Excertos Para Aula Realismo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Realismo

Citation preview

O conceito de realismo sempre foi fundamental para os estudos literrios.De acordo com Daro Villanueva (1997), tal conceito ultrapassaproblemas de classificaes de perodos literrios ou tendncias, porque recorrente no s na literatura, como nas artes em geral. Ren Wellekafirma que, desde a Antiguidade, a arte visava realidade, mesmoquando falava de uma realidade mais alta; uma realidade de essncias ouuma realidade de sonhos e smbolos (WELLEK, 1963, p. 198). ErichAuerbach (2002), por exemplo, inicia seu livro Mimesis, analisando a literaturade Homero e do Antigo Testamento, procurando explicar como otratamento da realidade se apresentava em tais obras.Segundo Villanueva, pode-se classificar o realismo como um perodoou escola na literatura moderna e contempornea; realismo comouma marca constante de todas essas escolas, bem como de suas precursoras;e, finalmente, realismo como um objeto de reflexo terica (VILLANUEVA,1997, p. 2 Traduo nossa).

Antes de analisar mais a fundo o Naturalismo, necessrio refletiracerca do realismo na literatura. Em Mimesis, Auerbach faz uma anliseaprofundada, plurivocal e histrica do realismo na literatura, de Homeroa James Joyce, do Antigo Testamento a Virginia Woolf. Desde Homero,o tratamento da realidade sempre esteve presente na literatura. Entretanto,o que o autor considera como Realismo (com R maiscula), e queapresenta caractersticas bastante marcadas, s se consolida no sculoXIX.Antes do sculo XIX, a regra estilstica clssica procurava transmitirsomente o ponto de vista das classes dominantes. O povo e seu cotidiano,quando apareciam, sofriam uma abordagem cmica. Os personagenseram, em geral, nobres e tipificados e no individualizados, comoaconteceria mais tarde , realizando peripcias surpreendentes ou aesinesperadas. A linguagem utilizada era a mais elevada possvel e o quepredominava era a separao de estilos o sublime jamais se misturavaao vulgar.

A problematizao da vida simples supe umaindividuao dos personagens que, por sua vez, esto intimamente ligadoss circunstncias histricas, polticas e sociais da poca. A velocidadedo tempo e da transmisso de informaes tambm uma questocrucial, que influenciou decisivamente o incio do Realismo, no sculoXIX, bem como a ampliao do pblico leitor, a ecloso da RevoluoFrancesa e da Reforma. Segundo Auerbach:O tratamento srio da realidade quotidiana, a ascenso de camadas humanasmais largas e socialmente inferiores posio de objetos de representao problemtico-existencial, por um lado e, pelo outro, o engaramento [sic] depersonagens e acontecimentos quotidianos quaisquer no decurso geral da histriacontempornea, do pano de fundo historicamente agitado estes so, segundonos parece, os fundamentos do realismo moderno [...]. (AUERBACH,2002, p. 440)

Lucia Miguel Pereira denomina de casos de alcova etemperamentos doentios Seguiam os temas de Zola e Ea de Queirs,sem atentarem nas diferenas entre as sociedades francesa e portuguesae o nosso meio em formao, sem perceberem que o que l refletiaa desagregao da burguesia, aqui no passava de anedota isolada (PEREIRA,1988, p. 128).

Candido cunha o termo realismo feroz para classificar as obrasde Rubem Fonseca, fazendo uma aluso Guerrilha e violncia urbana,que se intensificavam assustadoramente ento, e observa a utilizao danarrativa em primeira pessoa: brutalidade da situao transmitida pelabrutalidade do seu agente (personagem), ao qual se identifica a voz narrativa,que assim descarta qualquer interrupo ou contraste crtico entrenarrador e matria narrada. (CANDIDO, 1989, p. 211)

Ao vencedor as batatas

Esta considerao do terico alemo faz-nos supor que, para discutir a acepo de Barthes, necessria uma extenso do conceito de Realismo. A priori, realistas seriam todas as narrativas formuladas na escola do Realismo, estilo de poca prprio do fim do sculo XIX. Entretanto, o fazer realista ultrapassa a escola, sendo considerados realistas aqueles textos em que o processo mimtico tende a se aproximar muito frontalmente de uma reproduo do real vivido. Sua hipertrofia seria, em alguns casos, chamada de naturalismo. Dessa forma, haveria um processo de escrita realista mesmo em escolas opostas ao Realismo, como o Romantismo. Suas descries detalhadas, plenas de detalhes insignificantes para a progresso das cenas, parecem indicar o acerto de tal afirmao.

Invoca-se em vo o nome do realismo, que se procura confundir com o naturalismo. Realismo, quer dizer, discurso carregado de referencialidade, no sinnimo de naturalismo. Ao contrrio. O discurso realista no camufla a perspectiva. Realistas (e no naturalistas) so textos como o Ulysses de James Joyce. Ou as Memrias Sentimentais de Joo Miramar, de Oswald de Andrade (...). O naturalismo incompatvel com o experimento. Com a linguagem inovadora. O realismo favorece-os (LEMINSKI, 1997, p.71).

Freqentemente estudado como um fenmeno que se teria iniciado em meados do sculo XIX, na Frana, no bojo do positivismo, o termo tem sido largamente usado para definir qualquer tipo de representao artstica que se disponha a reproduzir aspectos do mundo referencial, com matizes e gradaes que vo desde a suave e inofensiva delicadeza at a crueldade mais atroz. Assim, no existem respostas simples ou definitivas para a espinhosa questo trazida pelo conceito e o debate, de grande complexidade, de nenhuma forma est encerrado.

No incio, a partir do sculo XVIII, na Inglaterra, e do sculo XIX, na Frana, mais do que uma tcnica especfica, o realismo foi compreendido como um modo de representar com preciso e nitidez os detalhes de um quotidiano burgus. Desse modo, seu sentido tcnico no pde fugir de contedos referentes realidade concreta dessa classe social (e tambm da classe proletria, a quem comumente se relaciona o naturalismo), em oposio a assuntos lendrios e/ou hericos, ligados aristocracia, que alimentavam as narrativas anteriores.1

De modo geral, um dos seus sentidos primeiros vincula-se assertiva da existncia objetiva dos universais (idias ou formas com existncia independente dos objetos em que so percebidos), no sentido platnico, sendo, ento, quase sinnimo de idealismo. Esse sentido se perdeu e realismo surgiu como uma palavra totalmente nova, apenas no sculo XIX; em francs, por volta de 1830, e em ingls, no vocabulrio crtico, em 1856, sendo que, a partir de ento, desenvolveu-se, em termos gerais, como um termo que descreve um mtodo e uma postura em arte e literatura: primeiro uma excepcional acuidade na representao e depois um compromisso de descrever eventos reais, mostrando-os como existem de fato, sendo que aqui, em muitos casos, inclui-se uma inteno poltica (WILLIAMS, 1983, p. 259). Este sentido base da grande controvrsia centrada na objetivo de mostrar as coisas como realmente so; visto como uma postura geral (envolvendo ideologias, mentalidades, sentido histrico, etc.) e um mtodo especfico (personagens, objetos, aes e situaes descritos de modo real, isto , de acordo com a realidade), geralmente aceito como iluso referencial, o que, na verdade, o seu aspecto de conveno, de mentira, de mscara, comum a todas as linguagens e estilos artsticos, pois todos eles so convenes.

O realismo, nesses termos, est indissoluvelmente ligado a outra velha e importante questo, a da representao, que desempenha um papel central no entendimento da prpria literatura, desde Plato e Aristteles, como se sabe. Plato aceita a literatura como representao da vida, mas exatamente por essa razo quer banila da polis. J Aristteles define todas as artes como modos de representao, encarando a imitao como uma atividade essencialmente humana: O imitar congnito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois de todos, ele o mais imitador, e, por imitao, aprende as primeiras noes), e os homens se comprazem no imitado (ARISTTELES, 1973, p. 445).

Em abordagem de outro tipo, Ian Watt identifica o realismo como a caracterstica fundamental do romance, distinguindo-o das formas narrativas anteriores e relacionando a consolidao do gnero ao clima de experincia social e moral que se vivenciou no sculo XVIII ingls. A centralidade conferida ao indivduo e a especificidade de sua experincia, acompanhando a tendncia de substituir a tradio coletiva pela individual, observada desde o Renascimento, a libertao de dogmas e crenas, e a atribuio de especial importncia correspondncia entre as palavras e as coisas ou entre a vida e a literatura, conferem ao romance moderno de ento sua nfase especial nas questes de identidade pessoal e, como conseqncia, a percepo assumida pela dimenso temporal como uma fora configuradora da histria e da vida humanas. Em conseqncia, denomina de realismo formal o mtodo narrativo pelo qual o romance incorpora uma viso da vida centrada na circunstncia, um conjunto de procedimentos narrativos que se encontram raramente em outros gneros literrios, organizados segundo a premissa de que o romance constitui um relato completo e autntico da experincia humana e, portanto, tem a obrigao de fornecer ao leitor detalhes da histria, apresentados atravs de um emprego da linguagem muito mais referencial do que comum em outras formas literrias (WATT, 1990, p. 31). Watt no nega que o realismo formal obviamente no passa de uma conveno, mas enfatiza que ele permite uma imitao mais imediata da experincia individual situada em contextos precisos de tempo e espao.

O texto realista, para o autor, mostra-se, ento, no final do percurso, um texto srio, com vrios registros estilsticos, cuja principal caracterstica de fato integrar a estria das personagens individuais de todas as classes no curso geral da Histria. Desse modo, o realismo moderno vem a ser o tratamento srio da realidade quotidiana, a ascenso de camadas humanas mais largas e socialmente inferiores posio de objetos de representao problemtico-existencial, por um lado e, pelo outro, a estreita vinculao de personagens e acontecimentos quotidianos quaisquer ao decurso geral da histria contempornea (AUERBACH, 1976, p. 440). Nesse sentido, apenas no sculo XIX francs, com Stendhal, Balzac e depois Flaubert, nessa ordem, a vida real, quotidiana, passa a ser vista como coisa absolutamente sria, podendo ser considerada tragicamente, instaurando o que ele chama de seriedade objetiva, ou seja, os acontecimentos quotidianos e reais de uma camada social baixa no so mais tratados de modo cmico, farsesco ou satrico, como at ento, o que implica a compreenso da histria como um processo ininterrupto, apresentado enquanto movimento quase imperceptvel, mas universal.

ste modo ser encontrada em vrias pocas, como refrao da primeira. Realismo aparece em portugus, vindo da Frana e Inglaterra, em registro consistentemente literrio, com Ea de Queiroz, na famosa conferncia O Realismo como nova expresso da arte, de 1871,4 quinze anos depois de Jules-Franois Champfleury ter utilizado o qualificativo realista para a pintura de Courbet, no artigo Le Ralisme, de 1857, na Frana. O escritor portugus defende o intuito moral, de justia e de verdade da nova escola que, para ele, no se restringe a um simples modo de expor, minudente, trivial, fotogrfico. Ou seja, no apenas um mtodo, mas tambm uma postura. No Brasil, um esboo de realismo enquanto mtodo j surge com o primeiro romance publicado, em 1843, O filho do pescador, de Teixeira e Souza, em pleno Romantismo, fase inicial de pesquisas e debates sobre a identidade nacional da nossa literatura.Em sentido semelhante, Flora Sussekind tentou mapear aquilo que denomina permanncia da esttica naturalista, tomada por ela como um conjunto de traos especficos da escola de Zola, na literatura brasileira, desde o final do sculo XIX at a dcada de 70 do sculo XX, durante a ditadura militar, passando pela gerao de 30. Partindo do pressuposto de que a verdadeira literatura a literatura-lmina, cuja especificidade reside nas opacidades, ambigidades e conotaes, ela relega o naturalismo a uma espcie de subliteratura que contribui para o ocultamento da dependncia e da falta de identidade prprias ao Brasil. Para a pesquisadora, [o discurso naturalista] pressupe que existe uma realidade una, coesa e autnoma que deve captar integralmente. No deixa que transpaream as descontinuidades e os influxos externos que fraturam tal unidade [...]. E no muito difcil reparar que no s uma esttica, mas uma ideologia naturalista que se repete na fico brasileira (SUSSEKIND, 1984, p. 39).

a partir do sculo XVIII, que surge, segundo Rancire, um regime esttico que vai defi nir o que entendemos por experincia esttica na modernidade e a propriedade da noo de literatura. O Realismo histrico coincide com essa ruptura com os princpios dos regimes ticos e representativos e corrobora com autores como Flaubert e Mallarm. Rejeitando a hierarquia entre tpicos altos e baixos, a superioridade da ao sobre a descrio e suas formas de conexo entre o visvel e o dizvel, o romance realista deu uma nova autonomia importncia dos dados sensveis para a compreenso dos eventos e suas descries, s vezes criticadas por serem suprfl uas e impressionistas, enquadraram as formas de visibilidade que deixariam a arte abstrata visvel. Ironicamente, foi assim que o Realismo em vez de expressar um novo domnio representativo sobre a realidade pde ser entendido como uma abertura de caminho para a experimentao do Modernismo. Nessa perspectiva podemos hoje ver o realismo histrico como o ltimo esforo desesperado de dominar uma crise da representao nascida no seio de seu regime epistmico. Em vez de fortalecer o efeito referencial, no romance do fi nal do sculo XIX, a realidade comea a aparecer, absorvida pela interioridade subjetiva de um discurso indireto livre que se desenvolveu e radicalizou de Dostoievski a Joyce e Woolf, criando um certo Realismo psicolgico, fragmentado e anrquico, de uma viso de mundo em crise. Tambm nos novos realismos das dcadas 1920, 1930 e 1940, do Surrealismo de Breton e ao Realismo mgico de Carpentier, passando pelo Realismo crtico