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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS “Não há posição que se apoie em princípios mais claros que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada, que não esteja afinada com as determinações de quem delegou essa autoridade. Consequentemente, não será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição. Negar tal evidência corresponde a afirmar que o representante é superior ao representado, que o escravo é mais graduado que o senhor, que os delegados do povo estão acima do próprio povo, que aqueles que agem em razão de delegações de poderes estão impossibilitados de fazer não apenas o que tais poderes não autorizam, mas sobretudo o que eles proíbem.” (Alexander Hamilton, O Federalista n. 78) O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, previstas nos artigos 129, IV , da Constituição da República, 29, I, da Lei Federal n. 8.625, de 12.2.1993, 60, V , e 117, IV , primeira parte, ambos da Constituição do Estado de Goiás, e 52, II, da Lei Complementar Estadual n. 25, de 6.7.1998, vem perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, que acrescentou o § 3º ao art. 210 da Resolução n. 1.218, de 3.7.2007 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás). 1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL … · 2012-10-25 · Goiás, e 52, II, da Lei Complementar Estadual n. 25, de 6.7.1998, vem perante o Egrégio Tribunal de

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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

“Não há posição que se apoie em princípios mais claros que a de declarar

nulo o ato de uma autoridade delegada, que não esteja afinada com as

determinações de quem delegou essa autoridade. Consequentemente, não

será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição. Negar tal

evidência corresponde a afirmar que o representante é superior ao

representado, que o escravo é mais graduado que o senhor, que os

delegados do povo estão acima do próprio povo, que aqueles que agem em

razão de delegações de poderes estão impossibilitados de fazer não apenas

o que tais poderes não autorizam, mas sobretudo o que eles proíbem.”

(Alexander Hamilton, O Federalista n. 78)

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, previstas nos

artigos 129, IV, da Constituição da República, 29, I, da Lei Federal n. 8.625, de

12.2.1993, 60, V, e 117, IV, primeira parte, ambos da Constituição do Estado de

Goiás, e 52, II, da Lei Complementar Estadual n. 25, de 6.7.1998, vem perante

o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás propor

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

em face da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia

Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968,

de 29.4.2010, que acrescentou o § 3º ao art. 210 da Resolução n. 1.218, de

3.7.2007 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás).

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I

DO HISTÓRICO

Relegando a plano secundário as linhas jurisprudenciais

traçadas pelo Supremo Tribunal Federal, no plano de sua intelecção a respeito

dos pressupostos formais alusivos à perda de mandato parlamentar, a

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás decretou, com a consequente

promulgação por Ato da Mesa, o ato normativo impugnado, do seguinte teor,

litteris:

RESOLUÇÃO Nº 1.312, DE 28 DE ABRIL DE 2010

Altera a Resolução nº 1.218, de 03 de julho de 2007, que institui o

Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, nos termos

do art. 11, XV, da Constituição Estadual, decreta e a Mesa promulga

a seguinte Resolução:

Art. 1º Ao art. 210 da Resolução nº 1.218, de 03 de julho de 2007,

fica acrescentado o § 3º, com a seguinte redação:

“§ 3º Especificamente quanto à hipótese prevista no inciso V do art.

206, será observado o seguinte procedimento:

I – recebido o expediente da Justiça Eleitoral, a Mesa Diretora abrirá

prazo máximo de 8 (oito) sessões ordinárias para manifestação do

partido político do qual faz parte o Deputado Estadual interessado;

II – após o prazo mencionado no inciso anterior, com ou sem as

manifestações do partido político, será notificado o Deputado

Estadual interessado para que apresente as informações que

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entenda necessárias, no prazo máximo de 8 (oito) sessões

ordinárias;

III – findo o prazo a que se refere o inciso II deste artigo, a

Procuradoria opinará sobre a legalidade do procedimento, no prazo

de 15 (quinze) dias úteis, remetendo-se os autos à Mesa Diretora;

IV – a Mesa Diretora oficiará à Justiça Eleitoral para que seja

informada a ordem dos suplentes do Deputado Estadual interessado;

V – após o recebimento do ofício a que se refere o inciso anterior, a

Mesa Diretora fará pronunciamento definitivo, observando-se o teor

da decisão judicial e empossando o suplente, observando-se a ordem

informada pela Justiça Eleitoral.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”

De seu turno, o art. 206, caput, e incisos, da Resolução n.

1.218, de 3.7.2007 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás), possuem a seguinte redação, verbis:

“Art. 206. Perderá o mandato, o Deputado:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no art.13 da

Constituição do Estado;

II – que tiver procedimento declarado incompatível com o decoro

parlamentar;

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça

parte das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa, salvo licença

ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

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V – quando o decretar a Justiça Eleitoral;

VI – que sofrer condenação criminal por sentença transitada em

julgado.” (ênfase acrescentada)

Como se pode observar, numa leitura sistemática dos

dispositivos acima transcritos, notadamente por conta da remissão do caput do

guerreado § 3º do art. 210 à hipótese do inciso V do art. 206, o ato normativo

alvejado inseriu dispositivo no Regimento Interno da Assembleia Legislativa

Goiana impositivo de pesado curso procedimental, obstativo, a mais não poder,

do cumprimento expedito das decisões da Justiça Eleitoral de que resultem a

perda do mandato parlamentar de Deputado Estadual.

Todavia, o exame atento da ordem constitucional, a propósito

das hipóteses e procedimentos pertinentes às situações de perda (por

cassação ou extinção) do mandato parlamentar, e a análise da interpretação

constitucional da Corte Suprema dão mostra sobeja e acachapante da eiva de

inconstitucionalidade material de que se macula a normativa objeto da presente

ação.

II

DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

Em sempre recordado magistério, o notável José Afonso da

Silva (Comentário Contextual à Constituição, 8ª ed., São Paulo: Malheiros,

2012, p. 429, v. g.) distingue, na exposição do art. 55 da Constituição da

República, com clareza lapidar, após definir-lhe a natureza, duas espécies de

situações em que se dá, na ordem constitucional brasileira, a perda do

mandato de Senador ou de Deputado Federal:

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“1. PERDA DE MANDATO. O mandato é uma comissão de natureza

política. É conferido por eleição popular para um prazo determinado,

dentro do qual, por princípio, seu titular goza das prerrogativas

constitucionalmente reconhecidas. Portanto, a perda do mandato é

coisa excepcional, que, no entanto, pode ocorrer nas hipóteses em

que o parlamentar perde os direitos políticos nos termos do art. 15, ou

nas hipóteses configuradas no artigo em comentário. Quer dizer, no

regime jurídico do congressista inclui-se também a disciplina da perda

de seu mandato, que se dará por cassação ou por simples extinção.

2. CASSAÇÃO DE MANDATO. “Cassação” é a decretação da perda

do mandato por ter seu titular incorrido em falta funcional definida em

lei e punida com esta sanção. Fácil agora é verificar que são casos

de cassação de mandato dos congressistas os previstos no art. 55, I,

II e VI, que dependem de decisão da Câmara ou do Senado, por

voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva

Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,

assegurada ampla defesa. É que aí se instaura um processo político

de apuração das causas que justificam a decretação da perda do

mandato, isto é, da cassação deste pela Casa a que pertencer o

imputado. Trata-se de decisão constitutiva.

3. EXTINÇÃO DE MANDATO. Define-se como tal o perecimento do

mandato pela ocorrência de fato ou ato que torna automaticamente

inexistente a investidura eletiva, tal como a morte, a renúncia, o não-

comparecimento a certo número de sessões expressamente fixado

(desinteresse, que a Constituição eleva à condição de renúncia),

perda ou suspensão dos direitos políticos. Os casos do art. 55, III, IV

e V, são de simples extinção do mandato, de sorte que o

pronunciamento pela Mesa da perda deste é meramente declaratório,

pois é apenas o reconhecimento da ocorrência do fato ou ato de seu

perecimento; por isso é feito pela Mesa da Casa a que pertencer o

congressista, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus

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membros ou de partido político representado no Congresso Nacional,

assegurada ampla defesa.

A Constituição não disse como se define a perda de mandato no caso

em que o congressista perde ou tem suspensos seus direitos

políticos, mas, à evidência, nesse caso se dá a extinção do mandato

como consequência direta daquele fato; não há nada mais a fazer

senão a própria Mesa da Casa do congressista reconhecer, por

declaração, a perda do mandato.”

Como cediço, a Constituição da República, em seu art. 27, § 1º,

prescreve, em relação aos Deputados Estaduais, a aplicação, ao seu regime

jurídico, dentre outras, das versadas regras sobre “perda de mandato”.

Em monografia que se tornou referência no trato dos diversos

aspectos ligados à ação constituinte das coletividades locais da Federação,

Anna Cândida da Cunha Ferraz (Poder Constituinte do Estado-membro, 1ª

ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 133-134) ensina derivarem da

doutrina de que as Constituições Estaduais devem conformar-se à Constituição

Federal implicações também de ordem positiva, consistindo estas em que o

Poder Constituinte Decorrente deve assimilar os “preceitos, os fins e o espírito

da Constituição Federal”, procedendo, dentre outras, à “absorção obrigatória de

princípios consagrados pela Constituição Federal, cujo destinatário é,

específica e exclusivamente o Estado-membro”.

A norma do art. 27, § 1º, da Constituição da República, se

encaixa perfeitamente na lição, daí que tal preceito – decidiu o Supremo

Tribunal Federal, Relator o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI

2.461, em 12.5.2005 – substancia “limitação expressa ao poder constituinte

decorrente dos Estados-membros” (A Constituição e o Supremo, 4ª ed.,

Brasília: STF, 2011, p. 766, v. g.).

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Na fixação de seus contornos, de si bastante claros, sequer se

exige operação exegética de tomo, conforme acentua a doutrina (SILVA, José

Afonso, ob. cit., p. 299), litteris:

“2.6 Estatuto dos Deputados Estaduais. O Estatuto dos Deputados

Estaduais é matéria que compete ao constituinte de cada Estado

definir na respectiva Constituição, mas a Constituição Federal já

determina que lhes sejam aplicadas as regras sobre sistema eleitoral

(sistema proporcional), inviolabilidade, imunidades, remuneração,

perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças

Armadas – o que invoca o conteúdo do modelo federal constante dos

arts. 53 a 56, cumprindo apenas acrescentar aí o privilégio de foro a

ser previsto na Constituição Estadual, para declarar que serão

julgados pelo Tribunal de Justiça.

3. MANDATO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS. O § 1º não oferece

problema de compreensão, por isso praticamente nada tem que ser

comentado. O mandato é de quatro anos, com início na data fixada

na Constituição do Estado, com aplicação das regras da Constituição

sobre sistema eleitoral (que é proporcional – art. 45), inviolabilidade

(art. 53, caput), imunidades (art. 53, § 2º), remuneração, perda de

mandato (art. 55), licença (art. 56), impedimentos (art. 54) e

incorporação às Forças Armadas (art. 53, § 7º).”

Por isso mesmo, o Estado de Goiás, no manejo do Poder Constituinte Decorrente, estabeleceu, no art. 14, caput, e incisos, e

parágrafos, de sua vigente Constituição, regramento substancialmente idêntico

ao que se contém no art. 55 da Constituição da República, verbis:

“Art. 14. Perderá o mandato o Deputado Estadual:

I – que infringir qualquer das proibições do art. 13;

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(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)

II - que tiver procedimento declarado incompatível com o decoro

parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça

parte das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa, salvo licença

ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral;

VI - que sofrer condenação criminal por sentença transitada em

julgado.

§ 1º São incompatíveis com o decoro parlamentar, além dos casos

definidos no Código de Ética e Decoro Parlamentar, o abuso das

prerrogativas asseguradas aos Deputados e a percepção de

vantagens indevidas.

(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será

decidida por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação

da Mesa Diretora, de ofício ou mediante provocação de partido

político representado na Assembleia Legislativa, assegurada ampla

defesa.

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(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)

§ 3º Nos casos previstos nos incisos III, IV e V, a perda será

declarada pela Mesa Diretora, de ofício, ou mediante provocação de

qualquer de seus membros, ou de partido político representado na

Assembleia Legislativa, assegurada ampla defesa.

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou

possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus

efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e

3º.”

(acrescido pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)

Fácil concluir, à luz da doutrina invocada, que, no inciso V do

art. 14, similar ao inciso V do art. 55 da Constituição da República, ex vi da já

referida imposição do seu art. 27, § 1º, se está perante caso típico de extinção

de mandato parlamentar, para cuja ocorrência, como visto, o ato da Mesa,

antes de suceder juízo político da Casa, é, ele mesmo, de mero acertamento

empírico da hipótese prevista na ordem constitucional, declarando-lhe a

ocorrência e dela extraindo, num juízo marcadamente objetivo, os efeitos

jurídicos que lhe tenham sido constitucionalmente preordenados.

Ora, estabelecendo procedimento interna corporis para o fim de

obrar nos casos de declaração de extinção de mandato parlamentar por

operatividade de decisão da Justiça Eleitoral, a Resolução n. 1.312, de

28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, foi além da marca,

excedendo-se, inclusive nos prazos por ela previstos, os quais extravasam, em

manifesta desproporção, do que de fato seria necessário para a singela

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verificação da existência, da autenticidade e da pertinência subjetiva da

decisão emanada do Poder Judiciário.

Assim, revela-se de todo despropositada a norma do inciso I do

§ 3º do art. 210, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de

Goiás, acrescentado pelo ato normativo objurgado, quando prescreve que,

“recebido o expediente da Justiça Eleitoral, a Mesa Diretora abrirá prazo de até

8 (oito) sessões ordinárias para manifestação do partido político do qual faz

parte o Deputado Estadual interessado”.

Com efeito, a par de desnecessário o prévio parecer do partido

a cujos quadros políticos pertença o parlamentar, o prazo conferido extrapola o

que seja adequado para o fim de objetiva aferição da existência, da

autenticidade e da pertinência subjetiva de decisão emanada do Poder

Judiciário, domínio institucional no qual já se haverá exercido, em devido

processo, a ampla defesa constitucionalmente exigida.

Vai mais longe, porém, a normativa objeto da presente ação, ao

prever, no inciso II do § 3º acrescido ao art. 210 do Regimento Interno da

Assembleia Goiana, que, transcorrido o prazo mencionado, com ou sem

manifestação do partido político, o parlamentar será notificado para apresentar,

no prazo de até 8 (oito) sessões ordinárias, defesa que, a rigor, não poderá

ultrapassar os aspectos acima mencionados de existência e autenticidade e,

quando muito, de pertinência subjetiva da decisão ao Deputado Estadual tido

como interessado.

E, num cúmulo múltiplo de inconstitucionalidade, após conferir

um prazo de 15 (quinze) dias úteis para o fornecimento de parecer pela

Procuradoria da Casa (inciso III do § 3º acrescido ao art. 210 do Regimento

Interno da Casa de Leis do Estado de Goiás), posterga-se, sem nenhuma

justificativa crível, a decisão da Mesa Diretora até que a Justiça Eleitoral lhe

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informe, após ofício que lhe seja dirigido, a mais que ressabida e pública ordem

de suplência (incisos IV e V do § 3º adicionado ao art. 210 do Regimento

Interno da Assembleia Legislativa Goiana), saltando aos olhos o desiderato

procrastinatório dessas diligências.

Suficiente a leitura do art. 68, II, do Regimento Interno da

Assembleia Legislativa, para verificar que as sessões ordinárias são em

número de 3 (três) por semana.

Assim, levando em conta os (a) prazos para manifestação do

partido e do parlamentar interessado, já se terá mais de 30 (trinta dias), aos

quais se poderão somar (b) mais 15 (quinze) para o fornecimento de parecer

pela Casa de Leis, e, nessa toada, (c) os dias gastos com notificação do

partido, do Deputado Estadual e do Tribunal Regional Eleitoral, e, nesse passo,

(d) o tempo decorrido entre o recebimento de ofício da Assembleia Legislativa e

a resposta pertinente à suplência: ao final, ainda, forçoso agregar o lapso

temporal entre a resposta da Justiça Eleitoral e a reunião da Mesa.

O rito sofisticado, todavia, mais se ajusta a casos de cassação

do que de extinção de mandato.

Sensível, porém, é a diferença entre cassação e extinção de

mandato parlamentar, pois, naquela, qualificada sempre pela nota dominante

do juízo político do Parlamento, sobreleva a discricionariedade em extensão

alargada, enquanto nesta, com nenhum juízo político se depara, senão que

com ato vinculado de puro e simples acertamento de situação impositiva de

perda de mandato parlamentar.

Feriu, com a argúcia habitual, o tema o então Ministro

Sepúlveda Pertence, em voto proferido no deslinde plenário da Medida

Cautelar no Mandado de Segurança n. 25.579/DF, j. de 19.10.2005, o qual,

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após recordar a distinção operada pelo publicista José Afonso da Silva,

pontificou, litteris:

“10. Parto da distinção, presente na obra de José Afonso entre a

cassação e a simples extinção do mandato: 'cassação' – dilucida o

mestre, com definição de Hely Lopes Meirelles – 'é a decretação da

perda de mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional,

definida em lei e punida com esta sanção'; já a 'extinção do mandato'

– define – 'é o perecimento do mandato pela ocorrência do fato ou

ato que torna automaticamente inexistente a investidura eletiva, tais

como a morte, a renúncia, o não comparecimento a certo número de

sessões expressamente fixado (desinteresse que a Constituição

eleva à condição de renúncia), perda ou suspensão dos direitos

políticos'.

11. 'A utilidade e a razão da distinção' – colho de precioso estudo

inédito de Eduardo Fortunato Bim, que o autor teve a fineza de

enviar-me – 'reside na necessidade ou não de votação da Câmara ou

do Senado para a perda do mandato do parlamentar e, ipso facto, na

existência (cassação) ou inexistência (extinção) de juízo político do

parlamento'.

12. 'Para os casos de cassação (incisos I, II e VI do art. 55 da CF),

há necessidade de votação secreta pela maioria absoluta dos

membros da casa, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de

partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a

ampla defesa. Nos de extinção do mandato (CF, art. 55, incs. III, IV e

V) haverá apenas a declaração da Mesa, não votação secreta por

maioria absoluta'.

13. 'Na cassação' – infere daí o autor –, 'a decisão tem natureza

constitutiva; na extinção, meramente declaratória'.

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14. Dos casos de extinção, não é preciso cuidar-se aqui: sua

declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo

que a determina, cuja realidade, ou não, o interessado pode

induvidosamente submeter ao controle jurisdicional.

15. Já no tocante à cassação do mandato, a sua decretação, na

maioria das hipóteses, é deliberação na qual se conjugam um juízo

objetivo – e, assim, vinculado – de verificação de um fato – a

infringência de regras expressas de incompatibilidade e vedação (no

Brasil, enumeradas no art. 54 da Constituição) – e um juízo

discricionário da Câmara respectiva.

16. Dessa modalidade comum de cassações parcialmente vinculadas

ao acertamento de um motivo típico objetivo, é que se impõe

diferençar aquela outra – presente em alguns ordenamentos

constitucionais –, na qual a cassação do mandato parlamentar resta

confiado, no final das contas, ao juízo subjetivo e incontrolável da maioria, mais ou menos qualificada, da Câmara respectiva, dada a

utilização, como suposto normativo de sua decretação, de um

'conceito indeterminado' – ou, em preito devido à lucidez de Eros

Grau, à extrema imprecisão dos termos em que expresso o conceito

na regra de direito.

17. Nessa última categoria é que se enquadrava – a par de outras

similares no direito comparado – a previsão original, na Constituição

de 1946 (art. 48, § 2º), da perda do mandato do deputado ou senador

'cujo procedimento seja reputado, pelo voto de dois terços dos

membros de sua Câmara, incompatível com o decoro parlamentar'.

(RTJ 203, t. 3/1018-1019)

Assim, constituindo a perda de mandato por decisão da Justiça

Eleitoral hipótese da espécie extinção, não se justifica a criação de

procedimento dificultoso como o da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, que, a rigor, trava e empeça a

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execução de julgado que deveria, ao invés, ser prontamente levado em conta

pela Mesa da Casa de Leis.

Enfrentando questão juridicamente idêntica, posto que a

respeito de extinção de mandato de parlamentar federal, a Suprema Corte, em

decisão plenária datada de 28.10.2009, proferida no Mandado de Segurança n.

27.613/DF, acentuou, pela lavra do i. Relator, Ministro Ricardo Lewandowski,

verbis:

“Com efeito, o que se discute neste mandamus é saber se é lícito ou

não à Mesa do Senado descumprir decisão do Tribunal Regional

Eleitoral de Rondônia [...], que determinou a perda do mandato do

Senador [...]. Ou, dito de outra maneira, se a Mesa do Senado

poderia ou não aguardar o trânsito em julgado da ação, para dar

cumprimento ao julgado.

Entendo que a resposta é negativa, como passarei a demonstrar. No

caso, como visto, a Justiça Eleitoral, com fundamento no art. 41-A da

Lei 9.504/1997, cassou o diploma do Senador [...], bem como dos

respectivos suplentes. O TRE/RO comunicou essa decisão à Mesa

do Senado Federal.

Contra a mencionada decisão, o Senador interpôs o RO 2.098/RO,

Rel. Min. Arnaldo Versiani, no Tribunal Superior Eleitoral, ao qual não

foi atribuído efeito suspensivo.

Inconformado, o Senador ajuizou a Ação Cautelar 2.729/RO no TSE,

buscando, mais uma vez, atribuir efeito suspensivo ao citado recurso

ordinário.

O Tribunal Superior Eleitoral, todavia, indeferiu a medida cautelar,

conforme consta às fls. 39-46, comunicando essa decisão ao

Presidente do Senado.

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A Mesa do Senado, mesmo após o recebimento das referidas

comunicações, decidiu aguardar o trânsito em julgado do processo

para declarar a perda do mandato do parlamentar, segundo consta

da ata de sua 6ª reunião, realizada em 9 de setembro de 2008 (fl.

34).

Ora, a recusa da Mesa do Senado em cumprir a referida decisão

consubstancia afronta ao princípio da separação dos Poderes.

Sim, porque a Constituição Federal, em seu art. 55, dispõe que:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

[...]

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça

parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença

ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos

nesta Constituição;

[...]

§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada

pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação

de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no

Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Grifei)

Assim, a atribuição da Mesa da Casa à qual pertence o parlamentar

que incorreu nas hipóteses sancionatórias previstas nos incisos III a

V do art. 55 da Carta Magna, circunscreve-se a declarar a perda do

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mandato, dando posse, em consequência, àquele que deve ocupar o

cargo vago.

E circunscreve-se a proclamar a perda do mandato porque o registro

do parlamentar já foi cassado pela Justiça Eleitoral e, assim, não

pode subsistir o mandato eletivo.

Esta Suprema Corte, permito-me lembrar, decidiu nesse mesmo

sentido, no julgamento do MS 25.458/DF, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim

Barbosa, em decisão que porta a seguinte ementa:

'Mandado de segurança. Suplente de deputado federal. Impetração

contra omissão da Presidência da Câmara dos Deputados.

Cumprimento de decisão da Justiça Eleitoral. Segurança concedida.

Rejeitadas, por unanimidade, as preliminares de prejudicialidade, de

ilegitimidade passiva, de inépcia da inicial por falta de indicação do

litisconsorte passivo e de decadência.

Eficácia imediata das decisões da Justiça Eleitoral, salvo exceções

previstas em lei. Comunicada a decisão à Presidência da Câmara dos Deputados, cabe a esta dar posse imediata ao suplente do parlamentar que teve seu diploma cassado.

Segurança concedida.' (Grifos meus)

Registro, por oportuno, que a ampla defesa a que se refere a parte

final do § 3º do art. 55 da Constituição Federal, não diz respeito a

qualquer procedimento eventualmente instaurado no âmbito de uma

das Casas Legislativas do Congresso Nacional, mas apenas àquela

assegurada nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral.

Não compete, ademais, à Mesa da Casa Legislativa à qual pertença

o titular do mandato eletivo cassado, aferir a 'justiça' ou 'injustiça' das

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decisões emanadas de pretórios eleitorais, nem estabelecer o

momento que lhe pareça mais adequado para dar-lhes cumprimento.

Nessa linha de entendimento, o Ministro Cezar Peluso, no julgamento

do mencionado MS 25.458/DF, consignou o seguinte:

'a referência à ampla defesa, no § 3º, diz respeito às outras hipóteses, não à hipótese de cumprimento de decisão judicial.

[…]

Porque me parece absolutamente incongruente com o exercício e o

cumprimento da função jurisdicional submeter o cumprimento dos

mandados judiciais a um outro processo para saber se haverá defesa

ou não.' (Grifos meus)

O ato da Mesa do Senado ou da Câmara que dispõe sobre a perda

do mandato do Parlamentar, no caso do inciso V do art. 55 da

Constituição, tem natureza meramente declaratória, como deflui

linearmente de seu próprio texto.

Essa é também a lição da doutrina, valendo citar, dentre outros, o

ensinamento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes e outros, veiculado

em sede acadêmica, abaixo explicitado:

'A perda do mandato deve ser votada pela Casa parlamentar nos

casos compreendidos nos incisos I, II (falta de decoro) e VI (sentença criminal transitada em julgado) do art. 55 da CF. Nos casos

de extinção do mandato (III – ausência, IV – perda ou suspensão

dos direitos políticos, e V – por decreto da justiça eleitoral) há

apenas a declaração do acontecimento pela Mesa.'

Destarte, como a decisão da Justiça Eleitoral não se viu dotada de

efeito suspensivo, por tratar-se da perda de mandato decretada com

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base no art. 41-A da Lei 9.504/1997, à Mesa do Senado cabe,

simplesmente, cumprir a decisão jurisdicional.” (RTJ 217/320-322)

Extrai-se da decisão do Supremo Tribunal Federal que, em

hipóteses de extinção do mandato, como se dá em razão de decisão da

Justiça Eleitoral, não há que se falar em ampla defesa que culmine por

subordinar aos interesses do Poder Legislativo o cumprimento dos arestos do

Poder Judiciário: ela, assentou-se, seria, em tal circunstância, previamente

observada no bojo do processo judicial em que lavrada a decisão exequenda.

Certo, todavia, que, consoante afirmou, com acerto, o lúcido

Ministro Sepúlveda Pertence, no deslinde plenário do Mandado de Segurança

n. 25.458/DF, em 7.12.2005, pode-se divisar, ainda que em relação a perda de

mandato advinda de decisão da Justiça Eleitoral, campo propício à defesa, mas

somente no tocante à existência e à autenticidade da decisão da Justiça

Eleitoral.

Outrossim, conforme reconhecido acima na exordial, pode-se

até mesmo cogitar, num exemplo extremo, da verificação da pertinência

subjetiva da decisão ao parlamentar pretensamente interessado, ou seja, de se

a decisão lhe diz ou não respeito: nada mais, porém, há que se deduzir ou

fazer, sob pena de infirmar-se norma constitucional explícita de conferência de

primado, em tal domínio, à decisão do Judiciário Eleitoral.

Induvidoso que os Estados-membros, todos eles, inclusive o

Estado de Goiás, devem observar, em matéria de perda (cassação ou extinção)

de mandato parlamentar, o regramento constitucional federal: decidiu, nesse

mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.461/RJ, Rel. Min. Gilmar

Mendes, julgada em 12.5.2005 (RTJ 195, t. 3/897).

Por oportuno, transcreve-se trecho do voto do então Ministro

Carlos Velloso, bem elucidativo, litteris:

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“A Constituição, em seu art. 25, estabelece:

'Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e

leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.'

O Professor Raul Machado Horta foi quem primeiro elaborou a

doutrina dos princípios que os Estados devem observar. Primeiro —

lembrou bem o eminente Ministro Relator —, no art. 34, inciso VII, da

Constituição, estão os princípios constitucionais sensíveis. Seguem-

se os estabelecidos, que demandam pesquisa; e há, também, os

extensíveis, que existiam em um bom número na Constituição de 46

e na Constituição de 1967. Praticamente desapareceram na

Constituição de 1988.

Estamos aqui diante de um princípio, ou regra constitucional

extensível, a que os Estados devem obediência. O art. 27, § 1º,

situado no capítulo terceiro, que diz respeito aos Estados Federados,

estabelece:

'Art. 27. […]

“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,

aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema

eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de

mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.'

[...]

Estende-se aos Estados, portanto, este procedimento, não só a

norma da perda do mandato como também o procedimento. Trata-se,

na verdade, de um princípio, ou regra constitucional extensível, que

os Estados devem observar.” (RTJ 195, t. 3/907-908)

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A compulsória observância, no ordenamento jurídico parcial dos

Estados-membros, do procedimento constitucional alusivo à perda de mandato

parlamentar há de se realizar em consonância com a interpretação da Suprema

Corte em relação às normas substancialmente idênticas da Constituição da

República.

Logo, na hipótese do art. 14, V, da Constituição do Estado de

Goiás, e do art. 206, V, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa

Goiana, de extinção de mandato por força de decisão da Justiça Eleitoral, o ato

declaratório vinculado da Mesa deverá prezar pela celeridade, somente se

admitindo defesa circunscrita, limitada, à existência, à autenticidade ou à

pertinência da decisão ao âmbito pessoal do parlamentar que esteja em

foco.

A ampla defesa já terá sido oportunizada no processo judicial

e, em caso contrário, o único recurso cabível, por error in procedendo, tem sua

interponibilidade restrita à esfera estrutural do Judiciário Eleitoral: dito por outro

modo, ao Poder Legislativo não é dado imiscuir-se no domínio do Poder

Judiciário, expedindo juízo sobre o acerto ou não de suas decisões, dotadas,

como de sabença geral, do atributo da imperatividade.

Para a singeleza, no entanto, dessa defesa exercitável na

intimidade orgânica da Assembleia Legislativa, de raio de ação tão diminuto,

descabe o manejo, como se patenteia na normativa objeto da presente ação,

de regramento denso de alargados prazos.

Ademais, as prévias consultas ao partido político e ao Poder

Judiciário, esta a respeito da ordem de suplência, revelam-se, por si mesmas,

inadequadas, dado que prescindíveis para o fim de cumprimento célere da

decisão da Justiça Eleitoral: ao partido político, dará, por certo, ciência o

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integrante de sua membresia; quanto à ordem de suplência, ela é por demais

conhecida para justificar a demasia dessa aviltrada formalidade.

Como observado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no voto

trazido à colação, viola-se, em se negando execução pronta à decisão da

Justiça Eleitoral, o princípio da divisão funcional do poder, previsto, já no plano

local, no art. 2º, caput, da Constituição do Estado de Goiás.

De igual modo, dá-se de barato a norma do § 3º, do art. 14, da

Constituição do Estado de Goiás, na medida em que a ampla defesa, nela

prevista, diz, em sendo o caso de extinção de mandato por força de decisão da

Justiça Eleitoral, com o processo judicial em si, concebendo-se, repita-se, na

esfera intraorgânica da Casa de Leis, tão somente o questionamento sobre a

existência, a autenticidade e a pertinência subjetiva da decisão ao parlamentar.

De mais a mais, a normativa impugnada vulnera o postulado

normativo aplicativo da proporcionalidade, pois, desde que a finalidade do

procedimento criado pela Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia

Legislativa do Estado de Goiás, seja o de racionalizar e possibilitar o

desembaraçado e seguro cumprimento da decisão emanada do Poder

Judiciário, suas normas, ao invés, concorrem, a toda evidência, para obstar-

lhe a execução.

Falha a normativa impugnada em não subsistir incólume aos

assim denominados “exames inerentes à proporcionalidade” (Ávila, Humberto,

Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos,

13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 187, v. g.).

Quanto à adequação do fim visado pela normativa alvejada

com os meios nela dispostos, ao invés de possibilitar o cumprimento seguro e

ágil da decisão judicial, o procedimento que a Resolução n. 1.312, de

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28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, acrescentou, como §

3º, ao texto do art. 210, do Regimento Interno da sobredita Casa de Leis, põe

cobro a qualquer postura diligente que se esperaria, num Estado Democrático

de Direito, da Mesa do órgão parlamentar.

Em relação à necessidade, ao procedimento criado pela

Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa Goiana, poderia,

como alternativa, cogitar-se de outro, consistente na pronta notificação

endereçada ao Deputado Estadual para informar, em prazo exíguo, o que

entendesse conveniente em sua defesa, seguindo-se, em prazo apertado, a

célere decisão da Mesa, com parecer, se julgado imprescindível, externado

pela Procuradoria da Casa.

Desta forma, a restrição à autoridade e ao primado do Poder

Judiciário seriam afastados ou, mesmo em situações de intercorrências

imprevistas, minorados.

A prevalecer, contudo, o teor do § 3º do art. 210, do Regimento

Interno, acrescentado pela Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, ambos da

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, um dos predicados importantes

do Estado Democrático de Direito, consistente na autoridade das decisões

emanadas do Poder Judiciário, restará intensamente afetado, e, a depender

do caso, como em se cuidando de avizinhado termo temporal final de mandato,

comprometido numa de suas mais conspícuas resultantes, dada a eventual

impossibilidade de dar-se posse ao suplente.

Ainda nessa seara, no tocante à proporcionalidade em

sentido estrito, em relação ao qual se há de perguntar se as “vantagens

causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas

pela adoção do meio” (Ávila, Humberto, ob. cit., p. 195, v. g.), o procedimento

impugnado, ainda que sob o color de regulamentar o cumprimento interno de

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decisão judicial, ostenta desvantagens irremissíveis quando se trata de prezar

pela autoridade, respeito e dignidade da Justiça Eleitoral e de seus arestos.

No sobredito julgamento do Mandado de Segurança n.

25.458/DF, acentuou, com efeito, o eminente Ministros Carlos Velloso, em

situação idêntica sob o ângulo de sua definição jurídica, mostrando que a

defesa encurtada no âmbito parlamentar não se confunde com a ampla defesa

na esfera orgânica da Justiça Eleitoral:

“O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: O que cabe fazer

nesta defesa? Demonstrar que não existe a ordem judicial, não existe

o mandado. Agora, se o mandado existe, se a ordem judicial existe,

admitir outra coisa, como lembrou o eminente Procurador-Geral da

República, é descumprir simplesmente a ordem judicial, o que não

presta obséquio ao Estado Democrático de Direito.”

A normativa impugnada, de nítida natureza regimental, não é

imune ao controle jurisdicional de sua conformidade à Constituição do Estado

de Goiás.

O ato normativo objeto da presente ação de controle abstrato

de constitucionalidade, sobre ofender os artigos 2º, caput, e 14, V, e § 3º, da

Constituição do Estado de Goiás, colide, ademais, com o disposto no art. 92,

caput, do texto constitucional goiano, no que se mostra específico sobre a

sujeição de todos os “Poderes do Estado”, incluído o Legislativo, ao princípio

da proporcionalidade.

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967

com a Emenda n. 1, de 1969, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. II/590-

592), dissertando a respeito da natureza jurídica do Regimento Interno das

Casas Legislativas, acentua que, malgrado a sua “internidade”, vale dizer, sua

vocação de regência interna da vida parlamentar, sua natureza de “lei interna

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do corpo legislativo”, por sobre suas normas estão “as regras jurídicas

constitucionais”: daí que, em matéria de verificação de sua higidez, é de todo

“injustificada” a “invocação de sistemas jurídicos que não têm o controle

da constitucionalidade”.

III

UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA

Para, desde já, afastar, no plano hermenêutico, confusões

indevidas, importa, no trato das hipóteses de perda de mandato parlamentar

de Deputado Estadual, ter em mente, na trilha da Constituição da República,

ser a extinção por decorrência de decisão da Justiça Eleitoral (art. 55, V)

hipótese diversa da cassação por conta de condenação criminal cujo título

judicial haja transitado em julgado (art. 55, VI).

A pertinência dessas considerações torna-se evidente quando

se recorda que, a teor do art. 15, III, da Constituição da República, há

suspensão de direitos políticos por consequência, enquanto durarem seus

efeitos, de condenação criminal transitada em julgado.

De seu turno, entretanto, a suspensão de direitos políticos é

causa geradora, só por si, de extinção de mandato do parlamentar estadual

(art. 55, IV, c/c o art. 27, § 1º, da CF/88).

O questionamento, portanto, que, desde cedo, se impôs foi o

seguinte: se da condenação criminal coberta sob o manto preclusivo maior da

coisa julgada resulta a suspensão de direitos políticos (art. 15, III, da CF/88),

que, por sua vez, é causa de extinção do mandato parlamentar (art. 55, IV, da

CF/88), como conciliar tais preceitos com a norma em que se prevê, como

hipótese autônoma de cassação do mandato parlamentar, a condenação

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criminal transitada em julgado (art. 55, VI, da CF/88), dependente, pois, para

sua consecução, de juízo político parlamentar (art. 55, § 2º, da CF/88)?

Deu-lhe resposta o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em

31.5.1995, o Recurso Extraordinário n. 179.502/SP, Rel. Min. Moreira Alves

(RJTSE v. 13, t. 1/361-439), leading case em que a Corte, em votação

majoritária, assentou a especialidade da norma do art. 55, VI, e § 2º, da

Constituição da República, em relação à regra do seu art. 15, III, afastando a

antinomia aparente.

Preciso, no passo, o seguinte trecho do voto, então proferido,

do Ministro Celso de Mello, hoje decano da Suprema Corte, litteris:

“Finalmente, a alegada existência de conflito antinômico entre a regra

inscrita no art. 15, III, da Constituição e o preceito consubstanciado

no art. 55, § 2º, da Carta Federal foi corretamente analisada, e

repelida, pelo em. Relator em seu douto voto.

Sabemos que os postulados que informam a teoria do ordenamento

jurídico assentam-se na premissa fundamental de que este, 'além de uma unidade, constitui também um sistema' (NORBERTO

BOBBIO, 'Teoria do Ordenamento Jurídico', p. 71, 1989,

Polis/Editora UnB), razão pela qual as normas que o compõem

devem manter entre si um vínculo de essencial coerência.

A concepção sistêmica do ordenamento jurídico impõe que se

reconheça, desse modo, uma situação de coexistência harmoniosa entre as prescrições normativas que integram a estrutura em que ele

se acha formalmente positivado.

A relação de antinomia referida constitui, no plano do sistema

normativo consagrado pelo novo ordenamento constitucional,

situação de conflituosidade meramente aparente.

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O vínculo de incongruência normativa entre o art. 15, III, e o art. 55,

§ 2º, ambos da Constituição, ressaltado no debate desta causa,

subsume-se, no caso, ao conceito teórico das antinomias solúveis ou

aparentes, na medida em que a alegada situação de antagonismo é

facilmente dirimível pela aplicação do critério da especialidade,

resolvendo-se o aparente conflito, desse modo – e tal como

acentuado pelo Relator – em favor da própria independência do

exercício, pelo parlamentar federal, de seu ofício legislativo. É que o

congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste

excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal

transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada

pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua

própria Casa legislativa.” (RJTSE v. 13, t. 1/406-407)

Mais tarde, em 8.9.1999, no deslinde do Recurso Extraordinário

n. 225.019/GO, o Supremo Tribunal Federal mais uma vez retornou à questão,

sobretudo no voto do Relator, o então Ministro Nelson Jobim, verbis:

“A perda do mandato, por condenação criminal, não é automática:

depende de um juízo politico do plenário da Casa parlamentar (art.

55, § 2°).

A Constituição outorga ao Parlamento a possibilidade da emissão de

um juízo político de conveniência sobre a perda do mandato.

Desta forma, a rigor, a condenação criminal, transitada em julgado,

não causará a suspensão dos direitos políticos, tudo porque a perda

do mandato depende de uma decisão da Casa parlamentar

respectiva e não da condenação criminal.” (RTJ 171, t. 3/1031)

E, em acréscimo, disse o Ministro Nelson Jobim:

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“2.3.1.2. Parlamentares Estaduais. É a mesma a situação dos

Deputados Estaduais. A Constituição estende esse tratamento aos

Deputados Estaduais. Esta no art. 27, § 1º.” (RTJ 171, t. 3/1032)

Na doutrina, pontifica, inter plures, José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 13):

“A suspensão de direitos políticos constitui efeito secundário da

sentença criminal condenatória, exsurgindo direta e automaticamente

com seu trânsito em julgado. Por isso, não é necessário que venha

registrada expressamente no decisum.

Cumpre indagar se a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado implica a perda automática de mandato eletivo. Conforme ressaltado, no que

concerne a deputado federal ou senador (e também a deputado estadual ou distrital, por força do disposto nos arts. 27, § 1º, e 32, §

3º, da CF): 'a perda do mandato será decidida pela Câmara dos

Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria

absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido

político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla

defesa' (CF, art. 55, VI, § 2º). Portanto, nesses casos, a perda do

mandato não é automática. Essa regra visa preservar o princípio da

independência dos poderes.” (ênfase acentuada)

Logo, o ato normativo impugnado na presente ação nem de

longe diz com a hipótese de cassação de mandato parlamentar em razão de

condenação criminal transitada em julgado.

Pela mesma razão, a deflagração, na espécie, da jurisdição

constitucional abstrata, tendo como objeto, claramente delimitado, os termos da

Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de

Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, restritos à

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situação do art. 14, V, da Constituição do Estado de Goiás, somente se ocupa

da extinção de mandato em razão de decisão da Justiça Eleitoral.

Lógico que, nesse rumo de ideias, a decisão da Justiça Eleitoral

prevista no art. 55, V, da Constituição da República, e no art. 14, V, e § 3º, da

Constituição do Estado de Goiás, é aquela de natureza cível, pronunciada no

exame de mérito de causa estranha ao rol de suas atribuições jurisdicionais

típicas de competência criminal.

IV

DA VIABILIDADE DA PRESENTE AÇÃO DIRETA

Serve de parâmetro de controle de constitucionalidade estadual

qualquer norma que encontre expressão textual na Constituição do Estado-

membro, mesmo aquela que, a rigor, consista em norma constitucional

federal central, ou seja, que independente de antecedente inscrição

formal/textual na ordem constitucional local (HORTA, Raul Machado, Direito Constitucional, 5ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 253-258, v. g.), incida

compulsoriamente no plano das ordens jurídicas parciais do Estado Federal.

Dessa forma decidiu o Supremo Tribunal Federal, no famoso

aresto prolatado no julgamento, em 11.6.1992, de verdadeiro leading case, a

Rcl n. 383/SP, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 147/404-507, a cujos termos,

desde então, se mantém fiel.

Desse modo, mesmo que as normas dos artigos 2º, caput, 14,

V, e § 3º, e 92, caput, da Constituição do Estado de Goiás, sejam de

reprodução compulsória, eis que, a despeito mesmo de eventual omissão do

texto constitucional local, deveriam ser observadas como normas centrais

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federais, não se depara, no ponto, com dique processual ao cabimento da

presente ação.

V

DA TUTELA DE URGÊNCIA

Quanto ao sinal do bom direito (fumus boni juris), a

argumentação suso expendida evidencia, sobejamente, a inconstitucionalidade

do procedimento previsto no novo § 3º do art. 210, do Regimento Interno da

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, criado pela Resolução n. 1.312, de

28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no Diário

da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010.

Sobre o risco em manter-se eficaz, enquanto pendente de

julgamento final o pedido veiculado na presente ação (periculum in mora),

qualquer decisão da Justiça Eleitoral que, porventura, resulte em extinção do

mandato parlamentar estará obstada, num dos mais importantes de seus

efeitos, pelos termos pesados de um procedimento nada respeitoso do

primado, na matéria, do Poder Judiciário.

De todo modo, convém que se atente, por oportuno, para a

configuração, na espécie, do requisito alternativo da conveniência (NEVES,

Daniel Amorim Assumpção, Ações Constitucionais, 1ª ed., Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 19, v. g.), a que o Supremo Tribunal

Federal tem se apegado em situações, como a da presente ação, de flagrante

inconstitucionalidade.

Impositiva, por isso, a suspensão cautelar da eficácia da

Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de

Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, no que

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adicionou o § 3º ao art. 210, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa

do Estado de Goiás.

VI

DOS REQUERIMENTOS E DO PEDIDO

Ante todo o exposto,

requer-se:

(a) a concessão de medida cautelar, nos termos do art. 10,

caput, da Lei Federal n. 9.868/99, para suspender a eficácia

normativa da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no

Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, no que adicionou

o § 3º ao art. 210, do Regimento Interno da referida Casa de

Leis;

(b) a solicitação de informações à requerida, Assembleia

Legislativa do Estado de Goiás, nos termos do art. 6º, caput, da

Lei n. 9.868/99;

(c) a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, para

exercer, nos autos, a função de curador da presunção de

constitucionalidade da legislação impugnada, ex vi do disposto

no art. 60, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás;

(d) após, a remessa dos autos ao Ministério Público, antes do

julgamento definitivo, para pronunciamento final, por analogia

com o disposto no art. 8º da Lei n. 9.868/99.

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Por derradeiro, pede-se, no mérito, a declaração de

inconstitucionalidade da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010,

da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no

Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010.

Goiânia, 18 de outubro de 2012.

BENEDITO TORRES NETO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

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