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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DA ___ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do
procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições
constitucionais e legais, vem, com base nos artigos 127, caput e 129, III, da
Constituição Federal, nos artigos 5º, III, “d” e 6º, VII, “b” e XIV, “g”, da Lei
Complementar nº 75/93 e, ainda, nos artigos 1º, I e 5º, I, da Lei nº 7.347/85,
propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de antecipação dos efeitos da tutela
em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, doravante a
ser referida como CEF, instituição financeira sob a forma de empresa pública,
podendo ser citada na pessoa de seu Superintendente Regional, da
Superintendência Regional Vale do Paraíba/SP, localizada na Avenida Cassiano
Ricardo, 521 – Torre B- 1º andar- Jardim Aquarius, em São José dos Campos, pelos
fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.
I:\_PROCESSUAL 2014\Civel\ACP\Peticoes iniciais\RAO-2011.0267 - CEF.venda casada.ODT
Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 Tel (012) 3924-2400
1 – SÍNTESE DA DEMANDA
Trata-se de Ação Civil Pública com intuito de impedir a
continuidade de abusos e ilegalidades que vêm sendo praticados pelas diversas
agências da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em sua relação com consumidores que
solicitam e contratam financiamento imobiliário, conforme apurado no Inquérito
Civil nº 1.34.014.000267/2011-75, doravante a ser referido simplesmente
como IC 267/2011.
Segundo os termos de denúncia apresentada nesta Procuradoria
da República por um consumidor mutuário da CEF, “a Caixa Econômica Federal vem
transgredindo a lei ao exigir, quando da assinatura de contrato de financiamento
habitacional, que os mutuários adquiram seguros, entre outros produtos que o
banco comercializa, ou seja, vem praticando a VENDA CASADA.” (fls. 01/03 do IC
267/2011).
No decorrer das apurações do referido IC, chegaram ao
conhecimento do Parquet diversas outras irregularidades/ilegalidades cometidas
pela CEF, por meio de declarações de consumidores ouvidos nesta Procuradoria da
República e de diversas reclamações feitas ao PROCON de São José dos Campos,
sendo constatado que a empresa pública, em suma, condiciona (as vezes de
forma dissimulada) a liberação de financiamento imobiliário à aquisição
de outros serviços e produtos da instituição financeira, caracterizando-se,
em tese, a odiosa prática de “venda casada” (art. 39, inciso I, do Código de
Defesa do Consumidor), ou induz o consumidor , de forma direta ou sutil,
a acreditar que haverá dificuldades na aprovação do crédito se não houver
a contratação dos produtos que lhe são impostos.
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
Na grande maioria das vezes, a CEF prevalece-se da fraqueza
ou ignorância do consumidor para impingir-lhe seus produtos e serviços (art.
39, inciso IV, do CDC), e falta com a obrigação legal de prestar todas as
informações sobre a natureza, características e finalidade dos produtos cuja
contratação é imposta ou induzida.
É certo que para muitas pessoas, o momento da aquisição do
imóvel próprio, ainda que financiado, é marcado por grande expectativa e
ansiedade. As apurações feitas no IC, em especial por meio do relato dos
prejudicados, deixaram bem claro que os funcionários da CEF aproveitam esse
momento de vulnerabilidade psicológica e emocional para impingir ao solicitante de
financiamento toda a gama de produtos financeiros, tais como abertura de conta
corrente, seguros de vida, seguros residenciais, títulos de capitalização, planos de
previdência privada, entre outros.
Na grande maioria dos casos, a natureza e finalidade próprias de
cada produto financeiro não são informadas, como é o caso das contribuições a
plano de previdência privada, que obviamente tem por finalidade gerar renda futura
ao participante; o funcionário da CEF, entretanto, induz à aquisição do produto sob
o argumento de que depois de um ano poderá ser resgatada a quantia aplicada. O
consumidor acaba por adquirir um produto de que não precisa ou não pode mantê-
lo. O valor de resgate antecipado nunca é integral , pois são descontadas as taxas
de administração, e o consumidor sofre prejuízo financeiro.
Conforme apurado, a abertura de conta corrente, uma das
imposições mais corriqueiras e porta de entrada para a colocação de outros
produtos bancários, tem trazido muitos aborrecimentos e prejuízos aos mutuários,
que se veem cobrados pela CEF e sujeitos a serem inscritos no SPC e SERASA
devido a saldos devedores gerados pelo débito das tarifas de manutenção de conta,
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cujos valores são aumentados sem prévio aviso. A grande maioria dos mutuários
são trabalhadores de baixa remuneração e utilizam a conta corrente na CEF apenas
para o depósito das parcelas a serem debitadas.
Tem-se ainda o relato de condutas de má-fé praticadas por
funcionários da CEF, por meio da inserção de propostas de aquisição de produtos
bancários entre a documentação relativa ao financiamento a ser assinada, de modo
que o signatário não atente para o conteúdo dos documentos que lhe são
oferecidos para assinatura. Tempos após, o consumidor descobre que em sua conta
corrente estão sendo debitados valores referentes a produtos que ele não solicitou
ou não tem conhecimento de que contratou.
Há ainda diversos casos em que o pretendente ao financiamento
é surpreendido, no momento de assinar o contrato, por exigências feitas pelos
funcionários a título de tarifas ou outros encargos que até então, desde que se
iniciaram as tratativas negociais, não tinham sido informadas. Fazendo parecer que
estão oferecendo uma vantagem ao consumidor, induzem o mesmo a adquirir
algum produto bancário, normalmente titulo de capitalização ou previdência
privada, sob o argumento de que estes produtos poderão ser resgatados no curto
prazo, ao passo que a tarifa não pode ser devolvida, ou seja, seu valor não
retornará para quem a pagou. Sabe-se que o resgate antecipado de produtos
bancários causam prejuízos ao consumidor, pois o valor reavido quase sempre é
inferior ao que foi aplicado.
Por meio de um dos relatos colhidos, foi possível verificar que a
manobra abusiva, por vezes, tem início já no momento em que o consumidor
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procura empresas de assessoria imobiliária ou “facilitadores de financiamento
imobiliário” , indicadas pela CEF, para dar início no processo. Os funcionários de tais
empresas são orientados pela CEF a induzir o interessado a abrir conta e adquirir
produtos, sob a promessa de que assim fazendo será mais fácil e rápida a
aprovação do crédito.
Os diversos casos geram reclamações à CEF e/ou à sua
Ouvidoria e, na maior parte dos casos, devido à falta de solução ou ao descaso da
instituição financeira, a alternativa do consumidor é registrar reclamação junto ao
Procon e/ou procurar o Judiciário.
Como é sabido, muitas vezes os funcionários e gerentes da CEF,
como política institucional, possuem metas relacionadas à quantidade de produtos
vendidos por mês, de modo que acabam fazendo de tudo para cumprir as metas,
sendo certo que tal política induz à prática da venda casada.
Cumpre deixar bem claro que a venda casada aqui tratada se
desdobra em duas principais condutas adotadas pelos funcionários da CEF : o
condicionamento direto, sem qualquer rodeios, e o condicionamento indireto,
conduzido com sutileza e de modo insidioso, a fim de induzir o consumidor a
acreditar que não terá o financiamento aprovado se não contratar os produtos
secundários da instituição.
Por meio da ação ora proposta, o MPF pretende a obtenção de
provimento que determine à CEF a cessação imediata das práticas ilegais e
abusivas, e a condenação da instituição financeira a indenizar os consumidores
prejudicados, conforme será exposto.
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2 - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
O Ministério Público, elevado à categoria de instituição
permanente e indispensável à função jurisdicional do Estado, nos termos do artigo
127 da Constituição Federal, tem como funções precípuas a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
De modo mais específico, o artigo 129, III, da Constituição
Federal, arrola entre as funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, no meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
A Lei Complementar nº 75/93, no art. 6º, VII, “a” e “b” e a Lei
nº 7.347/85, no art. 1º, IV, legitimam e garantem a atuação do Ministério Público
na proteção dos direitos coletivos.
Entendemos que os direitos aqui discutidos são tipicamente
coletivos, na medida em que buscamos tutelar os clientes que procuram a CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL para obtenção de financiamento imobiliário bem como
proteger todos os clientes de qualquer forma de venda casada. Segundo o art. 81,
inciso II, do CDC:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
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(...)
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;
Cumpre destacar que a defesa coletiva do consumidor, enquanto
interesse social, é atribuição do Ministério Público e obrigação do Estado, erigida em
garantia fundamental, conforme se constata da redação do inciso XXXII, do art. 5°
do texto constitucional.
Assim, no caso versado nos autos, a defesa do consumidor está
sendo efetuada pelo Ministério Público Federal, tanto por dever constitucional, como
por dever legal, em face das disposições do art. 129, inciso III, da Constituição
Federal, dos arts. 5º, 6º e 39 da Lei Complementar nº 75/93, do art. 1º da Lei nº
7.347/85 e dos art. 6º e 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90.
Em relação ao foro competente, verifica-se que o processo deve
tramitar na Justiça Federal em razão do interesse federal, não apenas pela
presença do Ministério Público Federal no polo ativo da demanda, mas também pela
presença da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL no polo passivo da relação processual
(inciso I, do art. 109, CF).
Além do mais, o art. 2° da Lei n° 7.347/85, ao determinar a
competência funcional do Juízo pelo local do dano (no caso, a Subseção Judiciária
de São José dos Campos), procurou permitir ao destinatário das provas a efetivação
da tutela jurisdicional, possibilitando a apreensão o mais abrangente possível dos
fatos e de suas consequências.
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3 - DOS FATOS
Conforme mencionado acima, os fatos foram apurados por meio
do Inquérito Civil (IC) 267/2011, instaurado com base em denúncia feita pelo
mutuário Alex André França de Lima, por meio do canal Digi-Denúncia, segundo
a qual “a Caixa Econômica Federal vem transgredindo a lei ao exigir, quando da
assinatura de contrato de financiamento habitacional, que os mutuários adquiram
seguros, entre outros produtos que o banco comercializa, ou seja, vem praticando
a VENDA CASADA.” (fls. 01/03 do IC 267/2011).
O autor da denúncia relata ainda que em fevereiro de 2007
assinou um contrato de financiamento habitacional com a CEF (Agência Monte
Castelo-São José dos Campos). Foi à agência em horário de serviço e,
aproveitando-se de sua pressa, o funcionário que o atendeu, agindo de má-fé,
“encartou ao contrato seguros de vida e seguro residencial”, os quais acabaram por
serem assinados, “devido às inúmeras taxas e páginas do contrato”. Após uma série
de solicitações de estorno dos valores pagos a título de seguros, não atendidas pela
agência da CEF, o mutuário acabou por ajuizar ação em junho de 2010. Segundo
relatado, o caso trouxe muitos transtornos e dissabores ao consumidor.
No decorrer das apurações do IC, Alex André França de Lima
esteve pessoalmente na Procuradoria da República em São José dos Campos e
foram tomadas suas declarações, conforme fls. 105/106, ocasião em que ratificou o
teor de sua denúncia e acrescentou detalhes do ocorrido, conforme transcrito a
seguir , com os grifos ora acrescidos:
“Pelo declarante foi dito que reitera em todos os seus termos a
denúncia apresentada por meio do Digi-Denúncia em 09/08/2011, em
especial quanto ao seguro de vida e do seguro residencial assinado na
mesma data do contrato de financiamento (01.02.2007) habitacional,
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em cujas contratações houve uma conduta inadequada por parte do
funcionário da Caixa Econômica Federal (Ag. Monte Castelo), no
sentido de induzir à contratação dos seguros no momento da
assinatura do contrato de financiamento habitacional. Com receio de
que o financiamento não fosse liberado e com isso houvesse perda dos
valores pagos a título de comissão do vendedor do imóvel e do
facilitador imobiliário, o declarante não questionou a assinatura da
proposta de seguro residencial cuja contratação, segundo o funcionário
da Caixa, era necessário para cobrir uma carência dos doze primeiros
meses do seguro habitacional obrigatório. Quanto à proposta de
seguro de vida, o declarante foi ludibriado pela Caixa, pois seu
funcionário inseriu os papéis referentes à proposta entre os
documentos relativos ao contrato de financiamento, de forma que o
declarante nem percebeu que estava assinando, devido ao grande
volume de documentos que foi necessário assinar no momento da
assinatura do contrato habitacional. Como na ocasião foram assinados
diversos cheques pelo declarante a fim de serem pagas as diversas
despesas e tributos (ITBI, emolumentos do cartório de imóveis,
diferença de prestação, taxa de análise, etc) o declarante não percebeu
que um dos cheques destinava-se ao pagamento do seguro de vida,
ressaltando que as parcelas referentes às renovações anuais foram
debitadas automaticamente na conta corrente do declarante. Em
virtude das dificuldades em cancelar o seguro e obter a devolução dos
valores indevidamente pagos, o declarante se viu obrigado a encerrar a
conta corrente, de modo a evitar novos débitos quando das renovações
anuais. O declarante informa também que notificou a Caixa em
26.02.2009, solicitando o estorno e ressarcimento dos valores
descontados por conta dos seguros e a Caixa respondeu em
17.03.2009 que seu pedido foi indeferido. Não tendo a Caixa atendido
às suas diversas solicitações, o declarante resolveu encerrar a conta
corrente para que as prestações passassem a serem pagas por meio de
boleto bancário, o que efetivamente passou a ser feito, porém a Caixa
reajustou o valor das parcelas, alterando a taxa de juros de 8,6488%
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a.a. para 9,5690% a.a., ou seja, o mutuário perdeu o benefício da taxa
reduzida devido ao encerramento da conta corrente.”
A fim de obter informações sobre outros eventuais prejudicados
pelas condutas noticiadas, a Procuradoria da República requisitou à
Superintendência Regional da CEF no Vale do Paraíba (fls. 48), a título de
amostragem, a relação de mutuários que contrataram financiamento habitacional
no período de 01.05.2012 a 30.07.2012 na agência 2143-1 (Monte Castelo-SJC),
a mesma agência do autor da denúncia, bem como a relação de produtos e serviços
bancários adquiridos por tais mutuários na mesma data de assinatura do contrato
habitacional.
A resposta da CEF encontra-se a fls. 52/53 do IC, por meio da
qual se verifica que três pessoas, firmaram contrato de financiamento em
25.05.2012 na agência 2143-1, e, coincidentemente, na mesma data adquiriram
outros produtos bancários, conforme exposto no quadro a seguir :
Mutuário Edmar Andrade
dos Santos
Marcelo Marcio Vitor Sergio Fernandes
Rosado
Data de assinatura do
contrato habitacional
25.05.2012 25.05.2012 11.07.2012
Produto 1 contratatado Seguro residencial Seguro de Vida Seguro Residencial
Data da contratação do
produto 1
25.05.2012 25.05.2012 11.07.2012
Produto 2 contratado Título de
Capitalização
Título de Capitalização Não contratou
Data da contratação do
produto 2
25.05.2012 25.05.2012 Não contratou
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As informações que o quadro oferece são bastante reveladoras e
confirmam ser corriqueiro a contratação de produtos bancários diversos na mesma
data em que são assinados os contratos de financiamento habitacional, o que
levanta dúvidas se os consumidores realmente desejaram contratá-los ou se o
fizeram com consciência e livre vontade.
Não se diga que a amostragem é pequena (apenas três
mutuários) e portanto insuficiente para demonstrar a prática da “venda casada” ou
a prática de outro meio ardiloso para induzir o cliente a contratar produtos.
Conforme será exposto oportunamente, tal prática tem início desde o primeiro
momento em que o interessado procura uma agência, o qual é induzido a acreditar
que se não adquirir os produtos impostos pela CEF, não terá seu financiamento
aprovado ou a aprovação será mais dificultosa e demorada. Assim, na maior parte
dos casos, os produtos são adquiridos tempos antes da data de assinatura do
contrato. Cabe observar que referida data constitui a última chance para “empurrar”
aos mutuários os produtos da CEF.
Causa estranheza que os mutuários, adquirentes de imóveis em
bairros populares do município, ainda possam dispor de alguma folga financeira
para contratar seguros e títulos de capitalização, entre outros, após todos os
dispêndios que normalmente permeiam a aquisição imobiliária (taxa de corretagem,
ITBI, taxas e emolumentos cartorários, etc.), mormente se considerado o valor das
prestações mensais da dívida a ser assumida.
Não é crível que a aquisição de tais produtos tenha sido
livremente desejada pelos mutuários, máxime quando se considera que a maior
parte dos financiamentos da CEF é voltada ao atendimento da população de baixa e
média renda. Para esse segmento, o pagamento das parcelas do financiamento é
um item que pesa bastante no orçamento familiar, sendo impensável que o
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mutuário assuma, de livre e espontânea vontade, obrigações financeiras
complementares, resultantes dos demais produtos financeiros oferecidos pelo banco
financiador a fim de liberar o crédito.
As diligências do IC prosseguiram, a fim de ampliar a
amostragem de mutuários prejudicados e comprovar as práticas ilegais da CEF. Isto
porque sempre que oficiada, a CEF nega a prática da “venda casada”, por razões
óbvias.
Foi expedido ofício ao Procon – São José dos Campos, com
requisição de relação de reclamações feitas contra a CEF referentes à “venda
casada”, abrangendo o período de janeiro de 2011 a abril de 2013 (fls. 56).
Uma segunda requisição foi feita, conforme ofício de fls. 148,
para que o órgão apresentasse cópia de reclamações feitas de janeiro de 2013 em
diante, relativas a “venda casada” e, também, de reclamações que envolvam
fornecimento de produtos bancários, com o correspondente débito em conta, sem o
conhecimento ou consentimento do consumidor.
Em resposta às requisições feitas ao Procon, vieram aos autos
os documentos encartados a fls. 59/82 e 152/346, cujo conteúdo comprova os
fatos alegados na inicial, e serviram como base para localização de vários
consumidores lesados pela prática abusiva da “venda casada”.
3.1. RECLAMAÇÕES AO PROCON E DECLARAÇÕES PRESTADAS AO MPF
Diversos são os mutuários que procuraram o Procon para
reclamar das condutas da CEF e alguns deles prestaram declarações na
Procuradoria da República em São José dos Campos, a saber :
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SARITA SALVADOR DE ASSIS DOS SANTOS
A fls. 66, a reclamação feita pela consumidora Sarita Salvador
de Assis dos Santos.
Segundo relatado, a consumidora possui conta corrente na CEF
exclusivamente para débito das parcelas do financiamento imobiliário e não
concorda em pagar a respectiva tarifa de manutenção. Prefere fazer o pagamento
das parcelas por meio de boletos. Tendo procurado a agência para encerrar a conta,
foi informada que não poderia fazê-lo. A consumidora entende que o débito em
conta das prestações é apenas uma das opções disponíveis, segundo cláusula
prevista em contrato. O mutuário teria o direito de encerrar a conta e optar pelo
pagamento via boleto bancário.
Depreende-se, do caso exposto, que a CEF obstou ou dificultou à
consumidora o exercício do direito de encerrar a conta e alterar a forma de
pagamento para boleto bancário, uma das alternativas previstas em contrato.
A consumidora esteve na Procuradoria da República em São José
dos Campos em 06.02.2014 e prestou declarações mais detalhadas sobre os fatos,
conforme termo de declarações a fls. 137 do IC 267/2011, a seguir transcrito, com
os grifos ora acrescidos :
“Que no ano de 2005, juntamente com seu marido Messias Aparecido
dos Santos, técnico em química, intermediada por um facilitador
imobiliário, obteve financiamento de uma casa junto à agência Jd.
Satélite da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Na reunião marcada para a
assinatura do contrato, realizada na agência bancária e que estavam
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presentes a declarante, seu marido, o corretor de imóveis, o
funcionário da CAIXA e o vendedor, foi apresentado à declarante um
pilha de documentos para assinatura. Percebeu que entre os
documentos havia uma proposta de abertura de conta e uma proposta
de aquisição de um título de capitalização “Pé Quente” no valor de R$
250,00 aproximadamente. Que até então ninguém havia mencionado
que seria necessário abrir conta e adquirir título de capitalização. A
declarante questionou sobre a conta e foi o corretor quem lhe disse que
era somente uma conta de depósito para o débito das prestações; pelo
funcionário da CAIXA nada foi dito sobre eventuais custos de
manutenção dessa conta. Sobre o título de capitalização, o funcionário
da CAIXA disse que era uma forma de a declarante melhorar seu
relacionamento com o banco e assim obter desconto nas taxas de juros
e que após um ano poderia resgatar o valor investido. Naquele
momento a declarante e seu marido sentiram que não tinham outra
escolha a não ser aceitar o que lhes estavam sendo imposto, pois
tinham necessidade de resolver logo a questão, pois já estavam na
posse do imóvel adquirido e a finalização do financiamento demorou
uns meses, devido a problemas de “habite-se”. Tempos depois a
declarante veio a descobrir que a conta era uma conta corrente normal,
com limite de cheque especial e cobrança de tarifas de manutenção. O
saldo da conta corrente já estava devedor, devido ao débito das tarifas
por longo tempo. Por três vezes a declarante procurou o gerente de
habitação para o encerramento da conta. Na única vez que conseguiu
falar com o gerente, ele lhe disse que se encerrasse a conta e passasse
a pagar por meio de boletos, a taxa de juros do financiamento teria
que ser aumentada e teriam que elaborar um novo contrato. Não
satisfeita, a declarante procurou o PROCON em julho de 2011,
conforme relatado a fls. 66. Na audiência de conciliação, a
representante da CAIXA compareceu e já trouxe pronto o documento
de encerramento da conta e tudo se resolveu rapidamente. Não houve
alteração do contrato nem aumento da taxa de juros do financiamento.
A declarante passou a pagar as prestações por meio de boleto
bancário. A declarante informa ainda que cobriu o saldo devedor
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gerado na conta devido à cobrança das tarifas de manutenção. Por fim,
a declarante deseja acrescentar que o funcionário da CAIXA agiu de
má-fé, aproveitando-se da ansiedade gerada no momento da
realização do sonho de adquirir a casa própria, para impor a venda de
produtos do banco. Sobre a conta de depósito mencionada na Cláusula
Sexta, parágrafos primeiro e segundo do contrato de financiamento , a
declarante entendia tratar-se de uma mera conta de poupança, sem
custos de manutenção.
ADELSON LUIS DA SILVA
A fls. 69, a reclamação feita pelo consumidor Adelson Luis da
Silva ao Procon.
Segundo relata, possui um contrato de financiamento de imóvel
com a CEF e diz que não estava ciente de um seguro de vida incluso no ato de
assinatura do contrato de financiamento, nem que possuía um limite de cheque
especial. Por conta disso, foram debitados os valores do seguro de vida em sua
conta, gerando assim um saldo devedor. Solicita esclarecimentos da CEF, o
cancelamento do seguro, estorno dos valores cobrados, negociação do saldo
devedor e cancelamento do limite de cheque especial.
MARIA NUNES DO ESPIRITO SANTO
A fls. 70, os termos da reclamação feita pela consumidora Maria
Nunes do Espírito Santo ao Procon.
Relata que possui contrato de financiamento de imóvel com a
CEF. No momento em que foi solicitar o financiamento na agência, o gerente
informou que ela só poderia fazê-lo desde que abrisse uma conta corrente e que
deveria depositar uma quantia na conta (não se lembra o valor). Essa conta seria
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utilizada para depósito do valor das prestações. Foi implantado um limite de cheque
especial no valor de R$ 6.000,00. Tempos depois, a consumidora recebeu carta de
cobrança da SERASA, acerca de um saldo devedor de R$ 6.569,21. Solicitou
esclarecimentos à CEF, haja vista que todas as prestações teriam sido pagas
pontualmente em forma de depósito na conta. Veio a saber que o pagamento de
duas parcelas não foi efetivado devido ao saldo devedor e teve que fazer
novamente o pagamento das tais por meio de boleto.
MIRIAN CARLA DA SILVA MARTINS
A fls. 71, o teor da reclamação feita pela consumidora Mirian
Carla da Silva Martins.
Relata que possui conta corrente na CEF exclusivamente para
depósito das prestações de seu financiamento habitacional. Em dado momento
verificou que estavam sendo cobradas algumas taxas por ela desconhecidas. Ao
consultar um extrato da conta, observou que vem sendo cobrado taxas de serviços
e seguro que a mesma não solicitou . Reclamou para um gerente da sua agência
mas não obteve nenhuma resposta. Requer explicações sobre o ocorrido, o
cancelamento do seguro e das taxas de serviço, bem como a devolução da quantia
já paga.
MAGNA RODRIGUES DE AZEVEDO PALÁCIO
A fls. 73, o teor da reclamação feita por Magna Rodrigues de
Azevedo Palácio. A consumidora relata possuir conta corrente na CEF, em
decorrência do financiamento de sua casa, e não está contente com as tarifas
cobradas, nem com o aumento do limite de sua conta. Pretende a substituição da
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conta corrente por conta de serviços essenciais e, na impossibilidade, o
encerramento da conta e o envio de boletos mensais sem cobranças adicionais.
TIAGO SILVA DOS SANTOS
A fls. 75, o teor da reclamação feita por Tiago Silva dos
Santos. O consumidor alega que possui conta corrente para o débito das
prestações de financiamento de imóvel. A tarifa de manutenção da conta passou de
R$ 9,80 para R$ 24,00 no decorrer do financiamento, sem que tenha sido
informado pela CEF. Não fazia qualquer movimentação na conta, a não ser o
pagamento das prestações.
VALDIR BENEDITO MACEDO
A fls. 76, reclamação feita por Valdir Benedito Macedo. O
consumidor alega que possui financiamento de imóvel cujas parcelas são debitadas
em conta. Requer explicações sobre como foi gerado o saldo devedor de sua conta
(R$ 1.625,00), e por que recebeu carta de comunicados do SPC/Serasa referente à
parcela vencida em 16.06.2012, embora já tenha feito o pagamento.
ANTÔNIO LUIS RIBEIRO
A fls. 79, reclamação feita por Antônio Luis Ribeiro. Declara
que possui contrato de financiamento com a CEF. Ocorre que foi cobrado seguro de
vida não solicitado pelo consumidor. Requer o cancelamento imediato do seguro.
ISAIAS BARROS DANTAS
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A fls. 81, reclamação de Isaias Barros Dantas. Depreende-se
que possui contrato de financiamento e que a CEF, para aceitar financiar o imóvel,
informou ser necessário a aquisição de um seguro de vida, no valor de R$ 1.000,00,
mais valores mensais de R$120,00 a serem debitadas em conta. Requer explicações
sobre o ocorrido, o cancelamento do seguro e a devolução dos valores debitados
em conta.
O consumidor esteve na Procuradoria da República em São José
dos Campos em 30.01.2014 e prestou declarações mais detalhadas sobre os fatos,
conforme termo de declarações a fls. 136/136vº do IC 267/2011, a seguir
transcrito :
“Por volta de janeiro ou fevereiro de 2012, procurou a agência 2935 da CAIXA
localizada na rua Bacabal, Em São José dos Campos, para solicitar um
financiamento de cerca de R$ 88.000,00 para aquisição de uma casa. Cerca de
dois meses após a entrega dos documentos necessários para a operação,
intermediada por um facilitador imobiliário, o declarante e sua noiva foram
chamados para a assinatura do contrato. No exato momento da assinatura do
contrato de financiamento, a gerente da CAIXA disse que teria que abrir uma
conta corrente para o débito das parcelas do financiamento. Mas para abrir a
conta teria que depositar R$ 1.000,00 (um mil reais) e que esse valor deveria ser
usado para adquirir um seguro vida e previdência. Essa exigência foi uma
surpresa para o contratante, pois até então nunca ninguém da CAIXA havia
mencionado sobre essa necessidade. O declarante disse então à gerente da
CAIXA que não tinha esse dinheiro disponível. A gerente disse-lhe então que sem
o depósito desse valor não poderia abrir a conta e assim, o declarante não
conseguiria a liberação do financiamento. O declarante então, com receio de
perder o negócio e todos os valores que tinha gasto até então para aquisição da
casa, arrumou dinheiro emprestado de terceiro e fez o depósito. O seguro vida
previdência acabou sendo feito em nome de Dayhane Thacher da Silva, noiva do
declarante e coobrigada no contrato de financiamento imobiliário. A gerente da
CAIXA não explicou como funcionaria esse seguro vida e previdência e não falou
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quanto que teria que pagar pelo produto. O declarante acreditava que o valor de
R$ 1.000,00 depositado na conta ficaria a sua disposição para a hora que
precisasse. No entanto, se surpreendeu quando descobriu meses depois que o
valor havia sido debitado pela CAIXA. Só então o declarante tomou consciência
de que foi enganado pela gerente da CAIXA. Por meio de pesquisas na internet,
o declarante veio a saber que a liberação do financiamento condicionada à
compra de outro produto bancário era ilegal e que isso era chamado de “venda
casada”. O declarante informa que a CAIXA não forneceu nenhuma cópia do
contrato de seguro vida e previdência; depois de várias reclamações por parte do
declarante, a CAIXA forneceu uma cópia do documento sem qualquer
assinatura do contratante. Também após várias reclamações, inclusive no
Procon, a CAIXA devolveu o valor de cerca R$ 880,00 ao declarante. Por fim, o
declarante acrescenta que se sentiu enganado pela CAIXA; o declarante acha
que o proceder da gerente da CAIXA não foi nem um pouco profissional e não
condiz com o que se espera de um funcionário de um banco público como a
CAIXA”
MARCELO EDUARDO DE MORAIS COSTA NUNES
A fls. 153, reclamação de Marcelo Eduardo de Morais Costa
Nunes. O consumidor relata que obteve financiamento um imóvel junto a CEF e
para aprovação do crédito foi obrigado a adquirir um seguro de vida e um seguro
residencial. Procurou sua agência para cancelamento dos seguros e ressarcimento
dos valores pagos, porém não obteve êxito.
DALILA MAGALHÃES RAMOS
A fls. 153, reclamação de Dalila Magalhães Ramos. A
consumidora declara que foi até a agência 4091 (Vila Industrial) para realizar o
financiamento de um imóvel. Ocorre que a mesma só poderia realizar o
financiamento se adquirisse serviço (produto) da CEF, no caso o Caixa
Capitalização. Teve que fazer um depósito de R$ 800,00 para o débito do produto e
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para o débito da taxa de manutenção da conta corrente. Adquiriu o serviço
somente para poder realizar o financiamento.
A consumidora ouvida na Procuradoria da República em São José
dos Campos em , conforme termo a fls. 355/356 do IC 267/2011, oportunidade em
que trouxe mais detalhes sobre o ocorrido. Transcrevem-se suas declarações, com
os grifos ora acrescidos :
“Pela declarante foi dito que devido ao interesse em adquirir um
apartamento da MRV Engenharia, procurou a FINIFÁCIL, escritório que
presta assessoria à CEF em financiamentos imobiliários, localizado na
Avenida das Rosas, 687, sala 05, Jardim Motorama, S. J. Campos. Na
FINIFÁCIL foi atendida pela sra. Marisa, a qual lhe forneceu a relação
de documentos necessários ao financiamento. O imóvel foi comprado
na planta, tendo a declarante dado sinal à MRV no valor de R$
2.652,00 a título de taxa de corretagem, mais R$ 600,00 de
despachante. A declarante foi comunicada por Marisa que seria
necessário a abertura de conta e que seria necessário depositar um
valor na conta em torno de 800 a 900 reais. A conta foi aberta no dia
27.06.2012 na agência 4091 (Vista Verde) e a declarante depositou o
valor de R$ 850,00 (cópia a fls. 199). A declarante indagou ao
funcionário que abriu a conta (não se lembra do nome deste) sobre
qual a finalidade do valor depositado e ele respondeu que seria
referente a tarifas de manutenção de conta, mas que a declarante
poderia adquirir um título de capitalização de R$ 800,00 (fls. 195) ,
que daria o direito à declarante de participar de sorteios mensais em
dinheiro, e que o valor aplicado poderia ser totalmente resgatado 36
meses após a aquisição. A declarante acabou por adquirir o título de
capitalização, com receio de que a recusa pudesse atrapalhar a
aprovação do financiamento. Apesar de ter adquirido o título de
capitalização, a declarante ficou com dúvidas se o procedimento da
CEF foi correto, e passou a buscar informações com outras pessoas e
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também na internet a respeito. Em conversa com dois parentes que
também tinham solicitado financiamento na CEF, estes disseram que
também tiveram que fazer depósitos em suas contas, abertas em
agências de Jacareí, em torno de R$ 600,00, mas que não sabiam qual
foi a destinação de tais valores. Pela internet a declarante ficou
sabendo que havia várias reclamações de consumidores da CEF na
mesma situação por ela vivida. Resolveu então procurar diretamente o
Procon de São José dos Campos em 06 de maio de 2013, com o fim de
cancelar o título de capitalização e obter a devolução do valor. O valor
restituído cerca de um ano após foi de R$ 800,01 (ver fls. 210), ou
seja, sem qualquer atualização monetária. A declarante informa que
aceitou as condições impostas pela CEF por medo de que, caso
recusasse, poderia ter problemas na aprovação de seu financiamento
pois, segundo pesquisas que a declarante fez na internet, várias
pessoas reclamaram que tiveram atraso ou problemas na aprovação do
financiamento junto à CEF. O financiamento da declarante não chegou
a ser efetivado, pois esta desistiu da compra do apartamento da MRV,
pois esta empresa não estava cumprindo o cronograma de entrega. O
pedido de rescisão do contrato com a MRV foi feito no dia 18.03.2013 e
não foi dado prosseguimento ao pedido de financiamento. Tempos
depois, a declarante adquiriu um outro imóvel, desta vez da Sérgio
Porto Engenharia, sendo que novamente iria precisar do financiamento
da CEF. Desta vez, a funcionária da assessoria imobiliária da CEF (o
escritório HABITACRED, localizado na Rua Bacabal) perguntou à
declarante se ela já tinha pago a “taxa de abertura de conta” , tendo
respondido que sim, quando o fez na agência 4091 da Vila Industrial.
Com essa informação, a funcionária deu normal andamento ao
procedimento e ao fim a declarante obteve o financiamento desejado,
desta vez sem qualquer exigência da CEF. A declarante diz que ficou
com a nítida impressão de que existe uma combinação entre as
empresas de assessoria imobiliária da CEF, com o fim de induzir os
consumidores a adquirir produtos do banco quando pretendem obter
financiamento.”
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EVERALDO JOSÉ SALVINOS
A fls. 212, reclamação de Everaldo José Salvinos. O
consumidor relata que no ato de assinatura do contrato de financiamento foi
informado que seria necessário abrir conta corrente para que fosse feito o débito
das parcelas. Em abril de 2013 foi informado que estava inadimplente no valor de
R$ 661,18.
GILDÉLIA APARECIDA VIEIRA MOROMISATO
A fls. 243, reclamação de Gildélia Aparecida Vieira
Moromisato. A consumidora alega que foi obrigada a abrir conta corrente para
pagamento das prestações do financiamento imobiliário, porém sempre pagou por
meio de boletos enviados a sua residência. Nunca movimentou a conta, mas foi
surpreendida com uma cobrança de um saldo devedor valor de R$ 360,66, cuja
existência desconhecia.
BRENDA DO PRADO RIBEIRO
A fls. 291, reclamação de Brenda do Prado Ribeiro. A
consumidora relata, entre outros, que foi informada, no momento da assinatura do
contrato de financiamento, que teria que arcar com uma taxa, chamada aporte
inicial com mais uma taxa referida a um prêmio, no total de R$ 1.500,00 . Porém, o
gerente da CEF disse que ela poderia futuramente resgatar tal valor, após o
financiamento efetivo.
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Pela cópia do documento a fls. 322, verifica-se que o produto
financeiro “empurrado” para a consumidora foi um plano de previdência privada ,
ao qual a CEF denomina Viver VGBL. Vê-se claramente que a consumidora foi
induzida a contratar o plano, não recebeu as informações necessárias sobre a
finalidade do produto financeiro oferecido, cuja finalidade não é ser resgatado
antecipadamente mas garantir uma renda futura ao participante e, principalmente,
foi pega de surpresa, pois o funcionário da CEF lhe informou que “teria que arcar a
taxa” somente no momento da assinatura do contrato de financiamento. O
elemento surpresa certamente tolheu a consumidora de oferecer qualquer
resistência à aceitação do produto.
4 - DOS ABUSOS E ILEGALIDADES PRATICADAS PELA CEF
Conforme ofício a fls. 57 dos autos do IC, foi requisitado à CEF
que fornecesse relação com os dados de todos os mutuários que tinham contratado
financiamento habitacional de abril de 2012 a abril de 2013 na Agência 0351 (a que
detém o maior volume de operações da espécie em São José dos Campos),
contendo ainda informação dos produtos financeiros contratados na mesma data
de assinatura do contrato de financiamento.
A resposta da CEF encontra-se a fls. 92/100. Na relação de
contratos habitacionais encontram-se cerca de 99 mutuários que adquiriram um ou
dois produtos financeiros da CEF, entre seguro residencial, seguro de vida (o
produto mais adquirido), seguro Caixa Fácil e título de capitalização.
Essas informações, como já dito acima, abarcam apenas o
período de abril de 2012 a abril de 2013 na agência 0351 e, principalmente,
envolvem apenas os mutuários que adquiriram produtos na mesma data de
assinatura do contrato de financiamento. Essa amostragem é bastante reveladora
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no sentido de que a CEF condiciona, explicita ou implicitamente, a contratação de
financiamento imobiliário à aquisição de seus produtos financeiros, ou induz o
consumidor a acreditar que se não os adquirir, não terá seu crédito liberado, ou se
vale de outros expedientes de duvidosa lisura para impor seus produtos.
É oportuno observar que a comprovação da “venda
casada”, no presente caso, não exige que a contratação do produto
financeiro tenha ocorrido necessariamente na mesma data da contratação
do financiamento.
A assinatura dos contratos na mesma data é apenas um
indicativo, e um dos mais fortes, da ocorrência da prática ilegal, mas não é o único.
Por meio de relatos de consumidores nos autos, ficou constatado
que, já nos primeiros momentos em que o interessado procura uma agência ou um
facilitador para dar início ao processo de financiamento, são “empurrados” abertura
de conta e produtos financeiros ao futuro mutuário, sob o argumento de que, em
sendo aceitos, será mais fácil e rápida a aprovação do financiamento. Nesses casos,
a aquisição dos produtos bancários ocorre dias ou meses antes da data de
assinatura do contrato de financiamento.
Nesse ponto, é necessário deixar claro que a aprovação do
financiamento deve levar em conta a análise de aspectos técnicos relacionados às
condições financeiras do pretendente, renda, despesas, composição familiar,
capacidade de pagamento, inexistência de registros de inadimplência nos órgãos
de proteção ao crédito, entre outros.
Assim, a aprovação e liberação do crédito de modo algum pode
estar atrelada à abertura de contas e aquisição de produtos na instituição
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financiadora. A CEF, conforme demonstrado, vem se aproveitando da fraqueza ou
ignorância do consumidor de crédito imobiliário para impingir-lhe seus produtos e
serviços, de modo a ampliar sua participação no mercado financeiro. A prática ilegal
e abusiva deve ser cessada e os danos serem reparados.
Por oportuno, é de se deixar consignado que o único produto
financeiro que o mutuário de financiamento imobiliário é obrigado a contratar é o
Seguro Habitacional, legalmente previsto.
Segundo as informações prestadas pela CEF a fls. 352, esse
seguro cobre danos de natureza pessoal (morte ou invalidez permanente) e de
natureza material (incêndio, raio, explosão, etc.) que venham a atingir o imóvel. O
Seguro Habitacional tem por objetivo a quitação da dívida do segurado em caso de
sinistro de natureza pessoal e a reposição do bem no caso de sinistro de natureza
material.
O Seguro Habitacional possui todas as coberturas básicas
necessárias à operacionalização do financiamento imobiliário. A contratação de
coberturas adicionais (como seguro de vida, de acidentes pessoais e de residência)
é facultativa e de livre escolha do mutuário. Por fim, o Seguro Habitacional não tem
carência, de modo que o mutuário não tem que contratar outros seguros.
A título de ilustração de como a CEF vem explorando a
vulnerabilidade de seus consumidores, recorde-se o que foi dito pelo consumidor
Alex André França de Lima em suas declarações a fls. 105/106, segundo o qual
foi induzido a contratar um seguro residencial, pois o funcionário da CEF lhe
informou que a contratação deste era necessária para cobrir uma carência dos
doze primeiros meses, não cobertos pelo Seguro Habitacional. Ora, tal carência não
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existe, mas foi o argumento utilizado pelo funcionário para vender o seguro
residiencial.
No geral, a situação é de todo absurda: o consumidor possui
uma renda familiar relativamente baixa, procura a CEF na expectativa de financiar
a compra de seu imóvel próprio e se vê obrigado a deixar para a instituição
financeira parte de sua renda mensal em tarifas e produtos não necessários, em
prol única e exclusivamente da própria instituição, a qual se vê a cada ano
aumentando seus lucros e sua participação no mercado financeiro.
Durante a instrução do IC que deu origem à presente ação, a
CAIXA negou em todas as oportunidades que pratica a venda casada. Contudo, a
conduta da ré é contraditória, havendo verdadeiro choque entre seus setores
internos. Se por um lado o setor jurídico orienta sobre a proibição de venda casada
e nega a sua prática quando provocado, o setor comercial trabalha com metas
agressivas de vendas de produtos e serviços, de modo que os funcionários nas
agências são na realidade estimulados a ludibriar o consumidor praticando a venda
casada.
Por tudo quanto exposto, verifica-se amplamente caracterizada a
prática abusiva na relação de consumo pela CEF, nos termos do Código de Defesa
do Consumidor, em especial as disposições do artigo 39, incisos I e IV. A questão
merece pronta resposta do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário.
5 – FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Cumpre ressaltar, a princípio, que o artigo 1º do Código de
Defesa do Consumidor prevê que as normas de proteção e defesa do consumidor
por ele estabelecidas são de ordem pública e de interesse social. Significa dizer que
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suas disposições são inderrogáveis por vontade das partes, tendo como
característica sua aplicação imediata.
Disso se depreende a imperatividade da aplicação das normas de
ordem pública a todas as relações da sociedade, estando obviamente vinculado ao
seu cumprimento, com muito mais razão, o Poder Público.
Assim, é fundamental que a conduta da CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL, empresa pública federal, seja pautada por premissas de ordem pública e
interesse social, sob pena, de faltar com a sua finalidade principal. No presente
caso, portanto, é premente a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às
relações jurídicas concernentes ao serviço prestados pela instituição financeira.
De mais a mais, há que se ter em mente que CEF, na qualidade
de órgão parceiro do Governo Federal, deve servir de agente intermediário na
consecução dos objetivos basilares do financiamento habitacional, quais sejam, a
redução do deficit habitacional e a inclusão social.
Todos os motivos ensejadores do aporte financeiro feito pelo
Poder Público no financiamento habitacional, no entanto, são esvaziados de sentido
quando a instituição financeira responsável pela aplicação dos recursos age em
benefício próprio, buscando fomentar suas atividades negociais, valendo-se de sua
singular posição no mercado bancário e da fraqueza, ignorância e desinformação do
consumidor.
Verifica-se, assim, a inarredável lesão aos direitos dos
consumidores mutuários, porque, além de serem obrigados a dispor de montante
financeiro maior do que o necessário para a efetivação do financiamento, veem
tolhido seu direito de informação, iludidos pelas informações inverídicas prestadas
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pela instituição financeira, a qual apresenta condicionantes inexistentes (compra de
produtos e serviços paralelos) para a liberação do financiamento.
A instituição financeira não deve coagir, por qualquer meio ou
artifício, explícito ou implícito, o consumidor a contratar seus serviços, senão
aqueles realmente pretendidos e necessários. Ao condicionar, portanto, a liberação
do financiamento à compra de produtos paralelos, a CAIXA viola expressamente
dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, em especial o contido no art. 39, I
e IV :
É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa,
a limites quantitativos;
(…)
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em
vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Como se não bastasse, a instituição financeira, ao praticar a
conduta de venda casada, infringe direito básico do consumidor, caracterizado pela
ofensa ao acesso à informação, fazendo-o acreditar que a liberação do
financiamento está realmente atrelada à compra de produtos diversos.
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(...)
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a
igualdade de condições;
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III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva,
métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas
e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais coletivos e difusos;
A CEF ludibria e retira do consumidor seu direito de livre
escolha, bem como deixa de lhe oferecer a informação necessária para que decida,
por si mesmo, se é do seu interesse adquirir, ou não, os produtos e serviços
oferecidos ou impostos.
Vale lembrar que a habitação figura no rol das necessidades
mais básicas do ser humano. Trata-se de questão relacionada à própria
sobrevivência, consistente em pressuposto para a dignidade da pessoa humana, um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF).
O financiamento imobiliário existe para proporcionar às famílias,
sobretudo às de baixa renda, a oportunidade de adquirirem a casa própria sem
terem de arcar, desde o início, com o pagamento da integralidade de seu preço.
Assim, a prática da CAIXA de onerar a aquisição da casa própria
por meio da indução à contratação de produtos não desejados pode ser considerada
ato atentatório à dignidade da pessoa humana.
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6 – DO DANO MORAL COLETIVO
O dano causado obriga a CEF à reparação, nos termos dos arts.
186 e seguintes e arts. 927 e seguintes, todos do Código Civil.
Veja-se os arts. 186 e 187, verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito. (g.n.)
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes. (g.n.)
As condutas abusivas, maliciosas, insidiosas, constrangedoras e
até mesmo coercitivas perpetradas pelos funcionários da CEF no trato com os
solicitantes de crédito imobiliário violam, em especial, os direitos de livre
contratação e de informação sobre o objeto contratado. O dano moral decorrente
tem dimensão ampla e transcende a esfera de direitos individuais.
Os danos atingem dois alvos distintos. O primeiro é a própria
imagem e credibilidade das instituições públicas, entre as quais se insere a CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL, banco de desenvolvimento social e principal agente
financeiro na implementação das políticas de financiamento imobiliário. A
população, em geral, espera que o proceder da empresa pública e de seus
empregados seja pautado pela lisura, transparência e comedimento. Essa
expectativa é fortemente abalada pelas condutas em questão, colocando em risco a
confiança depositada na instituição financeira como banco público.
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A título de exemplo, recorde-se o que foi dito pelo consumidor
Isaías Barros Dantas :
“...o declarante acha que o proceder da gerente da CAIXA não foi nem um pouco
profissional e não condiz com o que se espera de um funcionário de um banco
público como a CAIXA”
O segundo e principal alvo é a coletividade de mutuários, que se
vê humilhada e obrigada a assumir obrigações financeiras decorrentes de produtos
não necessários, o que certamente onera o orçamento mensal das famílias e lhes
tira a oportunidade de usar o dinheiro correspondente em despesas essenciais à
subsistência ou que poderia ser mais bem empregado, tal como em despesas com
educação e saúde.
Conforme os relatos colhidos no IC 267/2011, as condutas da
CEF durante o processo de análise e liberação do crédito geram insatisfações e
aborrecimentos aos consumidores, os quais se veem às voltas com notificações de
órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA), cobrança de saldo devedor gerado
por débitos dos quais não foram devidamente informados, descaso da instituição
frente às reclamações, notificações extrajudiciais, reclamações à Ouvidoria e ao
Procon.
Restam configurados os elementos necessários à reparação
civil : os danos morais causados pela CEF a seus mutuários, o dolo/culpa de violar
direito e causar dano, e o nexo de causalidade entre conduta e dano.
Sobre o tema, traz-se à colação entendimento do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, que trata, entre outros, de condenação por danos
morais em caso de venda casada :
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CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CEF. EMPRÉSTIMO HABITACIONAL VINCULADO À ABERTURA DE CONTA-CORRENTE. CDC. "VENDA CASADA" CONFIGURADA. DANO MORAL. REDUÇÃO DO QUANTUM. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. RECURSO DA CEF PARCIALMENTE PROVIDO.1. O deferimento da inversão do ônus da prova em favor do consumidor ficará sempre a critério do juiz e estará atrelado à presença da verossimilhança das alegações da parte e de sua hipossuficiência, devendo os requisitos serem analisados cumulativamente. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 2. Na lição de Ada Pellegrini Grinover e com fulcro nos arts. 6º e 39, I, do Código de Defesa do Consumidor, a "venda casada" ocorre quando o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também um outro produto ou serviço. 3. Como já discorrido na respeitável sentença guerreada, a "venda casada" restou caracterizada, pois a parte autora foi informada por preposto da CEF de que apenas conseguiria obter o empréstimo habitacional se abrisse uma conta-corrente na referida Instituição Financeira, razão pela qual a prática desta conduta acarreta, por si só, a indenização a título de dano moral. 4. No que toca ao valor da indenização, deve a sentença ser reformada, eis que o fixado no decisum atacado (R$ 5.000,00 - cinco mil reais), ostenta-se deveras elevado diante dos fatos narrados na petição inicial, bem como da importância total do empréstimo. O próprio Autor, Vanderlei da Silva, ao depor, asseverou que o preposto da Ré não teria sido agressivo, caindo por terra toda a tese da parte autora em seu Apelo, o qual foi interposto com o único intuito de majorar a verba indenizatória. Ademais, como bem pontuado pela CEF em seu recurso, o valor arbitrado na sentença é praticamente o empréstimo a ser liquidado (R$ 6.241,31 - seis mil, duzentos e quarenta e um reais e trinta e um centavos) em dezembro de 2005. Conseguintemente, a cifra de R$ 1.000,00 (um mil reais) é mais adequada aos fatos em apreço, seguindo os Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. Precedentes. 5. Acerca da restituição das tarifas bancárias decorrentes da conta-corrente aberta, irretocável a conclusão alcançada pelo Juízo a quo, eis que inexistiu qualquer contraprestação da Ré, deve a quantia de R$ 391,46 (trezentos e noventa e um reais e quarenta e seis centavos) ser devolvida aos Autores, a fim de afastar o enriquecimento sem causa por parte da CEF. 6. Apelação autoral desprovida. Apelo da CEF parcialmente provido.AC 200651040022810AC - APELAÇÃO CIVEL - 414562Relator(a) Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELERTRF2 Órgão julgador : QUINTA TURMA ESPECIALIZADAFonte : E-DJF2R - Data::08/10/2013
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Dos elementos acima exsurge a necessária
reparação civil coletiva, ante os atos ilícitos causadores de dano moral
coletivo, pois que vulnerados interesses difusos, consoante dicção do art. 81,
inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, “são aqueles transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato”.
Nesse sentido, o STJ:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS -
DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO
EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO
DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA
EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO
ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO
PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim
entendido o que é transindividual e atinge uma classe
específica ou não de pessoas, é passível de comprovação
pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva
dos indivíduos enquanto síntese das individualidades
percebidas como segmento, derivado de uma mesma
relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo
prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de
abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e
coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a
submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o
gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado
pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º
exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4.
Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o
sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo
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Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e
restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-
se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1.057.274-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado 1.12.2009, DJE 26.02.2010)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA.
INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEXO
DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL
COLETIVO. DEVER DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos
Especiais que debatem, no essencial, a legitimação para agir do
Ministério Público na hipótese de interesse individual
homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e morais
coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no
fornecimento de energia no Município de Senador Firmino,
culminando com a falta de eletricidade nos dias 31 de maio, 1º
e 2 de junho de 2002. Esse evento causou, entre outros
prejuízos materiais e morais, perecimento de gêneros
alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências;
danificação de equipamentos elétricos; suspensão do
atendimento no hospital municipal; cancelamento de festa
junina; risco de fuga dos presos da cadeia local; e sentimento
de impotência diante de fornecedor que presta com
exclusividade serviço considerado essencial. 2. A solução
integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O Ministério Público
tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos dos
consumidores. Precedentes do STJ. 4. A apuração da
responsabilidade da empresa foi definida com base na prova dos
autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano
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moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe
específica ou não de pessoas, uma afronta ao sentimento
geral dos titulares da relação jurídica-base. 6. O acórdão
estabeleceu, à luz da prova dos autos, que a interrupção
no fornecimento de energia elétrica, em virtude da
precária qualidade da prestação do serviço, tem o condão
de afetar o patrimônio moral da comunidade. Fixado o
cabimento do dano moral coletivo, a revisão da prova da sua
efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na
Súmula 7/STJ. 7. O cotejo do conteúdo do acórdão com as
disposições do CDC remete à sistemática padrão de condenação
genérica e liquidação dos danos de todos os munícipes que se
habilitarem para tanto, sem limitação àqueles que
apresentaram elementos de prova nesta demanda (Boletim de
Ocorrência). Não há, pois, omissão a sanar. 8. Recursos
Especiais não providos. (REsp 1197654, 2ª Turma, Rel. Min.
Herman Benjamin, julgado 1.03.2011, DJE 08.03.2012)
No caso em tela, conforme exposto, os procedimentos
ilegais desencadeados pela ré – prática de venda casada e eventual negativação do
nome dos mutuários em virtude da cobrança de taxas e tarifas bancárias não
informadas - atingem um volume indeterminado de pessoas, que mantêm ou
mantiveram relação jurídica com a ré.
O dano moral difuso se assenta, exatamente, na
agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade
de consumidores, até mesmo os que deixaram de contratar financiamento,
que podem ter sido submetidos a práticas abusivas durante os
procedimentos de negociação e aprovação.
No que tange ao valor da indenização, é de se consignar
que embora a lei não estabeleça critério objetivo para sua aferição, a doutrina e a
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jurisprudência vêm prestando grande contribuição para o desenvolvimento do tema
no direito pátrio.
A tendência que é resultante do trabalho da doutrina e dos
Tribunais aponta no sentido de que, para o arbitramento do valor da indenização,
mister se levar em conta, in casu, o desvalor da conduta questionada, o potencial
de dano da conduta e o potencial econômico do ofensor. Isso, para que ao mesmo
tempo se ofereça justa compensação econômica ao ofendido e se desestimule o
ofensor a praticar outras violações.
Diante de tais parâmetros, devemos levar em conta que a
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL é o principal agente financeiro do SFH, sendo ainda
uma empresa pública federal, tendo a obrigação de cumprir o Código de Defesa do
Consumidor.
Segundo notícia extraída da intermet1, a CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL teve um lucro líquido de R$ 6,7 bilhões em 2013, sendo que
fechou o mesmo ano com patrimônio líquido de R$ 27,4 bilhões.
Assim sendo, para cálculo da indenização, temos que levar
em conta esses números, bem como o fato de que potencialmente milhares de
consumidores podem ter sido lesados pela ré nos últimos cinco anos somente nos
municípios pertencentes a essa subseção judiciária. Por isso, a indenização tem
que ter valor elevado, sob pena de tornar-se irrisória face o patrimônio da ré, como
única maneira de prevenir a violação da lei no futuro.
Não há como mensurar o prejuízo dos consumidores
induzidos a comprar produtos ilegalmente, mas certamente a CEF lucrou milhões
com a prática abusiva da venda casada em todo o Brasil.
1 http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/03/caixa-tem-lucro-liquido-de-r-67-bilhoes-em-2013.html , acesso em 31/07/2014
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Por fim, há que se repisar que as condutas dos
funcionários ou contratados da CEF se desdobra em duas principais : o
condicionamento direto, sem qualquer rodeios, e o condicionamento indireto,
conduzido com sutileza e de modo insidioso, a fim de induzir o consumidor a
acreditar que não terá o financiamento aprovado se não contratar os produtos
secundários da instituição. Nos autos há suficientes elementos de prova de tais
condutas.
7 - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
A tutela antecipada, em razão de sua natureza instrumental e
provisória, é proferida com base em juízo de cognição sumária, não exauriente, e
tem por pressupostos a verossimilhança do direito alegado, bem como o perigo de
dano irreparável ou de difícil reparação.
Afirma-se, portanto, com base na doutrina dominante, que o
magistrado, ao analisar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, deve verificar
se há verossimilhança nas alegações deduzidas, ou seja, prova suficiente da
probabilidade das alegações apresentadas pelo autor, e se a demora do processo
gerará algum risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
No caso específico da legislação consumerista, prevê-se que:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
(…)
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§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a
tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
A determinação do obrigação de não fazer à CEF, ou seja, de não
constranger os mutuários a adquirirem outros produtos e serviços da instituição
financeira para terem o financiamento habitacional aprovado é medida necessária e
urgente, eis que os danos que a empresa vem causando são de grande amplitude,
causando lesões a inúmeros clientes há tempos.
Da mesma forma, é de suma importância dar efetividade ao
direito de informação do consumidor para que o mesmo deixe de ser enganado e
denuncie práticas abusivas, o que pedimos na obrigação de fazer abaixo deduzida.
Assim, o periculum in mora encontra-se presente pela existência
da “venda casada” e de outras práticas abusivas descritas e provadas, as quais, se
mantidas, continuarão a causar prejuízos aos consumidores que vêm adquirindo e
pagando por produtos e serviços da instituição financeira desnecessariamente e
contra a vontade.
No que tange à prova inequívoca, tem-se que esta decorre
dos fatos narrados e comprovados pelos documentos reunidos nos autos do
Inquérito Civil 267/2011.
A verossimilhança da alegação, por sua vez, se demonstra pelos
argumentos desenvolvidos nesta petição frente às normas pertinentes, que
comprovam a ilegalidade do atos praticados pela CEF.
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Assim, presentes os requisitos legais, requer o MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, determinando-
se :
a) como obrigação de não-fazer, que a CEF, por meio de suas
agências situadas na área de jurisdição da Subseção Judiciária de São José dos
Campos, se abstenha de exigir, induzir ou impor ao pretendente de crédito
imobiliário, por qualquer meio, a aquisição de produtos e serviços da instituição
financeira, desde o primeiro contato do cliente para início do processo de
financiamento até a data da efetiva liberação do crédito;
b) como obrigação de fazer, com o fim de respeitar a
vontade do consumidor e o direito de contratação, caso haja a venda de produtos e
serviços durante o processo de negociação e aprovação do financiamento
imobiliário, seja o consumidor informado, por escrito, das características,
finalidades e preço de cada produto, e que a aquisição não será considerada como
condição para a aprovação do crédito imobiliário pretendido, ainda que de forma
mais facilitada ou rápida;
c) como obrigação de fazer, que a CEF, desde o primeiro
contato (diretamente ou através de facilitadores imobiliários) com o cliente para
início do processo de financiamento imobiliário, alerte o mesmo sobre a proibição da
venda casada e dê ciência formal sobre seus direitos, mediante formulário modelo
apresentado no anexo I desta inicial, a ser assinado pelo cliente necessariamente
em data anterior à assinatura do contrato, que passará a fazer parte integrante da
documentação obrigatória do processo de financiamento e poderá ser exigido a
qualquer tempo2 , com a fixação de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
a cada caso no qual se verifique a infringência a esta obrigação;
2 Observamos que a assinatura prévia de formulário padronizado é a única forma de garantir a efetividade do
direito de informação, haja vista que por ocasião da assinatura do contrato de financiamento o consumidor já pode
ter sido ludibriado.
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d) como obrigação de fazer, seja determinado à CEF que
divulgue o teor da liminar e promova o direito de informação do consumidor quanto
à proibição à venda casada por campanha publicitária a ser realizada por meio de
cartazes a serem fixados permanentemente em todas as suas agências e empresas
ou profissionais facilitadores de crédito imobiliário que lhe prestam serviços,
localizados nos municípios desta subseção.
8 – DOS PEDIDOS
Diante do quanto exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
requer:
1. O recebimento da presente ação;
2. A citação da ré, para que, querendo, conteste a presente
ação, sob pena de revelia;
3. A confirmação e a procedência dos pedidos efetuados em
sede de antecipação de tutela;
4. A condenação da CEF à devolução dos valores e tarifas pagos
indevidamente pelos consumidores lesados, a título de contratação de produtos ou
serviços indesejados, no período dos últimos 5 (cinco) anos anteriores à data da
presente ação até a data do trânsito em julgado, devidamente corrigidos e com
juros legais e que tais contratações tenham ocorrido por ocasião da análise e
liberação de financiamento imobiliário.
4.1. A fim de delimitar o universo de favorecidos com a medida,
os eventuais interessados, para que se enquadrem na condição de consumidor
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lesado, deverão comprovar documentalmente: a) que tenham assinado com a CEF
contrato de financiamento e tenham registrado reclamações contra a CEF no
período dos últimos 5 (cinco) anos anteriores à data da presente ação até a data do
trânsito em julgado, envolvendo as práticas abusivas mencionadas na presente
petição, seja por meio de reclamação diretamente na agência bancária e/ou na
ouvidoria da instituição e/ou no Procon e/ou no Judiciário ou qualquer outro meio
institucional; b) que não tenham obtido, por meio dessas reclamações, o
ressarcimento dos valores indevidamente pagos à CEF por conta de produtos e
serviços indesejados; c) as reclamações tenham ocorrido no prazo de até 1 ano da
data da assinatura do contrato de financiamento;
4.2 Requer ainda a condenação da CEF a notificar, através de
anúncio publicado por 3 (três) vezes em jornais de grande circulação nos municípios
desta subseção e na imprensa oficial, todos os mutuários que contrataram
financiamento imobiliário nos no período dos últimos 5 (cinco) anos anteriores à
data da presente ação até a data do trânsito em julgado, a fim de que procurem
sua agência, caso se enquadrem nos fatos em questão e nos requisitos “a”, “b” e
“c” acima, para pleitear a devolução dos valores pagos, caso ainda não tenha
ocorrido, a qual deverá ocorrer no prazo máximo de 60 dias, sob pena da multa de
R$ 100,00 por dia de atraso e por cliente;
5. A condenação da CEF à indenização por danos morais
coletivos, em valor não inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), como
única forma de coibir práticas abusivas no futuro, valor esse a ser revertido ao
Fundo de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos;
Por fim, protesta a parte autora pela produção de todos os
meios de prova legalmente admitidos, a serem oportunamente especificados.
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Dá-se à presente causa o valor de R$ R$ 5.000.000,00 (cinco
milhões de reais).
São José dos Campos, 01 de agosto de 2014.
RICARDO BALDANI OQUENDO Procurador da República
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ANEXO I - MODELO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
ESCLARECIMENTOS AO CLIENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF:
I – a contratação de financiamento habitacional não pode ser de modo algum
condicionada à abertura de conta-corrente da CEF, nem à contratação de seguros
adicionais (como seguro de vida e residencial), previdência complementar, títulos de
capitalização, ou qualquer outro produto;
II – a contratação de seguro habitacional é obrigatória nos termos da legislação
para concessão de crédito imobiliário, devendo o cliente perguntar e a CEF informar
sobre os riscos cobertos, mas não é obrigatória a contratação de coberturas
adicionais;
III – a concessão e o tempo de aprovação do financiamento não possuem
relação alguma com a contratação de seguros, títulos de capitalização, previdência
complementar ou qualquer outro produto;
IV – o mutuário tem a opção de pagar as prestações por meio de boleto
bancário, sendo que a abertura adesão a pacote de serviços (abertura de conta,
cartão de crédito, crédito de salário e débito em conta das prestações) será
considerada apenas para redução da taxa de juros, contratualmente prevista, mas
de forma alguma poderá ser considerada como condição para a aprovação
do crédito, ainda que de forma mais facilitada ou rápida;
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V – caso o mutuário faça opção pela abertura de conta corrente e adesão a pacote
de serviços oferecidos pela CEF, deve estar ciente de que serão cobradas taxas
e tarifas mensalmente, sendo obrigação da CEF informar corretamente o valor
das mesmas;
VI - nos termos do Código de Defesa do Consumidor, ninguém está obrigado a
contratar produto o serviço que não seja de seu interesse, bem como a venda
casada é considerada prática ilegal e abusiva;
VII – se eventualmente for imposto algum produto ou serviço pela CEF como
condição para assinatura de contrato de financiamento, ou for praticada qualquer
outra forma de venda casada, tal fato deve ser comunicado aos órgãos de defesa
do consumidor, como o PROCON, e ao Ministério Público Federal, para adoção das
medidas cabíveis;
VIII – Este formulário deve ser entregue e assinado pelo pretendente ao
financiamento no seu primeiro contato com a CEF ou facilitador imobiliário para
obtenção de financiamento habitacional, devendo o mesmo ser parte integrante do
processo de financiamento, sendo vedada sua assinatura na mesma data ou
em data posterior à da assinatura do contrato de financiamento.
NOME DO CLIENTE:
RG:
CPF:
LOCAL E DATA:
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