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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (A) FEDERAL DA ____ VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, pelo Procurador da República e pela Promotora de Justiça que a esta subscrevem, no exercício das funções institucionais, em especial, as previstas nos arts. 127 caput e art. 129, inciso III, da Constituição da República; art. 6º, VII, b e c, da Lei Complementar n. 75/93; art. 25, IV, a e b, da Lei nº 8.625/93 e nos artigos 1º, IV e 5º, I da Lei nº 7.347/85, vêm propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do: MUNICÍPIO DE SALVATERRA , pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.884.517/0001-10, com sede na Rua Victor Engelhard, nº 123, Bairro Centro, Salvaterra-PA, CEP 68.860-000, Telefone: (91) 3765-1436 , e-mail: [email protected], representada pelo Exmo. Sr. Prefeito ou Pelo Procurador Municipal. VALENTIM LUCAS DE OLIVEIRA , brasileiro, Prefeito Municipal de Salvaterra-PA, nascido em 21/05/1967, filho de Maria Helena Lucas, CPF nº 293.686.262-00 , podendo ser intimado no endereço da Prefeitura na Av. Victor Engelhard, esquina com a Rua Cearense, Bairro Centro, Salvaterra-PA; 1 Assinado digitalmente em 11/06/2020 14:08. Para verificar a autenticidade acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 279EE108.BCBD6952.4EEF2B4E.0511B269

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (A) FEDERAL DA ......I.2.1. Declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1184/2015 que autorizou a doação de terreno localizado na

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  • EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (A) FEDERAL DA ____ VARAFEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ.

    O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO

    ESTADO DO PARÁ, pelo Procurador da República e pela Promotora de Justiça

    que a esta subscrevem, no exercício das funções institucionais, em especial, as

    previstas nos arts. 127 caput e art. 129, inciso III, da Constituição da República;

    art. 6º, VII, b e c, da Lei Complementar n. 75/93; art. 25, IV, a e b, da Lei nº

    8.625/93 e nos artigos 1º, IV e 5º, I da Lei nº 7.347/85, vêm propor a presente

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA

    em face do:

    MUNICÍPIO DE SALVATERRA, pessoa jurídica de direito público

    interno, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.884.517/0001-10, com sede na Rua

    Victor Engelhard, nº 123, Bairro Centro, Salvaterra-PA, CEP 68.860-000,

    Telefone: (91) 3765-1436, e-mail: [email protected],

    representada pelo Exmo. Sr. Prefeito ou Pelo Procurador Municipal.

    VALENTIM LUCAS DE OLIVEIRA, brasileiro, Prefeito Municipal de

    Salvaterra-PA, nascido em 21/05/1967, filho de Maria Helena Lucas, CPF

    nº 293.686.262-00, podendo ser intimado no endereço da Prefeitura na Av. Victor

    Engelhard, esquina com a Rua Cearense, Bairro Centro, Salvaterra-PA;

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    Assinado digitalmente em 11/06/2020 14:08. Para verificar a autenticidade acesse

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  • ESTADO DO PARÁ, representado pela Procuradoria-Geral do Estado

    localizada na Rua dos Tamoios, 1671, CEP: 66033-172, Batista Campos, Belém-

    PA;

    JOABE DAUZACKER MARQUES, brasileiro, solteiro, comerciante,

    RG nº 2130909, CPF nº 035.914.431-40, residente na Avenida Hélio Gueiros,

    nº212, condomínio Riviera Green, Casa nº 48, Bairro 40 horas (Coqueiro), CEP

    67120-370, Ananindeua- Pará, telefone (091) 99182-9190;

    INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA

    (INCRA), pessoa jurídica de direito público, representada pela Procuradoria

    Federal Especializada junto ao INCRA, cujo endereço é Rodovia do Murucutum,

    sem número, Estrada da CEASA, bairro Souza, Belém/PA, CEP 66610-903;

    UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada pela

    Procuradoria da União no Pará, cujo endereço é Av. Assis de Vasconcelos, nº

    625/623, Belém/PA, CEP 66017-070;

    pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos:

    I - DO OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

    A presente demanda tem como objeto:

    I.1. Em sede de tutela provisória:

    I.1.1. A realização de perícia para o levantamento e valoração de

    danos ambientais eventualmente decorrentes das atividades

    desenvolvidas no terreno localizado na Rodovia PA 154, Km 06, na Vila de

    Condeixa por parte de Joabe Dauzacker Marques;

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  • I.1.2. A realização de perícia para o levantamento e valoração de

    danos socioambientais decorrentes das atividades realizadas nas

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba sobre o Território Quilombola do

    Rosário com o fim de reparação dos impactos já concretizados;

    I.1.3. O bloqueio imediato das matrículas nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI

    Salvaterra e nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra e seus registros

    anteriores, nos moldes do art. 214, § 3º, da Lei nº 6.015/1973;

    I.1.4. que a UNIÃO arrecade, declare de interesse do serviço

    público, para fins de regularização fundiária de interesse social, e repasse

    ao INCRA para destinar à Comunidade Quilombola do Rosário/Mangabal, o

    imóvel da União, localizado no arquipélago do Marajó, município de

    Salvaterra, descrito no RTID (Relatório Técnico de Identificação e

    Delimitação anexo), em favor do território quilombola do

    Rosário/Mangabal, no prazo de 60 dias;

    I.2. No mérito:

    I.2.1. Declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº

    1184/2015 que autorizou a doação de terreno localizado na Rodovia PA 154,

    Km 06, na Vila de Condeixa pela Prefeitura de Salvaterra em favor de Joabe

    Dauzacker Marques;

    I.2.2. Cancelamento das Licenças Ambientais vigentes para a

    realização de atividades no terreno localizado na Rodovia PA 154, Km 06,

    na Vila de Condeixa em nome de Joabe Dauzacker Marques;

    I.2.3. A imposição de obrigação de fazer para que, diante da

    declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1184/2015 e do

    cancelamento das licenças ambientais vigentes para atividades no terreno

    localizado na Rodovia PA 154, Km 06, na Vila de Condeixa em nome de

    Joabe Dauzacker Marques, sejam este e o réu Valentim Lucas de Oliveira

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  • obrigados a reparar os danos ambientais eventualmente identificados na

    referida área;

    I.2.4. O cancelamento da matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI

    Salvaterra ante o reconhecimento da inconstitucionalidade da doação

    efetivada pela Lei nº 1184/2015 e outras irregularidades verificadas no

    próprio registro;

    I.2.5. O cancelamento da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de

    Salvaterra e seus registros anteriores referentes à Fazenda Boa Esperança

    ante à não comprovação de destacamento do patrimônio público;

    I.2.6. O cancelamento do CAR de Recibo nº PA1506302-

    C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF das Fazendas Boa Esperança e

    Jutuba ante à não comprovação do destacamento das áreas em relação ao

    patrimônio público e dos outros 5 CARs também identificados pela SEMAS

    na Nota Técnica nº 19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019 (fls. 296-300 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017), os quais estariam sobrepostos ao

    Território Quilombola do Rosário;

    I.2.7. O cancelamento da Licença de Atividade Rural nº 2168/2015

    e Outorga nº 3822/2019 relativas às Fazendas Boa Esperança e Jutuba,

    bem como outras licenças em vigor referentes a este imóvel em nome de

    Joabe Dauzacker Marques;

    I.2.8. A reparação dos danos socioambientais materiais e morais

    causados ao Território Quilombola do Rosário em decorrência das

    atividades desenvolvidas nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba por Joabe

    Dauzacker Marques;

    I.2.9. A destinação da indenização proveniente da reparação dos

    danos socioambientais materiais e morais causados ao Território

    Quilombola do Rosário/Mangabal em favor da ultimação do processo de

    identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão,

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  • titulação e registro do território ocupado pela comunidade remanescente

    de quilombo do Rosário/Mangabal;

    I.2.10. A condenação da UNIÃO e do INCRA ao pagamento de

    indenização a título de dano moral coletivo em razão da demora no

    processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação,

    desintrusão, titulação e registro do território ocupado pela comunidade

    remanescente de quilombo do Rosário/Mangabal e, além da UNIÃO e

    INCRA, do ESTADO DO PARÁ, em razão dos danos morais causados à

    comunidade por não ter sido considerada no processo de licenciamento

    ambiental – que foi realizado sem estudo do componente quilombola e sem

    obediência à C169 da OIT.

    II - DOS FATOS.

    A presente ação decorre das investigações realizadas no bojo do

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017 do Ministério Público do Estado do Pará e no

    Inquérito Civil nº 1.23.000.000761/2016-87 do Ministério Público Federal, de

    modo que a referência aos documentos de comprovação será realizada a partir

    da indicação do número da folha de respectiva localização nos autos dos citados

    Inquéritos Civis, cujas cópias seguem integralmente juntadas em anexo.

    Conforme será explanado adiante, o presente caso versa sobre

    irregularidades de registros e licenciamentos de atividades realizadas em

    imóveis limítrofes a território quilombola em processo de titulação perante o

    Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.

    A investigação foi iniciada a partir do recebimento de documento

    intitulado “Carta de Repúdio à Implantação/Cultivo da Rizicultura na Ilha do

    Marajó, precisamente no Município de Salvaterra, nas proximidades do quilombo

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  • do Rosário”, datado de 26 de setembro de 2014 (fl. 05 - Inquérito Civil nº

    002048-040/2017).

    Na referida carta, a Associação Comunitária de Remanescente de

    Quilombola de Rosário expressou seu posicionamento contrário à instalação da

    atividade de rizicultura em imóvel localizado nas proximidades do referido

    Território Quilombola, devido aos impactos que seriam provocados à

    comunidade, em especial no que se refere à possível contaminação do rio que

    os moradores utilizam para realizar suas atividades pesqueiras, além de

    utilização de agrotóxicos e desvio de cursos d´água. Também noticiaram que

    uma extensa área fora desmatada e “feita aração para o referido plantio”. No

    documento, foram relatados possíveis impactos decorrentes do uso de

    agrotóxicos, tais como problemas respiratórios que estariam atingindo as

    crianças das comunidades.

    Também foi recebido, na oportunidade, documento intitulado “Projeto

    de Lei nº 007/2014 de 31 de julho de 2014”, no qual se verifica a informação de

    concessão de autorização ao Chefe do Poder Executivo do Município de

    Salvaterra para a doação de uma área de 8.694 (sem a indicação de metros

    quadrados ou hectares) a Joabe Dauzacker Marques, destinada ao

    funcionamento de uma fábrica de beneficiamento e armazenamento de arroz, no

    qual é possível verificar que foi atribuída dominialidade municipal ao referido

    imóvel (fls. 04 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).

    O Gestor Municipal de Salvaterra prestou informações ao Ministério

    Público Estadual nos seguintes termos (fl. 17 - Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017):

    Senhora Promotora,

    Em atenção ao oficio nº 67/2015 –MP/PJS, que trata de doação de

    terras pertencente à comunidade Quilombola do Rosário, oriundo

    dessa Promotoria a seguir passo a me reportar:

    Excelência, referido expediente encaminha oficio nº 122/2015-MP/8ªPJ

    de Castanhal, subscrito pela Promotora de Justiça Ana Maria

    Magalhães de Carvalho.

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  • Não existe em âmbito municipal doação de terreno na Comunidade de

    Rosário em favor do Senhor Joabe Dauzacker Marques em área

    quilombola.

    A assessoria jurídica solicitou ao senhor acima mencionado que

    apresentasse a documentação referente a área localizada na

    Comunidade de Rosário, tendo sido apresentada Certidão de Bens do

    Cartório de 1º Oficio de Soure, Licença de Atividade Rural e Carta de

    localização quilombolas onde se verifica pelas legendas que a área em

    questão não está em área quilombola (copias anexas).

    Cumpre informar que o município através da Lei Municipal nº

    1184/2015 (cópia anexa), doou ao referido senhor terreno com galpão

    localizado na Vila de Condeixa, onde outrora funcionou uma antiga

    fábrica de beneficiamento do fruto do abacaxi.

    O prédio estava abandonado a mais de 10 (dez) anos e a doação

    obedeceu aos tramites legais com avaliação prévia e autorização

    legislativa.

    Não houve licitação, pois, esta é dispensável quando o donatário não

    for pessoa jurídica e que a doação contenha encargos e prazo de

    cumprimento e clausula de retrocesso.

    Conforme se depreende do corpo da Lei esta apresenta encargos,

    prazo de cumprimento e cláusula de reversão.

    O município com a doação visa ter futuramente uma fábrica de

    beneficiamento e empacotamento de arroz que gerará empregos e

    divisas para o município, porém se acautelou com a introdução da

    cláusula de reversão.

    O Prefeito Municipal de Salvaterra apresentou na oportunidade cópia

    da Lei Municipal nº 1184/2015 de 02 de julho de 2015 que teria autorizado a

    doação graciosa de terreno localizado na Vila de Condeixa a Joabe Dauzacker

    Marques, nos seguintes termos (fls. 18 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017):

    A Câmara Municipal aprovou e eu, Prefeito do Município de Salvaterra

    sanciona e promulga seguinte lei:

    Art. 1º- Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a doar, ao senhor

    JOABE DAUZACKER MARQUES, o terreno localizado à Rodovia PA

    154, Km 06, na Vila de Condeixa, uma área total de 8746 (oito mil

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  • setecentos e quarenta e seis metros) quadrados na cidade de

    Salvaterra, de propriedade do Município, com as seguintes medidas e

    confluências:

    Lado Esquerdo: com terreno pertencente à Cleiton Bibiano, medindo

    105 metros;

    Lado Direito: Com terreno pertencente ao patrimônio público, medindo

    126 metros;

    Frente: rodovia PA-154, medindo 73 metros;

    Fundos: área pertencente à comunidade da Vila de Condeixa, medindo

    78 metros.

    Parágrafo Único: O imóvel que trata este artigo destina-se ao

    funcionamento de uma fábrica de beneficiamento e armazenamento de

    arroz.

    Art.2º - O beneficiado por esta lei não poderá, em qualquer tempo,

    alienar o imóvel ou parte dele, sob pena de caducidade da doação e

    reversão do imóvel, com todas as benfeitorias que nele existirem, ao

    Patrimônio Municipal, sem qualquer ônus para o Município.

    Art. 3º - O terreno de que trata esta Lei reverterá ao Patrimônio

    Municipal, nas condições estabelecidas no artigo anterior, se no prazo

    de 06 (seis) meses não colocar a empresa em pleno funcionamento e

    uma vez extinta a empresa ou alteradas as suas finalidades ou ainda

    quando mudar de endereço comercial para fora do município de

    Salvaterra.

    Art.4º A presente lei terá como objetivo principal:

    a) a promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias

    circunvizinhas da fábrica;

    b) criar e fomentar novos postos de trabalho diretos e indiretos,

    especialmente por meio da cadeia produtiva da agricultura;

    c) atender a demanda da mão de obra local, com oferecimento de

    empregos.

    Art. 5º- Esta Lei entra em vigor da data de sua publicação

    Art. 6º - Revogam-se as disposições em contrário

    Gabinete do Prefeito Municipal de Salvaterra, em 02 de julho de 2015.

    Na resposta do Prefeito Municipal de Salvaterra, também foi

    apresentada Licença Ambiental de Atividade Rural nº 2168/2015 em nome de

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  • Joabe Dauzacker Marques referente às Fazendas Boa Esperança e Jutuba (fls.

    19 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).

    Pelo exposto, observa-se que, inicialmente, havia dúvida sobre se o

    terreno doado pela Prefeitura de Salvaterra a Joabe Dauzacker Marques seria

    correspondente à área de cultivo de arroz às proximidades do Território

    Quilombola do Rosário e se incidiria neste. Adiante, restou esclarecido, porém,

    que a área onde seria implantada a rizicultura por Joabe Dauzacker Marques se

    trataria das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, as quais seriam confinantes ao

    Território Quilombola do Rosário e distintas do terreno doado pela Prefeitura

    Municipal de Salvaterra à mesma pessoa acima referida. Este último estaria

    localizado na Vila de Condeixa, cuja doação, conforme já exposto, foi realizada

    por meio da autorização legal decorrente da Lei Municipal n.º 1184/2015 de 02

    de julho de 2015.

    II.1. DAS INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

    Com a apuração realizada nos autos do Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017, verificou-se: 1 - Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1184/2015

    que autorizou a doação do terreno localizado na Vila de Condeixa pela Prefeitura

    Municipal de Salvaterra a Joabe Dauzacker Marques; 2 - Irregularidades nos

    registros imobiliários e no CAR das Fazendas Boa Esperança e Jutuba; e 3 -

    Indícios de irregularidades no processo de Licenciamento Ambiental das

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba com elementos que indicam a não

    consideração do Território Quilombola do Rosário para a emissão da Licença de

    Atividade Rural nº 2168/2015, havendo possíveis impactos socioambientais a

    reparar e outros a prevenir ante à obrigatoriedade de proteção do território

    tradicional.

    Por sua vez, com a apuração realizada nos autos do Inquérito Civil nº

    1.23.000.000761/2016-87, além das constatações anteriores, verificou-se: 4 –

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  • Omissão do INCRA e da UNIÃO no processo de identificação, reconhecimento,

    delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro do território ocupado

    pela comunidade remanescente de quilombo do Rosário/Mangabal.

    Tais constatações serão descritas nos itens seguintes:

    II.1.1. Da doação de terreno localizado na Vila de Condeixa a Joabe

    Dauzacker Marques pela Prefeitura Municipal de Salvaterra:

    No início das investigações, conforme exposto nas linhas acima, o

    Ministério Público do Estado do Pará recebeu cópia de Projeto de Lei nº

    007/2014 de 31 de julho de 2014 que pleiteava a autorização legislativa para a

    doação de terreno pertencente ao Patrimônio Municipal de Salvaterra em favor

    de Joabe Dauzacker Marques, bem como a Carta de Repúdio da Associação

    Comunitária de Remanescente de Quilombola de Rosário referente à instalação

    de empreendimento de rizicultura nas proximidades do Território Quilombola (fls.

    04-05 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017). Restou esclarecido, porém, que a

    área doada seria diversa daquela onde seria implantado o cultivo de arroz, esta

    última, sim, localizada nas proximidades do território quilombola.

    A Prefeitura Municipal de Salvaterra, através do Ofício nº

    018/2015/GBPMSVT (fl. 17 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), expôs que,

    por meio da Lei Municipal nº 1184/2015, doou terreno localizado na Vila de

    Condeixa a Joabe Dauzacker Marques, o qual estaria abandonado há mais de

    10 anos, com a observância da legislação aplicável, tendo sido feita a avaliação

    prévia e efetivada a doação através de ato legislativo. Esclareceu que não foi

    realizada licitação em razão de que o donatário não seria pessoa jurídica e

    de que a doação foi realizada contendo encargos, prazo de cumprimento e

    cláusula de retrocesso. O objetivo da doação, segundo o gestor municipal,

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  • seria a futura implantação de fábrica de beneficiamento e empacotamento de

    arroz que geraria empregos e divisas para o ente municipal em questão.

    A Prefeitura Municipal de Salvaterra apresentou o shape file, o

    Memorial Descritivo e o gerreferenciamento do terreno doado (fls. 50-76 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017).

    Ao apresentar esclarecimentos nos autos do Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017 (fls. 227-231), Joabe Dauzacker Marques expôs que, no terreno

    doado pela Prefeitura Municipal, localizado na Rodovia PA 154, Km 06, Vila de

    Condeixa, seriam desenvolvidas atividades de armazenamento e silagem de

    grãos com respaldo na Licença de Operação nº 005/2015 emitida pela

    Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Salvaterra (fl. 229 - Inquérito

    Civil nº 002048-040/2017), a qual teria validade até 30 de dezembro de 2018.

    Informou, ainda, que a área do empreendimento seria de 8.746m² e seria

    desenvolvida por pessoa física. Reforçou que a área em questão foi objeto de

    doação pela Prefeitura Municipal de Salvaterra por meio da Lei nº

    1184/2015.

    Adiante, em audiência extrajudicial de 17 de abril de 2018 (fls. 234-

    235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), acerca da doação do terreno

    localizado na Vila de Condeixa, Joabe Dauzacker Marques prestou, em resumo,

    as seguintes declarações: que teria solicitado a doação do terreno de forma

    verbal, o que teria sido deferido pelo Poder Público Municipal; que não teria

    realizado nenhum pedido escrito; que não teria relação com o Prefeito Municipal

    de Salvaterra; que a doação teria ocorrido sem procedimento formal, mas

    apenas por pedido verbal de Joabe Marques ao Prefeito de Salvaterra; que,

    quando recebeu a doação, já possuía as Fazendas Boa Esperança e

    Jutuba.

    Em decorrência das deliberações da audiência extrajudicial citada no

    parágrafo acima, Joabe Dauzacker Marques apresentou a Certidão da

    matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 - Inquérito Civil

    nº 002048-040/2017). Da leitura da referida certidão, depreende-se que a

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  • matrícula em questão tem como objeto área de 8.694m², situada na Rodovia PA

    154, Km 06, Vila de Condeixa, Município de Salvaterra-PA. Inicialmente, consta

    a informação de que o Requerido Joabe Marques teria adquirido a área por

    meio de Título de Doação expedido pela Prefeitura Municipal de Salvaterra

    de acordo com a Lei nº 1163/2012. Em seguida, a Averbação nº 02/172 indica

    que teria sido construído um galpão no terreno por Joabe Marques.

    Ainda a partir da análise do inteiro teor da matrícula nº 172, fl. 177, L

    2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), verifica-

    se que o Registro nº 03/172, de 17 de julho de 2015, indica que a área foi

    novamente objeto de doação decorrente da já citada Lei nº 1184/2015

    efetuada pelo Poder Público Municipal de Salvaterra a Joabe Dauzacker

    Marques. Vê-se, pois, que a matrícula imobiliária aponta que a mesma área foi

    objeto de duas doações em momentos diferentes e à mesma pessoa. Além

    disso, observa-se que o imóvel foi dado em garantia de crédito ao Banco da

    Amazônia.

    Verifica-se que tanto a Prefeitura de Salvaterra quanto o Requerido

    Joabe Marques afirmam que o terreno da Vila de Condeixa teria sido objeto de

    doação por meio da Lei Municipal nº 1184 de 02 de julho de 2015. Segundo

    afirmado, a doação não teria sido precedida de qualquer procedimento

    formal e teria sido iniciada a partir de requerimento verbal.

    A inexistência de procedimento formal com o encadeamento de todos

    os atos que culminaram na alienação do terreno onde seria instalada a fábrica

    de beneficiamento de arroz viola princípios constitucionais basilares da

    Administração Pública, a obrigatoriedade de licitação estabelecida também na

    CF/88 e o interesse público que deve permear a gestão dos bens públicos.

    Segundo alegado pela Prefeitura de Salvaterra, a doação teria

    prescindido de licitação sob o fundamento de que esta seria dispensável em

    razão do donatário ser pessoa física e de a doação ter sido realizada com

    encargos. A não realização da licitação no presente caso é inconstitucional,

    violando a obrigação prevista na Carta Magna da República. De fato, a

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  • Constituição Federal possibilitou que hipóteses excepcionais fossem dispostas

    em lei, porém o caso em tela não recai em qualquer das ressalvas assentadas

    na Lei nº 8.666/93 referentes às situações em que a licitação, na modalidade

    concorrência , seria efetivamente dispensada.

    Os fatos em questão apontam para a absoluta

    inconstitucionalidade da Lei nº 1184/2015. Sendo declarada inconstitucional a

    lei que autorizou a doação, por consequência, não pode permanecer qualquer

    respaldo para que Joabe Dauzacker Marques continue se utilizando do terreno

    para a realização de atividades econômicas, de maneira que devem ser

    canceladas as licenças ambientais referentes ao terreno de Vila de

    Condeixa, haja vista a apropriação e ocupação indevidas de bem público

    para atender a expectativas eminentemente privadas.

    Acerca das licenças ambientais para o terreno doado, onde seria

    realizado o beneficiamento do arroz, nos autos do Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017, foi apresentada Licença de Operação nº 005/2015 emitida pela

    SEMMA de Salvaterra em favor de Joabe Dauzacker Marques. A Licença de

    Operação em questão teria sido requerida na data de 10 de janeiro de 2014,

    ou seja, antes da própria doação realizada pela Lei nº 1184/2015. Ora, se o

    imóvel ainda não tinha sido transferido ao patrimônio do particular Joabe

    Marques, como este poderia ter pleiteado o licenciamento ambiental para

    atividades a serem realizadas na referida área? Pior ainda, como o Poder

    Público poderia ter emitido a licença em questão?

    Observa-se, portanto, a ilegalidade da expedição da Licença de

    Operação nº 005/2015, a qual, tendo em vista a validade até o dia 30 de

    dezembro de 2018, não pode ter prosseguimento com renovações, devendo ser

    canceladas as licenças atualmente vigentes e reparados os danos ambientais

    provocados na área. Vale destacar mais um elemento de, no mínimo,

    inconsistência do referido documento: trata-se de uma Licença de Operação

    com numeração do ano de 2015, que teria sido requerida em janeiro de 2014,

    mas tem assinatura datada de 02 de janeiro de 2013.

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  • Diante da constatação de que a ocupação é indevida e de que devem

    ser canceladas as licenças ambientais, faz-se necessária a reparação dos danos

    ambientais eventualmente decorrentes das atividades realizadas por Joabe

    Dauzacker Marques no terreno da Vila de Condeixa a fim de se recompor o

    status quo ante e do imóvel ser restituído ao patrimônio público para a

    destinação de acordo com os imperativos do ordenamento jurídico.

    Pelo que consta demonstrado nesta oportunidade, também deve ser

    combatida a matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017) por padecer de vícios insanáveis. A

    referida matrícula indica duas doações realizadas a Joabe Dauzacker

    Marques tendo como objeto o mesmo terreno da Vila de Condeixa, uma

    realizada no ano de 2012 e outra em 2015, envolvendo as mesmas partes, as

    quais afirmam que a área teria sido doada efetivamente em 2015.

    O mesmo imóvel não poderia ser objeto de duas doações, não

    havendo, na matrícula, qualquer ato acerca do cancelamento do registro da

    primeira doação, existindo, portanto, uma clara irregularidade registral, que

    deve desembocar no seu cancelamento. Isto é reforçado pela demonstração de

    nulidade da doação realizada através da Lei nº 1184/2015, a qual as partes

    afirmam ser efetivamente o ato do qual decorreu a transferência do imóvel para

    o patrimônio particular. Além disso, da Certidão de Inteiro Teor da matrícula ora

    em comento, também se observa a prática de ato ilegal pelo Requerido Joabe

    Marques ao dar em garantia de crédito oriundo de instituição financeira a área

    objeto de doação nula.

    Isto posto, da declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº

    1184/2015 no tocante à doação do terreno da Vila de Condeixa, pleiteada por

    meio desta ação, também deve decorrer o cancelamento de todas as licenças

    ambientais em vigor para atividades na referida área em nome do Requerido

    Joabe Marques; a determinação de reparação dos danos ambientais

    eventualmente praticados no terreno em questão; e o cancelamento da matrícula

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  • nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra em razão de negociações ilegais

    envolvendo o patrimônio público.

    II.1.2. Irregularidades nos registros imobiliários e no CAR das Fazendas

    Boa Esperança e Jutuba:

    Conforme o Termo de Declarações de 17 de abril de 2018 (fls. 234-

    235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), o Requerido Joabe Dauzacker

    Marques informou que existiriam duas áreas de sua propriedade, sendo uma

    onde ocorre a produção de arroz nas margens do Rio Camará, próxima à

    Comunidade do Rosário, e outra na Vila de Condeixa, a qual seria utilizada

    apenas para silagem e armazenamento de grãos. Esclareceu que se tratariam,

    na verdade, de três imóveis rurais, de modo que a área onde ocorre o cultivo de

    arroz seria composta da Fazenda Boa Esperança, objeto da matrícula nº 4246,

    fl. 165, L 20, CRI Soure (fl. 23 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017) e de uma

    outra porção de terras de 750ha sem registro imobiliário, denominada Jutuba.

    Além disso, haveria o terceiro imóvel tocante ao terreno doado pela Prefeitura de

    Salvaterra, localizado na Vila de Condeixa, onde seria feito o beneficiamento de

    arroz. Na referida audiência extrajudicial, determinou-se, ao Requerido Joabe

    Marques, que apresentasse Certidão de Inteiro Teor das três áreas referidas.

    Em atenção ao compromisso firmado, no tocante aos registros das

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba, o Requerido apresentou certidão de inteiro

    teor da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra (fls. 240-242 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017). A citada matrícula faz referência apenas

    ao imóvel denominado Boa Esperança com área de 2311, 7371ha e indica as

    matrículas nº 4246, fl. 165, L 2-O e nº 144, fl. 145, L 2-RG, ambas do CRI de

    Soure, como registros anteriores.

    A matrícula nº 4246, fl. 165, L 2-O, CRI de Soure (fls. 23-27 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017) também possui como objeto a Fazenda

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  • Boa Esperança localizada nas margens do Rio Camará, Município de Salvaterra,

    com área de 2.311,7371ha de propriedade de Joabe Dauzacker Marques. Nesta

    matrícula, consta averbação de encerramento em agosto de 2015 no Cartório de

    Soure, advindo, posteriormente, a supracitada matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, no

    Cartório de Registro de Imóveis de Salvaterra, onde a Fazenda Boa Esperança

    está localizada. Analisando a cadeia dominial, a matrícula nº 4246, fl. 165, L 2-O,

    CRI de Soure aponta como registro anterior a matrícula nº 144, fl. 145, L 2-RG,

    do CRI de Soure.

    A matrícula nº 144, fl. 145, L 2-RG, do CRI de Soure (fls. 307-317 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017) tem como objeto área desmembrada da

    Fazenda Santa Rita, a qual, conforme as transmissões entre particulares

    indicadas na Certidão de Inteiro Teor, foi adquirida por Joabe Dauzacker

    Marques por meio de Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de setembro

    de 2012. Da leitura da certidão de inteiro teor da matrícula nº 144 (fls. 307-317 -

    Inquérito Civil nº 002048-040/2017), depreende-se que, após a certificação do

    georreferenciamento, foi encerrada a matrícula nº 144 e transferida para a

    matrícula nº 4246 em 10 de abril de 2015. Por fim, deve-se ressaltar que a

    matricula nº 144, fl. 145, L 2-RG, do CRI de Soure aponta como registro anterior

    a transcrição constante do L 3-A, fl. 66v, nº 942, do CRI de Soure, cuja certidão

    não foi remetida pelo Cartório, conforme exposto a seguir, ou apresentada por

    Joabe Marques.

    Por meio do Ofício nº 230/19-MP/8ªPJ (fl. 278 - Inquérito Civil nº

    002048-040/2017), o Ministério Público requereu, ao Cartório de Registro de

    Imóveis de Soure, todos os registros anteriores da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-

    A, CRI de Salvaterra a fim de verificar a cadeia dominial. Em resposta, por meio

    do Ofício nº 0022/2019 (fl. 303-318 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), o

    Cartório de Soure encaminhou apenas as certidões de inteiro teor das matrículas

    nº 4246, fl. 165, L 2-O e nº 144, fl. 145, L 2-RG, não apresentando a certidão da

    transcrição do L 3-A, fl. 66v, nº 942, do CRI de Soure e de possíveis registros

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  • anteriores, que permitiriam prosseguir na análise da cadeia dominial da Fazenda

    Boa Esperança e na verificação sobre o destacamento do patrimônio público.

    Por sua vez, embora na audiência extrajudicial de 17 de abril de 2018

    (fls. 234-235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017) tenha sido determinada, ao

    Requerido Joabe Marques, a apresentação das Certidões de Inteiro Teor das

    três áreas, este apresentou (fls. 240-244 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017),

    em relação à Fazenda Boa Esperança, apenas a certidão da matrícula nº 216, fl.

    225, L 2-A, CRI de Salvaterra e a certidão da matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI

    Salvaterra referente ao terreno doado pela Prefeitura de Salvaterra. Vê-se, pois,

    que o Requerido não apresentou os registros anteriores da matrícula da

    Fazenda Boa Esperança com o fim de demonstrar o destacamento do

    patrimônio público e não juntou qualquer documento da Fazenda Jutuba,

    não se desincumbindo do ônus de demonstrar a regular aquisição de

    propriedade do imóvel e seu regular destacamento do patrimônio público.

    Ao apresentar informações nos autos do Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017, o ITERPA (fl. 49) expôs a existência de pedido de regularização

    fundiária protocolado sob o nº 2014/540896, em nome de Joabe Dauzacker

    Marques, relativo à Fazenda Jutuba, com área de 1225,9021ha. No documento,

    o ITERPA ressaltou a existência de CAR nº 160076 (Título nº 90606/2014) que

    seria referente às Fazendas Boa Esperança e Jutuba e indicaria como

    fundamento a matrícula nº 144. Sem acesso ao inteiro teor da matrícula, o

    ITERPA declarou que se poderia presumir apenas que a Fazenda Boa

    Esperança teria sido destacada do patrimônio público, reforçando as

    constatações acerca do não destacamento da Fazenda Jutuba do

    patrimônio público, já que haveria pedido de regularização fundiária em

    relação a esta.

    Conforme já exposto acima, a matrícula nº 144, L 2-RG, fl. 145, CRI

    de Soure se encontra na sequência de registros da cadeia dominial da Fazenda

    Boa Esperança, a qual teria área de 2311, 7371ha. Logo, vislumbra-se que o

    CAR em questão (fl. 108 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), de forma

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  • irregular, tem como objeto área de 3539,5194ha, referente à somatória das

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba, de modo que essa última ainda se

    encontrava em processo de regularização fundiária. Além disso, ainda traz

    como fundamento registro imobiliário que não corresponde à totalidade do

    imóvel inscrito no SICAR.

    Desse modo, ao indicar registro imobiliário no CAR, Joabe Marques

    se fundamenta em suposto direito de propriedade, porém, como já elucidado, o

    referido não é proprietário da Fazenda Jutuba, posto que os registros de

    imóveis não correspondem a esta porção de terras e para a qual requereu a

    regularização fundiária no ITERPA.

    Na Análise Técnica nº 782/2018 (fls. 267-273 - Inquérito Civil nº

    002048-040/2017), elaborada também pelo Grupo de Apoio Técnico

    Interdisciplinar do MPE/PA, verificou-se que a área constante no CAR das

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba, supracitado, seria maior do que aquela

    inscrita no Registro de Imóveis e certificada no SIGEF, o que indicaria a

    existência de ilegalidade no CAR em questão haja vista a inserção de área

    não destacada do patrimônio público.

    Além disso, conforme consta na Análise Técnica nº 782/2018, a área

    de Reserva Legal indicada no CAR seria de apenas 14,5% da área total

    apontada no referido documento, demonstrando o descumprimento das

    disposições legais acerca dos percentuais de Reserva Legal de imóveis

    localizados na Amazônia Legal.

    Verifica-se que, ao constar a Fazenda Jutuba no CAR, tendo este

    área maior do que aquela inserida nos registros imobiliários da Fazenda

    Boa Esperança, verifica-se que o Requerido Joabe Marques incluiu, no

    SICAR, um sistema público, terras públicas sobre as quais não é possível

    reconhecer a posse, tampouco a propriedade. Desse modo, o Código

    Florestal dispõe que deve ser realizado o CAR em áreas de posse ou

    propriedade, não se verificando quaisquer das hipóteses no presente caso,

    razão pela qual o CAR deve ser cancelado.

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  • Ademais, inobstante a oportunidade conferida no curso das

    investigações, o Requerido Joabe Marques não apresentou, também,

    demonstração da cadeia dominial completa da Fazenda Boa Esperança

    com a comprovação do destacamento da área em relação ao patrimônio

    público, o que deve culminar no cancelamento dos registros referentes a

    este imóvel.

    II.1.3. Irregularidades no Licenciamento Ambiental das Fazendas Boa

    Esperança e Jutuba ante à não consideração de impactos sobre a

    Comunidade Quilombola do Rosário:

    Com o fim de realizar o levantamento dos possíveis impactos

    socioambientais sobre o Território Quilombola do Rosário decorrentes da

    rizicultura desenvolvida nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba, foi realizada

    Vistoria por técnicos do Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar do Ministério

    Público do Estado do Pará (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).

    Segundo consta na Nota Técnica da vistoria acima referida (fls. 80-98

    - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), a Comunidade do Rosário está

    localizada na zona rural de Salvaterra-PA. Conforme relatado no documento

    supramencionado, por meio de cadastro realizado pelo INCRA em 2014, foram

    identificados, na área, 144 moradores e 38 residências. Através da vistoria,

    constatou-se que, no território da Associação Comunitária de Remanescente de

    Quilombo de Rosário, existem duas áreas de moradia – Rosário e Mangabal,

    bem como vastas áreas de florestas e campos com cursos d’água usados pela

    população local para deslocamento e provisão alimentar.

    Pelo trabalho de campo, ainda foi possível apurar a característica

    peculiar do território, o qual, no inverno, tem vasta porção de sua área inundada,

    de maneira que as roças são desenvolvidas nas chamadas “ilhas”, constituindo-

    se em trechos que não alagam durante o tempo das chuvas. Assim como as

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  • “ilhas”, também são de grande importância para a comunidade os igarapés e

    furos.

    Pela oitiva das lideranças da comunidade, pôde-se coletar as

    informações de que o escoamento da produção de arroz do imóvel limítrofe

    estaria sendo realizado por dentro do território quilombola através de

    caminhões que trafegariam em velocidade inadequada; que as atividades

    do empreendimento de rizicultura teriam iniciado em 2014 sem o contato

    prévio com os moradores da Comunidade Quilombola; que a rizicultura

    estaria sendo desenvolvida em área de uso da comunidade; que os

    comunitários não teriam sido esclarecidos sobre a utilização de

    agrotóxicos, de modo que a hidrodinâmica do território quilombola, com

    inundações em determinados períodos do ano, poderia contribuir para a

    dispersão dos produtos químicos; que não teria sido realizada Consulta

    Prévia por parte da SEMAS para o licenciamento da atividade de rizicultura;

    que os canais abertos dificultariam o tráfego dentro do território

    quilombola; que os igarapés, que constituiriam áreas de coleta, pesca e

    caça da comunidade, estariam sendo utilizados para drenar a água através

    dos canais; e que teria havido alterações da paisagem natural.

    As lideranças comunitárias também relataram que o proprietário das

    Fazendas Boa Esperança e Jutuba já teria oferecido apoio e serviços à

    comunidade, a qual os teria aceitado, ressaltando, inclusive, que isto teria sido

    incentivado pela Prefeitura de Salvaterra em algumas situações. Tais serviços

    perpassaram, por exemplo, reforma de igreja e mecanização de uma área de

    cultivo da comunidade.

    Ademais, os técnicos verificaram que áreas importantes não apenas

    para a Comunidade do Rosário, mas também para outros territórios

    quilombolas, passaram a estar inseridas nas Fazendas Boa Esperança e

    Jutuba, tendo José Marques “autorizado” que a comunidade continuasse

    utilizando as referidas porções de terras. Desse modo, observou-se que, mesmo

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  • reconhecendo a ancestralidade de tais áreas, os quilombolas não apresentavam

    oposição aos particulares que se declaram proprietários das referidas fazendas.

    Em oitiva de representantes da Comunidade Quilombola do Rosário

    realizada em 04 de outubro de 2017 (fl. 158 - Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017), estes afirmaram que não teria havido confirmação de contaminação

    por agrotóxicos e que as Fazendas Boa Esperança e Jutuba não estariam dentro

    do território coletivo, o que teria sido constatado a partir de trabalho realizado

    pelo INCRA. Relataram, porém, a existência de temor em relação à pulverização

    aérea de agrotóxicos realizada nos imóveis citados e que os caminhões de

    escoamento da produção de arroz passam por dentro do território, causando

    impactos como a morte de animais e danos às estradas.

    Dentre as deliberações da audiência extrajudicial realizada no dia 17

    de abril de 2018 entre a Promotoria de Justiça Agrária da 1ª Região e Joabe

    Dauzacker Marques (fls. 234-235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017),

    constou a determinação de que este último apresentasse a declaração dos

    agrotóxicos utilizados nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba com a indicação

    do profissional responsável pelo assessoramento do manejo de tais produtos.

    Em atenção ao compromisso firmado na audiência extrajudicial

    supracitada, Joabe Marques apresentou prescrição de uso de defensivos

    agrícolas para a Cultura do Arroz Sequeiro (fls. 237-239 - Inquérito Civil nº

    002048-040/2017), datada de 27 de abril de 2018 e assinada por André Bueno

    Barros, Engenheiro Agrônomo. Posteriormente, apresentou cópias de

    receituários agronômicos e comprovante de devolução de embalagens vazias de

    agrotóxicos (fls. 282-295 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).

    Conforme já exposto anteriormente, constam declarações de

    membros da Comunidade Quilombola do Rosário acerca da realização de

    pulverização aérea de agrotóxicos pelo Requerido nas Fazendas Boa Esperança

    e Jutuba (fl. 158 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), as quais são

    confinantes ao território quilombola. São vislumbrados riscos de

    contaminação à comunidade quilombola limítrofe.

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  • No âmbito das investigações, foi apresentada cópia da Licença de

    Atividade Rural nº 2168/2015 (fl. 19 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), para

    cultura de ciclo curto, emitida em nome de Joabe Dauzacker Marques, a qual

    fora requerida em 04 de junho de 2013 por meio do processo nº

    2013/0000017238, tendo validade até 14 de junho de 2020.

    Embora nos autos do Inquérito Civil nº 002048-040/2017, em anexo,

    constem apenas cópias incompletas da LAR nº 2168/2015, em pesquisa

    realizada no sítio eletrônico da SEMAS, foi possível acessar a versão completa

    do documento citado. A análise da LAR em questão permitiu a constatação

    de inexistência de quaisquer condicionantes referentes ao Território

    Quilombola do Rosário ou a outros territórios tradicionais nas

    proximidades das Fazendas Boa Esperança e Jutuba.

    A desconsideração de impactos sobre o território quilombola do

    Rosário por ocasião do licenciamento da rizicultura é reforçada pelas

    declarações de membros da comunidade, por ocasião da Vistoria de técnicos do

    MPPA (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), de que a comunidade

    jamais teria sido consultada sobre a implantação do empreendimento e,

    tampouco, esclarecida acerca dos possíveis impactos da atividade.

    Além disso, na mesma Nota Técnica (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº

    002048-040/2017), os membros da Comunidade Quilombola do Rosário

    afirmaram a informalidade de tratativas com os proprietários das Fazendas Boa

    Esperança e Jutuba, os quais lhes ofereciam determinados serviços. Deve-se

    ressaltar, ainda, que as referidas declarações indicaram ações do Poder Público

    que reforçariam as interferências no território quilombola por parte dos titulares

    do empreendimento.

    No Inquérito Civil nº 002048-040/2017, juntamente com a Licença de

    Atividade Rural nº 2168/2015, consta documento denominado “Carta de

    Localização Quilombola” (fls. 21-22). Não se tem clareza acerca da finalidade da

    elaboração de tal documento ou se o mesmo foi apresentado no processo de

    licenciamento, mas o que se observa é que o referido mapa não expõe que as

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  • Fazendas Boa Esperança e Jutuba são limítrofes ao Território Quilombola do

    Rosário.

    A SEMAS, por meio da Nota Técnica nº

    19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019 (fls. 296-300 - Inquérito Civil nº 002048-

    040/2017), informou a existência de dois processos em nome de Joabe

    Dauzacker Marques, quais seriam: 1 - processo nº 2013/0000017238 referente à

    Licença de Atividade Rural nº 2168/2015, já referido; e 2 - processo nº

    2019/0000012206, referente a pedido de outorga.

    Ao realizar a busca no sítio eletrônico da SEMAS acerca do processo

    nº 2019/0000012206, verificou-se que se trataria de pedido de outorga para

    captação de água superficial no Rio Camará em ponto localizado nas Fazendas

    Boa Esperança e Jutuba. Mais uma vez, não são verificadas condicionantes

    relativas ao Território Quilombola do Rosário ou outra comunidade

    tradicional. Além disso, a outorga foi deferida e tem validade até 16 de

    julho de 2024 (Outorga nº 3822/2019).

    Na mesma Nota Técnica nº 19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019,

    elaborada pela SEMAS, consta a informação de que existem 6 Cadastros

    Ambientais Rurais incidentes no Território Quilombola do Rosário, dentre

    eles um seria de Joabe Dauzacker Marques (Recibo PA1506302-

    C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF), cuja sobreposição deste seria de

    pouco mais de 4ha.

    Pelo exposto, depreende-se que os impactos socioambientais

    decorrentes das atividades desenvolvidas nas Fazendas Boa Esperança e

    Jutuba sobre o Território Quilombola do Rosário não foram objeto de avaliação

    prévia ou posterior e que, tampouco, a comunidade foi esclarecida ou

    consultada acerca da implantação do empreendimento.

    Tem-se, pois, violação de normas referentes à proteção dos territórios

    quilombolas e de seu entorno enquanto área de amortecimento dos impactos

    decorrentes de externalidades negativas de empreendimentos econômicos ou

    de outras espécies. Além disso, são violados regramentos referentes à

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  • autodeterminação das comunidades tradicionais e ao seu direito de serem

    consultadas acerca de quaisquer iniciativas que sejam potencialmente

    causadoras de danos.

    Desse modo, considerando as irregularidades do próprio Cadastro

    Ambiental Rural das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, cujo cancelamento é

    pleiteado por meio desta ação, e considerando as irregularidades do próprio

    licenciamento ambiental das atividades dos imóveis referidos, devem ser

    canceladas a LAR expedida para as Fazendas Boa Esperança e Jutuba,

    com validade até o dia 14 de junho de 2020, e a Outorga vigentes. Ademais,

    deve haver a avaliação dos danos socioambientais já causados até o

    momento para que sejam devidamente reparados. Por fim, observa-se,

    ainda, a existência de 6 Cadastros Ambientais Rurais sobrepostos ao

    território, os quais não são de titularidade da comunidade quilombola,

    devendo, portanto, haver o cancelamento dos registros no SICAR.

    II.1.4. Da omissão do INCRA e da UNIÃO no processo de identificação,

    reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro

    do território ocupado pela comunidade remanescente de quilombo do

    Rosário/Mangabal:

    O processo de regularização fundiária da comunidade quilombola do

    Rosário/Mangabal se iniciou no dia 31/01/2007 no Instituto de Nacional de

    Colonização e Reforma Agrária - INCRA (Proc. nº 54100.000076/2007-11, em

    anexo), ou seja, há mais de 13 (treze) anos e até hoje não foi concluído.

    A referida comunidade quilombola teve seu RTID (Relatório Técnico

    de Identificação e Delimitação – Documento em anexo) publicado após 10

    (dez) anos de tramitação do procedimento e até hoje ainda não foram ultimadas

    as demais fases do processo administrativo.

    Os argumentos apresentados pelo INCRA para justificar a demora

    não se mostram razoáveis, frente ao agravamento dos conflitos, como no caso

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  • presente, onde atividades econômicas (Rizicultura) foram licenciadas e iniciadas

    sem que nem mesmo o INCRA, a UNIÃO ou a Fundação Cultural Palmares se

    manifestassem nos referidos licenciamentos sobre a necessidade de respeito ao

    território quilombola em comento.

    A Comunidade Quilombola referida na presente ação vive em uma

    grande insegurança jurídica e vulnerabilidade social, realidade essa que o

    INCRA e a UNIÃO são conhecedores e mesmo assim permeiam de morosidade

    as suas atribuições, o que contribui significativamente para o agravamento dos

    os conflitos fundiários no território quilombola.

    A omissão administrativa do INCRA e da UNIÃO contraria a

    Constituição Federal de 1988 que assegurou em seu texto a proteção das terras

    que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos

    diretamente no art. 68 do ADCT, ao estabelecer que a elas seria “reconhecida a

    propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.”

    É evidente que a insuficiência das medidas adotadas pelo INCRA e

    pela UNIÃO na titulação das terras da referida comunidade remanescente de

    quilombos tem gerado danos a essa coletividade, como no caso dos autos, e

    está colaborando, à miúde, para a total desconsideração da referida comunidade

    quilombola impactada nos processos relativos à implantação e desenvolvimento

    da atividade de Rizicultura pelo réu Joabe Dauzacker Marques.

    Diante de comprovada incapacidade administrativa, urge a

    necessidade de medidas judiciais que obriguem a autarquia federal e a União a

    repararem os danos que vêm sendo causados à referida comunidade em razão

    da morosidade e omissão dos seus atos em relação às medidas necessárias

    para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão,

    titulação e registro do território ocupado pela comunidade remanescente de

    quilombo do Rosário/Mangabal.

    III – DO DIREITO

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  • III.1. Da declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 1184/2015 que

    autorizou a doação do terreno localizado na Vila de Condeixa pela

    Prefeitura de Salvaterra em favor de Joabe Dauzacker Marques. Do

    cancelamento de licenças ambientais. Da reparação de danos ambientais.

    Do cancelamento de matrícula.

    O Prefeito Municipal de Salvaterra, Valentim Lucas de Oliveira,

    através da Lei Municipal nº 1184/2015 de 02/07/2015, doou ao réu JOABE

    DAUZACKER MARQUES a área correspondente a 8.746 m², localizada na

    rodovia PA 154, Vila de Condeixa – Salvaterra, a qual seria destinada para

    beneficiamento e armazenamento de arroz.

    A Administração Pública entendeu conveniente e oportuno doar ao

    réu, sem formalidade, sem burocracia, bem pertencente ao patrimônio público.

    Tal fato torna relevante lembrar que os bens e os interesses públicos não estão à

    livre disposição da vontade do administrador.

    É evidente que a Administração Pública Municipal de Salvaterra

    relegou o interesse público ao dispor de seu patrimônio sem adotar o

    procedimento legal para doação de bem público imóvel em favor do réu JOABE

    DAUZACKER MARQUES, o que tornou a sua conduta ilegal e dilapidatória do

    patrimônio público.

    Cabe à Administração Pública, pois é seu dever, em qualquer

    circunstância, adotar medidas em prol da coletividade e em observância do

    princípio da supremacia do interesse público. Nesse sentido, tem-se o seguinte

    ensinamento:

    “A natureza da administração pública é a de um múnus público paraquem exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação eaprimoramento dos bens, serviços e interesse da coletividade.Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprirfielmente os preceitos do direito e da moral administrativa que regem asua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agentedo poder assume para com a coletividade o compromisso de bem

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  • servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimodestinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo povo”.(grifou-se)1

    O art. 37, XXI, da Constituição Federal assim dispõe:

    XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo delicitação pública que assegure igualdade de condições a todos osconcorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações depagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos dalei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica eeconômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

    O dispositivo constitucional supracitado se pauta no princípio da

    indisponibilidade aplicável à Administração Pública, segundo o qual “a

    administração não pode transigir, ou deixar de aplicar a lei, senão nos casos

    expressamente permitidos. Nem dispor de bens, verbas ou interesses fora dos

    estritos limites legais”2.

    A Carta Magna autorizou, no art. 37, XXI, da CF/88, que fossem

    previstas exceções à obrigatoriedade da realização de licitação para obras,

    serviços, compras e alienações realizados pela Administração Pública. Estas

    ressalvas, no que tange às alienações de bens imóveis, estão dispostas no art.

    17, I, “a” a “i”, da Lei nº 8666/93, não se enquadrando, o caso em tela, em

    quaisquer das hipóteses legais.

    Desse modo, observa-se que, ao deliberadamente não realizar

    procedimento licitatório para a doação do terreno da Vila de Condeixa, sob o

    fundamento de que o donatário seria pessoa física, a Administração Pública

    Municipal de Salvaterra afrontou gravemente a imposição constitucional de

    realização de licitação, não se coadunando, ademais, às exceções legalmente

    estabelecidas, conforme autorização da Carta Magna. Vê-se, pois, a flagrante

    inconstitucionalidade que recai sobre a Lei Municipal nº 1184/2015.

    1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed., pg.84.2 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo deDireito Administrativo. 30ª ed. fl. 19.

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  • Dentro da hierarquia verificada no ordenamento jurídico, tem-se que

    os atos infraconstitucionais devem tirar o seu fundamento de validade da

    Constituição Federal, tanto do ponto de vista material quanto formal. O “controle

    de constitucionalidade é o mecanismo previsto na Constituição para controlar (=

    verificar = fiscalizar) a compatibilidade dos atos infraconstitucionais com a

    Constituição”3.

    No presente caso, pretende-se combater a inconstitucionalidade

    material da Lei nº 1184/2015, haja vista ter autorizado a doação de terreno pela

    Prefeitura Municipal de Salvaterra sem a prévia realização de procedimento

    licitatório violando frontalmente a Constituição da República, conforme já

    exposto acima. Tratando-se de um caso concreto, pretende-se a declaração de

    inconstitucionalidade pela via difusa a fim de tornar sem efeito a doação

    realizada e imputar as consequências advindas do seu desfazimento. Sobre o

    controle de constitucionalidade difuso, tem-se o seguinte ensinamento:

    Controle difuso-concreto (modelo incidental, concreto, americano,surgido no caso Marbury versus Madison): nesse sistema, qualquerórgão jurisdicional (= qualquer juiz ou tribunal) pode declarar ainconstitucionalidade de uma lei, porque se considera que o exercíciodo controle de constitucionalidade é algo intrínseco à própria jurisdição(poder de julgar casos concretos); contudo, a decisão não valerá paratodos (ou seja, não terá efeitos erga omnes), mas apenas para aquelecaso concreto.4

    Observa-se que a Lei Municipal n.º 1184/2015 não é genérica e nem

    abstrata, possui natureza formal de lei e natureza material de ato administrativo,

    portanto é norma dotada de concretude e singularidade, que repercute

    diretamente na esfera jurídica do indivíduo, sendo cabível o controle

    jurisdicional, via ação civil pública, como assim se posiciona CARVALHO FILHO:

    "No que tange a esse tipo de atos concretos, a ação civil pública éinteiramente cabível para permitir que o autor postule a condenação doréu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, e isso nãosomente quando a ofensa decorre de algum ato praticado com base na

    3 CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Direito constitucional objetivo: teoria e questões.Brasília: Alumnus, 2019. 7ª ed. fl. 351.

    4 Idem. fl. 357.

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  • lei errônea, mas também quando provém diretamente da própria lei,sem qualquer ato nela fundado. Nesse caso, a lei é, sem dúvida,inconstitucional, mas não pode ser objeto de ação direta deinconstitucionalidade, como já decidido mais de uma vez pelo EgrégioSupremo Tribunal Federal. Sendo assim, e mais ainda por se tratar deverdadeiro ato administrativo, pode a lei de efeitos concretos serhostilizada incidentalmente por via principal, sendo totalmente cabível,na espécie, a ação civil pública"5

    O controle difuso, em relação às partes, tem efeitos retroativos (ex

    tunc). É de se depreender, portanto, que a declaração de inconstitucionalidade

    da Lei Municipal nº 1184/2015 torna sem efeito a doação do terreno da Vila de

    Condeixa, desfazendo, assim, os atos dela decorrentes. Isto para que se restitua

    o imóvel ao patrimônio público e se restabeleça o status quo ante.

    Dentre as consequências do desfazimento da doação e considerando

    que a área seria utilizada para beneficiamento de arroz, devem ser canceladas

    as licenças ambientais vigentes, as quais teriam respaldo na titularidade do

    Requerido sobre a área, e reparados os danos ambientais que tenham sido

    praticados no imóvel.

    O art. 225, §3º, da Constituição Federal estabelece o dever de

    reparação de danos ambientais:

    Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

    (...)

    § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambientesujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penaise administrativas, independentemente da obrigação de reparar osdanos causados.

    Segundo o art. 3º, II, da Lei nº 6938/81 (Estabelece a Política

    Nacional do Meio Ambiente), a degradação da qualidade ambiental se constitui

    na alteração adversa das características do meio ambiente. O poluidor, por sua

    vez, é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,

    5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. "AÇÃO CIVIL PÚBLICA ", Rio de Janeiro, EditoraLumen Juros, 6a. edição, 2007, pág. 98.

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  • direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental,

    conforme disposto no art. 3º, IV, da Lei nº 6938/81.

    Dentre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, nos

    termos do art. 4º, VII, encontra-se a imposição, ao poluidor e ao predador, da

    obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da

    contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. A

    avaliação dos impactos ambientais consiste em um dos instrumentos da Política

    Nacional do Meio Ambiente visando à identificação da maneira adequada para a

    reparação dos danos ambientais. Isto posto, faz-se necessária a realização da

    perícia para a avaliação dos impactos ambientais e a imposição de obrigação de

    fazer para que o Requerido realize a reparação.

    Ainda, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº

    1184/2015 e, portanto, sendo desfeita a doação do terreno da Vila de Condeixa,

    não pode subsistir a matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra, que tem por

    objeto a área doada a Joabe Dauzacker Marques, haja vista a invalidade do

    título. O art. 1245 do Código Civil dispõe que a aquisição da propriedade

    somente ocorre por meio da transcrição do título válido. Sendo inválido o

    título, aqui em decorrência da declaração de inconstitucionalidade, cancelada

    deve ser a matrícula dele decorrente.

    Deve-se vislumbrar, inobstante isso, que a matrícula nº 172, fl. 177, L

    2-A, CRI Salvaterra apresenta outra irregularidade decorrente do fato de

    apresentar a origem do imóvel em duas doações realizadas em momentos

    distintos entre as mesmas partes, não havendo qualquer registro ou averbação

    que torne sem efeito a primeira doação realizada. Tendo em vista que a

    Prefeitura de Salvaterra e Joabe Marques afirmam que a área teria sido objeto

    de doação realizada no ano de 2015, nada mencionando sobre a doação

    anterior, e já estando demonstrada a ilicitude da doação de 2015, são verificados

    fortes indícios de fraude relativos à matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI

    Salvaterra, devendo esta ser cancelada para a garantia da higidez do sistema

    registral sobre o qual recai o interesse público.

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  • III.2. Do cancelamento das matrículas da Fazenda Boa Esperança. Do

    cancelamento do CAR das Fazendas Boa Esperança e Jutuba.

    O art. 228 da Lei nº 6015/1973 dispõe que “a matrícula será efetuada

    por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta Lei, mediante

    os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele

    mencionado”.

    Ademais, dentre as hipóteses de cancelamento da matrícula, consta

    aquela decorrente de “decisão judicial” disposta no art. 223, I, da Lei nº

    6015/1973. Nas palavras de Luiz Guilherme Loureiro6, “o cancelamento

    judicial pode ocorrer por nulidade do título que serviu de base ao registro

    determinante da abertura da matrícula”.

    O Direito de Propriedade só é concretizado com o registro, no Cartório

    Competente, do Título que embasa o referido direito, devendo este emanar de

    ato jurídico válido e fidedigno que possua alguma vinculação ao ato

    emitido pelo Poder Público.

    Vale citar o entendimento do professor Girolamo Domenico Treccani,

    em O Título De Posse e a Legitimação de Posse como Formas de Aquisição da

    Propriedade7, o qual sabiamente doutrina no sentido de que:

    Todo e qualquer documento de propriedade imobiliária, para serconsiderado juridicamente válido, deverá apresentar sua vinculação aum ato emanado pelo poder público competente que lhe dê a garantiade que aquela terra foi legalmente descorporada do patrimônio público.

    6 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 7 ed. Salvador:Juspodium, 2016.

    7 TRECCANI, Girolamo. O Título De Posse e a Legitimação de Posse como Formas deAquisição da Propriedade. Disponível em:http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7TRECCANITitulodePosse.pdf

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  • A aquisição da propriedade, segundo a regra do art. 1.245, § 2º do

    Código Civil, dá-se mediante o registro do título no Ofício de Registro de Imóveis

    e desta condição não sairá até que transfira a propriedade ou até que seja

    promovida ação própria de invalidade e cancelamento do título (art. 252 da Lei

    nº 6015/1973).

    A previsão legal para o cancelamento ou a anulação de registro

    fraudulento também se encontra prevista no art. 216 da Lei de Registros

    Públicos e no art. 233, o qual permite o cancelamento da matrícula por meio de

    decisão judicial.

    No presente caso, embora tenha sido oportunizado a Joabe

    Dauzacker Marques a demonstração da titularidade das Fazendas Boa

    Esperança e Jutuba, aquele apenas apresentou certidão de inteiro teor da

    matrícula mais recente da Fazenda Boa Esperança, qual seja a matrícula nº 216,

    fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra, sem a apresentação da cadeia dominial

    completa. Ademais, conforme relatado, nas investigações realizadas pelo

    Ministério Público, foram requeridos, ao Cartório de Soure, todos os registros

    anteriores da Fazenda Boa Esperança para a verificação da cadeia dominial, de

    modo que as certidões de inteiro teor apresentadas também não trouxeram a

    sucessão dominial desde o destacamento do patrimônio público.

    Vê-se que Joabe Dauzacker Marques não se desincumbiu do ônus de

    comprovar o destacamento da Fazenda Boa Esperança, tampouco da Fazenda

    Jutuba, em relação à qual não foi apresentado qualquer registro imobiliário,

    havendo, porém, informação do ITERPA de que haveria processo de

    regularização fundiária para esta última área, o que demonstra se tratar de terra

    pública. Frise-se que o processo encontra-se, inclusive, arquivado na autarquia

    agrária estadual (Vide documento de fls. 44 - Inquérito Civil nº

    1.23.000.000761/2016-87).

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  • Conforme consta nas fundamentações do Provimento nº 10/2012-

    CJCI-CJRMB, foi declarado o entendimento no sentido de que cabe ao particular

    provar o destacamento do imóvel em relação ao patrimônio público.

    Observa-se, ademais, que, no intuito de convalidar a grilagem de

    terras públicas, o requerido formulou Cadastro Ambiental Rural (CAR) que lhe

    permitiu, inclusive, obter licença ambiental perante o órgão ambiental estadual.

    Todavia, como se observa, premiar a manutenção do CAR seria premiar também

    a grilagem de terras públicas, fazendo-se necessário seu urgente cancelamento.

    Isto porque, no CAR de Recibo nº PA1506302-

    C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF, o Requerido Joabe Dauzacker

    Marques incluiu área que seria referente à somatória das Fazendas Boa

    Esperança e Jutuba. Inobstante isso, segundo já demonstrado, a Fazenda

    Jutuba se trata, inequivocamente, de terra pública. Além disso, o Requerido

    subsidiou o cadastro em suposto direito de propriedade indicando a matrícula nº

    144, L 2-RG, fl. 145, CRI de Soure. Tal matrícula se refere exclusivamente à

    Fazenda Boa Esperança, não se constituindo em fundamento tocante à Fazenda

    Jutuba.

    Com efeito, o que resta evidente é que, visando dar aparência de

    legalidade à ocupação das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, o Requerido

    Joabe Marques inseriu no sistema público referente ao Cadastro Ambiental Rural

    áreas públicas e indicou registro imobiliário que não se refere à totalidade do

    imóvel cadastrado.

    A leitura das disposições do art. 29 da Lei nº 12.651/2012 conduz à

    conclusão de que deve ser realizado o Cadastro Ambiental Rural não apenas de

    áreas de propriedade, mas também das áreas de posse. Isto, porém, não pode

    ser dissociado do entendimento de que não há possibilidade de

    reconhecimento de posse em áreas de domínio público.

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  • De acordo com Andréia Barreto8, a Constituição Federal de 1988 veda

    a usucapião de terras públicas, o que consiste na impossibilidade de

    aquisição da propriedade de área pública por ato exclusivo do particular,

    como ocorria anteriormente por meio da legitimação de posse.

    É por esta razão que há muito tempo a jurisprudência e a doutrina

    têm afirmado a impossibilidade da configuração de posse em terras

    públicas a fim de assegurar o patrimônio público e sua adequada destinação,

    evitando-se desvios e mesmo privilégios injustificados no acesso à terra,

    objetivando, ademais, garantir a sua finalidade. O Supremo Tribunal Federal

    proferiu diversas decisões nesse sentido, conforme indicado a seguir:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DEPOSSE. IMÓVEL PÚBLICO. DISTINÇÃO POSSE NOVA E POSSEVELHA. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃOPROVIDO. 1. A apropriação de terras e imóveis públicos implicadever de imediata desocupação de área, sendo desnecessária aprova de posse anterior por parte do Município, pois possui aposse jurídica’. 2. A posse dos bens que não podem ser usucapidosnão tem eficácia, pois a ocupação de imóvel público caracterizaapenas mera detenção. 3. Deve ser mantida a liminar que determinoua reintegração da posse do Município”. (eDOC 3, p. 88) No recursoextraordinário, interposto com fundamento no art. 102, inciso III, alíneaa, da Constituição Federal, sustenta-se violação dos artigos 1º, III; 5º,XXIII e XXXV;6º; 23, IX; 93, IX; 170, III; e 182, § 2º, do textoconstitucional. Na espécie, a decisão agravada aplicou o art. 543-B doCPC, com fundamento no entendimento firmado pelo Supremo TribunalFederal no julgamento do AI-QO-RG 791.292, de minha relatoria, DJe13.8.2010, quanto à suposta ofensa aos arts. 5º e 93, IX, da CF/88,bem como negou seguimento no que concerne à questãoremanescente. É o relatório. Decido. O recurso não merece prosperar.O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na Questão de Ordem no AI760.358, de minha relatoria, DJe 3.12.2009, firmou o entendimento deque não cabe a esta Corte rever decisão que, na origem, aplica asistemática da repercussão geral. Confira-se: “Questão de Ordem.Repercussão geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento oureclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aosprocessos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversãodo agravo de instrumento em agravo regimental. 1. não é cabívelagravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, emcumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão

    8 BARRETO, Andréia Macedo. Detenção Agrária de terras públicas: implicações jurídicas naregularização fundiária. 2011. 150f. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Pará, Instituto deCiências Jurídicas, Belém, 2011. Programa de Pós-Gradução em Direito. Disponível em:http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/7335

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  • de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar oprejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo emque interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não estáexercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que aremessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nostermos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa deretratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplosdo quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito dasmatérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questãoconstitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte emagravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem”. (AI-QO760.358, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 3.12.2009)(grifei) Incabível, portanto, a interposição do agravo previsto no art.544do CPC contra decisão que, na origem, aplica a sistemática darepercussão geral. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte,as decisões que concedem ou denegam medidas cautelares ouprovimentos liminares não perfazem juízo definitivo deconstitucionalidade a ensejar o cabimento do recurso extraordináriopelo art. 102,III, a, da Constituição Federal.

    AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LEGITIMIDADEPASSIVA. BEM PÚBLICO. MERA DETENÇÃO. BENFEITORIA.INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. I—(...) II - Em se tratandode terra pública, o poder de fato sobre ela exercidoeventualmente por terceiro não caracteriza posse, mas meradetenção decorrente de ato de tolerância do poder público. Comefeito, é insuscetível de produzir os efeitos da posse. III - Oparticular não tem qualquer direito de ser ressarcido porbenfeitorias que edificou no bem público. IV — (...)’ (APC2009.01.1.018425-9, Relator Desembargador José Divino deOliveira, DJ-e de 24.3.2010) ‘PROCESSO CIVIL -MANUTENÇÃO DE POSSE - CERCEAMENTO DE DEFESA —INOCORRÊNCIA - TERRA PÚBLICA — DETENÇÃO —BENFEITORIAS - DIREITO À INDENIZAÇÃO — INEXISTÊNCIA- SENTENÇA MANTIDA.

    (...)

    ARE 669.811 / DF Em se tratando de bem público, não há que se falar em posse,haja vista a existência de mera detenção tolerada pelo PoderPúblico. Mesmo que a ocupação do terreno tenha se dado deboa-fé, se não há posse, não há benfeitorias a seremindenizadas.’ (APC 2005.01.1.0487535, Relator DesembargadorSérgio Bittencourt, DJ-e de 16.11.2009)

    Esclarecendo tal posicionamento, a Ministra Rosa Weber do S.T.F.

    manifestou-se no RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 669.811 nos

    seguintes termos:

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  • A documentação carreada aos autos pelo réu comprova que a áreaocupada pelos apelantes é pública, de propriedade da TERRACAP.Porque pública, é insuscetível de ascendência possessória porparticulares. O poder de fato sobre ela exercido decorre de meratolerância do Poder Público. Irrelevante a boa ou má-fé dosocupantes. Caracteriza, a ocupação, simples detenção, nãopassível de se lhe estenderem os efeitos da posse, entre eles aproteção dos interditos e a indenização por benfeitorias (grifamos).

    Também é esta a posição preponderante do S.T.J. nos julgados que

    exemplificam tal entendimento:

    AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃOREIVINDICATÓRIA. ÁREA PÚBLICA. BENFEITORIAS.INDENIZAÇÃO. PEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. MERA DETENÇÃO.PRECEDENTES DO STJ. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

    1. De acordo com a jurisprudência do STJ, a ocupação de bempúblico não gera direitos possessórios, mas mera detenção denatureza precária.

    2. Pedido de indenização por benfeitorias que se afasta ante a nãocaracterização da posse no presente caso.

    3. Agravo interno a que se nega provimento.

    (AgInt no REsp 1448907/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,QUARTA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe 21/03/2017)

    ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA PORPARTICULARES. JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. MERADETENÇÃO. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS.

    INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

    1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa elegítima do titular do domínio, é mera detenção, que não gera osdireitos, entre eles o de retenção, garantidos ao possuidor de boa-fépelo Código Civil. Precedentes do STJ.

    2."Posse é o direito reconhecido a quem se comporta comoproprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos quecaminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, porproibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar dequalquer dos poderes inerentes à propriedade.A ocupação de áreapública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mascomo mera detenção. Se o direito de retenção ou de indenização pelasacessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode,ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimentodaqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de seindenizar as benfeitorias úteis e necessárias" (REsp 863.939/RJ, Rel.Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24.11.2008).

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  • 3. "Configurada a ocupação indevida de bem público, não há falar emposse, mas em mera detenção, de natureza precária, o que afasta odireito de retenção por benfeitorias" (REsp 699374/DF, Rel. Min.

    Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 18.6.2007).

    4. "A ocupação de bem público não passa de simples detenção, casoem que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contrao órgão público. Não induzem posse os atos de mera tolerância (art.

    497 do Código Civil/1916)" (REsp 489.732/DF, Rel. Min. BarrosMonteiro, Quarta Turma, DJ 13.6.2005).

    5. "Tem-se como clandestina a construção, a qual está inteiramente emlogradouro público, além do fato de que a sua demolição não vai trazernenhum benefício direto ou indireto para o Município que caracteriz