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EVOLUÇÃO CULTURAL AO LONGO DO SÉCULO XX
AS MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS E NO PENSAMENTO CIENTÍFICO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
As transformações da vida urbana
O século XX foi o século das grandes cidades. Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, contavam-
se, na Europa, 180 aglomerados urbanos com mais de 100.000 habitantes, e alguns, como Londres,
Paris, Moscovo ou Berlim, atingiam já uma escala gigantesca, congregando vários milhões de almas.
Pela primeira vez na História, no mundo industrializado, a população urbana superou a das zonas
rurais.
Esta urbanização maciça, que não parou de se acentuar, operou transformações profundas na vida e
nos valores da civilização ocidental.
Desenvolve-se uma nova sociabilidade. Na grande cidade, o indivíduo perde-se no meio da multidão.
A vida despersonaliza-se e, tal como os produtos da indústria, segue um modelo estandardizado: os
citadinos dirigem-se para o trabalho à mesma hora, partilham os mesmos transportes, consomem os
mesmos produtos, habitam casas semelhantes e mesmo os lazeres tendem para a massificação. Nos
tempos livres, são muitos os que convergem para os lugares públicos, invadindo os cafés, as esplanadas,
os cinemas, os salões de baile, os recintos de
espetáculos desportivos.
O crescimento da classe média e, sobretudo, a
melhoria do nível de vida proporcionam uma nova
cultura do ócio, que a cidade fomenta, oferecendo
inúmeras distrações. A anterior ênfase no trabalho vê-
se, pouco a pouco, substituída pelo prazer do consumo e
pela ânsia de divertimento.
A convivência entre os sexos, outrora contida por
rígidas convenções sociais, torna-se mais livre e ousada.
Sobretudo após o primeiro conflito mundial, a mulher
adquire visibilidade: sai para ir às compras nos grandes armazéns, para tomar chá e refrescos, para ir à
praia, para dançar num clube noturno.
O advento do automóvel alarga estes espaços de lazer e incute o gosto pela velocidade. Quem pode
desloca-se com frequência, de carro ou de comboio,
quer para um dia passado nos arredores, quer para
uma viagem entre as grandes cidades da Europa ou
da América.
Este gosto pelo movimento, pela “ação”; fomenta
a prática desportiva que, pela primeira vez, entra nos
hábitos quotidianos. O ritmo de vida, outrora lento e
pacato, acelera-se e, nos anos 20, torna-se quase
frenético.
Embora esta nova sociabilidade se confine, em
Mulheres na esplanada de um café de Paris, em 1920
Carros vencedores de um rali em França, em 1913
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muitos aspetos, às classes médias e abastadas, é ela que imprime uma marca de modernidade às
primeiras décadas do século, evidenciando a rutura com os valores e as convenções da rígida moral
oitocentista.
À entrada do século XX, os valores da sociedade burguesa sofriam as primeiras investidas. Os valores
tradicionais vão entrar em crise. Os sinais de que se avizinhava uma alteração profunda eram já
claramente visíveis mas a maioria desprezava-os, considerando-os extravagâncias sem futuro. A confiança
na superioridade da civilização ocidental dava aos Europeus e
Americanos uma sensação de otimismo, de viverem numa época
extraordinária que, apoiada em valores sólidos e grandes
realizações tecnológicas, caminhava firmemente na senda do
progresso.
Subitamente, entre 1914 e 1918, as certezas e esperanças
desmoronaram-se. A brutalidade da Primeira Guerra Mundial
pôs em causa as instituições, os valores espirituais e morais, todo
o edifício social que tinha sustentado a ordem burguesa do
século XIX.
Quando o conflito terminou, tinham morrido nove milhões de
homens e um exército de estropiados lembrava, a cada instante, a
carnificina e a barbárie. A miséria tomara conta das ruas das
grandes cidades europeias, outrora prósperas e ativas.
O impacto da destruição gerou um sentimento de descrença e
pessimismo, que afetou tanto os intelectuais como a gente comum. É então que o filósofo alemão Oswald
Spengler (1880-1936) publica A Decadência do Ocidente, obra de grande impacto em que vaticinava o fim
próximo e inexorável da civilização europeia.
Do choque da guerra e da deceção por ela provocada nasceu, pois, a convicção de que o mundo não
mais voltaria a ser o que era. Uma vaga de
contestação a todos os níveis abalou a sociedade
que, mergulhada numa profunda "crise de
consciência”; se viu sem referentes sólidos. A
família, a indissolubilidade do casamento, a moral
sexual, o papel da mulher, os preceitos religiosos,
as regras de conduta social deixaram de ter um
padrão rígido e foram aberta e sistematicamente
subvertidas. Instalou-se, pois, um clima de
anomia, isto é, de ausência de normas morais e
sociais que, com clareza, distinguissem o certo e o
errado.
Este relativismo de valores, que tudo punha em questão, acelerou as mudanças já em curso que,
num turbilhão, invadiram o dia a dia das grandes cidades. De todas elas, a emancipação feminina foi,
certamente, a que mais perturbou os contemporâneos.
A imagem da rapariga estouvada que, de saia curta e cabelo arrapazado, desafia todas as convenções
marcou, sem dúvida, a década de 20, durante a qual a mulher deu grandes passos no caminho da sua
Soldados nas trincheira, 1.ª Guerra Mundial
Passagem de modelos em 1920
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emancipação. No entanto, ela é apenas o lado mais escandaloso e fútil do longo e difícil percurso que
conduziu à emancipação feminina.
O movimento feminista organizado remonta
ao século XIX. Por volta de 1850, as
reivindicações centravam-se no direito das
mulheres casadas à propriedade dos seus bens
(nem mesmo lhes era reconhecida a liberdade
de dispor do seu salário), à tutela dos filhos (em
caso de viuvez, o poder paternal era exercido
por um parente masculino), ao acesso à
educação e a um trabalho socialmente
valorizado. Em suma, as primeiras feministas
lutaram por alterações jurídicas que
terminassem com o estatuto de eterna menori-
dade que a sociedade burguesa oitocentista
reservava à mulher.
Cerca de 1900, o direito de participação na vida política (direito ao voto) passou a assumir um papel
preponderante nas reivindicações femininas. Organizaram-se então numerosas associações de
sufragistas que, com um enorme espírito de militância, desencadearam uma luta tenaz pelo voto
feminino.
Na Europa, destacaram-se as sufragistas britânicas lideradas pela célebre Emmeline Pankhurst (1858-
1928) que, pela sua combatividade, viria a marcar o feminismo do princípio do século. Indignadas com a
oposição que se lhes deparava, as sufragistas inglesas procuraram atrair a atenção pública recorrendo a
meios extremos que incluíam longas e ruidosas marchas públicas, piquetes, apedrejamentos de polícias e
montras, irrupções intempestivas no Parlamento, greves de fome.
Em Portugal fundou-se, em 1909, a Liga
Republicana das Mulheres Portuguesas e,
mais tarde, a Associação de Propaganda
Feminista (1911), que perseguiram objetivos
idênticos aos das suas congéneres europeias
e contaram com a dedicação e o esforço de
mulheres prestigiadas como Ana de Castro
Osório (1872-1935), Carolina Beatriz Ângelo
(1878-1911), Adelaide Cabete (1867-1935),
Maria Veleda (1871-1955), entre outras.
Com exceção de um pequeno punhado de
países como a Austrália ou a Finlândia, as
pretensões políticas femininas chocaram, até
à Primeira Guerra Mundial, com uma forte
oposição, sendo alvo da censura e do escárnio dos poderes políticos e da própria sociedade,
maioritariamente conservadora.
As convulsões da guerra vieram alterar este estado de espírito. Com os homens nas trincheiras, as
mulheres viram-se libertas das suas tradicionais limitações como donas de casa, assumindo a
autoridade do lar e o sustento da família. Podiam ser vistas a trabalhar nas fábricas de armamento, a
Sufragistas inglesas manifestam-se pelo direito ao voto em 1913
Mulheres trabalhadoras numa fábrica de munições de Londres, 1917
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conduzirem carrinhas e autocarros, a fazerem reparações elétricas, a carregarem materiais pesados. No
campo, realizavam também o trabalho masculino e mesmo na frente de batalha se tornaram
imprescindíveis, assegurando os cuidados de enfermagem, com risco da própria vida. Como reconheceu
um comunicado do Ministério da Guerra britânico, "as mulheres tinham-se revelado capazes de
substituir o sexo forte em praticamente todas as tarefas”:
Este esforço reforçou a autoconfiança feminina e granjeou-lhe a valorização social que até aí lhe
faltava. Nas décadas subsequentes ao final do conflito, em grande parte dos países ocidentais as
mulheres adquiriram o direito de intervenção política, consolidaram a sua posição jurídica na família e
viram aberto o acesso a carreiras profissionais prestigiadas.
Embora a efetiva igualdade entre os dois sexos tenha demorado a concretizar-se e se depare, ainda
hoje, com algumas resistências, o movimento feminista do início do século derrubou as principais
barreiras e abriu à mulher uma nova etapa da sua história.
A descrença no pensamento positivista e as novas conceções científicas
Por meados do século XIX, o positivismo estabelecera uma confiança absoluta no poder do
raciocínio e da ciência, que considerava capazes de desvendar todos os mistérios do Universo.
Acreditava-se então num mundo perfeitamente ordenado, regido por leis claras e objetivas.
No início do século XX, o pensamento ocidental rebela-se contra este quadro de estreita
racionalidade, valorizando outras dimensões do conhecimento.
Na Filosofia, Henri Bergson (1859-1941) defende haver realidades (como a atividade psíquica, por
exemplo) que escapam às leis da Física e da Matemática e só podem ser compreendidas através de uma
outra via, a que chama intuição.
A intuição é, para Henri Bergson, de natureza muito diferente da inteligência, algo comparável ao
instinto e ao sentimento artístico que nos permite compreender a essência das coisas. Deste modo, o
pensamento filosófico revaloriza o transcendente e, com ele, a imagem de Deus.
O intuicionismo de Henri Bergson teve grande impacto na comunidade intelectual, que viu nele uma
libertação das normas rígidas do racionalismo. Mas, paradoxalmente, foi a própria ciência, com as suas
desconcertantes descobertas, que mais contribuiu para a ruína do pensamento positivista.
O conhecimento de que o átomo não era a unidade mais pequena da Natureza abriu à Física um
campo de estudos até então desconhecido, o da microfísica, área em que o alemão Max Planck (1848-
1957) desempenhou um papel pioneiro. Max Planck demonstrou
que, ao contrário do que era tido como certo, as trocas de energia
não se fazem num fluxo suave e uniforme mas em pequeníssimas
unidades separadas (a que chamou quantum - porção) que se
movimentam a velocidades inimagináveis, em saltos bruscos e
descontínuos.
A teoria quântica veio a ter profundas repercussões no avanço
da microfísica pois permitiu explicar o comportamento dos
átomos e das suas partes constituintes. Revelou-se assim um
mundo onde, como mais tarde ficou demonstrado por cientistas
como Niels Bohr (1885-1962) e Werner Heisemberg, (1901-1972) não existem regras fixas, sendo
impossível determinar, com rigor, o que está a acontecer e prever o que acontecerá.
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Foi, no entanto, Albert Einstein (1879-1955) e a sua Teoria da Relatividade quem protagonizou a
revolução científica do início do século. Einstein destruiu as mais sólidas bases da Física ao negar o
caráter absoluto do espaço e do tempo. Ninguém poderia imaginar que o tempo fosse uma variável e
decorresse mais depressa ou mais devagar consoante a velocidade dos corpos!
As teorias de Max Plancke Albert Einstein provocaram um profundo choque na comunidade científica
que se viu obrigada a reconhecer que o Universo era mais instável do que até aí se pensava e a verdade
científica menos universal do que se tinha acreditado.
Abriu-se assim uma nova conceção filosófica – o relativismo – que aceita a subjetividade do
conhecimento, o mistério e a desordem, como partes integrantes do Universo, rejeitando o
pensamento positivista fundado na clareza, na ordem, na explicabilidade de todos os fenómenos. Em-
bora tal mudança tenha representado, de facto, um avanço, o certo é que contribuiu para abalar a fé na
ciência e na sua capacidade para compreender e controlar a Natureza.
A ideia de que o Homem possui uma mente estritamente racional ficou também seriamente
comprometida pelos estudos do médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Freud interessou-se
pelos trabalhos dos conhecidos neurologistas Jean Charcot (francês, 1825-1933) e Josef Breuer (vienense,
1842-1925). Os dois terapeutas tinham em comum a particularidade de
recorrerem à hipnose como processo de cura dos sintomas
neurasténicos.
Freud depressa compreendeu que, sob o estado hipnótico, os
pacientes se recordavam de pensamentos, factos e desejos que
aparentemente haviam esquecido. Esta constatação revelou a existência
de uma zona obscura, irracional, na mente humana, que o indivíduo não
controla e da qual não tem consciência, mas que se manifesta,
permanentemente, no comportamento - o inconsciente. Foi com base
nesta descoberta que Freud elaborou, a partir de 1897, os princípios do
que veio a chamar psicologia analítica ou psicanálise.
Segundo a psicanálise, o psiquismo humano estrutura-se em três níveis distintos: o consciente, o
subconsciente e o inconsciente.
O consciente representa apenas uma pequena parte da mente, semelhante à "extremidade visível de
um icebergue”; por oposição ao inconsciente, camada profunda, rica e significativa mas dificilmente
penetrável. Entre estas duas zonas situa-se o subconsciente, constituído por uma constelação de
elementos psíquicos que, com alguma facilidade, podem passar ao consciente.
Por influência das normas morais, o indivíduo tem tendência para bloquear desejos ou factos
indecorosos e culpabilizantes, remetendo-os para o inconsciente onde ficam aprisionados, num aparente
esquecimento. No entanto, os impulsos e sentimentos assim recalcados persistem em afluir à consciência,
materializando-se em lapsos (troca de palavras), esquecimentos súbitos, pequenos gestos de que não nos
damos conta ou, de forma mais grave, em distúrbios psíquicos a que Freud chama neuroses.
Para além de uma teoria revolucionária sobre o psiquismo, a psicanálise engloba ainda um método
de tratamento das neuroses que, basicamente, consiste em fazer emergir o recalcamento (trauma) que
lhes deu origem e racionalizá-lo. Esta terapêutica baseia-se em grande parte na "livre associação'; em
que, sob a orientação do médico, o paciente deixa fluir, livremente, as ideias que lhe vêm à mente, e na
análise dos sonhos, considerados por Freud a "via régia de acesso ao inconsciente".
Sigmund Freud
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Nas primeiras décadas do século XX, as conceções psicanalíticas chegaram ao conhecimento do
grande público que as recebeu entusiasticamente. A revelação do lado irracional da natureza humana
afetou os comportamentos, favorecendo a quebra das convenções sociais que marcou os anos 20.
O impacto da psicanálise estendeu-se também ao mundo da arte, dando origem ao movimento
surrealista, que teve uma forte expressão no panorama cultural da primeira metade do século.
AS VANGUARDAS CULTURAIS DO INÍCIO DO SÉCULO XX: RUTURAS COM OS CÂNONES TRADICIONAIS
Introdução
A produção cultural do final do século XIX e início do XX foi particularmente brilhante pelas suas
inovações em quase todos os domínios. De uma maneira mais ou menos inconsciente, os artistas
estavam à procura de um novo estilo, contra o enquadramento do academicismo. Surge, então, um
novo mundo com expressões originais e de certa forma caótico. A arquitetura, tendo à sua disposição
meios até então desconhecidos, procurava novas formas. Nascia o Jazz, o cinema adquiria vida e
amplitude, apareciam os primeiros edifícios altos na paisagem. A produção musical da Europa brilhava de
maneira fulgurante. Na escultura temos Auguste Rodin (1840-1910), com a conhecida obra O Pensador.
Na música vamos encontrar na Alemanha Franz Liszt (1811-1886) e Richard Wagner (1813-1883); na Itália
de Giuseppe Verdi (1813-1901) e Giacomo Puccini (1858-1924); na França de Gabriel Fauré (1855-1924) e
Claude Debussy (1862-191); na Rússia de
Rimsky-Korsakov (1844-1909) e Ilitch
Tchaikovsky (1840-1893); na Áustria de
Schonberg (1874-1951); na América surge a
nostalgia e a musicalidade do Jazz.
O cinema ganha vida em 1912 com o
aparecimento da sincronização entre a película e
o fonógrafo. Vemos aparecer David Griffith
(1875-1948), surge a "fábrica de sonhos" que é
Hollywood, e com ela artistas de enorme
popularidade como: Mary Pickford (1892-1979),
Theda Bara (1885-1955), Charles Chaplin (1889-1977), Rodolfo Valentino (1895-1926), de entre outros.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela crise do capitalismo e pelo nascimento das
democracias. O homem viveu a guerra e começou a questionar os valores do seu tempo. Com a Primeira
Guerra Mundial (de 1914 a 1918) vem a instabilidade no sistema político, social e filosófico. Em 1917, a
Revolução Russa trouxe a classe operária ao poder pela primeira vez. O capitalismo sentiu-se ameaçado
pelo comunismo e pelas ideias de Karl Marx. Em 1929, o crash da Bolsa de Nova Iorque foi um dos
prenúncios da Segunda Grande Mundial (1939 a 1945). O curto período entre as duas guerras ficou
conhecido como "anos loucos", no qual se percebe um estilo frenético de vida provocado pela incerteza
de paz gerada pela Primeira Guerra. Tudo isso mudou radicalmente a forma de ver e analisar a realidade e
o modo de a representar artisticamente.
As correntes de vanguarda, como o próprio nome indica, anteciparam os acontecimentos captando
e antecipando o futuro. Daí serem muitas vezes incompreendidas e suscitaram enormes polémicas.
Trabalhadores americanos desempregados após a crise de 1929
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Fauvismo, Expressionismo, Cubismo, Abstracionismo, Dadaísmo, Futurismo e Surrealismo terão sido as
mais representativas e inovadoras correntes artísticas do início do século XX, tendo influenciado
artistas em todo mundo. Todos estes movimentos tinham em comum: a proposta de desorganizar a
cultura, em especial a arte produzida até então; a integração entre as diversas artes, como a escultura,
pintura, música, arquitetura e literatura; a deformação intencional e sistemática da realidade. A
proposta era radical, pretendia-se criar uma arte totalmente nova, mas nem por isso os vanguardistas
deixaram de se inspirar em estilos anteriores. 1)
O início do século XX assistiu pois a uma
autêntica explosão de experiências inovadoras
no domínio da cultura e das artes. Dando
continuidade ao caminho já aberto no final do
século anterior, escritores e artistas, derrubando
a estética tradicional, criaram uma estética
inteiramente nova que ficou conhecida como
modernismo, movimento cultural que, irradiando
de Paris, na altura o centro artístico da Europa,
revolucionou as artes plásticas, a arquitetura, a
literatura, a música, estendeu-se às restantes
manifestações culturais. Desenvolve-se assim
um movimento inovador, de vanguarda, em
todas as dimensões da área cultural,
designadamente nono campo artístico e
literário que rejeita os modelos estabelecidos e
antecipa tendências posteriores.
Nesse período, as artes podem ser consideradas únicas e revolucionárias. Os artistas procuram
inovar radicalmente os conceitos da estética vigente. Num contexto social e ideológico de profunda
rebeldia e de grandes inquietações, assiste-se, talvez, à maior revolução artística dos últimos séculos,
rompendo-se definitivamente com as regras e os modelos artísticos da Idade Média e do
Renascimento.
O aparecimento da fotografia no século XIX havia aberto um leque de novas possibilidades aos artistas
do século XX que abandonando o realismo/naturalismo, a perspetiva e o modelado, passam a explorar
outras dimensões de si próprio: a sua criatividade, as suas emoções, o seu pensamento (consciente e
inconsciente). Procuram ser originais, fazendo obras únicas, explorando as cores e as formas de maneiras
inovadoras. Produzem obras de arte que suscitam múltiplas interpretações por parte de quem as vê,
colocando desafios intelectuais e levando cada espetador a procurar os seus possíveis sentidos e a
questionar-se sobre eles.
Artistas e homens das letras, agrupados de acordo com os seus interesses, criaram numerosas
correntes estéticas, integradas no movimento modernista que revolucionaram a cultura do século XX.
Na última década do século XIX, no campo da pintura, já haviam começado a aparecer os primeiros
sinais de mudança com o surgimento do Expressionismo e das características precursoras do cubismo na
obra de Paule Cézanne (1839-1806). Entrados no século XX, vão aparecer os novos movimentos estéticos
que irão romper com os anteriores, não deixando contudo de coexistir, de se influenciar mutuamente e
de dialogar entre si.
O início do século XX foi pois marcado pelo questionamento dos valores autoritários, na política pelo
colapso dos governos oligárquicos e na organização da sociedade pela difusão de ideias democráticas de
cidadania e de liberdade.
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Nas artes o questionamento deu-se pelo repúdio da descrição impressionista em detrimento da
liberdade de experimentação. O avanço científico também alterou as condutas sociais e interferiu na
noção de tempo, fragmentando-o: nas artes, os estilos que se caracterizam por amplas categorias de
definição deram lugar à ideia de movimentos, mais transitórios.
Essa nova maneira de ver o mundo mudou também a maneira de se expressar: na pintura os rígidos
métodos de representação natural do impressionismo já não correspondiam à necessidade de liberdade
de expressão dos artistas, exigida pela transformação do mundo.
AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX
FAUVISMO
O primeiro movimento de vanguarda de características modernas foi o Fauvismo, corrente
vanguardista, marcadamente francesa, iniciada em 1905 e liderada pelo pintor Henri Matisse (1859-
1954). Defende o primado da cor na pintura e utiliza-se com total liberdade, em tons fortes e
agressivos, negligenciando a precisão e a representação. As pinturas fauvistas apresentavam um
colorido muito intenso, aplicado de forma aparentemente arbitrária, tornando-
as, à primeira vista, obras estranhas, quase selvagens.
Os fauvistas reivindicam o primado da cor sob a forma e é na cor que
encontram a sua forma de expressão artística. Elevada ao papel de
protagonista, a cor desenvolve-se em grandes planos, desempenhando o papel
do desenho na perspetiva ou da sombra na modelação do volume. O colorido
fauvista autonomiza-se completamente do realidade, isto é, não procurar
concordar com as cores do objeto representado, mas refletir a sua essência, tal
como se revela aos olhos do pintor.
O fauvismo valorizava mais a liberdade do artista em criar um novo mundo
nos limites estruturais do quadro do que a rigidez na representação da imagem do modelo. Para os
fauvistas, a pintura não tem que representar a realidade, mas apenas o mundo apreendido pelos sentidos
do autor, sendo esta a tese que vai caracterizar toda a arte moderna. Embora já presente nos trabalhos
de outros pintores como Paul Gaugin (1848-1903) ou Vincent Van Gogh (1853-1890) , de alguma forma
precursores do novo movimento, será com os fauvistas que essa tese será formulada de forma clara. O
fauvismo, movimento marcadamente francês, distingue-se
essencialmente do expressionismo por recusar qualquer
sentimento de angústia ou de crítica social.
O Fauvismo teve em Matisse o seu expoente máximo. Uma
das obras mais significativas deste autor é a Mesa Posta
(Harmonia em Vermelho), de 1908. Nela, Matisse expressa a sua
influencia não europeia. Devido às suas constantes viagens à
Argélia, colónia francesa no norte da África, Matisse começa a
pintar painéis decorativos, influenciado pelas tapeçarias
africanas.
Henri Matisse
Henri Matisse (1869-1954), Mesa Posta
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Nesses quadros fica evidente a constante representação de elementos da cultura árabe, como os arabescos.
Podemos perceber esse olhar de Matisse para o oriente na própria imagem da sua mulher, que foi representada
com um penteado oriental. Pode-se perceber que o cenário tem papel de destaque na conceção do quadro,
adquirindo grande importância nos trabalhos inovadores de Matisse, dando a mesma a importância a todos os
elementos do cenário, contrária à ideia tradicional da valorização do objeto central. Apesar da influência estampada
dos tapetes, os painéis decorativos de Matisse utilizam de linhas de fuga que causam a ilusão da perspetiva: essa é
retratada através das linhas dos móveis e da moldura da janela, além dos líquidos nos arabescos sobre a mesa. O
quadro valoriza as cores primárias, sendo o amarelo e azul utilizados para representar formas e conteúdos e o
vermelho para dar harmonia ao quadro, unindo a parede e a mesa num mesmo plano. E mais uma vez o verde, em
oposição ao vermelho, produz a ideia de profundidade
Outro dos quadros mais conhecidos de Matisse é Madame Matisse,
que representa a sua mulher. Símbolo máximo do Fauvismo, caracteriza-se
pela exclusiva preocupação em demonstrar a técnica de representar
vivências e sensações por meio da força cromática e dos contrastes. Utiliza a
formação das cores à luz para produzir noções de espaço/profundidade.
Para isso, as cores do preenchimento do rosto da Senhora Matisse são em
pinceladas soltas que expressam uma certa desordem contrastando com as
cores chapadas das áreas planas que completam o fundo do quadro. No
fundo, o verde, cor intermediaria, em contraste com os tons quentes do
vermelho e do laranja, produz a ideia de profundidade, ressaltando o rosto
da figura. Este é dividido ao meio por uma linha verde que também
expressa a parte central do espaço físico do quadro.
Análise de uma pintura Fauvista
A pintura é figurativa, o artista retrata um restaurante em Marly-le-Roy, representando um espaço ao ar livre.
A obra não é realista nem naturalista, pois as cores usadas não correspondem à realidade observada: as cores são alegres, vivas e contrastantes, justapondo-se em grandes manchas de tinta na tela.
Não há a preocupação de retratar o pormenor e os sombreados.
EXPRESSIONISMO O expressionismo surgiu tal como o fauvismo em 1905, mas simultaneamente em diversas cidades
alemãs, com o objetivo de abalar o conservadorismo da arte oficial germânica, mas também da própria
sociedade alemã excessivamente moralista e hierarquizada. Os criadores do expressionismo, reunidos
no grupo artístico a que chamar Die Brucke (A Ponte), defendiam uma arte impulsiva, fortemente
Henri Matisse (1869-1954),
Madame Matisse
Maurice de Vlaminck, O restaurante em Marly-le-Roy, 1905
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individual, produto do impulso artístico do autor. O movimento expressionista não foi homogéneo. Teve
diferentes formulações, diferentes estilos, dispersos por diversos polos geográficos,
em diferentes países, não deixando de ser essencialmente alemão.
Os expressionistas recorriam à utilização de grandes manchas de cor, intensas e
contrastantes, aplicadas livremente, tal como o fauvistas. Mas, ao contrário
destes, os expressionistas desenvolviam uma temática pesada, que privilegiava a
angústia, o desespero, a morte, o sexo, a miséria social. Visavam provocar a moral
burguesa e abalar as suas estruturas. A estética expressionista traduzia-se em
formas primitivas e simples, onde a distorção e o desenho caricatural serviam para
reforçar a expressividade. Desta forma, obtinham uma forte tensão emocional,
obtida por formas distorcidas e cores intensas que transmitiam ao espetador sensações de desconforto,
de repulsa e mesmo de angústia.
Edvard Munch (1863-1944), um dos mais conhecidos pintores do movimento expressionista, nasceu
na Noruega, em 1863, mas está intrinsecamente ligado ao expressionismo alemão, sendo a sua obra O
Grito, realizada quando tinha trinta anos, uma das mais conhecidas. Faleceu em 1944. A sua obra retrata
as suas obsessões com temos como a morte, a angústia, a solidão, a melancolia, o terror das forças da
natureza.
Análise de uma pintura expressionista
• A pintura é figurativa, o artista retrata a
crucificação de Cristo no monte Gólgota.
• A obra não é realista nem naturalista,
pois as cores usadas não correspondem à
realidade observada: as cores são escuras e
carregadas e as faces das pessoas distorcidas mas
expressivas.
• Não se encontram definidos os
pormenores dos rostos (são uma massa anónima
que o pintor desconhece) mas realçam-se os seus
sentimentos relativamente à crucificação de
Cristo: alguns mostram-se alegres, outros tristes.
• A perspetiva e o modelado são pouco
significativos.
CUBISMO
O Cubismo foi um movimento fortemente influenciado pelo geometrismo de Paule Cézanne (1839-
1806) e pela estilização volumétrica da arte africana, que teve em Pablo Picasso (1881-1973) o seu
fundador ao pintar, em 1907, o quadro a óleo Les Demoiselles d´Avignon. Podemos pois definir o
Cubismo como o movimento artístico iniciado por Picasso e George Braque (1882-1963), por volta de
1907, que rejeita a representação do objeto em função da perceção ótica e a substituiu por uma visão
intelectualizada globalizante de tipo geométrico. Podemos distinguir no cubismo duas correntes
estéticas: a do cubismo analítico e a do cubismo sintética.
Edvard Munch (1863-.1944), Gólgota, 1900.
Edvard Munch
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O Cubismo Analítico presente nas pinturas de paisagens elaboradas por Picasso e Braque em 1908,
caracteriza-se pela destruição completa das leis da perspetiva, que continuava a dominar a pintura da
altura. Picasso entendia que a pintura tradicional era redutora e mentirosa pois apenas mostrava parte da
realidade, aquela que percebemos de um
ponto de vista fixo, num determinado
momento. O cubismo analítico procura
representar os objetos de forma total e não
parcelar, montando-nos simultaneamente
de frente, de lado, por cima, por baixo...
estilhaçando o volume em vários planos que
se justapõem. Se o pintor tradicional pinta o
que vê, o cubista pinta o que sabe existir,
mas que só pode ser visto em momentos
sucessivos. As cores, a pouco e pouco,
restringem-se a uma palete quase
monocromática de azuis, cinzentos e
castanhos, de forma a não perturbar o rigor
geométrico da representação.
O Cubismo Sintético surge após Picasso e Braque terem levado o Cubismo aos limites, com a
desmantelação do objeto numa miríade de facetas, decompondo-o minuciosamente em planos
geométricos que se intercetam e sucedem, tornando-se para o observador, irreconhecível. O cubismo
havia entrado numa fase de pura abstração.
Os cubistas sentiram a necessidade de adotarem um processo de reconstrução/recriação,
reagrupando os elementos fundamentais que resultavam da desmantelação geomética dos objetos, de
uma maneira mais coerente e mais lógica, mais de acordo com as leis da perceção. Aproveitaram para
eliminar neste processo de síntese todo o pormenor, fazendo regressar a cor às telas. Por outro lado,
juntam à pintura outros materiais antes impensáveis como papeis, cartão, madeira, corda, etc., objetos
comuns. Um dos exemplos desta fase é a Natureza Morta com Cadeira Empalhada, de 1912.
Para além de Georges Braque (1882-1963) e de Picasso outros nomes adotaram a estética cubista:
Albert Gleizes (1881-1953), Jean Metzinger (1883-1956), Fernand Leger (1881-1954), Robert Delaunay
(1885-1941), entre outros. O Cubismo teve o seu apogeu até à 1.ª Guerra Mundial, altura em que deixou
de apresentar novos contributos para a arte moderna.
Em síntese, podemos considerar que o Cubismo revolucionou a arte:
Destruindo as leis tradicionais da perspetiva e da representação, que
embora abaladas pelos movimentos anteriores, se mantinham, no geral
válidas. Abriu, deste modo, caminho para a arte abstrata, verdadeiro
emblema da arte dói século XX.
Alargando os horizontes plásticos introduzindo neles materiais comuns, de usos quotidiano, até
então completamente alheios ao mundo da arte. Esta inovação está na origem dos ready-made
com que alguns anos mais tarde, Marcel Duchamp (1887-1968) chocou o mundo, bem como de
várias técnicas modernas como, por exemplo, a colagem, a fotomontagem e o Assemblage.
Pablo Picasso (1881-.1973), Natureza-Morta com Cadeira
Empalhada, 1912, 1907
Pablo Picasso
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Proporcionou meios de expressão a outras correntes, nomeadamente ao futurismo (a
representação de visões simultâneas, por exemplo).
O precursor e representante máximo do cubismo
como se referiu anteriormente, foi o pintor Pablo Ruiz
Picasso. Nasceu em 25 de outubro de 1881 na cidade
espanhola de Málaga. Desde cedo já pintava motivos
pictóricos, como pombas, por orientação de seu pai. A
sua obra é definida como revolucionária, genial,
vanguardista e visionária. Foi um artista ativo e
observador da evolução da pintura e criador de um estilo
inconfundível.
Picasso não se limitou à pintura académica, buscava
algo novo na arte. As suas mulheres e os seus dramas
pessoais (como o suicídio do pintor e amigo Casagenas,
em 1901, que o levou à fase azul) são elementos
transformadores nessa busca pictórica. Morreu em 8 de
abril de 1973.
Análise de uma pintura cubista
A Dança é uma das mais célebres das pinturas
cubistas de
Picasso. A inspiração inicial para o trabalho foram os ensaios do
ballet russo. A Dança é um quadro marcado pelas
metamorfoses da anatomia humana, que é apresentada ao
espetador violentada e com deformações grotescas e
monstruosas. Mas também expressa ambiguidade, dor e
prazer causados pela mistura da alegria da dança e com o
tratamento individualizado e introspetivo das personagens.
Outras das obras mais conhecidas de Picasso é o quadro Les
Demoiselles d'Avignon (As senhoritas de Avignon) de 1907.
Influenciado por Matisse e André Derain (1880-1954), Picasso
começou a elaboração desse trabalho, inspirando-se num
bordel de Barcelona. Demorou nove meses até ficar pronto,
depois de 809 estudos prévios. Revolucionou a história da arte
com suas anatomias humanas geométricas e deformadas. Ao
centro o espetador pode observar duas mulheres a olharem
para ele, como que se oferecendo. Em primeiro plano podemos observar um prato com frutas. A mulher
mais à esquerda parece inspirada na arte egípcia; as duas do meio, na inexpressão da arte ibérica; e as
duas da direita ficam por conta da revolução das formas, com os seus semblantes e corpos deformados. A
que se encontra curvada parece estar com o corpo invertido e apresentar as mãos deformadas. Julga-se
que ambas estejam a usar máscaras africanas.
Pablo Picasso (1881-.1973), Les
Demoselles d´Avignon, 1907
Pablo Picasso (1881-1973), A Dança
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Guernica, obra monumental, de 3m e 51 cm de cm de comprimento por 7m e 82 cm de altura, é uma das
mais conhecidas pinturas de Picasso. Foi criada a pedido do governo republicano espanhol para um mural
no pavilhão da Espanha na Exposição Internacional de Paris. A inspiração partiu do ataque da Legião
Condor da Alemanha de Hitler à cidade de Guernica em 26 de abril de 1937. O bombardeamento resultou
em 1660 mortos e 890 feridos. O mural pode ser considerado um grito contra os horrores da guerra. As
cores usadas são o preto e branco com toques de cinza e azul que transmite como na fase azul, tristeza,
melancolia e sensação de angustia. Pode-se perceber um
triangulo no centro da tela, partindo dos dois vértices
inferiores até o ponto mais alto da obra.
As figuras são muito representativas: o touro pode ser
percebido como a brutalidade, as trevas; o cavalo é a
representação da dor; o lustre ao meio assemelhar-se-á
representação do olho divino; o candeeiro mantém a chama
da esperança acesa; a mãe com o filho no colo "A piedade
dolorosa", demonstra a aguda dor maternal; e o incêndio
representado no canto direito da tela foi diretamente
influenciado pelas fotografias que Picasso recebeu do
bombardeamento.
A pintura é figurativa, identificamos as ervilhas e
certos aspetos do pombo, mas já perfeitamente
desconstruídos; o fundo confunde-se com os objetos e com
as figuras retratadas: caminhamos a passos largos para o
abstracionismo.
O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado são abandonados. O artista privilegia duas cores:
o cinzento e o amarelo-torrado.
As figuras e os objetos são geometrizados (cubos, cones, cilindros, etc.) e decompostos em partes, que
se sobrepõem no mesmo plano.
Pablo Picasso (1881-.1973), Guernica,
Pablo Picasso (1881-1973), O pombo e as
ervilhas, 1911
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ABSTRACIONISMO
A Arte abstrata procura eliminar qualquer relação entre a realidade e a obra, entre as linhas e os
planos, as cores e as ideias que se fazem destes elementos, assim como aquelas que eles sugerem ao
espírito. Quando a compreensão de um quadro depende essencialmente das reações às cores e às
formas, quando o pintor quebra as conexões entre a sua obra e a realidade, ela passa a ser abstrata.
O abstracionismo foi um movimento artístico que rejeita o tema ligado à realidade concreta, à
descrição do visível. A obra de arte abstrata procura uma linguagem universal capaz de superar as
diferenças intelectuais e culturais dos espetadores. Decomposição da figura e a simplificação da forma,
novos usos das cores, abandono da perspetiva e das técnicas de modelagem e rejeição dos jogos
convencionais de luz e sombra são os traços essenciais do Abstracionismo.
A ideia de descolar a pintura da representação do real terá sido
concretizada, pela primeira vez, em 1910, pelo pintor russo Vassily Kandinshky
(1866-1944) ao pintar a aguarela Sem Título. Outros pintores seguiram as suas
pegadas, enveredando contudo por caminhos diversificados, às vezes opostos.
De entre esses caminhos destacam-se o abstracionismo sensível e o
abstracionismo geométrico.
O abstracionismo sensível ou lírico - O Abstracionismo Sensível dava o
primado aos sentimentos e às emoções na produção da obra. As cores e as
formas são criadas livremente e a forma abstrata ao dirigir-se à perceção
sensorial, comum à espécie humana, é, tal como a música, uma linguagem
universal. Por outras palavras, as abstrações de forma e de cor, tal como a música, atuam diretamente na
lama.
Kandinsky pode ser considerado o principal representante do abstracionismo sensível. A
expressividade das suas obras fazia-se através da cor e das formas. Fruto das suas pesquisas cromáticas,
passou a utilizar nas suas pinturas diferentes tonalidades e matizes que resultaram em variações espaciais
e formais. A sua obra caracteriza-se por um expressionismo abstrato, sensível e emotivo.
Kandinsky é considerado o pai da arte abstrata. Ele acreditava na existência de uma relação entre as
cores e os sons. Música e Pintura encantavam-no de tal maneira, que passaram a ser a chave mestra da
sua inspiração artística e a origem de todas as suas
criações.
Durante sua vida Kandinsky entrou em
contacto com diversos estilos artísticos que
passam a influenciar suas obras: o Fauvismo, o
Expressionismo e o Surrealismo são apenas alguns
deles. A sua obra foi considerada a mais
consistente e lógica na busca de uma forma de
expressão não figurativa.
Análise de pinturas do abstracionismo sensível
A tela Sem Título (primeira aquarela abstrata)
produzida entre 1910 e 1913 marca a iniciação de
Kadinsky na arte abstrata. Os elementos nela representados não guardam qualquer relação com objetos reais. No
Vassily Kandinshky
Vassily Kandinshky, Sem Título, 1910-1913
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espaço imaginário branco, formas indefinidas flutuam constituídas apenas por pinceladas de cores vermelha, azul,
amarela, verde e preta.
Kandinsky mostra nesta obra o dinamismo das formas e das cores. Utilizando uma composição em espiral e
dispondo as pinceladas vermelhas e azuis de forma circular, o artista cria um movimento centrífugo iniciado no
canto inferior esquerdo da tela.
Podemos ver na manifestação das pinceladas vermelhas, amarelas, azuis e verdes a tentativa expressarao
máximoestas cores, traduzindo sons, apenaslimitadas pelas
linhas negras existentes no quadro. Desta forma, podemos
presenciar a relação que Kandinsky tenta estabelecer entre
cores e sons.
Em Sobre o Branco II, de 1923, somos remetidos
novamente para a relação entre cor e som tão cara a
Kandinsky. Há quem considere esta tela a obra-prima de
Kandinsky. Formas geométricas e linhas dispõem-se de forma
livre evocando sensações diversas. No conjunto, na
extremidade esquerda percebe-se o sol, representado por
um pequeno círculo alaranjado, com os seus raios
representados pelo triângulo amarelo banhando a tela, enquanto o vento a contorna em forma de brisa
representada pelas linhas pretas curvas. Alguns dos elementos que constituem esta tela parecem visões estilizadas
de alguns dos motivos mais habituais encontrados nas obras de Kandinsky. Um exemplo são as duas diagonais
cruzadas que reproduzem estilisticamente São Jorge no cavalo.
A pintura é abstrata pois retrata uma composição de pontos,
linhas e figuras geométricas – triângulos, círculos, quadrados.
Kandinsky compara a sua obra à música: a composição de linhas,
pontos e cores, combinados numa determinada dinâmica, está
para o pintor como uma composição de notas musicais
sequenciadas numa determinada tonalidade e seguindo certas
dinâmicas e ritmos está para o músico. Não traduz uma realidade
existente, antes transmite um estado de alma do artista e
constitui um processo criativo, o qual exprime pensamentos e
emoções pessoais, influenciados pelo ambiente circundante.
Abandona-se o realismo/naturalismo, o modelado e a perspetiva.
O abstracionismo geométrico – Esta corrente do
abstracionismo procurou fazer da pintura um meio de expressar a verdade essencial e inalterável das
coisas. O seu máximo representante foi Piet Mondrian (1872-1944), pintor holandês, que procurou dar ao
seu trabalho para além da dimensão estética, uma função social, impressionado que ficou com a violência
e o sofrimento causados pela 1.ª Guerra Mundial. Recusando o individualismo reinante, procurou as
verdades universais, os valores últimos, essenciais e permanentes da vida e da realidade. Tal implicava,
segundo ele, a supressão, na obra de arte, de toda a emotividade pessoal e também de tudo o que é
efémero e acessório. A pintura deveria ser depurada, liberta de tudo o que não é essencial, circunscrita
aos elementos básicos: a linha, a cor, a composição e o espaço bidimensional. O desenvolvimento desta
Wassily Kandinsky, Composição VIII, 1923.
Vassily Kandinshky, Sobre o Branco II, 1923
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opção levará o pintor à mais matemática das artes, feita de linhas retas e figuras geométricas
elementares preenchidas por manchas de cores. Organizadas de forma rigorosa, estas formas exprimiriam
a “realidade pura” que Mondrian tanto procurava.
Análise de pintura do abstracionismo geométrico
• A pintura de Piet Mondrian é abstrata, pois retrata uma
composição de linhas verticais e horizontais, e usa cores primárias:
vermelho, amarelo e azul, bem como o preto (ausência de cor e luz) e o
branco (todas as cores do arco-íris).
• Mondrian procura captar a essência da realidade visual – tudo
aquilo que observamos é composto por essas linhas e cores, tal como
os átomos constituem o elemento indivisível e essencial de toda a
matéria existente no Universo. A obra traduz, pois, a conceção do
mundo e da arte do pintor, marcada pelos avanços da ciência física.
• Abandona-se o realismo/naturalismo, o modelado e a
perspetiva.
FUTURISMO O Futurismo, contemporâneo do cubismo, surge em Itália, em 1909, proclamado por Fillipo Marinetti
(1876-1944) no seu Manifesto Futurista, verdadeiro hino à vida moderna, rejeitando o passado,
glorificando o futuro, que se acredita prodigioso, graças ao progresso da técnica. A máquina e a
velocidade assumem um lugar central no discurso futurista.
Os artistas futuristas desligam-se do passado centrando a sua estética na representação do mundo
industrial cheio de máquinas, velocidade, ruído, aceleração e dinamismo universal. A obra de arte não
pode ser encarada como algo de estático, mas em permanente transformação. Por isso a estética
futurista adota a diluição das formas, a justaposição de imagens fugazes, a decomposição da realidade em
segmentos representando ponto de vista simultâneos que se interpenetram, numa mistura de
movimento, som, cintilação e de luz. Deste modo, aproximam-se da estética cubista, com quem partilham
o simultaneísmo e a decomposição fragmentada, sem contudo conseguirem dialogar.
Análise de pintura futurista
A pintura é figurativa, identificamos um cão e os pés de
alguém que o passeia.
O pintor procura retratar as figuras e os objetos em
movimento, sobrepondo na tela várias imagens do cão e dos pés,
em momentos diferentes.
O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado vão
sendo progressivamente abandonados.
Piet Mondrian, Composição em
vermelho, amarelo e azul, 1921.
Giacomo Balla, Dinamismo de um cão
na coleira, 1912.
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O futurismo glorificava pois o progresso, a máquina, a velocidade e mesmo a guerra, a glória dos
vencedores construtores de um mundo novo. Estendeu-se às diferentes formas de expressão artística:
escultura, arquitetura, literatura, música, fotografia, teatro... Tornou-se uma moda, uma maneira de
estar, usando cartazes, panfletos, como meio de divulgação. Contudo, morreu cedo, com o eclodir da 1.ª
Guerra Mundial, que ironicamente vitimou Marinetti. Dos escombros da Guerra surgiu um novo
movimento vocacionado para a intervenção social, apostado em proclamar a destruição da própria arte, o
Dadaísmo.
DADAÍSMO
O Dadaísmo, movimento de contestação artística que recusa todos os modelos plásticos e a própria
arte, nasceu na Suíça, em 1916, mas quase simultaneamente desenvolveu-se noutros polos,
nomeadamente em Nova Iorque, Paris e Berlim. O movimento assumia o seu desprezo pelo mundo
violento sacudido pela guerra, pela sociedade e pelas suas regras, um desprezo pela própria arte que é
sempre o reflexo dos homens e do mundo.
Unidos pela fome do absurdo, pela necessidade compulsiva de destruir os fundamentos da arte, os
dadaístas exprimiram-se das formas mais díspares: as assemblages de Kurt Schwitters (1887-1948), as
composições ao acaso de Max Ernst (1891-1976) e Hans Arp (1866-1976), os ready-made de Marcel
Duchamp (1987-1968), tudo servia para negar a arte e o seu valor. O seu desprezo pela arte levaram-nos
a insultar o próprio público, a publicar panfletos obscenos, a realizar espetáculos públicos ininteligíveis.
Como movimento de subversão intelectual e artística,
procurou contrariar frontalmente a via reflexiva e
metódica aberta pelo cubismo, seguindo a via do
inconsciente, do ilógico, do absurdo, enfim do irreal. Os
dadaístas acabaram por se negar a si próprios, tendo parte
deles enveredado pelo surrealismo.
Análise de pintura dadaísta
• A pintura é figurativa, embora com características evidentes da
arte abstrata; identificamos com bastante dificuldade o
movimento de uma mulher a descer uma escada.
• O pintor procura retratar a mulher em movimento, sobrepondo
na tela várias imagens da mesma, em momentos diferentes.
• O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado são
abandonados, caminhando-se para o abstracionismo.
Esta obra apresenta características comuns ao Cubismo e ao
Futurismo.
Marcel Duchamp, Nu descendo uma
escada, 1912.
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SURREALISMO Nas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Sigmund Freud (1856-1939) e as
incertezas políticas criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte
que criticava a cultura europeia e a frágil condição humana diante de um mundo
cada vez mais complexo. Surgem movimentos estéticos que interferem de maneira
fantasiosa na realidade.
O surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da representação
do irracional e do subconsciente. Surgiu como resposta ao esgotamento do
dadaísmo esgotado e cada vez mais extremo, pela mão de André Breton (1896-
1966), ex-dadaísta, que além de poeta, era médico e pertencia à geração à qual
foram revelados os mistérios do inconsciente. Publicado em 1924, o manifesto do
surrealismo, marca o nascimento oficial do surrealismo. A ele aderiram escritores
como Louis Aragon (1897-1992)e Paul Éluard (1895-1952) e artistas como André
Masson (1896-1987), Hans Arp (1886-1966), Joan Miró (1893-1983), Max Ernest
(1891-1976), René Magrit (1898-1967), Salvador Dali (1904-1989)e cineastas
como Luis Buñuel (1900-1983).
O surrealismo que pretende negar a estética e os valores estabelecidos de
uma sociedade burguesa e burocrática. Os artistas surrealistas deixam o
mundo real para penetrarem no irreal, em direção a novas formas de pensar a
sociedade moderna pós-industrial.
O Surrealismo apresenta relações com o Futurismo e o Dadaísmo. No
entanto, se os dadaístas propunham apenas a destruição, os surrealistas
pregavam a destruição da sociedade em que viviam e a criação de uma nova, a ser
organizada noutras bases. Os surrealistas pretendiam, dessa forma, atingir outra realidade, situada no
plano do subconsciente e do inconsciente. A fantasia, os estados de tristeza e melancolia exerceram
grande atração sobre os surrealistas, influenciando-os nas mais variadas produções, fossem elas literárias,
plásticas, esculpidas, filmadas cinematograficamente, questionando os limites da reprodução artística.
O modelo de arte surrealista é procurado já não na realidade exterior, mas na realidade interior, na
mente do artista. Deste modo, o surrealismo não se prende em questões formais, aceita que o artista se
exprima do modo que achar melhor para transmitir o que lhe vai na mente, no seu psiquismo, no seu
inconsciente. Daí a diversidade de estilos surrealistas, desde o surrealismo de traço rigoroso e académico
às colagens à expressão abstrata.
O surrealismo enquanto movimento de vanguarda fecundo desenvolveu-se até à 2.ª Guerra Mundial,
embora alguns autores continuassem a cultivá-lo até ao fim dos seus dias, como Miró e Dali. Em Portugal
somente após o citado conflito teve alguma expressão. Podemos afirmar que com o surrealismo se
encerra o ciclo das primeiras vanguardas que revolucionaram a arte europeia.
O nome mais representativo do surrealismo é sem dúvida Salvador Dali.
Talvez não haja adjetivos para definir um dos pintores mais populares e
controversos do Século XX. Nasceu em 1904, e desde pequeno demonstrou
aptidão para o desenho e pintura. Dali considerava-se um pintor
impressionista ao ingressar na Escola Especial de Pintura Escultura da Real
Academia de Belas-Artes de San Fernando, em Madrid, estabelecendo
contacto com diversas ideias e alunos como Frederico Garcia Lorca (1988-
1936) e Luís Buñuel. Porém, em 1923, é expulso da Academia.
Em meados de 1926, já em Paris, conhece Picasso e realiza experiências com o cubismo. Nessa fase,
aprofundou a sua relação estética com cubismo e o surrealismo, em torno de temáticas sexuais, oníricas e
Salvador Dali
Segismundo Freud
Joan Miró
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escatológicas que garantiram identidade à sua obra, aproximando-o dos cérebros do movimento
surrealista, que reconhecem nas representações do quadro "O jogo lúgubre" as suas ideias.
À partir de 1936 os seus quadros foram expostos nos EUA, onde é acolhido na sequência da Guerra
Civil Espanhola (1936-1939) criando grandes laços com a elite americana. O seu vasto trabalho elevou-o à
categoria de uma das figuras mais notáveis do Século XX, ligado à estética surrealista estando a suas obras
intimamente associadas à descoberta do inconsciente de Freud, às manifestações dos sonhos e à
imaginação como matéria-prima, em busca incessante para descobrir o ser humano e as suas maneiras de
se representar.
Análise de pinturas surrealistas
Com o título sugerido pelo poeta Paul Éluard, em O Jogo
Lúgubre, Salvador Dali destaca a sua obsessão pela castração,
pela masturbação e pelas reações provocadas por elas. O quadro
apresenta uma figura central com cores vivas onde se nota o
perfil de Dali com olhos fechados, o desmantelamento do ser nas
suas intenções, logo acima da sua cabeça, a descoberta do
inconsciente e a explicitação do ser completo na sua
obscuridade.
Construção mole com
feijões cozidos
(premonição da Guerra
Civil), é uma das poucas
obras de Dali
relacionadas com
conflitos bélicos ou
políticos, no caso a
Guerra Civil Espanhola
(1936-1939) que o fez
abandonar a Espanha. O
quadro chama atenção
pela obscuridade e desolação da paisagem, representação que
se referia auto-aniquilamento pelo qual passava a Espanha.
A pintura é figurativa, o artista retrata, aspetos da realidade
visual – uma mulher, uma romã, um peixe, dois tigres… – enquadrada num ambiente fantasista, fruto da imaginação do artista – um elefante com umas patas muito estranhas, a sombra da maçã representada em forma de coração… Há uma relação ilógica e irracional entre os elementos retratados: um peixe a sair de dentro de uma romã e um tigre a aparecer de dentro da boca do peixe…
O artista recorre ao naturalismo, ao modelado e à
perspetiva, mas num contexto de fantasia e imaginário, próximo do mundo do inconsciente e dos sonhos.
Salvador Dalí, Sonho provocado pelo voo de uma abelha
em torno de uma romã um segundo antes do acordar,
1944.
Salvador Dali, O Jogo lúgrebe, 1929
Salvador Dalí, Construção mole com
feijões cozidos, 1936.
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Outro nome grande do Surrealismo foi René
Magritte. Nasceu na Bélgica em 1998 e faleceu
em 1967. • A pintura (Golconda) é figurativa. Nela o
artista retrata aspetos da realidade visual – uma
chuva de homens – enquadrada num ambiente
fantasista, fruto da imaginação do artista. Há uma
relação ilógica e irracional entre os elementos
retratados…
• O artista recorre ao naturalismo, ao
modelado e à perspetiva, mas num contexto de
fantasia e imaginário, próximo do mundo do
inconsciente e dos sonhos.
Em síntese...
Até ao século XX, a pintura permaneceu fiel ao “princípio da realidade”, representando um mundo de
aparência lógica e objetos reconhecíveis. As vanguardas vieram romper com este universo plástico,
destruindo, um a um, os seus fundamentos. Assim:
Libertaram a figuração da sujeição a modelo, distorcendo as formas e utilizando arbitrariamente
as cores, sem atender à sua fidelidade ao mundo real. Assumida por fauves (feras), e
expressionistas, esta liberdade tornou-se comum a todas as correntes.
Desconstruíram o espaço pictórico que, desde o Renascimento, se organizava segundo as leis da
perspetiva. Os esbatimentos dos volumes e da profundidade presentes nas telas fauvistas e
expressionistas anunciam o regresso da pintura à sua natureza bidimensional. Coube porém ao
cubismo a desarticulação completa das regras da figuração, ao substituir a perspetiva pela visão
plena e simultânea do objeto.
Adotaram novos modelos temáticos de índole abstrata (as emoções puras de Kadinsky, as ideias
essenciais de Mondrian...) ou projetadas pelo inconsciente humano. Pela primeira vez, a pintura
desliga totalmente os seus temas da realidade sensível.
Alargam o universo da pintura ao introduzirem aspetos que desde sempre lhe tinham sido
alheios, como o movimento e o tempo (4.º dimensão), esboçados pelo cubismo e plenamente
desenvolvidos pelo futurismo.
Introduziram um conjunto vasto de novos materiais artísticos, aumentando significativamente o
potencial plástico e expressivo da pintura. Iniciada pelo cubismo, esta vertente vai ser também
adotada pelos movimentos posteriores.
René Magritte, Golconda, 1953.
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A escultura O modernismo na arquitetura e no design
Depois de um grande desenvolvimento da arquitetura ao longo do século XIX, fruto dos progressos
técnicos e das condições sociais resultantes da Revolução Industrial, em que se utilizou preferentemente
o ferro e o vidro, a arquitetura vai procurar novas soluções estéticas agora possíveis devido à utilização do
betão.
É na transição do século XIX
para o século XX que na Europa
ganha expressão uma nova
forma de construir e de decorar
os edifícios, a Arte Nova, que
valoriza a natureza a fauna e a
flora. Um dos mais
representativos arquitetos deste
movimento foi o espanhol
Antoni Gaudi (1852-1926). As
suas primeiras obras revelam
um certo ecletismo tradicional,
com predominância de
elementos góticos, mas acabou
por evoluir na direção da Arte
Nova evidenciando uma grande
originalidade bem patente nas suas obras mais representativas: o Parque Guell e o templo da Sagrada
Família, ambas em Barcelona.
Na América, a Escola de Chicago foi responsável pela rutura com os modelos tradicionais de influência
europeia, povoando as cidades americanas de
arranhas-céus cada vez mais altos. Entre os arquitetos
mais representativos sobressai o de Frank Lloyd Wrigt
(1867-1959), responsável pela revolução no modo de
construir habitações e que falaremos mais adiante,
quando abordarmos o Funcionalismo Orgânica.
Em Portugal, o início do século XX não foi propício a
uma renovação artística que corresse paralelamente à
que então se processava no resto da Europa. O clima
de instabilidades social e política, subsequente à
instauração da República, a que se seguiu a 1.ª Guerra
Mundial, não permitiu grandes inovações na
arquitetura portuguesa, que vai continuar a seguir os
modelos desenvolvidos ao longo do século XIX. Só com
uma nova geração de arquitetos, enquadrados pelos
Estado Nova, a arquitetura Portuguesa trilhou
caminhos de características modernas sobre as quais nos debruçaremos mais adiante.
Antoni Gaudí, Templo Expiatório da Sagrada Família, Barcelona, 1882-1936
Louis Sullivan, Armazéns Carson, Chicago, (1899-1904)
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As vanguardas na literatura do início do século XX
À semelhança do que aconteceu nas artes plásticas e basicamente pelos mesmos motivos, o início
do século XX correspondeu, no campo das letras, a uma verdadeira revolução que pôs em causa, por
vezes de forma radical, os valores e as tradições literárias.
No mundo das letras, a vastidão de temas e de estilos assemelha-se ou ultrapassa até a
complexidade do mundo das artes. Por isso fiquemos pela ideia de que a literatura percorreu, nessa
época, todas as vias que a expressão escrita permite percorrer.
Nas primeiras décadas de novecentos, os esforços
concentravam-se sobretudo, na libertação da obra literária face
à realidade concreta. Tal como na pintura, foi abandonada a
descrição ordenada e realista da
sociedade e dos acontecimentos. As
obras voltam-se para a vida
psicológica e interior das personagens
mas do que para a narrativa de uma
ação. Marcel Proust (1871-1922) e o
seu vasto conjunto romanceado Em
Buscado Tempo Perdido (sete volumes)
cujo primeiro saiu em 1913, podem ser
considerados como um bom exemplo
desta corrente profundamente psicológica da literatura.
Numa linha complementar, autores como André Gide
(1869-1961) proclamam a liberdade total do ser humano, o seu
direito a tudo usar (desde que o faça por convicção), assim rejeitando as regras da oral, da família e da
sociedade.
Se a modernidade das obras referidas se situa ao nível do tema e da sua
abordagem, outras há que se destacam pela introdução de novas formas de
expressão, ao nível da linguagem e da construção frásica. Como exemplos
extremos podemos citar os poemas caligrafados de
Guilhaume Apolinaire (1980-1918), que funde a
palavra e a forma, os dadaístas, como Hugo Ball
(1986-1927), que transformam o nonsense em poesia,
ou os escritos automáticos de Paul Éluard (1895-
1952) e André Breton (1896-1966).
Estas correntes, se bem que efémeras e pouco produtivas em termos de
qualidade literária, romperam convenções e abriram as portas a obras de
grande valor, verdadeiramente inovadoras. Entre todas, pela sua envergadura
e pioneirismo, destaca-se Ulisses do escritor irlandês James Joyce (1882-1941),
publicada em 1922. O romance, que não tem fio condutor, desenvolve-se num
persistente diálogo interior em que passado e presente se intercetam,
quebrando a lógica narrativa tradicional.
Por todos os aspetos que reúne, quer ao nível temático, quer ao nível formal, Ulisses é, ainda hoje,
unanimemente considerada a melhor súmula da revolução que o século XX soube introduzir, também na
narrativa literária.
Apollinaire, Reconhece-te, poema
caligrafado, 1915
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A ARTE E A CULTURA EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Tendências culturais: entre o naturalismo e as vanguardas
Enquanto, na Europa das primeiras décadas do século XX, as vanguardas artísticas anunciavam
novas e radicais soluções estéticas, em Portugal a corrente naturalista reunia as preferências do
público, das instituições oficiais e da crítica. A arte académica e, nomeadamente, a pintura conti-
nuavam a explorar cenas da vida popular, que pareciam satisfazer uma burguesia nostálgica das
vivências tradicionais.
Embora os políticos republicanos se revelassem
culturalmente conservadores, a República acabou
por propiciar os primeiros sinais de mudança nos
gostos e padrões estéticos. A agitação política, em
que foi fértil, fomentou o debate ideológico, o livre
exame e a crítica. Foi assim que um conjunto de
jovens artistas e escritores se propôs, desde os
anos 10 do século XX, agitar a cena cultural
nacional com a originalidade, a ousadia e o
cosmopolitismo das suas propostas estéticas.
Conhecidas por modernismo, nelas se mesclavam
as vanguardas europeias como o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o abstracionismo.
Distinguem-se duas gerações de modernistas. Ambas nasceram nas últimas décadas do século XIX
mas, enquanto a primeira se afirmou entre 1911 e 1920, a segunda geração deu-se a conhecer depois
dos anos 20.
O primeiro modernismo (1911-1918)
Na pintura, o primeiro modernismo ficou ligado a um conjunto de exposições (livres, independentes e
de humoristas) realizadas com regularidade desde 1911, em Lisboa e no Porto. Nelas encontramos
artistas como Manuel Bentes (1885-1965), Emmérico Nunes (1888-1966), Almada Negreiros (1893-1970),
Cristiano Cruz (1892-1951), Stuart Carvalhais (1987-1961), Jorge Barradas (1894-1971), António Soares
(1894-1978), Mily Possoz (1988-1966), entre outros.
Os desenhos apresentados, muitos deles caricaturas,
perseguiam objetivos de sátira política, social e até
anticlerical. Entre enquadramentos boémios e urbanos, ora
avultavam as cenas elegantes de café, ora as cenas populares
com as suas figuras típicas. Praticava-se a estilização formal
dos motivos, esbatia-se a perspetiva, usavam-se cores claras e
contrastantes.
Este primeiro modernismo sofreu um impulso notável com
a eclosão da Primeira Guerra Mundial, principalmente
quando, ao nosso país, regressaram Amadeo de Souza-
Cardoso (1887-1918), Guilherme Santa-Rita (1889-1918),
Eduardo Viana (1881-1967), José Pacheco (1985-1934), em
suma, o núcleo mais talentoso dos pintores portugueses que Retrato de Fernando Pessoa, Almada
Negreiro, 1954
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estudavam em Paris. Com eles veio também o casal Robert Delauny (1885-1941) e Sonia Delaunay (1885-
1979), destacadas personalidades do meio artístico parisiense.
Destes regressos
resultou a formação de
dois polos ativos e
inovadores: um em
Lisboa, liderado por
Almada Negreiros
(1893-1970) e Santa-
Rita (1889-1918) que,
numa das conjugações
mais felizes da história
das nossa artes, se
juntaram a Fernando
Pessoa (1988-1935) e a
Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916), fazendo nascer a revista Orpheu; outro polo radicou-se
no Norte em torno do casal Delaunay, de Eduardo Viana e de
Amadeo.
Com a publicação de Orpheu, revista de que
apenas saíram dois números em 1915, o
modernismo português revelou a sua faceta
mais inovadora, polémica e emblemática: a do
futurismo. A revista, que "fez o encontro das
letras e da pintura”; contou com a colaboração
de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Fernando
Pessoa (1988-1935), Raul Leal (1886-1964), Luís de
Montalvão, Ângelo de Lima (18872-1921), Almada
Negreiros (1893-1970), Santa-Rita (1889-1918), José
Pacheco (1985-1934).
Arrebatados pelo mundo da técnica do seu tempo,
excêntricos e provocadores, os jovens de Orpheu
deixaram o país escandalizado. Nas suas dissertações
agressivas, repudiavam o homem contemplativo e
exaltavam o homem de ação. Propunham-se a um corte
radical com o passado, denunciando a morbidez
saudosista dos Portugueses e incitando a "raça latina"
ao orgulho, à ação, à aventura e à glória. Assim se exprimiu, em Portugal, o dinamismo moderno, que o
futurista Fillipo Marinetti (1876-1944) preconizara em 1909.
“Fac-simile” das capas da Revista Orpheu, números 1 e 2, alías
únicos, pois o 3.º não chegou a ser publicado
A Cabeça, atribuído a Santa-Rita
Pintor, 1912
Amadeu de Sousa-Cardoso, Parto da Viola, 1916
Fernando Pessoa
Nasceu em Lisboa em 1988 e faleceu em
1935. De temperamento enigmático,
desdobrou-se em diferentes
personalidades, os heterónimos: Alberto
Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos,
entre muitos outros. É considerado o
maior poeta português do Século XX. As
suas poesias estão dispersas por
diferentes obras: Poemas de Alberto
Caeiro, Odes de Ricardos Reis, Poesias de
Álvaro de Campos, Poesias, Poemas
Dramáticos, Poesias Inéditas e Mensagem
do ortónimo Fernando Pessoa.
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Face às críticas indignadas do escritor e académico Júlio Dantas (1872-1966), os futuristas explodiram
de raiva. O Manifesto Anti-Dantas, qual resposta pronta, atacou violentamente o escritor, associando-o a
uma cultura retrógrada que urgia abater.
Influenciado pelo futurismo declarou-se, igualmente, Amadeo
de Souza-Cardoso (1887-1918). Duas exposições individuais,
realizadas em 1916, não colheram o apoio da crítica nem do
público (no Porto, Amadeo de Souza-Cardoso até agredido foi),
mas favoreceram a aproximação ao grupo de Orpheu. Almada
desdobrou-se em elogios ao pintor, que o país não compreendia
e não merecia. Um terceiro número de Orpheu, que não chegou
a publicar-se, deveria incluir reproduções de obras de Amadeo de
Souza-Cardoso (1887-1918). A agitação futurista culminou, em 1917, com a apresentação espalhafatosa do Ultimatum futurista às
gerações portuguesas do século XX, no Teatro República, em Lisboa, feita por Almada Negreiros (1893-
1970). Logo a seguir, saiu o número único da revista Portugal Futurista. Nela apareceram trabalhos de
Santa-Rita (1889-1918), Almada Negreiros (1893-1970), Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), Pessoa,
Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), entretanto falecido, além de escritos de Fillipo Marinetti (1876-1944),
Guillhaume Apollinaire (1880-1918), Blaise Cendrars (1887-1961). Considerada hoje a "peça fundamental
do movimento futurista português”; a revista conheceu a apreensão pela polícia no momento de saída da
tipografia. Atacado nos gostos e opções culturais, o regime republicano não ousava desvincular-se dos
cânones académicos e defendia-se. Pouco animadoras se mostraram por isso as possibilidades de
sobrevivência do modernismo futurista. Até do ponto de vista político as opções dos primeiros
modernistas chocavam os republicanos.
Dois nomes sobressaem pois no panorama do primeiro modernismo português, ambos ligados à
publicação da revista Orpheu: Fernando Pessoa e Almada Negreiros, artistas multifacetados que tão
bem ligaram a literatura e a pintura. Para conhecer um pouco melhor a obra de Fernando Pessoa e de
outros grandes vultos da literatura portuguesa poderá aceder ao documento “Literatura portuguesa do
início do século XX à atualidade”.
Almada Negreiros (1893-1970), artista múltiplo, com
uma atividade que se prolongou durante grande parte do
século XX, deixou-nos monumentais frescos nas gares de
Alcântara e Rocha Conde de Óbidos, integrados em
projetos arquitetónicos do arquiteto Pardal Monteiro. A
composição Os
Emigrantes, presente
na gare de Rocha
Conde de Óbidos,
segue a inspiração
cubista europeia, bem
presente nas cores vivas e intensas usadas pelo pintor.
Reagindo à apropriação do modernismo pelo Estado Novo, o
jovem artista António Pedro (1909-1966) organizou, em 1936, a
exposição dos Artistas Modernos Independentes, onde se
homenageou a originalidade dos primeiros modernistas, que se
considerava perdida. A António Pedro (1909-1966) coube, nos anos
40, a dinamização do surrealismo, numa clara oposição à "arte oficial" do Estado Novo.
Almada Negreiros, fresco Os Emigrantes, Gare de
rocha Conde de Óbidos, 1946-1949
A Ilha do Cão, António Pedro, 1841,
1934
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Impacto do modernismo na escultura e na arquitetura Escultura
À semelhança do ocorrido na pintura, também a escultura da primeira década do século XX ficou
marcada pela hegemonia do gosto naturalista. Mestre António Teixeira Lopes (1866-1942), o grande
cultor desta corrente, continuou a reunir as preferências do público.
Tal não impediu a manifestação, se bem que tímida, de
características modernistas nos anos 20, em escultores como Francisco
Franco (1885-1955), Diogo de Macedo (1889-1959) e Canto da Maia
(1890-1981) que, em Paris, haviam tomado contacto com as
vanguardas artísticas. O modernismo das suas obras ora se expressou
na simplificação geométrica das formas e volumes, ora na busca da
essencialidade plástica, ora na facetação das superfícies.
À semelhança da pintura, a modernidade escultórica acabou
condicionada nos anos 30 e 40 pelas encomendas oficiais. Aos valores
heroicos e à estética monumental do Estado Novo - patrocinador das
grandes obras submeteram-se muitos dos escultores.
Arquitetura
Os primeiros sinais de uma nova linguagem arquitetónica datam dos anos 20. Cristino da Silva (1896-
1976), Carlos Ramos (1897-1969), Pardal Monteiro (1897-1957), Cottinelli Telmo (1897-1948) e Cassiano
Branco (1879-1970) contam-se entre os primeiros autores de projetos arquitetónicos modernistas. A
modernidade das suas obras manifestou-se no uso do betão armado, no predomínio da linha reta sobre a
curva, no despojamento decorativo das paredes, na utilização de
grandes superfícies de vidro, nos terraços e coberturas planos. Estes
arquitetos adaptar o modernismo europeu dando-lhe um cunho
nacional.
Nos anos
30 e 40, as
experiências
modernistas
consolidaram-
se graças ao
apoio recebido
pela política
de obras
públicas do
Estado Novo,
com cujo programa e valores tiveram,
naturalmente, de se conciliar. É no quadro da renovação dos edifícios públicos e da expansão urbana de
Lisboa que a ação dos novos arquitetos modernistas se vai fazer sentir e que ganhar toda a sua expressão
com a construção efémera de edifícios no âmbito da exposição do Mundo Português, em 1940.
Adão e Eva, Canto da Maia, 1929
Pardal Monteiro, Igreja de Nossa
Senhora de Fátima, Lisboa, 1924-38,
Cristino da Silva, Parça do Areeiro, Lisboa, 1938-1943
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A DIMENSÃO SOCIAL E POLÍTICA DA CULTURA A PARTIR DOS ANOS 20
A cultura de massas
É nos meios urbanos que, no princípio do século XX, emerge a cultura de massas, mas que se afirma
sobretudo após a 1.ª Guerra Mundial. Como o nome indica, trata-se de uma cultura comum à maioria
da população, cujos gostos se uniformizam, orientando para o consumo maciço dos mesmos bens
culturas. Dois fatores contribuíram decisivamente para esta homogeneização cultural: a generalização
do ensino e o extraordinário desenvolvimento dos meios de
comunicação de massas – os media – que, transformados numa
poderosa indústria, “moldaram” a acultura do século XX.
A imprensa, a rádio e o cinema foram os mais importantes
meios de comunicação da primeira metade do século XX. Em
conjunto, proporcionaram ao cidadão comum a evasão da rotina
diária, transpirando-o para o mundo de sonho e irrealidade.
Transmitiram, também, valores e modos de estar que, ligados à
miragem de uma vida melhor, se impuseram como padrões
culturais.
A imprensa
de massas
utiliza um
vocabulário
simples e
atrativo, feito
de frases
curtas e
diálogos vivos
e informais.
O livro, antes
apanágio de
uma elite, tornou-se um produto de consumo corrente popular.
Apoiados nesta linguagem acessível, desenvolveram-se novos géneros
literários: o romance cor-de-rosa, feito de empolgantes histórias de amor com um
final sempre feliz; a banda desenhada, cujos heróis
vivem épicas aventuras em defesa dos oprimidos e dos
valores do mundo ocidental; o romance policial, em
que argutos detetives solucionam os mais
inexplicáveis crimes. Este último género, que
conheceu uns períodos de ouro entre 1930 e 1949,
mereceu a preferência do público. Agatha Christie
(1890-1976), a criadora do célebre inspetor Poirot, foi
a autora mais vendida do século XX.
O Jornal “A Capital”, edição de 5 de
outubro de 1910.
Orson Wells, através da rádio, em 30 de outubro de 1938, assustou a América
com uma invasão marciana. No dia seguinte os jornais davam conta do pânico
instalado.
Friedrich Wilhelm Murnau
(1888-1931) foi um dos mais
importantes realizadores do
cinema mudo
Agatha Christie
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Para além destes novos géneros literários, o século XX inaugura
também o jornal de grande tiragem. Alguns
chegam a vender mais de um milhão de
cópias por dia, em cidades como Paris, Nova
Iorque, Berlim ou Londres. Para atrair o
leitor, os jornais recheiam-se de histórias de
guerra e de crime, socorrem-se de títulos
bombásticos, ilustram-se com uma profusão
de fotografias. A edição completa-se,
frequentemente, com secções desportivas,
páginas femininas e crónicas avulsas, cujo
objetivo é mais entreter que informar. Em
breve estes artigos ganham destaque e enchem as páginas de domingo.
A par dos jornais proliferam as revistas, cujas temáticas são as mais diversas. Sobre política, eventos
sociais, desporto, moda ou cinema, enchem periodicamente os escaparates dos quiosques e instalam-
se a rotina dos leitores da classe média.
A rádio, depois do aperfeiçoamento da telegrafia se fios por Marconi, em 1896, torna-se entre as
duas guerras mundiais, o mais popular dos
meio de comunicação.
Em 1937, menos de duas décadas volvidas
sobre o início das emissões regulares, contam-
se já 36 mil emissoras e 70 milhões de ouvintes
em todo o mundo. Acessível a todos, mesmos
aos analfabetos, a rádio tornou-se um
importante meio de difusão cultural: transmite
notícias, música, novelas radiofónicas, anúncios
publicitários. Transforma a sala dos ouvintes
em auditórios onde se realiza colóquios e
debates, se analisam as obras literárias, se ouve
música sinfónica e música ligeira. Em suma, estimula gostos e consumos, contribuindo também para
esbater as diferenças de pronuncia e vocabulário entre
regiões e classes sociais. Esta abrangência da rádio
transformou-a num veículo
privilegiado de propaganda
política, que os governos
usaram largamente.
O cinema, nascido em
França pela mão dos irmãos
Lumiére, rapidamente se
universaliza, encontrando
excelentes cultores na
Europa, na América na Ásia.
O nascimento do cinema sonoro, em 1927, com Jazz Singer abre à
ABC, Revista portuguesa.
Edição de 1920
Família ouvindo radio à volta de 1920
Cartaz de apresentação do The Jazz Singer,
primeiro filme sonoro, 1927
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Sétima Arte novas perspetivas. O cinema adquire uma dimensão muito próxima da realidade e cultiva
outros géneros, com destaque para o musical. Poucos anos depois (1932), o technicolor aumenta, com o
brilho da cor, o encanto do cinema.
Qualquer que fosse o seu género – amor, comédia, guerra, suspense, western, musical –, o filme
conduzia o espetador a uma outra dimensão. Na obscuridade da sala de cinema, sozinho no meios da
multidão, o homem vulgar era transportado a um mundo de sonho e de quimeras em que, identificados
com as personagens, ria, chorava, amava ou vivia as maiores aventuras. Por momentos, evadia-se da sua
própria vida para viver as vidas que se projetavam
no ecrã. Nesta possibilidade de evasão residia, (e
reside ainda hoje) a magia do cinema.
De todos os mas media, o cinema foi também
o que mais contribuiu para a difusão dos
modelos socioculturais e a consequente
estandardização de comportamentos. A forma de
vestir, de estar, a vida privada das estrelas
cinematográficas tornou-se num modelo a seguir,
que influenciou modas, atitudes e valores.
A rápida difusão dos mass media fez do mundo
uma gigantesca sala de espetáculos, transformando o cinema e a música ligeira em entretimentos
coletivos que não conhecem fronteiras. Foi também sobre o impulso dos media que o desporto se
internacionalizou e se transformou num fenómeno de massas capaz de arrebata multidões.
Enquanto modalidades como o ténis e o golfe permaneceram ligados às classes privilegiadas e
conhece uma difusão restrita, outras, como o
futebol, o boxe ou o ciclismo, adquirem grande
popularidade, atraindo milhares de aficionados.
Aí, identificados com os atletas em competição,
os espetadores aplaudem, rejubilam e sofrem,
descarregando nesses momentos de
empolgamento as tensões e as frustrações
acumuladas a vida quotidiana.
Para além da emoção do espetáculo, os
ídolos desportivos proporcionavam ainda o
sonho da ascensão social. Oriundos muitas
vezes dos bairros pobres, servem de modelos aos
mais desfavorecidos, que assim ligam o desporto à obtenção da fama e da riqueza, o que aumenta, em
muto, o seu fascínio.
AS PREOCUPAÇÕES SOCIAIS NA LITERATURA E NA ARTE
Em meados dos anos 20, já se fazia sentir um certo cansaço relativamente às audácias da arte da
literatura modernas. Acusavam-nas de uma ânsia de originalidade a qualquer preço, de se lançarem em
pesquisas excessivamente especializadas, de se tornarem incompreensíveis para o grande público, não
contribuindo, por isso, para a ávida da coletividade.
Primeira Volta a Portugal em ciclismo, 1927
Jogo do 1.º Campeonato Mundial de futebol, 1930
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A Literatura
Numa Europa marcada ainda pelas dificuldades do pós-guerra e com os olhos postos na Revolução
Soviética, cresceu o sentimento de que a literatura e a arte não possuíam um
valor puramente estético mas tinham também
uma missão social a cumprir. A profunda crise
económica desencadeada em 1929 veio
avolumar este sentimento.
Entre as duas guerras, a literatura tomou
uma feição combativa e socialmente
empenhada. Critica-se a sociedade que
produziu a carnificina e que, no entanto, lhe
sobreviveu: os seus vícios, a sua podridão
moral, a sua hipocrisia. Os protagonistas deixam de ser personagens
singulares e tornam-se tipos sociais. No romance, na poesia ou no teatro, este tipo de literatura ganhou
um lugar cimeiro. Entre os seus muitos e excelentes cultores podemos destacar o alemão Bertolt Brecht
(1899-1956), o inglês Aldous Huxley (1894-1963) e o francês André Malraux
(1901-1976).
Poeta e um dos maiores dramaturgos do seu tempo, Bertolt Brechttem como
fim primeiro provocar o leitor e forçá-lo a participar criticamente na obra.
Segundo Bertolt Brecht, o teatro tradicional (bem como a literatura em geral)
deixava o público à mercê da ação dramática, forçando-o a uma identificação
com as personagens que o fazia viver as suas
desgraças, paixões e triunfos. Ao contrário, Bertolt
Brecht propõe-se despertar no público a surpresa e a
perplexidade para que este se sinta compelido a
debater e a questionar o sentido da peça literária.
Erich Maria Remark (1898-1970) publica, em 1929, A Oeste Nada de Novo
que tem como pano de fundo a 1.ª Guerra Mundial, sendo o livro de sempre
mais vendido na Alemanha.
Aldous Huxley publica, em 1932, a mais célebre
das suas obras - Admirável Mundo Novo -, na qual,
sob a forma de ficção científica, denuncia a
civilização industrial, mecanizada, onde se perderam os valores humanos
fundamentais.
A literatura de contestação social identificou-se, muitas vezes, com os
ideais marxistas, dando origem a obras de acentuado cariz sociopolítico. É o
caso de A Condição Humana de André Malraux (1933), cuja ação decorre na
China e relata a repressão brutal de uma insurreição comunista. Esta literatura
ideologicamente empenhada, que foi comum a uma geração de escritores
como André Breton (1896-1966), André Gide (1869-1951) ou Paul Éluard
(1895-1952), mereceu ainda a André Malraux obras como O Tempo do
Desprezo (1935), onde, em traços apocalípticos, descreve as prisões hitlerianas e A Esperança (1937),
dedica da à luta antifranquista, na Guerra Civil de Espanha.
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O retorno da literatura a fórmulas neorrealistas teve também grande expressão nos Estados Unidos,
onde a miséria resultante da Grande Depressão sensibilizou os escritores para as questões sociais. Ernest
Hemingwai (1899-1961), John dos Passos (1896-1970) e John Steinbeck (1902-1968), entre outros,
retratam o mundo desencantado do capitalismo, que acusam de fomentar a guerra, a desumanização e as
injustiças sociais.
Portugal: o 2.º modernismo na literatura e na pintura
Com as mortes prematuras de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Santa-Rita (1889-1918) e Amadeo
de Souza-Cardoso (1887-1918), o regresso dos Delaunay a França (1917) e a partida de Almada
Negreiros para Paris (1919), encerrou-se o primeiro modernismo português.
Nos anos 20 e 30, decorreu um novo ciclo no movimento modernista, que continuou a conciliar
as letras com as artes plásticas. Distinguiram-se escritores como José Régio (1901-1966), João Gaspar
Simões (1903-1987) e Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), e pintores como Dordio Gomes (1890-1976),
Mário Eloy (1900-1951), Sarah Afonso (1899-1993), Carlos Botelho (1899-1992), Abel Manta (1888-1992),
Bernardo Marques (1898-1962), Júlio (Reis Pereira) (1982-1983), Vieira da
Silva (Maria Helena) (1908-1992). Almada Negreiros (1893-1970) regressou
ao país e, tal como Eduardo Viana (1881-1967), protagonizou uma
consistente carreira.
Mais uma vez as revistas assumiram a dinamização literária e artística,
sendo de destacar a Contemporônea (1922-26) e a Presença (1927-40). Mais
uma vez, também, os artistas continuaram a deparar-se com a rejeição pelos
organismos oficiais, pelo que as exposições independentes que realizavam
(coletivas ou individuais), os cafés e clubes que decoravam e os periódicos
que ilustravam vieram a ser os seus grandes espaços de afirmação.
Como era de esperar, a decoração modernista de A Brasileira do Chiado e
logo a do Bristol Club, realizadas em 1925-26, causaram polémica. No dizer de José Augusto França,
aqueles espaços converteram-se no museu de arte contemporânea que Lisboa, de facto, não tinha.
Entre as revistas que empregaram artistas modernistas, salienta-se a Ilustração Portuguesa (de onde
se viram afastados ao fim de um ano de colaboração), a Domingo Ilustrado, a
ABC a lIustração, a Sempre Fixe. Nelas se distinguiram com as suas figuras
estilizadas, em enquadramentos de moda, de música e de desporto.
Em 1933, António Ferro (1895-1956) que, além de
destacado jornalista era simpatizante dos modernistas,
assumiu a direção do Secretariado da Propaganda
Nacional. A partir de então, a quase totalidade dos
artistas modernos foi utilizada na construção da imagem
de "novidade" que o Estado Novo pretendia criar. Ferro
convenceu Salazar que "a arte, a literatura e a ciência
constituem a grande fachada duma nacionalidade, aquilo
que se vê lá fora”.
Para saber mais sobre os movimentos literários e autores mais representativos durante o Estado Novo
consultar “Literatura portuguesa do início do século XX à atualidade”
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A pintura
Interrompidas pela violência da Primeira Guerra Mundial, as vanguardas artísticas esmoreceram.
Numa Europa reduzida a escombros, o sentido da obra de arte procurou-se na intervenção social e esta,
porque dirigida ao grande público, requeria uma linguagem simples e clara.
É assim que, depois de todas as desconstruções vanguardistas, se assiste, na Europa e no mundo, a
um "regresso à ordem”, isto é à arte figurativa.
Este novo realismo, que se fez sentir por toda a Europa, revelou-se cedo na Alemanha, especialmente
atingida pela trágica derrota na Primeira Guerra Mundial. Aí, o testemunho do primeiro expressionismo
passa para pintores como Max Beckmann (1880-1950), Otto Dix (1891-1961) ou George Grosz (1893-
1959), que nas suas obras nos deixam um retrato amargo da
sociedade do pós-guerra, marcada pelos contrastes sociais e pela
agitação política.
Nos Estados Unidos, a tendência figurativa assumiu uma
expressão particularmente forte. Conhecido como American Scene,
um movimento artístico de grande amplitude reuniu, nos anos 30,
artistas como Edward Hooper (1982-1967) ou Grant Wood (1891-
1942), que, numa
linguagem realista,
intensa e eficaz,
retrataram os mais
diversos aspetos
da América "da
Grande De-
pressão".
A convicção de que o artista deve contribuir para a
coletividade suscitou, neste período, o ressurgimento da
pintura mural. Preterindo a arte de cavalete, os pintores
interessam-se
pela
ornamentação
dos edifícios
públicos, onde a
sua obra é mais facilmente visível.
Muito utilizado como elemento da propaganda dos regimes
totalitários europeus, o mural teve também, por influência de
Diego Rivera (1886-1957) e outros artistas mexicanos, grande
difusão nos Estados Unidos. O programa de construções do New
Deal incluiu mais de 2000 encomendas de pinturas murais para os
novos edifícios públicos, que difundiram pelos recantos de uma
América abatida pela crise mensagens de alento e episódios da
gloriosa história do país. No México Frida Kahlo (1907-1954), é
também um nome a registar, pela singularidade da sua pintura
ligada a temas de costumes e das tradições.
Grant Wood, American Gothic, 1930
Diego de Rivera, A Nova Liberdade, 1933
Frida Kalo, Coluna Partida, 1944
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A arquitetura, arte da coletividade A consciência coletivista que marcou a cultura entre as duas guerras manifestou-se também na
arquitetura. Numa Europa destruída, os governos viram-se na necessidade de reerguer numerosos
edifícios e de realojar os seus cidadãos. Impunha-se uma construção simples, barata, mas digna. Havia
muito que a insalubridade dos bairros operários era alvo de denúncia social, acicatada pela difusão das
ideias socialistas que, na Rússia, acabavam de obter a sua primeira vitória. Tudo se conjugava, pois,
para que os arquitetos orientassem as suas pesquisas para as
necessidades da comunidade.
Nascido sob o signo da eficiência e do baixo custo, o novo
estilo arquitetónico tomou o nome de funcionalismo e
rapidamente começou a marcar, com as suas construções
despojadas, os bairros das cidades europeias.
O que primeiro chama a atenção na arquitetura
funcionalista é a simplificação dos volumes exteriores. Linhas
predominantemente retas delimitam volumes básicos, sólidos
geométricos regulares como o cubo e o paralelepípedo, que dão forma à maioria das construções. Os
telhados praticamente desaparecem, substituídos por coberturas planas que, transformadas em terraço,
prolongam o espaço da casa para o exterior.
Recobrindo estas formas, as paredes pr imam
pela ausência de elementos decorativos. Nelas,
muitas vezes formando uma linha contínua, rasgam-
se grandes janelas que deixam entrar o ar e a luz. Os
edifícios abrem-se e o vidro toma neles um lugar de
destaque.
Estas mudanças complementaram-se com uma
nova conceção dos espaços. Não são necessários
grandes quartos com tetos demasiadamente altos e
portas por onde passam gigantes. O Homem será a
escala para a construção da casa e esta deve ter
sempre em conta a vida que se processa dentro dela. Tem de ser prática, racional, em suma funcional, de
acordo com os seguintes princípios enunciados por Le Corbusier (1887-1965):
1. Sentido prático dos espaços (“ter uma casa
prática como uma máquina de escrever”).
2. Volume simples da casa (o que pressupõe a
redução das construções a sólidos geométricos
como o cubo e o paralelepípedo, que dão forma à
maioria das construções).
3. Eliminação dos elementos puramente
decorativos (o branco, por exemplo, é a cor
dominante em paredes lisas).
4. Janelas rasgadas de grandes dimensões,
graças ao uso de betão armado (“janelas
semelhantes às das fábricas”). Le Corbusier, Edifício habitacional, Berlim, 1957
Le Corbusier, Chemin de Villier, 1929
Le Corbusier, Capela de Ronchamp, 1950
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5. Coberturas em terraço (“viver numa casa sem telhado pontiagudo”).
6. Colunas que parecem sustentarem o edifício (o que permite o aproveitamento do espaço sobre o
qual a casa parece suspensa).
7. Flexibilidade no uso dos espaços interiores.
A arquitetura funcionalista desenvolvendo-se em
vários polos simultaneamente, o funcionalismo
contou com homens notáveis que, em conjunto,
podem considerar-se os criadores da arquitetura
moderna. É o caso de Le Corbusier (1987-1965),
arquiteto francês de origem suíça que, para além de
uma notável obra construída, publicou numerosos
artigos, ensaios e livros, onde expõe os fundamentos
da nova arquitetura; é também o caso do alemão
Walter Gropius (1883-1969), pioneiro pelas suas
soluções arrojadas e fundador da Bauhaus, escola de artes que terá uma influência marcante no design e
na arquitetura do século XX.
No decurso da década de 30 do século XX, a arquitetura funcionalista sofreu uma crescente
contestação. Acusavam-na de excessiva rigidez, de traçar géIidos planos de casas despersonalizadas que,
invariavelmente, lembravam muros de cimento armado com uma fieira horizontal de janelas. Por esta
altura, o novo estilo tinha já perdido muito do seu caráter inovador e esgotava-se em repetições de
fórmulas preestabelecidas.
Uma nova geração de arquitetos enveredou então por um estilo mais humanizado que, sem negar as
linhas mestras do funcionalismo, se libertou dos seus dogmas, procurando, para cada caso, a melhor
solução: em zonas chuvosas, por que optar por coberturas planas que propiciam as infiltrações, em vez
dos velhos telhados de duas águas, mais eficazes? Porquê utilizar obsessivamente linhas retas se, por
vezes, a curva ondulante, orgânica, se adapta melhor à exposição solar e ao terreno? Por que destacar a
casa da paisagem, como um corpo estranho, se for possível fundi-la com o meio envolvente, integrando-a
na Natureza?
Conhecido como funcionalismo orgânico, esta nova vertente arquitetónica teve excelentes cultores,
como é o caso do arquiteto finlandês Alvar Aalto
(1898-1976)) ou do norte-americano Frank Lloyd
Wright (1867-1959), que vieram trazer um novo fôlego
à arquitetura do século XX.
As preocupações do funcionalismo estenderam-se,
naturalmente, à cidade que, vista como um todo,
deveria também ser repensada segundo critérios
racionais.
A importância do tema trouxe-o para o centro dos
debates sobre arquitetura, tornando-o objeto de
estudo das CIAM - Conferências Internacionais de
Arquitetura Moderna - iniciadas em 1928. Cada
conferência tomou como tema de trabalho um aspeto
Walter Gropius, Sede da Bauhaus, Berlim, 1925
Frank Lloyd Wrigt, Casa da Cascata, 1936 (ver vídeo)
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específico. Em 1930, por exemplo, debateu-se a habitação social e, em 1933, sob a orientação de Le
Corbusier (1887-1965), os trabalhos debruçaram-se sobre "A Cidade Funcionalista".
As conclusões da conferência foram publicadas na célebre Carta de Atenas, que se tornou numa
espécie de guia do urbanismo funcionalista.
Segundo a Carta, a cidade deve satisfazer quatro funções principais: habitar, trabalhar, recrear o corpo
e o espírito, e circular. Numa lógica estritamente funcionalista cada uma destas funções ocuparia uma
zona específica da cidade. As três zonas articular-se-iam por uma eficiente rede de vias de comunicação.
Embora estas propostas tenham sido, posteriormente, consideradas demasiado racionalistas e
redutoras, a Carta teve o mérito de colocar as questões sociais no centro.
A cultura e o desporto ao serviço dos estados
A dimensão social e política que marcou a cultura dos anos 30 do século XX fez-se sentir com particular
intensidade nos estados totalitários. De direita ou de esquerda, as ditaduras compartilharam o mesmo
objetivo de colocar a cultura ao serviço do poder, procurando assegurar que a criação intelectual
contribuísse eficazmente para a construção da "ordem nova" que defendiam.
Poder-se-ia pensar que, ao subverterem a
estrutura social, os comunistas soviéticos
pressionassem as artes a romperem, igualmente,
com o passado. Porém, os bolcheviques eram
revolucionários em nome da coletividade e bem
depressa começaram a encarar as pesquisas
estéticas como expressão do individualismo
burguês.
À arte, à literatura, ao cinema foi atribuída a
missão de exaltarem as conquistas do
proletariado e de contribuírem para a educação
das massas. O êxito de uma tal tarefa implicava
a utilização de uma linguagem básica, acessível até aos mais humildes. Como já vimos, essa Iinguagem
não poderia ser outra senão a do realismo.
Assim, o regresso à arte figurativa e ao
realismo Iiterário que se fez sentir um pouco por
toda a parte assume, na Rússia de Estaline, uma
vertente dominantemente política que o regime
batizou de realismo socialista. Aos poucos, o
vanguardismo russo, pujante nas primeiras décadas
do século, desvaneceu-se, abafado por um rígido
controlo estatal, que se oficializou em 1932. Em
abril desse ano, o Comité Central do Partido
Comunista obriga todos os "trabalhadores criativos
soviéticos" a agruparem-se em "uniões de
criadores”; de acordo com a sua atividade (União
Isaak Brodsky, Lenine discursando aos operários, 1917
Aleksandr Guerassimov, Stalin e Vorochillov no Kremlim,
1938
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dos Arquitetos, dos Escritores, das Artes Plásticas...). A ninguém é permitido exercer a sua atividade fora
destas associações que estabelecem os parâmetros a seguir.
O realismo socialista procura refletir a alegria e o otimismo da nova so-
ciedade, o seu vigor e a sua dinâmica revolucionária, a excelência dos seus
dirigentes. Nas artes plásticas, os temas ficam Iimitados à pintura histórica,
às cenas que evocam o mundo socialista ou ao retrato que exalta os líderes
do regime.
Este cariz propagandístico da cultura estruturou-se também, em
moldes semelhantes, no regime nazi. Pouco depois da subida de Hitler ao
poder, é criada a Câmara da Cultura do Reich que adota uma política
frontalmente antimodernista. Centenas de obras de vanguarda são
retiradas dos museus
e são destituídos do
seu cargo os
conservadores que se
identificam com as
novas correntes. Posta ao serviço do nacional-
socialismo, a criação artística empenha-se em
exaltar, dentro dos preceitos do academismo, o
valor da raça ariana, a força e a felicidade
protagonizados pelo novo regime. É no quadro
dessa exaltação que tem que ser analisada a ação
propagandística levada a cabo pelo regime nazi de
realização dos Jogos Olímpicos em 1936.
Mais moderado, o fascismo italiano limita-se
a proteger os artistas que Ihe são favoráveis.
Sem instituições oficiais de controlo, o poder
exige, apenas, que não sejam postos em causa
os pilares da ordem fascista. Ponto comum a
todos os regimes estatizados é também o
regresso a uma arquitetura de feição
neoclássica e de dimensões grandiosas. 2)
Estado Novo: o projeto cultural do regime
Bem cedo o Estado Novo compreendeu a necessidade de uma produção cultural submetida ao regime.
Por isso, artistas, escritores, jornalistas, cineastas, ensaístas sentiram as malhas apertadas da censura,
que, sob o pretexto da subversão, atingiram de forma discricionária pedaços da criação cultural
portuguesa. Mas o Estado Novo foi mais longe nos seus propósitos de controlo da produção cultural.
Concebeu um projeto totalizante que fez de artistas e escritores instrumentos privilegiados da
inculcação e da propaganda do seu ideário.
Arno Breker`s, O Guarda, 1930
(Arte ao serviço do estado nazi)
Leni Riefenstahl, a mais famosa
realizadora de cinema do período
nazi. O Triunfo da Vontade é o seu
filme mais conhecido
Estádio Olímpico de Berlim, construído para os Jogos Olímpicos de
1936
Hitler presidiu à abertura dos Jogos Olímpicos de 1936
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Esse projeto cultural, a que se chamou "política do espírito”; pois pretendia elevar a mente dos
portugueses e alimentar a sua alma, viria a ser implementado pelo Secretariado da Propaganda
Nacional (1933), que António Ferro dirigiu com devida mestria.
Jornalista afamado e cosmopolita, amigo
dos modernistas (editou a revista Orpheu,
em 1915), admirador convicto de Mussolini
e de Salazar, António Ferro (1895-1956)
convenceu o ditador português da
importância das manifestações culturais
para o regime se revelar às massas, as
impregnar e cultivar. Ferro costumava dizer
que "a arte, a literatura e as ciências consti-
tuem a grande fachada duma nacionalidade,
o que se vê lá de fora; pelo que ao Estado
competiria estimular a criação cultural.
Conhecedor do efeito da propaganda
fascista na Itália, Ferro servia-se, assim, da
"política do espírito" para mediatizar o
regime. Claro que A. Ferro e Salazar possuíam uma ideia muito precisa de cultura. Pretendiam-na
arredada de preocupações, decadentistas e dissolventes da unidade nacional. Pelo contrário, as artes e
as letras deveriam propiciar uma "atmosfera saudável”; inculcando no povo o amor da pátria, o culto
dos heróis, as virtudes familiares, a confiança no progresso, ou seja, o ideário do Estado Novo.
Mas essa cultura, que se queria portuguesa e nacionalista, teria, igualmente, que evidenciar uma
estética moderna e aberta ao seu tempo, aquilo que Ferro designava de "bom gosto': Simpatizante dos
modernistas, Ferro chamá-Ios-ia a colaborarem com o regime, promovendo uma controversa e
problemática união entre conservadorismo e vanguarda.
No domínio literário, a ação do Secretariado da Propaganda Nacional revelar-se-ia um fracasso. A
adesão dos escritores foi escassa e, dos que o regime premiou, poucos se vieram a destacar. Em 1947, o
SPN elaborou uma lista das obras "essenciais" da literatura, que se ficava pelo Romantismo.
“A Lição de Salazar”, cartaz editado em 1938 pelo Secretariado de
Propaganda Nacional, a fim de ser comentado elos professores
nas escolas primárias
Exposição do Mundo Português, 1940
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Já nas artes plásticas e decorativas, na arquitetura, no bailado, no cinema e até no teatro, a
colaboração mostrou-se mais fecunda.
Num país em que a burguesia não criara
um mercado cultural, o Estado assumia-se
como grande entidade empregadora.
Através de exposições nacionais e
internacionais, muitas de cariz histórico,
como a Exposição do Mundo Português,
realizada em 1940, das obras públicas do
regime, de festas populares, do teatro, do
cinema e da rádio, do bailado, do turismo
e de concursos (como os concursos de
montras e da "aldeia mais portuguesa"),
patrocinaram-se artistas e produções que
divulgassem, sobretudo, as tradições
nacionais e populares e que enaltecessem a grandeza histórica do país e a dimensão civilizadora dos
Portugueses.
Mas, ironia do destino, todo o investimento do Estado Novo e todo o empenho entusiástico de
António Ferro sofreriam um duro golpe com a derrota dos fascismos em 1945. Perante a dificuldade de
enquadrar as novas gerações de modernos na ideologia do regime e agastado com as críticas à sua ação
no SPN, Ferro abandonou aquele organismo em 1949. Para trás ficava o projeto grandioso de forjar um
português novo, o português "estado-novo”.
1) In Contemporâneos, Revista de Artes e Humanidades, nº 3. Henriques, Emílio Andrade e Rogério et outros2009 A Arte do
Século XX como a Exaltação de todos os Sentidos, Universidade Federal de Viçosa. 2009. [Consultado em 2015-04-23 21:22:00].
Disponível na Internet: http://www.revistacontemporaneos.com.br/n3/pdf/seculoxx.pdf, Adaptado
2) No essencial retirado de: Couto, Célia Pinto de; Antónia, Maria; Rosas, Monterroso. (2015) Um Novo Tempo da História.
Porto: Porto Editora. Adaptado.
Salazar faz-se esculpir por António Franco, sob o olhar atento de António
Ferro, 1934