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PROCESSO CIVIL MARCHA DO PROCESSO 11 DE JUNHO DE 2014 Duração da prova. 2h30m Ana instaurou uma acção contra Beatriz e Carlos, pedindo a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fracção autónoma Y de um determinado prédio, por Beatriz a Carlos, com fundamento na simulação da parte compradora. O contrato foi celebrado por escritura pública de Janeiro de 2010 e pelo preço de € 300.000,00. Ana pede ainda que o tribunal declare que ela era a verdadeira proprietária da fracção, de modo a poder corrigir o que se encontrava inscrito no registo predial. Para o efeito, Ana alegou que, na altura, se encontrava em vias de iniciar um processo de divórcio e que, para evitar que a fracção entrasse na comunhão conjugal, combinou com Beatriz (proprietária da fracção) e com Carlos que a fracção seria comprada em nome de Carlos mas, na realidade, por Ana, que pagaria efectivamente o preço. Para o caso de o tribunal vir a entender que não havia prova do acordo, Ana alega ter celebrado com Carlos um contrato de mandato sem representação e pede a sua condenação na transmissão da propriedade da fracção; e, se o tribunal também não der como assente este contrato, pede a restituição dos € 300.000,00 que diz ter entregue a Beatriz, por enriquecimento sem causa. Todos são portugueses; Ana reside em Lisboa; Beatriz e Carlos residem no Porto, cidade onde se situa o prédio a que pertence a fracção e onde foi lavrada a escritura de compra e venda. 1. Suponha que os réus contestam em conjunto, dizendo que é contraditório pedir simultaneamente a declaração de nulidade e a condenação de Carlos na transmissão do direito de propriedade sobre a fracção, ou a restituição do dinheiro; que, por isso, Ana não pode fazer todos esses pedidos numa mesma acção e que, consequentemente, a acção deveria ter sido liminarmente indeferida, sem sequer os citar. Diga justificadamente se os réus têm razão, ou se a acção poderia ter sido proposta tal como foi. 2. Suponha agora que Beatriz e Carlos contestam separadamente. Beatriz nada diz quanto aos factos alegados por Ana, excepto quanto ao pagamento dos € 300.000,00 de preço, que diz não ter recebido ; e pede que Ana seja condenada a pagar-lhe esse mesmo preço. Carlos nada diz sobre os factos alegados por Ana; afirma, apenas, que comprou a fracção a Beatriz, para si próprio e pagando o preço integralmente do seu bolso. Diga, justificando: a) Se Beatriz pode pedir a condenação de Ana, nesta acção; b) Tendo em conta ambas as contestações, se o tribunal deve incluir nos temas da prova a combinação que Ana descreveu; c) Se o tribunal pode aceitar um articulado apresentado por Ana no qual ela contesta o pedido de condenação formulado por Beatriz e nega o que Carlos disse na sua contestação. 3.Suponha agora que, na sentença, as partes são surpreendidas com a seguinte decisão: “Tendo em conta os resultados da prova, o tribunal conclui que Carlos comprou efectivamente a fracção a Beatriz, com dinheiro emprestado por Ana. Consequentemente, condeno Carlos na restituição de € 300.000, com juros de mora, calculados à taxa legal, desde esta sentença até integral pagamento”. Ana e Carlos querem questionar a validade desta sentença. Diga se têm fundamento para o fazer. 4. Finalmente, admita que, por sentença transitada em julgado, o tribunal tinha julgado procedente o pedido de condenação de Carlos na transmissão para Ana da propriedade da fracção, ao abrigo do alegado mandato sem representação. Carlos não se conforma e instaura nova acção contra Ana e Beatriz, pedindo que se declare que é o efectivo proprietário da fracção, por a ter comprado a Beatriz, como dissera na contestação. Acrescenta, agora, que tinha sido forçado por Ana a assinar o documento com base no qual o tribunal dera como provado o contrato de mandato sem representação, como garantia de pagamento de uma indemnização que lhe devia. Ana invoca a sentença proferida na primeira acção, sustentando que a segunda não pode ser julgada. Tem razão?

Exame Processo Civil (MP) - 11 de Junho de 2014 e 14 de Junho de 2014

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Page 1: Exame Processo Civil (MP) - 11 de Junho de 2014 e 14 de Junho de 2014

PROCESSO CIVIL – MARCHA DO PROCESSO – 11 DE JUNHO DE 2014

Duração da prova. 2h30m

Ana instaurou uma acção contra Beatriz e Carlos, pedindo a declaração de nulidade do contrato de

compra e venda da fracção autónoma Y de um determinado prédio, por Beatriz a Carlos, com fundamento

na simulação da parte compradora. O contrato foi celebrado por escritura pública de Janeiro de 2010 e

pelo preço de € 300.000,00. Ana pede ainda que o tribunal declare que ela era a verdadeira proprietária da

fracção, de modo a poder corrigir o que se encontrava inscrito no registo predial.

Para o efeito, Ana alegou que, na altura, se encontrava em vias de iniciar um processo de divórcio e

que, para evitar que a fracção entrasse na comunhão conjugal, combinou com Beatriz (proprietária da

fracção) e com Carlos que a fracção seria comprada em nome de Carlos mas, na realidade, por Ana, que

pagaria efectivamente o preço.

Para o caso de o tribunal vir a entender que não havia prova do acordo, Ana alega ter celebrado com

Carlos um contrato de mandato sem representação e pede a sua condenação na transmissão da propriedade

da fracção; e, se o tribunal também não der como assente este contrato, pede a restituição dos €

300.000,00 que diz ter entregue a Beatriz, por enriquecimento sem causa.

Todos são portugueses; Ana reside em Lisboa; Beatriz e Carlos residem no Porto, cidade onde se

situa o prédio a que pertence a fracção e onde foi lavrada a escritura de compra e venda.

1. Suponha que os réus contestam em conjunto, dizendo que é contraditório pedir simultaneamente a

declaração de nulidade e a condenação de Carlos na transmissão do direito de propriedade sobre a fracção,

ou a restituição do dinheiro; que, por isso, Ana não pode fazer todos esses pedidos numa mesma acção e

que, consequentemente, a acção deveria ter sido liminarmente indeferida, sem sequer os citar. Diga

justificadamente se os réus têm razão, ou se a acção poderia ter sido proposta tal como foi.

2. Suponha agora que Beatriz e Carlos contestam separadamente. Beatriz nada diz quanto aos factos

alegados por Ana, excepto quanto ao pagamento dos € 300.000,00 de preço, que diz não ter recebido; e

pede que Ana seja condenada a pagar-lhe esse mesmo preço.

Carlos nada diz sobre os factos alegados por Ana; afirma, apenas, que comprou a fracção a Beatriz,

para si próprio e pagando o preço integralmente do seu bolso.

Diga, justificando:

a) Se Beatriz pode pedir a condenação de Ana, nesta acção;

b) Tendo em conta ambas as contestações, se o tribunal deve incluir nos temas da prova a

combinação que Ana descreveu;

c) Se o tribunal pode aceitar um articulado apresentado por Ana no qual ela contesta o pedido de

condenação formulado por Beatriz e nega o que Carlos disse na sua contestação.

3.Suponha agora que, na sentença, as partes são surpreendidas com a seguinte decisão: “Tendo em

conta os resultados da prova, o tribunal conclui que Carlos comprou efectivamente a fracção a Beatriz,

com dinheiro emprestado por Ana. Consequentemente, condeno Carlos na restituição de € 300.000, com

juros de mora, calculados à taxa legal, desde esta sentença até integral pagamento”.

Ana e Carlos querem questionar a validade desta sentença. Diga se têm fundamento para o fazer.

4. Finalmente, admita que, por sentença transitada em julgado, o tribunal tinha julgado procedente o

pedido de condenação de Carlos na transmissão para Ana da propriedade da fracção, ao abrigo do alegado

mandato sem representação. Carlos não se conforma e instaura nova acção contra Ana e Beatriz, pedindo

que se declare que é o efectivo proprietário da fracção, por a ter comprado a Beatriz, como dissera na

contestação. Acrescenta, agora, que tinha sido forçado por Ana a assinar o documento com base no qual o

tribunal dera como provado o contrato de mandato sem representação, como garantia de pagamento de

uma indemnização que lhe devia. Ana invoca a sentença proferida na primeira acção, sustentando que a

segunda não pode ser julgada. Tem razão?

Page 2: Exame Processo Civil (MP) - 11 de Junho de 2014 e 14 de Junho de 2014

PROCESSO CIVIL –– MARCHA DO PROCESSO – 14.6.2014

duração: 2h30m

Por contrato celebrado por escrito em Lisboa, em Junho de 2013, a sociedade A,

comprometeu-se a fornecer e montar equipamento de cozinha (electrodomésticos e

mobiliário) à sociedade B, que pretendia organizar num local que arrendara para o efeito

um concurso destinado a escolher o melhor pasteleiro da Península Ibérica, a realizar

em Junho de 2014.

Ficou acordado que tudo estaria montado e a funcionar até ao fim de Janeiro de

2014. O valor global do contrato foi de € 300.000,00.

A sub-contratou com a sociedade C a realização dos trabalhos de canalização e

de electricidade necessários, a concluir até ao fim de Outubro de 2013.

Alegando que em Março de 2014 A não tinha terminado a montagem, apesar das

diversas insistências para que cumprisse o acordo, B enviou-lhe uma carta a resolver o

contrato e propôs contra A uma acção, pedindo que o tribunal declarasse eficazmente

resolvido o contrato, por incumprimento definitivo de A e que o condenasse na

restituição da parte do preço que já pagara, € 50.000,00, e no pagamento de uma

indemnização de € 500.000,00, montante que fora obrigada a gastar com o

arrendamento de um outro espaço já equipado para o concurso, que não podia ser

adiado.

Todas as sociedades têm sede em Lisboa. O local arrendado por B também se

situa em Lisboa. A acção foi proposta ainda em Março de 2014.

I. Suponha que A contestou, afirmando:

a) Que os trabalhos estavam praticamente concluídos quando A resolveu o

contrato; que entretanto, logo no princípio de Abril, quis entregar a obra, mas que A não

a aceitou. Deve, portanto, ser absolvida do pedido;

b) Que se atrasou porque C só terminou a canalização em Dezembro de 2013;

portanto, a acção deveria ter sido proposta também contra C; deve, portanto, ser

absolvida do pedido;

c) Que B não podia, numa mesma acção, pretender a restituição da parte do

preço já paga e, simultaneamente, pedir a indemnização por incumprimento, por serem

pedidos incompatíveis e deverem ser apreciados por tribunais diferentes; deve, portanto,

ser absolvida do pedido;

d) Que cumpriu o contrato e, portanto, pretende que B seja condenado a pagar-

lhe a parte do preço em falta, € 250.000,00, e uma indemnização de € 25.000,00 por

danos não patrimoniais (ofensa ao bom nome da sociedade).

Qualifique os tipos de contestação, diga se são admissíveis e, em caso

afirmativo, que consequência teriam, se fossem procedentes.

II. Suponha agora que a acção acima descrita foi proposta contra A e C, pedindo

a sua condenação solidária na restituição do preço e no pagamento da indemnização;

que A foi citada editalmente; e que só C contestou, dizendo, apenas, que tinha concluído

os seus trabalhos dentro do prazo. Não houve mais articulados.

Suponha que o juiz convoca a audiência preparatória; a autora comparece mas as

rés faltam.

a) Deve o juiz incluir nos temas da prova os factos, alegados pela autora,

relativos à celebração e aos termos do contrato, bem como ao incumprimento de A?

Page 3: Exame Processo Civil (MP) - 11 de Junho de 2014 e 14 de Junho de 2014

b) Pode o juiz absolver C da instância, por ilegitimidade, e aplicar a A os efeitos

da revelia? E se A tivesse sido citada pessoalmente, seria diferente a resposta?

c) Pode o tribunal, invocando os seus poderes de gestão processual, determinar à

secretaria que volte a tentar citar pessoalmente A? Se B entender que se trata de um acto

proibido por lei, como poderá reagir?

III. Suponha, de novo, que a acção tinha sido proposta apenas contra A , que A

não contestou e que a acção foi julgada totalmente procedente, por sentença transitada

em julgado.

A propõe então uma acção contra B pedindo que o tribunal anule o contrato

entre ambas celebrado e condene B no reembolso das despesas que teve com materiais e

mão de obra, que calcula em € 100.000,00. Para o efeito, alega ter sido induzida em erro

por B, quanto às condições do local onde deveria instalar os equipamentos, que veio a

descobrir que era totalmente desadequado para o efeito e que, e o tivesse sabido, nunca

teria aceitado contratar.

B defende-se invocando caso julgado anterior e sustentando que a acção não

pode ser admitida. Tem razão? Que deve responder o juiz?