxica - exerce ao sobre o fgado. Ex.: tetracloreto de

carbono que pode produzir necrose; tetracloroetano que pode

produzir atrofia aguda, etc.

b. nefrotxica - exerce ao sobre os rins. Ex.: cloreto de mercrio.

c. neurotxica - ao sobre alguma parte do sistema nervoso.

Ex.: n-hexano que provoca neuropatia perifrica.

d. hematotxica - exerce ao sobre o sangue e o sistema

hematopoitico. Ex.: arsina que produz hemlise ou destruio das clulas vermelhas do sangue com derramamento da hemoglobina

nela contida; benzeno que atua na medula ssea, afetando todo o

sistema formador de sangue podendo provocar vrios tipos de danos

tais como leucopenia, anemia, plaquetopenia, leucemia, etc.

e. ototxica exerce ao sobre a audio. Ex.: os solventes e alguns

metais como o mercrio e o chumbo, podem provocar perdas

auditivas. Vrios estudos mostram que a exposio ocupacional a

solventes e ao rudo, ao mesmo tempo, provoca perda auditiva muito

maior do que a exposio a qualquer um destes agentes

isoladamente, havendo nestes casos ao sinrgica.

As causadoras de danos pulmonares, segundo o efeito que podem provocar no pulmo classificam-se em: pneumoconiticas que produzem

enfermidades crnicas pulmonares caracterizadas por um endurecimento do

parnquima devido ao irritativa prolongada, causada por inalao crnica de

ps de ao danosa. A pneumoconiose provocada pode ser benigna ou nociva,

fibrtica ou no fibrtica. Ex.: slica, amianto, etc.; incmodas que no produzem

pneumoconiose.

Introduo 65

As genotxicas podem provocar danos ao material gentico e so:

a. mutagnicas - a substncia capaz de causar qualquer modificao

relativamente estvel no material gentico considerada

mutagnica. Muitas dessas podem ser tambm cancergenas.

b. cancergenas - so substncias capazes de produzir cncer, isto ,

resultam do desenvolvimento de um tumor maligno.

c. alergizantes - so capazes de produzir reao alrgica resultante de

uma sensibilizao do organismo produzida por contatos anteriores

com a substncia, o que gera uma resposta imunolgica,

manifestada atravs de erupes de pele, asma qumica, dermatites

diversas, etc. Aps a sensibilizao do organismo, uma quantidade

mnima do agente pode desencadear a reao alrgica.

Ex.:dermatites de contato produzidas pelo cromo, nquel, etc.

d. disruptores endcrinos - comportam-se no organismo como

hormnios sexuais, principalmente o estrgeno, hormnio feminino.

Podem provocar caractersticas femininas em organismos de sexo

masculino, inclusive no homem, e nas mulheres aumentam a

probabilidade de cncer de mama, por exemplo.

1.4- A busca do desenvolvimento sustentvel

A questo referente segurana qumica se insere numa discusso

mais ampla relacionada problemtica ambiental, tanto em relao aos riscos

globais quanto a uma nova conscincia global no planeta.

Algumas constataes devem ser consideradas: a) escala temporal

inusitada, em que os riscos podem gerar efeitos a curto, mdio ou longo prazo,

afetando geraes atuais e futuras; b) escala espacial inusitada, e

interdependncia entre os fenmenos locais e globais, exigindo polticas globais

Introduo 66

Introduo 67

de carter internacional; c) a complexidade compreendida pela interdependncia

entre as diferentes variveis dinmicas que compem os sistemas

scio-ambientais, e a percepo de que as anlises produzidas pela cincia

normal2 so incapazes de isoladamente compreender os aspectos essenciais do

problema.

Em decorrncia do item (c) acima citado, tem-se que estudos

multidisciplinares concebidos como soma de anlises fragmentadas compem

uma anlise fragmentada e sem relao entre seus componentes, levando a

compreenso de que problemas complexos necessitam de investigaes de

carter interdisciplinar ou transdisciplinar. Apesar dos avanos tecnolgicos,

muitos dos problemas graves possuem elevados nveis de incerteza - cientficas e

epistemolgicas -, fazendo com que, mesmo com abordagens inter e

transdisciplinares, a cincia no tenha respostas precisas para eles.

Desde a dcada de 70, como no relatrio do Clube de Roma, cientistas

e ambientalistas tem alertado para a crescente poluio qumica e seus impactos

sobre a qualidade da gua, solo, ar, alimentos, em vrias regies do planeta, para

os riscos ecolgicos globais associados, como o aquecimento global, a reduo

da camada de oznio, as contaminaes e os riscos para a humanidade. E ainda,

que se sobrepem a aqueles, os problemas da excluso social, da falta de

infra-estrutura bsica nos pases de industrializao recente poca e de

economia perifrica, do aumento da urbanizao, ampliando a vulnerabilidade

social dessas populaes. E, mais, a previso de escassez de recursos naturais

bsicos para a produo e consumo das sociedades industriais, paralelamente

extino de espcies, destruio de florestas e da biodiversidade (Brasil, 2001).

Essas abordagens difundem-se lentamente enfrentando diversos tipos

de resistncia, e vo fazendo-se presentes novos desafios para a civilizao

moderna, o que de qualquer modo contribui para a reestruturao do pensamento

2 Cincia normal um conceito utilizado pela epistemologia e se refere s disciplinas cientficas cujos objetos, metodologias e vises de mundo so demarcados por paradigmas que definem que parcela da realidade a nica de interesse, desenvolvendo-se assim isoladamente uma cincia da outra, divididas em exatas, biomdicas e humanas (Khun, 1987).

Introduo 68

liberal quanto abundncia e a finitude dos recursos, abrindo espao para, enfim,

a busca de novos modelos para o desenvolvimento e a economia.

As tenses entre necessidades sociais, ambientais e de sade em

diferentes fruns vem gerando diversidade de enfoques e conceitos distintos, no

excludentes necessariamente. Os nveis, global e local, as dimenses, micro e

macro, e os efeitos da globalizao se aprofundando, vem promovendo um

movimento de busca unificadora internacional para o tratamento das questes.

Estes enfoques se articulam com o conceito de desenvolvimento sustentvel,

apresentado em 1987, no relatrio Nosso Futuro Comum, desenvolvido pela

Comisso Bruntland da ONU, buscando uma forma de desenvolvimento

econmico que integre a questo ambiental ao desenvolvimento.

A segurana qumica como tema de preocupao internacional emergiu

na Conferncia Mundial das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano

realizada em Estocolmo (Sucia) em 1972. As recomendaes desta se

implementam no Programa Internacional de Segurana das Substncias Qumicas

(PISSQ) que em 1980 reuniu a OMS, a OIT e o Programa das Naes Unidas

para o Meio Ambiente (PNUMA) com o propsito de proporcionar embasamento

cientfico internacional para que os pases desenvolvessem suas medidas de

preveno e tratamento dos efeitos nocivos dos produtos txicos, e de manejo

frente s emergncias qumicas (Arcuri, 2001; PNUMA/ OMS/ OIT, 1998).

Aprofundadas posteriormente numa srie de iniciativas3 com a finalidade de

fortalecer a cooperao, aumentar a coordenao no campo da segurana das

substncias qumicas.

Em 1992, 20 anos depois, a Conferncia das Naes Unidas para o

Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro (Brasil)

teve como um de seus objetivos o estabelecimento de princpios e compromissos

comuns entre as diferentes naes que guiassem um desenvolvimento

3 Cria-se a IOMC, em 1995, reunindo a PNUMA, a OIT, a FAO, a OMS, a Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e a Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmicos (OCODE).

sustentvel da comunidade global. Suas recomendaes resultaram na Agenda

21, na qual a segurana qumica insere-se, sendo reconhecida como um dos

muitos e srios problemas essenciais a serem enfrentados globalmente,

necessitando-se para tanto ampliar no s a colaborao com os governos, mas

tambm com inmeros outros atores no governamentais tais como, por exemplo,

indstrias, sindicatos, consumidores, organizaes no governamentais, grupos

de cidados, corporaes profissionais e instituies cientficas.

O Captulo 19 da Agenda 21 se dedicou exclusivamente ao tema

abordado pela CNUMAH (IPCS, 1998; CNUMAD, 1992), e os problemas de

poluio qumica em grande escala presentes e futuros so reconhecidos como a

situao mais grave nos pases em industrializao. Suas estratgias

internacionais constituram as seguintes reas programticas:

a. expanso e acelerao da avaliao internacional dos riscos

qumicos;

b. harmonizao da classificao e da rotulagem dos produtos

qumicos;

c. intercmbio de informaes sobre os produtos qumicos txicos e os

riscos qumicos;

d. implantao de programas de reduo dos riscos;

e. fortalecimento das capacidades e potenciais nacionais para o manejo

dos produtos qumicos;

f. preveno do trfico internacional ilegal dos produtos txicos e

Criou-se em 1994, o Foro Intergovernamental de Segurana Qumica

(FISQ) com a finalidade de complementao s estratgias internacionais para a

constituio de novo mecanismo de cooperao entre governos para promover a

avaliao dos riscos das substncias qumicas, sua gesto ecologicamente

racional, a integrao e unificao dos esforos nacionais e internacionais,

Introduo 69

Introduo 70

evitando duplicao de atividades e gastos (IFCS, 1997). De l para c foram

realizados alguns Foros internacionais ratificando os desafios assumidos,

definindo metas, prioridades, estratgias, acompanhando e apoiando a

implementao e o seu cumprimento, a serem permanentemente reavaliadas, em

novos encontros que buscam os consensos e formulam apelos aos governos, s

empresas, s organizaes no governamentais de interesse pblico, aos

sindicatos e ao pblico em geral para que se unam aos esforos solidrios.

Frutos destas recomendaes tm sido observadas a assinatura da

Conveno sobre POPs; a entrada em vigor da Conveno de Roterd; a

construo do Sistema Global Harmonizado para a Classificao e Rotulagem de

Substncias Qumicas (GHS); a elaborao de um Perfil Nacional para a Gesto

da Segurana Qumica pela maioria dos pases mediante um processo que reune

todos os interessados; o estabelecimento de mecanismo de coordenao, em

nvel nacional, para a gesto segura e saudvel das substncias qumicas, e a

nomeao de um ponto focal nacional para o Foro; a construo de uma rede de

intercmbio de informaes para a capacitao na gesto segura e saudvel de

substncias qumicas; e outras iniciativas (IFCS I, 1994; IFCS II, 1997; IFCS III, 2000).

O Brasil participou nos atos para estabelecimento de acordos e

convenes internacionais e signatrio de vrias convenes - da Basilia, de

Roterd, de Estocolmo, da OIT 170, da OIT 174, do Protocolo de Kioto, de

Montreal e outros (Anexo 2) (Fat, 2006). No nvel federal do setor sade, na Secretaria Nacional de Vigilncia Sade criou-se a Coordenao Geral de

Vigilncia Ambiental em Sade - CGVAM que recebeu atribuies4 relacionadas

s substncias qumicas e seus riscos, entre outras, e prioriza aqueles

relacionados com a exposio a agrotxicos, amianto, mercrio, benzeno e

4 Instruo Normativa N 1, de 7/3/2005, que regulamenta a Portaria n 1.172/2004/GM, no que se refere s competncias da Unio, estados, municpios e Distrito Federal na rea de vigilncia em sade ambiental, com a finalidade de recomendar e adotar medidas de promoo da sade ambiental, preveno e controle dos fatores de riscos relacionados s doenas e outros agravos sade, em especial: gua para consumo humano; ar; solo; contaminantes ambientais e substncias qumicas; desastres naturais; acidentes com produtos perigosos; fatores fsicos; e ambiente de trabalho.

chumbo. Vm se desenvolvendo atividades para a construo de uma Poltica

Nacional de Segurana Qumica, sendo que na Oficina Segurana qumica,

sade e ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 2002, props-se que

as prioridades levem em conta os interesses do pas e a incorporao, como

marcos referenciais, os conceitos e propostas da sustentabilidade e da Agenda 21

como governana, justia ambiental, promoo da sade e da gesto integrada de

riscos devido aos agentes qumicos, e ainda alguns princpios, como o direito

pblico de acesso informao, o princpio da precauo, a responsabilidade

objetiva, a de poluidor-pagador, e outros apontando para a necessidade de

construo de redes flexveis entre os setores sade, trabalho e ambiente para

promover a governabilidade (Pivetta et al, 2002).

Alguns atores chamam ateno para o fato de que experincias

ocorridas na dcada de 90 demonstraram a possibilidade de se produzirem

processos decisrios mais democrticos e na perspectiva da governana, como

nos casos do benzeno e da construo da legislao nacional sobre os acidentes

industriais ampliados, que envolveram e vm envolvendo, de maneira conjunta

representantes das indstrias, do governo e dos trabalhadores (Freitas et al,

1997). No entanto, fruto da combinao da longa estagnao econmica, do

desemprego estrutural, da excluso social num modelo concentrador de renda, da

poltica neoliberal, tem-se observado a reduo do poder de presso da

sociedade, dos trabalhadores industriais, mesmo daqueles que possuem alto nvel

de qualificao tcnica, educao formal e maior capacidade de organizao local,

sindical, e nacional. Sob outro aspecto - o do aumento do risco cresce o nmero

de pequenas empresas que utilizam substncias qumicas txicas, com

profissionais desconhecedores dos riscos das substncias que manipulam, em

instalaes, em geral, inadequadas, que raramente so alvos de fiscalizao pelos

rgos pblicos, sendo muitas de fundo de quintal (Freitas et al, 2001).

H dilemas a serem solucionados, como apontam alguns autores, e se

configuram na questo do desenvolvimento sustentvel, controvrsias que se

resumem em duas grandes correntes de pensamento: a que defende o processo

Introduo 71

Introduo 72

de globalizao e a que busca resistir a ele, e que vm se articulando, se

expressando em movimentos como o Frum Econmico Mundial e o Frum Social

Mundial (Augusto et al, 2003; Barbosa, 1992).

1.5- Poltica de sade para substncias qumicas no Brasil

O Centro de Assistncia Toxicolgica cuja misso prestar informao

toxicolgica para a comunidade, foi introduzido5 no Brasil luz das experincias

internacionais, sendo que em 19716 criou-se o primeiro centro paulista, no

municpio de So Paulo, com atendimento presencial e telefnico por 24 horas e

registro das intoxicaes. Na dcada de 70 outros poucos centros surgiram pelo

pas (RS, BA e MG). Ampliou-se, com apoio da OPAS, o nmero de centros no pas, em particular no estado de So Paulo, na dcada de 80 e criou-se o Sistema

Nacional de Informaes Txico-Farmacolgicas (SINITOX)7 sob a coordenao

da FIOCRUZ /MS. Aps a promulgao da Constituio de 1988, a coordenao

passou Secretaria Nacional de Vigilncia Sanitria (SVNS/ MS), e em 2000 a ANVISA /MS, permanecendo sob responsabilidade da FIOCRUZ a divulgao de

estatstica anual de casos de intoxicao e envenenamento. Em maro de 2005, a

ANVISA, publicou a primeira regulamentao deste servio no Brasil,

estabelecendo critrios para a qualificao de um centro, e criando a rede

RENACIAT. Todavia no se resolveram os problemas estruturais envolvidos em

sua existncia, dentre eles sua insero no SUS, seu mecanismo de

financiamento e sua institucionalizao (ANVISA, 2005), sendo que existem,

atualmente, 35 centros cujas atividades so diversificadas, sendo heterogneos

em recursos, problemas, e na insero no sistema de sade do pas (Brasil, 1991

a 2004).

5 Em 1963 introduzido no Brasil, por Schvartsman e Marcondes, em 1963, num modelo em que o servio centralizava as informaes referentes a intoxicaes exgenas e orientava o atendimento s crianas intoxicadas, em anexo ao PS de Pediatria do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. 6 Atravs do Decreto n 9652, de 27/09/71, no Hospital Municipal Menino Jesus da PMSP-SP e, posteriormente, no Hospital Municipal Arthur Ribeiro de Sabia da PMSP-SP. 7 PM n 389/GM, de 03/05/91. Sistema Nacional de Informaes Txico-Farmacolgicas/ MS est interado ao IPCS/ INTOX desde 1995.

Introduo 73

No Estado de So Paulo, em 1982, foi firmado um convnio entre a

Secretaria de Estado da Sade e a FIOCRUZ atravs do qual foram criados

alguns Centros de Assistncia Toxicolgica. A coordenao estadual dos Centros

transferida do Instituto de Sade para o Centro de Vigilncia Sanitria, criado em

1986, com a reforma da SES-SP e o incio do processo de descentralizao da

sade. Em 1990, j com 9 centros localizados em hospitais de referncia

distribudos em diferentes regies do estado, a coordenao estadual,

desencadeia um processo de integrao, em que so propostas as seguintes

aes prioritrias: informao e notificao toxicolgica, atendimento ao paciente,

realizao de anlises toxicolgicas, ensino de toxicologia, campanhas educativas

e divulgao de relatrio dos registros recebidos dos CEATOX8 aos servios

regionais de sade, para planejamento das aes epidemiolgicas e sanitrias.

Muitas destas proposies no se efetivaram, no houve destinao de recursos

aos Centros, nem na dcada de 80, nem posteriormente, embora o modelo

vigente fosse coerente com as proposies do IPCS (IPCS, 1998;

Marrero et al, 2003).

No mbito do SUS-SP, o Sistema Estadual de Toxicovigilncia 9

(SETOX-SP), foi proposto em 1997 e institudo apenas em 2002 com os

pressupostos bsicos seguintes: abrangncia estadual; consonncia com os

princpios estabelecidos pela Lei n 8080/90; integrao s reas de sade

coletiva; notificao dos eventos toxicolgicos, de forma integrada ao SVE;

prioridade investigao e controle dos eventos toxicolgicos criando-se a

toxicovigilncia; com sistema de informatizao de dados acessvel a todos os

nveis do SUS-SP. O SETOX est em implantao.

8 A Resoluo SS-97, de 14.03.91 (DOE 16.03.91) cria o Centro Regional de Assistncia Toxicolgica, definindo competncias e atribuies de realizar: informao e notificao toxicolgica, atendimento ao paciente, realizao de anlises clnicas toxicolgicas, ensino de toxicologia, campanhas educativas e divulgao de relatrios das notificaes aos servios regionais de sade para planejamento das aes epidemiolgicas e sanitrias, sendo, porm ausente a definio de recursos humanos e financeiros para sua realizao. 9 Resoluo SS-78, de 11-6-2002, que Institui o Sistema Estadual de Toxicovigilncia SETOX /SP na Secretaria de Estado da Sade do Estado de So Paulo.

Introduo 74

A Toxicovigilncia no tem uma poltica pblica especfica definida no

mbito federal do setor sade, no entanto h iniciativas que envolvem atividades

dos rgos do Ministrio da Sade relacionadas a produtos de interesse da sade

na Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - ANVISA, produtos e substncias

qumicas relacionadas ao ambiente e ambiente de trabalho na Coordenao de

Vigilncia Ambiental da Secretaria de Vigilncia Sade CVGAM /SVS /MS,

registro de intoxicaes no SINITOX /FIOCRUZ /MS, outras Coordenao de

Sade do Trabalhador COSAT /SAS /MS. Essas iniciativas muitas vezes no

so convergentes ou articuladas, e noutras se sobrepem, outras ainda no so

realizadas fazendo com que no se avance no sentido da promoo das aes

necessrias, suficientes, adequadas e integradas que contemplem a assistncia

sade e a vigilncia no mbito do Sistema nico de Sade, cujas bases legais

gerais so citadas no Anexo 4.

2- A Toxicologia e seus desafios

Paracelsus10, com suas observaes e proposies, tem sido

considerado por muitos autores o fundador de um campo especfico de

conhecimento. O que Paracelsus estabeleceu foram algumas referncias tericas

da Toxicologia como disciplina cientfica, havendo posteriormente convergncia

universal..Tratava-se de uma ruptura dentro do conhecimento emprico... Khun

introduziu o conceito de paradigma associando-o ao surgimento de uma disciplina

cientfica... Desenvolveu estudos revolucionrios para a poca e tinha contra si

grande parte da comunidade cientfico... Apesar de haver um objeto e uma lei

geral que regia seu comportamento, faltavam teorias de domnios conexos, por

exemplo, a qumica, que pudesse estabelecer uma relao com este paradigma.

(Paoliello et al, 2000).

10 Paracelsus - Mdico suo (1493 1541) estabeleceu princpios bsicos da Toxicologia (Todas as substncias so venenosas; a dose correta diferencia o veneno do remdio.), de experimentao, definiu a necessidade de isolar o princpio ativo em todo caso de intoxicao, distinguiu os efeitos agudos dos crnicos na exposio a metais.

Introduo 75

S a partir do final do sculo XIX que se inicia a fase paradigmtica

propriamente dita da Toxicologia, quando atravs dos princpios de Orfila11

constituiu-se um paradigma, como citam Paoliello et al (2000): um objeto definido,

princpios tericos para especificar as leis gerais que regem o comportamento do

objeto, relao com as teorias de campos conexos (especialmente com a qumica

analtica, bioqumica e a fisiologia) e exemplos concretos da aplicao da teoria,

mas s no sculo XX que a Toxicologia se revestiu do aspecto social que hoje a

caracteriza (Oga et al, 2003).

A Toxicologia enquanto cincia engloba uma multiplicidade de enfoques

e integra conhecimentos de fsica, qumica, bioqumica, biologia, patologia,

farmacologia, imunologia, fisiologia, estatstica, matemtica, sade pblica, enfim,

tem carter multidisciplinar e necessita de capacitaes e tecnologias que

integrem a construo de seu conhecimento.

Em muitas situaes e circunstncias h risco relacionado exposio

a substncias qumicas e vrias reas do conhecimento tm interface com a

produo do conhecimento toxicolgico. Definem-se como reas fundamentais de

atuao a da toxicologia geral, analtica ou bioqumica toxicolgica, a forense, a

experimental, a clnica, a ocupacional, a alimentar, a social, a ambiental, a

ecotoxicologia, e uma srie de matizes e especificidades que vem se

desenvolvendo, nas quais os estudos se voltam a aplicaes prticas.

At pouco tempo faltava toxicologia uma identidade como disciplina

acadmica especfica e s algumas poucas instituies educacionais tinham

unidades ou departamentos destinados exclusivamente s cincias toxicolgicas.

Atualmente, h vrias universidades que preferem manter o ensino da toxicologia

dentro das estruturas tradicionais existentes. Esta situao, embora contribua para

enfatizar a natureza interdisciplinar da toxicologia, tambm corta seu crescimento

eficiente e gera confuso. Por exemplo, toxiclogos clnicos que cuidam de casos

11 Orfila Mdico espanhol, docente na Universidade de Paris, estabeleceu princpios que sistematizavam a identificao de agentes qumicos em materiais de autpsia, por meio de identificao como prova legal de envenenamento, assimilando conhecimentos e tcnicas dos campos da qumica e biologia.

Introduo 76

de intoxicao nas urgncias hospitalares, pessoal forense e investigadores em

laboratrios de anlises toxicolgicas so amide considerados como

pertencentes classe dos toxiclogos, ainda que suas reas de atividade e

habilitao dentro da mesma toxicologia sejam consideravelmente diferentes.

Repetto (1995) nos chama ateno de que no parece conveniente que um

toxiclogo preparado para atender casos de sade ocupacional ou de patologia

forense, ou vice versa, seja chamado a interpretar dados experimentais obtidos,

por exemplo, em estudos toxicolgicos de reproduo ou teratognese, a no ser

que tenha demonstrado capacidade e experincia tambm em toxicologia

experimental, concluindo que, na definio do profissional, para ser suficiente, no

basta citar toxiclogo, h que se especificar as esferas relativas de suas

competncias individuais.

Kuhn12, citado por Repetto (1995), diz que freqentemente tem-se uma

falsa impresso de que matrias cientficas seguem um curso progressivo

constante e retilneo, porm a Histria da Cincia demonstra que o avano

cientfico um processo sumamente complexo, com fluxos, refluxos, erros e

retificaes. No entanto, com o propsito de conhecer o futuro que j comeou,

como diz Hernando (1995) buscando estabelecer cenrios ou alternativas

razoveis, que situarmos o contexto atual e tendncias do conhecimento

especfico da toxicologia que nos dedicamos adiante, uma vez que deste

ncleo13 que partimos para as demais inter-relaes.

Segundo Repetto (1995) a Toxicologia j superou a etapa de cincia

descritiva, de acumulao de dados, de listagem de substncias e de suas doses

txicas agudas e letais. O seu desenvolvimento no sentido da compreenso dos

fenmenos em termos de Toxicologia bioqumica ou molecular uma perspectiva

para o terceiro milnio: o conhecimento das interaes entre os xenobiticos e as

biomolculas e, ainda mais entre as molculas exgenas e os mediadores

12 Khun,T.S. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo, Ed. Perspectiva, 1987. 13 Ncleo entendido como o conjunto de saberes e de responsabilidades especficos de cada profisso ou especialidade, marcando os elementos de singularidade que definem a identidade de cada profisso ou especialidade, conforme aplicao de conceito sugerido por Campos (1997).

intracelulares, tudo interpretado luz dos progressos em gentica, polimorfismos

enzimticos (por sua variabilidade bioqumica) e dos estudos populacionais.

A toxicidade de uma substncia determinada atravs de pesquisas

utilizando-se animais de laboratrio, nas quais procura-se estabelecer parmetros,

dentre eles algum para determinar o limite de exposio s substncias qumicas

no qual a sade no seria atingida, parmetro terico - o limite de tolerncia (LT).

H LT estabelecido para algumas substncias, porm em vrias ocasies j se

mostraram incapazes de proteger a sade dos trabalhadores, e como h

diferentes LT para uma mesma substncia, em diferentes pases, observa-se que

esta no uma questo meramente tcnico-cientfica.

Como dizem Ribeiro e colaboradores (1984) No se tem dados sobre o

nmero de agentes em uso no Brasil, mas existem normas que regulamentam o

uso de 200 deles (NR 15 Portaria MT n 3214), no entanto o Ministrio do

Trabalho e Emprego (MTE) tenha fixado norma regulamentadora que estabelece

limites de tolerncia (LT) observam os autores em vrias ocasies eles tm se

mostrado incapazes de proteger a sade do trabalhador. Esta dvida, quanto ao

LT seguro, comprovada pela existncia de LT diferentes para uma mesma

substncia nos diversos pases. No Brasil no existe nenhuma instituio cientfica

estudando e estabelecendo critrios para evitar a exposio dos trabalhadores a

substncias txicas. O MTE, contudo, fixou normas regulamentadoras para o uso

de uma srie de substncias, de efeitos conhecidos, baseando-se nas de outros

pases em particular dos EUA. Os limites de tolerncia adotados no Brasil para

substncias txicas so quase sempre maiores que a dos pases europeus,

principalmente dos pases socialistas, e prximos daqueles dos EUA

(Ribeiro et al, 1984).

necessrio avano na rea a fim de se estabelecer mais

adequadamente parmetros de permisso da contaminao ambiental urbana, no

meio laboral, nos alimentos, assim como para se encontrar causas para

enfermidades, como por exemplo, para certos transtornos mentais e neurolgicos

cuja incidncia est crescendo sem que conheamos sua etiologia, e com a

Introduo 77

finalidade de ajustar os grupos de risco mais adequadamente. A guisa de

exemplo: verifica-se aumento de bitos por malformaes congnitas quando se

observa o dado publicado para mortalidade infantil no estado de So Paulo, sendo

relacionada a 4 causa de bito, fato que precisa ser explicado (FSEADE, 2005).

A toxicidade espcie-especfica deve ser mais investigada, pois tem

proporcionado explicaes de carter bioqumico e gentico aos distintos efeitos

de um mesmo txico em diferentes espcies animais e o homem, assim como

para os processos fisiolgicos de biotransformao, de ativao e inativao dos

xenobiticos, como para os processos de excreo, que apresentam uma grande

variabilidade interespcies e interindivduos, devido aos polimorfismos

enzimticos.

Como diz Repetto (1995) necessrio investigar a susceptibilidade

gentica aos txicos, que pode explicar muitas carcinogneses, transtornos da

reproduo e desenvolvimento. Na avaliao de risco do cncer se consideram

cada vez mais as substncias ativadoras de oncogenes ou as inativadoras de

genes supressores de tumores; enfim o campo das linhas de investigao

toxicogentica ou da toxicologia gentica devem render importantes informaes

sobre mecanismos de ao, seqncia de reconhecimento de enzimas, etc.

Tambm um melhor conhecimento dos processos fisiopatolgicos de etiologia

txica dever incidir na compreenso de uma srie de fenmenos hoje no bem

compreendidos, que requerem desenvolvimento da Patologia Toxicolgica.