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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Taubaté. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio do Promotor de Justiça que a esta subscreve, nos termos do disposto no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, no artigo 25, inciso IV, letra "a", da Lei nº. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), e no artigo 103, inciso VII, letras "a" e "b", e inciso VIII, da Lei Estadual nº. 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de tutela antecipada, em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, representada juridicamente, nos termos do art. 12, I, do Código de Processo Civil e art. 99, I da Constituição Estadual, pela Procuradoria Geral do Estado, cujo órgão sede, nesta Comarca, situa-se à Praça Holanda, n.º 80, bairro Jardim das Nações-Independência, e, na Comarca da Capital, no Viaduto Dona Paulina, n.º 80, pelos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor. DOS FATOS 1 - Atualmente, a prestação de assistência à saúde que o Estado de São Paulo disponibiliza a população do Vale do Paraíba, e, especificamente, aos cidadãos do Município de Taubaté, é deficiente e, em alguns casos, beira ao caos, por conta da total omissão do Poder Público. 2 - A forma como o governo do Estado de São Paulo vem gerindo o Sistema Único de Saúde na região do Vale do Paraíba não atende aos reclamos e às necessidades da população, principalmente na Comarca de Taubaté, que optou pelo modelo de Gestão Plena de Atenção Básica à saúde. Segundo este modelo de gestão: o município, através do Piso de Atenção Básica (PAB), recebe um montante per capita previamente fixado e a administração local desenvolve um conjunto de ações de atenção

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da ... · a Central de Regulação da extinta DIRXXIV – Taubaté já deixava claro no ofício de ... Por certo. Embora oficialmente

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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Taubaté.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio do Promotor de Justiça que a esta subscreve, nos termos do disposto no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, no artigo 25, inciso IV, letra "a", da Lei nº. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), e no artigo 103, inciso VII, letras "a" e "b", e inciso VIII, da Lei Estadual nº. 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), vem, perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de tutela antecipada,

em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, representada juridicamente, nos termos do art. 12, I, do Código de Processo Civil e art. 99, I da Constituição Estadual, pela Procuradoria Geral do Estado, cujo órgão sede, nesta Comarca, situa-se à Praça Holanda, n.º 80, bairro Jardim das Nações-Independência, e, na Comarca da Capital, no Viaduto Dona Paulina, n.º 80, pelos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor.

DOS FATOS

1 - Atualmente, a prestação de assistência à saúde que o Estado de São Paulo disponibiliza a população do Vale do Paraíba, e, especificamente, aos cidadãos do Município de Taubaté, é deficiente e, em alguns casos, beira ao caos, por conta da total omissão do Poder Público.

2 - A forma como o governo do Estado de São Paulo vem gerindo o Sistema Único de Saúde na região do Vale do Paraíba não atende aos reclamos e às necessidades da população, principalmente na Comarca de Taubaté, que optou pelo modelo de Gestão Plena de Atenção Básica à saúde.

Segundo este modelo de gestão:

“o município, através do Piso de Atenção Básica (PAB), recebe um montante per capita previamente fixado e a administração local desenvolve um conjunto de ações de atenção

primária, voltadas para promoção da saúde e prevenção, tratamento e reabilitação da doença. Existe, ainda, uma parte variável do financiamento relativa a incentivos para o desenvolvimento de ações básicas de Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental, Assistência Farmacêutica Básica, Programa de Agentes Comunitários de Saúde, de Saúde da Família, de Combate a Carências Nutricionais.” (Dados obtidos junto ao site http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/anuario2001/orgsis/notas.cfm).

Destarte, o Município de Taubaté não se responsabiliza pela assistência de média e alta complexidade e pelas internações hospitalares.

Sendo assim, o “Estado tem entre outras responsabilidades a operacionalização das centrais de controle de leitos, de marcação de consultas especializadas e de internações e a contratação, o controle, a auditoria e o pagamento a todos os prestadores de serviços sob sua gestão, como procedimentos ambulatoriais e hospitalares de alto custo e de alta complexidade” (idem).

3 - Segundo informação prestada pela Diretora Técnica do Departamento de Saúde da DRS XVII – Taubaté, nos autos do inquérito civil n.º 18/2007, o órgão da Secretaria de Estado da Saúde adota a seguinte sistemática:

“A DRS XVII de Taubaté realiza a regulação para procedimentos quando não há possibilidade de prestação no âmbito regional.

Os casos de urgência são regulados através da Central de Regulação Médica de Urgência que funciona 24 horas diárias.

Esgotadas as vagas ou em caso de inexistência da especialidade na região de abrangência do Departamento Regional de Saúde de Taubaté, é feita a solicitação junto a Central de Regulação de Urgência e Emergência Metropolitana em São Paulo.

A Central de Regulação do Departamento Regional de Saúde de Taubaté também faz regulação de ambulância UTI. Existem 2 ambulâncias, sendo que uma permanece em Pindamonhangaba e outra permanece em Guaratinguetá, ficando o município solicitante responsável pelo acompanhamento do paciente” (fls. 22).

4 - Como visto, ao Estado cabe regular os procedimentos ambulatoriais e hospitalares de alto custo e de alta complexidade, bem como as internações hospitalares.

Em todas estas hipóteses, devido à gravidade das hipóteses contempladas, há certeza da necessidade e da urgência da prestação da assistência à saúde.

5 - Contudo, o governo do Estado de São Paulo não presta os seguintes procedimentos médicos na região do Vale do Paraíba (fls. 96):

- Exames complementares de média e alta complexidade em oftalmologia.- Exames complementares em genética.- Cintolografia de ablativa de Tireóide com iodo radio radioativo.- Angiorressônancia magnética.- Arteriografia/Angiografia.- Cirurgia bariátrica.- Cirurgias Endovascular e vascular de alta complexidade.- Cirurgia cardiáca infantil.- Eletrofisiologia cardíaca.- Eletroneuromiografia.- Internação em hospital psiquiátrico de longa permanência.

6 - Não bastasse isso, devido à sistemática adotada pela Secretaria de Estado da Saúde, a regulação dos procedimentos ambulatoriais e hospitalares e das internações que o Departamento Regional de Saúde - DRS XVII – Taubaté vem realizando se mostra totalmente ineficiente, e causa uma sobrecarga de serviços indevida ao Pronto Socorro Municipal de Taubaté; que, sem estar devidamente equipado para proceder a internações de pacientes (por prestar um atendimento meramente ambulatorial) é obrigado a fazê-lo, sob pena de os pacientes não receberem atendimento algum.

A título de exemplificação, no mês de janeiro de 2007, a direção do Pronto Socorro Municipal de Taubaté realizou cerca de 1.607 (mil seiscentos e sete) solicitações de vagas ao DRS XVII – Taubaté, sendo que deste total, apenas 153 (cento e cinqüenta e três) vagas foram concedidas (fls. 78). Ou seja, menos que dez por cento do total.

Naquela oportunidade, a média diária de pacientes que permaneceram indevidamente no Pronto Socorro Municipal, em observação, aguardando uma vaga foi de 51,83 pessoas.

7 - Tal realidade não se alterou ao longo dos meses que se seguiram (fls. 79, 80 e 81), pois, em média, somente 10% das solicitações de vagas são atendidas:

Mês Vagas Solicitadas

Vagas Concedidas

Média Diária de Pacientes em observação

Fevereiro 1.372 162 49Março 1.681 168 54.22Abril 1.649 171 54,96

8 - Um atendimento que se mostra extremamente deficiente, e assaz preocupante, é aquele prestado às pessoas necessitadas de assistência na área de Saúde Mental, em Taubaté; no qual ao longo do primeiro quadrimestre do ano de 2007, de 1.121 (mil cento e vinte e uma) solicitações de vagas para internações realizadas, apenas 08 (oito) foram concedidas (fls. 89), havendo casos de pacientes que aguardaram atendimento por até cento e oito dias.

9 - Tal fato se explica, tendo em conta que desde o dia 20 de junho de 2005, a Central de Regulação da extinta DIRXXIV – Taubaté já deixava claro no ofício de n.º 12/2005, o seguinte:

“1 . Esta Central não mais receberá rotineiramente todos os pedidos de internação em enfermaria do PSMT.” (grifamos. Fls. 85)

A partir do momento que um órgão do próprio governo do Estado de São Paulo, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, afirma que somente serão atendidas às solicitações de internação de parte dos pacientes do SUS, isso significa assumir uma opção consciente e deliberada de frustrar o direito de todos ao “acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”, previsto no artigo 2º, parágrafo primeiro, da Lei n.º 8.080/90.

Atualmente, alguns pacientes permanecem num verdadeiro calvário, por dias, nas dependências do Pronto Socorro Municipal de Taubaté, no aguardo de uma vaga de internação, cuja concessão somente ocorre após a intervenção desta Promotoria de Justiça da Cidadania de Taubaté (fls. 181/210).

Tal situação infelizmente não se restringe ao Município de Taubaté, porém, não condiz com a realidade de um país que está situado em 10º lugar entre as maiores economias mundiais; embora pelos cálculos do próprio Ministério da Fazenda, já sejamos a 8ª economia mundial (fls. 180).

10 - Deve se ressaltar ainda que, a área cuja cobertura se encontra sob a responsabilidade do Departamento Regional de Saúde - DRS XVII – Taubaté compreende os Municípios de Jacareí a Bananal, além dos Municípios do Litoral Norte.

11 - E não é só. Além de proceder ao atendimento parcial dos pacientes, somente nos meses de janeiro a abril de 2007 o referido Departamento encaminhou

um total de 4.785 (quatro mil setecentos e oitenta e cinco) pacientes de toda a região para tratamento em Municípios situados fora de seus domicílios (fls. 99/103).

12 - Porém, é da sabença geral que a clientela que busca a assistência médica prestada pelo Sistema Único de Saúde é composta, na sua esmagadora maioria, por pessoas desprovidas de recursos financeiros suficientes para custear os gastos com deslocamentos, estadia e alimentação, seja da própria ou de seus acompanhantes (uma vez que por serem portadores de enfermidades catalogadas como sendo de média e alta complexidade, elas não reúnem condições de saúde para viajarem desacompanhadas).

Contudo, embora encaminhe os pacientes para tratamento fora de seus domicílios, o Departamento Regional de Saúde - DRS XVII – Taubaté não se responsabiliza pelo seu transporte, sob o argumento de que tal obrigação cabe aos Municípios (fls. 21, item E).

Muitas vezes, a determinação para a realização de tratamento fora da área de abrangência da DRS XVII – Taubaté ocorre, não pela inexistência de determinada especialidade médica nesta região mas, pelo fato de as empresas especializadas não serem contratadas pelo SUS.

Por certo. Embora oficialmente figure como entidade contratada pelo SUS na região do Vale do Paraíba (fls. 28 e 30), a direção da Santa Casa de São José dos Campos informou que:

“Os leitos não foram ocupados pelo SUS em 2006, tendo em vista que a Prefeitura Municipal detém a administração plena da saúde em São José dos Campos, por ter optado pela utilização de suas instalações no Hospital Municipal e o Estado de São Paulo não ter interessado em contratar o nosso Hospital (grifamos. Fls. 121).

13 - Não raro, os pacientes portadores de enfermidades catalogadas como sendo de média e de alta complexidade necessitam ser transportados em condições especiais.

Porém, o Departamento Regional de Saúde - DRS XVII – Taubaté conta apenas com duas ambulâncias UTI - uma sediada no Município de Guaratinguetá e outra no Município de Pindamonhangaba (fls. 22) – para atender todos os Municípios sob a sua responsabilidade.

Além disso, nem todos os Municípios possuem créditos orçamentários suficientes para promoverem o transporte desses pacientes.

14 - Conclui-se, assim, que além de atender somente cerca de 10% de todos os pacientes que necessitam de assistência à saúde no Município de Taubaté, o Departamento Regional de Saúde - DRS XVII – Taubaté ainda lhes restringe o acesso universal e igualitário aos serviços prestados pelo SUS, já que, em razão das dificuldades já informadas, muitos deles simplesmente deixam de comparecer ao local dos exames ou das consultas.

15 - Tal fato, além de atentatório ao direito à saúde, representa uma injustificável omissão do Estado; a quem cabe a obrigação de providenciar transporte, estadia e alimentação, não só aos pacientes, mas também aos seus acompanhantes.

DO DIREITO

A Constituição da República prevê a saúde como direito social básico de todas as pessoas e dever do Estado, garantindo, dessa forma, o acesso universal e igualitário de todos às ações e aos serviços de saúde:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Assim, é direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF).

A negativa ou a omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui, por exemplo, meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência é prática ilegal, e a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (vide STF, AG nº. 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº. 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

Nenhuma regra hermenêutica pode se sobrepor ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).

Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida e da saúde.

Observa-se, portanto, que os Constituintes elencaram a cidadania

e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da democracia a ser

instalada (art. 1º, da CF). Arrolaram como objetivos fundamentais da nova

República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia

do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização;

a redução das desigualdades sociais e regionais; e, ainda, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, da CF).

Ora, aqueles que se propõem a cumprir tais objetivos devem criar

as condições que permitam e favoreçam o desenvolvimento integral da

pessoa, primando pela qualidade de vida, que implica, dentre outras coisas,

a promoção, a defesa e a recuperação da saúde individual e coletiva. Por

isso, a saúde ganhou tratamento especial na Constituição, com seção

própria e com ênfase ao acesso universal e igualitário às ações e serviços.

A Carta Paulista traduz, para o contexto regional, os direitos estatuídos na Lei Maior e é complementada pelo Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar n.º 791, de 09 de março de 1995), que expressamente reconhece que “O direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito público subjetivo” (art. 2º, § 1º).

Ainda segundo o mesmo Código, o direito à saúde garante ao indivíduo “exigir, por si ou por meio de entidade que o representante e defenda os seus direitos, serviços de qualidade prestados oportunamente e de modo eficaz”; “ser tratado por meios adequados e com presteza, correção técnica, privacidade e respeito” (grifamos. Art. 3º, inciso IV, alíneas “a” e “c”).

Presteza e eficácia pressupõem a imediatidade do atendimento, identificando uma assistência que deve ser prestada desde logo, ou seja, sem demora.

De igual modo, o Código de Saúde do Estado de São Paulo prevê como diretrizes a serem seguidas, aquelas que garantam a universalidade de acesso do

indivíduo às ações e aos serviços em todos os níveis de atenção à saúde; igualdade de atendimento; eqüidade, como forma de suprir as deficiências do tratamento igualitário de casos e situações (art. 12, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”).

Todavia, o Estado Democrático de Direito não é exatamente o regime político que se caracteriza pela plena igualdade de todos perante a lei.

O princípio da igualdade, previsto constitucionalmente, deve ser entendido não como um nivelamento objetivo, indiscriminado, de todos os cidadãos, mas sim como a garantia potencial, juridicamente considerada, de que a todos os membros da coletividade sejam disponibilizadas as mesmas oportunidades, de forma a conferir igual tratamento aos iguais e desigual tratamento aos desiguais, na busca do equilíbrio das relações humanas que se desenvolvem na sociedade.

Na clássica citação de Rui Barbosa, "in" "Oração aos Moços, Escritos e Discursos Seletos" (Ed. José Aguilar. Página 685), bem se pode depreender o conteúdo jurídico do princípio da igualdade:

"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real".

Destarte, o cumprimento das diretrizes instituídas pelo Código de Saúde do Estado de São Paulo, dadas às circunstâncias do caso em questão, pressupõe a identificação prévia do traço que iguala ou que desiguala todos os usuários do Sistema Único de Saúde – SUS.

A igualá-los tem-se o fato de que todos eles, jovens, adultos ou idosos, sem exceção, necessitarem de assistência que lhes garanta a promoção, defesa e recuperação da saúde.

Já o ponto caracterizador de distinção está no fato de que, em relação a alguns dos usuários do SUS, notadamente crianças, adolescentes, portadores de deficiência e idosos, há a previsão legal garantindo-os o direito ao custeio das suas despesas, pessoais e dos seus acompanhantes, durante o período de internação ou nas hipóteses de necessidade de se buscar auxílio médico em local fora dos seus domicílios.

Em relação às crianças e aos adolescentes, o Estatuto que rege as relações de seus interesses (Lei n.º 8.069, de 13 de junho de 1990), sem fazer distinção entre estabelecimentos da rede pública e privada, estabelece que:

Art. 12 - Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.

Já no que se refere aos interesses da pessoa idosa, o Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741, de 1º de Outubro de 2003), dispõe que:

Art. 16 - Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico.

De igual modo, nos termos do Decreto n.º 1.744, de 8 de dezembro de 1995, que regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, idosos e deficientes gozam do direito de terem as despesas próprias e dos seus acompanhantes custeadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, no caso de precisarem se deslocar do local das suas residências para se submeterem à avaliação pericial:

Art. 14 - A deficiência será comprovada mediante avaliação e laudo expedido por serviço que conte com equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde - SUS ou do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Parágrafo terceiro - Quando o beneficiário deslocar-se por determinação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para submeter-se a avaliação em localidade diversa da de sua residência, deverá a instituição custear o seu transporte e pagar-lhe diária.

Parágrafo quarto - Caso o beneficiário, a critério do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS necessite de acompanhante, a viagem deste deverá ser autorizada, aplicando-se o disposto no parágrafo anterior. (grifamos)

Nos termos do Capítulo VII, da Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, prevê-se o direito ao acompanhamento da mulher grávida durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, nos seguintes termos:

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença,

junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

Parágrafo segundo - As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.

Por sua vez, o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999, estabelece que:

Art. 171 - Quando o segurado ou dependente deslocar-se por determinação do Instituto Nacional do Seguro Social para submeter-se a exame médico-pericial ou a processo de reabilitação profissional em localidade diversa da de sua residência, deverá a instituição custear o seu transporte e pagar-lhe diária no valor de R$ 24,57 (vinte e quatro reais e cinqüenta e sete centavos), ou promover sua hospedagem mediante contratação de serviços de hotéis, pensões ou similares.

Parágrafo primeiro - Caso o beneficiário, a critério do Instituto Nacional do Seguro Social, necessite de acompanhante, a viagem deste poderá ser autorizada, aplicando-se o disposto neste artigo.

Parágrafo segundo - Quando o beneficiário ficar hospedado em hotéis, pensões ou similares contratados ou conveniados pelo Instituto Nacional do Seguro Social, não caberá pagamento de diária. (grifamos)

Porém, em relação ao segurado em geral, que não se inclua em quaisquer das categorias anteriormente identificadas, não há uma garantia expressa em norma que lhes garanta, em qualquer situação, o custeio das despesas pessoais e dos seus acompanhantes, sempre que necessitarem, por determinação do SUS, buscar atendimento à saúde em local diverso dos seus domicílios.

Em sede administrativa, o Ministério da Saúde já prevê o dever de o Estado arcar com o pagamento das despesas dos pacientes, e, em situações especiais, dos seus acompanhantes, para o tratamento fora de domicílio, inclusive para o tratamento médico no exterior; conforme disposto na Portaria n.º 1.236/93 e na Portaria n.º 55/99, nos seguintes termos:

PORTARIA N.º 1.236, DE 14 DE OUTUBRO DE 1993

O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, resolve:

I – O tratamento médico no exterior de pacientes residentes e domiciliados no Brasil, somente será admissível quando esgotadas todas as possibilidades de tratamento a nível do Sistema Único de Saúde, nos diferentes níveis de governo.

MINISTÉRIO DA SAÚDESECRETARIA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Portaria SAS/N.° 055, de 24 de fevereiro de 1999.

Dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora de Domicilio no Sistema Único de Saúde — SUS, com inclusão dos procedimentos específicos na tabela de procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais do SIA/SUS e dá outras providências.

O Secretário de Assistência à Saúde, no uso de suas atribuições, Considerando a necessidade de garantir acesso de pacientes de um município a serviços assistenciais de outro município;

Considerando a importância da operacionalização de redes assistenciais de complexidade diferenciada, e Considerando a Portaria SAS/MSÍN° 237, de 09 de dezembro de 1998, publicada no Diário Oficial n° 238-E, de II de dezembro de 1998, que define a extinção da Guia de Autorização de Pagamentos — GAP, como instrumento para pagamento do Tratamento Fora do Domicilio — TFD, resolve:

Art. 1° - Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde — SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais — SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado.

§ 1° - O pagamento das despesas relativas ao deslocamento em TFD só será permitido quando esgotados todos os meios de tratamento no próprio município.

§ 2° - O TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS.

§ 3° - Fica vedada a autorização de TFD para acesso de pacientes a outro município para tratamentos que utilizem procedimentos assistenciais contidos no Piso da Atenção Básica — PAB.

§ 4°- Fica vedado o pagamento de diárias a pacientes encaminhados por meio de TFD que permaneçam hospitalizados no município de referência.

§ 5° - Fica vedado o pagamento de TFD em deslocamentos menores do que 50 Km de distância e em regiões metropolitanas.

Art. 4° - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.

§ 1° A autorização de transporte aéreo para pacientes/acompanhantes será precedida de rigorosa análise dos gestores do SUS.

Art. 7° - Será permitido o pagamento de despesas para deslocamento de acompanhante nos casos em que houver indicação médica, esclarecendo o porquê da impossibilidade do paciente se deslocar desacompanhado.

Afora as diversas restrições contidas nesta última portaria, é do entendimento doutrinário, que a portaria “É a formula pela qual autoridades de qualquer escalão de comando, desde que inferiores ao Chefe do Executivo, expedem orientações gerais ou especiais aos respectivos subordinados ou designam servidores para o desempenho de certas funções, ou, ainda, determinam a abertura de sindicância e inquérito administrativo” (grifamos. Diógenes Gasparini. Direito Administrativo. Página 88. Editora Saraiva).

Ou seja, as portarias não possuem os efeitos de uma lei, e, por poderem ser revogadas, a qualquer tempo, não conferem segurança ao cidadão. Numa escala de valores elas se encontram situadas em patamar inferior ao dos regulamentos, que, por sua vez, apenas são úteis na medida em que se prestam a especificar providências necessárias ao exato cumprimento de uma lei.

Assim, se faz necessário que o direito dos usuários dos SUS, de terem suas despesas pessoais e a de seus acompanhantes, com transporte, alimentação e estadia custeadas pelo Estado, sempre que necessitarem se submeter a tratamento médico fora do seu domicílio, seja garantido por ato provido de generalidade, abstração, permanência e poder de coerção, próprios da lei.

Nesse particular, as sentenças proferidas em sede de ações civis públicas possuem estes requisitos, em razão do seu efeito erga omnes e cogente, constituindo lei entre as partes - no caso, de um lado o Poder Público, e, do outro, toda a sociedade, que ora se faz representar pelo Ministério Público.

Independentemente de se tratar de criança, idoso, portador de deficiência ou grávida, o princípio constitucional da igualdade impõe que o tratamento dispensado a toda e qualquer pessoa que seja usuária dos serviços prestados pelo SUS preserve a igualdade de atendimento (art. 12, inciso I, alínea “b”, do Código de Saúde do Estado de São Paulo), principalmente quando elas sejam obrigadas a se submeter a tratamento médico fora do seu domicílio.

Deve ser garantida a isonomia para todas as pessoas que se encontrem nesta situação, pois um só é o fator que as iguala: são pessoas carentes, que necessitam de assistência à saúde.

Além disso, não se afigura razoável estabelecer limite de valor para tais despesas, a não ser aquele condizente com o conceito de suficiência. Isto é, a despesa em relação a cada paciente, e, se o caso, a do seu acompanhante, deve ser aquela que se mostrar necessária à prestação integral da assistência à saúde, em cada caso concreto, e na justa medida que o seja.

Não se pretende com isso retirar do órgão gestor do SUS, em nível estadual, a possibilidade de indicar o meio de transporte, ou o local de hospedagem e de alimentação ao usuário, mas sim evitar a incidência dos efeitos de uma tabela de valores estabelecida com base na Portaria SAS/N.° 055, de 24 de fevereiro de 1999, que fixa o valor de, por exemplo, R$ 3,00 (três reais), por pessoa, para cada 50 quilômetros percorridos, nas hipóteses de transporte terrestre (fls. 98 e 177), somente quando ela se mostrar defasada.

Os Tribunais vêm firmando o entendimento de que “Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população, que não possui condições para custear tratamento no exterior, e esgotados todos os meios no território nacional, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado” (grifamos. STF, AG nº. 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº. 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

Confirmando esta tendência, acórdãos mais recentes claramente reconhecem o direito de as pessoas necessitadas, usuárias do Sistema Único de Saúde, terem suas despesas custeadas pelo Estado:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – SERVIÇO

ÚNICO DE SAÚDE – SISTEMÁTICA DE ATENDIMENTO (LEI 8.080/90) 1. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de admitir, em casos excepcionais como, por exemplo, na defesa dos direitos fundamentais, dentro do critério da razoabilidade, a outorga de tutela antecipada contra o Poder Público, afastando a incidência do óbice constante no art. 1º da Lei 9.494/97.2. Paciente tetraplégico, com possibilidade de bem sucedido tratamento em hospitais da rede do SUS, fora do seu domicílio, tem direito à realização por conta do Estado.3. A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles.4. Recurso especial improvido. (REsp 661.821/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 258)

Conforme orientação do Supremo Tribunal Federal, não se pode mais negar a obrigação de “o Estado a prestar assistência médica a portadores de doenças raras e destituídos de recursos financeiros. O fundamento da decisão ressalta que, entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurada a todos pela Constituição, ou fazer prevalecer interesse financeiro e secundário do Estado, o julgador teria uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana." (Superior Tribunal de Justiça - STJ. RECURSO ESPECIAL Nº. 509.753 - DF (2003/0036091-6) RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO).

Por fim, como já foi anteriormente consignado, uma área que é extremamente carente de atenção no Município de Taubaté é a área de Saúde Mental; na qual ao longo do primeiro quadrimestre do ano de 2007, de 1.121 (mil cento e vinte e uma) solicitações de vagas para internações realizadas, apenas 08 (oito) foram concedidas (fls. 89).

Nesse aspecto, se vêem privadas de assistência, não só as pessoas portadoras de anomalia psíquica derivadas de uma patologia genética, mas também aquelas que por conta da dependência a substâncias psicoativas necessitam ser submetidas à recuperação, para que possam ser reinseridas na sociedade.

A Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006, que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, impõe o dever de o Poder Público estadual criar os meios necessários à

reinserção social do usuário ou do dependente de drogas, através de programas de atenção e de curso educativo:

Art. 20 - Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas.

Art. 21 - Constituem atividades de reinserção social do usuário ou do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais.

Art. 23 - As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no artigo 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada.

Art. 28 - Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I. ...II. ...III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O cumprimento desta obrigação cabe a cada um dos Estados que compõem a federação, porquanto são eles os responsáveis pela execução da pena criminal (art. 4º e 74, da Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984).

Porém, o órgão gestor do Sistema Único de Saúde, no âmbito estadual, não proporciona tais programas e cursos nesta região do Estado, e, pior, não possui programa voltado ao atendimento de dependentes químicos, em regime de internação.

Ocorre que, em razão da natureza indisponível do Direito à Saúde, não se admite a inação do Estado na adoção das medidas destinadas à criação dos meios necessários à reinserção social do usuário ou do dependente de drogas, na forma da lei.

Ou seja. Não existe discricionariedade na omissão.

“Discricionariedade é a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente um solução unívoca para a situação vertente.” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. Páginas 595 e 596. Malheiros Editores).

“A lei, todavia, em certos casos, regula dada situação em termos tais que não resta para o administrador margem alguma de liberdade, posto que a norma a ser implementada prefigura antecipadamente com rigor e objetividade absolutos os pressupostos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoriamente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista. Nestes lanços diz-se que há vinculação e, de conseguinte, que o ato a ser expedido é vinculado.” (idem. Página 586).

Pede-se vênia para transcrever parte de um acórdão lapidar do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes moldes:

"É preciso esclarecer os fatos. A jurisprudência tem entendido que não pode o Judiciário compelir a Administração à prática de atos discricionários pois, como diz a sentença, se a forma e finalidade são vinculados, conveniência e oportunidade ficam a critério do administrador. É entendimento que, acertado embora, não se aplica ao caso dos autos. (...)

(...). Há que distinguir a liberdade de conduta da administração em termos de ação e de reação; se naquela os critérios de conveniência e oportunidade ficam a seu critério, nesta a conduta é obrigatória e vinculada pelo comando legal explícito ou implícito.(...).

Há reação quando o Poder Público reage a conduta já praticada por seus agentes ou por terceiros. O administrador deve agir em detectando infração à lei ou em cuidando de fatos já ocorridos ou por ocorrer. Deve interditar o imóvel em ruína, deve coibir o uso indevido de bens públicos, deve embargar a obra feita em desacordo com as posturas municipais. Deve impedir a comercialização de alimentos deteriorados. Deve impedir a prática de crime que tenha notícia. Não há discricionariedade: sua conduta é obrigatória e decorre do simples fato da infração.(...).

Não há tal discricionariedade em relação às condutas já conhecidas, aparentes. No momento em que o agente descobre o alimento deteriorado a discricionariedade acaba: deve agir, autuando e apreendendo. Assim ocorre com as posturas edilícias e demais infrações aparentes: por dever de ofício deve o fiscal verificar se as edificações estão licenciadas e autorizadas, deve impedir a ocupação das áreas públicas, etc. A conduta é vinculada, expressa ou implicitamente, pela lei. (grifamos)

Recurso Especial n.º 292.846-SP (2000/0133125-6)

Recorrente: Município de São Paulo

Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros -

PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 07 de março de 2002

Os males decorrentes da drogadição são por demais conhecidos para que não se exija do Poder Público uma reação, enérgica e eficaz, visando não só o combate do vício, mas, principalmente, das suas causas, porquanto tal conduta da Administração é obrigatória e vinculada por comandos legais explícitos, que a um só tempo visam evitar a impunidade e a violação do direito à saúde.

DA TUTELA ANTECIPADA

O limite objetivo da tutela antecipada é a sua coincidência em extensão com a prestação definitiva, a qual é adiantada, em razão da existência de prova inequívoca da alegação contida na petição inicial, tornando desnecessária qualquer outra prova, pois demonstrada já está, e de maneira clara, evidente e certa, uma ofensa a um direito, no caso, a um direito transindividual.

No presente caso, o conjunto de normas indicado e os documentos oficiais que instruem o inquérito civil (fls. 77/91 e fls. 96/103), e que servem de base para à presente ação, não deixam dúvida de que o governo do Estado de São Paulo não observa o princípio da universalidade do atendimento, e não presta serviços de qualidade de modo oportuno e eficaz.

Inúmeras, infindáveis, desgastantes e humilhantes são as filas de espera por vagas que aqueles que se põem à busca de assistência de média e alta complexidade ou pelas internações hospitalares são obrigados a se submeter.

Há de ser salientado, ainda, que se impor tratamentos fora do domicílio a uma população carente e desprovida de recursos para a locomoção, hospedagem e alimentação, sem a garantia dos meios para que estes tratamentos sejam efetivados, importa restringir ainda mais o acesso da população carente aos serviços de assistência médica prestados pelo Sistema Único de Saúde.

De igual modo, a total omissão do governo do Estado de São Paulo, no que se refere ao tratamento das pessoas portadoras de anomalia psíquica e do usuário ou do dependente de drogas é inconcebível.

O mais grave é que se está a falar de tratamentos de média e de alta complexidade, em relação aos quais a ausência de uma prestação de assistência de excelência representa uma violação ao direito à vida e à saúde do cidadão.

Tais direitos, uma vez violados, geram a presunção absoluta de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, derivado de um

manifesto propósito protelatório do Estado (art. 273, incisos I e II, do Código de Processo Civil) em criar os meios necessários para implementá-los.

Em razão do exposto, requer-se a antecipação da tutela jurisdicional, no sentido de ser imposto à Fazenda Pública do Estado de São Paulo a obrigação de:

1 – disponibilizar todas as vagas solicitadas para tratamentos de média e de alta complexidade, no prazo máximo de 48h (quarenta e oito horas), relativas aos procedimentos ambulatoriais e hospitalares de alto custo, bem como às internações hospitalares, dentro ou fora do domicílio dos usuários do SUS, sob pena de ser obrigado a arcar com os custos do mesmo tratamento em estabelecimentos médicos não credenciados pelo SUS, ainda que particulares;

2 – informar a todos os usuários do SUS que sejam obrigados a realizar tratamentos fora do seu domicílio, acerca do direito de que suas despesas com transporte, alimentação e estadia sejam custeadas pelo Sistema Único de Saúde, mediante a fixação de cartazes em todos os locais de atendimento, sob pena do pagamento de multa diária de mil reais;

3 - disponibilizar os recursos necessários e suficientes à implementação do direito referido nos itens 1 e 2, em qualquer empresa, porém, com preferência àquelas que porventura sejam credenciadas pelo SUS, sob pena do bloqueio destes valores em contas públicas da Fazenda do Estado de São Paulo (Resp 820674. Fonte: STJ);

4 - criar os meios necessários ao tratamento das pessoas portadoras de anomalia psíquica e do dependente de drogas, em regime ambulatorial, e, principalmente, em regime de internação, bem como à reinserção social do usuário ou do dependente de drogas, através de programas de atenção e de curso educativo, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de ser obrigado a arcar com os custos do tratamento em estabelecimentos médicos não credenciados pelo SUS, ainda que particulares.

DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se que Vossa Excelência:

1 - determine a intimação da Fazenda Pública do Estado de São

Paulo, nos termos do artigo 2º, da Lei n.º 8.437/92;

2 - determine a citação da demandada, na forma do artigo 172, § 2º,

do Código de Processo Civil, facultando-lhes o oferecimento de

contestações, no prazo legal, sob pena de revelia;

3 - julgue a procedência do pedido ora deduzido, no sentido de condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, a cumprir as seguintes obrigações:

A – disponibilizar todas as vagas solicitadas para tratamentos de média e de alta complexidade, no prazo máximo de 48h (quarenta e oito horas), relativas aos procedimentos ambulatoriais e hospitalares de alto custo, bem como às internações hospitalares, dentro ou fora do domicílio dos usuários do SUS, sob pena de ser obrigado a arcar com os custos do mesmo tratamento em estabelecimentos médicos não credenciados pelo SUS, ainda que particulares;

B – informar a todos os usuários do SUS que sejam obrigados a realizar tratamentos fora do seu domicílio, acerca do direito de que suas despesas com transporte, alimentação e estadia sejam custeadas pelo Sistema Único de Saúde, mediante a fixação de cartazes em todos os locais de atendimento, sob pena do pagamento de multa diária de mil reais;

C - disponibilizar os recursos necessários e suficientes à implementação do direito referido nos itens A e B, em qualquer empresa, porém, com preferência àquelas que porventura sejam credenciadas pelo SUS, sob pena do bloqueio destes valores em contas públicas da Fazenda do Estado de São Paulo (Resp 820674. Fonte: STJ);

D - criar os meios necessários ao tratamento das pessoas portadoras de anomalia psíquica e do dependente de drogas, em regime ambulatorial, e, principalmente, em regime de internação, bem como à reinserção social do usuário ou do dependente de drogas, através de programas de atenção e de curso educativo, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de ser obrigado a arcar com os custos do tratamento em estabelecimentos médicos não credenciados pelo SUS, ainda que particulares.

Protesta-se pela produção de todos os meios de prova admitidos em Direito, mormente a prova documental.

Confere-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Taubaté, 02 de outubro de 2007.

JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA SAMPAIO10º Promotor de Justiça