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Rua São Bento, 1725, Araraquara/SP CEP 14.801-300 Tel: (16) 3322-2300 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR RICARDO LEWANDOWSKI DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Reclamação nº. 32.080/SP HORÁCIO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR, qualificado nos autos do processo em epígrafe, por meio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, dispensada da apresentação de instrumento de mandato, por força do disposto no artigo 128, XI, da Lei Complementar 80/94, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 489, § 1º, incisos III, IV e V e 1.022, incisos I e II, e parágrafo único, inciso II do Código de Processo Civil, apresentar os presentes EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ante o teor da decisão monocrática (documento eletrônico nº. 83) que negou seguimento à Reclamação, por uma suposta e inexistente “manifesta inadmissibilidade” do pedido, conforme restará demonstrado a seguir. O cidadão Horácio Batista dos Santos Junior aviou Reclamação Constitucional perante este Supremo Tribunal Federal, aduzindo, em reduzida síntese, que as inúmeras teratologias processuais praticadas pelos órgãos jurisdicionais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde o ajuizamento da ação (em 20/06/2017) e, especialmente, a habitação do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo como “amigo de si mesmo”,

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR RICARDO … · No caso em tela, parece-me que, a priori não se trataria de hipótese de competência do STF em razão do art. 102, I, “n”,

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR RICARDO

LEWANDOWSKI DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Reclamação nº. 32.080/SP

HORÁCIO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR,

qualificado nos autos do processo em epígrafe, por meio da DEFENSORIA

PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, dispensada da apresentação de

instrumento de mandato, por força do disposto no artigo 128, XI, da Lei

Complementar 80/94, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com

fundamento nos artigos 489, § 1º, incisos III, IV e V e 1.022, incisos I e II, e

parágrafo único, inciso II do Código de Processo Civil, apresentar os presentes

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ante o teor da decisão monocrática (documento

eletrônico nº. 83) que negou seguimento à Reclamação, por uma suposta e

inexistente “manifesta inadmissibilidade” do pedido, conforme restará demonstrado

a seguir.

O cidadão Horácio Batista dos Santos Junior aviou

Reclamação Constitucional perante este Supremo Tribunal Federal, aduzindo, em

reduzida síntese, que as inúmeras teratologias processuais praticadas pelos

órgãos jurisdicionais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde o

ajuizamento da ação (em 20/06/2017) e, especialmente, a habitação do próprio

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo como “amigo de si mesmo”,

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para deduzir pedido em favor de uma das partes, exigem o deslocamento da

competência para o processamento e julgamento da causa a este Supremo

Tribunal Federal, com supedâneo no artigo 102, I, “n” da Constituição Federal.

De início, oportuno ressaltar que o presente caso concreto

traduz hipótese simplesmente teratológica e sem precedentes no direito

brasileiro, de tal forma que o pronunciamento judicial embargado, que se

mostrou, data venia, superficial, lacônico e contraditório, tolhendo a

possibilidade de análise pelo órgão colegiado competente, sem fundamentação

idônea para tanto, merece ser revisto.

A propósito do grave atentado ao Estado Democrático de

Direito, a partir da habilitação de um Tribunal de Justiça como terceiro

parcial em processo que tramita sob sua jurisdição, confiram-se os seguintes

trechos dos pareceres carreados aos autos (simplesmente desconsiderados pela

decisão embargada):

O Tribunal não pode ser amigo de si mesmo, sob pena de

perda da característica essencial da imparcialidade do órgão

jurisdicional, consequência de um egocentrismo incompatível com

a figura do amicus curiae, mas também do próprio exercício da

jurisdição no Estado Democrático de Direito.

(...)

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No caso em tela, parece-me que, a priori não se trataria de

hipótese de competência do STF em razão do art. 102, I, “n”, pois

ao entender que o magistrado não pode ser acionado diretamente

em ação indenizatória decorrente de erro judicial, bastaria decisão

excluindo-o do litisconsórcio passivo; contudo, a sequência de atos

acima listada indica a tomada de posição do próprio tribunal local

em tornar-se amicus curiae claramente de uma das partes,

automaticamente fez com que os membros desse tribunal

estivessem indiretamente interessados no resultado da questão

discutida. Trata-se, portanto, de uma perda de imparcialidade

superveniente, que in abstrato talvez não se configurasse, mas que

in concreto restou configurada de forma cristalina. Em suma, a

mera admissão do TJSP como amicus curiae é suficiente para

torná-lo parcial e atrair a competência do STF para o caso.

Registro que as causas de perda de imparcialidade do

tribunal e a necessidade de deslocamento de competência para o

STF foram todas, sem exceção, provocadas pelo próprio TJSP,

seja pelo juiz de piso ao proferir decisões absurdas e

incongruentes, reveladoras de seu animus, seja pelo órgão

jurisdicional de 2ª Instância, ao conhecer de recurso

manifestamente incabível da APAMAGIS, mas especialmente

pela intervenção do tribunal como amicus curiae. Professor

Camilo Zufelato (documento eletrônico nº. 81, páginas 26/27 e

31/32, grifo nosso).

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1. Subverte a estrutura da Constituição Federal e as bases

do Estado Democrático de Direito, violando o princípio axial de

respeito à dignidade da pessoa humana, bem como aquele que lhe

é correlato, o princípio constitucional da proporcionalidade, o

impedimento oposto ao exercício do direito fundamental de ação,

mediante a análise da pretensão deduzida pelo cidadão por um juiz

ou Tribunal imparcial, assegurada a garantia ao duplo grau de

jurisdição e ao devido processo legal, com a garantia de respeito

ao contraditório que lhe é inerente;

2. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo está

absolutamente impedido para o processamento e julgamento da

causa em análise, ante o seu pedido de habilitação como amicus

curiae e a sua manifestação parcial em prol de um dos réus,

postura que, de mais a mais, ratifica a subversão mencionada no

item anterior e levada a efeito pelos órgãos jurisdicionais de 1ª e

de 2ª Instâncias que decidiram no feito, com violação agora do

princípio constitucional da razoabilidade;

3. Há interesse, direto ou indireto, de todos os membros do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e da magistratura em

geral, em se definir a possibilidade, à luz da Constituição Federal,

de responsabilização pessoal e direta do juiz de direito por atos

praticados no exercício da função jurisdicional, com a delimitação

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de todas as questões jurídicas que circundam o tema, ainda

pendente de análise definitiva pela Suprema Corte do País.

4. Deve a ação ser processada e julgada pelo Supremo

Tribunal Federal, na forma do artigo 102, I, “n” da Constituição

Federal, sob pena de afronta ao ordenamento jurídico pátrio e

internacional, com a nulidade absoluta dos pronunciamentos

judiciais emanados de órgãos incompetentes. Professor Willis

Santiago Guerra Filho (documento eletrônico nº. 64, páginas

19/20, grifo nosso).

No que diz respeito à indagação feita pela Consulente,

insta ressaltar que, em que pese a previsão da intervenção no art.

138 do Código de Processo Civil e a constatação da maior

utilização desta modalidade interventiva nos últimos anos, a

participação do TJSP como amicus curiae em ação de competência

do próprio Tribunal, que inclusive já foi objeto de recursos à

segunda instância, configura uma situação de desassossego e

grande perplexidade, sem precedentes no direito brasileiro, com

manifesto risco de comprometimento da imparcialidade do órgão

julgador.

(...)

Nesses termos, o pedido de habilitação do Tribunal

Estadual como amicus curiae configura hipótese de impedimento

para o julgamento da causa pelo mesmo Tribunal, seja pela

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situação prevista no art. 144, I, por ter atuado não como

testemunha ou, perito, mas pela semelhança que caracterizam

essas figuras com os objetivos que orientam a manifestação na

qualidade de amicus curiae ponto claramente em xeque a

imparcialidade objetiva do tribunal.

(...)

Tal preocupação se mostra ainda mais premente quando se

verifica que, nos mesmo autos em que se admitiu a intervenção do

Tribunal de Justiça como amicus curiae, o direito de participação

das organizações da sociedade civil foi negado, pelo

indeferimento da intervenção solicitada pelas seguintes

instituições: Conectas Direitos Humanos, o Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais – IBCCRIM, o Instituto Pro Bono, o Instituto

Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC e a Pastoral Carcerária

Nacional.

Se deferimento do órgão julgador como amicus curiae

insere dúvidas substanciais no que tange à imparcialidade e à

independência do juízo e do Tribunal de Justiça local, tal

preocupação é radicalizada quando se constata que o caráter

supostamente plural e democrático que justificou a admissão do

Tribunal como interveniente não é o mesmo conferido às

organizações da sociedade civil que atendem, de forma muito mais

visível e coerente, os requisitos do art. 138 do Código de Processo

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Civil. Professores Dierle Nunes e Rafael Menezes (documento

eletrônico nº. 5, páginas 21, 25 e 26, destacamos).

Ao postular uma posição como amicus curiae em caso que

será por ele próprio julgado, o Tribunal de Justiça Estadual em

questão declara interesse particular no processo. Como a

instituição não existe sem o trabalho concreto dos seus membros –

desembargadores, juízes e demais servidores –, todos eles passam

a ser direta ou indiretamente interessados, o que caracteriza

plenamente a segunda parte do art. 102, I, n, da Constituição da

República, devendo o caso ser integralmente remetido ao Supremo

Tribunal Federal para processar e julgar o caso.

(...)

Todos têm direito a prestação jurisdicional imparcial,

realizada pelo juiz natural da causa, nos limites das regras

pertinentes ao processo legal devido, proibidos Tribunais de

exceção, isto é, que não se subordinam às regras constitucionais.2

O Tribunal de Justiça Estadual referido na segunda

questão, ao admitir que tem interesse na causa – e o faz de

maneira inequívoca por meio de requerimento escrito para

admissão como amicus curiae, nos termos do art. 138 do Código

de Processo Civil3 – atesta com isso sua inequívoca parcialidade

e, em consequência necessária, manifesta completa incapacidade

para julgar a lide com isenção, distância e equidade, tornando

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absolutamente nulo qualquer ato praticado no processo por seus

magistrados a partir do registro de protocolo do pedido de

habilitação como terceiro interessado – independentemente da

natureza do interesse (prática ou teórica).

Em conclusão, é causa de impedimento suficiente a mera

existência escrita do requerimento de admissão como amicus curie

por parte do mesmo Tribunal sob o qual está pendente o

julgamento de um processo específico. Todos os atos praticados

por juízes e desembargadores de tal Tribunal são nulos a partir do

momento de interposição do pedido da referida solicitação.

Professor Maurício Stegemann Dieter (documento eletrônico

nº. 3, páginas 4/6, grifamos)

Realizada esta breve, mas necessária, introdução, eis que os

elementos acima não foram apreciados no pronunciamento judicial recorrido,

passemos à análise das omissões e contradições existentes no julgado.

Abaixo, destacamos os fundamentos invocados como razão

de decidir e o correspondente vício:

Bem examinados os autos, verifico, inicialmente, que o

Juízo de primeiro grau determinou o sobrestamento da ação

indenizatória ajuizada pelo reclamante justamente em razão do

que foi decidido no RE 1.027.633/SP, em que se reconheceu a

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repercussão geral do tema relativo à violação ou não do art. 37, §

6º, da Constituição Federal, “no que admitida a possibilidade de

particular, prejudicado pela atuação da Administração Pública,

formalizar ação judicial contra o agente público responsável pelo

ato lesivo”.

Transcrevo, por oportuno, o inteiro teor da decisão que consta do

documento eletrônico 31:

“Vistos. Fls. 667/672: cumpra-se a decisão de fls. 551. Aguarde-se

o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1027633 no Supremo

Tribunal Federal. Int. Araraquara, 29 de agosto de 2017” (pág. 7)

Assim, reputo preservada e garantida a autoridade da decisão

proferida por esta Corte Suprema nos autos do Recurso

Extraordinário em apreço.

Eis a primeira contradição.

Com o máximo respeito, os autos não foram “bem

examinados” para se chegar à conclusão supra.

Conforme destacado na petição inicial (documento

eletrônico nº. 1, páginas 55/56), “o juiz monocrático determinou que o autor se

manifeste em réplica à contestação de mérito ofertada pela Fazenda Pública do

Estado, em que pese o processo ter sido extinto e, depois, suspenso (!) pelo

próprio magistrado, o qual, não bastasse, rejeitou os embargos de declaração

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apresentados pelo Reclamante contra aquela decisão, mais uma vez sem

qualquer fundamento jurídico inteligível.”.

A decisão referida, os embargos de declaração

apresentados pelo Reclamante e o pronunciamento que rejeitou os embargos se

encontram nos documentos eletrônicos nº. 45 (página 4) e nº. 51 (páginas 34/41).

Oportuno transcrever o inteiro teor das referidas decisões

de 1ª Instância:

“Vistos. À réplica. Intime-se. Araraquara, 13 de agosto de

2018”

“Vistos, Rejeito os embargos de declaração por não

verificar na decisão impugnada o vício apontado. A FESP

contestou, sendo o autor intimado para ofertar réplica. Aguarde-se

o prazo da réplica. Int. Araraquara, 05 de setembro de 2018.”

Veja-se que as decisões acima mencionadas, que

conferiram andamento a um processo extinto e, depois, suspenso, foram

proferidas em 13 de agosto de 2018 e 05 de setembro de 2018, ou seja, mais de 1

(um) ano depois da decisão mencionada no pronunciamento jurisdicional

embargado.

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Enfim, impossível se reputar “preservada e garantida a

autoridade da decisão proferida por esta Corte Suprema nos autos do Recurso

Extraordinário em apreço”, quando o juízo de 1º grau e o órgão de 2ª Instância

seguem movimentando o feito, de ofício, motivo pelo qual aguarda o

embargante que Vossa Excelência se manifeste expressamente acerca da

contradição acima apontada, eliminando-a.

Já no que se refere ao alegado impedimento de todos os

magistrados que integram o TJSP para o julgamento da referida

ação, cumpre salientar que o deslocamento de competência

baseado no art. 102, I, n, da Constituição Federal exige

manifestação expressa de impedimento dos juízes, em

procedimentos específicos, sob pena de violação do princípio do

juiz natural.

Neste ponto, Vossa Excelência indicou as ementas dos

seguintes precedentes do Plenário desta Suprema Corte: a) AO 967- AgR/PE,

Rel. Min. Eros Grau, Plenário; b) MS 25.509-AgR/SP, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, Plenário; c) AO 1.153-AgR/ES, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário; d)

MS 23.682- AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário; e) AO 1.045-

QO/GO, Relator o Ministro Ayres Britto.

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E, em seguida, concluiu: “In casu, não consta que tenha

havido manifestação formal de impedimento ou suspeição por parte de mais da

metade dos membros do Tribunal de origem. Tampouco há comprovação nos

autos de que tenha sido ajuizada a correspondente exceção, o que, por si só, já

seria suficiente para afastar a incidência da hipótese prevista no art. 102, I, n,

da Constituição Federal.”.

Vislumbra-se, neste ponto, a existência de omissão e

contradição.

Os precedentes citados por Vossa Excelência foram

julgados entre os anos 2000 e 2006.

Apenas um deles reflete, de forma clara, o posicionamento

desta Suprema Corte de Justiça a respeito do assunto, qual seja, o AO 1.045-

QO/GO, Relator o E. Ministro Ayres Britto, cuja ementa ora se transcreve:

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO

JURISDICIONAL QUE INDEFERIU PETIÇÃO INICIAL DE

EMBARGOS DE TERCEIRO. AUTOS REMETIDOS AO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELO PRESIDENTE DE

TURMA JULGADORA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.

COMPETÊNCIA. C.F., ART. 102, I, "N", DA MAGNA CARTA.

Para configurar-se a competência originária do Supremo Tribunal,

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pela citada alínea "n", é preciso que haja a manifestação formal,

de impedimento ou suspeição, por parte dos membros da Corte de

origem, espontaneamente ou por efeito de ajuizamento da

correspondente exceção. Precedentes. No caso, tratando-se de

causas distintas -- embora com objetos correlatos -- não se pode

presumir que os julgadores que oficiaram nos embargos de terceiro

estão, necessariamente, impedidos de atuar no subseqüente

mandado de segurança. Questão de ordem resolvida no sentido de

se reconhecer a incompetência originária do Supremo Tribunal

Federal, com a devolução dos autos ao Juízo de origem.

(AO 1045 QO, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal

Pleno, julgado em 24/06/2004, DJ 10-09-2004 PP-00044 EMENT

VOL-02163-01 PP-00017 LEXSTF v. 27, n. 314, 2005, p. 38-43)

(Negritamos e sublinhamos)

Mais recentemente, as Turmas do STF e, também, o

Plenário, ratificaram tal posicionamento, com destaques nossos:

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE

SEGURANÇA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015.

ATO PRATICADO PELO PRESIDENTE E PELO CORREGEDOR-

GERAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO. CORTE DE PONTO DE SERVIDORES EM GREVE.

ALEGAÇÃO DE COMPROMETIMENTO DA IMPARCIALIDADE

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DO ÓRGÃO ESPECIAL PARA EXAME DA PRETENSÃO.

SUPOSTA HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO ART. 102, I, ‘N’, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. EXCEÇÕES DE

SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO NÃO ARGUIDAS NA ORIGEM.

PRETENSÃO FUNDADA EM ILAÇÕES. AUSÊNCIA DE

COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. 1.

O impedimento suscetível de caracterizar a hipótese de

competência originária prevista no art. 102, I, “n”, da Carta da

República pressupõe manifestação expressa, espontânea ou

provocada, de mais da metade dos membros do Tribunal de

origem, circunstância não demonstrada no caso. 2. Nos termos do

art. 21, IV, da LC nº 35/79, “Compete aos Tribunais,

privativamente: (...) julgar, originariamente, os mandados de

segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de

suas Câmaras, Turmas ou Seções”. O art. 21, § 1º, do RISTF, por

sua vez, autoriza a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça local,

para o que de direito. Precedentes. O CPC/2015 contém preceito

de mesma teleologia, art. 64, § 3º. 3. Agravo regimental conhecido

e parcialmente provido, apenas para determinar a remessa dos

autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

(MS 34571 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira

Turma, julgado em 09/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-

168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017)

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Agravo regimental em reclamação. 2. Reclamação julgada

improcedente. 3. Art. 102, I, “n”, da Constituição Federal. 4.

Ausência de manifestação formal, espontânea ou provocada, de

impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros do

Tribunal estadual. 5. Incidência de Imposto de Renda sobre verbas

de natureza indenizatória. 6. Não configuração de tema de

interesse privativo da magistratura. Inexistência de usurpação de

competência do STF. 7. Agravo regimental a que se nega

provimento. (Rcl 12808 AgR, Relator(a): Min. GILMAR

MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, PROCESSO

ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-

2014)

AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO JULGADA

IMPROCEDENTE. ART. 102, I, "N", SEGUNDA PARTE, DA

CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO

FORMAL, ESPONTÂNEA OU PROVOCADA, DE

IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE MAIS DA METADE DOS

MEMBROS DO TRIBUNAL RECLAMADO. RECURSO NÃO

PROVIDO. O mandado de segurança que motivou a reclamação

tem como alvo a Lei estadual pernambucana 11.630/1999, que

majorou a contribuição previdenciária de todos os agentes

públicos de Pernambuco, e não apenas dos magistrados. Tal fato

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impede a subsunção do caso à primeira parte da alínea "n" do

inciso I do art. 102 da Constituição, que, segundo precedentes, "só

se aplica quando a matéria versada na demanda diz respeito a

privativo interesse da magistratura enquanto tal e não também

quando interessa a outros servidores" (AgR na Rcl 1.952, rel. min.

Ellen Gracie, DJ de 12.3.2004, p. 37). Além disso, de acordo com a

primeira parte de tal dispositivo constitucional, é necessário, para

a fixação da competência desta Corte, "que todos os membros da

magistratura sejam direta ou indiretamente interessados", o que

não ocorre, já que o mandado de segurança de origem não engloba

sequer o interesse de todos os magistrados de Pernambuco. Como

o próprio recorrente frisou na inicial da reclamação, o pleito se

funda no prescrito na segunda parte do art. 102, I, "n", da

Constituição. Daí por que se impõe a manutenção da decisão

agravada, uma vez que não houve manifestação formal

(espontânea ou provocada) de impedimento ou suspeição por parte

de mais da metade dos membros do tribunal reclamado.

Precedentes (AO-AgR 1.401, rel. min. Eros Grau, DJ de

07.12.2006, p. 35; AO-QO 1.045, rel. min. Carlos Britto, DJ de

10.09.2004, p. 44; e AO-AgR 973, rel. min. Ellen Gracie, DJ de

16.05.2003, p. 91). Agravo regimental não provido.

(Rcl 1097 AgR-segundo, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,

Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2010, DJe-035 DIVULG 25-02-

2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-04 PP-00854)

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A propósito, colhe-se da jurisprudência deste Supremo

Tribunal Federal, dentre outros, a AO 2046, julgada em 23/11/2016, em que

Vossa Excelência, na condição de Relator, consignou que:

A propósito da matéria, este Supremo Tribunal assentou o

seguinte: “(...) para configurar-se a competência originária do

Supremo Tribunal, pela citada alínea n, é preciso que haja a

manifestação formal, de impedimento ou suspeição, por parte dos

membros do Tribunal de origem, espontaneamente ou por efeito

de ajuizamento da correspondente exceção” (AO n. 1.045-

QO/GO, Relator o Ministro Ayres Britto, Plenário, DJ 10.9.2004).

No entanto, conforme ressaltado acima pelo Parquet, não é este o

caso dos autos, em que os Desembargadores se debruçaram sobre

a matéria e não se afirmaram suspeitos ou impedidos, o que, de

fato, não se pode mesmo deduzir a partir de mera manifestação

associativa. Isso posto, nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF, não

conheço desta ação originária. Publique-se. Brasília, 23 de

novembro de 2016. Ministro Ricardo Lewandowski Relator (AO

2046, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em

23/11/2016, publicado em DJe-252 DIVULG 25/11/2016 PUBLIC

28/11/2016)

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Patente, pois, que se afigura desnecessário o ajuizamento

da correspondente exceção para que seja reconhecido o impedimento de um

Tribunal estadual e preservada a competência originária do Supremo Tribunal

Federal, o que retira a validade da assertiva constante da decisão embargada no

sentido de que “Tampouco há comprovação nos autos de que tenha sido

ajuizada a correspondente exceção, o que, por si só, já seria suficiente para

afastar a incidência da hipótese prevista no art. 102, I, n, da Constituição

Federal.”.

Resta, pois, avaliar se a premissa segundo a qual “não

consta que tenha havido manifestação formal de impedimento ou suspeição por

parte de mais da metade dos membros do Tribunal de origem” se afigura correta.

E, neste aspecto, o pronunciamento judicial recorrido se

afigura flagrantemente omisso.

Conforme dispõe o artigo 489, parágrafo 1º, incisos III, IV

e V c.c artigo 1.022, parágrafo único, inciso II do CPC, não se considera

fundamentada e, portanto, é omissa, a decisão judicial que “invocar motivos que

se prestariam a justificar qualquer outra decisão”, “não enfrentar todos os

argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão

adotada pelo julgador” e “se limitar a invocar precedente ou enunciado de

súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o

caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

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O caso ora julgado se diferencia de todos os outros

precedentes invocados por Vossa Excelência como razão de decidir, ou mesmo

dos precedentes acima colacionados pelo Reclamante.

Afinal, não se tem notícia de que, em nenhum deles, um

Tribunal Estadual tenha se habilitado como amicus curiae em processo sob

sua jurisdição (o Tribunal “amigo de si mesmo”) para defender interesses

particulares de uma das partes.

Esta “perda da característica essencial da imparcialidade

do órgão jurisdicional, consequência de um egocentrismo incompatível com a

figura do amicus curiae, mas também do próprio exercício da jurisdição no

Estado Democrático de Direito”, nas palavras do Professor Camilo Zufelato,

ou o absoluto impedimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo “para

o processamento e julgamento da causa em análise, ante o seu pedido de

habilitação como amicus curiae e a sua manifestação parcial em prol de um dos

réus”, nas palavras do Professor Willis Santiago Guerra Filho, ou, ainda, esta

“situação de desassossego e grande perplexidade, sem precedentes no direito

brasileiro, com manifesto risco de comprometimento da imparcialidade do órgão

julgador”, nas palavras Professores Dierle Nunes e Rafael Menezes, ou, por

fim, “a inequívoca parcialidade” do Tribunal estadual e, em consequência

necessária, sua “completa incapacidade para julgar a lide com isenção,

distância e equidade, tornando absolutamente nulo qualquer ato praticado no

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processo por seus magistrados a partir do registro de protocolo do pedido de

habilitação como terceiro interessado”, nas palavras do Professor Maurício

Stegemann Dieter, simplesmente foram desconsideradas por Vossa Excelência

na decisão embargada.

Claramente, afigura-se prescindível e desnecessário o

manejo de exceção de impedimento ou suspeição de mais da metade dos

membros do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando o próprio

Tribunal de Justiça, de forma espontânea, manifestou-se expressamente nos

autos de uma ação individual, para promover a absurda defesa dos

interesses de uma das partes do processo que deveria julgar com isenção e

imparcialidade, o que, certamente, conduz ao seu impedimento para o

julgamento da causa.

Frisa-se: não só metade dos membros do Tribunal está

impedida, mas o Tribunal como um todo, diante da distopia criada pelo

Poder Judiciário paulista, que decidiu se habilitar como “amigo de si mesmo”

para promover a defesa de interesses individuais de um de seus membros, em

notório desvio de finalidade.

Resta evidente, pois, que a questão em comento não se

reveste da simplicidade que se buscou transparecer na decisão embargada, que

negou seguimento à Reclamação, por uma suposta e inexistente “manifesta

inadmissibilidade”.

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Inclusive, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

segue, firmemente, a demonstrar a ausência de imparcialidade objetiva (e o seu

impedimento) para o julgamento do processo em questão.

Mais uma vez, valendo-se de seu sítio eletrônico, publicou

notícia acerca da decisão proferida por Vossa Excelência, mencionando, ainda, o

arquivamento, pelo Conselho Nacional de Justiça, do Pedido de Providências nº

0005509-09-2018.2.00.0000, formulado contra o pedido de habilitação do TJSP

como amicus curiae nos autos da ação indenizatória proposta pelo Reclamante,

embora, estranhamente, o Tribunal não tenha publicado qualquer notícia quando

da distribuição da Reclamação ao STF ou quando da formulação do Pedido de

Providências por parte de um Advogado, o que, em tese, deveria fazer, caso

estivesse preocupado em transmitir uma mínima impressão de imparcialidade.

A propósito, quanto ao festejado arquivamento do Pedido

de Providências, cumpre destacar o quanto asseverado pelo Exmo. Corregedor

Nacional de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha:

Assim, ainda que se argumente que a irresignação tem por

objeto ato administrativo do Tribunal de Justiça, o fato é que a

possibilidade desse tipo de atuação (ingressar como amicus curiae)

já foi judicializada, vez que é objeto de decisão judicial e de

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recurso, além de Reclamação ainda pendente de julgamento no

STF.

Como sabido, a intervenção do TJSP como amicus curiae

se deu por decisão irrecorrível (artigo 138 do CPC); inexiste, pois, qualquer

recurso em que se discuta a mencionada intervenção; eventual decisão em

sentido contrário do TJSP, neste momento, representaria uma (ou mais uma, mas

agora tardia) demonstração da condução antidemocrática do processo, atentatória

ao devido processo legal, violadora do princípio da boa-fé objetiva (nemo venire

contra factum proprium) e norteada por interesses estranhos à função pública

delegada pelo povo ao Poder Judiciário.

Assim sendo, a atuação do TJSP como amicus curiae, de

todo já consolidada, é objeto, apenas, da presente Reclamação, de tal sorte que

alijar a possibilidade de uma discussão mais ampla e detida do caso, por parte do

órgão colegiado competente, afigura-se atitude, data venia, prematura e

precipitada.

Dada a relevância da matéria em comento, atinente à

manutenção das bases do próprio Estado Democrático de Direito, aguarda-se que

Vossa Excelência, suprindo a omissão apontada, reforme a decisão embargada e

remeta o julgamento da presente Reclamação ao Plenário desta Suprema Corte,

assegurando ao Reclamante todos os recursos internos cabíveis para que possa

ele alcançar um julgamento imparcial ao seu pedido em território pátrio.

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Ademais, verifico que o polo passivo da demanda em

primeiro grau de jurisdição envolve apenas um magistrado e não

todos os integrantes do Tribunal de Justiça local, de maneira que

não seria possível concluir que o deslinde do feito possa produzir

efeitos sobre todos eles, ainda mais em ação da natureza

eminentemente subjetiva da demanda, adstrita a atos pessoais

praticados pelo referido magistrado.

Quanto ao fundamento supra, constate-se, data maxima

venia, a seguinte contradição.

O artigo 102, I, “n”, da Constituição Federal não exige,

para o reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal, que o

deslinde do feito possa produzir efeitos sobre todos os magistrados de um

Tribunal Estadual.

Exige, sim, e tão somente, que mais da metade dos

membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam, direta ou

indiretamente, interessados.

Na espécie, conforme visto alhures, o impedimento não

recai sobre mais da metade dos membros, mas, sim, sobre todo o Tribunal, que,

frisa-se, declarou o seu impedimento, espontânea e expressamente, ao se

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posicionar em favor de uma das partes em processo que deveria julgar com

imparcialidade.

Não bastasse, há interesse indireto dos membros do

Judiciário paulista, e, a rigor, de todos os membros da magistratura (parte inicial

do dispositivo normativo em comento e não analisado na decisão embargada) em

se decidir, definitivamente, se os magistrados podem responder diretamente por

danos causados no exercício da atividade jurisdicional e, em caso positivo, em

que hipóteses e de acordo com qual legislação, definição esta que até o momento

não existe por parte desta Suprema Corte.

Aliás, é bom que se destaque que, embora o pedido

deduzido na inicial seja de natureza subjetiva, a questão de fundo

(responsabilidade direta por danos causados no exercício da jurisdição)

interessa, ainda que indiretamente, a todos os magistrados, como tão bem

defendido pelo TJSP em seu pedido de habilitação como amicus curiae.

Noutros termos, o próprio Tribunal impedido, de forma

explícita, reconhece aquilo que a decisão embargada busca negar, sem

fundamentação concreta idônea. Basta ver, nesse sentido, parte da

fundamentação do pedido de habilitação do Tribunal como amicus curiae

(documento eletrônico nº. 56, página 28):

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Conforme se verifica, o Autor aponta como causa de pedir

os atos praticados por Juiz no exercício de sua função

jurisdicional. Trata-se, pois, de ação em que se discute a

responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais e eventual

direito de regresso contra Magistrados.

Exsurge daí cristalino o interesse institucional do Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo a contribuir com a prestação

jurisdicional objeto destes autos. Afinal, não raramente Juízes

paulistas procuram a Comissão de Segurança Pessoal e de Defesa

das Prerrogativas dos Magistrados por estarem sendo processados

civilmente em ações similares à presente.

Hoje se acumulam no Poder Judiciário paulista ações de

reparação civil ajuizadas indevida e diretamente contra

Magistrados, que – longe de expressarem o princípio republicano

ou o legítimo controle dos atos jurisdicionais – revelam tentativa

de intimação do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, da

Magistratura e verdadeiro abuso de direito.

Convém destacar, por oportuno, que o Reclamante, desde o

ajuizamento da ação, alertou os órgãos jurisdicionais atuantes no feito de que a

demanda era dirigida apenas em desfavor de um juiz de direito, e não contra toda

a Magistratura ou suas prerrogativas.

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No entanto, tal advertência foi ignorada pelo TJSP, que

preferiu se tornar impedido a exercer a sua missão constitucional de aplicar a lei

ao caso concreto com imparcialidade.

A toda evidência, pois, como decorrência exclusiva da

atuação atabalhoada e precipitada do TJSP, a ação, de natureza eminentemente

subjetiva, ganhou contornos extra partes, evidenciando o completo impedimento

do Tribunal de origem para o processamento e julgamento da causa, sob pena de

nulidade absoluta de todos pronunciamentos jurisdicionais advindos de seus

órgãos.

Nesse mesmo sentido, ressalta-se o parecer do Professor

Camilo Zufelato, de acordo com o qual “as causas de perda de imparcialidade

do tribunal e a necessidade de deslocamento de competência para o STF foram

todas, sem exceção, provocadas pelo próprio TJSP, seja pelo juiz de piso ao

proferir decisões absurdas e incongruentes, reveladoras de seu animus, seja pelo

órgão jurisdicional de 2ª Instância, ao conhecer de recurso manifestamente

incabível da APAMAGIS, mas especialmente pela intervenção do tribunal como

amicus curiae.” (documento eletrônico nº. 81).

Para que não reste dúvidas quanto à contradição ora

apontada, recorda-se o teor da Súmula 731 deste STF: “Para fim da competência

originária do Supremo Tribunal Federal, é de interesse geral da magistratura a

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questão de saber se, em face da LOMAN, os juízes têm direito à licença-

prêmio.”.

Um dos precedentes que conduziu à edição da Súmula

(Reclamação 961) dizia respeito a mandado de segurança impetrado por um

único juiz de direito para lhe assegurar o pagamento equivalente em pecúnia da

licença-prêmio não usufruída durante um determinado quinquênio.

Embora se trate de pedido de natureza eminentemente

subjetiva, o STF julgou procedente o pedido formulado na Reclamação, cassando

o ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e avocando

o respectivo processo para tramitação nesta Corte, referenciando-se o precedente

AORAQO-153/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 07/08/92, em que

se assentou que “embora o impetrante, Juiz de Direito, postule licença-prêmio

com base na legislação local e o ato coator lhe resista a pretensão, por se tratar

de magistrado em disponibilidade, a solução da lide passa pela questão

prejudicial de saber, em face da LOMAN, se os juizes, em tese, tem direito a

licença especial, matéria esta, que o STF já entendeu de interesse geral da

magistratura, de modo a induzir a sua competência originaria excepcional”.

Da mesma forma, embora o caso sob exame se refira à

apuração da responsabilidade pessoal de um único magistrado, por danos

causados no exercício da jurisdição, a solução da lide passa pela questão

prejudicial de saber, em face da LOMAN, do Código de Processo Civil, da Lei

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de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, principalmente, da Constituição

Federal, se os juízes, em tese, podem responder diretamente por danos causados

aos jurisdicionados, matéria esta que, claramente, é de interesse geral da

Magistratura, embora não haja fundamentação concreta na decisão embargada a

esse respeito.

Exsurge de clareza hialina, portanto, a conclusão de que o

caso sub judice se enquadra na hipótese do artigo 102, I, “n” da Constituição

Federal, e que, diferentemente do quanto asseverado por Vossa Excelência na

decisão embargada, há elemento concreto (e gravemente violador de preceitos

constitucionais) para que o TJSP deixe de exercer a sua jurisdição, qual seja, o

completo impedimento do Tribunal, que se habilitou como amicus curiae em

ação individual para postular em favor de uma das partes, não servindo esta

Reclamação como sucedâneo recursal, mas, sim, como meio de preservar a

competência da Suprema Corte e assegurar ao cidadão o direito fundamental a

um julgamento imparcial, em consonância, inclusive, à jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Aguarda-se, assim, o conhecimento e o provimento dos

presentes Embargos de Declaração para que Vossa Excelência, eliminando as

contradições e suprindo as omissões acima apontadas, processe a presente

Reclamação, a qual, inequivocamente, não se mostra manifestamente incabível.

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Requer-se, ainda, que, uma vez admitido o processamento

da Reclamação, seja a matéria nela versada submetida à apreciação do Plenário

da Corte, dada a sua relevância e excepcionalidade, conforme autoriza o artigo

22, parágrafo único, “b” do Regimento Interno do STF.

Termos em que pede e espera deferimento.

Araraquara, 17 de outubro de 2018.

Matheus Bortoletto Raddi Luís Marcelo Mendonça Bernardes

8ª Defensoria Pública de Araraquara 2ª Defensoria Pública de Araraquara