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Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal AASTF 5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União 1 EXMO. SR. MINISTRO ROBERTO BARROSO, RELATOR DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.874/DF A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO vem, por intermédio do Defensor Público Federal de Categoria Especial, que atua por delegação do Defensor Público- Geral Federal, na condição de amicus curiae, apresentar sua MANIFESTAÇÃO, nos autos do processo em epígrafe, pelos motivos adiante expostos. 1. Do objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.874, proposta pela Procuradora-Geral da República, almeja a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º, I, do artigo 2º, § 1º, I, e dos artigos 8º, 10 e 11 do Decreto 9.246/2017, que concede indulto natalino e comutação de penas e dá outras providências. Eis o teor dos dispositivos atacados: Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido: I - um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência a pessoa;

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5º Ofício Defensoria Pública-Geral da União

1

EXMO. SR. MINISTRO ROBERTO BARROSO, RELATOR DA AÇÃO

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.874/DF

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO vem, por intermédio do Defensor

Público Federal de Categoria Especial, que atua por delegação do Defensor Público-

Geral Federal, na condição de amicus curiae, apresentar sua MANIFESTAÇÃO, nos

autos do processo em epígrafe, pelos motivos adiante expostos.

1. Do objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.874, proposta pela Procuradora-Geral

da República, almeja a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º, I, do artigo 2º,

§ 1º, I, e dos artigos 8º, 10 e 11 do Decreto 9.246/2017, que concede indulto natalino e

comutação de penas e dá outras providências.

Eis o teor dos dispositivos atacados:

Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e

estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido:

I - um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos

crimes praticados sem grave ameaça ou violência a pessoa;

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Art. 2º O tempo de cumprimento das penas previstas no art. 1º será reduzido para

a pessoa:

I - gestante;

II - com idade igual ou superior a setenta anos;

III - que tenha filho de até quatorze anos de idade ou de qualquer idade, se pessoa

com doença crônica grave ou com deficiência, que necessite de seus cuidados;

IV - que tenha neto de até quatorze anos de idade ou de qualquer idade, se pessoa

com deficiência, que necessite de seus cuidados e esteja sob a sua responsabilidade;

V - que esteja cumprindo pena ou em livramento condicional e tenha frequentado,

ou esteja frequentando, curso de ensino fundamental, médio, superior, profissionalizante

ou de requalificação profissional, reconhecido pelo Ministério da Educação, ou que

tenha exercido trabalho, no mínimo por doze meses, nos três anos contados

retroativamente a 25 de dezembro de 2017;

VI - com paraplegia, tetraplegia ou cegueira adquirida posteriormente à prática do

delito, comprovada por laudo médico oficial, ou, na falta do laudo, por médico

designado pelo juízo da execução;

VII - com paraplegia, tetraplegia, cegueira ou neoplasia maligna, ainda que em

remissão, mesmo que tais condições sejam anteriores à prática do delito, comprovadas

por laudo médico oficial ou, na falta do laudo, por médico designado pelo juízo da

execução, e resulte em grave limitação de atividade ou exija cuidados contínuos que não

possam ser prestados no estabelecimento penal;

VIII - acometida de doença grave e permanente, que apresente grave limitação de

atividade ou que exija cuidados contínuos que não possam ser prestados no

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estabelecimento penal, desde que comprovada por laudo médico oficial, ou, na falta do

laudo, por médico designado pelo juízo da execução; ou

IX - indígena, que possua Registro Administrativo de Nascimento de Indígenas ou

outro documento comprobatório equivalente.

§ 1º A redução de que trata o caput será de:

I - um sexto da pena, se não reincidente, e um quarto da pena, se reincidente, nas

hipóteses previstas no inciso I do caput do art. 1º;

Art. 8º Os requisitos para a concessão do indulto natalino e da comutação de pena

de que trata este Decreto são aplicáveis à pessoa que:

I - teve a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos;

II - esteja cumprindo a pena em regime aberto;

III - tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo; ou

IV - esteja em livramento condicional.

Art. 10. O indulto ou a comutação de pena alcançam a pena de multa aplicada

cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa

da União, observados os valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da

Fazenda.

Parágrafo único. O indulto será concedido independentemente do pagamento:

I - do valor multa, aplicada de forma isolada ou cumulativamente; ou

II - do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza.

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Art. 11. O indulto natalino e a comutação de pena de que trata este Decreto são

cabíveis, ainda que:

I - a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do

julgamento de recurso da defesa em instância superior;

II - haja recurso da acusação de qualquer natureza após a apreciação em segunda

instância;

III - a pessoa condenada responda a outro processo criminal sem decisão

condenatória em segunda instância, mesmo que tenha por objeto os crimes a que se

refere o art. 3º; ou

IV - a guia de recolhimento não tenha sido expedida.

Por decisão monocrática proferida em 28 de dezembro de 2017, a então Presidente,

Min. Cármen Lúcia, suspendeu os efeitos dos dispositivos impugnados. Essa decisão foi

mantida pelo Relator, Min. Roberto Barroso.

Posteriormente, o Relator confirmou a cautelar para os seguintes fins: i) suspender

do âmbito de incidência do Decreto nº 9.246/2017 os crimes de peculato, concussão,

corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, os praticados contra o sistema

financeiro nacional, os previstos na Lei de Licitações, os crimes de lavagem de dinheiro

e ocultação de bens, os previstos na Lei de Organizações Criminosas e a associação

criminosa, nos termos originalmente propostos pelo CNPCP, tendo em vista que o

elastecimento imotivado do indulto para abranger essas hipóteses violaria de maneira

objetiva o princípio da moralidade, bem como descumpriria os deveres de proteção do

Estado a valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima

do sistema penal; ii) determinar que, nas hipóteses previstas no inciso I do art. 1º do

Decreto nº 9.246/2017, o indulto dependeria do cumprimento mínimo de 1/3 da pena e

só se aplicaria aos casos em que a condenação não for superior a oito anos, balizas que

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condicionariam a interpretação do inciso I do § 1º do art. 2º do Decreto nº 9.246/2017;

iii) suspender o art. 10 do Decreto nº 9.246/2017, que trata do indulto da multa, por

violação ao princípio da moralidade, ao princípio da separação dos Poderes e desviar-se

das finalidades do instituto do indulto, ressalvadas as hipóteses de (a) extrema carência

material do apenado (que nem sequer tenha tido condições de firmar compromisso de

parcelamento do débito, na forma da legislação de regência); ou (b) de valor da multa

inferior ao mínimo fixado em ato do Ministro da Fazenda para a inscrição de débitos em

Dívida Ativa da União (atualmente disposto inciso I do art. 1º da Portaria nº 75, de

22.03.2012, do Ministro da Fazenda); iv) suspender o art. 8º, I e III, do Decreto nº

9.246/2017, que estabelecem a aplicabilidade do indulto àqueles que tiveram a pena

privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos e aos beneficiados pela

suspensão condicional do processo, em razão da incompatibilidade com os fins

constitucionais do indulto e por violação ao princípio da separação dos Poderes; v)

suspender o art. 11, II, do Decreto nº 9.246/2017, por conceder indulto na pendência de

recurso da acusação e antes, portanto, da fixação final da pena, em violação do princípio

da razoabilidade e da separação dos Poderes.

2. Das graves implicações do reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto

de indulto e comutação de penas.

A concessão de indulto e a comutação de penas é de competência privativa do

Presidente da República (art. 84, XII, da Constituição da República).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta

de Inconstitucionalidade 2.795, definiu que a concessão de indulto aos condenados a

penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do

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Presidente da República, ressalvando apenas a observância da vedação prevista no

inciso XLIII do artigo 5º, constitucionalmente prevista.

Eis trecho do voto do Relator, Min. Maurício Correa, sem grifo no original:

Como se sabe, o tradicional indulto natalino traduz-se em cumprimento à

competência constitucional reservada ao Presidente da República (CF, artigo 84, XII),

que encontra limite apenas na vedação do artigo 5º, XLIII, da Carta Federal, razão

pela qual não pode o ato ser considerado contrário à garantia social de segurança.

Portanto, a discricionariedade do Presidente da República encontra limitação

apenas no inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República.

Censurar a discricionariedade do Presidente da República fora desses limites

constitucionais desestabiliza, de forma inexorável, a independência e harmonia dos

Poderes (art. 2º da Constituição da República).

Além disso, é questionável a possibilidade de se adotar as técnicas de

interpretação conforme ou de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução

de texto fora dos limites constitucionais estabelecidos pelo inciso XLIII do art. 5º da

Constituição da República.

Mediante essas técnicas, há não apenas a censura ao exercício da competência

prevista no art. 84, XII, da Constituição da República, atribuída ao Presidente da

República, mas a própria avocação do exercício da competência privativa presidencial

pelo Supremo Tribunal Federal, que passa a delinear as regras de indulto e comutação.

Há outro ponto a ser enfrentado.

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No caso, a declaração de inconstitucionalidade pretendida pela requerente

conduziria a uma situação ainda mais afastada dos parâmetros constitucionais do que

aquela que se pretende remediar com a declaração de inconstitucionalidade.

Essa discussão não é nova nessa Suprema Corte. No julgamento da ADI 1.458, o

Supremo Tribunal Federal, embora reconhecendo que a medida provisória que instituíra

o salário mínimo era inconstitucional, pois o valor fixado era incapaz de atender as

necessidades vitais básicas do trabalhador, não retirou a regra do ordenamento jurídico.

Alegou que a retirada da regra do ordenamento importaria reviver a legislação anterior

revogada. Na hipótese analisada, haveria uma redução do valor do salário mínimo,

agravando-se ainda mais o estado deplorável de extensos segmentos da formação social

brasileira.

Nesse sentido, é importante projetar o quadro normativo do Decreto 9.246/17

sem a vigência do artigo 1º, I, do artigo 2º, § 1º, I, e dos artigos 8º, 10 e 11, dispositivos

que são objeto de questionamento na presente ação.

No caso, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, §

1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a concessão de indulto a pessoas que tenham

praticado crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa em geral. Portanto, de

forma absolutamente desproporcional, estarão alijados do indulto delitos menos graves,

enquanto o indulto poderá ser concedido para crimes praticados com grave ameaça ou

violência à pessoa (art. 1º, II e III) ou mesmo para delitos sem violência ou grave ameaça

específicos, como o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 (art.

1º, IV) e crimes contra o patrimônio (art. 1º, VI e VII).

De igual modo, será excluída a possibilidade de concessão de indulto e de

comutação de pena à pessoa que teve a pena privativa de liberdade substituída por

restritiva de direitos (art. 8º, I), esteja cumprindo a pena em regime aberto (art. 8º, II),

tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo (art. 8º, III) ou esteja

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em livramento condicional (art. 8º, IV). Subsistirá, todavia, também de forma

desproporcional, a possibilidade de concessão de indulto e da comutação em favor de

pessoas em situação mais gravosa, ou seja, submetidas ao regime fechado ou semiaberto.

Ainda que eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 8º do Decreto

9.246/17 possa gerar um quadro normativo que não impeça o indulto ou a comutação

em favor de quem esteja sob regime aberto, por não haver restrição de regime nas

hipóteses do art. 1º, ou mesmo de quem esteja sob livramento condicional, porque

subsistirá o art. 1º, V, é possível que venha a ser adotada a interpretação iníqua antes

aventada.

O art. 10 estabelece duas regras: i) extensão do indulto ou comutação à pena de

multa aplicada cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos

na Dívida Ativa da União (caput); ii) concessão do indulto independentemente do

pagamento do valor da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de

condenação pecuniária de qualquer natureza.

A prevalecer a declaração de inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto

9.246/17, despontarão duas consequências: i) o indulto ou a comutação de pena não

alcançará a pena de multa aplicada cumulativamente; ii) a concessão do indulto ficará

condicionada ao pagamento do valor da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa,

ou do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza.

Na primeira hipótese, pessoas de baixa renda, que eventualmente não possam

arcar com a multa cumulativa, mesmo que tenham indultada ou comutada a pena de

prisão, mais grave, prosseguirão a experimentar os efeitos da sanção menos grave, a

multa. Em termos de proporcionalidade, não há como sustentar que a pena mais grave

seja indultada ou comutada, e a pena mais branda, não.

Não raro, assistidos da Defensoria Pública da União têm enfrentado dificuldades

na sua reinserção ao mercado laboral em virtude de constar, em seus antecedentes, dívida

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(ainda que de valor) não adimplida. Muitas vezes a quantia é irrisória. Porém, os

assistidos findam por carregar as consequências da pena até o decurso do prazo

prescricional, uma vez que, ordinariamente, não apresentam força financeira para

satisfazer o débito.

Na segunda hipótese, a concessão do indulto estará condicionada ao pagamento

da multa, aplicada isolada ou cumulativamente, ou de valor de condenação pecuniária

de qualquer natureza. Esse quadro é absolutamente indesejável para pessoas de baixa

renda que, em razão do poder aquisitivo, não terão acesso ao indulto. Nada poderia

revelar com maior ardor a seletividade do Direito Penal.

Em verdade, prevaleceriam, na segunda hipótese conjecturada, apenas os incisos

VI e VII do art. 1º. Como consequência, subsistiria a possibilidade de demonstrar a

incapacidade econômica de reparar o dano apenas em hipóteses específicas de crimes

contra o patrimônio sem grave ameaça ou violência à pessoa. Para todos os demais

delitos, o poder aquisitivo seria determinante para a concessão do indulto.

A declaração de inconstitucionalidade do art. 11 do Decreto 9.246/17 conduziria

a dois efeitos absolutamente indesejáveis: i) o indulto ou a comutação exigiriam o

trânsito em julgado da condenação; ii) a simples existência de outra incidência criminal

poderia afastar o indulto ou a comutação.

Além de representar um retrocesso, por exemplo, em relação ao estabelecido no

art. 6º do Decreto 8.615/2015, a exigência de trânsito em julgado da condenação

deixaria, de forma iníqua, de contemplar hipóteses em que, embora ausente o trânsito

em julgado, já não mais haja a possibilidade de exacerbação da pena aplicada. Em outros

termos: seriam deixadas de lado hipóteses em que esteja configurado um teto da pena

aplicada.

A possibilidade de a existência de outra incidência criminal afastar o indulto ou

a comutação constituiria verdadeira afronta à presunção de inocência (art. 5º, LVII, da

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Constituição da República), mesmo na conformação atual atribuída pelo STF, que

limitou a garantia até a condenação em segunda instância, permitindo, a partir de então,

o cumprimento imediato da pena de prisão1.

Por essas razões, revelando-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I,

do art. 2º, § 1º, I, e dos arts. 8º, 10 e 11 do Decreto 9.246/2017 mais distante do texto

constitucional do que a própria regra contida nos dispositivos impugnados, deverá ser

julgado improcedente o pedido.

3. Do grave impacto do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do

art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/17, na Justiça Militar da União.

Como dito, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, §

1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a concessão de indulto a pessoas que tenham

praticado crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa em geral.

Sabidamente, a substituição da pena privativa de liberdade, prevista no art. 44 do

Código Penal, não é aplicável aos delitos militares. Esse entendimento está pacificado

no âmbito dessa Suprema Corte (ARE 779.938 AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Segunda

Turma, j. em 5/8/2014; ARE 700.012 ED/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma,

j. em 25/9/2012; HC 94.083/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em

9/2/2010; HC 91.709/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 16/12/2008).

Em verdade, como medida alternativa à pena de prisão aplicada, é possível, no

âmbito da Justiça Militar, em regra, que o réu se beneficie apenas da suspensão

condicional da pena, prevista no art. 84 do Código Penal Militar, quando lhe for imposta

1 É importante registrar que a Defensoria Pública da União, nem de longe, está a anuir com a mencionada

conformação da presunção de inocência. Teve, inclusive, a possibilidade de defender a necessidade de trânsito em

julgado para a prisão no julgamento da medida cautelar nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.

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sanção não superior a 2 anos. Na hipótese de aplicação de penas que variem entre mais

de 2 anos e 4 anos, ausente a possibilidade de substituição da sanção corporal por penas

restritivas de direitos, resta apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão.

Todavia, de acordo com o art. 88 do Código Penal Militar, a suspensão

condicional da pena é vedada nas seguintes hipóteses: i) ao condenado por crime

cometido em tempo de guerra; ii) em tempo de paz, nos crimes contra a segurança

nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de

serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de

insubordinação, de deserção, nos crimes de desrespeito a superior e a símbolo nacional

ou a farda, pederastia ou outros atos de libidinagem e de receita ilegal.

Destaca-se, nesse rol, o crime de deserção, que vem se revelando, há anos, como

o delito de maior incidência na Justiça Militar da União. No período de 2002 a 2012,

representava 24,9% do total2; apenas no ano de 2012, 33,6%3; no período de 2013 a

junho de 2014, 27,36%4.

Em verdade, consideradas a inaplicabilidade da substituição da sanção corporal

por penas restritivas de direitos e a vedação à concessão de sursis da pena, a única

medida despenalizadora aplicável à deserção é o indulto. Todavia, o reconhecimento da

inconstitucionalidade do art. 1º, I, e do art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/17, impedirá a

concessão de indulto nos delitos de deserção. Como consequência, será inviabilizada a

concessão de indulto na terça parte dos crimes incidentes na Justiça Militar da União.

2 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório

da 2ª fase – pesquisa por amostragem probabilística dos crimes de maior incidência na Justiça Militar da União,

deserção, elaborado pelo Centro de Estudos Judiciários do Superior Tribunal Militar, 2015, p. 9. Disponível em

https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim. 3 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório

da 1ª fase – análise dos dados do sistema de acompanhamento de processos da Justiça Militar (SAM), elaborado

pelo Centro de Estudos Judiciários do Superior Tribunal Militar, 2014, p. 10. Disponível em

https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim. 4 Pesquisa institucional sobre condutas criminosas de maior incidência para a Justiça Militar da União, relatório

complementar da 1ª fase – análise dos dados do sistema de acompanhamento de processos da Justiça Militar –

SAM, relativos ao ano de 2013 e ao 1º semestre de 2014. Disponível em https://www.stm.jus.br/enajum/pccrim.

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4. Das justificativas para a redução do tempo de cumprimento de pena para fins

de concessão de indulto (art. 1º, I, c/c art. 2º, § 1º, I, do Decreto 9.246/2017).

Examine-se, de forma pontual e isolada, um dos temas apreciados pelo Relator

em sede cautelar: a redução do prazo mínimo de cumprimento da pena para 1/5.

Segundo a petição inicial, até o Decreto 8.615/2015, utilizava-se a fração de 1/3

da pena aplicada para a obtenção do indulto. O Decreto 8.940/2016 adotou a fração de

1/4. Por sua vez, o Decreto 9.246/2017 utilizou a fração de 1/5.

Essa redução do tempo de cumprimento de pena é plenamente justificável.

O art. 1º, I, do Decreto 9.246/2017, ora em debate, diz respeito a crimes

praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, excetuados os crimes, nos mesmos

moldes, perpetrados contra o patrimônio, que estão abrangidos pelos incisos VI e VII, e

o tráfico privilegiado, abrangido pelo inciso IV, dispositivos legais que não são objeto

da presente ação.

Em 9/9/2015, foi deferida em parte liminar nos autos da ADPF 347 MC,

destacando-se os seguintes pontos: i) reconhecimento do estado de coisas

inconstitucional do sistema carcerário, em razão da violação massiva e persistente de

direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas;

ii) determinação de liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional; iii)

determinação de realização de audiências de custódia, em até 90 dias.

Esse inegável avanço jurisdicional não apresentou significativos reflexos na

realidade das coisas, certamente por motivos alheios a essa Suprema Corte, que, pela

decisão proferida, pavimentou o caminho para que mudanças pudessem ocorrer.

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O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, datado de dezembro

de 2014, identificava, no Brasil, uma população prisional de 622.202 pessoas5. À época,

o Brasil figurava como o quarto país com a maior população prisional do mundo.

Identificava-se, também, uma taxa de 306 pessoas presas por 100 mil habitantes,

situando-se o Brasil, em termos relativos, na sexta posição6. De acordo com o

Levantamento de dezembro de 2014, as sentenças de pessoas presas pelos delitos

abrangidos pelo inciso I somavam aproximadamente 7%, incluindo-se os crimes do

Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), tais como o porte ilegal de arma de fogo

de uso permitido, o disparo de arma de fogo, a posse ou porte ilegal de arma de fogo de

uso restrito, o comércio ilegal de arma de fogo, o tráfico internacional de arma de fogo

(5%), e o crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal (2%).

Adotou-se a nomenclatura genérica “Outros”, a abranger possivelmente delitos

abrangidos pelo inciso I, representativa de 10%7.

O Levantamento de dezembro de 2015 apontou um aumento para 698.618

pessoas privadas de liberdade no Brasil, elevando o País para a terceira maior população

carcerária do mundo8. Houve um incremento para 341,7 pessoas presas para cada 100

mil habitantes9.

Esse Levantamento primou por um maior detalhamento dos tipos penais

relacionados às pessoas privadas de liberdade.

No grupo “Outros – não listados acima entre os artigos 122 e 154-A”, que abrange

os delitos desse intervalo, à exceção do homicídio simples, homicídio culposo,

homicídio qualificado, aborto, lesão corporal, violência doméstica e sequestro e cárcere

privado, há crimes que poderiam ser contemplados pelo inciso I. Nesse grupo,

5 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de dezembro de 2014, p. 14. 6 Idem, p. 15. 7 Idem, p. 34. 8 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de dezembro de 2015, pp. 7 e 9. 9 Idem, p. 15

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identificam-se 3.799 pessoas privadas de liberdade. Outros grupos abrangidos pelo

inciso I: i) quadrilha ou bando (art. 288) – 10.054 pessoas; ii) crimes contra a fé pública

– 4.843 pessoas; iii) crimes contra a Administração Pública – 1.564 pessoas; iv) Estatuto

do Desarmamento – 31.654 pessoas. É possível mencionar, também, o grupo “Outros

(Art. 303 a 312)”, referente a crimes de trânsito previstos na Lei 9.503/1997. Esse

intervalo também envolve crimes abrangidos pelo inciso I. Nesse grupo, identificam-se

1.888 pessoas. De igual modo, o grupo “Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069, de 13/01/1990)” envolve crimes sem violência ou grave ameaça. No total, nesse

grupo, identificam-se 3.668 pessoas. Por fim, há o grupo dos “Crimes contra o Meio

Ambiente (Lei 9.605, de 12/02/1998”, abrangidos pelo inciso I, com 1.085 pessoas

encarceradas10.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de junho de 2016, por

sua vez, indica uma população prisional de 726.712 pessoas e uma taxa de

aprisionamento de 352,6 pessoas para cada 100 mil habitantes11.

Esse Levantamento seguiu os mesmos critérios de detalhamento de tipos penais

de dezembro de 2015.

Eis a descrição dos dados: i) grupo “Outros – não listados acima entre os artigos

122 e 154-A”, que abrange os delitos desse intervalo, à exceção do homicídio simples,

homicídio culposo, homicídio qualificado, aborto, lesão corporal, violência doméstica e

sequestro e cárcere privado - 4.866 pessoas; ii) quadrilha ou bando (art. 288) – 10.083

pessoas; iii) crimes contra a fé pública – 4.237 pessoas; iv) crimes contra a

Administração Pública – 1.595 pessoas; v) Estatuto do Desarmamento – 32.115 pessoas;

vi) grupo “Outros (Art. 303 a 312)”, referente a crimes de trânsito previstos na Lei

9.503/1997 – 1.786 pessoas; vii) grupo “Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

10 Idem, pp. 50-51. 11 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de junho de 2016, p. 7.

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8.069, de 13/01/1990)” – 3.865 pessoas; viii) crimes contra o meio ambiente – 156

pessoas12.

Portanto, é possível afirmar que o deferimento parcial da liminar na ADPF 347

MC não teve o efeito de estancar o incremento da população carcerária, apesar da valiosa

contribuição dessa Suprema Corte para o tema e por motivos alheios ao STF. Houve,

em verdade, um gradativo aumento da população carcerária em termos absolutos e da

taxa de aprisionamento. Houve, ademais, um incremento da população carcerária

envolvida com crimes sem violência ou grave ameaça potencialmente abrangidos pelo

inciso I.

Por esses motivos, é perfeitamente justificável a adoção, pelo Presidente da

República, da medida de desencarceramento representada pelo abrandamento da fração

de cumprimento de pena.

O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário, por

si só, recomenda a adoção de medidas concretas de redução da população carcerária,

mormente em relação a crimes sem violência ou grave ameaça, tais como os abarcados

pelo inciso I. Do contrário, a decisão vanguardista adotada na ADPF 347 MC não

impactará a realidade das coisas.

Acrescente-se que o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do

sistema carcerário é suficiente para considerar que o cumprimento de um dia de prisão

no Brasil, ordinariamente em condições subumanas, equivale, pelo sofrimento imposto

ao detento, a mais de um dia de prisão em condições aceitáveis.

O próprio Relator da presente ADI, ao julgar o RE 580.252, correspondente ao

Tema 365 da sistemática da repercussão geral, que versava sobre a responsabilidade do

Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária, sugeriu que a reparação

ocorresse, preferencialmente, por meio não pecuniário, consistente na remição de 1 dia

12 Idem, pp. 41-42.

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de pena por cada 3 a 7 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade

humana. Portanto, o próprio Relator da presente ADI já admitiu que um dia de

cumprimento de pena em condições subumanas – e essa é a regra no Brasil, haja vista a

ADPF 347 MC – corresponde a um intervalo de 3 a 7 dias de cumprimento de pena em

condições normais.

Nesse sentido, parece perfeitamente plausível admitir que, dados o contexto de

reconhecimento do estado de coisas inconstitucional e a própria sugestão de reparação

formulada pelo Relator da presente ADI ao julgar o RE 580.252, a fração de 1/5 poderá

corresponder, em verdade, a um intervalo de 3/5 a 7/5 da pena. Portanto, representará,

no mínimo, o cumprimento de mais da metade da pena imposta, senão o cumprimento

integral da sanção com sobras.

5. Das justificativas para a concessão de indulto e comutação de pena nas hipóteses

do art. 8º do Decreto 9.246/2017.

Na petição inicial, registra-se que haveria proteção deficiente ao admitir-se

indulto e comutação de pena nas seguintes condições do art. 8º do Decreto 9.246/2017:

i) pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos; ii) cumprimento da

pena em regime aberto; iii) suspensão condicional do processo; iv) livramento

condicional.

Segundo a autora, essas hipóteses já revelariam benefício em favor condenado,

razão pela qual um novo benefício – o indulto ou a comutação – apontaria para a

proteção deficiente.

Ora, o raciocínio proposto pela Defensoria Pública da União é justamente o

inverso: se o condenado ou réu logrou algum dos benefícios descritos no art. 8º do

Decreto 9.246/2017, habilitar-se-á, com maior razão, para o indulto ou a comutação.

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Sob o viés da proporcionalidade, a resposta penal mais branda, certamente associada a

uma conduta de menor lesividade, deverá encorajar, e não limitar, novo benefício.

Inadmitir o indulto ou a comutação para pessoa beneficiada com a substituição

da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos poderia conduzir a uma situação

paradoxal. Poderia haver hipóteses em que, para obter o indulto ou a comutação, revelar-

se-ia mais vantajoso para o réu ter aplicada a pena privativa de liberdade. Nesse sentido,

o inciso I do art. 8º do Decreto 9.246/2017 supera esse absurdo lógico.

Limitar a concessão de indulto ou comutação às hipóteses de aplicação da pena

privativa de liberdade transmite a ideia de que esta modalidade de pena, e não a restritiva

de direitos, seria passível de promover a ressocialização. Afinal, apenas na modalidade

de pena privativa de liberdade, poderia haver o retorno antecipado ao convívio social.

Nada obstante, sabemos todos que a realidade carcerária desencoraja qualquer

compreensão nesse sentido.

Acrescente-se que toda pena restritiva de direitos já foi, mesmo no plano abstrato

(ou, se se preferir, nas etapas primevas de aplicação da pena), pena privativa de

liberdade. Por questões de política criminal que se assentam na constatação empírica da

ineficácia da pena privativa de liberdade, os ordenamentos jurídicos democráticos têm

prestigiado a ideia das penas restritivas de direito como sanções adequadas e suficientes.

Importa destacar que, em data recente, nos autos do RE 1.090.895, o Eminente

Ministro Ricardo Lewandowski proveu recurso extraordinário interposto pela

Defensoria Pública da União em que se pedia a concessão de indulto a condenado a pena

restritiva de direitos13.

13 Eis a íntegra da decisão: “Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que possui a seguinte

ementa: “AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. ART. 1º, XIV, DO DECRETO Nº 8.615/15.

INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA CORTE ESPECIAL DESTE TRF. REVOGAÇÃO DO

BENEFÍCIO E DA CONSEQUENTE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CUMPRIMENTO DA PENA.

CONTINUIDADE. Declarada a inconstitucionalidade do art. 1º, XIV, do Decreto nº 8.615/2015 pela Corte

Especial deste Tribunal, impõe-se afastar a indevida concessão de indulto e a consequente extinção da

punibilidade, de modo que o apenado cumpra o restante da pena que lhe foi imposta” (pág. 1 do documento

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Não se cuida de entendimento isolado. Em verdade, a referida decisão invocou

julgado do Plenário do STF, proferido nos autos do RE 628.658, correspondente ao

Tema 371 da sistemática da repercussão geral. Nesse julgado, ficou estabelecido que,

sendo a medida de segurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no

tempo exigido para o indulto14.

eletrônico 8). Neste RE, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição Federal, alega-se violação aos arts.

2°; 5°, XLVI; 62, § 1°, b; e 84, XII, da mesma Carta. A pretensão recursal merece acolhida. Primeiramente, tem

sido firmada nesta Corte a orientação de que a concessão do indulto por meio de decreto presidencial configura

ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade, logo, não há falar em ofensa constitucional. Nesse

sentido: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO FEDERAL. INDULTO. LIMITES.

CONDENADOS PELOS CRIMES PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR

DEFERIDA. 1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do

poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5° da Carta

da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação

de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 2. Revela-se

inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura,

terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação.

Interpretação conforme a Constituição dada ao § 2° do artigo 7° do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua

aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. Referendada a cautelar deferida pelo Ministro

Vice-Presidente no período de férias forenses” (ADI 2795-MC/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa). “INDULTO –

CONDIÇÃO. O indulto está no campo da discricionariedade, razão pela qual é possível a imposição de condições

para tê-lo como aperfeiçoado, presente a harmonia com a Constituição Federal” (HC 84.829/PR, Rel. Min. Marco

Aurélio). “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA.

EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. CRIME HEDIONDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XLII, E 84,

XII, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA ILEGALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE

DA LEI 8.072/90 E DO DECRETO 5.993/06. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE FAVORES QUE SE

INSEREM NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. NÃO-CABIMENTO DE HC

CONTRA LEI EM TESE. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA I - Não cabe habeas corpus contra ato normativo

em tese. II - O inciso I do art. 2º da Lei 8.072/90 retira seu fundamento de validade diretamente do art. 5º, XLII,

da Constituição Federal. III - O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é

espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. IV - O decreto

presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade. V -

Habeas corpus não conhecido.” (HC 90.364/MG, de minha relatoria). Ademais, o entendimento deste Supremo

Tribunal, formalizado sob a sistemática da Repercussão Geral, no RE 628.658/RS (Tema 371), de relatoria do

Ministro Marco Aurélio, é no sentido de que o indulto abrange, indistintamente, todas as espécies de sanção penal.

Assim, em razão do caráter sancionatório das penas restritivas de direito, estas também podem ser abrangidas pelo

indulto. Nessa linha, cito as seguintes decisões: RE 1.117.354/PR, de relatoria do Ministro Dias Toffoli; RE

991.265/DF, de relatoria do Ministro Roberto Barroso; RE 920.826/PE, de relatoria do Ministro Edson Fachin.

Isso posto, dou provimento a este recurso para restabelecer a decisão de primeira instância que concedeu o

benefício do indulto ao ora recorrente e por consequência declarou extinta a sua punibilidade, com fundamento no

art. 107, II, do Código Penal (art. 21, § 1°, do RISTF). Publique-se. Brasília, 31 de agosto de 2018. Ministro

Ricardo Lewandowski Relator” (RE 1090895, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em

31/08/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 04/09/2018 PUBLIC 05/09/2018) 14

Eis a ementa do julgado: “INDULTO – MEDIDA DE SEGURANÇA – TEMPO – CONSIDERAÇÃO. Sendo

a medida de segurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no tempo exigido para o indulto”. (RE

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Ora, se a medida de segurança, que decorre de absolvição imprópria, é

considerada no tempo exigido para a concessão de indulto, com muito mais razão o

mesmo entendimento deverá ser aplicado à pena restritiva de direitos. Foi exatamente

essa a linha adotada pelo Eminente Ministro Roberto Barroso, ao apreciar o RE 991.265,

sob sua relatoria15.

Sobre o cumprimento de pena em regime aberto, as próprias hipóteses de indulto

e comutação (art. 1º c/c art. 2º e art. 7º do Decreto) não estabelecem qualquer restrição

de regime. Portanto, o inciso II do art. 8º do Decreto apenas explicitou algo que já consta

no Decreto e que permaneceria consagrado em dispositivos que não foram questionados.

Além disso, seria absolutamente indesejável conduzir-se ao paradoxo de a

progressão de regime prejudicar o condenado ou, em outros termos, ser mais vantajoso

para o condenado permanecer no regime fechado ou semiaberto para que possa obter o

indulto ou a comutação.

Beneficiar com o indulto ou comutação alguém que já obteve a suspensão

condicional do processo constitui salutar novidade.

Uma vez que o benefício do sursis processual destina-se a crimes com pena

mínima cominada igual ou inferior a um ano (art. 89 da Lei 9.099/95), pautando-se,

628658, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO

ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-059 DIVULG 31-03-2016 PUBLIC 01-04-2016) 15 Transcreve-se o seguinte excerto: “Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, assim ementado: “RECURSO DE AGRAVO. INDULTO PLENO.

TRÁFICO DE DROGAS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE

DIREITOS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1. A concessão do indulto aos condenados por

tráfico de drogas é possível, nos termos do Decreto nº 8.380/2014, quando a pena privativa de liberdade imposta

foi substituída por restritivas de direito e o réu cumpriu, até 25.12.2014, ¼ da reprimenda, se primário, e 1/3, se

reincidente. 2. Recurso conhecido e provido.” (...) Cabe ressaltar que “no julgamento do RE 628.658 (sessão de

05.11.2015), submetido à sistemática da repercussão geral, esta Corte entendeu, à luz do art. 84, XII, da CF, que a

concessão de indulto abrange todas as espécies de sanção penal, inclusive medida de segurança. Ora, o caráter

sancionatório das penas restritivas de direitos é indubitável e, por conseguinte, podem ser abrangidas pelo benefício

do indulto, a depender exclusivamente da política criminal instituída pelo Chefe do Executivo, respeitados os

limites constitucionais (inciso XLIII do art. 5º)” (RE 920.826, Rel. Min. Edson Fachin). (...)” (RE 991265,

Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 19/09/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-

203 DIVULG 22/09/2016 PUBLIC 23/09/2016)

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portanto, pela pena mínima, é perfeitamente possível admitir, antes da aceitação da

proposta de suspensão, que o réu tenha sido submetido a eventual prisão preventiva,

aplicável em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior

a 4 anos (art. 313, I, do Código de Processo Penal). Significa dizer: ressalvada eventual

sensibilidade do magistrado pela proporcionalidade, o sistema legal estrito admite a

imposição de prisão preventiva em casos que se anunciem como passíveis de suspensão

condicional do processo. Além disso, haverá hipóteses de desclassificação no

recebimento da denúncia. O crime inicialmente imputado poderá transmudar-se em

outro, quando do recebimento da denúncia, para fins de se provocar a oferta da

suspensão condicional do processo.

Nesse contexto, conclui-se que, imposta a prisão preventiva, poderá ter cumprido

pena aquele que se submeteu à suspensão condicional do processo. Tanto é verdade que,

se tiver revogada a suspensão e vier a ser condenado, haverá a detração da prisão

preventiva. Assim, poderá haver hipóteses em que, submetendo-se à prisão preventiva e

aceitando a suspensão, o réu venha a ser impedido, por força do benefício aceito, a obter

o indulto ou a comutação. Constitui paradoxo exigir, nesses casos, que abdique da

suspensão para obter eventual indulto.

As hipóteses de indulto e comutação (art. 1º c/c art. 2º e art. 7º do Decreto) não

estabelecem qualquer restrição ao fato de a pessoa estar a cumprir o livramento

condicional. Aliás, há menções pontuais ao livramento condicional que reforçam a

compreensão de que o benefício não é impeditivo ao indulto ou à comutação (art. 2º, V,

e art. 4º, IV, do Decreto). Portanto, o inciso IV do art. 8º do Decreto apenas explicitou

algo que já consta no Decreto e que permaneceria consagrado em dispositivos que não

foram questionados.

Além disso, seria absolutamente indesejável conduzir-se ao paradoxo de o

livramento condicional prejudicar o condenado ou, em outros termos, ser mais vantajoso

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para o condenado permanecer nos regimes fechado, semiaberto ou aberto para que possa

obter o indulto ou a comutação.

6. Das justificativas para a manutenção do art. 10 do Decreto 9.246/2017. Da

atribuição subsidiária de interpretação conforme ao art. 10 do Decreto 9.246/2017.

No item 2, argumentamos que o puro e simples reconhecimento da

inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto 9.246/17 conduziria a duas consequências:

i) o indulto ou a comutação de pena não alcançaria a pena de multa aplicada

cumulativamente; ii) a concessão do indulto ficaria condicionada ao pagamento do valor

da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de condenação

pecuniária de qualquer natureza.

Em qualquer das hipóteses, pessoas de baixa renda seriam prejudicadas. Na

primeira, embora gozando do indulto ou comutação da pena privativa de liberdade,

prosseguiriam a experimentar os efeitos da pena menos grave, a multa. Na segunda, a

condição econômica seria determinante para a obtenção ou não do indulto.

Além disso, é questionável a possibilidade de se estabelecer as técnicas de

interpretação conforme ou de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução

de texto em decreto de indulto. Essas técnicas equivaleriam não apenas a censurar o

exercício da competência prevista no art. 84, XII, da Constituição da República,

atribuída ao Presidente da República, mas consistiriam no próprio exercício da

competência privativa por parte do Supremo Tribunal Federal. Essa Suprema Corte, em

verdade, delinearia as regras de indulto e comutação.

Por essas razões, a melhor solução é efetivamente o reconhecimento da

constitucionalidade do art. 10 do Decreto 9.246/2017.

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Nada obstante, subsidiariamente, apenas para argumentar, para a hipótese de não

se optar pelo simples reconhecimento da constitucionalidade do art. 10 do Decreto

9.246/2017, propõe-se a atribuição de interpretação conforme, para que i) o indulto ou

a comutação alcancem a pena de multa aplicada cumulativamente, quando caracterizada

a incapacidade econômica de pagá-la, e ii) o indulto seja concedido independentemente

do pagamento da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou do valor de

condenação pecuniária de qualquer natureza, quando ficar caracterizada a incapacidade

econômica de arcar com tais valores.

Essa interpretação resguardaria a igualdade material, na medida em que afastaria

qualquer óbice puramente econômico para o indulto ou a comutação da pena de multa

aplicada cumulativamente ou para a própria concessão do indulto.

Em outro feito, examinando o parágrafo único do art. 7º do Decreto 8.380/2014,

o Relator da presente ADI, com o aval do Plenário, destacou que a inadimplência da

pena de multa cumulada com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos não

impediria a declaração do indulto ou da comutação das penas, quando comprovada a

extrema carência econômica do condenado (EP 11 IndCom-AgR/DF, Rel. Min. Roberto

Barroso, Plenário, j. em 8/11/2017).

7. Das justificativas para a manutenção do art. 11 do Decreto 9.246/2017.

O art. 11 do Decreto 9.246/2017 prevê o cabimento do indulto e da comutação

nos seguintes casos: i) sentença transitada em julgado apenas para a acusação; ii)

pendência de recurso da acusação após a apreciação em segunda instância; iii) a pessoa

responda a outro processo criminal sem decisão condenatória em segunda instância por

qualquer delito; iv) a guia de recolhimento não tenha sido expedida.

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No primeiro caso, prevê-se a possibilidade de indulto ou comutação quando já

exista um teto de pena estabelecido, considerado o trânsito em julgado para a acusação.

Não haveria razão para aguardar o trânsito em julgado, se é possível antever a pena

máxima que será imposta.

No segundo caso, mesmo na pendência de recurso da acusação, já se identifica

pronunciamento em segunda instância. Está-se a observar, nessa hipótese, o princípio

da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição da República), na conformação

atual atribuída pelo STF, que limitou a garantia até a condenação em segunda instância,

permitindo, a partir de então, o cumprimento imediato da pena de prisão.

No terceiro caso, permitiu-se o indulto ou a comutação, quando houver outro

processo criminal em que não haja decisão condenatória de segunda instância. Da

mesma forma, o preceito está orientado pelo princípio da presunção de inocência, na

conformação atual atribuída pelo STF. Significa dizer: só a existência de condenação de

segunda instância poderá levar ao impedimento para a fruição dos benefícios.

O quarto caso prevê a concessão do indulto ou comutação, ainda que a guia de

recolhimento não tenha sido expedida. A expedição da guia de recolhimento é

circunstância acidental que não constitui, mas apenas formaliza, a imposição da pena.

Assim, cuida-se de circunstância indiferente ao indulto ou à comutação.

8. Da conclusão.

A manifestação da Defensoria Pública da União é pelo reconhecimento da

constitucionalidade dos dispositivos impugnados. Quanto ao art. 10 do Decreto

9.246/2017, subsidiariamente, propõe-se a atribuição de interpretação conforme, para

que i) o indulto ou a comutação alcancem a pena de multa aplicada cumulativamente,

quando caracterizada a incapacidade econômica de pagá-la, e ii) o indulto seja

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concedido independentemente do pagamento da multa, aplicada de forma isolada ou

cumulativa, ou do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza, quando ficar

caracterizada a incapacidade econômica de arcar com tais valores.

9. Dos pedidos.

Ante o exposto, requer-se:

a) o reconhecimento da constitucionalidade dos dispositivos do Decreto

9.246/2017 impugnados na presente ação direta de inconstitucionalidade;

b) quanto ao art. 10 do Decreto 9.246/2017, subsidiariamente, a atribuição de

interpretação conforme, para que i) o indulto ou a comutação alcancem a pena de multa

aplicada cumulativamente, quando caracterizada a incapacidade econômica de pagá-la,

e ii) o indulto seja concedido independentemente do pagamento da multa, aplicada de

forma isolada ou cumulativa, ou do valor de condenação pecuniária de qualquer

natureza, quando ficar caracterizada a incapacidade econômica de arcar com tais

valores.

Nesses termos, pede deferimento.

Brasília, 16 de novembro de 2018.

Gustavo Zortéa da Silva,

Defensor Público Federal de Categoria Especial.