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EXPEDIENTE
Comandante Geral
Cel PM José Carlos Pereira
Subcomandante Geral
Cel PM Paulo Roberto Cabral da Silva
CONSELHO EDITORIAL
Chefe do Estado-Maior Geral
Cel PM Hermes José de Melo
Chefe da 1ª Seção do Estado-Maior Geral
Cel PM José Franklin Barbosa Mendes Leite
Diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa
Cel PM Sósthenes Maia Lemos Júnior
ORGANIZAÇÃO
Chefe da Subseção de Doutrina da 1ª Seção do Estado-Maior Geral
Cap PM Marcelo Martins Ianino
Revisão Ortográfica
Cap PM Fred Jorge Silva de Souza
Apoio Técnico
2º Ten PM José Carlos dos Santos
Nota ao Leitor: Os artigos publicados na Revista DOUTRINAL da PMPE são
de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da
revista nem da Polícia Militar de Pernambuco.
SUMÁRIO
PARTE I
Artigos:
1. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SEGURANÇA PÚBLICA: O “Pacto pela Vida” pernambucano e a proibição de retrocesso social............................06-35
Ten Cel PM - Ney Rodrigo Lima Ribeiro
2. O CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE PERNAMBUCO E O PLANEJAMENTO DE GRANDES EVENTOS: analisado o desfile do Galo da Madrugada como um estudo de caso.....................................................................................36-50 Ten Cel BM - Lamartine Gomes Barbosa e Maj BM - Cristiano Corrêa
3. O USO LEGAL DA FORÇA POLICIAL COMO ELEMENTO GARANTIDOR DOS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ..............51-65
Maj PM - Werner WALTER Heuer Guimarães
4. A DETERMINAÇÃO LEGAL DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME CONTRA VIDA DE CIVIL PRATICADO POR POLICIAL MILITAR EM SERVIÇO....................................................................66-73 Cap PM - Saulo Sitônio
5. A DOUTRINA COMO FATOR DE FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL E
DIRECIONAMENTO DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR...............................74-84 Cap PM - Marcelo Martins Ianino
6. A TRANSVERSALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA NO
ARCABOUÇO NORMATIVO INTERNO DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO A PARTIR DO ANO 2000.......................................................85-93
Cap PM - Petrus Gomes Genuino
7. DESIGUALDADES DE DIREITOS POLÍTICOS E CONSTITUCIONAIS ENTRE MILITARES E CIVIS.......................................................................................94-111
Cap PM - Ednilson José de Barros
8. A CONDUÇÃO COERCITIVA EM SINDICÂNCIAS MILITARES E OUTROS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES..................................112-118 Cap PM - Demétrios Wagner Cavalcanti da Silva
9. A INFLUÊNCIA DO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA POLICIAL NO PROGRAMA
DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTABELECIDO PELO PACTO PELA VIDA COM A REDUÇÃO DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE NO ESTADO...................119-135 1º Ten PM - Flávio Rodrigues Bastos
10. IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA: análise das mudanças organizacionais na 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco..........................................136-158
1º Sgt PM - Flávio da Silva Mendonça
11. REALIDADE DAS PRISÕES E A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO À RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO EM PERNAMBUCO.............................................................................................159-176
Sd PM - Marcos José Dourado Cabral
PARTE II
Repertório jurisprudencial......................................................178-190
PARTE I
Artigos
DOUTRINAL
Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco
Artigo publicado no Vol.03 Nº02 - Edição de JUL a DEZ 2014 - ISSN 2318-3152 - Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal
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DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SEGURANÇA PÚBLICA: o “Pacto pela
Vida” pernambucano e a proibição de retrocesso social.
Ney Rodrigo Lima Ribeiro1
Resumo
O presente artigo tem por objetivo expor pensamentos, por meio de linguagem clara e didática, a respeito do direito fundamental à segurança pública, erigido expressamente à categoria de direito social com o art. 6º da Constituição Federal de 1988, cujo objetivo específico é defender que política pública “pacto pela vida” está sob o manto do princípio da proibição de retrocesso social, para além de protegido e irradiado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Direito fundamental social à segurança pública. Política pública “Pacto pela Vida”. Princípio da proibição de retrocesso social. Princípio da dignidade da pessoa humana.
1 INTRODUÇÃO “Os governos passam, as sociedades
morrem, a polícia é eterna”. Honoré de Balzac - Escritor francês.
Inicialmente, analisando sistematicamente a Carta Magna brasileira de 1988, infere-
se que segurança pública não é só repressão e tampouco é problema apenas de polícia,
notadamente que o poder constituinte originário foi sábio ao estabelecer na parte
introdutória do caput do art. 144 que “a segurança pública é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos”, porquanto a temática exige que a questão seja discutida e
assumida como tarefa precípua e responsabilidade de todos, ressalte-se, Estado e
população.
A locução segurança pública, frise-se, descrita no capitulo III (Da segurança
pública) do Título V (Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas) da Lex
Fundamentalis, trata-se de um dos temas fundamentais do direito, mormente que para o
1 Tenente-Coronel da Polícia Militar de Pernambuco. Mestre e Especialista em Direito Público e Fundamentais
pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Especialista em Direito Público (ESMAPE/FMN).
Especialista em Formação de Educadores (UFRPE).
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Estado, segurança que dizer paz, estabilidade da estrutura das instituições e, sobretudo,
respeito à dignidade da pessoa humana dos cidadãos, enquanto ao indivíduo, segurança
que dizer tranquilidade física e psíquica, bem como o livre desenvolvimento da
personalidade humana, razão pela qual a polícia, por meio dos seus órgãos (art. 144, I
usque V), tem por finalidade “a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio”2.
Nesse particular, considerando que ordem pública tem a noção de ser a ausência
ou a situação de fato oposta à desordem, de atos de violência contra a pessoa, os bens ou
próprio Estado, sendo de natureza essencialmente material e exterior, é indubitável que
cabe à polícia assegurar a boa ordem, diga-se, “a tranquilidade pública, a segurança pública
e a salubridade pública”3.
Ademais, defende-se que o direito à segurança pública trata-se de um direito
fundamental social, insculpido no art. 6º, combinado com o art. 144, incisos I a V, §§ 1º ao
10, todos da Carta Cidadã de 1988, irradiados pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, pelo que para sua concretização exigem-se políticas públicas ousadas,
perspicazes e comprometidas com as funções do Estado, bem assim transversal e
integrada, construída de forma pactuada com a sociedade, em articulação permanente com
o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Assembleia Legislativa, os Municípios e a União,
cujo objetivo é a consecução das metas de efetivação dos direitos fundamentais de todos os
cidadãos, indistintamente.
Por esse ângulo, temos a política pública “Pacto pela Vida”, efetivada no Estado de
Pernambuco no idos de maio de 2007, pelo então Governador do Estado, Eduardo Henrique
Accioly Campos, sendo o primeiro plano estadual de segurança pública, contendo projetos
que incorporam ações de curto, médio e longo prazos, possuindo como escopos prevenir a
violência e reduzir a criminalidade, por intermédio da combinação de ações de repressão
qualificada e prevenção social específica, cuja meta estruturante é a redução dos crimes
violentos letais intencionais (CVLI) ou mortes intencionais violentas (homicídio, lesão
corporal seguida de morte, latrocínio, inclusive auto de resistência), e, por conseguinte,
2 Recorde-se o célebre artigo 12 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “Art. 12 - A
garantia dos direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois, instituída para
vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada”.
3 LAZZARINI, Álvaro. Defesa do Estado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira;
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 1034.
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alcançando nesse interregno, até os dias hodiernos, resultados significativos, destaque-se,
redução dos altos índices de criminalidade que assolavam o Pernambuco, para além de ser
um modelo de programa, ações e atividades públicas reproduzidas por outros Entes
federativos, aliado ao fato dos merecidos e justos reconhecimentos nacional e internacional
(Prêmios ONU4 e BID5).
Cumpre-se registrar que a política pública “Pacto pela Vida” de Pernambuco, por
exemplo, em sete anos, consoante pesquisa junto a Secretaria de Defesa Social (SDS), já
atingiu índices deveras significativos. Confiram-se: a) Investimento, no período de 2007 a
2013, de mais de R$ 606 milhões em segurança pública no Estado, ressalte-se, uma média
de mais de R$ 86,6 milhões por ano, enquanto que no lapso entre 2003 a 2006, apenas
uma média de R$ 24 milhões; b) Já foram instaladas mais de 573 (quinhentas e setenta e
três) câmeras de segurança em todo o Estado; c) Recompletamento do contingente da SDS,
vez que de 2007 a 2013 tomaram posse na SDS mais de 12.781 profissionais de segurança,
sendo 8.030 na Polícia Militar, 2.911 na Polícia Civil, 1.571 no Corpo de Bombeiros e 269 na
Polícia Científica; d) Redução na taxa de crimes violentos letais intencionais (CVLI), sendo o
único Estado da Federação a atingir essa marca em mais de 7 anos consecutivos, e, no
período de 2000 a 2011, uma redução de 30,4%, apesar do cenário adverso, notadamente
quando todos os Estados do Nordeste tiveram um aumento expressivo em números de
CVLI; e) De abril de 2007 a fevereiro de 2014, mais de 8.347 vidas foram salvas no Estado,
corolário do número estimado de CVLI’s que deixaram de ocorrer desde a implantação do
“Pacto pela Vida”; f) Redução no Estado, de 2007 a 2013, de 30,3% na taxa de crimes
violentos contra o patrimônio (CVP) por 100 mil habitantes, enquanto especificamente em
Recife, a redução foi de 46,1%; g) De janeiro de 2009 a 2014 foram apreendidas 37.223
armas de fogo no Estado; h) De agosto de 2009 até janeiro de 2014, a Operação Malhas da
Lei cumpriu 29.546 mandados; i) De janeiro de 2010 a 2014 foram apreendidos mais de 4,9
toneladas de drogas; j) Exatamente no dia 29 de abril de 2013, o alcance histórico do “dia de
zero”, onde Pernambuco celebrou um dia sem que fosse registrado um único óbito violento.
4 Prêmio ONU - o “Pacto pela Vida” em junho de 2013, foi selecionado na categoria “Melhoria na Entrega de
Serviços Públicos” do United Nations Public Services Forum Day and Awards, que premia boas práticas
administrativas desenvolvidas em todo o Mundo.
5 Prêmio BID - o Modelo de Gestão por Resultados do “Pacto pela Vida” em novembro de 2013, foi escolhido na
categoria "Governo Seguro - Boas Práticas em Prevenção do Crime e da Violência”, ganhando o prêmio
"Governarte: a Arte do Bom Governo”.
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Evidentemente, que essa política pública poderá e deve ser dia a dia implementada até o
alcance almejado por todos pernambucanos.
Confiram-se: a) Investimento, no período de 2007 a 2013, de mais de R$ 606
milhões em segurança pública no Estado, ressalte-se, uma média de mais de R$ 86,6
milhões por ano, enquanto que no lapso entre 2003 a 2006, apenas uma média de R$ 24
milhões; b) Já foram instaladas mais de 573 (quinhentas e setenta e três) câmeras de
segurança em todo o Estado; c) Recompletamento do contingente da SDS, vez que de 2007
a 2013 tomaram posse na SDS mais de 12.781 profissionais de segurança, sendo 8.030 na
Polícia Militar, 2.911 na Polícia Civil, 1.571 no Corpo de Bombeiros e 269 na Polícia
Científica; d) Redução na taxa de crimes violentos letais intencionais (CVLI), sendo o único
Estado da Federação a atingir essa marca em mais de 7 anos consecutivos, e, no período
de 2000 a 2011, uma redução de 30,4%, apesar do cenário adverso, notadamente quando
todos os Estados do Nordeste tiveram um aumento expressivo em números de CVLI; e) De
abril de 2007 a fevereiro de 2014, mais de 8.347 vidas foram salvas no Estado, corolário do
número estimado de CVLI’s que deixaram de ocorrer desde a implantação do “Pacto pela
Vida”; f) Redução no Estado, de 2007 a 2013, de 30,3% na taxa de crimes violentos contra o
patrimônio (CVP) por 100 mil habitantes, enquanto especificamente em Recife, a redução foi
de 46,1%; g) De janeiro de 2009 a 2014 foram apreendidas 37.223 armas de fogo no
Estado; h) De agosto de 2009 até janeiro de 2014, a Operação Malhas da Lei cumpriu
29.546 mandados; i) De janeiro de 2010 a 2014 foram apreendidos mais de 4,9 toneladas
de drogas; j) Exatamente no dia 29 de abril de 2013, o alcance histórico do “dia de zero”,
onde Pernambuco celebrou um dia sem que fosse registrado um único óbito violento.
Evidentemente, que essa política pública poderá e deve ser dia a dia implementada até o
alcance almejado por todos pernambucanos. Confiram-se: a) Investimento, no período de
2007 a 2013, de mais de R$ 606 milhões em segurança pública no Estado, ressalte-se, uma
média de mais de R$ 86,6 milhões por ano, enquanto que no lapso entre 2003 a 2006,
apenas uma média de R$ 24 milhões; b) Já foram instaladas mais de 573 (quinhentas e
setenta e três) câmeras de segurança em todo o Estado; c) Recompletamento do
contingente da SDS, vez que de 2007 a 2013 tomaram posse na SDS mais de 12.781
profissionais de segurança, sendo 8.030 na Polícia Militar, 2.911 na Polícia Civil, 1.571 no
Corpo de Bombeiros e 269 na Polícia Científica; d) Redução na taxa de crimes violentos
letais intencionais (CVLI), sendo o único Estado da Federação a atingir essa marca em mais
de 7 anos consecutivos, e, no período de 2000 a 2011, uma redução de 30,4%, apesar do
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cenário adverso, notadamente quando todos os Estados do Nordeste tiveram um aumento
expressivo em números de CVLI; e) De abril de 2007 a fevereiro de 2014, mais de 8.347
vidas foram salvas no Estado, corolário do número estimado de CVLI’s que deixaram de
ocorrer desde a implantação do “Pacto pela Vida”; f) Redução no Estado, de 2007 a 2013,
de 30,3% na taxa de crimes violentos contra o patrimônio (CVP) por 100 mil habitantes,
enquanto especificamente em Recife, a redução foi de 46,1%; g) De janeiro de 2009 a 2014
foram apreendidas 37.223 armas de fogo no Estado; h) De agosto de 2009 até janeiro de
2014, a Operação Malhas da Lei cumpriu 29.546 mandados; i) De janeiro de 2010 a 2014
foram apreendidos mais de 4,9 toneladas de drogas; j) Exatamente no dia 29 de abril de
2013, o alcance histórico do “dia de zero”, onde Pernambuco celebrou um dia sem que
fosse registrado um único óbito violento. Evidentemente, que essa política pública poderá e
deve ser dia a dia implementada até o alcance almejado por todos pernambucanos.
Postas essas breves digressões, o artigo tem como delimitação do objeto o estudo
da problemática jurídica do direito fundamental social à segurança pública, não tendo a
investigação à pretensão de esgotar o complexo estudo, mas será realçada uma breve
contextualização do direito à segurança pública no ordenamento jurídico brasileiro,
pontuando a previsão legal na Lex Fundamentalis, realçando os antecedentes históricos e a
hodierna previsão na Constituição Federal de 1988, assim como considerações preliminares
e o conceito jurídico de políticas públicas, tendo por o objetivo específico fundamentar e
responder: é possível a proibição de retrocesso social do “Pacto pela Vida” pernambucano?
Em sucessivo, apresentar-se-ão as conclusões sumárias que se defende e
bibliografias consultadas.
Outrossim, utilizou-se na construção deste artigo científico o método hipotético-
dedutivo, haja vista que se optou por formular conclusões por intermédio de algumas
conceituações trabalhadas pela doutrina nacional e comparada, buscando aplicá-las aos fins
deste trabalho acadêmico.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
2.1 Previsão legal na Lex Fundamentalis
2.1.1 Antecedentes históricos
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O Brasil, rememore-se, ao longo de sua vida constitucional, participou de um
processo histórico diferenciado, compreendendo quatro constituições democráticas,
livremente votadas e promulgadas pelas devidas Assembleias Constituintes,
designadamente as Cartas de 1891, 1934, 1946 e a vigente de 1988, porém, em
contrapartida, surgiram quatro por intermédio de atos de outorga, precisamente as
Constituições de 1824, 1937, 1967 e a conhecida Emenda Constitucional n.º 1/69 à Lex
Mater de 1967, consoante sinótico a seguir:
a) A Constituição Política do Império do Brazil de 1824, outorgada por D. Pedro
I, em 25 de março, não tratou expressamente de um capítulo dedicado à segurança pública,
apenas fez tímida menção nos seus arts. 21, 34 e 896;
b) A Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil de 1891, a
primeira Carta da República, promulgada em 24 de fevereiro, no governo provisório
instituído por intermédio do Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, chefiado pelo
Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca, tendo como relator o então senador Rui
Barbosa, também não tratou expressamente de um capítulo exclusivo da segurança pública,
mencionou a respeito da polícia noutro viés, no seu art. 34/30;
c) A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934,
promulgada em 16 de julho pelo Presidente Getúlio Vargas, sendo a primeira Carta
brasileira a dispor dos direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 115 usque 158), mesmo
assim não versou sobre o direito à segurança pública (arts. 5º, V e XI, e 1677);
d) A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro 1937,
elaborada por Francisco Campos, conhecida por “Polaca”, vez que foi inspirada na Carta
ditatorial da Polônia, de 1935, portanto, outorgada no período do Estado Novo pelo
Presidente Getúlio Vargas, não previu sobre o direito à segurança pública (arts. 15, IV, VIII,
e 16, V);
e) A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18 de setembro
de 1946, no governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra, cujo texto buscou inspiração em
6 CPIB/1824: “Art. 34. Se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do
Estado, for indispensável, que algum Senador, ou Deputado saia para outra Comissão, a respectiva Câmara o
poderá determinar”. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo
Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013, p. 1584.
7 CREUB/1934: “Art. 167. As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas
vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União”.
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algumas ideias liberais da Carta de 1891 e sociais da de 1934, contudo, proveio da
redemocratização do país, haja vista a queda da era Getúlio Vargas e o fim da Segunda
Guerra Mundial, porém, lamentavelmente, não cuidou do tema segurança pública (arts. 5º,
VII, e 1838);
f) A Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967,
outorgada pelo então Presidente da República Marechal Castelo Branco, no qual editou
previamente o Ato Institucional n.º 4, de 7 de dezembro de 1966, convocando,
extraordinariamente, o Congresso Nacional, no interregno de 12 de dezembro de 1966 a 24
de janeiro de 1967, resultando, assim, na outorga da Carta em evidência, sequer
preocupou-se com o direito à segurança pública (art. 13, VIII, § 4º9);
g) A Emenda Constitucional n.º 1/69 à Constituição de 1967, em apertado
resumo, diante do afastamento por motivo de doença do então Presidente da República
Marechal Arthur da Costa e Silva e com espeque no Ato Institucional n.º 12, de 31 de agosto
de 1969, foi imposta por uma Junta Militar. E mais: esclareça-se que a EC n.º 1/69 foi
baixada pelos militares, vez que na ocasião o Congresso Nacional se encontrava fechado.
Muito bem, no ordenamento brasileiro prevalece que a EC n.º 1/69 trata-se de uma autêntica
Carta Magna, na qual, claramente, funcionou como mais um mecanismo de outorga, repise-
se, pela Junta Militar, porém, mesmo abarcando quase por completo o teor da Constituição
de 1967, mesmo assim não se referiu ao capítulo segurança pública (arts. 8º, VIII, e 13, §
4º).
Postas essas premissas, em sucessivo, mister uma abordagem à atual previsão do
direito à segurança pública na Constituição Federal de 1988.
2.1.2 Hodierna previsão na Constituição Federal de 1988
A vigente Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988, que sofreu forte influência da Carta portuguesa de 1976, demarcou a
8 Confira-se: “Art 183. As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos
Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército”. 9 CRFB/1967: “Art 13. Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem,
respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: (...) § 4º - As polícias
militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito
Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército, não podendo
os respectivos integrantes perceber retribuição superior à fixada para o correspondente posto ou graduação do
Exército, absorvidas por ocasião dos futuros aumentos, as diferenças a mais, acaso existentes”.
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ruptura com o regime autoritário militar de 1964, refletindo o necessário consenso
democrático pós-ditadura, porém buscou, de forma inexorável, por exemplo, resguardar o
Estado de Direito e os direitos fundamentais individuais e sociais à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana e, portanto, a universalidade de direitos.
É inegável, todavia, que a vigente Carta de Outubro trata-se, comparativamente, da
Constituição mais abrangente e pormenorizada no que tange aos direitos e garantias
fundamentais do país, para além de consagrá-los de forma inédita e elevá-los à categoria de
cláusulas pétreas10.
O Poder Constituinte originário categoricamente se preocupou, pela primeira vez,
em reger-se nas suas relações internacionais, por vários princípios, dentre eles, a
prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), bem como aduziu que constitui objetivo
fundamental da República erradicar pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais (art. 3º, III).
Adentrando na temática segurança pública, impende-se registrar que a Carta
Política de 1988 foi a primeira a dedicar e reservar capítulo especifico a respeito,
designadamente o capitulo III do Título V (Da defesa do Estado e das Instituições
Democráticas), art. 144, incisos I a V, §§ 1º ao 10, pelo que se pede licença para transportar
a seguir os vigentes dispositivos em apreço:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
10
CRFB/88: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: “[....]” § 4º - Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: “[....]” IV - os direitos e garantias individuais.
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§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014) I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014) II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
De logo, examinando os dispositivos suso, verifica-se que a segurança pública
caracteriza-se como “dever do Estado” e como “direito e responsabilidade de todos”,
devendo ser exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio”, estabelecendo os respectivos órgãos responsáveis, que atuam ora no
plano estadual, ora no plano federal, pontifique-se, além dos corpos de bombeiros militares,
fez referência a seis modelos de atividade policial, a saber: a) a polícia ostensiva; b) a
polícia de investigação; c) a distinção de polícia judiciária e de investigação criminal; d) a
polícia de fronteira; e) a polícia marítima; e f) a polícia aeroportuária.
Contudo, extrai-se que a segurança pública é um serviço que deve ser
universalizado de maneira igual, contudo a Constituição não veda que sejam constituídas
empresas especializadas na prestação de segurança privada, inclusive o Supremo Tribunal
Federal, em algumas manifestações, vem compreendendo, por motivo lógico, ser
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responsabilidade de o particular prover a segurança, por exemplo, é o que ocorre com os
estabelecimentos bancários, com a finalidade de garantir e preservar a segurança dos
correntistas.
Nesse conduto, a Carta de Outubro, curiosamente, também assegura o direito à
segurança em duas formas distintas, senão vejam-se:
a) No Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos
e Deveres Individuais e Coletivos), exatamente no caput do Art. 5º, trata o direito à
segurança como norma aplicação imediata (Art. 5º, § 1º) e, portanto, um jus erigido à
categoria de cláusulas pétreas (Art. 60, § 4º, IV), in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) (destaque-se)
b) No Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo II (Dos Direitos
Sociais), no Art. 6º, o direito à segurança é reevocado, porém definido como direito social,
ipsis litteris:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (destaque-se)
Apresentadas essas duas premissas, questiona-se: analisando sistematicamente o
caput do Art. 5º e o Art. 6º, combinado com o art. 144, incisos I a V, §§ 1º ao 10, todos da
Constituição Federal de 1988, o direito à segurança pública é um direito individual ou
coletivo e, portanto, uma cláusula pétrea, ou cuida-se de um direito social?
Muito bem, apesar da excelente intenção do Poder Constituinte originário,
respeitando opiniões em contrário, salta aos olhos e compreende-se que o direito à
segurança pública, trata-se de um direito fundamental social expresso na Carta Magna,
mantendo-se em consonância com a concepção contemporânea de direitos humanos, assim
como se cuida de um jus de segunda geração (dimensão)11, repise-se, espécie do gênero
11 Nesse prisma, urge registrar que os direitos de segunda geração (dimensão) ou direitos econômicos, sociais e
culturais, são corolários das desigualdades e desequilíbrios econômicos, cujos primeiros instrumentos que os
realçaram foi a Lex Fundamentalis mexicana de 1917 e, sucessivamemte, as Cartas Magnas soviética de 1918,
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direito social, impondo ao Estado um atuar permanente, diga-se, uma ação oriunda de uma
prestação positiva12, correspondendo à exteriorização material da busca da igualdade e da
dignidade humana, vez que um dos seus condões é promover a justiça social, através da
disponibilização de meios materiais e a implementação de conjunturas fáticas que
possibilitem a efetiva fruição das garantias fundamentais.
O direito social à segurança pública, entretanto, está intrinsecamente vinculados à
igualdade e à dignidade da pessoa humana, cujo escopo é assegurar aos indivíduos
condições materiais necessárias para sobrevivência digna, para além de ser um
pressuposto para o exercício da cidadania.
Nesse diapasão, embora o direto fundamental social em comento seja claramente
de índole positiva, e, tendo em vista que a vigente Constituição brasileira foi alçada ao
patamar de pacto vivencial da solidariedade13, é de bom alvitre destacar algumas
peculiaridades do direito fundamental à segurança pública que se defende, as quais devem
ser trazidas à baila:
a) Trata-se o direito à segurança pública de inconteste jus fundamental social,
repise-se, positivado pelo Poder Constituinte originário, sendo positivado em norma
constitucional vinculativa e detentora de uma multidimensional relevância jurídica;
b) Cuida-se, inegavelmente, de um direito de segunda dimensão (ou geração),
vez que está contido em uma das normas programáticas da Lex Fundamentalis;
c) Emerge-se que o direito fundamental à segurança pública tem uma estrutura
híbrida, pois pode ser um direito social na sua dimensão positiva e de direito análogo de
liberdade na sua dimensão negativa e, como norma, pode ser principio ou regra1415;
alemã (Weimar) de 1919 e irlandesa de 1937. Para Paulo Bonavides (Do Estado liberal ao Estado social. 10.
ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 200-211), vistas em quadro, a revolução francesa foi o Estado liberal, ao
passo que a revolução russa de 1917 é o Estado social. Observa, também, que o Estado social, fundado pela
Constituição de Bonn, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença
militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do individuo, pela impossibilidade
em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais
mínimas.
12 Para Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 442): ”Todo direito a uma ação positiva, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito a uma
prestação”.
13 AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira;
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 535.
14 Para Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 90-91.), princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo
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d) Está protegido pela função de defesa, não apenas para se defender das
arbitrariedades estatais, mas para garantir prestações mínimas para que a coletividade
possa atingir um nível satisfatório de bem estar social;
e) Resguarda-se pela função de prestação16, na qual o Estado deve atuar para
satisfazer o direito fundamental à segurança pública, cuja realização depende da
gradualidade ou gradatividade de sua realização;
f) Em homenagem ao princípio da isonomia ou igualdade17, como um dos
elementos estruturantes do constitucionalismo, o Estado tem a função de não discriminação
de seus concidadãos, mas na perspectiva de bem estar no que tange ao jus à segurança
pública;
g) Detém a característica da limitabilidade, ou seja, o direito fundamental social
à segurança pública não é um jus absoluto, podendo sofrer intervenção estatal, bem como
está sujeito à ponderação;
seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que as
regras são normas que são sempre cumpridas ou não. Se uma regra vale, então se há de fazer exatamente o
que ela exige ou determina, isto é, nem mais, nem menos, pois elas contêm determinações no âmbito daquilo
que é fática e juridicamente possível. Para o autor, a distinção entre princípios e regras é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. E arremata Alexy: toda norma é ou uma regra ou um princípio.
15 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Wmf Martins
Fontes, 2010, p. 42-50. Assim sendo, cumpre-se trazer à colação, abreviadamente, o contributivo pensamento
do saudoso jurista e mestre de Harvard, Ronald Dworkin. Lance-se os olhos: a) As regras são aplicáveis à
maneira de tudo ou nada, portanto, o conceito de validade dela é incompatível com a dimensão de peso ou valor
que pertence à natureza dos princípios; b) É peculiar dos princípios a dimensão de peso ou valor, que as regras
não as possuem, sendo o mais seguro critério diferenciador de tais espécies de normas; c) No sistema de
regras, não se pode dizer que uma é mais importante que a outra, vez que elas em conflito não há falar que uma
possa prevalecer sobre a outra em decorrência de seu maior peso; d) O princípio, dessarte, se não prevalecer
em determinado momento concreto, nada obsta que em outra circunstância seja utilizado e, quiçá, de maneira
determinante ou decisiva; e) Só as regras ditam resultados, não importa o que aconteça, ou melhor, se um
resultado contrário se alcança, a regra é alterada ou abandonada, em contrapartida com os princípios esta
hipótese não é empregada, mas se eles se inclinam para uma decisão e ela não prevalece, sobreviverão
intactos, simplesmente pelo fato de não incidir neles a tese de tudo ou nada, especifica das regras.
16 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 442. Afirma Robert Alexy, entretanto, que o conceito de direito a prestações é exatamente o oposto do
conceito de direito de defesa, no qual se incluem todos os direitos a uma ação negativa ou abstenção estatal.
17 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2 ed.
São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2011, p. 4-5. Para Dworkin, a igualdade de bem estar afirma que o esquema
distributivo trata as pessoas como iguais quando distribui ou transfere recursos entre elas até que nenhuma
transferência adicional possa deixá-las mais iguais em bem estar. Logo, a igualdade de recursos declara que se
trata como iguais quando distribui ou transfere de modo que nenhuma transferência adicional possa deixar mais
iguais suas parcelas do total de recursos.
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h) É essencialmente um direito positivo, sujeito às prestações, mas se não
forem materializadas, colocarão os cidadãos à margem da sociedade, podendo eles se
tornar uma ameaça social;
i) O direito fundamental à segurança pública, mesmo sendo um direito
fundamental social, cuida-se de um jus que para sua efetivação e concretização, está na
dependência financeira do Estado ou do orçamento público, haja vista seu considerável
custo;
j) Regra, o direito fundamental à segurança pública está insuscetível de
controle jurisdicional dos programas político-legislativos, salvo, evidentemente, quando
estes se mostrarem em contradição com as normas constitucionais ou manifestamente
desarrazoadas;
k) O direito fundamental à segurança pública depende da liberdade de definição
ou conformação em relação às políticas públicas a serem assumidas para sua realização18;
l) Os mandamentos relativos ao direito fundamental à segurança pública não
detém caráter meramente declaratório, constituindo-se em mandamentos coercitivos;
m) Cogita-se ser uma norma de eficácia imediata, nos termos do § 1º, do art. 5º,
da Carta Política, e, por decorrência, detentora de coercibilidade, não contendo apenas valor
político ou moral, pois é um argumento superado;
n) Na hipótese de omissão estatal ou a inexecução de prestações materiais ou
políticas públicas por parte do Poder Executivo, por intermédio do ativismo judiciário, é
possível e razoável que se decida pela implementação da prestação não executada, desde
que se atenda à densidade suficiente do direito pleiteado19;
o) Inexiste razoabilidade para se defender que o direito fundamental social à
segurança pública não é justiciável;
p) O direito fundamental social à segurança pública, na qualidade de jus
conectado à promoção da dignidade da pessoa humana, à socialidade e à igualdade
18
Para Ronald Dworkin (Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Wmf Martins
Fontes, 2010, p. 297), deve-se reconhecer que o governo tem uma razão para restringir direitos se, com
plausibilidade, acreditar que um dos direitos concorrentes é o mais importante.
19 AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira;
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 535.
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material, constitui limite material à revisão constitucional, tampouco pode ser suprimido na
sua integralidade nem no seu núcleo essencial20;
q) Não se questiona seriamente que o direito fundamental social à segurança
pública faz parte do conteúdo garantia do mínimo existencial, particularmente, integrando o
núcleo intangível da dignidade da pessoa humana21.
Nessa trajetória, o direito fundamental social à segurança pública, na sua dimensão
positiva, tem uma natureza jurídica controvertida, podendo, contudo: ser um direito subjetivo
público22, haja vista ser atribuído por norma de direito público; ter a natureza jurídica de uma
mera diretriz programática ou dever político do Estado; e, é possível, também, ter a natureza
jurídica de simples pretensão jurídica.
Lobriga-se que o direito fundamental social à segurança pública cuida-se de uma
pretensão jurídica23, assegurada à generalidade das pessoas, a qual conduz o indivíduo e o
Estado a uma relação jurídica obrigacional, cuja interpretação da norma programática não
pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente, impondo aos entes
federados um dever de prestação positiva24, porquanto o direito suso, descrito na
Constituição brasileira, não pode, por regra, ser um direito subjetivo público,
especificamente pelo fato de os direitos sociais não conferirem ao indivíduo posição jurídica
de vantagem inequivocamente concretizável, aliado ao aspecto de que sua realização
progressiva está condicionada à reserva financeira do possível, salvo, reafirme-se, na
hipótese de resguardar o conteúdo ou núcleo essencial do direito à segurança pública,
20
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Os direitos sociais como limites materiais à revisão constitucional.
Salvador: Juspodivm, 2009, p. 174.
21 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 586.
22 ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução Luís Afonso Heck.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 203.
23 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 366. Cf. FERREIRA, Pinto. Op. cit., p. 129-130. Cf. NOVAIS,
Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra:
Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 63-64.
24 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federa (STF). AgR-RE 271.286-8/RS. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 30 abr. 2014.
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hipótese, contudo, que está imune ao contingenciamento financeiro ou escassez de
recursos, devendo o Estado, efetivamente, concretizar essa obrigação mínima social25.
De tal sorte, a essencialidade do direito à segurança pública fez com que o
legislador constituinte originário o qualificasse como prestações de relevância pública,
assegurado por intermédio de políticas sociais econômicas, legitimando a atuação do Poder
Judiciário, na hipótese de descumprimento26.
Assentadas algumas peculiaridades do direito fundamental social à segurança
pública que se defende, debruçar-se-á a respeito do objetivo específico deste artigo.
3 O “PACTO PELA VIDA” PERNAMBUCANO E A PROIBIÇÃO DE RETROCESSO
SOCIAL
3.1 Considerações preliminares sobre políticas públicas
Como se pontuou linhas atrás, a Carta Magna escolheu a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como exprime
que construir uma sociedade livre, justa e solidária, promover o bem de todos sem qualquer
discriminação, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as
desigualdades sociais e regionais, constituem seus objetivos fundamentais2728.
Nessa dimensão, é bem visível que não se pode contestar que as políticas públicas
devem ter sempre como apanágio a viga mestra da solidariedade.
Como bem pontifica Paulo Otero, a solidariedade é uma manifestação da cultura da
vida própria de um Estado de direitos humanos, fixando sem cessar uma exigência de
justiça social, capaz de tornar digno o ser humano, pois sem solidariedade a vida humana é
menos digna e sem dignidade a solidariedade é desumana. Pode falar-se, contudo, que a
solidariedade revela uma direção vinculativa da atuação dos poderes públicos, cobrando-
lhes a adoção e a execução de políticas públicas implementadoras de um modelo de
sociedade, baseado na justiça social, alicerçada no bem estar, enquanto garantia de uma
25
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais.
Coimbra: Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 203-204.
26 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). AgR-RE 271.286-8/RS. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 30 abr. 2014.
27 Cf. CRFB/88, art. 1º, I a IV.
28 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 506-507.
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existência digna, para além da repartição das receitas do Estado, em favor de prestações
que atendam aos anseios da coletividade, especialmente os menos favorecidos29.
A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a
necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito fundamental à
segurança pública por meio de escolhas alocativas30.
Vê-se que o poder público não pode jamais banir ou desprezar a função social do
Estado, mas, sim, deve atuar de maneira responsável e preocupar-se com o aspecto
solidário, através da prestação e efetividade de políticas públicas que alcancem promoção
social, garantindo-lhes condições mínimas de existência digna, segurança pública com
qualidade, e não como uma caixa de promessas vazias.
Nessa trilha de ideias, o direito fundamental social à segurança pública adequada
se realiza por meio de políticas públicas eficientes e eficazes, no qual supõe o acesso
econômico e físico, de forma continuada, assim como com qualidade e quantidade, ou
melhor, realizado em atividades e programas devidamente dotadas de recursos
orçamentários, que possam ser efetivamente implementados pelo poder público. Porém,
para sua efetividade, as políticas públicas de segurança pública devem prever instrumentos
de fiscalização, avaliação e controle social, sob pena de ineficiência, ineficácia e, sobretudo,
malversação do erário, para além da possibilidade de sua utilização para promoção pessoal
e eleitoral.
O direito fundamental à segurança pública traduz um bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o
poder público, nas esferas federal, estadual e municipal, a quem incumbe formular e
implementar políticas públicas que visem garantir a plena consecução dos objetivos da Lex
Mater, tampouco pode se mostrar indiferente, sob pena de incidir, diante da omissão, em
censurável comportamento inconstitucional31.
Adite-se, no que pese o mínimo existencial está associado ao estabelecimento de
prioridades orçamentárias, e é capaz de conviver harmoniosamente e produtivamente com a
reserva do possível, bastando, destarte, vontade e comprometimento dos governantes na
29
OTERO, Paulo. Direito constitucional português: identidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2010. v. I, p.
43-44.
30 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 686-687.
31 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 1526.
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formulação e concretização de políticas públicas que assegurem condições mínimas a uma
existência digna e essenciais à sobrevivência dos indivíduos.
Parafraseando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no AgR-RE n.º
271286-8/RS, pertinente ao direito à saúde, é possível, destarte, defender que a dimensão
individual do direito fundamental à segurança pública deve ser reconhecida como uma
pretensão jurídica ou direito subjetivo público não absoluto, assegurado mediante políticas
públicas que o concretize, cabendo, a depender do caso concreto, a devida judicialização,
ou melhor, há uma pretensão ou direito público subjetivo a políticas públicas que promovam
o direito fundamental social à segurança pública32.
Vale recordar, todavia, que na hipótese de atuação de modo insuficiente ou
incompleto do comando constitucional na efetivação do direito fundamental social à
segurança pública, id est, caracterizada a omissão total ou parcial, é possível o controle de
constitucionalidade das políticas públicas33.
Espera-se, entretanto, que o Estado promova e efetive suas políticas publicas de
forma progressiva até o máximo dos seus recursos disponíveis.
Entrementes, considerando que se partilha do raciocínio que tanto os direitos de
liberdade como os direitos sociais são jus positivos, têm custos e é quase impossível o
Estado concretizar com eficiência todos, é razoável que este tenha a prerrogativa de
escolher e sopesar, de forma transparente e responsável, dentre os direitos fundamentais
que devem ser protegidos, concretizados e efetivados prioritariamente, e quais,
lastimavelmente, serão sacrificados34.
Nessa toada, para uma melhor compreensão desse item é necessário trazer à
colação conceitos de políticas públicas.
3.2 Conceito jurídico de políticas públicas
Doutrinariamente, encontram-se diversos conceitos de políticas públicas, porém
dar-se-á realce ao jurídico, evidentemente em razão do caráter desta artigo.
32
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 686-707.
33 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
788.
34 Cf. MARCILIO, Carlos Flávio Venâncio. Op. cit., p. 163-165.
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Política pública pode ser definida como uma conduta comissiva ou omissiva da
administração pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta
prevista em norma constitucional, ou legal, sujeitando-se ao controle judicial amplo e
exaustivo, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos
resultados alcançados. A expressão políticas é uma locução polissêmica, que designa todas
as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder na vida social.
Políticas públicas são ações governamentais tendentes a satisfazer interesses relevantes
para a sociedade, em seu todo ou em parte dela; entende-se por políticas públicas ou
política estatal o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com
metas a serem atingidas; são instrumentos de ação do governo35.
Postas essas definições, vale salientar a lição de Maria Paula Dallari Bucci:
“políticas públicas são programas de ação governamental que resulta de um processo ou
conjunto de processos juridicamente regulados, cite-se, processo de governo, processo
judicial, processo legislativo, processo eleitoral, processo orçamentário, processo
administrativo, processo de planejamento, visando a coordenar os meios à disposição do
Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados”36.
Isso posto, infere-se que o conceito de políticas públicas pressupõe modelos de
programas, ações e atividades públicas, envolvendo, todavia, o comprometimento das
funções do Estado com a consecução das metas de efetivação dos direitos fundamentais
assegurados na Lex Mater.
Enfim, convém esclarecer que é possível todos os Poderes da República,
Executivo, Legislativo e Judiciário, realizarem a promoção e efetivação das políticas
públicas, porquanto, frise-se, que o controle jurisdicional destas atividades públicas
relacionadas aos direitos sociais, em particular o direito à segurança pública,
constitucionalmente assegurado, para sua implementação ou correção, encontra
pressupostos ou limites na observância do mínimo existencial, da reserva do possível e dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, senão vejam-se:
35
ANTONIO, Nilva M. Leonardi. O controle jurisdicional de políticas públicas como controle de
constitucionalidade e seus limites. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coords.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 184-187.
36 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: Políticas públicas: reflexões sobre o
conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39.
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a) O mínimo existencial, vez que corresponde ao núcleo duro dos direitos
sociais garantidos pela Carta Magna, para além de consistir no mínimo indispensável para
uma vida digna, autorizando, portanto, a imediata judicialização do direito à segurança
pública;
b) A reserva do possível, como se discorrerá à frente, indica a necessidade de
planejamento da execução de políticas públicas com vistas a assegurar o direito à
segurança pública, concomitantemente com a existência de disponibilidade orçamentária
para sua implementação;
c) Os vetores da razoabilidade e proporcionalidade indicam a pretensão
moderada, o justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados e, em
contrapartida, a desarrazoabilidade da lei e de sua interpretação.
Passar-se-á doravante ao objetivo específico deste artigo.
3.3 O busílis da questão: é possível a proibição de retrocesso social do “Pacto pela
Vida” pernambucano?
O princípio da proibição ou vedação de retrocesso, também conhecido como efeito
cliquet, proibição de contrarrevolução social, proibição de evolução relacionaria ou princípio
da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais37, cuida-se de um postulado que
comumente a doutrina brasileira vem utilizando, bem orientada pelos ensinamentos
europeus, com realce na Alemanha, Portugal, Espanha e França, além de se tratar de um
postulado diretamente relacionado à viga mestra da segurança jurídica.
À guisa de ilustração, fornecem-se, a seguir, indicações do surgimento de
construções doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do princípio da proibição de retrocesso
social:
a) A teoria da irreversibilidade ou nichtumkehrbar-keitstheorie, desenvolvida por
Konrad Hesse, em obra de 1978, segundo a qual haveria vinculações para o Estado
decorrentes da cláusula do Estado social plasmada na Constituição alemã, relativas à
interpretação da legislação existente, à determinação de tratamento diferenciado de certas
situações em prol da igualdade e à limitação do Poder Legislativo. Segundo Konrad Hesse,
a teoria da irreversibilidade partiria da afirmação de que não se pode induzir o conteúdo
37
QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais: teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. O princípio
da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial.
Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 61-81.
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substantivo da vinculação social do Estado diretamente da Constituição, mas, uma vez
produzidas as regulações, uma vez realizada a conformação legal ou regulamentar deste
princípio, as medidas regressivas afetadoras destas regulações seriam inconstitucionais, ou
melhor, haveria uma irreversibilidade das conquistas sociais alcançadas38;
b) Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal teria afirmado que o
legislador não pode simplesmente desmantelar o sistema de seguridade social, não pode
eliminar o que seja vital para as pessoas que dele dependem e sobre ele programam sua
existência, pelo que a expectativa de direito, o jus a uma pensão e os status similares
encontram proteção constitucional no art. 14 da Lei Fundamental alemã. Acrescenta-se, a
lição de Ingo Wolfgang Sarlet, que a partir do conceito funcionalista de propriedade
desenvolvido por Martin Wolff, o Tribunal em destaque tem fundamentado a proibição de
retrocesso e, sob certos pressupostos, salvaguardado posições jurídicas subjetivas do
sistema de prestações sociais39;
c) Em Portugal, pontifica-se que a proibição de retrocesso social foi exposta,
pela primeira vez, no Tribunal Constitucional português, com muita propriedade pelo
Conselheiro Vital Moreira, exatamente no acórdão n.º 39/84, asseverando inequivocamente
que o Estado “não pode descumprir o que cumpriu, não pode voltar a colocar-se na posição
de devedor”, estando, contudo, obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao
direito social. Logo, o Tribunal Constitucional Português declarou inconstitucional o art. 17,
do Decreto-Lei n.º 254, de 29 de junho de 1982, que revogava os arts. 18 a 61, 64 e 65,
todos da Lei do Serviço Nacional de Saúde40.
A viga mestra da proibição do retrocesso social, repita-se, também é denominada
como princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais41 ou efeito cliquet
(effet cliquet)42. Justifica-se.
38
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio da proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 101-102.
39 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 441-443.
40 NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio da proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 101-102, p. 103. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma
teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 440.
41 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais: teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. O princípio
da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial.
Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 61-81.
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Assinala José Joaquim Gomes Canotilho que os direitos sociais, uma vez obtido um
determinado grau de realização, passam a constituir, ao mesmo tempo, uma garantia
institucional e um direito subjetivo. Para o autor, a proibição de retrocesso social nada pode
fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), porém o postulado
em destaque limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex: prestações de saúde), clara
violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
econômico, social e cultural, bem como do núcleo essencial da existência mínima inerente
ao respeito pela dignidade da pessoa humana43.
Sucede o autor luso aduzindo que o reconhecimento dessa proteção de direitos
prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do
legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de uma prossecução de uma política
congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas, ou seja,
pelo princípio da proibição de retrocesso o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados
e efetivados por meio de lei, constitucional ou infraconstitucional, deve considerar-se
constitucionalmente garantido, sob pena de inconstitucionalidade, salvo na hipótese de
criação de prestação alternativa para de forma supletiva resguardar os direitos sociais
consolidados44.
George Marmelstein discorre que na França, a jurisprudência do Conselho
Constitucional reconhece que o princípio da vedação de retrocesso se aplica inclusive em
relação aos direitos de liberdade, no sentido de que não é possível a revogação total de
uma lei que protege as liberdades fundamentais sem a substituir por outra que ofereça
garantias com eficácia equivalente, pelo que os franceses chamam esse fenômeno de
“efeito cliquet” (effet cliquet), em alusão a uma técnica de engenharia mecânica que impede
a reversão de um processo, uma vez ultrapassado determinado estágio, simbolizado por um
som de “clic”, semelhante a uma chave fechando uma porta, que impede o retorno por
intermédio dela45.
Digna de menção é a lição de Walber de Moura Agra, que proibição de retrocesso
ou entrincheiramento ou entrenchment, consiste no princípio do não retorno da
42
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 267.
43 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 338-339. 44
Idem, ibidem, p. 339-340.
45 MARMELSTEIN, George. Op. cit., p. 267.
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concretização ou viga mestra da desnaturação do conteúdo da Constituição, id est, é a
tutela jurídica da densidade suficiente dos direitos humanos, respaldada em uma
legitimação social, evitando que possa haver um retrocesso, seja por intermédio de sua
supressão normativa ou através da diminuição de suas prestações à coletividade46.
É nessa linha que, muito significativamente, assevera-se que uma vez dimanada
pelo Estado a legislação concretizadora do direito fundamental social, que se apresenta face
a esse direito como uma lei de proteção, a ação do Estado, que se consubstanciava num
dever de legislar, transforma-se num dever mais abrangente, qual seja, o de não eliminar ou
revogar essa lei. Logo, a proibição de retrocesso social traduz um sentimento comum e
generalizado de gestão de expectativas no cenário do Estado social47.
O ordenamento jurídico brasileiro, como já esboçado, elevou, por meio do Poder
Constituinte originário, o direito à segurança pública à categoria de direito fundamental
social, estampado no rol do art. 6º, c/c o art. 144, incisos I a V e §§ 1º ao 9º, todos da Carta
Magna, sendo este um jus autônomo e, concomitantemente, irradiado pelo princípio da
dignidade da pessoa humana48.
Nessa magnitude transformadora que pretende alcançar a República Federativa do
Brasil no quadro social e político retratado pelo Poder Constituinte originário, e,
considerando ainda a proteção constitucional dada aos direitos fundamentais, parece
inobjetável que o princípio da vedação ou proibição de retrocesso se aplica
necessariamente no direito brasileiro, aliado ao fato de ser deveras relevante a orientar a
hermenêutica dos direitos sociais, designadamente no que tange à segurança pública,
especialmente no caso concreto do “Pacto pela Vida” pernambucano, vez que este direito
constitucionalmente consagrado não pode ser restringido aquém do seu núcleo essencial já
realizado e efetivado, mas sim, deve ser perspectivado sempre de forma progressiva e
adicional ao mínimo vital garantido, sob pena de retrogradação social, inconstitucionalidade
e contundente atentado aos direitos à vida, à integridade física, o patrimônio, dentre outros
bens juridicamente tutelados, para além da dignidade humana, pois a segurança pública, em
sentido amplo, é simplesmente imprescindível para uma existência digna.
46
AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira;
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 540.
47 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e
problemas de justiciabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 103-105.
48 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 380.
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Observa-se que o princípio da proibição de retrocesso social é um postulado
constitucional com caráter retrospectivo, haja vista que se propõe a preservar um estado de
coisas já conquistado contra a sua restrição ou supressão arbitrária, como também significa
a obrigação de avanço social ou concretização progressiva, não se traduzindo em mera
manutenção do status quo. Esclarece-se, porém, que o princípio da proibição de retrocesso
social é a obrigatoriedade da observância, pelo legislador, do grau de concretização
infraconstitucional dos direitos fundamentais sociais, de modo a que não se retorne, pela via
omissa, bem assim veda-se ao legislador a possibilidade de, injustificadamente, aniquilar ou
reduzir o nível de concretização legislativa já alcançado por um determinado direito
fundamental social49.
Concebe-se que o dever de progressividade e a proibição de retrocesso constituem
dimensões interligadas e que reclamam uma produtiva e dinâmica compreensão e
aplicação, não se podendo outorgar aos direitos sociais, com base na viga mestra de
vedação da retrogradação, uma proteção maior que a assegurada aos demais direitos
fundamentais, no âmbito do sistema constitucional de limitação das restrições de direitos,
bem assim não se poderá admitir, ainda mais quando se cuida de ordem constitucional que
reconhece aos direitos sociais a sua condição de direitos fundamentais, uma tutela em
princípio menor de tais direitos. Com efeito, negar reconhecimento ao princípio da proibição
de retrocesso significaria admitir que os órgãos legislativos e o Poder Público em geral, a
despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas
constitucionais, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões, mesmo em flagrante
desrespeito à vontade expressa do constituinte50.
Para Luísa Cristina Pinto e Netto, a aceitação do princípio da proibição de
retrocesso social está fundada na ideia de um progresso constante no caminho da
emancipação humana e da concretização da dignidade da pessoa humana, não se
admitindo “marchas atrás” na consagração e efetivação dos direitos fundamentais. E, sem
configurar um quadro fechado, resume esta autora que se busca fundamentar a existência
de um princípio implícito de proibição de retrocesso social nas ordens jurídico
49
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 202, 219-223 e 243.
50 SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso:
revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coords.). Direitos fundamentais sociais.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 81-92.
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constitucionais brasileira e portuguesa partindo: a) da supremacia da constituição; b) do
postulado de máxima eficácia das normas de direitos fundamentais; c) dos princípios
estruturantes do Estado Constitucional; d) da internacionalização dos direitos
fundamentais51.
Afigura-se, que o princípio da proibição de retrocesso cogita-se de um vetor
relativo, e não absoluto, passível de ponderação motivada, com feições de verdadeiro
postulado constitucional fundamental implícito, no qual pode ser reconduzido tanto ao
princípio do Estado de Direito, dada a sua vinculação com a proporcionalidade e a proteção
da confiança e da estabilidade das relações jurídicas inerentes à segurança jurídica, quanto
ao alicerce do Estado Social, na condição de garantia da manutenção dos graus mínimos de
segurança social alcançados, fruto da máxima eficácia e efetividade das normas de direitos
fundamentais sociais e da prioridade do papel da dignidade da pessoa humana, para além
que o postulado em apreço cuida-se de uma importantíssima conquista da dogmática
jurídico constitucional para resguardar, no plano de uma eficácia negativa, a proteção dos
direitos sociais contra sua supressão e erosão pelos poderes constituídos52.
Em razão disso, estando o direito à segurança pública no rol dos jus sociais
previstos na Constituição brasileira, o princípio da proibição de retrocesso atua também
como um escudo contra os arbítrios do Estado, devendo este, em homenagem ao conteúdo
negativo, respeitar a não supressão ou a não redução do grau de densidade do direito à
segurança pública, salvo, evidentemente, se forem desencadeadas prestações alternativas
para de forma supletiva resguardar o já consolidado e, no que tange ao conteúdo positivo,
deve o Estado implementar mais e mais o direito à segurança pública, especialmente o
“Pacto pela Vida” dos pernambucanos, por meio de sua efetiva concretização53,
51
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio da proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 111-135. Nesse sentido, o princípio da proibição de evolução reacionária ou
contrarrevolução social, funda-se, à luz da Carta de Outubro de 1988, nos postulados da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), no estado democrático de direito (art. 1º, caput) e na máxima efetividade (art. 5º, §1º).
52 SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso:
revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coords.). Direitos fundamentais sociais.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 95.
53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 476-478. Cf. COSTA, Eliane Romeiro; CARVALHO Osvaldo Ferreira de. O princípio da
proibição de retrocesso social no atual marco jurídico-constitucional brasileiro. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional, ano 18, n. 73, p. 156, out-dez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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designadamente com a imposição da obrigação de avanço e progresso social do importante
direito fundamental em apreço, para além de servir para aumentar a segurança jurídica do
conteúdo da Lex Mater e efetivar a jurisdição constitucional54.
De mais a mais, não há que falar em retrocesso do direito fundamental social à
segurança pública protegido na Carta Magna brasileira e na Constituição do Estado de
Pernambuco de 05 de outubro de 1989 (Título IV - Da Administração Pública, Capítulo IV -
Do Sistema de Segurança Pública, Arts. 101 a 105)55, particularmente o brilhante “Pacto
pela Vida”, mas o que se permite é sua evolução e expansão, propiciando maiores
prerrogativas à população, particularmente assegurando o direito à segurança pública
devida e, quiçá, a tão almejada erradicação da violência no Estado de Pernambuco,
augurando-se que essa notável, reconhecida, ousada, perspicaz, eficiente e eficaz política
pública seja também implantada pelos demais Entes federativos, sobretudo em respeito e
homenagem à vida, à integridade física, à liberdade, o patrimônio e a dignidade de todos os
cidadãos, indistintamente.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo procurou ser preciso e objetivo, analisando-se, todavia, o Direito
Fundamental Social à Segurança Pública: o “Pacto pela Vida” pernambucano e a proibição
de retrocesso social, pelo que, repise-se, não se pretendeu exaurir o assunto, porém,
desenvolver os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais a respeito deste
importantíssimo tema, instigando a reflexão e o diálogo crítico, razão pela qual se pontuará,
a seguir, as conclusões sumárias que se defende:
1. A Carta Política de 1988, apesar de sua longa vida constitucional,
inegavelmente, foi a primeira a dedicar e reservar capítulo específico a respeito da
segurança pública, designadamente o capitulo III (Da segurança pública) do Título V (Da
54
AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira;
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 540.
55 Constituição do Estado de Pernambuco/1989: “Art. 101. A Segurança Pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do
patrimônio e asseguramento da liberdade e das garantias individuais através dos seguintes órgãos permanentes:
I – Polícia Civil; II – Polícia Militar; III – Corpo de Bombeiros Militar. §1º As atividades de Segurança Pública
serão organizadas em sistema, na forma da lei. §2º Cabe ao Governador do Estado, assessorado por um
Conselho de Defesa Social, o estabelecimento da Política de defesa social e a coordenação das ações de
Segurança Pública”.
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defesa do Estado e das Instituições Democráticas), no seu art. 144, incisos I a V e §§ 1º ao
10;
2. Adotando uma exegese sistemática do caput do Art. 5º e o Art. 6º, estes no
que se refere o direito à segurança, combinado com o art. 144, incisos I a V e §§ 1º ao 10,
todos da Constituição Federal de 1988, extrai-se que o jus à segurança pública é um direito
fundamental social;
3. Mantendo-se íntima relação de consonância com a concepção
contemporânea de direitos humanos, o direito fundamental social à segurança pública
represente um jus de segunda dimensão ou geração, contido em uma das normas
programáticas da vigente Constituição brasileira;
4. Nos termos do Art. 6º, combinado com o art. 144, incisos I a V e §§ 1º ao 10,
todos da Constituição Federal de 1988, infere-se que o direito à segurança pública é um jus
fundamental social e autônomo, concomitantemente irradiado pelo princípio da dignidade da
pessoa humana; haja vista a ideia nuclear que este postulado constitui o cerne material
aglutinador da normatividade de direitos humanos e fundamentais, id est, inegável
parametrizador que se projeta num princípio normativo de igualdade, liberdade e
solidariedade, além dele assumir a função de uma norma geral inclusiva;
5. O Estado social brasileiro, com sua própria natureza democrático
intervencionista, para além da patronagem e paternalismo peculiares, tem o dever de
garantir o direito fundamental social à segurança pública com qualidade;
6. O direito fundamental à segurança pública na qualidade de jus social, trata-se
de uma norma programática prevista expressamente no caput do art. 6º, da dirigente
CRFB/88, estabelecendo, contudo, diretrizes e programas para o governo seguir, conforme
disponibilidade de recursos ou capacidade financeira, cuja realização dar-se-á a curto,
médio e longo prazo, razão pela qual também denomina-se de norma de eficácia diferida;
7. O direito fundamental social à segurança pública, mesmo este jus sendo
dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exige-se que a questão seja discutida
e assumida como tarefa precípua e responsabilidade de todos, Estado e população,
mormente que representa consequência constitucional indissociável dos direitos à vida e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio;
8. O Estado tem que tratar aqueles que governa com preocupação, respeito,
solidariedade e, sobretudo, como seres humanos, pois assegurar a tranquilidade pública,
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segurança pública e salubridade pública é o mínimo que se deve proporcionar para que os
cidadãos vivam com um pouco de dignidade;
9. Postula-se que a efetivação do direito fundamental social à segurança pública
dar-se-á por meio da graduabilidade, hipótese, entretanto, que não significa reversibilidade
social;
10. A concretização do direito fundamental social à segurança pública, não basta
uma norma regulamentadora, e sim, ações administrativas, por exemplo, políticas públicas
eficientes, refletindo a busca de uma sociedade mais solidária, justa, sem discriminação,
que prioriza a vida, a integridade física, a liberdade, o patrimônio e a dignidade humana;
11. As políticas públicas são imprescindíveis à efetivação do direito fundamental
social à segurança pública e, apesar das limitações do instituto da reserva do possível, em
homenagem ao mínimo existencial, à proibição de retrocesso, sobretudo considerando que
a dignidade da pessoa humana foi guindada à condição de princípio constitucional
estruturante e fundamento do Estado Democrático de Direito, passando o Estado a servir
como instrumento para respeitar, garantir e promover o jus em relevo, defende-se que é
possível, na hipótese de real necessidade, violação ou ameaça de violação, a judicialização
para resguardar o conteúdo mínimo deste direito;
12. O princípio da dignidade da pessoa humana na sua dupla dimensão,
defensiva e prestacional, resguarda o direito fundamental social à segurança pública,
funcionando no ordenamento jurídico brasileiro, sem dúvida, como verdadeiro limite dos
limites do direito fundamental social à segurança pública;
13. O “Pacto pela Vida” do Estado de Pernambuco, pode ser sintetizado, diante
dos seus significativos reconhecimentos, nacional e internacional, bem assim pelos
incomensuráveis resultados desde sua implantação nos idos de 2007, repita-se, redução
dos altos índices de criminalidade que assolavam o nosso conceituado ente federativo,
como uma política pública ousada, perspicaz, eficiente e eficaz, comprometida com as
funções do Estado, transversal e integrada, construída de forma pactuada com a sociedade,
em articulação permanente com o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Assembleia
Legislativa, os Municípios e a União, sendo um modelo a ser seguido pelos demais Estados;
14. Diante da magnitude transformadora da política pública “Pacto pela Vida” do
Estado de Pernambuco, no cenário social e político retratado, e, considerando a proteção
constitucional dada ao direito fundamental social à segurança pública, parece-se inobjetável
que o princípio da vedação ou proibição de retrocesso se aplica necessariamente ao
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programa suso, porquanto este jus constitucionalmente consagrado nas Constituições do
Brasil e de Pernambuco, não pode ser restringido aquém do seu núcleo essencial já
realizado e efetivado, mas sim, deve ser perspectivado sempre de forma progressiva e
adicional ao mínimo vital garantido, sob pena de retrogradação social, inconstitucionalidade
e contundente atentado aos direitos à vida, à integridade física, à liberdade, ao patrimônio e
à dignidade humana;
15. Perfilha-se que o princípio da proibição de retrocesso da política pública
“Pacto pela Vida” do Estado de Pernambuco, cogita-se de um vetor relativo, e não absoluto,
passível de ponderação motivada, com feições de verdadeiro postulado constitucional
fundamental implícito;
16. Apesar de não ser pacífico na doutrina e na jurisprudência brasileira que o
direito fundamental social à segurança pública não é uma cláusula pétrea, como são os
direitos e garantias individuais, em contrapartida, aquele está, inegavelmente, albergado
pelo manto da garantia da proibição do retrocesso social, corolário, destarte, dos princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana;
17. O direito fundamental social à segurança pública está sob o manto da
cláusula de vedação de retrocesso, pois uma vez concretizado, passa a integrar a esfera
jurídica do cidadão, não podendo sumariamente ser excluído, porém não se pode falar em
diminuir ou modelar algo que o Estado nunca forneceu antes;
18. Estando o direito à segurança pública no rol dos jus sociais previstos na
Constituição brasileira, o princípio da proibição de retrocesso atua também como um escudo
contra os arbítrios do Estado, devendo este, em homenagem ao conteúdo negativo,
respeitar a não supressão ou a não redução do grau de densidade do direito à segurança
pública, salvo, evidentemente, se forem desencadeadas prestações alternativas para de
forma supletiva resguardar o já consolidado e, no que tange ao conteúdo positivo, deve o
Estado implementar mais e mais a política pública “Pacto pela Vida” do Estado de
Pernambuco, por meio de sua efetiva concretização, designadamente com a imposição da
obrigação de avanço e progresso social do importante direito fundamental em apreço;
19. Não há que falar em retrocesso da política pública “Pacto pela Vida” do
Estado de Pernambuco, mas o que se permite é sua evolução e expansão, propiciando
maiores prerrogativas à população, particularmente assegurando o direito fundamental
social à segurança pública e, quiçá, a tão almejada erradicação da criminalidade neste
Estado;
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20. Entrevê-se, em síntese apertada, que o direito fundamental social à
segurança pública no ordenamento jurídico brasileiro, cuida-se de um jus autônomo,
concomitantemente protegido e irradiado pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
que mantém relação de interdependência com os direitos à vida, à integridade física, à
liberdade e ao patrimônio, sendo possível sua justiciabilidade, aliado ao fato de estar sujeito
à reserva do possível, para além de escudado pelo manto da cláusula de vedação de
retrocesso social, cuja interpretação dessa norma programática não pode transformá-la em
promessa constitucional inconsequente.
Parabéns Estado de Pernambuco pela exemplar, essencial e determinante política
pública “Pacto pela Vida” em prol do direito fundamental social à segurança pública,
augurando-se ao Governo do Estado e os Parlamentares que volvam os olhos com carinho
e respeito aos integrantes das briosas Policias Militar e Civil, bem assim aos membros do
Corpo de Bombeiros militar, proporcionando-lhes qualificações e melhorias salariais dignas,
pois são estes, por intermédio de dedicação e abnegação diuturna, seja na atuação
preventiva ou repressiva, e, sobretudo, arriscando suas vidas diariamente em prol da
sociedade pernambucana, que a redução dos altos índices de criminalidade tornou o “Pacto
pela Vida” um referência nacional e internacional.
REFERÊNCIAS
a) Livros
AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 510-554. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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DOUTRINAL
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b) Sítio Eletrônico
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http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 30 abr. 2014.
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O CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE PERNAMBUCO E O
PLANEJAMENTO DE GRANDES EVENTOS: analisando o desfile do
Galo da Madrugada como um estudo de caso
Lamartine Gomes Barbosa1
Cristiano Corrêa2
Resumo
Discutir o planejamento do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, como uma das agências envolvidas na promoção da segurança do desfile do bloco carnavalesco 'O Galo da Madrugada', este é o desafio deste artigo. Tal desfile tem como público uma multidão com mais de um milhão e meio de pessoas, em comportamento totalmente voltado a descontração e à folia, em franco uso de bebida alcoólica, exposta ao calor do verão pernambucano, embalada por músicas carnavalescas em um cenário repleto de riscos de incêndio e de acidentes, efetivos e potenciais. Utilizando a método hipotético dedutivo, que pressupõe que a gestão operacional é formada por subsistemas integrativos, a pesquisa decodifica suas abrangências e significados, os quais admitidos sob a ótica da analise sistêmica, corporificam as ações que antecedem, são processadas (durante) e sucedem a gestão de segurança implementada pela instituição. Concluindo-se que planejar e executar ações efetivas, sobretudo preventivas, é a principal ferramenta institucional para a minimização de riscos de acidentes massivos e desastres. Palavras-chave: O Galo da Madrugada. Sistema operacional. Gerenciamento de
riscos.
1 Tenente-Coronel do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco. Especialista em Gestão de Riscos.
2 Major do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco. Doutorando em Engenharia Civil (Segurança
Contra Incêndio) – UFPE.
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1 INTRODUÇÃO
Os fenômenos de massa, geralmente ligados a festividades religiosas e
pagãs ou eventos esportivos, reúnem multidões desde a antiguidade, tanto no
ocidente como no oriente.
Tais reuniões fazem parte da história de quase todos os povos, sendo uma
manifestação legítima da cultura desses mesmos povos, contudo, quando as
medidas profiláticas inexistem ou ainda os planejamentos são incoerentes com as
demandas, tais manifestações podem gerar tragédias.
Neste contexto destacam-se, apenas como exemplos: a invasão do Estádio
Nacional no Peru no ano de 1964, quando jogavam as seleções de Peru e
Argentina, tendo como resultado fatalístico a morte de 318 pessoas (STOTT, 2008,
p.115-141). Na Arábia Saudita, durante a famosa peregrinação a Meca, após um
falso informe que havia um incêndio, a multidão desesperada promoveu um tumulto
que levou a morte de mais de 340 e centenas de feridos, no ano de 2006, repetindo
em escala amplificada a tragédia corriqueira em tal peregrinação, que durante os
anos de 1990 a 2006, contabiliza 2.632 óbitos diretos de tumultos advindos da
peregrinação (INTERNATIONAL RELATIONS, 2012, p.784-816).
Outra festividade religiosa que gerou quase uma centena e meia de vidas
ceifadas tomou corpo em 03 de Agosto de 2008, durante cerimônia na cidade
montanhosa de Himachal Pradesh, na Índia (MORAN, 2013, p.1-25). No Brasil o
Círio de Nazaré, ocorrido anualmente em Belém do Pará, registrou um incêndio em
um prédio histórico, que encontrava-se no roteiro da maior das procissões do dito
ciclo religioso, sendo evitada a tragédia pela proatividade dos agentes públicos
envolvidos na segurança pública, que desviaram, em tempo o percurso da
procissão. (PARÁ, 2008)
Portanto, é bastante relevante estudar o planejamento e a execução da
Operação montada pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco que promove a
prevenção-reação para o Desfile do Galo da Madrugada, que reúne uma multidão
estimada em 1,5 milhões de pessoas (GUINNES, 2014), em um perímetro de
apenas 7,19 km2, imprimindo a impressionante demografia de 277.046,68 pessoas
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por km2. Esse é o desafio do presente artigo, principalmente quando avizinha-se
eventos esportivos com a dimensão da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas de 2016.
2 O GALO DA MADRUGADA E O PODER PÚBLICO
O Clube de Máscaras Galo da Madrugada é uma agremiação carnavalesca
fundada em 1978, em Recife, e tem atualmente como sede à Rua da Concórdia, nº
984, bairro de São José. Em sua história, o Galo da Madrugada conta com o inédito
feito, à época, de uma agremiação carnavalesca do Brasil, o de ser registrado pelo
Livro dos Recordes como o maior bloco de carnaval da terra, com cerca de 1,5
milhões de foliões. (GALO DA MADRUGADA, 2011)
Em breve histórico Ianino (2012) relata a sua gêneses:
foi fundado oficialmente em 23 de janeiro 1978, em uma reunião de
familiares e amigos, que ocorreu em uma residência localizada na Rua
Padre Floriano, nº 43, no bairro de São José, no centro do Recife. Esse local
serviu como a primeira sede do bloco, durante os cinco primeiros anos de
sua existência. Os principais fundadores do Galo da Madrugada foram:
Enéas Alves Freire, José Mauro Freire (filho de Enéas), Costa.Antônio
Carlos Freire (filho de Enéas), Rômulo Guerra de Meneses (genro de
Enéas), Cláudio Guerra de Meneses, Mauro Scanoni e Rogério. (IANINO,
2012, p.1)
A preocupação das autoridades públicas com a segurança desse evento
levou a Secretaria de Defesa Social do Estado a designar, em 31 de janeiro de
2010, um Grupo de Trabalho com o objetivo de coordenar as ações de planejamento
e de execução da segurança do cidadão durante o período chamado momesco no
ano de 2011 (PERNAMBUCO, 2011)
Como combinar uma multidão de mais de um milhão de pessoas, com o
comportamento totalmente voltado à descontração e à folia, em franco consumo de
bebida alcoólica, com grande exposição ao sol e ao calor da manhã e da tarde do
verão na Capital Pernambucana, em um corredor urbano de 5 Km (cinco
quilômetros) de extensão, seguindo trios elétricos tocando músicas carnavalescas,
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em um cenário repleto de riscos de incêndio e de acidentes, efetivos e potenciais,
sem que isso gere acidentes massivos e desastres?
A concentração de pessoas no desfile do Galo da Madrugada é tamanha, de
forma que em apenas dois bairros do Recife (São José e Santo Antônio), concentra-
se uma quantidade de foliões quase igual a quantidade total de moradores de toda a
cidade, pouco mais de 1.500.000 habitantes, segundo o IBGE (BRASIL, 2011).
O objetivo geral do presente trabalho é analisar a metodologia e os recursos
adotados pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) para a
mitigação dos riscos e vulnerabilidades contra acidentes, incêndios e pânico durante
a realização do desfile do Bloco de Máscaras Galo da Madrugada, em Recife, no
ano de 2012.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
A partir de 1870, o carnaval, no Brasil, passou a preferir os espaços públicos
aos privados (ARAÚJO, 2011). Vidal e Araújo (2011) concordam que as relações
entre as políticas públicas de governo e os carnavais e outros grandes festejos
populares, no Brasil e particularmente em Pernambuco, assumiram desde
tendências ao embate e à censura, até momentos de concordância de propósitos e
franca colaboração (VIDAL, 2011). Já no início dos anos 1900 o aparato policial
passou de órgão responsável pela repressão ao carnaval popular de rua a órgão
que defendia o direito ao uso do espaço público por todos (ARAÚJO, 2011 e VIDAL,
2011). Nos anos mais recentes, a partir do final da década de 1970, e
particularmente no caso do Galo da Madrugada em Recife, observa-se uma nítida
tendência do poder público à colaboração e ao estímulo (SANTOS, 2011).
Nesse contexto, insere-se o CBMPE como órgão integrante do aparelho de
segurança estatal. A Corporação participou ativamente das atividades do grupo de
trabalho da SDS para o Carnaval 2011 (PERNAMBUCO, 2011).
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Sendo o CBMPE responsável por planejar o aparato de segurança e
realizou os levantamentos estratégicos de ameaças na área do desfile e ainda a
aplicação das normas de segurança (PERNAMBUCO, 1997).
No Galo da Madrugada, o Corpo de Bombeiros de Bombeiros Militar de
Pernambuco atua em três tipos de prevenção: A prevenção técnica (através da
fiscalização e da gestão de riscos), a prevenção educativa (através da distribuição
de panfletos com dicas de segurança) e a prevenção operacional (através dos
equipamentos e equipes de resposta, distribuídos ao longo do trecho de desfile),
tudo no sentido de gerenciar os riscos. Segundo Hargreaves (2010), risco é
resultado da relação que existe entre ameaça e vulnerabilidade, avaliável quanto à
sua intensidade. Para ele, “o risco medirá o quanto é provável que a ameaça se
traduza em danos.” (HARGREAVES, 2010)
4 ABORDAGEM SISTÊMICA DA OPERAÇÃO GALO DA MADRUGADA
Diante de todas as variáveis de segurança no contexto da Operação Galo
da Madrugada, pode-se concluir que a melhor forma de analisar o trabalho do Corpo
de Bombeiros de Militar de Pernambuco durante a Operação é encarar esse
trabalho a partir dos princípios e pressupostos da abordagem sistêmica. Segundo
Ludwig von Bertalanffy, autor da teoria geral dos sistemas, um sistema é um
conjunto de elementos inter-relacionados e integrados de forma a se chegar a um
certo resultado (VON BERTALANFFY, apud, MAXIMINIANO, 2011).
Esse tipo de abordagem defende também o princípio da hierarquização de
sistemas, de forma que cada sistema pode ser, sucessivamente, subdividido em
subsistemas, com base em alguns critérios metodológicos (KOONTZ, et al, 2009).
Conforme Maximiniano (2011), todo sistema, por definição, é composto por
entradas ou inputs, processamento, saída ou outputs e feedback ou
retroalimentação do sistema.
A abordagem sistêmica garante um método seguro a partir do qual se pode
estudar qualquer organização, parte de uma organização, seja uma diretoria, um
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departamento ou setor, ou mesmo qualquer processo organizacional nela
desempenhado (MAXIMINIANO, 2011). No caso em questão, a Operação Galo da
Madrugada é um dos sistemas do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco.
Abaixo, propõe-se uma aplicação do enfoque sistêmico à Operação Galo da
Madrugada:
O primeiro fruto desejável da operação é segurança. Este termo, segurança,
é definido por Barbosa Filho como a “característica a ser buscada nas pessoas e
nos meios ou elementos de um processo produtivo do qual resultará uma produção
por meio do trabalho” (BARBOSA FILHO, 2001). No caso em estudo, a segurança
confunde-se com o resultado a ser buscado pelo sistema operacional, ou seja,
identifica-se com a própria natureza da produção.
Outro resultado esperado do sistema operacional é a redução de riscos. O
conceito de risco está relacionado à idéia de perigo, inconveniente, infortúnio, cuja
possibilidade de previsão seja incerta (HARGREAVES, 2010).
Finalmente, para o alcance dos resultados esperados, o Corpo de
Bombeiros Militar de Pernambuco desenvolve atividades típicas, conhecidas em
Administração como “processo empresarial” ou “processo administrativo”, que são:
PLANEJAMENTO, ORGANIZAÇÃO, DIREÇÃO e CONTROLE.
Entradas:
Recursos;
Ambiente;
Energia;
Informação.
PLANEJAMENTO
Plano
DIREÇÃO
Impulso e Orientação
ORGANIZAÇÃO
Estrutura
CONTROLE
Avaliação e
Correção
Saídas:
Segurança;
Redução de
riscos.
FEEDBACK
Fig. 01. Enfoque Sistêmico para a Operação Galo da Madrugada
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5 O SISTEMA OPERACIONAL E A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO CBMPE
Conforme já foi tratado neste artigo, os sistemas podem ser analisados a
partir dos seus subsistemas componentes (KOONTZ, et al, 2009).
O sistema aqui estudado pode ser analisado a partir do esquema
apresentado na figura abaixo, que revela os subsistemas que são gerenciados pela
corporação como o propósito de realizar a Operação Galo da Madrugada:
Fig. 02. Subsistemas do Sistema Operacional
para o Galo da Madrugada
Fonte: Modelo organizado pelo autor
O subsistema de comando e controle pode ser entendido como a gestão
central do sistema, cujo objetivo é dirigir a operação como um todo, desde a sua
fase de planejamento até a sua execução. Esse subsistema se preocupa em
responder por todas as ações desenvolvidas pelo CBMPE para a Operação Galo da
Madrugada, integrando todos os planejamento e ações setoriais.
O subsistema logístico consiste no planejamento e na execução do aporte
logístico que é necessário para que a operação de fato aconteça. Uma operação da
envergadura da que ora se estuda exige uma quantidade muito grande de materiais
e serviços, cuja gestão é centralizada neste subsistema.
O subsistema de informações e comunicações é responsável por captar,
sistematizar e oferecer informações, para dentro e para fora do sistema operacional.
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Estão inclusos neste subsistema tanto a arquitetura quanto a infraestrutura
necessária para o tratamento e a disponibilização das informações do sistema.
O subsistema de gestão de riscos é a parte do sistema operacional
responsável pelo estudo das vulnerabilidades e ameaças do sistema, propondo
intervenções viáveis para redução dos riscos e minimização dos impactos nos casos
de possíveis desastres.
Por fim, o subsistema pessoal e financeiro, que engloba toda a assessoria
em termos de alocação de recursos humanos e financeiros para a operação.
Todos esses subsistemas são operados pelo Corpo de Bombeiros Militar de
Pernambuco a partir da integração dos diversos órgãos que integram a sua estrutura
organizacional.
Dentre as atribuições da corporação, destaque-se: a fiscalização das
instalações de segurança contra incêndio e pânico, a execução do atendimento pré-
hospitalar às vítimas de acidente ou sob risco de morte, a execução das atividades
de defesa civil e a intervenção preventiva em instalações que não ofereçam
segurança, atribuições tais cujo desempenho converge diretamente para as ações
adotadas pelo CBMPE no desenvolvimento da operação ora em estudo.
O Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, lançando mão de sua
estrutura organizacional, articula seus diversos órgãos para dar efetividade aos
subsistemas da Operação Galo da Madrugada, conforme figura abaixo:
Fig. 03. Integração dos Órgãos do CBMPE aos Subsistemas da
Operação
Fonte: Modelo organizado pelo autor
Comando
e
Controle
DG
O
CTED
C
Logístico
DLOG
DGO
AJG
Pessoal e
Finanças
DG
P
DOF
Gestão de
Riscos
CRD
CAT
Informações
e
Comunicaçõe
s
CCO
CCS
CTIC
Unidade
s
Unidade
s
CTEDC
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6 O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA OPERACIONAL
O presente estudo analisou cada ação adotada pelo Corpo de Bombeiros
Militar de Pernambuco para executar a operação. Foram apontados os subsistemas
a que cada ação se relacionava e foram indicados os órgãos internos da Corporação
responsável por cada uma delas. No estudo também foram indicadas cada atividade
do processo administrativo mais típica para cada ação desenvolvida (planejamento,
organização, direção e controle). Evidentemente, algumas ações foram classificadas
em mais de uma atividade do processo administrativo, mas neste trabalho foi
pontuada apenas a atividade mais enfática de cada uma das ações.
As ações do CBMPE são multidisciplinares e multissetoriais, pois
prescindem de informações, recursos e esforços que estão distribuídos nos diversos
setores administrativos, nas outras instituições envolvidas, como, por exemplo,
SAMU, prefeitura, Secretaria de Defesa Social, bem como no próprio cenário da
operação.
Quanto ao cenário físico da operação é importante registrar a preocupação
específica do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco com dados pertinentes às
ameaças existentes. Para Hargreaves, ameaças são fatores extrínsecos a um
sistema com potencial de causar danos, sendo classificadas em naturais, humanas,
mistas ou siderais (HARGREAVES, 2010).
Assim, no sistema operacional em estudo, as ameaças são os fatores
relacionados ao ambiente que podem provocar danos às pessoas, ao patrimônio ou
ao meio ambiente. Tais ameaças, neste caso, são analisadas pelo Corpo de
Bombeiros Militar de Pernambuco a partir do subsistema de gestão de risco,
composto pelo Centro de Resposta a Desastres (CRD) e pelo Centro de Atividades
Técnicas (CAT).
O CRD, como já visto, encarrega-se da macro avaliação do ambiente, como
prédios e suas condições, vias públicas, tábuas de mares, comportamento de grupo,
dados meteorológicos etc., sempre no sentido de produzir uma leitura do cenário
sob o ponto de vista da possibilidade da ocorrência de acidentes massivos ou
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desastres, criando cenários e propondo metodologias de intervenção nas
emergências.
Já o CAT, também citado anteriormente, ocupa-se dos requisitos de
segurança contra incêndio e pânico das edificações, estruturas montadas, trios
elétricos, da rede de hidrantes públicos e dos hidrantes prediais privados. Portanto,
micro avaliação do cenário.
Reunidas as informações produzidas pela macro análise e pela micro
análise das condições do ambiente do sistema operacional, a corporação faz a sua
leitura do cenário para sua atuação.
Por outro lado, a fim de avaliar e propor redução dos riscos, o CBMPE
também faz avaliação de suas vulnerabilidades. Ainda Hargreaves (2010), conceitua
vulnerabilidade com sendo as deficiências intrínsecas de um sistema que o tornam
vulneráveis às ameaças.
Dessa forma, o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco analisa sua
força para fazer frente às ameaças identificadas no ambiente. Essa leitura permite à
corporação identificar e tratar previamente seus pontos fracos. Combinando-se a
avaliação dos riscos e ameaças e as iniciativas do CBMPE em minimizar cada um
desses fatores, produz então um sistema que atua para reduzir os riscos a que
estão expostas as pessoas que participarão do evento. Conclui-se que a corporação
desenvolve suas atividades direcionando o seu foco para análise e redução de
riscos, produzindo segurança aos foliões.
7 OS RESULTADOS DO SISTEMA OPERACIONAL
Dados obtidos a partir do relatório de execução da Operação Galo da
Madrugada do CBMPE apontam a seguinte evolução do dispositivo do Corpo de
Bombeiros Militar de Pernambuco no corredor de desfile do Galo da Madrugada:
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Tabela 01. Evolução do Dispositivo do CBMPE para a Operação Galo da Madrugada
DISPOSITIVO 2012 2011 2010 2009 2008 2007
Efetivo total 1300 1216 832 892 274 266
Total de viaturas 29 22 26 24 26 24
Total de plataformas 34 33 30 26 26 13
Total de atendimentos 653 479 525 220 309 161
Fonte: Divisão de Planejamento Operacional do CBMPE, 2012
Com o aumento dos meios ativados para a operação, observa-se
crescimento dos atendimentos realizados. Pode-se intuir que tal advém de uma
diminuição de demanda reprimida ao longo dos anos no evento. O Corpo de
Bombeiros Militar de Pernambuco não estando presente nesse tipo de evento as
vítimas não deixam de ser socorridas, o sendo por policiais, funcionários municipais,
populares etc. Aumentando-se a presença e a distribuição dos Bombeiros ao longo
do trecho de desfile aumentam os registros de atendimentos e a qualidade destes.
Tal presença da corporação no evento, gradualmente maior, aliada a uma
boa avaliação das ameaças, vulnerabilidade e riscos, resulta em melhor segurança
para os foliões.
Portanto, é coerente afirmar que uma ampliação da quantidade de
Bombeiros e de recursos operacionais distribuídos ao longo do trecho de desfile,
seguindo critérios de avaliação e mitigação de ameaças, vulnerabilidades e risco,
agrega segurança ao público que prestigia o grandioso evento ora focado.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como combinar em um mesmo cenário uma grande multidão, em um clima
de folia, festejo, ingestão de bebida alcoólica, descontração, com os objetivos de um
evento seguro? A esta pertinente interrogação a corporação busca resposta na
construção de um modelo integrado de segurança, que leva em consideração o
ambiente no qual a instituição está inserida, buscando dar alternativas viáveis de
resposta ao tema.
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Essa busca do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco levou a
intervenções a partir de uma abordagem sistêmica das atividades do órgão.
Desenvolveu-se então um sistema operacional específico para fazer face às
demandas de segurança no evento, cujos componentes são: Comando e controle,
Logístico, Pessoal e finanças, Informações e comunicações e Gestão de riscos.
Para fazer funcionar esse sistema operacional a Corporação realiza as atividades
típicas do processo administrativo, que são planejar, organizar, dirigir e controlar.
Essas atividades integradas aos subsistemas do sistema operacional para o evento
consistem na análise objetiva das diversas iniciativas adotadas pela corporação para
garantir uma maior segurança aos foliões no cenário em debate.
Para gerenciar riscos o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco realiza,
através do CRD, a macro análise do cenário, focando ameaças presentes e também
as vulnerabilidades intrínsecas ao próprio sistema.
O Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco também realiza, agora
através do CAT, a micro análise do cenário, zelando pela segurança contra incêndio
e pânico das edificações e das estruturas montadas no circuito de desfile. Unidas a
micro com a macro análise o CBMPE tem uma leitura mais apropriada do cenário,
suas ameaças, as vulnerabilidades inerentes ao sistema, e por consequência dos
riscos existentes para a realização do evento.
Toda a atuação do CBMPE, a partir dessa constatação, é voltada para
minimizar ameaças e vulnerabilidade, o que induz à mitigação de riscos para a
população. Assim se resume a metodologia adotada pela corporação para avaliar
cenários críticos e riscos existentes no evento.
Por fim e a partir da verificação dos registros históricos dos meios postos à
disposição dos objetivos de segurança e também a partir da verificação dos
resultados apresentados pela corporação nos últimos anos, constata-se a busca por
ampliar a presença e a atuação dos Bombeiros Militares para o evento em estudo.
Realizando ações de prevenção e combate a incêndio, salvamentos e
atendimento pré-hospitalar, o CBMPE procura minimizar a demanda reprimida desse
tipo específico de atuação, conforme ficou demonstrado no item “Os Resultados do
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Sistema Operacional”, constante neste artigo. Essa redução de demanda reprimida
significa aumento objetivo da segurança oferecida pelo CBMPE aos foliões.
Ainda na intenção de melhorar a segurança que a corporação oferece à
população que participa do evento em foco, é possível vislumbrar novas linhas de
pesquisa em aspectos que extrapolam aos pressupostos e objetivos estabelecidos
para este trabalho.
Investigar de que maneira a própria população pode contribuir para com o
aumento da segurança no evento é, sem dúvida, uma possibilidade de abordar a
segurança em eventos massivos a partir do ponto de vista do usuário dos serviços
de segurança, neste caso o folião.
Esse novo olhar possibilitará colher a opinião mais amiúde do público alvo e
poderá demonstrar para as instituições de segurança que atividades preventivas, no
campo da educação ou da formação de opinião, poderão ser alvos de novos
investimentos, sempre na busca de eventos mais seguros para grandes
aglomerações de pessoas.
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O USO LEGAL DA FORÇA POLICIAL COMO ELEMENTO GARANTIDOR DOS
DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Werner Walter Heuer Guimarães 1
Resumo
A sociedade, através do Estado e de seus poderes constituídos, investe na seleção e treinamento de um de seus cidadãos, atribuindo a ele autoridade para que, em nome da coletividade que representa, possa se encarregar da aplicação da lei. Desta forma, o policial, cidadão que tem essa investidura legal e social é indubitavelmente um aplicador da lei. Os policiais vivem constantemente em uma via de mão dupla. A polícia pertence à mesma sociedade que legalmente se dispôs a protegê-la, mesmo com o risco da própria vida – como bradam os novos policiais durante seu juramento. A seu turno, os policiais devem respeitar determinados aspectos antes do cumprimento de sua missão constitucional, a exemplo do uso moderado da força e limite legal de sua autoridade, haja vista que direitos e garantias constitucionais devidos aos cidadãos devem ser respeitados, sobretudo em ações onde a vida do policial esteja em risco. Palavras-chave: Uso da Força. Proporcionalidade. Direitos Humanos.
1 INTRODUÇÃO
O processo de democratização da sociedade brasileira consagrado pela atual
Carta Constitucional passou a exigir das instituições policiais a obrigação de se
ajustarem ao regime do Estado Democrático de Direito, estatuído naquele
1 Major da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Olinda.
Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela ESMAPE. Especialista em Formação
de Educadores pela UFRPE. MBA em Planejamento e Gestão Organizacional FCAP/UPE. MBA em
Gestão Governamental pela FACINTER.
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documento legal, através do qual o “império da lei” é uma realidade, ou seja, não se
encontra mais no campo das ideias. Tal situação trouxe a necessidade da
construção de políticas públicas de segurança em total consonância com os
princípios e fundamentos insculpidos na Constituição Federal, bem como com as
reais necessidades da mesma comunidade que atribui poderes ao cidadão-policial
para agir como “braço armado” do Estado.
Com a redemocratização, iniciada em 1985, nos governos democráticos, os
Direitos Humanos e a participação do cidadão passaram a ter relevo em todos os
assuntos relativos à segurança pública. Uma prova prática disso, já nos nossos
tempos atuais, é o próprio Plano Estadual de Segurança Pública do Governo de
Pernambuco - o festejado Pacto pela Vida2 - que consiste em um conjunto de ações
em várias frentes implementadas desde 2007 que são frutos da participação efetiva
da sociedade civil organizada conjuntamente com o poder público como foco
precípuo no combate à violência no Estado de Pernambuco e redução da
criminalidade. A história nos mostra que a experiência tem dado certo.
O Estado, pela sua própria razão de ser, tomou para si o dever de zelar pelo
bem-estar comum, obrigando-se não só pela realização do propósito coletivo, como
também pela salvaguarda deste intuito. Para isso, atua através de seus agentes
dentro dos parâmetros legais, muitas vezes até indo de encontro a interesses
individuais importantíssimos como a liberdade e, nos casos extremos, o bem
supremo, a vida humana.
Nesse diapasão, sabe-se que o plano legal-social estabelece punições para o
cidadão que causa distúrbios à paz social, que, como se sabe, é o grande fim a que
o Estado se propõe através de seus vários órgãos e agentes públicos. Para tanto, o
próprio Estado criou regras de conduta e convívio social, dando a cada ser o direito
de fazer aquilo que a lei não proíba.
Nesse sentido, é forçoso reforçar que tais regras são a materialização da
própria vontade democrática e soberana do povo representada através dos
2 Plano Estadual de Segurança Pública do Governo do Estado de Pernambuco, lançado em 08 de
maio de 2007.
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regramentos legalmente estabelecidos pelo Estado (mediante a ação daqueles que
conduzem a máquina estatal). Logo, uma norma imposta pelo Estado é, via de
regra, uma norma imposta também pela sociedade (ou pelo menos deveria ser).
Nesse raciocínio, o descumprimento de uma norma legal de convívio entre seres
humanos provoca o Estado como ente guardião da sociedade, o qual deverá punir o
descumpridor, inibindo as eventuais ações de outrem.
Assim, o fato praticado em dissonância com o regulamento será alvo de uma
investigação, onde serão observadas suas causas, circunstâncias e efeitos, do
ponto de vista objetivo e subjetivo. Por fim, concluídos os caminhos da investigação,
o homem, poderá ser penalizado. (IBIAPINA, 1999)
No nosso caso, a crise, no contexto policial, é também conhecida como
evento crítico ou decisivo. Existem muitas definições para crise, porém, em nossa
atividade podemos defini-la como uma “situação grave em que os fatos da vida em
sociedade, rompendo modelos tradicionais, perturbam a organização de alguns ou
de todos os grupos integrados na coletividade” (DORIA JUNIOR; FAHNING, 2007, p.
5).
Como vivemos em um Estado Democrático de Direito, assim entendido como
aquele onde prevalece o Império das Leis, fica ainda mais evidenciada a situação de
que o uso (legal) da força como recurso para o cumprimento de mandamentos legais
está a cada dia mais subordinado ao interesse da coletividade e não ao de pessoas
ou grupos de pessoas.
Na atualidade, não obstante as inúmeras conquistas obtidas em torno da
formação dos direitos humanos, tanto no campo jurídico-legal como no plano
cultural-ideal, continuam a se fazer presentes críticas que parecem ignorar o fato de
que o único instrumento capaz de medir o nível de civilidade alcançado por uma
sociedade – e seu progressivo distanciamento da barbárie – localiza-se exatamente
na capacidade que esta tem de fazer com que seus concidadãos sejam protegidos
pelo generoso guarda-chuva dos direitos humanos. (MONDAINI, 2006, p. 12)
Destarte, as operações policiais devem estar limitadas por alguns parâmetros
baseados na Declaração Universal dos Direitos Humanos: 1) o respeito aos direitos
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das pessoas; 2) a observação dos procedimentos legais; 3) o exclusivo cumprimento
dos deveres (LOCHE, CUBAS & IZUMINO, 1999).
No entanto, cabe-nos salientar que a despeito da imperiosa necessidade de
cumprimento de ditames legais e até mesmo de normas de convívio social por parte
dos policiais, o uso da força, dentro dos limites estabelecidos no nosso ordenamento
jurídico, constitui-se em instrumento fundamental de preservação da ordem pública,
em circunstâncias extremas, e indubitavelmente preservação e defesa dos direitos
humanos.
Neste ponto, a coercibilidade – aqui entendida como a possibilidade de
aplicação da lei punitiva – e a coerção legal – a efetiva punição aplicada pelo Estado
– são elementos que devem complementar o arcabouço da atividade policial.
Infelizmente, entendemos que sem um sistema político-jurídico forte e alinhado com
as mais modernas premissas dos Direitos Humanos, além de uma efetiva
fiscalização e controle por parte do Estado, a sociedade se abraça ao caos.
2 O USO DA FORÇA POLICIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Os altos índices de violência vivenciados por todos nós nos tempos atuais
têm levado diversos setores da sociedade civil organizada a exigirem das
autoridades o efetivo e severo combate à criminalidade. Com isso, surge a
necessidade de criação de mecanismos de controle, prevenção e repressão dessa
criminalidade que a cada dia mais se organiza ante as ações estatais.
Por isso mesmo, a violência e a criminalidade devem ter especial atenção do
Estado, que tem por responsabilidade legal estabelecer tais mecanismos e prever
rigorosas punições aos cidadãos infratores da lei. Nesse mesmo raciocínio, o próprio
Estado impõe inúmeras restrições àqueles encarregados pela aplicação da lei para
que não cometam abusos e desmandos, sob o argumento de que se encontram no
cumprimento de seu dever funcional.
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No entanto, a existência de mecanismos de controle rígidos e a atuação de
um corpo policial fortalecido não justifica a ocorrência de desmandos por parte
daqueles que têm por missão fazer cumprir a lei. De fato, o cumprimento da lei não
deve se dar a “todo e qualquer custo”. Para se fazer cumprir a lei deve-se, sem
dúvida, observar as premissas estabelecidas pelo próprio ordenamento jurídico.
Neste sentido, Tratados Internacionais orientam que a força deve ser empregada
tecnicamente, orientando os países signatários a disponibilizar aos agentes públicos
acesso a treinamento e instrução. Pesquisadores da área de segurança pública e
direitos humanos de diversos países produziram modelos de emprego da força pelo
agente público conforme a reação do infrator (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006).
É exatamente neste ponto que vale aplicar a máxima de que na atuação
policial é preferível usar a “força da lei” do que a “lei da força”.
Quando a violência é cometida por integrantes das organizações policiais no
exercício de suas funções, ela é considerada violência policial. Nesse sentido, a
violência policial seria, por via de regra, a prática de abuso de autoridade contra o
cidadão.
Uma observação importante deve ser trazida à baila. A concepção da
violência policial é relativamente rígida e restrita, pois abrange apenas o uso ilegal
da força física por policiais (civis, militares ou federais) contra outras pessoas,
excluindo um grande número de casos de uso de força física, considerados
ilegítimos ou injustos, mas não ilegais.
Nesse sentido, não se pode conceber que dentro de um Estado Democrático
de Direito - o qual tem como fundamento a Dignidade da Pessoa Humana3 - o uso
da força “bruta” seja a regra, mesmos nos casos onde a atuação das forças policiais
se dê em razão de atos ilícitos cometidos por pessoas. De fato, a técnica aliada ao
“vigor da ação policial” deve necessariamente ser usada para proteger o próprio
cidadão (oponente do policial).
3 Constituição Federal, art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel de
seus Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”.
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3 O USO LEGAL DA FORÇA PELAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS COMO
INSTRUMENTO GARANTIDOR DA ORDEM PÚBLICA, DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DOS DIREITOS HUMANOS.
Um dos principais instrumentos que consolidam as restrições ao poder do
próprio Estado perante seus cidadãos é a Constituição Federal de 1988, que por
suas características peculiares de proteção aos direitos e garantias individuais e
coletivas é conhecida como “Constituição Cidadã”.
No Brasil e em seus Estados, de acordo com a mesma Carta Magna, as
Corporações Policiais Militares são as responsáveis legais pela execução do
policiamento ostensivo e, consequentemente, pela preservação da ordem pública.
Para que estes objetivos sejam atingidos, os agentes públicos utilizam-se do poder
de polícia, conferido pelo Estado. Dentre um dos atributos deste poder de polícia
encontra-se a coercitividade, que permite o uso da força pelo policial militar quando
no objetivo de garantir a preservação da ordem pública.
Diante desta variabilidade de situações, o policial militar, agindo em nome da
sociedade, necessita utilizar da força em prol do interesse coletivo. Agindo assim
afronta direitos fundamentais do cidadão, como o direito de ir e vir, de manter sua
integridade física, ou mesmo o direito a vida, que pode ser tolhido diante de
situações graves. (PERSSON, 2011)
A missão da polícia como braço armado do Estado na sociedade é
sabidamente difícil e delicada, e é reconhecido como inteiramente legítimo o uso da
força pela polícia sob circunstâncias claramente definidas e controladas. Entretanto,
o abuso do poder de usar a força legal choca-se com os próprios princípios nos
quais se baseiam os direitos humanos protegidos por nossa Constituição.
Quando pesquisamos nos dicionários, observamos que o conceito de força sempre
remete a palavras como “poder”, “violência”, “energia” e “vigor”. No entanto, no
nosso caso, tratando de polícia, o uso da força deve sempre obedecer aos princípios
da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade das ações desencadeadas,
posto que ela (a força legal) deve sempre ser usada com o fito específico de fazer
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cumprir a lei e manter a ordem pública. Entretanto, cumpre também ressaltar que
poder, energia e vigor não necessariamente se referem à abuso de poder ou à
violência policial.
Para Focault apud Danner e Oliveira (2010, p.02), o Estado tem como
principal característica o caráter disciplinador e normativo, com a finalidade de
manter o convívio social harmônico, onde o indivíduo é capturado por uma rede de
poder que o torna "útil e dócil". Neste sentido a força pública, mostra-se
fundamental.
Desde a transição para a democracia, o apoio governamental ao uso da
violência policial como instrumento de controle político diminuiu no país e
praticamente desapareceu nos estados das regiões Sul e Sudeste. Embora essa
modalidade de uso da violência policial tenha diminuído, a violência policial
enquanto tal não desapareceu, passando a ser usada, sobretudo como instrumento
de controle social e mais especificamente como instrumento de controle da
criminalidade. Além disso, com o declínio do uso político da violência policial, o
problema da violência policial se tornou mais visível, ou melhor, emergiu como um
problema diferente e independente do problema da violência política, afetando não
apenas os oponentes do governo ou do regime político, mas também, e
principalmente, a população pobre e marginalizada. (MESQUITA NETO, 1999, p.
130)
Ora, um fato fundamental deve ser necessariamente trazido à tona: a
atividade policial, por sua própria natureza é violenta e acima de tudo imprevisível, o
que obriga (e é exatamente esta a palavra que realmente queremos empregar) o
policial a fazer o uso necessário da força para que os objetivos da aplicação da lei
sejam atingidos, desde que seja o último recurso que disponha.
Deixamos bem claro, no entanto, que não fazemos aqui nenhuma apologia à
violência policial, arbitrariedade ou mesmo abuso de autoridade. Em absoluto! Na
realidade, o que defendemos é a necessidade de emprego de força, dentro dos
limites estabelecidos em lei. Mas o fato é que há uma linha muito tênue entra força e
a violência. Os policiais, que têm como umas de suas funções a de serem
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promotores dos Direitos Humanos devem ter a real noção das suas
responsabilidades enquanto cidadãos que receberam a nobre missão de “proteger”
cidadãos.
Outro fator deve ser levado em consideração: a segurança e a integridade
física dos policiais são tão importantes quanto a segurança e a integridade física dos
particulares. Afinal, como pode dar segurança aquele que não a tem? Como se pode
oferecer algo que não se possui? Dessa forma, é cediço que este fator – a
segurança do próprio policial – deve vir antes de qualquer outro parâmetro para uma
melhor prestação de serviço por parte das forças policiais. O fato é que a lei não nos
obriga a oferecermos irresponsavelmente nossa vida e sim, pô-la em risco em razão
do cumprimento da missão.
O profissional de segurança pública, isto é, o policial, deve ter a sua
segurança pessoal como pedra de toque para as condições de sua atuação nas
ruas, pois se sabe que as situações as quais é submetido são, indubitavelmente, por
sua própria natureza, violentas e imprevisíveis e, nesses casos, violenta e
imprevisível não pode ser a sua atuação.
4 OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE
APLICADOS À ATIVIDADE POLICIAL COMO SEUS DELIMITADORES. A
IMPORTÂNCIA DA “FORÇA DA LEI” E NÃO DA “LEI DA FORÇA”.
Assim como o Princípio da Legalidade - que norteia todas as atividades
estatais - poucos princípios são tão levados a sério durante a execução das
atividades policiais como a proporcionalidade e razoabilidade. Ambos estão dessa
forma intimamente ligados ao uso da “força legal” 4 pelo policial.
A atuação policial, principalmente aquela que demanda o uso da força (o que
não é uma raridade), para que não caia na vala da ilegitimidade deve ser precedida
4 Entendemos que “força legal” nos remete a ideia da atuação policial legal e legítima, ou seja, aquela
ação que se coaduna perfeitamente com os ditames legais e encaixasse dentro dos parâmetros que
a própria legislação estabelece e que diferenciam “violência policial” de “uso legal da força”.
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das seguintes determinantes: legalidade, necessidade, racionalidade e
proporcionalidade.
O princípio da razoabilidade não se encontra expressamente previsto sob
esta epígrafe na Carta Magna de 1988. Isto, contudo, não permite se infira estar este
princípio afastado do sistema constitucional pátrio, posto que se pode auferi-lo
tacitamente de alguns dispositivos.
A origem e desenvolvimento do Princípio da Proporcionalidade, a seu turno,
encontra-se intrinsecamente ligado à evolução dos direitos e garantias individuais da
pessoa humana, verificada a partir do surgimento do Estado de Direito burguês na
Europa. (SOUZA; SAMPAIO, s/d, p.11)
É forçoso salientar que o Princípio da Proporcionalidade nasceu no âmbito do
Direito Administrativo, como princípio geral do direito de polícia, e desenvolveu-se
como evolução do princípio da legalidade e requereu, para tanto, a criação de
mecanismos capazes de controlar o próprio Poder Executivo no exercício das suas
funções, de modo a evitar o arbítrio e o abuso de poder. (CANOTILHO, 1998, p.259)
O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim
almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na
esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.
(CANOTILHO, 1998, p.263).
Dessa forma, infere-se que o princípio da proporcionalidade é utilizado com
crescente assiduidade para aferição da constitucionalidade dos atos do Estado,
como instrumento de proteção dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 1997,
p.359) e tal fundamento é plenamente aplicável às ações de natureza policial,
sobretudo no concernente à proteção dos direitos humanos.
A proporcionalidade é, por conseguinte, ideia ínsita à concepção de Estado
Democrático de Direito, e a sua inobservância ou lesão é a mais grave das
inconstitucionalidades, uma vez que sem princípio não há ordem constitucional e
sem ordem constitucional não há democracia nem Estado de Direito. (SILVA, 1998,
p.682)
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Todavia, não podemos negar que há um sem número de ilegalidades
praticadas por agentes do Estado (em seus mais diversos setores). Em posição
distante de qualquer referência ética, agindo de forma até imoral, o Estado que
busca punir quem violou a lei, por muitas vezes age na mais absoluta ilegalidade,
em praticamente todas as fases da persecução; da investigação criminal à execução
da pena, e é claro que assim permanece impunemente. (MARCÃO, 2004)
No entanto, ao policial a quem cabe a tutela do cidadão, sobretudo seus
direitos e garantias fundamentais, a consciência da importância do seu papel e
trabalho na sociedade faz toda a diferença no momento da escolha entre as duas
“opções”: o uso da força da lei (como instrumento garantidor do policial e do próprio
cidadão) ou o uso da lei da força, que nos remete novamente aos períodos mais
sombrios da nossa história enquanto país democrático.
Neste diapasão, convém ressaltar que o próprio Princípio da Reserva Legal
tem uma função política, haja vista ser uma garantia fundamental da liberdade do
ser humano, limitando-o em relação à lei, que disciplina a possibilidade de agir e o
protege dos transgressores de seus limites, bem como limita o Estado-Juiz a decidir
sobre as condutas ditas ilícitas e as penas a elas impostas. Assim, o Princípio da
Reserva Legal nasceu para impedir o absolutismo, protegendo o homem e dando-
lhe um valor prioritário. Afinal o Estado existe pelo homem e para o homem,
encontrando nele seu objetivo. Daí porque ele deve estar organizado para preservar
e garantir os direitos do ser humano. (IBIAPINA, 1999)
5 A PORTARIA INTERMINISTERIAL 4226 COMO INSTRUMENTO DE
PADRONIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS SOBRE O USO DA FORÇA POR
PARTE DE AGENTES DE SEGURANÇA
Com o objetivo de garantir uma maior redução das ilegalidades praticadas por
agentes do Estado, em especial agentes de Segurança Pública, durante o exercício
da profissão e, sobretudo, com o fim de fomentar a padronização de procedimentos
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no que concerne ao uso legal e escalonado da força, encontramos no âmbito
nacional a Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, do Ministro
da Justiça e do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República do Brasil.
Não obstante ter a obrigatoriedade de sua observância determinada no artigo
2º ao Departamento de Polícia Federal, ao Departamento de Polícia Rodoviária
Federal, ao Departamento Penitenciário Nacional e à Força Nacional de Segurança
Pública, tal documento pode ser atualmente considerado como um baluarte dos
procedimentos operacionais afetos ao uso da força pelos agentes de segurança
pública, passando a ser incluído nos currículos dos cursos de formação e programas
de educação continuada das forças policiais brasileiras, quer federais, quer
estaduais, não excluídas neste ponto, as Guardas Municipais naquilo que lhes
couber.
A Portaria tem sua importância, pois orienta de forma clara e objetiva, além do
que padroniza os procedimentos da atuação dos agentes de segurança pública com
base nos princípios internacionais sobre o uso da força com o objetivo de reduzir
paulatinamente os índices de letalidade resultantes de ações envolvendo agentes de
segurança pública.
É bem verdade que a Portaria segue uma tendência internacional, na medida
em que acompanha os fundamentos e princípios de respeito aos direitos humanos,
além da concepção do direito à segurança pública com cidadania, todos bem claros,
por exemplo, no Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei –
CCEAL e nos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo
pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei (PBUFAF).
O CCEAL é um documento da Organização das Nações Unidas (ONU)
adotado pela Assembleia Geral daquela instituição na sua Resolução 34/169, de 17
de dezembro de 1979 e que trata especificamente sobre políticas de direitos
humanos e ética profissional, sendo considerado uma norma orientadora das
práticas policiais no mundo todo.5 O CCEAL se resume a oito artigos. Não há dúvida
5 Os Princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para os Funcionários
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de que não é um Tratado, mas pertence à categoria dos instrumentos que
estabelecem normas orientadoras aos governos mundiais nos quesitos afetos aos
direitos humanos e política criminal.
A seu turno, os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de
Fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei (PBUFAF), em especial
os policiais, trata-se de outro documento bastante importante é o que traz o qual foi
adotado durante o Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes realizado em Havana, Cuba, de 27 de
Agosto a 7 de Setembro de 1990.
Os PBUFAF vão a fundo nas rotinas e procedimentos dos organismos
policiais na medida em que estabelecem as condutas nos casos de manutenção da
ordem em caso de reuniões ilegais, manutenção da ordem entre pessoas detidas ou
presas, passando pela habilitações, formação e aconselhamento dos agentes de
segurança (a saber, os responsáveis pela aplicação da lei) e, por fim, do
estabelecimento de procedimentos básicos de comunicação hierárquica e de
inquérito nos casos em que da utilização da força ou de armas de fogo pelos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei resultem lesões ou a morte.
Assim, notamos que ao mesmo tempo em que os poderes e autoridades
legalmente constituídas são essenciais para a garantia da estabilidade social e do
Estado Democrático de Direito são necessários mecanismos de controle e
procedimentos bem delineados que também garantam o eficaz desempenho destes
poderes-deveres da aplicação da lei – que também são estabelecidos pela
legislação nacional. Neste sentido, é dizer, que todos fazem parte de uma grande
engrenagem que visa tão somente o equilíbrio social através da fiscalização dos
particulares e controle dos encarregados da aplicação da lei.
Responsáveis pela Aplicação da Lei foram adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua Resolução 1989/61, de 24 de maio de 1989 e na Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1984, promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991;
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grande desafio é termos uma polícia democrática e que seja defensora dos
direitos e do Estado Democrático de Direito e muito já tem sido feito neste sentido
em todo o Brasil. Todavia, tão importante quanto isso é o fato de que cada cidadão
também tem papel fundamental para a manutenção do equilíbrio da coletividade. A
atitude de cada um é preponderante na construção de uma sociedade onde impere
os sentimentos de justiça, igualdade e bem comum.
A premissa da monopolização da jurisdição e a finalidade de promoção do
bem comum, com a indispensável necessidade da garantia da ordem pública,
exigem do Estado – em suas mais variadas vertentes – um comportamento positivo
e monitoramento constante das ações dos seus agentes, posto que ele, o Estado,
existe exatamente para manter a harmonia social.
Não há dúvida de que devem ser observadas as garantias constitucionais
fundamentais do cidadão, como o princípio da legalidade, o qual deve
obrigatoriamente instruir todos os atos da autoridade policial.
É mister ressaltar ainda que não são mais aceitos no mundo de hoje a
repressão aos direitos fundamentais, traduzidos na liberdade de ir e vir, de
expressão, de pensar, de opinar, etc. Do mesmo modo, o respeito ao ser humano,
ao cidadão, ao preso, às minorias, bem como o respeito destes para com o próprio
Estado devem ser objetivos a ser fomentados por todos para que o nosso Estado
Democrático de Direito não se torne um Estado de anarquia, tampouco um Estado
arbitrário, relembrando os Estados absolutistas do passado, não mais aceitos nos
dias atuais.
Quando tratamos de abuso de poder e uso da força não podemos esquecer
de que vários são os fatores, princípios e circunstâncias que interferem no “caminho
da legalidade e da moralidade”, assim chamado por nós como aquele que deve ser
perseguido tanto pelo Estado como pelo particular.
Não existe mais lugar para a “truculência policial” e outras arbitrariedades
congêneres. Não mais se aceita o policial que antes se serve do que serve (no
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sentido de servir à sociedade). Da mesma forma, não se concebe mais o uso da
força - que é um instrumento importantíssimo para a manutenção da ordem pública
e defesa dos direitos humanos, quando usado dentro dos limites estabelecidos nos
diplomas legais - quando usado de maneira exacerbada e excessiva, pois, desta
forma, se compromete a legitimidade das demais ações desencadeadas pelas
instituições policiais.
Da mesma forma que deve ser repudiada a atitude do Estado de se praticar
crimes para coibir crimes, deve-se manter também a consciência de que este, ao
Estado, como guardião da lei, alicerçado em princípios éticos e morais, cumpre dar o
melhor exemplo de como cumprir essa mesma lei.
Nesse diapasão, o que se deve ter em mente é a manutenção de um equilíbrio para
que o Estado não se torne abusivo quando aplicar as viabilidades que a legislação
ou jurisprudência o permitam, bem como não deixar impunes crimes cometidos
pelos particulares.
Todavia, também temos a consciência de que o estabelecimento de conceitos
modernos, coerentes com Estado Democrático de Direito, por si só não provocará as
mudanças desejadas. A tarefa implica em mudanças institucionais e culturais (estas
muito difíceis), além do envolvimento de outros organismos públicos e privados,
além da sociedade civil na construção das políticas de segurança pública adequadas
ao momento contemporâneo.
REFERÊNCIAS
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília, Editora e Livraria Brasília Jurídica, 1996. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 1997. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra,
Almedina, 1998.
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Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas; Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979. DANNER, Fernando; OLIVEIRA, Nythamar Fernandes. Michel Foucault e a Modernidade:
a Emergência do Estado Liberal e a Instauração da Biopolítica. Porto Alegre, PUCRS. Tese de Doutorado em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. IBIAPINA, Humberto. Dos Princípios que garantem a integridade do agente na investigação criminal. Revista da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, nº 06, 1999. IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito (s/d). Tradução de João Vasconcelos, 23ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2006. MARCÃO, Renato. Escuta telefônica. Estado deve combater a criminalidade sem violar a
lei. São Paulo: Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2004. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/30909,1>. Acesso em: 23 Set 2006. MESQUITA NETO, Paulo. Violência Policial no Brasil: abordagens teóricas e práticas de controle. In: CIDADANIA, justiça e violência/Organizadores Dulce Pandolfi ... [et al]. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 130-148. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Uso Legal da Força. Secretaria Nacional de Segurança
Pública. Florianópolis, 2006. MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. São Paulo: Contexto, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1998. Pacto pela Vida, Plano Estadual de Segurança Pública do Governo do Estado de Pernambuco, Fórum Estadual de Segurança Pública, 08 de maio de 2007. PERSSON, Eduardo Moreno. Embasamento legal do uso da força pelo policial militar. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3021, 9 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20084>. Acesso em: 25 jul. 2014. Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, do Ministro da Justiça e do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
SOUZA, Carlos Affonso Pereira de; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O Princípio da Razoabilidade e o Princípio da Proporcionalidade: uma abordagem constitucional.
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A DETERMINAÇÃO LEGAL DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME CONTRA VIDA DE CIVIL PRATICADO POR POLICIAL
MILITAR EM SERVIÇO
Saulo Sitônio1
RESUMO
O objetivo desse estudo, dentro da esfera do Direito Militar, é abrir um canal de discussão e buscar estudar as novas regras apresentadas. A figura jurídica, dentro do contexto em estudo, ainda é um assunto polêmico ante a real necessidade de sua aplicação para os jurisdicionados, posto que os resultados práticos não são os almejados. Devendo ressaltar que o Direito Militar é pouco estudado e difundido, é possível enxergar que a resolução dos conflitos castrenses são resolvidos por uma Casta, diante da restrita ordem atual. O presente trabalho busca demonstrar como esse embate é presente e atual no ordenamento jurídico, contudo pouco estudado e de decisões conflitantes. Para chegar ao ponto chave do tema, foi preciso, inicialmente, buscando maiores bases para uma razoável análise da questão, fazer um estudo teórico sobre os conceitos relevantes ao tema em estudo. A metodologia utilizada no presente trabalho foi à pesquisa doutrinária, jurisprudencial e legislativa, levando em conta ainda a atual Política Criminal. Palavras–chave: Crime Doloso. Corregedoria de Polícia. Direito Penal Militar. Policial Militar. Inquérito Policial Militar.
1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Graduado em Bacharelado em Direito pela Faculdade de
Direito de Olinda (FADO/AESO). Pós-Graduado em Planejamento e Gestão Organizacional pela
UPE/FCAP. Pós-Graduado em Gestão Governamental pela UPE/FCAP. Pós-Graduado em Ciências
Criminais Militares pela Faculdade Integrada Barros Melo.
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1 INTRODUÇÃO
Em face de observação do contexto e dinâmica atual de trabalho dos Órgãos
Operativos, subordinados a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE),
que deixa transparente a obrigação legal e a dedicação e competências dos Policiais
que compõem seu corpo de colaboradores, executando a árdua missão, tantas
vezes incompreendida, de apaziguar a sociedade Pernambucana, envolvidos e
empenhados para melhor cumprir suas atribuições, buscando incansavelmente o
cumprimento de metas/resultados positivos, o que satisfatoriamente vem sendo
alcançado, nos deparamos com a interposição de atribuições quanto à realização da
investigação dos crimes militares praticados contra a vida de civis, por policiais
militares em serviço.
Os Oficiais da Polícia Militar de Pernambuco que servem no fronte da Defesa
Social são conscientes dos obstáculos, sabedores das derradeiras modificações da
legislação processual penal militar, inclusive da política criminal que alcança os
tribunais superiores do País, contudo o empenho em acatar a ordem legal os
direciona a abordar o tema em questão, sendo um dos enfrentamentos da atual
prática.
É importante ressaltar a fronteira entre as atribuições dos Órgãos Operativos
da SDS-PE, e dentro de tal supedâneo, apresentar a determinação de ordem legal
que respalda a investigação de um crime militar.
Devemos, no entanto alertar que o trabalho da Autoridade de Polícia
Judiciária Militar, a legislação e a Política Criminal, devem se entrelaçar e encontrar
solo fértil, visto que, é motivo de reflexão, a necessidade de obediência às normas
legais, o que obriga o Estado como todo.
Batista (2011) chama a atenção para a condução da investigação através de
Inquérito Policial Militar de crimes contra vida de civis perpetradas por policiais
militares em serviço, frente às determinações legais ora em estudo, ressaltamos que
o tema discorrido apresenta campo fértil, sendo uma obrigação básica, que irá
refletir no binômio: garantia e eficiência legal.
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Parafraseando o texto de Batista (2011), podemos transcrever sua afirmativa:
“É dizer, a Lei nº 9.299, de 1996, estabeleceu que à Justiça Militar competirá exercer o exame primeiro da questão. Noutras palavras, a Justiça Militar dirá, por primeiro, se o crime é doloso ou não; se doloso, encaminhará os autos do Inquérito Policial Militar à Justiça Comum. Registre-se, encaminhará os autos do Inquérito Policial Militar” (BATISTA, 2011, p.37)
No caso em estudo, especificamente ao Direito Processual Penal Militar, “É a
lei, que deseja que as investigações sejam conduzidas, por primeiro, pela Polícia
Judiciária Militar”. Há bastante material intelectual produzido quando se fala na
urgente necessidade da preservação das atribuições da Polícia Judiciária Militar
frente a tais crimes, mas resguardar a operacionalização e obediência irrestrita a
aspectos de ordem legal, ainda é uma necessidade, inclusive no Estado de
Pernambuco.
A questão nos apresenta como não pacífica a discussão em torno do binômio
garantia/eficiência da Polícia Judiciária Militar nos assuntos relativos à segurança do
ordenamento processual penal militar, apresenta a fragilidade da questão quando
confrontada com a prática ou os assuntos de política criminal.
É verdade que a integração entre as polícias caminha para um maior
acolhimento dos direitos e contribui para a paz social, exemplo maior é o nosso
Pacto Pela Vida2, contudo a limitação de atribuições é de cunho legal, sendo
necessária a sua obediência.
A discussão visa abrir um canal, sugerindo ainda o embasamento científico,
buscando mapear com a ajuda dos setores de controle, um comparativo com a
expectativa dos gestores e necessidades do serviço executado, ressaltando que não
se pretende polemizar qualquer tema em estudo, propondo tão só a melhoria e o
engrandecimento dos órgãos responsáveis.
Não pretendemos exaurir tal ponto precocemente, e sim despertar os
operadores do direito para tal, apenas buscando traduzir tal assunto através do
2 Programa de política criminal do Estado de Pernambuco do Governo Eduardo Campos, do período
de 2.007 a 2.014.
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sentimento legalista, seja de Oficiais, graduados ou praças, integrantes das
primeiras fileiras da polícia militar, isto é, dos Batalhões de Polícia Militar, sendo
estes os servidores que trabalham na atividade fim., ou seja, policiamento
propriamente dito, e consequentemente, o primeiro embate com a criminalidade.
2 DESENVOLVIMENTO
O ser humano, seja ele pol icial ou não, apresenta a possibil idade
de promiscuidade e f lerte com desvios de condutas diversas, contudo
há uma aversão em pensá-la por parte dos responsáveis por nos
defender, merecendo desde então, busca incessante ao seu devido
controle.
Para tal, contamos com as polít icas criminais, com as leis e
códigos de conduta, e desde já f ique claro as amarras legais para se
por em prática tais expedientes. O Estado Democrático de Direito,
principalmente em confronto com os índices alarmantes de
criminalidade registradas na atualidade, caminha a passos largos para
fortalecer suas instituições de polít ica criminal.
A linha diminuta que separa o combate ao crime e o própr io crime
confunde-se, e nem todos, mesmo sendo submetidos à tr iagem,
treinamento, hierarquia, discipl ina e supervisão, conseguem caminhar
na linha e não se “sujar”.
O tema discorrido pelos autores do livro “Quem Vigia os Vigias”
apresenta relatos de polic iais militares de cinco Estados da Federação,
onde há a recorrente crít ica da sociedade ao julgamento de polic iais
por pol iciais, atrelando a “tendência ao corporativ ismo” como
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responsável pelos altos níveis de impunidade daqueles, seja em nível
de controle interno ou criminal.
Quanto à crít ica do julgamento de policiais por policiais, cabe
verif icar o seguinte posicionamento exarado pelo Excelentíssimo Juiz
Auditor da Justiça Militar do Estado de São Paulo, Dr. Ronaldo João
Roth:
"O exame das peculiaridades da caserna e dos misteres
enfrentados pelos mi l i tares encontram mais faci l idade de compreensão quando real izados pelo próprio mi l i tar que, uma vez guindado ao exercício da judicatura mi l i tar , deverá – apl icando a lei penal mi l i tar , sob os cânones processuais penais mi l i tares - , decidi r no caso concreto, si tuação essa que, de modo contrário, pode trazer ao ju iz togado cer ta di f i culdade de apreciação fática, levando-o a apl icar a lei sem a mesma acuidade própria dos mi l i tares". Gri fo nosso. (ROTH, 2003, p.58 -59)
Devemos alertar que a investigação aqui defendida nada se
confunde com julgamento, defendemos a peça inquisitorial, por ser de
ordem legal, e por se processar as vistas de quem compreende as
“pecul iaridades da caserna”.
O afastamento da competência da justiça mil itar para julgar os
crimes dolosos contra a v ida de civ is praticados por militares de
serviço, não afastou a competência da Polícia Judiciár ia Mil i tar para
sua investigação, o que f ica respaldado pelo § 2º do Art. 82 do Código
de Processo Penal Militar, redação dada pela Lei 9.299/1996, vejamos:
“Art . 82 – O Foro mi l i tar é especial e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra de civi l , a e le estão suje i tos, em tempo de paz: I – . . . § 1º – . . . § 2º – Nos cr imes dolosos contra a v ida, praticados contra de civi l , a Just iça Mi l i tar encaminhará os autos do inquéri to pol icial mi l i tar à just iça comum.”
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Constata-se que o instrumento legal para investigação é o
Inquérito Policial Militar, conduzido por Autoridade de Polícia Judiciár ia
Militar.
Em decisão à Ação Direta de Inconstit ucional idade nº 1494,
promovida pela Associação dos Delegados de Polícia da Brasil –
ADEPOL, que invocou a inconst itucionalidade do citado § 2º de Art. 82
do CPPM, teve a seguinte Ementa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, PRATICADOS CONTRA CIVIL, POR MILITARES E POLICIAIS MILITARES – CPPM, ART. 82, § 2º, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.299/96 – INVESTIGAÇÃO PENAL EM SEDE DE I .P.M – APARENTE VALIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA LEGAL – VOTOS VENCIDOS – MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. O Pleno do Supremo Tribunal Federal – vencidos os Ministros CELSO DE MELO (Relator). MAURÍCIO CORREA, ILMAR GALVÃO e SEPÚLVEDA PERTENCE – entendeu que a norma inscri ta no ar t . 82, § 2º, do CPPM, na redação dada pela Lei 9.299/96, reveste -se de aparente val idade consti tucional . ”
É certo que nosso Pretório Excelso já firmou entendimento quanto ao
instrumento hábil para investigar crimes dolosos contra a vida de civis praticados por
militares em serviço, não restando dúvidas que tal instrumento seja o Inquérito
Policial Militar. O arcabouço legal nos obriga a cumprir as normas legais e o STF
confirmou, porém na prática o que se observa em Pernambuco é a dupla
investigação ou apenas apuração por parte da Delegacia de Homicídios e Proteção
à Pessoa.
Devemos ainda ressaltar que a investigação já parte do pressuposto de que o
crime se trata do capitulado no Art. 121 do Código Penal Comum, descartando a
possibilidade da conduta do policial militar em serviço ter ferido o Art. 206 do Código
Penal Militar.
Outra perspectiva a ser abordada é a que nos traz Batista (2011), que
defende o arquivamento na Justiça Militar dos crimes previstos nos artigos 205 e
207 do CPM quando as causas de exclusão de ilicitude atingir a vontade do policial
militar ao matar dolosamente um civil movido por exemplo pela legítima defesa.
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A compreensão de seu artigo nos remete a realização do Inquérito Policial
Militar por Oficial da Polícia Militar com atribuição de Polícia Judiciária Militar e não
pelo delegado de polícia, nos crimes dolosos contra a vida de civis, perpetrados por
militares dos Estados, ao encontrarem a plena tipicidade no Código Penal Militar,
mesmo nos artigos 205 e 207 do CPM, cabendo ao Encarregado do IPM às medidas
previstas no Art. 12 do Código de Processo Penal Militar.
3 CONSIDERAÇÔES FINAIS
O entendimento do Doutrinador Castrense Célio Lobão defende a tipificação
dos artigos 205 e 207 CPM a serem processados e julgados pelo Tribunal do Júri,
sendo defendido pelo Douto Edson Correa Batista, o que não atinge nossa
discussão, que se limita ao campo inquisitorial.
Segundo Batista (2011, p.37) “é a lei, que deseja que as investigações sejam
conduzidas, por primeiro, pela Polícia Judiciária Militar.”
Devemos, no entanto ressaltar, e concordar com o Batista (2011) a respeito
do debate travado sobre a existência e legitimidade do Direito Processual Penal
Militar, e aqui especificando para os Oficiais Policiais Militares, que devemos buscar
o reconhecimento dos governos, mas também da sociedade, ciente de que
ordenamento jurídico existe, porém a pergunta a se fazer deve ser se está no plano
de sua execução.
Não observamos a faculdade, e sim a obrigatoriedade em agir do Oficial
Policial Militar, Autoridade Judiciária Militar, responsável pela investigação de crimes
militares, sendo importante ressaltar que não estamos diante de um discurso
contrário às políticas criminais, mas tão só analisando a obrigação legal, e
apresentar uma opinião acerca da correta aplicação dos mecanismos atuais, não
esquecendo o combate ao crime, seja no seio da tropa, ou seja, cortando a própria
carne.
Como já esposado, o presente artigo busca abrir o canal de discussão e
reunir as mais diversas e relevantes possibilidades para aperfeiçoamento da
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legislação processual penal militar e seu entendimento, enquanto atividade
investigativa, apresentando tal trabalho aos Oficiais da Polícia Militar de
Pernambuco, em especial, os do serviço ativo, servindo ou não no fronte, e desta
forma, contribuir significativamente para a conscientização dos Agentes Públicos e
também da sociedade.
Em última análise, faz-se necessário ir além do discurso da efetividade do
processo, alcançando mudanças de ordem prática.
REFERÊNCIAS
LEMGRUBER, Julita. Musumeci, Leonardo. Cano, Ignacio. Quem Vigia os Vigias? Um Estudo Sobre Controle Externo da Polícia no Brasil. Ed. Record, Rio de Janeiro, São Paulo. 2003 BATISTA, Edson Correa. O Arquivamento do Inquérito Policial Militar nos Casos de Crimes Dolosos Contra a Vida Praticados Contra Civil em face do Reconhecimento de uma Causa de Exclusão da Ilicitude. Revista Direito Militar, nº 91, setembro/outubro – 2011. LOBÃO, Célio, Direito Processual Penal Militar, Método, São Paulo, 2009.
ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar- Peculiaridades do Juiz Militar na atuação jurisdicional. O juiz militar e as peculiaridades de sua atuação na Justiça Militar. Ed. Juarez de Oliveira. Código Penal Militar, Decreto-lei nº 1.001, de 21/10/1969. Acesso em 24/07/2014. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm
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A DOUTRINA COMO FATOR DE FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL E
DIRECIONAMENTO DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR
Marcelo Martins Ianino1
Resumo
O presente estudo tem por finalidade fomentar o debate sobre a importância da doutrina para o fortalecimento institucional e o direcionamento das atividades meio e fim das corporações Policiais Militares. Ao longo do texto, faremos a exposição teórica sobre a necessidade da contínua busca pelas pesquisas e produções doutrinárias, utilizando exemplos de corporações militares que fazem dessas estratégias metodológicas suas práticas para o alcance dos objetivos institucionais. Colocaremos também, em linhas gerais, nossas assertivas sobre o atual cenário da produção doutrinária no âmbito das Polícias Militares brasileiras. Palavras-chave: Polícias Militares. Doutrina. Fortalecimento Institucional. Direcionamento Profissional.
1 INTRODUÇÃO
A etimologia da palavra doutrina contém a mesma raiz de docere que
significa “ensinar”. (SOUZA, 1982 apud MELO, 2000, p. 05)
Sobre a origem do termo, Frota (2002, p.21) dispõe que “doutrina seria o que
se transmite pelo ensino: um corpo de conhecimentos estruturados de maneira
coerente e uniforme com a finalidade de compreender a realidade e possibilitar sua
transformação”.
1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Mestre em História pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco - UFRPE. Graduado em Licenciatura Plena em História – UFRPE. Pós-Graduado no
Curso de Especialização em Formação de Educadores pela UFRPE. Pós-Graduado (Especialização)
no Curso de Gestão da Segurança na Sociedade Democrática pela Universidade Luterana do Brasil –
ULBRA. Pós-Graduado (MBA) em Gestão Governamental pela UNINTER. Bacharelando em Direito
pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID.
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Em sua forma conceitual doutrina significa:
Conjunto de princípios, conceitos, normas e procedimentos. Fundamentada principalmente na experiência, destinada a estabelecer linhas de pensamento e a orientar ações, exposta de forma integrada e harmônica. Em uma visão mais abrangente, os princípios e conceitos compõem o espectro filosófico da doutrina, enquanto as normas e procedimentos determinam, de modo pragmático, a práxis, ou seja, o processo de execução ou a prática de uma ou várias ações pré-estabelecidas. (SIDOMT- EB10-IG-01.005, 2012, p.03)
O termo doutrina se coloca em diversos contextos: jurídico, político, religioso,
filosófico ou genérico. (VIEIRA, 1995 apud MELO, 2000, p. 05)
Nesse sentido, incluímos mais dois contextos para o termo doutrina,
importantes para o desenvolvimento do nosso trabalho, sendo o primeiro
relacionado ao conceito de “Doutrina Militar”:
Conjunto harmônico de ideias e de entendimentos que define, ordena, distingue e qualifica as atividades de organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Englobam, ainda, a administração, a organização e o funcionamento das instituições militares. (GLOSSÁRIO DAS FORÇAS ARMADAS - MD35-G-01, 2007, p.86)
E o segundo contexto, relacionado ao conceito de “Doutrina Policial Militar”:
Do conceito de doutrina militar pode-se depreender o conceito de doutrina policial militar como sendo o conjunto de ideias e entendimentos que define, ordena, distingue e qualifica as atividades policiais de exercício do poder de polícia, de preparo e emprego das instituições policiais. Pode ainda englobar a administração, organização e funcionamento das instituições policiais. (FARIA, 2014, p.03)
No caso específico deste estudo, pretendemos demonstrar que a doutrina em
seu sentido pedagógico, no qual teoria e prática devem estar intimamente
conectadas, aliada a doutrina em seus conceitos “Militar” e “Policial Militar”, pode e
deve ser entendida como um dos principais fatores de fortalecimento das instituições
Policiais Militares, bem como de direcionamento, das atividades meio e fim das
corporações.
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2 DOUTRINA E FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL
Face à era do conhecimento em que vivemos atualmente, as instituições
públicas, sejam elas civis ou militares, precisam estar em condições de se
adaptarem às constantes mudanças que ocorrem no processo de evolução da
sociedade.
A alta velocidade de transmissão de dados e o fácil acesso às informações,
principalmente após o advento da internet, exigem um constante processo de
atualização dos procedimentos corporativos internos, sob pena de tornar obsoletos
os mecanismos de trabalho existentes em cada órgão ou departamento.
Em nosso caso especificamente, apontaremos exemplos de instituições
militares, que permanecem em contínua busca pela produção e atualização da
gestão do conhecimento, utilizando-se de dispositivos doutrinários para o alcance de
seus objetivos, os quais podem servir de exemplo para o fortalecimento das
corporações Policiais Militares como um todo.
Iniciamos fazendo referência a organizações militares estrangeiras, que
através de seus respectivos modelos de gestão do conhecimento doutrinário
buscam os seus constantes processos de aprimoramento profissional. Por meio do
artigo publicado pelo Coronel Alexandre Eduardo Jansen, do Exército Brasileiro, na
revista Doutrina Militar Terrestre, apresentamos a seguir três exemplos de
instituições militares de outros países, que encontraram no fomento à produção
doutrinária o caminho para a contínua atualização dos procedimentos técnicos de
seus integrantes, e que segundo o autor, podem ser adaptados às instituições
militares brasileiras.
O primeiro é o exemplo do Exército dos Estados Unidos da América (EUA):
Com uma imensa estrutura voltada para a gestão do conhecimento, implementou nas últimas duas décadas, importantes mudanças na gestão do conhecimento. Um setor específico do Exército dos EUA, o Battle Command Knowledge System (BCKS), sediado no Centro de Armas Combinadas (CAC), no forte Leavenwort, Kansas, foi o agente principal dessas mudanças de gestão do conhecimento, tendo como missão apoiar a geração, aplicação e exploração de conhecimentos do Exército,
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promovendo a colaboração entre soldados e unidades, para compartilhar as expertises e as experiências, contribuindo com o desenvolvimento de líderes intuitivos na tomada de decisão e apoiando o desenvolvimento das organizações e equipes. (JANSEN, 2013, p.08)
O segundo exemplo é o canadense, no qual existe o subsequente sistema de
doutrina e instrução:
O Centro de Lições Aprendidas do Exército (CLRA) é o responsável pelo processo de aprendizagem do Exército do Canadá. Esse processo está apoiado sobre uma cultura de aprendizado orientado pelo Estado-Maior, no programa de revisão das lições aprendidas, o que facilita e agiliza a análise e absorção das experiências operacionais que possam influenciar na melhoria da instituição. (JANSEN, 2013, p.08)
O terceiro exemplo vem do exército francês, de onde podemos extrair dois
modelos de como aproveitar o conhecimento para produzir doutrina:
Diretamente subordinado ao Chefe do Estado-Maior do Exército, o Centro de Doutrina e Emprego das Forças (CDEF) é o órgão central da Doutrina da Força, enquanto que no Estado-Maior das Forças Armadas, o Centro Interforças de Concepção de Doutrinas e Experimentação (CICDE) faz esse papel. O CDEF possui uma organização que permite gerir todo o ciclo da produção doutrinária que compreende a concepção, a elaboração, a pesquisa, a simulação e a pesquisa operacional, as lições aprendidas e a difusão. Na vertente da difusão, impressiona a expressiva participação de integrantes do exército e mesmo civis na produção de textos sobre assuntos doutrinários e lições aprendidas. Os militares são estimulados a escrever não só para as publicações da FTer, mas também para revistas e jornais civis. A organização do CICDE é totalmente matricial, sendo composto pelo seu Diretor, um Diretor adjunto e três Subdiretores – um de concepção, outro de doutrinas e o outro de sinergia doutrinária. Abaixo dos dois primeiros só existem sete oficiais de projeto para cada um. Quando da execução de novos projetos, são designadas equipes temporárias, com pessoas a serem escolhidas pelo gerente do projeto, dentro do universo de todo o Ministério da Defesa, considerando as especialidades necessárias. (JANSEN, 2013, p.09)
Essas experiências de organismos militares internacionais, adaptadas
proporcionalmente à envergadura das Polícias Militares brasileiras, podem apontar
um bom direcionamento para o modelo de construção de obras doutrinárias Policiais
Militares, visto que, em nosso entendimento, e perante a missão constitucional
estabelecida, no que diz respeito ao policiamento ostensivo e a preservação da
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ordem pública (Constituição Federal de 1988, Artigo 144, parágrafo 5º), os Policiais
Militares necessitam para o exercício de seu mister, de normas e procedimentos de
conduta profissional, muito bem embasados, englobando aspectos técnicos e
jurídicos que deem respaldo as suas ações perante a sociedade, fortalecendo dessa
maneira, a imagem profissional e institucional das corporações Policiais Militares
como um todo.
No âmbito nacional, ressaltamos neste estudo a estrutura doutrinária montada
pelo Exército Brasileiro, através principalmente, do Centro de Doutrina do Exército
(C Dout Ex), organismo subordinado diretamente ao Estado-Maior da corporação, e
da Assessoria de Doutrina (Asse Dout), subordinada ao Departamento de Educação
e Cultura do Exército (DECEx).
O Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex) tem por missão planejar,
coordenar e conduzir as atividades do Sistema de Doutrina Militar Terrestre
(SIDOMT)2.
A Assessoria de Doutrina (Asse Dout) do DECEx, tem as seguintes
finalidades:
1. Captar, junto às escolas subordinadas ao DECEx, dados e/ou conhecimentos que contribuam para a formulação e atualização da Doutrina Militar Terrestre; 2. Orientar a produção científica nos Estabelecimentos de Ensino subordinados de forma a atender às demandas doutrinárias da Força terrestre; 3. Contribuir para o processo de formulação e atualização do SIDOMT
3.
As atividades realizadas pelo Centro de Doutrina do Exército e pela
Assessoria de Doutrina materializam, no âmbito da corporação, o conceito de
doutrina militar que citamos anteriormente. Podemos verificar com a ação desses
dois órgãos, uma constante busca pela pesquisa e produção de documentos, que
direcionem as atividades do Exército Brasileiro. Uma quantidade expressiva de
manuais tem sido elaborada nos últimos anos, além da realização de seminários e
2 Disponível em <http://www.cdoutex.eb.mil.br/index.php/institucional/missao>. Acesso em: 28 nov.
2014.
3 Disponível em <https://doutrina.ensino.eb.br/apresentacao.xhtml>. Acesso em: 28 nov. 2014.
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edições de revistas de discussão sobre doutrina. Ao procurar também adaptar-se à
inclusão na era digital, a corporação não deixa as informações sobre doutrina,
apenas impressa no intramuros dos quartéis, mas mantém dois sites
(<http://www.cdoutex.eb.mil.br> / <https://doutrina.ensino.eb.br>) que permitem aos
militares acessarem de qualquer localidade, as informações doutrinárias necessárias
para os exercícios de suas missões.
Como consequência pela busca incessante da difusão da doutrina militar,
tanto pelos exércitos estrangeiros apontados nesta pesquisa, como pelo exército
nacional, é possível verificar o fortalecimento da imagem institucional dessas
corporações. Organizações militares que se preocupam com suas identidades,
iniciando com a padronização intransigente de seus uniformes, até a forma de como
seus integrantes devem se portar e agir perante a sociedade, têm muito mais
chances de se perpetuar e afastar ameaças externas de propostas de mudanças
organizacionais, vindas da própria sociedade com o surgimento de questionamentos
quanto à falta de procedimentos e normas de conduta claramente estabelecidas.
3 DOUTRINA NA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR
Segurança jurídica para o agir. Este é o primeiro contexto que nos vem à
mente quando pensamos na atuação do Policial Militar em qualquer tipo de
ocorrência. Perante o conceito de doutrina Policial Militar apontado anteriormente,
acreditamos que apenas através da pesquisa, produção doutrinária, difusão da
doutrina com o efetivo, fiscalização do emprego da doutrina e revisão periódica dos
procedimentos estabelecidos, poderemos alcançar um nível de excelência que
permita ao Policial Militar atuar de forma segura frente à sociedade, sem o
cometimento de erros técnicos que comprometam a sua própria integridade e a
imagem da instituição da qual faz parte.
Segundo Faria (2014, p.03) “estes conhecimentos organizacionais que são
disseminados para os integrantes da corporação são imprescindíveis ao exercício da
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atividade policial-militar em virtude do desempenho da “função policial-militar” e pelo
princípio da “universalidade” aplicado ao policiamento ostensivo”.
Sobre a previsão da função-policial conjugada ao princípio da universalidade,
podemos verificar a seguinte afirmativa:
Assim, pela previsão da função-policial conjugada ao princípio da universalidade, todo policial deve possuir, internalizado como conhecimento tácito, conhecimentos que lhe possibilite responder a qualquer demanda da segurança pública imediatamente, mesmo que para adotar medidas preliminares, até que outro policial especialista, caso a situação enseje um tratamento especializado, assuma as providências policiais em qualquer hora ou local em que esteja, mesmo que esteja de folga, descanso ou férias durante o tempo em que estiver no serviço ativo. (FARIA, 2014, p.04)
Aliado a esse binômio, que soma função-policial e princípio da universalidade,
não podemos nos esquecer de que temos a nossa volta, como local de atuação
Policial Militar, a sociedade, permeada de leis, normas e comportamentos, mutáveis
a todo instante, seguindo o fluxo do progresso científico e tecnológico, o que exige
das instituições Policiais Militares um rápido poder de resposta a essas
transformações, só podendo ser alcançada com o permanente estado de produção e
revisão da doutrina.
Sobre essa discussão entre a forma de atuação Policial Militar e as mudanças
que correm constantemente na sociedade, podemos lançar o seguinte
questionamento:
Como lidar com um fenômeno que constantemente se modifica e dispor de meios para atualização de conhecimento sobre as transformações havidas nele, aplicando corretamente as determinações contidas no ordenamento jurídico, que também muda para acompanhar a evolução da sociedade? (SOUZA, 2003 apud FARIA, 2014, p.04)
A resposta à questão acima, para o caso das Polícias Militares, é a doutrina
(SOUZA, 2003 apud FARIA, 2014, p.04), que nessa situação específica deverá ser
difundida aos Policiais Militares através de obras doutrinárias (regulamentos,
manuais, instruções gerais, instruções provisórias, instruções reguladoras,
instruções normativas, normas gerais de ação, regimentos internos, notas de
instruções, procedimentos operacionais padrão, guias de procedimentos
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administrativos, entre outros documentos normativos), bem como pelo incentivo à
produção técnico-científica dos próprios Policiais Militares, com a edição de revistas
doutrinárias no âmbito interno das corporações.
Entendemos que a produção e a atualização da doutrina Policial Militar é uma
busca constante entre todas as corporações Policiais Militares do Brasil, momento
em que sem desmerecer de forma nenhuma o esforço das demais, apontamos como
vanguarda nesse sentido a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais, pela farta elaboração doutrinária ao longo dos últimos
anos, que vem servindo de guia para a produção técnico-científica de outras
corporações coirmãs.
No caso específico da corporação da qual fazemos parte, a Polícia Militar de
Pernambuco, podemos identificar um grande avanço no ano de 2014, no sentido de
solidificar a pesquisa e a escrita doutrinária. O Comando da corporação, através do
Estado-Maior Geral, estruturou fisicamente a Subseção de Doutrina da 1ª Seção do
Estado-Maior Geral, de onde uma série de ações foram desencadeadas, no sentido
de fomentar a doutrina Policial Militar da instituição, tais como: Relançamento da
Revista DOUTRINAL (a revista havia sido publicada anteriormente nos anos de
2000 e 2001 na versão impressa) nas versões on-line e cd-rom; revisão e
publicação através de Suplemento Normativo (SUNOR Nº 036/2014), do Guia
Doutrinário-GD, atualizando a versão publicada no SUNOR Nº 018/1999;
publicação no SUNOR Nº 036/2014, do Manual de Elaboração de Procedimento
Operacional Padrão (POP) da Polícia Militar de Pernambuco (EMG/80.1-T01);
publicação no SUNOR Nº 039/2014, do Manual de Elaboração de Guia de
Procedimento Administrativo (GPA) da Polícia Militar de Pernambuco
(EMG/80.1-T02); início da construção do estúdio de videoaulas, com a finalidade de
dar maior amplitude à divulgação das obras doutrinárias produzidas na corporação,
através da gravação de vídeos com os Policiais Militares autores dos trabalhos
técnicos, visando o alcance de todo efetivo, por meio de aulas gravadas e
disponibilizadas no site institucional.
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Utilizando-se principalmente do Manual de Elaboração de Procedimento
Operacional Padrão (POP), e do Manual de Elaboração de Guia de Procedimento
Administrativo (GPA), a Polícia Militar de Pernambuco tem o objetivo de iniciar um
novo ciclo de produção doutrinária na corporação. Por meio desses dois manuais,
pretende-se que cada setor específico, seja operacional ou administrativo, produza
sob a supervisão do Estado-Maior Geral, o seu respectivo POP ou GPA,
padronizando desta forma o modo de procedimento dos Policiais Militares, seja
atuando na atividade meio ou fim.
Relatamos e discutimos ao longo do terceiro tópico deste estudo, algumas
das principais questões que envolvem a temática da doutrina na atividade Policial
Militar, bem como a preocupação das Polícias Militares do Brasil em manter um
constante processo de atualização e pesquisa sobre a forma de agir do Policial
Militar. No entanto, sentimos uma enorme carência de unidade destes estudos.
Esclarecendo nossa colocação, citamos o exemplo do Exército Brasileiro, no qual a
corporação consegue difundir a doutrina militar para todos os Estados da
Federação, padronizando a forma de atuação do militar em qualquer local do
território nacional em que se encontre. Mas certamente apareceria frente a este
nosso exemplo, a seguinte colocação: Para o Exército Brasileiro é mais fácil difundir
a doutrina entre seus integrantes, pois se trata de uma corporação única em todo
território nacional. A essa colocação responderíamos o seguinte: Entendemos que o
Exército Brasileiro é uma só corporação para todo o território nacional, mas no caso
das Polícias Militares, respeitadas as peculiaridades regionais, a missão
constitucional é a mesma, e, portanto, não enxergamos óbice para que haja uma
doutrina Policial Militar, discutida, construída e padronizada para todas as Polícias
Militares do Brasil.
Colocamos a título de sugestão, que o Conselho Nacional de Comandantes-
Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (CNCG-PM/CBM),
poderia ser um grande veículo de fomento à produção unificada e difusão da
doutrina entre as corporações militares estaduais brasileiras. Reforçando nossa
proposta, sugerimos neste trabalho, ao CNCG-PM/CBM, a criação de uma
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Assessoria de Doutrina dentro da estrutura do órgão, que pudesse reunir
periodicamente representantes de todas as Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares, no sentido de elaborar documentos, ajustando, ao máximo
possível, condutas operacionais únicas para todas as corporações militares
estaduais e do Distrito Federal, ressaltando o respeito às particularidades regionais,
e, com isso, fortalecendo sobremaneira a imagem a imagem institucional das
corporações.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos com este estudo, trazer ao debate a importância da doutrina para
o fortalecimento institucional e para o direcionamento das atividades meio e fim das
corporações Policiais Militares brasileiras. Para endossar nossas assertivas a esse
respeito, citamos o texto a seguir:
As organizações militares bem–sucedidas mudam para atender aos requisitos futuros, sensatamente, durante as fases de normalidade (sem sinistros) e, rapidamente, durante as fases de anormalidade (Sinistros). Certamente, parte dessa “mudança” inclui a doutrina. (FROTA, 2002, p.61)
A doutrina Policial Militar deve ser vista principalmente como “um processo
intelectual que fortalece a instituição e identifica a essência da corporação,
estimulando o diálogo entre profissionais e codificando fundamentos”. (FROTA,
2002, p.61)
Acreditamos, face à dinâmica social em que vivemos atualmente, que uma
doutrina consolidada nas organizações Policiais Militares é o alicerce necessário aos
Comandos das corporações. Os arranjos institucionais do presente têm exigido um
entrelaçamento maior do nível estratégico com os outros níveis organizacionais,
ligando-o principalmente com a parte operacional:
Os líderes de alto nível e seus estados–maiores irão exercer a arte operacional em um ambiente no qual a velocidade, a complexidade e a ambigüidade das operações serão tão intensificadas que será impossível defini–las. Assim os níveis estratégico, operacional e tático se encontrarão
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tão comprimidos que parecerão representar apenas uma função. O comandante do teatro do futuro será capaz de visualizar operações simultâneas em todas as formas contra sinistros. Terá que criar protocolos de comando, controle e monitorização para fazê–lo com êxito. (FROTA, 2002, p.94)
Desse modo, finalizando este trabalho, e longe der ter pretendido esgotar a
discussão sobre a temática em questão, esperamos ter contribuído para a reflexão
necessária sobre a produção doutrinária e sua influência no ambiente organizacional
das Polícias Militares brasileiras.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. FARIA, Antônio Hot Pereira de. Doutrina policial: estudo de orientações institucionais para exercício do poder de polícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3876, 10 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26669>. Acesso em: 21 nov. 2014. FROTA, José Ananias Duarte. Doutrina e Comando. Fortaleza: Premius Editora, 2002. JANSEN, Alexandre Eduardo. Uma Nova Estrutura para a Produção Doutrinária no Exército Brasileiro. DOUTRINA MILITAR TERRESTRE em revista, Exército Brasileiro, ano 01, edição 001, Janeiro a Março/ 2013. Disponível em < http://www.cdoutex.eb.mil.br/images/revista/01_Revistas/Revista_Doutrina_Militar_Terrestre_1.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2014. MANUAL - EMG/80.1-T01. Manual de Elaboração de Procedimento Operacional Padrão (POP) da Polícia Militar de Pernambuco. 2014. MANUAL - EMG/80.1-T02. Manual de Elaboração de Guia de Procedimento Administrativo (GPA) da Polícia Militar de Pernambuco. 2014. GLOSSÁRIO DAS FORÇAS ARMADAS - MD35-G-01. 4ª Edição. Brasil. Ministério da Defesa. 2007. MELO, Hermes José de. DOUTRINA: O que é isso?. DOUTRINAL, Revista Doutrinária. Polícia Militar de Pernambuco. Edição Impressa, Vol. 01, Nº 01, 2000. SIDOMT - EB10-IG-01.005. Instruções Gerais para a Organização e o Funcionamento do Sistema de Doutrina Militar Terrestre (SIDOMT). Exército Brasileiro. 2012.
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A TRANSVERSALIDADE DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA NO
ARCABOUÇO NORMATIVO INTERNO DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO
A PARTIR DO ANO 2000
Petrus Gomes Genuino1
Resumo
A transversalidade do Pacto de San José da Costa Rica no arcabouço normativo interno da Polícia Militar de Pernambuco a partir do ano 2000, diz respeito ao estudo das normas internas da Polícia Militar de Pernambuco a partir do ano 2000, por conta do fim do regime ditatorial que imperava na América latina e por consequência no Brasil e da influência da promulgação da Constituição Federal e a introdução do Pacto de San José da Costa Rica que trouxe um olhar humanizado ao devido processo administrativo disciplinar militar, através de uma análise simplificada, comparativa de sua estrutura. Palavras-chave: PMPE. Normas internas. Pacto de San José da Costa Rica.
1 INTRODUÇÃO
O presente tema versa sobre evolução do sistema normativo interno da
Polícia Militar de Pernambuco.
A intenção é trazer para o debate a comunidade militar estadual para refletir
acerca dos reflexos da promulgação da Constituição Federal de 88 e do Pacto de
1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Especialização em Ciências Criminais Militares,
Associação de Ensino Superior de Olinda (AESO). Especialização em Direito Público, Universidade
Potiguar, UNP, Brasil. Especialização em Direito Penal e Processo Penal, Escola Superior de
Magistratura de Pernambuco. Bacharel em Direito, Universidade Salgado de Oliveira, UNIVERSO.
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San José da Costa Rica e a sua consequente influência no sistema normativo da
Corporação.
Podemos concluir como importante essa temática, visto que a partir da
metade da década de 80, com o fim da ditadura militar no país passamos a enfrentar
um período de transição em que a Corporação não sabia exatamente onde se
enquadrar, se seguia as regras de seu ultrapassado e rancoroso Regulamento
Disciplinar ou se dava início aos novos tempos da Carta cidadã.
Com a chegada do novo milênio a Corporação abandona, ao menos
legalmente o seu Regulamento arcaico e passa a ser regida pelo Código Disciplinar
dos Militares Estaduais, a partir da edição da Lei 11.817/2000, juntamente com as
normas que dela se brotaram.
Buscamos analisar os reflexos desse novo momento através dos novos
ditames positivados nas normas internas que se seguiram: o Regulamento de ética
(Decreto nº 22.114/2000), o Processo de Licenciamento, a Sindicância e a Lei da
Corregedoria Geral (Lei 11.929/2001).
2 DESENVOLVIMENTO
Terminada a Segunda Guerra Mundial, meados de 1945, nascia a nova
ordem mundial antagônica. Somadas a prosperidade da revolução cubana
acabaram por inspirar diversos movimentos de transformação política no continente
americano.
Os Estados Unidos, país que liderava o bloco capitalista preocupava-se com
a deflagração de novas agitações políticas que viessem a abalar a sua hegemonia
histórica na política, na economia e na ideologia nos enfraquecidos Estados do cone
sul.
No decorrer das décadas de 1950, 1960 e 1970, os vários movimentos
eclodiam em países americanos, contudo foram atacados e abafados pelo interesse
das elites nacionais com o apoio inconteste norte americano para que pudessem dar
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fim aos movimentos revolucionários que ameaçavam os interesses da burguesia
industrial responsável por liderar essas ações golpistas.
Para tanto, tiveram como apoio a política expansionista dos EUA que se
tornou agente fundamental no macabro capítulo da história latino-americana, que
gerou no continente perseguição política, tortura e a censura às liberdades
individuais que passaram a ser dirigidas por esses governos autoritários que se
estabeleceram pelo uso da força. Dessa forma, os clamores por justiça social que
ganhavam espaço no continente foram brutalmente abafados nessa nova
conjuntura.
Nasciam então às ditaduras da na América Latina: Argentina (1976-1983),
Brasil (1964-1985), Bolívia (1971-1985), Chile (1973-1989), Colômbia (1953-1957),
Cuba (1959 - presente) República Dominicana (1889-1899, 1930-1961), El Salvador
(1931-1979), Equador (1972-1979), Guatemala (1970 - 1985), Haiti (1957-1990),
Honduras (1963-1974), México (1853-1855, 1876-1910), Nicarágua (1967-1979)
Panamá (1968-1989), Paraguai (1954-1989), Peru (1968-1980), Venezuela (1908-
1935, 1952-1958), Uruguai (1973-1984), Suriname (1980-1988).
A partir da metade da década de 1980 essas ditaduras começaram ruir e
começa o processo de redemocratização. Claro que esse processo não se deu por
acaso. Houve uma reconfiguração do jogo de poderes políticos e econômicos em
níveis globais, e principalmente a sua relação com a trajetória das democracias
latino americanas.
Em 1992, através do Decreto nº 678 o Governo brasileiro depositou a Carta
de Adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) que entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992.
Neste novo contexto de abertura política, de nova Constituição Federal
fundado, ao menos nos textos, no respeito aos Direitos Humanos essenciais,
vigorava em Pernambuco o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM),
através do Decreto nº 6.752/80, forjado sob as bases do Exército brasileiro e
cunhado em plena ditadura militar, que vigorou até a metade do ano 2000.
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Artigo publicado no Vol.03 Nº02 - Edição de JUL a DEZ 2014 - ISSN 2318-3152 - Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal
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A título de exemplo podemos citar que no RDPM quando da apresentação de
recursos disciplinares não dispunha de efeito suspensivo que suspendesse o
recolhimento do militar, ou seja, o militar apenado, por exemplo, com uma pena de
prisão poderia começar a cumprir a punição e terminar sem que seu recurso fosse
analisado num flagrante desrespeito a norma Constitucional já em vigor.
O referido diploma disciplinar não contemplava nenhum capítulo que tratasse
acerca da ampla defesa e do contraditório e trazia na relação das transgressões no
item 1 – Faltar com a verdade, no item 15 - Recorrer ao Judiciário sobre
procedimento, solução ou decisão de autoridade policial militar, sem antes esgotar
todos os recursos administrativos2, o que inviabilizava a plenitude de defesa
consagrada na CF/88.
O detalhe é que a Constituição Federal data de outubro de 1988 e até o ano
2000, data da edição da Lei nº 11.817/00, que dispôs sobre o Código Disciplinar dos
Militares do Estado de Pernambuco (CDME), já haviam se passado 12 anos sem
que a Polícia Militar de Pernambuco voltasse os olhos para si mesma e parasse de
tratar seus integrantes ao arrepio da Lei e da Proteção Judicial insculpida no Pacto
de San José da Costa Rica.
A partir do ano 2000, com a entrada em vigor do CDME3, ao que parece foi o
pontapé para a que Corporação passasse a se preocupar com direitos humanos em
suas normas internas. Não estamos aqui dizendo que este diploma seja a pedra de
toque dos Direitos Humanos, mas como já foi dito foi o início.
O CDME traz em algumas disposições a determinação clara para que se
aplique o devido processo administrativo disciplinar militar (Art. 30) norma que se
enquadra no sentido do Pacto de San José da Costa Rica, mormente no Artigo 25
que trata da Proteção Judicial independente e imparcial.
Após acordar para existência da CF/88 o poder público acabou por editar o
Decreto nº 22.114/004 tratando do Regulamento de Ética Profissional dos Militares.
2 DECRETO N.º 6.752, de 1º de outubro de 1980. Regulamento Disciplinar da PMPE.
3 LEI Nº 11.817, DE 24 DE JULHO DE 2000. Dispõe sobre o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco.
4 DECRETO Nº 22.114, de 13 de MARÇO de 2000. Aprova o Regulamento de Ética Profissional dos Militares do Estado de
Pernambuco e dá outras providências.
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Nessa norma podemos encontrar logo no Art. 1º encontramos a determinação
para o cumprimento dos Princípios dos Direitos Humanos.
Art. 1º O Regulamento de Ética Profissional dos Militares do Estado de Pernambuco norteia-se por princípios que formam a consciência profissional do militar estadual e representa imperativos de sua conduta, traduzindo-se pelo fiel cumprimento à lei, às ordens das autoridades constituídas, ao cumprimento dos princípios norteadores dos direitos humanos e dos demais princípios que norteiam a vida em sociedade. (grifo nosso)
A norma ética da Corporação trouxe um capítulo específico, tratado no Art. 9º
determinando que o militar estadual a observe as prescrições contidas no Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, criado pela
ONU5.
De certo que há um avanço com a normatização punitiva dos servidores que
insistirem em descumprir os mandamentos legais dispostos no nosso arcabouço
jurídico, contudo ao nosso ver a principal ação disposta no Regulamento de Ética
são as dispostas nos arts. 18 e 19. Esses dispositivos determinam a aplicação nos
cursos de formação e qualificação a propositura, em todos os níveis hierárquicos, de
matérias dedicadas aos Direitos Humanos.
Art. 18. As disciplinas de Deontologia Militar, Direitos Humanos e Cidadania, serão ministradas como matérias curriculares obrigatórias nos cursos de formação, adaptação e aperfeiçoamento do militar estadual, em todos os níveis e quadros. (grifo nosso) Art. 19. Os Comandantes Gerais das Corporações Militares Estaduais, ouvido o Secretário de Defesa Social, poderão instituir, através de Portaria, manuais de Conduta e de Posturas Éticas, detalhando as normas constantes deste regulamento.
Pois, só através do melhoramento da formação curricular dos servidores
militares e o debate aberto sobre o tema dos Direitos Humanos alcançaremos na
prática a exigência desse dispositivo.
5 ONU Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, Art. 9º Cabe a todo militar estadual a observância
das prescrições contidas no Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, instituído pela Organização das Nações Unidas, e ratificado pelo Governo brasileiro.
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Dentro do gênero Processos Administrativos Disciplinares Militares (PADM)
encontramos alguns processos que julgam nas questões administrativas relativas
aos integrantes da Corporação.
Dentro da evolução normativa que trata este trabalho podemos destacar o
Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina (PL), de 24 de janeiro de 2007 e a
Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância, de 13 de fevereiro de 2012.
Nas duas normas citadas encontramos capítulos dedicados a plenitude de
defesa em conformidade com o disciplinamento Constitucional disposto no Art. 5º,
Inc. LV:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifo nosso)
No Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina que norma importante
dentro do arcabouço normativo interno, visto que tem por finalidade normatizar,
padronizar e orientar procedimentos para apuração de ato ilícito, imputado à praça
sem estabilidade da PMPE, processo este que poderá vir a licenciar o militar das
fileiras da Corporação.
Art. 31 - O Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos a ele inerentes. (grifo nosso)
Não menos importante, mas com finalidade diferente as Instruções Gerais
para a Elaboração de Sindicância também se adaptaram as regras Constitucionais
promulgadas em 88.
Art. 15. A sindicância obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos a ela inerentes. (grifo nosso) Parágrafo único. Para o exercício do direito de defesa será aceita qualquer espécie de prova admitida em direito, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia, ou contra a disciplina.
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Por fim, para que se pudessem tornar factíveis as inovações trazidas ao
ordenamento foi incorporado ao mundo jurídico Estadual a Lei 11.929/2001, com
finalidade precípua de criar a Corregedoria Geral como órgão superior de controle
disciplinar interno (Art. 3º) responsável para fiscalizar os seus órgãos operativos, no
âmbito da Secretaria de Defesa Social. Tal Lei veio em momento oportuno visto que
não existia na Corporação norma de regulação interna tão abrangente com a
cobrança de prazos e implicações diretas para todos escalões hierárquicos.
LEI Nº 11.929, DE 02 DE JANEIRO DE 2001. Dispõe sobre a competência e as atribuições da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social, órgão superior de controle disciplinar interno. Art. 3º Compete ainda à Corregedoria Geral receber sugestões, reclamações, representações e denúncias, dando a elas o devido encaminhamento, inclusive instaurando os procedimentos administrativos disciplinares com vistas ao esclarecimento dos fatos e a responsabilização de seus autores, sem prejuízo da competência institucional da Ouvidoria de Polícia da Secretaria de Defesa Social, de tudo dando ciência aos membros do Ministério Público.
Por fim, ainda no sentido da evolução legislativa tivemos a edição do Decreto
nº 40.413, de 25 de fevereiro de 2014, no qual regulamentou a Lei nº 15.186, de 12
de dezembro de 2013.
Art. 5º Fica criada a Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos - DASDH, na Polícia Militar de Pernambuco, como órgão de Direção Executiva subordinada diretamente ao Subcomandante Geral. Parágrafo único. Compete à DASDH promover a aproximação comunitária e a promoção dos direitos humanos. Art. 4º Fica ativada a Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos - DASDH, criada pelo art. 5º da Lei nº 15.186, de 2013, subordinada diretamente ao Subcomandante Geral.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que podemos diagnosticar através deste trabalho a Polícia Militar de
Pernambuco, no período de pós-ditadura militar, década de 80 e nos anos que se
seguiram demorou a se adequar aos novos tempos de uma legislação voltada aos
Direitos Humanos e ao Devido Processo Legal, contudo na marcha do tempo
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observamos a mudança e o aperfeiçoamento das legislações peculiares a atuação
da PMPE.
O marco da mudança, ao que parece, se deu pela edição da Lei 11.817/00
(Código Disciplinar dos Militares de Pernambuco) e as normas decorrentes da nova
ordem. Nestas podemos observar a inclinação através de capítulos específicos
sobre Ampla Defesa e Contraditório decorrentes da Constituição Federal e do Pacto
de San José da Costa Rica.
Por último, culmina com a implantação da Diretoria de Articulação Social e
Direitos Humanos – DASDH, que já nasce com status de Diretoria o que demonstra
que a Corporação aponta para um futuro voltado na legislação positivada na
Constituição Federal.
REFERÊNCIAS
Atuação policial na proteção dos direitos humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade: cartilha. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Brasília: SENASP/MJ, 2010. BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: SEDH-MEC-MJ-UNESCO, 2006. Constituição da República Federativa do Brasil 1988.
Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. DECRETO Nº 6.752, de 1º de outubro de 1980 - Dispõe sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar Pernambuco. DECRETO Nº 22.114, de 13 de MARÇO de 2000. Aprova o Regulamento de Ética Profissional dos Militares do Estado de Pernambuco e dá outras providências. LEI Nº 11.817, DE 24 DE JULHO DE 2000. Dispõe sobre o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco, e de outras providências.
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LEI Nº 11.929, DE 02 DE JANEIRO DE 2001. Dispõe sobre a competência e as atribuições da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social, órgão superior de controle disciplinar interno, cria o Conselho Estadual de Defesa Social e dá outras. Suplemento Normativo Nº 002 nº 088, de 24 JAN 2007. EMENTA: Aprova as Instruções Gerais para a elaboração de Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina para Praças sem Estabilidade da Polícia Militar de Pernambuco.
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DESIGUALDADES DE DIREITOS POLÍTICOS E CONSTITUCIONAIS ENTRE
MILITARES E CIVIS
Ednilson José de Barros1
Resumo
Este artigo aborda as desigualdades de direitos políticos e constitucionais entre militares e civis, utilizando como norteadores as questões do direito de votar e ser votado, além do direito de greve. Estes direitos são garantidos na Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, e considerada uma Constituição Cidadã. Por isso, o artigo busca refletir se as desigualdades existentes entre os civis e militares não contradizem a cidadania expressa na nossa Carta Magna. O artigo busca entender o porquê dos militares não poderem voltar ao cargo após cumprir mandato em cargo eletivo e o porquê da ausência de discussão sobre a temática. Percebeu-se que as Leis brasileiras permitem um duplo sentido quanto ao termo “exclusão” do serviço militar. Conclui-se que essa discriminação referente ao direito político de votar e ser votado em relação aos militares é um retrocesso político e jurídico-constitucional. Palavras-chave: Direitos Políticos. Direitos Constitucionais. Militares. Constituição
Federal de 1988.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem a finalidade de despertar o interesse de estudantes,
doutrinadores, professores e amantes do Direito para um assunto ainda pouco
trabalhado na área acadêmica, e que não condiz com a categoria de Constituição
1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Direito, FACISA- Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais de Araripina-PE. Pós-Graduado em Direito Penal e Criminologia, URCA-CE –
Universidade Regional do Cariri-CE.
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Cidadã, em sentido lato da palavra. Serão abordados temas relevantes no que
concerne a uma verdadeira discriminação, quando comparados os direitos dos
cidadãos do mundo militar, com os cidadãos do mundo civil.
Nesta obra serão abordadas as desigualdades de direitos políticos e
constitucionais existentes entre militares e civis, no que diz respeito ao pleno
exercício da cidadania, no seu aspecto político de votar e ser votado; de representar
ou não uma classe de profissionais que, por necessidade, por vocação, por tradição
de família, ou até mesmo, por não terem opção, estão na situação de militares. No
entanto, os militares têm suas vidas regradas a uma verdadeira falta de
representação política, já que o ordenamento jurídico atual não proporciona
igualdades de condições. Se o militar, na condição de servidor público restrito a um
exercício de cargo eletivo limitado, se “atrever” a concorrer ao cargo político, poderá
ser compulsoriamente excluído de sua corporação, ou ainda, uma vez estabilizado
na função pública, quando eleito para o exercício de representação política de sua
classe, a partir da data de sua diplomação, estará “condenado” a fazer parte da
Reserva Remunerada proporcional de suas corporações.
O assunto abordado neste artigo tem caráter inovador, visto que não há até o
momento muitos artigos abordando a temática, e é baixa a frequência de trabalhos
tratando assuntos, que apesar de ter caráter militar, também tem caráter
constitucional. Afinal, se queremos uma Constituição transparente e igualitária para
todos, não encontramos justificativas para o tratamento desigual entre militares e
civis, e tais pendências serão debatidas no decorrer deste artigo.
2 DESIGUALDADES DE DIRIEITOS POLÍTICOS E CONSTITUCIONAIS ENTRE
MILITARES E CIVÍS FRENTE À CONSTITUIÇÃO DE 1988
Dentro do arcabouço montado na constituinte de 1986, após a manifestação
política voltada para a concretização da tão sonhada redemocratização do Estado
Brasileiro, que antecedeu a Constituição de 1988, pode-se perceber que a
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sociedade brasileira passou a ter o direito de expor os seus pensamentos, até então
reprimidos pela Ditadura Militar que governou o país após o golpe de 1964.
Com a promulgação da nova Constituição Brasileira de 1988, observou-se
que, apesar de já estarmos na redemocratização do Estado Brasileiro, nossos
parlamentares procuraram deixar os militares amarrados, presos a um regime
próprio, ou seja, fora das tomadas de decisões políticas do país, ao ponto de
praticamente não terem espaços, ou no mínimo dificultarem o acesso dos militares a
representações políticas da sua classe, na luta de seus ideais e direitos de classe
trabalhadora.
Sabe-se que no regime ditatorial muitas pessoas da sociedade civil foram
reprimidas, humilhadas, exiladas e perseguidas, ao ponto de não poderem expor
suas ideias, que muitas vezes eram censuradas, fazendo com que preservassem
um sentimento “antimilitar”, no que fora reservado à representação política do País.
Passados 26 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988, nossa Carta
Magna é considerada uma “Constituição Cidadã”. Todavia, Será que, quando
legisladores, doutrinadores e estudiosos do Direito, quando citam que a nossa Carta
Magna de 1988m, como sendo “CIDADÔ, pensam nos cidadãos militares?
Não sabendo da resposta, surge às perguntas: Ao ser chamada de
“Constituição Cidadã”, nossa Constituição se refere apenas ao cidadão civil? Ou
será que também englobam os direitos e deveres igualitários comparados aos
cidadãos militares? Será que os militares desse país são cidadãos ao ponto de
conseguirem exercitar a sua cidadania?
Nessa ótica de pensamento, é notório e inquestionável que nossa Carta
Magna passou a enaltecer e a valorizar assuntos relacionados à igualdade de
direitos entre as pessoas, bem como, aos Direitos Humanos, à ampla defesa e o
contraditório, à proteção contra o racismo, à valorização da dignidade humana, o
respeito ao processo legal, entre outros. Em contrapartida, observa-se que muitos
direitos políticos foram negados aos militares, já que, de certa forma, a própria
Constituição se contradiz ao abarcar os princípios igualitários previsto em seu artigo
5º (caput), pois numa análise simples, muitos direitos explícitos ao cidadão fazem
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referências ao mundo civil; mas a esses cidadãos, quando aceitam a condição de
militar, vários desses direitos são tolhidos, e dentre esses, alguns merecem
destaque.
A própria Constituição Federal diz que todo trabalhador tem o direito de greve,
a adicional noturno, a uma jornada de 40 horas semanais, além de um dos direitos
que mais atinge os militares, que é o direito de ser elegível, pois todo civil sendo
capaz, poderá concorrer a um cargo eletivo, podendo em alguns casos, se
funcionário público, acumular sua função com a de representação política, desde
que tenha horários compatíveis para o exercício cumulativo. Contrariando esses
direitos merecedores do cidadão do mundo civil, os militares não têm o direito de
greve, ou seja, têm que se “contentarem” com os valores salariais dados pelo
governo, sem que possam contestar de forma mais incisiva, ao ponto de
pressionarem, como todo trabalhador civil faz, para se buscar um direito que
melhore o desenvolvimento de sua atividade profissional, paralisando suas
atividades laborais, com uma greve.
Por ser uma atividade de extrema necessidade para a proteção e manutenção
da soberania brasileira, no caso de membros de forças policiais militares,
indispensáveis para a preservação da ordem pública, o direito a greve não é
reconhecido. Imaginemos uma greve de militares: Como seria a vida dos brasileiros
se o direito de greve fosse exercido pelos militares? A Que caos poderíamos
chegar? Já pensou uma Polícia Militar realizando greves, acontecendo crimes e
contravenções que atentassem contra a ordem pública na frente de Policiais
Militares e esses nada fizessem diante dessa situação?. Já pensaram, também, em
um país onde seu exército estivesse parado, comprometendo a sua soberania, e
colaborando para a instauração de um Estado Anárquico? Isso, com certeza,
provocaria um caos social, ondas de vandalismo e destruições de patrimônios
públicos e privados de forma generaliza. A tais proposições hipotéticas, some-se,
ainda, que os membros das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e de
Forças Auxiliares ( Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militares) desenvolve
atividades laborais noturnas e ininterruptas, mas não têm direito a adicionais
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noturnos, insalubridades, horas extras, entre outros direitos e nos mesmos
patamares que os trabalhadores civis.
Entrando na questão política, vislumbra-se uma verdadeira desigualdade de
tratamento dado aos militares em comparação aos trabalhadores do mundo civil. A
esse exercício, há uma grande disparidade na manifestação do militar em se
voluntariar para representar a classe de trabalhadores militares, quer seja membro
das Forças Armadas, quer seja membro dos Corpos de Bombeiros e das Polícias
Militares do Brasil, observados o disposto no artigo 38 da Constituição Federal de
1988:
Art. 38. Ao servidor público em exercício de mandato eletivo aplicam-se as seguintes disposições: I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;
IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento;
V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse.
Dessa forma, o cidadão civil pode ser elegível, desde que tenha a idade
mínima e esteja devidamente filiado a um partido político, e, na hipótese de ser um
servidor público, tem a garantia de, caso eleito para assunção de um cargo eletivo,
conforme dispositivo contido no artigo citado acima, retornar a sua função, após o
exercício do cargo eletivo. No entanto, aos militares das Forças Armadas e das
Forças Auxiliares, esse direito é restringido, limitado, ou seja, dificultado o seu
exercício. Os militares de carreira, exceto na vigência da Constituição de 1937, onde
não possuíam quaisquer direitos políticos, sempre tiveram uma elegibilidade
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regrada. Ou seja, poderá ser exercido, com base no artigo 14, § 8º, da Carta Magna
de 1988, onde diz:
Art. 14. A Soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:
I – se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade.
II – se contar com mais de dez anos de serviço será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.
O artigo 52 do Estatuto dos Militares, que regulamentava o artigo 145 da
Constituição de 1967 e parcialmente disciplina o dispositivo retromencionado, fixa o
limite de estabilidade na caserna (Instituições Militares) em cinco anos, o que foi
alterado pelo constituinte, provavelmente para adequação ao prazo decenal de
estabilidade das praças, embora os equiparando aos oficiais para efeito de
elegibilidade.
Temos, portanto, duas situações. Na primeira, tem-se que as praças
(soldados, cabos, sargentos e subtenentes) sem estabilidade e os oficiais com
menos de dez anos, para candidatura, deverão se afastar da atividade militar. O
afastamento da atividade militar é efetivado pela exclusão do serviço ativo mediante
demissão ou licenciamento ex-officio, conforme regulamenta o artigo 52, parágrafo
único, alínea a, do Estatuto dos Militares.
Para melhor entendimento, tem-se que demissão é o ato de exclusão de
oficiais das forças armadas, com a conseqüente transferência para reserva não
remunerada no mesmo posto que tinha no serviço ativo (art. 94, § 1º, 116 § 3º e
analogia ao artigo 117, Estatuto dos Militares). Já o licenciamento ex-officio é o ato
de exclusão das praças sem estabilidade e aos oficiais da reserva convocados e que
importa na inclusão ou reinclusão na reserva não remunerada (artigo 121, § 4º,
Estatuto dos Militares).
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Na segunda situação figuram os oficiais com mais de dez anos de carreira e
as praças estáveis que deverão ser agregados pela autoridade superior para
candidatura. A agregação consiste na situação temporária na qual o militar da ativa
deixa de ocupar a escala hierárquica, nela permanecendo, sem número, no lugar
que ocupava e ficando adido para efeito de remuneração e sujeito às obrigações
disciplinares (artigo 80; 82; XIV, § 4º; 83; 84 e 98, XVI, Estatuto dos Militares).
A esse assunto, em 1997, a 6º Turma do STJ, Supremo Tribunal de Justiça,
através do REsp nº 112.477/RS já se posicionou a respeito e pacificou que “o
militar que conta com mais de dez anos de efetivo serviço, candidato a cargo
eletivo, será agregado pela autoridade superior, pelo que tem direito à
remuneração pertinente até a sua diplomação”. (6ª Turma STJ, REsp º
112.477/RS, 1997 )
Dessa forma, o Tribunal Superior Eleitoral, editou uma Resolução nº
19978/97, com base no posicionamento do STJ, situação a qual, esse entendimento
adotado, garante apenas tratamento igualitário aos servidores militares e civis, mas
não é pacífico, pois o art. 98 do Código Eleitoral (parcialmente revogado pelo § 8.º
do art. 14 da CF) equipara a agregação às licenças não remuneradas daqueles que
se afastam do serviço para tratar de assuntos particulares.
Nesse assunto, não podemos esquecer que, com a mudança da Constituição
Federal de 1967 pela atualmente vigente de 1988, houve um acréscimo temporal
daquilo que reputava a questão da estabilidade do militar, onde surgem
questionamentos do porquê da estabilidade para os militares ser decenal, enquanto
que, para os servidores civis, em muitos casos, a estabilidade do serviço público é
apenas de dois ou três anos? Infelizmente, não se têm ainda a resposta. E, se
questionarmos o porquê de um servidor militar, por não possuir ainda a sua
estabilidade funcional, ficar impedido de exercer a sua cidadania por completo, ao
ponto de ser votado, sem que coloque, em risco, o futuro de sua carreira, após o
exercício do cargo eletivo, em suas corporação de origem, ser realmente uma
atitude justa e democrática, ao ponto de atingir os interesses coletivos da nação?
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Todavia, mais gritante, ainda, é não se ter respostas convincentes, no caso
do militar ser eleito e assumir um cargo eletivo. Assim, qual o porquê ou a finalidade
de não poder mais retornar e realizar suas atividades funcionais nas Instituições
Militares, sendo esses que se “atreveram” a representar sua classe social,
“condenados” à Reserva Remunerada Proporcional de suas corporações, a contar
da data do ato de Diplomação do Cargo Eletivo? Seria uma sanção pela audácia,
de no mundo Pós-Ditadura Militar, ter se atrevido a representar uma classe de
trabalhadores que defende a ordem pública e a soberania do País? Ou será que, no
país, estamos vivendo os preliminares de um novo Golpe Militar, sendo um perigo
qualquer representação política por parte dos militares nos cargos eletivos e que
possa desenvolver uma liderança política com poder de influenciar mais de 800 mil
militares? Será que a incompatibilidades do serviço militar, para com as atividades
profissionais do cargo eletivo, passam a serem eternas, mesmo que, após a vigência
do cargo eletivo, o Militar ou o Policial Militar queira voltar a trabalhar nas fileiras de
suas corporações? Será que os 04 (quatro) anos, no exercício do cargo eletivo,
foram o suficiente para que o militar esqueça a sua formação ou seja contaminado
pelo jogo de interesses políticos, ao ponto desse militar ser um risco para as
instituições militares ou para a sociedade?
Mais uma vez, não se obtém respostas convincentes para tais
questionamentos, a não ser, vislumbrar uma forma de retaliação vingativa ao
período da Ditadura Militar, que ainda hoje, tem seus efeitos no mundo
contemporâneo em nosso País, pois nas diversas indagações acerca do assunto,
não se sabe o porquê de passados 26 anos da promulgação da nossa
“Constituição Cidadã de 1988”, direitos e garantias individuais, coletivas e políticas
não são plenas e igualitárias a todos, sejam eles negros, índios ou brancos, ricos e
pobres, e ao caso estudado, se militares ou civis.
Sem resolver esses dilemas, e por se tratar de matéria de Direito
Constitucional, não se observa qualquer manifestação para alterar tal dispositivo
discriminador previsto na atual Constituição Federal, pois nossos representantes
políticos da Câmara dos Deputados e do Senado, em Brasília, não manifestam
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interesses em resolver tais pendências, já que são privilegiados ao ponto de uma
representação insignificante de pouquíssimos deputados federais e senadores
oriundos da vida militar, sejam eles das forças armadas (Marinha, Exército e
Aeronáutica), sejam eles das forças auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros
Militar), para o universo de 513 (quinhentos e treze) deputados, ficam quase
oprimidos para propor mudanças em nosso ordenamento jurídico.
Observa-se que, após a redemocratização do Estado Brasileiro, com os
movimentos de Diretas Já, logo após o fim da Ditadura Militar, acreditava-se que o
Brasil, naquela época, passava por um período de instabilidade política, financeira e
social. Outrossim, no período da Constituinte, em 1986, onde se iniciou os
preparativos para a conjuntura de nossa atual Carta Magna, a sociedade brasileira
vivia sob um clima tenso, de instabilidades, em que o medo de que existisse um
novo golpe militar. Dessa forma, como mecanismo de defesa, o cenário político
procurou retirar, ou até mesmo, aniquilar toda influência dos militares nas tomadas
de decisões políticas de nosso país, tanto que até os dias atuais, estão vigentes tais
normas restritivas de direitos políticos dos militares, previsto no Art. 14, § 8º da
Constituição Federal de 1988.
Não se pode querer justificar os absurdos que contam a história, no período
da Ditadura Militar, e dos vários acontecimentos que denegriram a dignidade
humana e que tanto fizeram vítimas da sociedade civil, porém, dizer que todos
aqueles que fazem parte das Instituições Militares desse país, sejam eles membros
das Forças Armadas (Marinha, Exercito e Aeronáutica), sejam eles Militares
Estaduais (Policia Militar e Corpo de Bombeiros Militares), que optaram sua
profissão por tradição familiar, por necessidade, ou por falta de opção, antes mesmo
de serem considerados Militares, e que são recrutados do mundo civil, e que,
atualmente, são considerados filhos da ditadura, também podem ser considerados
vítimas daquele regime ditatorial, pois algumas marcas deixadas no passado ainda
não foram curadas ou esquecidas pela sociedade civil, mas, nos dias atuais, temos
uma classe de militares que defende a ordem, a moral, o ordenamento público e a
soberania nacional, mas que, detém de pouquíssima representação política no
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Congresso Nacional para lutar por direitos específicos interessados aos Militares,
sejam da Esfera Federal ou Estadual.
A dificuldade de um militar chegar a ser um representante político é tamanha.
Os impedimentos e restrições constitucionais, fazem com que os militares, ao se
projetarem a serem candidatos a qualquer cargo eletivo, reflitam várias vezes,
pensando no que podem ganhar, e principalmente, no que vão perder, caso sejam
eleitos a qualquer cargo eletivo, principalmente, porque sabem que é um caminho
sem volta, e que não poderão voltar à condição de militar da ativa.
É caráter desmotivador a atuação de um militar como representante
parlamentar. Pois, ao contrário do servidor público civil, seja da esfera federal,
estadual ou municipal, da administração pública direta e indireta, o ordenamento
jurídico brasileiro assegura a esses servidores civis que, após o exercício do cargo
eletivo de caráter temporário, possam retornar a sua função anterior. Todavia, tal
segurança não é favorecida aos militares, mesmo que gozem de plena saúde física,
psíquica e moral para pleno exercício, e assim, são condenados à inatividade
proporcional.
A esses fatos, chega a ser revoltante e imoral a desigualdade de tratamento
dada à dicotomia existente na função do Policial Militar, pois, como policial membro
de uma Secretaria de Segurança Pública, no caso de Pernambuco, ligada a
Secretaria de Defesa Social, destinada à manutenção do Ordenamento Público, com
exercício retaliado comparado aos seus “primos”, os Policiais Civis, que pertencem à
mesma Secretaria, mas que ao contrário dos militares, podem exercer as atividades
eletivas, e retornarem sem que aconteça a perda da função pública, e, em alguns
casos, podem até exercerem tais funções cumulativamente.
Sendo assim, faz-se então uma indagação ainda maior relativo à estabilidade
dos servidores públicos militares. Ou seja, se um servidor militar estadual, que
pretende concorrer a um cargo eletivo, o atual entendimento que muitos tribunais de
Justiças dos Estados Federativos fazem é que, se o militar, que se candidatar a um
cargo eletivo, se não for estabilizado, ou seja, com mais de 10 anos de serviço
prestado, o mesmo será “afastado do serviço ativo” imediatamente. A essa
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condição, alguns Juízos e gestores públicos, entendem que, tal interpretação tem
caráter definitivo.
Todavia, há de se fazer uma diferenciação, em relação a estabilidade de
servidores militares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, pois,
diferentemente das Forças Armadas, os recursos humanos da base hierárquica
(soldados) ingressam nas suas respectivas corporações, através do concurso
públicos, de forma voluntária e não, através do alistamento obrigatório. Na atual
conjuntura constitucional, ser afastado, não quer dizer ser excluído, como era
previsto no artigo 145 da Constituição de 1967. Com o ordenamento constitucional
de 1988, fala-se em afastamento, não em exclusão.
A essa hipótese, observa-se que o constituinte não usou do termo
afastamento como situação definitiva, mas, sempre. como situação provisória, ora
como direito sem cominar qualquer sanção, ora como sanção na hipótese da
suspensão das funções. Desse modo, não há como atribuir ao termo afastar-se,
usado no texto maior, o sentido de exclusão usado no texto precedente. Desse
modo, é pertinente o seguinte questionamento: Qual seu significado então?
Podemos perceber que a situação do militar mais jovem (menos de dez anos de
carreira) ao se desincompatibilizar para concorrer ao cargo eletivo, enquadrar-se-á
na condição de militar agregado para tratamento de assuntos particulares, ou seja,
agregação não remunerada, e, passada as eleições, caso eleito, irá para a
inatividade de igual modo que os mais velhos; caso contrário, poderá retomar a
carreira, cessando sua condição de agregado, momentaneamente inativo.
Destarte, uma análise histórica da evolução constitucional brasileira tende a
demonstrar que o constituinte originário, em 1988, não acolheu sem razão o termo
"afastar-se do serviço", deixando de lado a expressão "excluído do serviço ativo".
Acresça-se a isso a interpretação sistemática da atual Cosntituição, que, em outras
passagens, não empresta, ao afastamento, o sentido de situação definitiva ou
imutável.
Contudo, não apenas essas formas de hermenêutica relativas à evolução do
direito e à análise de outras definições de afastamento de cargo público contidas na
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Constituição federal de 1988 conduzem à conclusão de que não se trata de
imposição do licenciamento definitivo das fileiras das Forças Armadas e das Forças
Auxiliares, do militar com menos de dez anos de serviço. É preciso recordar que a
Constituição Federal de 1988 define a República Federativa do Brasil como sendo
de Estado Democrático de Direito, o qual se sustenta, dentre outros, pelo princípio
democrático. Segundo o jurista José Afonso Silva, na sua obra Curso de Direito
Positivo, a Constituição Federal de 1988, prega um Estado constituidor de uma
democracia "representativa e participativa, pluralista e que seja a garantia geral da
vigência e eficácia dos direitos fundamentais".
Vale ressaltar que os direitos políticos, dentre os quais a elegibilidade, são
direitos universais, expressos nas declarações de direitos, ínsitos ao princípio
democrático e, portanto, pilares do Estado Democrático de Direito. Daí a gravidade
em se impor o licenciamento definitivo das Forças Armadas ou Auxiliares ao militar
sem estabilidade, com menos de dez anos de serviço. Ademais, a interpretação das
regras que venham a privar ou a restringir o exercício dos direitos políticos devem
obedecer aos limites mais estreitos de sua expressão verbal, defendida por
Doutrinadores clássicos, como José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito
Positivo:
“ O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo como vimos, é que o erige em cidadão. Sua privação ou a restrição do seu exercício configura exceção àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve tender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal, segundo as boas
regras de hermenêutica”. ( SILVA, 2007. p122).
Vejamos que, ao se admitir que "afastar-se" queira dizer ser excluído,
demitido, licenciado definitivamente das fileiras das Forças Armadas, passamos a
inibir a participação política do militar, pois o militar com menos de dez anos, apenas
por pretender participar da vida política do país, candidatando-se, deverá abrir mão
de seu emprego, definitivamente? É extremamente desencorajador para qualquer
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pessoa abandonar uma carreira estável, planejada e arduamente alcançada para se
lançar candidato. Todavia, é essa a situação que se impõe ao militar com menos de
dez anos de serviço. Não parece razoável que uma Constituição, cognominada
Cidadã, tenha pretendido desencorajar a participação política de um segmento de
seus cidadãos, por intermédio da ameaça de perda do emprego público, talvez esse
texto tenha sido escrito, em razão de, em meados de 1986, com o fim da ditadura
militar, a instabilidade política era tamanha, que, algumas pessoas acreditavam que
surgiria um novo golpe militar, e isso fez com que, a participação política do Brasil,
com a presença de militares fosse, praticamente anulada. Dessa forma, na
conjuntura atual, não se tem espaço para uma interpretação limitada da norma
constitucional, e por tais, razões, tem-se levantado vozes na doutrina, no sentido de
que o afastamento do serviço ativo do militar com menos de dez anos de serviço,
previsto na Constituição, possui caráter temporário.
Outrossim, a esse questionamento quanto a estabilidade funcional do militar,
a discussão sobre a matéria já chegou na Suprema Corte de Justiça do país, por
intermédio do Recurso Extraordinário nº 279.469, no qual o Estado do Rio Grande
do Sul contesta decisão que mandou reintegrar à Brigada Militar um militar que,
contando menos de dez anos de serviço, foi demitido após se licenciar para
concorrer a uma vaga de vereador nas eleições municipais de 1996. Ao caso
concreto, o ministro Maurício Corrêa se manifestou contrariamente ao Recurso
Extraordinário daquele Estado Federativo:
“Da vigente redação do inciso I do § 8º do artigo 14 não se pode extrair, data venia, o rigor exegético que lhe emprestou o recorrente. Do contrário seria transformar a faculdade do afastamento em verdadeira pena de exclusão do serviço público. Não se pode tirar conclusões, sobretudo quando se trata de reduzir direitos inerentes à cidadania, dando interpretação extremada para criar sanção que a lei não previu. A expressão "afastar-se da atividade" só pode ter um sentido semântico e lógico traduzido na interrupção temporária da atividade funcional de que se está investido, para o exercício de cargo eletivo, situação provisória e precária que não pode converter-se em fundamento da perda do cargo. E tanto é assim que a redação correspondente na Carta Federal pretérita foi sensivelmente alterada. Não apenas o prazo foi modificado de cinco para dez anos, como o termo "excluído do serviço ativo" foi substituto por "afastar-se da atividade". Repito, permitir a demissão do servidor significa, primeiro, retirar-lhe a condição legal de militar, tornando despicienda a regra constitucional em exame e,
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segundo, impor restrição ao exercício pleno dos direitos políticos do cidadão”.(RExt nº 279.469/RS,2004).
Sob a questão do militar com menos de 10 anos, essa hermenêutica jurídica
da matéria permanece, em aberto e divide opiniões da Corte Suprema do STF, eis
que, contrariando a opinião do relator Maurício Corrêa, o Ministro Carlos Velloso foi
contrário à argumentação contida do RE nº 279.469, dando provimento ao recurso
do Estado Federativo, estando tal pauta nas mãos do Ministro Cezar Peluso, que
pediu vistas para estudar por inteiro a matéria.
Como forma de por fim a esta celeuma, acreditamos que o Congresso
Nacional poderia apresentar uma Emenda à Constituição, que provocaria mudanças
no Código Eleitoral e no Estatuto dos Militares, de modo a disciplinar que o
afastamento do militar com menos de dez anos de serviço que se candidate a cargo
eletivo não tenha caráter definitivo, bem como possam voltar as suas devidas
funções passados os anos de exercício eletivo, como acontece com os civis, dando
assim condições de igualdade a todos, pois não podemos esquecer que os militares,
em sentido lato, quando concorrem a cargos eletivos, têm seus eleitores deslocados
de suas zonas eleitorais, pois geralmente são retirados de suas cidades, para
trabalharem em outras mais distantes no dia da eleição.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse assunto, apesar de ter bastante relevância, raras vezes é comentado
em Instituições de Ensino Superior. Observa-se que não é comum a criação de
jurisprudências e doutrinas sobre a matéria. Não se estuda ou não dão importância
ou não se aborda, com ênfase, os assuntos relacionados aos direitos políticos dos
militares, não se promovendo debates específicos da matéria em Instituições de
Ensino Superior ao ponto de provocarem a curiosidade dos alunos para a questão
do porquê dos militares, após a assunção de um cargo eletivo, não poderem retornar
para as suas corporações. Do porquê da estabilidade dos militares ser de 10 (dez)
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anos, ao contrário do mundo civil, que que a estabilidade dos servidores públicos
civis são de 02 (dois) ou 03 (três) anos.
É importante debater o tema através da criação de fóruns de discussões
sobre o assunto, ao ponto de estimular nossos doutrinadores e representantes
políticos a falarem sobre essa matéria, já que esse assunto só é citado
superficialmente, ao contido no Art. 14, § 8º, I da Constituição federal de 1988,
apenas naquilo que está escrito, mas não adentram ao assunto.
Não se é observado, aprofundamento sobre essa matéria, nos Cursos
jurídicos das Instituições de Ensino Superior de todo o Brasil. É preciso opinar,
estimular, promover encontros de modo a conscientizar e discutir com os os
Operadores do Direitos, futuros gestores do ordenamento público, jurídicos, e
futuros representantes políticos, e demais membros da sociedade, a importância
sobre o tema abordado.
Sabemos que, em todas as profissões há bons e maus profissionais, e não
entendemos o porquê de ainda persistir, o fato do militar, federal ou estadual, ter que
ir pra reserva remunerada proporcional, caso seja eleito, mesmo gozando de toda
saúde para retornar às fileiras de sua corporação.
Dessa forma, não poderia me furtar, a não invocar a todos os leitores as
seguintes indagações: Será que, o porquê do militar, que exerceu cargo eletivo, não
poder voltar as fileiras de sua corporação, seria em razão de se perpetuar o medo
de que um militar possa voltar a influenciar e liderar uma tropa armada e encaminhá-
los a um novo golpe militar, ao ponto de deixar toda sociedade civil brasileira em
perigo? Se acreditarmos que sim, então, surge novo questionamento: Não estaria a
sociedade civil, em perigo, com um militar que construiu sua vida pública no
militarismo, regrada de normas, horários e disciplina, e que, após assumir um cargo
eletivo, e de estar impedido de retornar às fileiras de sua Corporação, e solto na
sociedade, também não estaria impedido de assumir qualquer outra função pública
na sociedade em que vive? Será que, esse militar, o mesmo que exerceu um cargo
eletivo, obrigado a ser aposentado proporcionalmente, ainda, poderia contribuir para
a sociedade economicamente ativa e para o Estado, mesmo não tendo os 30 (trinta)
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anos de serviço, como previsto para se aposentar? Será que, com tal impedimento
constitucional, de o militar que exerceu cargo eletivo não poder retornar a suas
fileiras da corporação e assim, continuar a contribuir para o Estado, será que o
governo e a sociedade não estariam perdendo com isso? Será que, com essa perda
ou impedimento constitucional, também não estaria afetando a dignidade pessoal e
normas de direitos humanos, fazendo com que, aquele servidor militar pudesse se
inútil? Será que os militares, após os plenos exercícios de cargos eletivos, ficariam
incompetentes, após assumirem esses cargos? Será que o Brasil vive hoje a
mesma instabilidade e política de 1986, quando ocorrera a constituinte preparatória
para a atual Carta Magna? Será que o fato de que, após o mandato do cargo
eletivo, os militares serem obrigados a serem deslocados do serviço ativo para a
reserva remunerada proporcional, mesmo com plena saúde, também seja um fator
que inibe o despertar de um líder que queira representar os militares no cenário
político? Pois é, assim como vós, também fico sem resposta para entender o porquê
de tantas injustiças.
Outrossim, se quisermos um país que suas leis sejam plenas, explícitas e
igualitárias a todos que compõem a nação, independente de serem civis ou militares,
independente de etnia, regionalismo, e que possam todos exercer o direito de votar
e ser votado, sem que para isso sofra qualquer retaliação. Nós Militares, também
somos cidadãos. A Carta Magna de 1988, deva atender, de forma igualitária,
militares e civis. Somos merecedores de respeito, consideração e, também,
devemos participar das tomadas de decisões da nação em que vivemos.
Por fim, temos que aumentar a representação política defensora dos direitos
dos militares federais e Estaduais. Todavia, ao tema proposto para reflexões e
estudos, despertam questionamentos iniciais propostos, quando os militares se
questionam, a cerca da perda profissional em que as instituições militares sofrem
quando alguns de seus membros “se atrevem” a assumir um cargo eletivo, com
sanções diretas, quando remanejado para a reserva remunerada, bem como
sanções indiretas, quando excluídos de suas corporações, nos casos dos praças
sem estabilidades e do impedimento de retornarem às fileiras da Corporação, após o
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exercício do cargo eletivo. Mudanças no cenário político regional, estadual e
Federal são extremamentes necessárias. Permanecer com esse dilema é um
verdadeiro retrocesso político e jurídico-constitucional, e preservação das
desigualdades de direitos políticos e constitucionais entre militares e civis.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Estatuto dos Militares. Brasília: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1980. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1988. CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 8. ed. Bauru: Edipro, 2000. DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e Inelegibilidades. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira. Vol I. São Paulo: Saraiva, 1999. ROTH, Ronaldo João. Elegibilidade do Militar e suas Restrições. Disponível em: ‹http://www.jusmilitaris.com.br›. Acesso: 07 jul. 2005. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Positivo. 29. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2007. p122. Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 112.477/RS, 6ª. Turma, Relator
Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU: 23/061997.
http://jus.com.br/artigos/10512/o-afastamento-do-militar-com-menos-de-dez-anos-de-servico-para-candidatar-se-a-cargo-eletivo; http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2006/rogeriocarlosborn/direitoeleitoral.htm; http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=413; http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1843596;
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www.jus.com.br; http://www.stj.jus.br; http://www.stf.jus.br; www.jusmilitaris.com.br;
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A CONDUÇÃO COERCITIVA EM SINDICÂNCIAS MILITARES E OUTROS
PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES
Demétrios Wagner Cavalcanti da Silva1
Resumo
O artigo trata acerca da (im)possibilidade da condução coercitiva de depoentes de maneira geral em sede de Processos Administrativos Disciplinares Militares, envolvendo aí desde uma simples Sindicância Administrativa Acusatória até o Conselho de Justificação. Pretende o artigo propor uma sistematização constitucional-retórica acerca do instituto e sua excepcionalidade. Palavras-chave: Condução coercitiva. Testemunha. Imputado. Sindicância. Processos Administrativos Disciplinares.
1 INTRODUÇÃO
A proximidade cada vez mais crescente entre o Direito Administrativo
Disciplinar e o Direito Processual Penal, tem obrigado aos operadores do Direito
Militar um constante debate acerca dos limites necessários para de um lado
proporcionar um processo que garanta os direitos constitucionais ao imputado e de
outro que não cristalize o Processo Administrativo Disciplinar, aqui em especial o
Militar, comprometendo a própria ritualística e fins do processo.
1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Processual.
Especialista em Direito Público. Especialista em Ciências Criminais Militares.
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Assim sendo, torna-se peculiar o debate a fim de identificar até que ponto
é possível no Processo Administrativo Disciplinar obrigar quem quer que seja a
depor e contribuir na fase probatória tal qual é possível no Processo Penal. Se o
debate por si só é instigante, cumpre alertar que em se tratando da seara castrense
os institutos da hierarquia e disciplina devem ser protegidos a todo custo sob risco
de ruir o que previu o art. 42 da Constituição Federal.
É nessa seara que se torna inadiável o debate acerca da possibilidade ou
não da condução coercitiva de imputado e testemunhas no Processo Administrativo
Disciplinar Militar sob pena de provocar uma verdadeira crise no Direito
Administrativo Disciplinar Militar.
2 DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO SINDICADO/IMPUTADO
Em se tratando da condução coercitiva do sindicado/imputado,
inicialmente é importante entender os limites do Nemo tenetur se detegere, ou
comumente traduzido sob a expressão "ninguém será obrigado a produzir prova
contra si mesmo" mormente utilizado como razão de furtar-se a depor. Trata-se de
um princípio consignado no Pacto de San José da Costa Rica, que em seu art 8º,
§2º, alínea "g", assegura que "toda pessoa tem o direito de (...) não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada". Vale ressaltar ao leitor que a
norma internacional foi recebida com força de norma constitucional, igualando-se a
essas, por força da Emenda Constitucional nº 45/2004. Ainda assim, os nossos
doutrinadores constitucionais já defendiam a existência dessa premissa em
decorrência do art. 5º, LXIII da Constituição Federal, que garante ao imputado o
direito de permanecer em silêncio e de inclusive não ter esse silêncio interpretado
em seu desfavor. Nesse último senão, destaque-se inclusive que o art. 305 do
Código de Processo Penal Militar foi por isso mesmo revogado tacitamente pela
previsão constitucional embora infelizmente negligenciado pela Lei 10.792, de
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01/12/2003, que deu nova redação ao art. 186 do Código de Processo Penal, essa
sim com a redação constitucionalmente correta.
Vale destacar no entanto, que o militar-imputado está submetido a rígida
hierarquia e disciplina castrense, e por isso mesmo a ele se impõe diversos deveres
e dentre eles a irrestrita obediência as ordens recebidas pelos superiores. Assim
sendo, uma vez apresentado por ofício pelo seu comandante deve o militar cumprir
a ordem de deslocamento o que não significa que está com isso abdicando de seu
direito ao silêncio. Cabe ao subordinado, se apresentado por ofício, comparecer
perante o sindicante/encarregado de Processo Administrativo Disciplinar Militar e
perante este simplesmente expressar que irá se valer do direito ao silêncio.
2.1 Condução coercitiva de testemunha
2.1.1 Condução coercitiva de testemunha militar
Semelhante interpretação se dá quando se trata de testemunha militar em
Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar Militar, mas apenas no tocante a
obrigatoriedade de sua apresentação quando determinado pelo seu comandante
através de ofício. É que, uma vez apresentado por ofício que representa uma ordem
legal de seu comandante direto, deve o militar comparecer perante o encarregado
sob risco de cometer crime de desobediência previsto no art. 301 do Código Penal
Militar e com isso responder a pena de detenção de até 06 ( seis) meses.
Uma vez apresentado, a testemunha-militar está também compelida a
depor e se não o fizer, total ou parcialmente, será responsabilizado. Isso porque
para a testemunha não se aplica o direito ao silêncio e muito pelo contrário visto que
o silêncio poderá ser inclusive interpretado como crime de falso testemunho por
força do art. 346 do Código Penal Militar.
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2.1.2 Condução coercitiva de testemunha civil
Já ao tratar de condução coercitiva de testemunha civil em Processo
Administrativo é necessária uma análise sistemática para sua melhor compreensão.
É inquestionável que o princípio da legalidade para a Administração
Pública tem conotação distinta comparando-se ao particular. Por este, aplica-se para
a Administração Pública o princípio da Legalidade Estrita pela qual só é autorizado
atuar naquilo que LEI dispuser.
Eis que neste ponto surge o primeiro requisito da medida: a remissão
legal do Processo Administrativo Disciplinar Militar ao Processo Penal Militar. Assim,
se não há lei que taxativamente remeta a espécie de Processo Administrativo
Disciplinar Militar ao Código de Processo Penal Militar não há que se falar em
condução coercitiva de testemunha. É o caso de Pernambuco onde a legislação
estadual apenas previu tal hipótese no Conselho de Disciplina (art. 16, do Decreto
Estadual nº 3639/75) e Conselho de Justificação (Lei Estadual nº 6957, de
03/11/1975, c/c o art. 17 da Lei Federal nº 5836, de 05/12/72). Assim, não é possível
a aplicação da medida coercitiva em Sindicâncias, Processos Sumaríssimos ou
Processos de Licenciamento em Pernambuco, que são as demais espécies de
Processo Administrativo Disciplinar Militar hodiernamente existente em diversas
legislações militares.
Uma vez vencido o primeiro requisito, o da legalidade, cumpre atentar-se
à competência para determinar a condução coercitiva.
Para a testemunha civil compelida a comparecer, contra sua vontade,
para prestar depoimento em Processo Administrativo é inquestionável notar-se a
supressão temporária da liberdade de ir e vir do cidadão, praticamente uma mini
prisão, com isso ferindo como dissemos anteriormente o art. 5º, XV, da Constituição
Federal, pelo que se impõe atentar a excepcionalidade insculpida no inciso LXI do
mesmo art. 5º da Constituição que permite a supressão da liberdade em caso de
prisão em flagrante ou ordem judicial. Assim, como segundo requisito temos que
não é cabível, no atual cenário constitucional, admitir que um Presidente de
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Comissão Processante Disciplinar Militar determine de próprio punho a condução
coercitiva de particular ( civil). Tal competência é exclusiva do Juiz. Assim também
entende Nucci ( 2012)i que pontua ao tratar sobre o art. 260 do Código de Processo
Penal: "Atualmente, somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser
esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração".
Compreender o instrumento de outra forma seria assombroso visto interpretar-se a
norma renegando princípios constitucionais.
Ao tratar de sobre o tema, Jorge César de Assis assinala que conforme
decisão do Superior Tribunal de Justiça "a administração não tem poder de forçar o
comparecimento de terceiros para prestar depoimento. A condução coercitiva é um
instituto predominantemente processual, não sendo extensível ao processo
administrativo disciplinar” (NUCCI, 2012)
Poderíamos acrescentar, para melhor entendimento, o argumento de que
a testemunha civil está para o Presidente da Comissão Processante assim como a
testemunha está para o delegado de polícia em sua atividade administrativa e prévia
do processo crime. Nisso, ambas as autoridades não têm competência para de
próprio punho determinar a apresentação de testemunha civil cabendo tal premissa
apenas ao representante do Judiciário.
Vencido o segundo requisito, é importante perceber que há uma
mitigação da medida se aplicada no Processo Administrativo Disciplinar Militar tal
qual previsto no Processo Penal Militar. É que enquanto o Inquérito Policial destina-
se a afigurar um crime e sua autoria, portanto tratando de interesse pro societate, o
Processo Administrativo cuida do Poder-dever Disciplinar, portanto de interesse da
interno da própria Administração, e por isso mesmo não tem a princípio como
sobrepor-se sobre um direito individual.
Neste cenário podemos encetar esse capítulo apontando que o terceiro e
talvez mais importante requisito para uso remoto do instituto é que o objeto do
Processo Administrativo Disciplinar Militar corrobore inegavelmente com o direito pro
societate, ou seja, que seja do interesse da coletividade e não exclusivamente da
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Administração Militar sem o qual não há como justificar-se a supressão de direitos
individuais de terceiros.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A condução coercitiva deve ser entendida como meio excepcional de
produção de provas imprescindível para a elucidação da verdade em um Processo.
Se diz excepcional porque a nova ordem constitucional instituída a partir da Carta de
1988 impõe o respeito a LIBERDADE e DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA como
imperativos que só podem ser violados de forma motivada e sempre quando não
restar outros meios de produção.
Assim sendo, mesmo admitindo-se a possibilidade remota da condução
coercitiva excepcional de quem quer que seja em Processo Administrativo
Disciplinar, cabe exclusivamente ao Juiz devidamente provocado pelo Presidente de
Comissão Processante determinar tal medida a qual só se justifica quando
esgotados todos meios de coleta da prova considerada como imprescindível.
Por fim, em se tratando de testemunha civil, sem qualquer relação
obrigacional para com a Administração Pública, mesmo a ordem judicial de
condução coercitiva só se justificará se abrigada em Lei que remeta o instrumento
processual penal para a seara administrativa, se for lavrada por juiz competente e
quando se afigure causa de interesse coletivo e não somente interno da
Administração Pública.
REFERÊNCIAS
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. São Paulo.
2012. 11ª Ed.
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STJ, 6ª T, RMS 22.223-RR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 16.05.2013, apud
Jorge César de Assis. Condução coercitiva de acusado e de testemunhas no direito militar:
Algumas considerações frente a apuração do ilícito penal e administrativo. Disponível em
http://atualidadesdodireito.com.br/jorgecesarassis/2014/05/13/conducao-coercitiva-de-acusado1-
e-de-testemunhas-no-direito-militar-algumas-consideracoes-frente-a-apuracao-do-ilicito-penal-e-
administrativo/. Acesso em 12/08/2014.
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A INFLUÊNCIA DO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA POLICIAL NO
PROGRAMA DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTABELECIDO PELO PACTO PELA
VIDA COM A REDUÇÃO DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE NO ESTADO
Flávio Rodrigues Bastos1
Resumo
O estudo ora apresentado em forma de artigo teve por base o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) referente ao Curso de Especialização em Gestão Pública ofertado pelo Departamento de Educação a Distância do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, o qual nos permitirá entender a influência do serviço de inteligência policial no Programa de Segurança Pública, dentro do Pacto Pela Vida que culminou na redução dos índices de criminalidade diante as demandas e necessidades reais da segurança publica. Utilizamos o método qualitativo, a fim de abordarmos o problema apresentado, por meio de uma pesquisa descritiva, valendo-nos de uma entrevista com os Gestores de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Pernambuco com o fito de entender se a inteligência policial influenciou na redução dos índices na Política de Governo acima descrita. Tivemos como campo de estudo o Núcleo de Inteligência do 16º Batalhão da Polícia Militar, por representar um subsistema de inteligência dentro do Sistema que adota os mesmos princípios doutrinários para os demais batalhões. Com efeito, os resultados conduzem para uma afirmativa da influência da atividade de inteligência nas reduções dos índices criminais.
Palavras-chave: Inteligência Policial. Segurança Pública. Lançamento Operacional.
Teatro de Operações.
1 Primeiro Tenente da Polícia Militar de Pernambuco. Graduado em Matemática. Especialista em
Educação Matemática. Especialização em Gestão Pública. Mestrando em Educação.
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1 INTRODUÇÃO
Embora o conceito de inteligência pareça novo, no Brasil, a muito que se fala
em inteligência como atividade de coleta de informações. Na década de 1960 no
auge do regime militar foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), o qual era
subordinado à Presidência da República, que tinha como objetivo principal a
salvaguarda de Assuntos Sigilosos de interesse do governo. Todavia, sendo aquele
regime de exceção, logo o controle estava nas mãos dos militares como nos mostra
a professora Priscila Carlos Brandão:
No Brasil, a atividade de informações confundiu-se com a própria segurança nacional. Dois dos três órgãos de informações das Forças Armadas foram criados no final da década de 1960 para combater a subversão: o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa). O único órgão de informações das Forças Armadas que já existia antes da tomada do poder pelos militares em 1964 era o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), mas que, em função da entrada dos militares no combate à subversão, redimensionou sua atividade. Em 1967, o SNI se uniu a estes órgãos para, através do culto ao segredo, atuar em defesa do Estado de Segurança Nacional. (BRANDÃO, 2002)
Com o fim do Regime Militar, os órgãos de inteligência entraram no
ostracismo passando por algumas modificações sendo ao longo do tempo
reestruturados e transformados em secretarias que passaram desde a Secretaria
Geral do Conselho de Segurança Nacional (SGCSN) à Secretaria de
Assessoramento de Defesa Nacional (Saden), vindo o SNI ser extinto no ano de
1990 quando foi criada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), como órgão
central da inteligência.
A atividade de Inteligência integrada por órgãos e sistemas, torna-se
indispensável na estratégia de qualquer governo na defesa da sociedade e em prol
dos direitos individuais e coletivos de seus cidadãos. E por ser essa uma condição
de institucionalização legítima da atividade, é que nos trouxe o interesse pelo tema
em análise, uma vez que surge a necessidade de esmiuçá-lo a partir das discussões
e reflexões quando estamos envolvidos numa vivência policial de segurança pública.
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O convívio coletivo exige de cada indivíduo a observação e, até mesmo, o
culto a valores e atributos em busca do conhecimento para se atingir metas ou
chegar a um objetivo que está diretamente ligado a informações privilegiadas de
determinadas áreas, ou situações. Neste contexto, a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), afirma no Programa de Segurança Pública para o
Brasil que “A cultura corrente nas Corporações policiais é a busca da informação
como uma fonte de poder no combate à criminalidade” (BRASIL, 2000).
O empenho da inteligência na área de Segurança Pública é condição sine qua
non para o efetivo combate a criminalidade. Aliado a isso, os diversos atores da área
de segurança precisam alinhar suas decisões em consonância com as informações
repassadas pela inteligência.
Assim, acreditamos que a oportunidade de abordar o tema em comento, não
se daria num outro momento, haja vista as políticas de governos tão em voga com o
Plano Estadual de Segurança, que tem como principal linha de ação o Pacto Pela
Vida (PPV). Criado em 08 de maio de 2007 pelo atual governo estadual, o PPV
consiste em um conjunto de ações com diretrizes focadas na redução de índices
criminais, coordenadas pelo próprio Governador, com o objetivo fundamental de
reduzir a violência, dando ênfase à redução dos crimes contra vida, no que prioriza a
inteligência como ferramenta no combate aos Crimes Violentos Letais Intencionais
(CVLI), cujo objetivo maior não é outro se não a segurança pública.
Para tanto, dispusemo-nos, ou melhor, pela própria vivencia na área da
inteligência fomos instigados a emprestar o nosso conhecimento e a nossa
dedicação, a fim de entendermos qual a influência da atividade de inteligência
policial, no programa de governo “Pacto Pela Vida” no combate e redução da
criminalidade.
Buscaremos realizar nossa pesquisa de forma qualitativa, tendo como campo
de estudo o 16º Batalhão Da Polícia Militar, através de observações que vão desde
o planejamento ao lançamento Operacional1, em consonância com as informações
repassadas pela gestão de inteligência.
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Outrossim, utilizamos como fonte primária a técnica da entrevista com os
gestores de inteligência envolvidos no processo, tanto o Gestor Geral de Inteligência
da Polícia Militar, quanto o Gestor do Núcleo de Inteligência da área do 16º BPM, a
fim de coletarmos as informações relevantes para o objeto do nosso estudo.
Como fonte secundária, os relatórios do PPV e como referencial teórico, nos
baseamos essencialmente nas definições patrocinadas pelos órgãos e sistemas que
compõem a inteligência brasileira, além da contribuição de outros teóricos
evidenciados neste trabalho.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Partindo para o aspecto de campo, o universo de nossa pesquisa será
composto pelos diversos atores envolvidos com a tarefa de fazer segurança pública,
notadamente, no que diz respeito ao Serviço de Inteligência Policial da Polícia Militar
no Estado de Pernambuco, porém, de forma peculiar, através do método indutivo,
cujo foco será o lançamento operacional do efetivo policial do 16º Batalhão de
Polícia Militar, ou seja, o 16º BPM sendo o campo do nosso objeto de investigação
de uma forma amostral, considerando a igualdade de doutrina desprendida pela
inteligência no lançamento do efetivo policial dos demais batalhões da Polícia Militar.
Nosso estudo será capitaneado pelas informações colhidas dos gestores de
inteligência da Polícia Militar.
Para tanto, vamos analisar qual a influência da atividade de inteligência
policial dentro do programa de governo “Pacto Pela Vida”, sendo esta uma política
pública no contexto da segurança do nosso Estado, com isso, inevitavelmente por
estar o 16º BPM localizado na Capital da Metrópole, teremos que, embora
superficialmente, lançar um olhar ao público-alvo a quem se destina a atividade fim
do batalhão, com ênfase nos aspectos sociais no que concede promover a sensação
de segurança, cujo objetivo maior da Corporação não é outro, se não o de fazer
valer o que confere a nossa Carta Magna, quando afirma em seu art. 144 que a
segurança pública, é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
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exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
através de seus órgãos operativos. Dentre eles, a Polícia Militar.
Utilizamos o método qualitativo, a fim de abordarmos o problema
apresentado, por meio de uma pesquisa descritiva, valendo-nos de uma entrevista
com o Gestor Geral de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, bem
como, com o Gestor do Núcleo de Inteligência da área do 16º BPM, com o fito de
entender qual a influência da inteligência policial na Política de Governo ora
estabelecida no Pacto Pela Vida.
Devido a diversidades de Batalhões da Polícia Militar que cobrem toda Região
Metropolitana da Cidade do Recife, e pela própria idiossincrasia doutrinária do
sistema de inteligência adotado pela Corporação, dentro do que preconiza o Pacto
Pela Vida, a nossa escolha do Núcleo de Inteligência do 16º BPM como campo de
estudo, se deu por representar um subsistema de inteligência dentro do Sistema que
adota os mesmos princípios para os demais Núcleos, no qual todos são geridos por
um único Gestor que é o Chefe da 2ª EMG2, motivos pelo qual também ser esse
último um dos sujeitos de nossa pesquisa.
Dentro de uma perspectiva, cujas informações irão subsidiar nossa
investigação, a fim de compreender o objeto deste estudo, em que pese ser um
tema ainda restrito entre os componentes do sistema, devido a uma época em que
esteve vinculado ao aparelho repressor de um regime de exceção, e, por
conseguinte, pouco explorado.
Entendemos haver elementos suficientes para dar cabo à nossa pesquisa,
portanto, usaremos o acervo existente nas agências de inteligências da Policia
Militar, centros acadêmicos, bibliotecas, instituições públicas e/ou privadas que
possam nos auxiliar na pesquisa, bem como, a própria prática policial que colabora
como experiência viva ao longo dos dezesseis anos dentro do sistema de
inteligência.
2 Seção do Estado-Maior Geral, responsável por todas as demais seções de inteligência da Polícia
Militar de Pernambuco.
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Analisaremos também, em linhas gerais, o contexto da inteligência policial no
planejamento e lançamento do efetivo policial quando da necessidade efetiva do
combate a criminalidade.
Em relação aos procedimentos quanto à análise dos dados, sabemos que a
descodificação de um documento pode utilizar-se de diferentes procedimentos para
alcançar o significado das comunicações nele cifradas. A escolha do procedimento
mais adequado depende do material a ser analisado, dos objetivos da pesquisa e da
posição ideológica e social do analisador (CHIZZOTTI, 2006).
Nesse sentido, após as coletas dos dados provenientes das entrevistas com
os sujeitos da pesquisa, procuramos interpretar as respostas segundo a ótica da
análise de conteúdo de Bardin (2006), a qual nos ensina que: “...análise de dados é
um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens...” Assim a
intenção da análise de conteúdo da nossa pesquisa, não é outra, se não a inferência
de conhecimentos relativos às falas quando na realização das entrevistas com os
gestores da atividade de inteligência da polícia militar, sobre a influência desta na
redução dos índices criminais.
Para a análise das falas foi considerada a unidade de análise temática, cujos
temas são: percepção sobre o serviço de inteligência, importância do mesmo,
influência no lançamento operacional, visão do serviço de inteligência, e a influência
no Pacto pela Vida. Estes temas foram estruturados numa grade de análise em que
cada tema foi confrontado com as respostas dos sujeitos de pesquisa o que
propiciou uma possibilidade mais ampla dos gestores pesquisados.
As unidades temáticas, recorrentes das entrevistas realizadas, deixam clara a
associação da inteligência policial com temas ligados à atividade de
assessoramento, tomadas de decisão, planejamento estratégico e análise criminal
entre outras, como sendo atividades exclusivamente desenvolvidas pela Inteligência
Policial no âmbito da Corporação Policial Militar no combate a criminalidade. Desta
maneira, e, viabilizando esse entendimento discutiremos a seguir esta atividade.
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3 Núcleo de Inteligência do 16ºBPM.
Tendo como objetivo central a produção de conhecimento na área de
inteligência com informações pertinentes ao índice de criminalidade apresentado
pelo número de assalto, tráfico e consumo de drogas, além de formação de
quadrilhas que por ventura venham a existir em determinada localidade (bairros), e
com intuito de subsidiar no processo de tomadas de decisões no ato de
planejamento operacional, o Núcleo de Inteligência do 16ºBPM empenha seus
agentes no terreno (bairros dentro da área de atuação) com a missão de buscar os
dados negados, que aqui se entenda por informações coletadas em pesquisa de
campo junto com a comunidade local, informantes (pessoas que se dispõem em
ajudar a policia com informações privilegiadas), e algumas vezes até mesmo com
marginais da própria localidade.
Faz-se necessário esclarecer que buscar informações junto à própria
criminalidade, não implica de maneira alguma em envolvesse com ela. Uma vez que
a criminalidade vem se organizando e se aperfeiçoando constantemente nos seus
métodos, práticas e áreas de atuação, aqueles que combatem o crime tem
imperiosamente que acompanhar essa evolução, e não poderia ser de outra forma
com serviço de inteligência policial, que pela peculiaridade do serviço arrisca a
própria vida quando infiltrados dentro da marginalidade na busca da informação.
Não se pode desprender-se do objetivo acima, a ajuda na coleta de dados
com o tratamento das informações geradas pela estatística, a qual é constantemente
alimentada pela quantidade de Boletins de Ocorrências gerados no decorrer dos
períodos (semanas, mês, ano), que envolvem incidência de determinados tipos e
ocorrência, em certa localidade, no que demanda da inteligência uma maior atenção
e agilidade na obtenção das informações que delas dependam uma tomada de
decisão rápida e cirúrgica, em prol da defesa social face o perigo iminente.
O 16º BPM está localizado no centro da cidade do Recife, a qual tem por
circunvizinhança três grandes bairros, Santo Amaro, Coelhos e Coque, onde o
índice de criminalidade, conforme estatística gerada pelos números de ocorrências
atendidas mensalmente são respectivamente 40%, 25% e 15%, sendo esse
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percentual de um montante de 840 ocorrências atendidas durante o período de um
mês3.
Se considerarmos que a área de circunscrição do núcleo de inteligência do
16º BPM corresponde a 12 bairros4 veremos facilmente, sem desprezar os demais
bairros, que a preocupação maior encontra-se nos bairros acima mencionados. Em
relação à segurança, é obvio que devemos contemplar todos aqueles que dela
precisam sem exceção, a fim de garantir o direito de todos independentes do local
onde reside, cor, raça ou credo.
Contudo, pelo valor operacional, ou seja, áreas que apresentam quantidade
significante de ocorrências, demonstrada pela estatística, demandam uma maior
concentração do serviço de inteligência, com vistas a uma ação preventiva por parte
do planejamento operacional.
Na verdade, a influência da inteligência institucionalizada nos órgãos
operativos de segurança do Estado, no que pese as reduções nos índices de
criminalidade conforme se constata nos relatórios divulgados na mídia pelo governo,
se dá, acreditamos, antes de tudo, pelo reconhecimento e investimento na atividade
de inteligência dentro de uma estrutura ramificada de informações, porque é racional
entender que a previsão é um fundamento da prudência na arte de governar.
Corroborando com essa afirmação, citamos o pensador Florentino Maquiavel
quando diz que “a sustentação do poder do Príncipe está no segredo e na razão de
Estado” (MAQUIAVEL, 2002). Podemos ver que o ato de prever e antecipar-se,
construído a partir do conhecimento de segredos, fundamenta a prudência por
aqueles que governam quando nas tomadas de decisões.
3 Fonte: Seção de Estatística do 16ºBPM.
4 São José, Stº Antônio, Cabanga, Coelhos, Stº Amaro, Coque, Joana Bezerra, Boa Vista I,Boa Vista
II, Soledade, Paissandú e Ilha do Leite.
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4 DISCUSSÃO E RESULTADOS
A atividade de inteligência desde o seu nascimento se caracteriza pela ideia
de obtenção da informação privilegiada quando na tomadas de decisões. Talvez um
dos melhores exemplos de utilização de uma eficaz estratégia de Inteligência no
mundo antigo foi do jovem imperador, Alexandre, o Grande. O historiador Kristan J.
Wheaton (2012) afirma que:
Em 13 anos, Alexandre construiu o mais extenso império conhecido pela humanidade, ultrapassando os Persas, e conquistando partes da India, do atual Afeganistão, e partes da atual Rússia. Alexandre sabia que para fazer isso, e para controlar o seu vasto império, ele precisaria de uma maneira de enviar informação de Inteligência na mesma velocidade com que conquistava territórios. Para isto ele precisou de um sistema de informações tão poderoso quanto seu exército. (KRISTAN, 2012).
Fica claro nesse contexto histórico a preocupação em obter informações
privilegiadas que possibilitassem a certeza de uma vitória na conquista de um
império.
Tentar-se-á demonstrar neste artigo como a inteligência influencia no
planejamento das ações operacionais de uma Unidade de Segurança Policial, dentro
do Programa Governamental Pacto Pela Vida (PPV), partindo primeiramente das
definições de inteligência com intuito de entender como se vivencia essa atividade.
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), órgão central do Sistema Brasileiro
de Inteligência (SISBIN), define como inteligência “a produção de conhecimentos
que habilitem as autoridades governamentais, nos respectivos níveis e áreas de
atribuições, à oportuna tomada de decisões ou elaborações de planos” (BRASIL,
2009).
Vemos aqui uma definição ampla do que venha ser inteligência, contudo, a
citada definição ainda não nos esclarece a influência dessa atividade no sistema de
segurança, para tanto, e com intuito de obtermos a resposta examinaremos a
definição transcrita da Doutrina de Inteligência da Polícia Federal (DPF-1999), a qual
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nos diz que “Inteligência é a atividade exercida pelo órgão policial, fundamentada em
preceitos legais e padrões éticos, que consiste na produção e proteção de
conhecimento, por meio do uso de metodologia própria e de técnicas de
assessoramentos...” Embora a ideologia aqui transcrita se aproxime da resposta
procurada, todavia não nos fornece uma clareza da importância dessa atividade
para as ações policiais.
Com o avanço crescente do crime nas suas mais diversas modalidades
desafiando por vezes, o aparato policial, os órgãos operativos de segurança
passaram a ter uma nova concepção de inteligência policial, que corrobora
sobremaneira na pesquisa em comento. Segundo Lacerda (2002) “Inteligência é a
coleta de informações sem o consentimento, a cooperação ou mesmo o
conhecimento por parte dos alvos da ação.” Nessa acepção restrita, inteligência é o
mesmo que segredo ou informação secreta que permite a policia atuar de forma
cirúrgica e preventiva no combate a criminalidade.
O mundo passa por constantes mudanças, e a produção do conhecimento
tem sido uma moeda de grande valia, principalmente para as organizações de
segurança pública quando no desenvolvimento de ações que visam à antecipação e
prevenção da criminalidade.
A inteligência é um elemento básico do planejamento estratégico de qualquer
organização. Gestores de segurança em suas demandas organizacionais não
tomam decisões sem um assessoramento das informações advindas da inteligência.
Vivemos em uma sociedade ávida pelo conhecimento. Quando analisamos a
visão de Borges (2008) ao dizer que “A sociedade do conhecimento é reconhecida
pelo uso intenso da informação e do conhecimento e das tecnologias de informação
e da comunicação e da vida do indivíduo e da sociedade, em suas diversas
atividades.” Fica claro porquanto nas últimas décadas surgiram tantas ramificações
de inteligência, tais como: Inteligência Organizacional, Inteligência de Estado,
Inteligência Militar, Inteligência de Segurança Pública, Tecnologia da Informação,
Inteligência de Compras, Inteligência Competitiva, Inteligência Empresarial, etc.
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Porém, ao lançarmos um olhar crítico, veremos que tudo se caracteriza pela
idéia de obter informações privilegiadas quando no planejamento e nas tomadas de
decisões. Ou, poderíamos dizer que tudo é uma adaptação da atividade de
Inteligência “clássica” à atividade de Inteligência policial.
O Planejamento Estratégico Governamental (PEG), transcrito no PPV busca a
todo esforço atender as demandas sociais, dentro das atividades inerentes ao dever
do Estado conforme nos ensina o professor Renato Peixoto Dagnino:
O Planejamento Estratégico Governamental deverá inclusive buscar sua transformação no sentido do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atender àquelas demandas, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioria da população hoje marginalizada. Um Estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da população e proteja o país numa rota que leve a estágios civilizatórios superiores (DAGNINO, 2009).
Daí a importância da inteligência na atividade policial, antecipando-se aos
acontecimentos, planejando e executando ações que permitam a segurança da
sociedade e do Estado.
Logo, a influência da atividade de inteligência nas metas alcançadas pelo
Pacto Pela Vida, no que se refere à redução do índice de criminalidade, e
principalmente nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI), reside nos
levantamentos e coletas de dados por parte de um sistema integrado de inteligência
policial, com ações transversais executadas por todas as Secretarias do Estado de
forma não fragmentada, incorporada em todos os níveis de execução das políticas
públicas de segurança, como outrora não se via.
Somam-se ainda os mecanismos de monitoramento e de avaliação, desde a
formulação de estratégia, até a execução propriamente dita das ações de segurança
pública, permitindo corrigir as falhas e muitas vezes mudar até a direção visando um
objetivo maior no combate a violência.
Conforme redação contida no Plano Estadual de Segurança Pública
podemos ver claramente a preocupação dos atores políticos em atingir as metas:
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Finalmente, pode ser dito que a meta estruturante do Plano Estadual de Segurança Pública é construir um conjunto de ações sistêmica de curto, médio e longo prazo, que, definindo e monitorando responsabilidades, busque interromper o crescimento da violência criminosa em Pernambuco e iniciar um processo de redução contínua e progressiva de tal violência, e em especial dos crimes contra a vida. (PERNAMBUCO, 2007)
Com vista a fortalecer as atividades de inteligência e dar suporte as metas do
Pacto Pela Vida o Governo do Estado sancionou no mesmo mês de sua criação a
Lei Nº 13.241(2007), estabelecendo o Sistema Estadual de Inteligência de
Segurança Pública do Estado de Pernambuco – SEINSP, ficando sob a chefia do
Secretário de Defesa Social, tendo como órgão de coordenação, planejamento e
execução o Centro Integrado de Inteligência de Defesa Social – CIIDS.
Os elementos caracterizadores desse “novo modo de fazer segurança
pública” não apresentam nenhuma fórmula miraculosa, mas apenas uma política
fomentada a partir da valorização e investimento na atividade de inteligência policial,
que não só influenciou a queda nos índices de criminalidade imposta pelo PPV, mas
aparece como sendo a base na produção de resultados, dando início assim, a
chamada política da engenharia social pautada nos princípios básicos da inteligência
policial, sem jamais deixar de levar em conta naquilo que preconiza a Constituição
Federal de 05 de outubro de 1988, ipsis litteris no seu Art. 5º quando afirma que
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade” (BRASIL, 1988).
Logo, a segurança é dever do Estado. Com efeito, a inteligência policial pode
ser uma ação que propicie a redução da criminalidade em nosso Estado e
contribuído sobremaneira na defesa do maior direito que o homem tem, inviolável, o
direito a vida.
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5 A INFLUÊNCIA DO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA POLICIAL NO PPV, E A
REDUÇÃO DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE NA VISÃO DOS GESTORES DE
INTELIGÊNCIA
A análise de conteúdo constitui-se num método de tratamento de
comunicações, que pode ser bastante amplo conforme os objetivos delineados, bem
como, da visão dos entrevistados, emerge a necessidade de esclarecer que ambos
os entrevistados pertencem ao sistema de inteligência da polícia militar, contudo, em
cargos e hierarquias diferentes.
Na visão dos gestores, a atividade de inteligência constitui a base do
assessoramento nas tomadas de decisões, e que disso implica todo planejamento
operacional quando do lançamento do efetivo policial na área de atuação e, que dela
também, depende a eficácia e a eficiência do aparato defensor do Estado. Ambos os
sujeitos, acreditam que por ser a atividade de inteligência, uma atividade que permite
visualizar e entender a situação criminal dentro de uma estimativa em obter
informações privilegiadas, e que por essa razão permite à antecipação dos fatos,
dando condições de planejar ações transversais no combate à marginalidade, é que
influenciou na redução dos índices propostos pelo PPV.
Do ponto de vista das explicações sobre o desenvolvimento e
aperfeiçoamento da inteligência dentro da Instituição, pode ser interpretado em parte,
ainda na visão dos gestores, como resultado direto da criação do Sistema Estadual
de Inteligência de Segurança Pública do Estado de Pernambuco (SEINSP), o que
permitiu uma integração dos demais órgãos operativos da Secretaria de Defesa
Social – SDS -, e pelos investimentos propostos nas diretrizes do PPV, sobretudo na
capacitação e qualificação técnica do efetivo.
Com base no que foi dito, e em relação às metas de redução dos índices de
criminalidade impostas pelo governo de 12% dos Crimes Violentos Letais
Intencionais (CVLI), e, tomando como exemplo a área de circunscrição do 16º
Batalhão da Polícia Militar, objeto desse estudo, no período de dois anos (2011 e
2012), em decorrência das ações integradas de inteligência dentre as atribuições
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conferidas do PPV, o Batalhão reduziu as metas referentes ao quantitativo do CVLI,
saindo respectivamente do patamar de 73 homicídios para 52, representando uma
redução de 38%5 em relação ao ano anterior.
Tudo isso, acreditamos, ser fruto de uma análise precisa de informações,
resultante de ações transversais da inteligência pela integração dos órgãos, o que
nos indica que as ações do serviço de Inteligência já apresentam uma influência na
redução da criminalidade no período em tela.
A atividade de inteligência policial é uma ferramenta que possibilita aos
gestores de Segurança Pública entender o fenômeno da criminalidade e seus efeitos,
consequentemente, permite aos gestores diagnosticar com precisão os fatores que
levam ao cometimento do crime, produzindo o conhecimento necessário na
formatação de ações integradas, homogêneas, contínuas e ininterruptas.
Finalmente, pode ser dito que as metas estruturantes do Plano Estadual de
Segurança Pública, na ótica dos entrevistados, permitiram a integração do sistema,
consequentemente uma transversalidades das ações, com investimentos na
qualificação técnica dos agentes, no que fortaleceu a doutrina, e que, o somatório
desses fatores levou a redução dos índices de criminalidade dentro do Estado,
principalmente dos crimes contra a vida, que teve influência direta das ações
sistêmicas da atividade de inteligência de todos os órgãos operativos da Secretaria
de Defesa Social, no combate à criminalidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve por finalidade analisar a influência do serviço de inteligência
na redução dos índices de criminalidade propostos no Plano Estadual de Segurança
Pública, nos fazendo-nos entender as peculiaridades que envolvem a inteligência
policial em face de sua utilização no planejamento e lançamento operacional, tendo
5 Fonte:Núcleo de Inteligência do 16ºBPM.
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como sujeitos da pesquisa respectivamente, o Gestor Geral de Inteligência da
Polícia Militar e o Gestor do Núcleo de Inteligência Setorial, sendo o campo de
pesquisa “in loco” o 16º Batalhão da Polícia Militar do Estado de Pernambuco
(16º BPM).
É possível perceber, com base nesse estudo, que as ações de inteligência
constituem uma ferramenta no enfrentamento à criminalidade e que, o poder
dissuasório dos órgãos de segurança pública ganha maior efetividade quando
empregam o serviço de Inteligência nas ações que antecipem os cometimentos
delituosos ou qualquer ação que venha atentar contra a ordem pública.
Demonstrou-se também, que a inteligência está diretamente ligada ao
Planejamento do Lançamento Operacional do efetivo ostensivo na área de atuação,
no que, a nível tático, a produção de conhecimentos tem sido imprescindível para
manter uma sensação de segurança com o emprego eficaz e racional do
policiamento ostensivo da Polícia Militar, decorrendo na redução dos índices
criminais anunciados nas metas do PPV.
Frente ao problema investigado, em que pese à influência da atividade de
inteligência na redução dos índices de criminalidade estabelecido no Programa de
Segurança Pública Pacto Pela Vida, é consenso dos sujeitos desta pesquisa que a
atividade de inteligência ao assumir uma postura prospectiva e proativa, no nível
estratégico, analisando as tendências da criminalidade, apoiada em uma nova gestão
de segurança pública, com programas e planos focados mais nas causas estruturais
do que conjunturais, teve influência sim, na redução dos índices.
Com efeito, a atividade de inteligência com vistas a combater a criminalidade,
adquire um grau de importância não só para a repressão, mas, principalmente, no
que concerne à prevenção. As ações de inteligência se pautam por reunir todos os
órgãos do Governo resultando em processos específicos na construção de soluções
para o grande desafio que hoje enfrenta os órgãos de Segurança, que seja erradicar
o crime em todas suas modalidades, principalmente dos crimes contra a vida.
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REFERÊNCIAS
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PERNAMBUCO. Governo Estadual. Pacto Pela Vida (PPV). Plano Estadual de Segurança Pública. Maio, 2007. PERNAMBUCO. Poder Executivo. Lei Nº 13.241, Cria o Sistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública do Estado de Pernambuco – SEINSP, e dá outras providências. Maio, 2007. KRISTAN, J. Wheaton. O Ciclo da Inteligência e sua História, 2012, 4ª Ed.
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IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA: análise das mudanças organizacionais na 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco
Flávio da Silva Mendonça1
Resumo O presente artigo tem como objetivo geral analisar as mudanças organizacionais na 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco, implantadas pela Lei nº 13.241, de 29 de maio de 2007, através de pesquisa descritiva, procedimentos estatísticos e comparativos, com a utilização de instrumentos de coleta de dados como o questionário construído com a ferramenta “Google docs”. Os resultados obtidos através do estudo de campo permitiram apontar situações divergentes ao previsto na legislação ora citada, demonstrando ainda uma readaptação à nova realidade. Servindo como indicador de avaliação do ambiente organizacional, contribuindo como sugestão para a tomada de decisão preventiva e/ou corretiva, por parte do Governo Estadual e da organização. Palavras-chave: Mudanças organizacionais. Legislação. 2ª Seção do Estado-Maior
Geral da PMPE.
1 INTRODUÇÃO
O Governo de Pernambuco em 2007 deu início a uma nova gestão, e
com isso implantou mudanças em diversas áreas do governo, principalmente na
Segurança Pública com o Programa Pacto pela Vida.
A nova gestão buscou integrar os órgãos operativos da Secretaria de
Defesa social de Pernambuco (Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros
1 Primeiro Sargento da Polícia Militar de Pernambuco. Formado em Licenciatura em Física – UFRPE.
Tecnólogo em Processos Gerenciais – FATEC/UNINTER. Especialização em Gestão Pública – IFPE.
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Militar), bem como a Secretaria Executiva de Ressocialização e Corregedoria Geral
da SDS-PE, visando combater a violência e a criminalidade com mais eficácia,
através da troca de informações. Para realizar tal integração, o governo implantou o
Sistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública – SEINSP, através da Lei nº
13.241, de 29 de maio de 2007, regulamentada pelo Decreto nº 30.847, de 01 de
outubro de 2007, a qual, além de integrar os órgãos operativos da Secretária de
Defesa Social de Pernambuco e outros órgãos, ocasionou uma mudança
organizacional na 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de
Pernambuco.
O estudo sobre mudança organizacional possibilita uma compreensão
ampla do ambiente, tanto no âmbito das relações humanas, como também, analisa a
atual realidade, tendo como respaldo os principais conceitos sobre mudança
organizacional, principalmente porque se faz necessário compreender as
implicações dessa teoria nas organizações públicas. Traz como pergunta problema
a seguinte questão: quais as implicações ocorridas na gestão organizacional, com a
implantação do Sistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública - SEINSP,
na 2ª Seção do Estado-Maior Geral?
A presente pesquisa acadêmica visa analisar o ambiente organizacional,
observando até que ponto as mudanças quando incorporadas a gestão, contribuíram
efetivamente para a melhoria do cotidiano da organização. O tema permite uma
compreensão de como se desenvolve as relações entre indivíduos quando estão
vivenciando um ambiente de mudanças e quais os reflexos desta percepção do
ponto de vista estrutural. Outro aspecto de suma importância, estudado durante o
período da pesquisa, foram às mudanças organizacionais impactadas no âmbito
estrutural.
Na prática, identificou-se que as implicações ocasionadas no processo de
mudança da organização, sofreram o impacto que alterou as relações interpessoais,
gerando uma nova realidade, pela dinâmica do Sistema Estadual de Inteligência de
Segurança Pública - SEINSP, na 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar
do Estado de Pernambuco.
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Chegou-se aos resultados, através da coleta de dados, aplicando
questionário com perguntas fechadas e com método quantitativo, pesquisa
exploratória descritiva e bibliográfica, analisando e mensurando as informações
obtidas no instrumento de pesquisa, avaliando as principais mudanças
organizacionais na 2ª Seção do Estado-Maior Geral.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Optou-se por utilizar o método quantitativo, tendo como objetivo a
pesquisa exploratória descritiva, através de procedimentos adotados na coleta de
dados como: a pesquisa bibliográfica e o estudo de campo, utilizando um
questionário constituído por uma série ordenada de perguntas fechadas
preferenciais, junto a uma amostra aleatória simples dos integrantes da Segunda
Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco.
De acordo com Zanella (2009, p. 77)
A pesquisa quantitativa é aquela que se caracteriza pelo emprego de instrumentos estatísticos, tanto na coleta como no tratamento dos dados, e que tem como finalidade medir relações entre as variáveis. Preocupa-se, portanto, com representatividade numérica, isto é, com a medição objetiva e a quantificação dos resultados.
3 AMOSTRA
Segundo a Subseção de Apoio Administrativo - SS-1 da 2ª Seção do
Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco, a qual é equivalente ao Setor
de Pessoal, e conforme especificado na Lei 13.241, de 29 de maio de 2007, o
contingente existente da 2ª Seção do Estado-Maior Geral é de 49 (Quarenta e nove)
Oficiais e 309 (Trezentos e nove) Praças, totalizando 358 (trezentos e cinquenta e
oito) integrantes, embora o efetivo fixado pela Lei Estadual nº 14.025, de 26 de
março de 2010, seja de 58 (cinquenta e oito) Oficiais e 325 (trezentos e vinte e
cinco) Praças, totalizando 383 integrantes.
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De acordo com Oliveira e Grácio (2005, p. 1):
Num levantamento por amostragem aleatória, a seleção dos elementos que deverão compor a amostra deve, então, ser feita com uma metodologia adequada, de tal forma que os resultados da amostra possam ser generalizados para a população toda. É necessário garantir que a amostra seja representativa da população: isto significa dizer que a amostra deve apresentar as mesmas características gerais da população no que diz respeito às variáveis em estudo.
Fonseca e Martins (2010, p. 178), apontam que para determinar o
tamanho da amostra aleatória simples em populações finitas, utiliza-se a seguinte
Equação:
Sendo,
n = Tamanho da amostra;
z = Nível de confiança;
σ = Desvio padrão;
N = Tamanho da população;
d = Erro amostral tolerável;
Definida a equação, iremos realizar o cálculo da amostra a ser
pesquisada, sabendo que N=358, considerando d=0,05 (5%), z=2 (95,5%) e σ=0,30
(30%). Substituindo os valores na equação supracitada, temos:
Portanto, de acordo com os cálculos da equação da amostra aleatória
simples, o tamanho da nossa amostra será de 102 (cento e dois) integrantes.
Definido o tamanho da amostra, listamos em ordem numérica crescente
de 1 a 358, todos os integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral, numa tabela de
Excel 2007 da Microsoft, realizando um sorteio aleatório simples através da função
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“=ALEATÓRIOENTRE(1;358)”, a qual gerou uma distribuição numérica aleatória na
Tabela 1:
331 92 24 299 65 16 22 60 305 347
94 244 100 230 346 115 337 51 331 130
105 125 323 111 246 59 131 317 106 346
150 254 28 56 306 265 86 151 158 322
239 275 347 49 30 31 25 10 152 205
133 306 281 251 354 6 19 1 134 50
174 219 307 186 225 91 225 81 149 132
71 184 220 328 180 249 47 351 303 34
135 22 355 248 19 160 214 260 254 18
94 44 21 77 128 353 338 287 175 350
316 288 135 125 189 165 201 151 77 226
161 72 313 216 230 293 95 25 101 68
119 341 109 194 173 311 199 103 152 336
194 171 214 114 245 2 111 319 26 14
340 52 255 338 99 21 257 42 100 47
127 60 36 348 58 322 20 273 165 262
215 123 278 202 275 276 145 82 10 78
299 220 91 43 309 254 262 231 22 31
223 311 177 319 245 2 80 182 253 224
121 2 126 8 61 92 33 324 50 323
118 253 69 88 173 133 74 237 260 135
170 245 196 94 142 221 198 344 280 343
184 4 164 34 47 266 88 298 200 90
19 36 124 175 286 2 270 22 323 297
118 71 46 262 56 322 304 8 71 259
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141
24 37 36 27 290 167 74 292 340 102
257 153 215 88 143 31 106 162 188 59
275 15 289 35 326 232 171 339 25 193
352 267 150 115 50 31 127 309 37 16
112 329 282 9 27 255 137 257 242 190
309 60 296 106 321 169 128 286 239 253
6 44 27 342 155 146 71 12 42 2
109 301 138 319 306 143 88 211 191 166
135 237 19 281 296 26 256 176 39 352
208 11 5 339 146 252 123 32 97 106
119 164 214 343 327 210 112 339
Tabela 1. Distribuição numérica aleatória.
Após o sorteio aleatório dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior
Geral através do Excel Microsoft 2007, foram escolhidos os números aleatórios
postados nas primeiras 12 linhas da tabela 1, sendo excluídos os números repetidos,
e os excedentes finais, permanecendo apenas os primeiros 102 números sorteados,
conforme Tabela 2:
331 92 24 299 65 16 22 60 305 347
94 244 100 230 346 115 337 51 130
105 125 323 111 246 59 131 317 106
150 254 28 56 306 265 86 151 158 322
239 275 49 30 31 25 10 152 205
133 281 251 354 6 19 1 134 50
174 219 307 186 225 91 81 149 132
71 184 220 328 180 249 47 351 303 34
135 355 248 160 214 260 18
44 21 77 128 353 338 287 175 350
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142
316 288 189 165 201 226
161 72 313 216 293
Tabela 2. 102 números sorteados aleatoriamente e escolhidos, os quais representam os integrantes
da 2ª Seção do Estado-Maior Geral a serem pesquisados.
Com a definição da amostra aleatória simples de 102 integrantes e a
realização de um sorteio aleatório através do Excel 2007 Microsoft, tendo todos os
358 integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral a mesma oportunidade de
participar da presente pesquisa. Foram elaboradas 22 perguntas fechadas, as quais
fazem parte de um questionário construído a partir da ferramenta “Google docs”,
onde os pesquisados sorteados, sendo 17 (dezessete) Oficiais e 85 (Oitenta e cinco)
Praças, conforme numeração aleatória, receberam um link
(https://docs.google.com/spreadsheet/viewform?usp=drive_web&formkey=dF9WbmF6ejZyM
TZidl9WM2lxb0Z6MFE6MQ#gid=0) via e-mail pessoal, visando ter acesso às referidas
perguntas, e consequentemente respondê-las online.
“O questionário é um instrumento que possibilita atingir um número
grande de pessoas, em uma ampla área geográfica, já que pode ser enviado pelo
correio, por meio digital (e-mail) ou aplicado por telefone” (ZANELLA, 2009, p. 113).
Zanella (2009, p. 113) afirma que nas perguntas com respostas fechadas,
o entrevistado diante de um questionário, escolhe respostas dentre as opções
oferecidas, seja verbalmente ou assinalando graficamente.
Ainda segundo Zanella (2009, p. 113), a escolha múltipla é um tipo de
pergunta fechada, onde o respondente escolhe uma alternativa ou um número
limitado de opções de respostas.
Respondidas as perguntas, as quais ficaram abertas por tempo pré-
determinado, foi realizada uma análise dos dados, visando descobrir as reais
mudanças organizacionais da Segunda Seção do Estado-Maior Geral da Polícia
Militar de Pernambuco, depois da implantação do Sistema Estadual de Inteligência
de Segurança Pública – SEINSP, instituídas pela Lei nº 13.241, de 29 de maio de
2007.
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4 PROCESSO DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Falar de mudança organizacional remete a uma análise do ontem e do
hoje. As mudanças sempre existiram em todos os lugares, com as organizações
públicas não é diferente. O que se observa nas organizações é que estas estão
situadas em ambientes que se encontram em constante mudança, sendo fato que
as mudanças estão presentes no universo organizacional.
Os diferentes fenômenos relacionados à mudança organizacional,
observados durante estudos realizados por especialistas, diagnosticaram que o
ambiente organizacional busca estabilizar-se, e que esta é uma reação natural de
qualquer sistema. No entanto, existem outros mecanismos a serem adotados pela
organização na busca de se estabilizar. Outro aspecto relevante existente a ser
observado na análise sobre mudança organizacional é o reflexo que essas causam
e em que grau elas afetam as variáveis internas e externas. É importante observar
quais as variáveis que são afetadas em maior intensidade para que se possa intervir
rapidamente, e assim, diminuir o impacto dos seus efeitos. A gestão deve
intensificar suas ações objetivando se beneficiar das mudanças, como também,
exterminar os efeitos maléficos e duradouros percebíveis por toda a organização. As
organizações devem desta forma, fortalecerem-se estruturalmente e
hierarquicamente, utilizando-se de práticas que elimine e/ou minimize a um nível
aceitável, direta e indiretamente o impacto das mudanças na administração
estratégica, tática e operacional da empresa pública e privada.
Reforçando o entendimento, é preciso buscar mecanismo que possibilite
a estabilização dos impactos ocasionados por tantas e constantes mudanças
advindas de um mundo tecnologicamente interligado, competitivo e globalizado.
Talvez seja por isto, que diversos autores se sentem atraídos por estudar esse
tema. Um deles é Schein (1982, p.188), considerado por muitos um tradicionalista, o
qual comenta em seus estudos que:
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Para se planejar intervenções eficientes, precisa-se de alguma espécie de teoria abrangente da mudança [...] que modo se deve iniciar a mudança e como estabilizar os resultados [...] desejados. O problema de dar início a uma mudança é especialmente crítico por causa de frequente observação de que as pessoas resistem a ela, mesmo quando os objetivos aparentes são muitos desejáveis.
É possível identificar na citação de Schein (1982), a existente
preocupação em planejar as mudanças controláveis. O autor vai além quando
menciona que se faz necessário o auxilio de uma teoria focada nos estudos sobre
mudança organizacional. Para que se solidifique cientificamente o conhecimento e a
compreensão dos fatos relacionados. Esse conhecimento estrutura os pilares das
competências organizacionais, tornando-se o eixo direcionador dos esforços para
atingir os objetivos da organização.
O autor em seu diálogo expõe que o fator humano, ou seja, o individual é
visto como elemento crítico dentro desse processo de mudança. Avaliando, pode-se
concluir que as pessoas tanto no aspecto individual quanto grupal, rejeitam
mudanças, e esta rejeição se dá por diversos fatores. Alguns como a insegurança, o
medo, a necessidade de se manter numa zona estável e/ou conforto, passam a
apresentar um comportamento de rejeição a qualquer intervenção que implique em
mudanças. Além dos aspectos humanos a serem observados, o autor em sua
narrativa propõe questionamentos relevantes sobre como, e de que modo devem-se
iniciar as mudanças. Deixando claro a preocupação e a necessidade de se gerar
ações que reduza de forma expressiva o impacto causado pelas mudanças.
A clareza dos processos é necessária para evitar comentários sem
fundamentos, que só aumentam a insegurança entre os colaboradores. Esses
fatores contribuem para o retardo do crescimento organizacional, contribuindo por
estimular a queda da alta estima da equipe. Para interromper os efeitos negativos
das mudanças, faz-se necessário conhecer os diferentes tipos de mudanças que
podem ocorrer em diferentes níveis organizacionais. Os níveis aqui comentados
referem-se ao fluxo de captação de insumos, mão de obra entre outros recursos
necessários para a subsistência da organização, que envolve, sem dúvida,
diferentes tipos de gestão a serem adotados ao longo de sua existência como
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organização. O ambiente tem que ser coerente entre o que dito e o que é realizado.
Essa conduta evita o aparecimento de conflitos organizacionais e leva a produção
de bens e serviços com alto nível de qualidade, independente de ser pública ou
privada.
A preocupação em realizar estudos que viabilize uma maior compreensão
sobre o assunto, com o objetivo de solucionar a problemática vivida pelos sistemas
organizacionais do passado, o que não difere muito em pleno século XXI, pode ser
destacada por Robbins (2005, p. 379):
Quando o ambiente passa por rápidas mudanças, uma cultura arraigada pode não ser mais adequada. Assim, a consistência do comportamento é um ativo quando a empresa lida com um ambiente estável, entretanto, isso pode se tornar um fardo e dificultar a resposta às mudanças no ambiente. Isso ajuda a explicar os desafios que os executivos de empresas como Mitsubishi, Eastman Kodak, Xerox e Boeing, e até órgãos governamentais como o FBI, enfrentaram há pouco tempo para se adaptar às novidades em seus ambientes. Essas organizações possuem culturas fortes que funcionaram bem no passado, mas a cultura forte se transformou em uma barreira a mudança quando “trabalhar da mesma forma de sempre” deixou de ser eficaz.
Busca-se, através das discussões aqui referenciadas, comprovar a
existência de grande similaridade entre as questões debatidas no passado, com a
realidade do ambiente de pesquisa estudado. Outro aspecto apresentado pelos
estudos teóricos, é que as mudanças organizacionais são bem vistas por uma
parcela de teóricos, que afirmam que as mudanças são necessárias para romper
com a estagnação do sistema.
Esse argumento remete ao Schein (2004, p. 30) que comenta: “Ao
analisarmos crenças, temos que discriminar cuidadosamente entre aqueles que são
congruentes com os pressupostos existentes na organização daqueles que são
apenas racionalização ou aspirações para o futuro.”.
A importância do estudo desse autor para a comunidade científica se
encontra na possibilidade de refletir sobre a importância da liderança no trato das
mudanças organizacionais. O líder deve ser a figura de proa. Esse deve realizar
uma leitura da organização e do perfil dos colaboradores, para só então estabelecer
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as ações que devem buscar a melhoria contínua, estando esta baseada no
conhecimento e no desenvolvimento das competências individuais e coletivas, e que
tenha como objetivo fortalecer as bases organizacionais. Ter uma gestão
comprometida com as diretrizes da organização, adotando métodos de
gerenciamento proativo e com o compromisso em promover o controle permanente
das estratégias, a fim de proteger a organização de problemas que possam emergir,
tanto das mudanças planejadas, como das mudanças não controláveis, de maneira
a não permitir a desestabilização do sistema. Caso contrário, os efeitos se
intensificam afetando a estrutura organizacional, o que pode levar a entropia
positiva. Como se pode ler a seguir, a integração é fundamental para a estabilidade:
A essência e desafio primordial do líder é perceber as limitações da cultura de seu grupo e desenvolvê-la de forma a adaptar-se a um novo contexto. Neste sentido ele enfrenta dois grupos principais de problemas: o primeiro diz respeito à sobrevivência, crescimento e adaptação (grifo nosso) em seu ambiente de negócios e o segundo é o da integração interna que permite o funcionamento diário e a habilidade para adaptar-se e aprender. (SCHEIN, 2004, p. 18)
Pode-se concluir e definir sobre o contexto que envolve o conteúdo
mudança organizacional, é que existe um ciclo que representa este fenômeno, ou
seja, o processo, causas e efeitos, modelos (causas//processuais) e consequências
no aspecto individual e estrutural, conforme Figura 1 – Ciclo do fenômeno de
mudança organizacional:
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Figura 1. Ciclo do fenômeno de Mudança Organizacional.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Araújo (1982, p. 24) compartilha de uma visão que se assemelha com o
ponto de vista de Schein. As análises de diferentes autores possibilitam
compreender que existe uma frequência representativa de pontos que se
assemelham no estudo. Isto fica notório ao se observar o pensamento de Araújo
relatado a seguir:
“Qualquer alteração significativa articulada, planejada e operacionalizada por pessoal interno ou externo à organização, que tenha o apoio ou a supervisão da administração superior, e atinja integradamente os componentes de cunho comportamental, estrutural, tecnológico e estratégico” (ARAÚJO, 1982, p. 24).
O debate formulado por Araújo, no entendimento do pesquisador reforça
a ideia que existe uma congruência em alguns pontos debatidos sobre o assunto:
mudança organizacional. A avaliação do conteúdo teórico do ponto de vista dos
autores citados apresenta semelhança.
5 COMPREENSÃO DA MUDANÇA ORGANIZACIONAL
A globalização traz em si o advento de mudanças constantes, como se
adaptar e desenvolver mecanismos que possibilitem crescer diante de um mundo
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tão instável. Diante dessa realidade, se faz necessário fortalecer as pessoas que
são a riqueza maior de uma organização. Conforme comentário a seguir:
Mudança no comportamento dos membros da organização é a essência da mudança organizacional e, além disso, qualquer mudança de sucesso irá persistir sobre longo tempo somente se, em resposta às mudanças nas características organizacionais, os membros alteram seu comportamento no trabalho de maneira apropriada. (PORRAS; ROBERTSON, 1992, p. 724).
Quando o ambiente organizacional é sábio, com clareza de propósito,
com diretrizes definidas, missão, crenças e valores focados na valorização do ser
humano, uma gestão para pessoas e com pessoas, as respostas dessa comunidade
é sempre positivista, pois um ou outro é que se apresentará insatisfeito quando
convocados a tratar com os novos desafios. O que não significa dizer que todos os
problemas estão resolvidos, pois é primordial tratar de outros aspectos que trazem
em si características completamente diferenciadas, mas quando associadas podem
fatalmente desconstruir todo um trabalho interno da organização. Podem influenciar
negativamente para ações de implantações de novos modelos, programas de
capacitação etc.
Motta (1999) relata em estudos que é preciso manter a ótica focada nas
seguintes variáveis: estratégia, estrutura, tecnologia, pessoas, cultura e política. No
entanto, o autor não chega a definir um conceito específico sobre mudança
organizacional, mas ao citar as variáveis acima, citadas direciona seus estudos para
um debate ampliado, cujo argumento remete a uma avaliação sobre a influência e a
importância das mudanças no processo de desenvolvimento micro e macro do
ambiente.
Motta amplia as discussões sobre o tema e reforça a importância das
mudanças nos diferentes sistemas organizacionais, pois só assim, um país pode se
desenvolver. Os diferentes mercados (municipal, estadual, regional, nacional e
internacional) só se desenvolvem com ações integradas e com estas, crescem os
diferentes seguimentos da sociedade. Esse crescimento estimula os ajustes que vão
alavancar a gestão pública e privada em seus diferentes segmentos.
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Toda contribuição teórica é bem vinda quando se trata de mudança
organizacional, até porque a todo o momento ocorrem mudanças, sendo necessário
o acompanhamento contínuo para que se possam ter informações sólidas advindas
de pesquisas que apresentem uma série histórica como meio de análise.
Wood JR (2000, p. 212), expõe as diretrizes que utilizou como método
para estudar cientificamente a compreensão do tema mudança organizacional, e
reforça a importância de estar atento e respeitar o universo explorado por vários
pesquisadores sobre o tema, pois se faz necessário compreender de qual ótica foi
explorado o assunto. Até porque é um aspecto individual muito ligado a natureza do
pesquisador, ou seja, que parte do interesse de quem analisa e do meio a ser
analisado levando em condição o objetivo da pesquisa. O autor vai além quando
argumenta sobre o seu entendimento a partir de um ponto de vista teórico
compondo como definição para mudança organizacional que é: “qualquer
transformação de natureza estrutural, estratégica, cultural, tecnológica, humana ou
de qualquer outro componente, capaz de gerar impacto em partes ou no conjunto da
organização”.
Para Bressan (2003) argumenta que mudança é:
Qualquer modificação (planejada ou não) nos componentes organizacionais, formais, e informais, mais relevantes (pessoas, estrutura, produtos, processos e cultura), que seja significativa, atinja a maioria dos membros da organização e tenha por objetivo a melhoria do desempenho organizacional em resposta às demandas internas e externas.
Ao avaliar o argumento de Bressan (2003) verifica-se que na citação,
encontram-se as palavras “demandas internas e externas” que traz uma proposta
focada no planejamento estratégico, cujas ações têm o foco no cliente, ou seja, a
administração não tem como base a administração científica de Taylor. Apresenta
um direcionamento para novos conceitos, o que é fundamental para o
desenvolvimento da organização. Embora o pesquisador tenha proposto uma breve
exposição sobre mudança organizacional, foi inevitável citar outros modelos até
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porque o momento atual impõe uma gestão multifacetada que envolve novos rumos
para administração estratégica, sistêmica e holística.
Diante de tudo que foi colocado, pode-se afirmar que para conduzir
mudanças planejadas é preciso gerir as ações que estimulem a organização a
aprender a conviver e tirar proveito positivo para o sucesso das mudanças.
Numa visão conclusiva, apresenta-se uma relação de itens a ser tratados
constantemente para manter o equilíbrio organizacional em qualquer processo de
mudança organizacional. Os itens são: Motivar para a mudança, Alinhar a dinâmica
política do sistema à necessidade de mudança, Administrar a transição entre o
estado atual e o desejado, Controlar a insatisfação, Estimular o comprometimento,
Envolver toda a organização a participar no processo de mudança, Planejar e
executar as ações que provoquem as mudanças esperadas, Benefícios
comunicados através de uma linguagem clara, Exposição dos pontos esperados
com as mudanças, ponto de equilíbrio, Conhecimento holístico da organização e
projeção de mudanças para o futuro (passado e futuro), Gerenciamento das
mudanças e com responsabilidade, Definições de prazos (início, meio e fim) das
mudanças, Definições dos recursos necessários para o êxito das mudanças
programadas, Suporte e monitoramento das diretrizes pré-estabelecidas, Feedback,
Ajustes corretivos para o processo em execução e Avaliação dos resultados.
Conclui-se que mudanças sempre vão existir e cabe a cada organização
aproveitar as oportunidades que surgem com as mudanças. Para alcançar esta
meta é preciso eliminar as ameaças, corrigir os pontos passíveis de melhoria,
fortalecer constantemente os pontos fortes da organização a fim de estimular a
criatividade que leva à inovação inteligente.
6 RESULTADOS
Analisando as respostas dos participantes sorteados, 102 (Cento e dois)
no total, no gráfico 1, representamos graficamente os resultados referentes ao perfil
dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral. Os resultados obtidos
confirmam que a 2ª Seção do Estado-Maior Geral é composta em sua maioria por
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pessoas do sexo masculino (88%), Praças (Soldado, Cabo, Sargento, Subtenente)
(83%), possuem de 37 a 42 anos de idade (38%), mais de 20 anos de serviço na
Polícia Militar de Pernambuco (34%), de 1 a 6 anos de serviço na 2ª Seção do
Estado-Maior Geral (62%), ensino médio completo (41%), e estão lotados em Recife
(43%).
Gráfico 1. Perfil dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral Nota: Valores em Porcentagem
Observa-se a necessidade de abrir mais oportunidades para as mulheres
ingressarem na 2ª Seção do Estado-Maior Geral, bem como incentivar a
especialização acadêmica, além de expandir suas atividades para as outras regiões
do Estado e, principalmente, realizar planejamento estratégico na área de recursos
humanos e capacitação, pois os Policiais Militares se aposentam com 30 de anos de
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serviço, considerando que 34% do efetivo da 2ª Seção do Estado-Maior Geral já
possuem mais de 20 anos de serviço.
No gráfico 2, constatamos que os integrantes da 2ª Seção do Estado-
Maior Geral consideram “Muito Importante” a criação do Subsistema de Inteligência
da Polícia Militar de Pernambuco – SIPOM (81%), a criação da Gratificação por
Exercício na Atividade de Inteligência – GEAI (83%), a transformação das 2ª Seções
dos Batalhões em Núcleos de Inteligência (61%), a centralização da estrutura
organizacional na 2ª Seção do Estado-Maior Geral (55%) e o conselho de
inteligência (80%).
Gráfico 2. Segurança X Resistência dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral. Nota: Valores em Porcentagem.
No entanto, verificamos que 51% consideram “Importante” as condutas
vedadas, resultado que combinados aos citados no parágrafo anterior, remetendo-
nos a Robbins (2005, p. 379) e Wood JR (2000, p. 212), onde o primeiro descreve
que “culturas fortes que funcionaram bem no passado, mas a cultura forte se
transformou em uma barreira à mudança quando “trabalhar da mesma forma de
sempre” deixou de ser eficaz””, ou seja, tal mudança busca fortalecer a organização
para enfrentar novos desafios, visando responder as demandas internas e externas.
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Enquanto, o segundo se preocupa com o impacto gerado na organização, pois
setores perderam e outros ganharam recursos humanos, como o caso dos
Batalhões e da 2ª Seção do Estado-Maior Geral, respectivamente
Ainda em relação às condutas vedadas, SCHEIN (2004, p. 18),
sabiamente, diz que é preciso se adaptar e aprender com o novo ambiente, visando
à sobrevivência da própria organização e o funcionamento da máquina pública,
visando atender as necessidades da sociedade.
Schein (1982, p.188), ainda explora a valorização do ser humano durante
o processo de mudança, considerando a porcentagem de 83% que consideram
“Muito Importante” a criação da Gratificação por Exercício na Atividade de
Inteligência - GEAI.
Analisando o gráfico 3, os integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral
consideram “Regular” a Gratificação por Exercício na Atividade de Inteligência –
GEAI quando comparada as suas atribuições funcionais (55%), a estrutura física
(33%), recursos humanos (54%), estrutura funcional (44%) e a motivação (41%).
Gráfico 3. Satisfação X Motivação dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral. Nota: Valores em Porcentagem.
Avaliando os resultados percentuais do parágrafo anterior, verificamos
que as mudanças trazidas pela implantação do Sistema Estadual de Inteligência de
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Segurança Pública – SEINSP, não atenderam as necessidades organizacionais da
2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Pernambuco, nos remetendo
ao que afirma ARAÚJO (1982, p. 24), “Qualquer alteração significativa articulada,
planejada e operacionalizada por pessoal interno ou externo à organização, que
tenha o apoio ou a supervisão da administração superior, e atinja integradamente os
componentes de cunho comportamental, estrutural, tecnológico e estratégico”, ou
seja, as mudanças impostas pela Lei que implantou o SEINSP atingiram
diretamente o comportamento de seus integrantes, bem como estrutural e
estratégico.
Bressan (2003), afirma ainda, que os reflexos da mudança organizacional
atingem diretamente o desempenho organizacional, e essencialmente, nas
respostas das demandas.
Já no gráfico 4, os resultados obtidos chamam a atenção, pois 100% dos
entrevistados afirmam que o Banco de Dados de Inteligência – BDI, criado pelo
SEINSP, ainda não foi implantado, bem como 77% dos Núcleos de Inteligência
estão funcionando dentro dos Batalhões, e 39% não realizaram o Curso de
Inteligência de Segurança Pública – CISP. Verifica-se que os percentuais
referenciados, evidenciam uma correlação intensa com a definição de Motta (1999),
o qual relata em estudos que “é preciso manter a ótica focada nas seguintes
variáveis: estratégia, estrutura, tecnologia, pessoas, cultura e política”. Como
podemos constatar, a tecnologia é uma das variáveis que influenciam diretamente
no processo de mudança, visando integrar conhecimentos para melhor tomada de
decisões e, consequentemente, atender às demandas internas e externas da
organização.
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Gráfico 4. Recursos Tecnológicos e Capacitação dos Integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior
Geral. Nota: Valores em Porcentagem.
As respostas dos participantes da presente pesquisa, aqui analisadas,
poderão ser visualizadas através do link:
https://docs.google.com/spreadsheet/ccc?key=0AlX2PGdWHV5tdF9WbmF6ejZyMTZidl9W
M2lxb0Z6MFEHYPERLINK
"https://docs.google.com/spreadsheet/ccc?key=0AlX2PGdWHV5tdF9WbmF6ejZyMTZidl9W
M2lxb0Z6MFE&usp=sharing"&HYPERLINK
"https://docs.google.com/spreadsheet/ccc?key=0AlX2PGdWHV5tdF9WbmF6ejZyMTZidl9W
M2lxb0Z6MFE&usp=sharing"usp=sharing.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira mudança organizacional detectada trazida pelo Sistema
Estadual de Inteligência de Segurança Pública - SEINSP, foi a Criação do
Subsistema de Inteligência da Polícia Militar, colocando a 2ª Seção do Estado-Maior
Geral, como Agência Central, e subordinada hierarquicamente ao Comandante
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Geral da Polícia Militar de Pernambuco e tecnicamente ao Centro Integrado de
Inteligência de Defesa Social – CIIDS.
O Centro Integrado de Inteligência de Defesa Social – CIIDS, foi criado
para receber, concentrar e analisar todas as informações relativas à segurança
pública através do Banco de Dados de Inteligência – BDI, visando tomada de
decisão em nível estratégico. No entanto, segundo a presente pesquisa, o Banco de
Dados de Inteligência – BDI ainda não foi implantado na 2ª Seção do Estado-Maior
Geral.
Os integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de
Pernambuco aprovaram as mudanças organizacionais trazidas pelo Sistema
Estadual de Inteligência – SEINSP, no que diz respeito: criação do Subsistema de
Inteligência da Polícia Militar – SIPOM, criação da Gratificação por Exercício na
Atividade de Inteligência – GEAI, criação do Conselho de Inteligência,
transformação das 2ª Seções dos Batalhões em Núcleos de Inteligência e a
centralização da estrutura organizacional na 2ª Seção do Estado-Maior Geral.
Entretanto, nas condutas vedadas em relação às operações policiais
ostensivas, os integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral, demonstram que
ainda existem resistências na forma de atuar na inteligência. Quanto à estrutura
física e funcional, recursos humanos, motivação e gratificação por exercício na
atividade de inteligência comparado as suas atribuições, ficou demonstrado que os
recursos estruturais e/ou organizacionais e as formas de motivação, ainda são
insuficientes para o desempenho das atividades de inteligência com eficiência.
Nas relações funcionais entre os Comandantes de Batalhões e os
Núcleos de Inteligência, mais uma vez à resistência a mudança aparece, tanto dos
comandantes quanto dos integrantes dos núcleos de inteligência, considerando que
os comandantes perderam recursos humanos e os núcleos que, embora devessem
funcionar fora dos batalhões, à grande maioria ainda funciona dentro dos batalhões.
A capacitação é primordial para atuar na atividade de inteligência com
eficiência, no entanto 39% dos integrantes da 2ª Seção do Estado-Maior Geral da
Polícia Militar de Pernambuco ainda não fizeram o Curso de Inteligência de
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Segurança Pública – CISP, vindo, sem dúvida, interferir nos resultados dos níveis
estratégicos, táticos e operacionais.
Portanto, de acordo com a pesquisa aqui analisada e concluída, é preciso
investir mais em estrutura física, recursos humanos e tecnológicos, bem como
implementar outras formas de motivação organizacional, visando maior eficiência e
eficácia dos serviços prestados pela 2ª Seção do Estado-Maior Geral da Polícia
Militar de Pernambuco.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, L.C.G. Mudança organizacional da administração pública federal brasileira. 1982. 307f. Tese (Doutorado em Administração) – Escola d administração de São Paulo, São Paulo, 1982. FONSECA, J.S.; MARTINS, G.A. Curso de Estatística. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. LIMA, S.M.V., BRESSAN, C.L. Mudança organizacional: uma introdução. In Lima, S.M.V (org). Mudança organizacional: teoria e gestão. Rio de janeiro: FGV, 2003. Cap.1, p. 17-63. MOTTA, P.R. (1999). Transformação Organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de janeiro: Qualitymark. PORRAS, J.I.; ROBERTSON, (1992). Organizational development: theory, practice, and research. In: Dunnette, M. D.; Hough, L. M. (Orgs.). Handbook of Industrial and organizational Psychology (p.719-822), Consulting Psychologists Press: Palo Alto, Califórnia, 2003. ROBBINS, S.P.. Comportamento Organizacional. Stephen P. Robbins; Tradução Técnica Reynaldo Marcondes. 11. Ed.. São Paulo: Pearson Hall, 2005. SCHEIN, E.H. Organizational Culture and Leadership. 3 rd ed. P. Cm. – ( Theo Jossey_Boss Business & Management Series). Library of Congress Cataloging-in. Publication Data. Califonia. Publishers, 2004.
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REALIDADE DAS PRISÕES E A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL COMO
POSSÍVEL SOLUÇÃO À RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO EM PERNAMBUCO
Marcos José Dourado Cabral1
Resumo
Objetivou-se com o trabalho explorar a realidade do sistema penitenciário brasileiro e, em especial, o pernambucano, discorrendo sobre a possibilidade de privatização enquanto medida para a ressocialização do apenado nos estabelecimentos do Estado. Para tanto, realizou-se uma pesquisa do tipo bibliográfica em fontes de papel, cumulada com a técnica de revisão bibliográfica, em doutrinas, legislação, jurisprudências e artigos disponíveis em meio eletrônico, as quais foram analisadas por meio da abordagem qualitativa. As considerações finais apontaram que, a não privatização dos presídios em razão da impossibilidade de delegar poder de punição a iniciativa privada, não subsiste como argumento, pois não se pode falar em falta de ética quando se está tratando de um sistema penitenciário indigno, que não dá a menor oportunidade de ressocialização. Enfim, uma coisa é certa: o que não se pode é desprezar uma real alternativa de solução ou, pelo menos, moderação da atual crise, pois o sistema prisional brasileiro atingiu o seu limite. No entanto, esperar que a administração pública encontre sozinha a solução e invista no setor, não é a melhor alternativa. O Estado não poderá resolver esse problema que é de toda a sociedade, sem a efetiva participação de todos, sem a necessária privatização do seu sistema penitenciário.
Palavras-chave: Sistema Prisional. Privatização. Prisões. Ressocialização.
1 INTRODUÇÃO
A crise do sistema penitenciário não é uma discussão da atualidade e sim
uma continuidade fruto da história escravagista do período colonial brasileiro, o qual
1 Soldado da Polícia Militar de Pernambuco. Graduado em Direito pela FACIPE. Pós-graduado em
Direito Penal e Processo Penal pela Escola Superior de Advocacia – ESA PE.
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vem se agravando nos dias atuais com a falência gerencial e pela falta de estrutura
das penitenciárias no país.
No Brasil atual, o sistema penitenciário passa por diversos problemas. Às
vezes originados em razão dos poucos recursos financeiros, já que as verbas
destinadas, nunca estiveram conforme as necessidades e, principalmente, pela falta
de possibilidade de ressocialização que vem com a pena, mas que a situação atual
dos presídios não vem oportunizando tal finalidade. Esta dimensão vem tomando o
debate da necessidade de privatização das unidades prisionais como medida
possível à ressocialização do preso.
Pelos números gigantescos revelados pelo Censo Penitenciário (2010),
446.000 presos, facilmente compreende-se que o Estado não poderá sozinho
resolver esse problema, que na verdade é de toda a sociedade.
De acordo com opinião do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, as
prisões brasileiras atualmente se apresentam em péssimas condições, a ponto de
segundo ele, “cumprir pena em muitos deles, às vezes, é mais pesado do que a
morte”.
A realidade é que os apenados são amontoados sem qualquer dignidade,
vivendo em meio a fezes, sendo agredidos e sem direitos humanos respeitados
(NUNES, 2009, p. 125).
O sistema prisional brasileiro é um problema, sim. A situação é desumana. Na terça-feira (13), falando num evento em São Paulo, Cardozo definiu o sistema prisional brasileiro como medieval e disse que preferia morrer a ter que cumprir pena por longo tempo no País. Ele deu a declaração depois de o STF definir o tempo de prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e de outros petistas integrantes do núcleo político do mensalão. As pessoas ficaram perplexas por causa do contexto em que foi feita a declaração, mas não tem nada a ver com o julgamento, ressalvou o ministro. SITUAÇÃO - Ele disse que sempre se preocupou com a situação deplorável dos presídios, tanto que definiu essa como uma prioridade desde que assumiu o Ministério. Disse que na ocasião falava sobre segurança pública e a violência que explode em São Paulo e outras regiões do País, e que a seu ver tudo isso tem ligação com o quadro degradante dos presídios. Falei em tese, pois acho mesmo que, nessas condições deploráveis, a pena de morte é mais branda. Há uma situação calamitosa em que detentos são massacrados.
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O fato é que segundo a afirmativa acima, e conforme observações e estudos
do contexto do sistema penitenciário brasileiro, o que prevalece nesse modelo de
prisão é certamente a ideia de que os abusos dos direitos humanos das vítimas, que
estão presas e por isso, criminosas, não merecem a atenção do poder público e da
sociedade.
Este artigo surge da necessidade de se analisar acerca da realidade das
prisões e a possibilidade de privatização dos presídios pernambucanos como um
fator à ressocialização do apenado. No meio jurídico as discussões em torno do
tema tem gerado celeumas acerca da privatização.
Diante dessas colocações, este trabalho enfoca os problemas do sistema
penitenciário brasileiro, ao passo que aponta a possibilidade de privatização do
mesmo como medida à ressocialização do apenado. Do ponto de vista pragmático,
são muitos os aspectos que contribuem para a falência da pena de prisão, e
consequentemente para a ressocialização do apenado.
Assim, este artigo objetiva analisar como a privatização dos presídios no
Brasil pode ser uma solução aos problemas do sistema carcerário de Pernambuco e
contribuir para a ressocialização do apenado.
O método de pesquisa aplicado foi o dedutivo, pois serão explanadas as
premissas extraídas da revisão da literatura. Quanto ao tipo de pesquisa, esta será
explicativa, porque é o modelo que possibilita encontrar respostas ao problema de
pesquisa. Ou seja, a pesquisa classificada como explicativa tem como objetivo
explicar de forma aprofundada o conhecimento da realidade, o porquê e a razão do
fenômeno.
Os instrumentos utilizados na revisão bibliográfica foram doutrinas
especializadas, legislação, jurisprudências e artigos de internet. Este tipo é
importante porque não carece de outro tipo de instrumento de coleta de dados, que
não sejam as fontes de papel.
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2 A PRIVATIZAÇÃO COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO À RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO EM PERNAMBUCO
Reconhece-se que o sistema prisional como um todo está falido. Celas
superlotadas e sem higiene, insalubres, presos ociosos, má alimentação, maus
tratos, proliferação de doenças, entrada livre de drogas, corrupção e falta de preparo
dos agentes penitenciários e de outros funcionários dos presídios. Sem contar os
casos de promiscuidade e prostituição. Isso tudo e mais um pouco, aliado à falta de
estrutura e de vontade governamental para investir, compõem o retrato de qualquer
presídio no Brasil.
Novas alternativas estão sendo estudadas para que o Estado cumpra seu
papel de reabilitar indivíduos antes de devolvê-los à sociedade. Uma dessas
alternativas é a privatização dos presídios.
Privatizar nada mais é do que terceirizar serviços, reproduzindo o papel do
governo, dando importância ao setor privado, que ocorre “em regime de contrato ou
a venda a particulares de funções e empresas anteriormente controladas pelos
governos ou de sua propriedade” (HANKE, 1987, p. 124). É entregar um serviço
público para ser executado por um terceiro, mediante compensação remuneratória
que pode se dá por diferentes formas, contratando empresas privadas para construir,
financiar ou operar determinados serviços públicos.
A palavra privatizar, hoje em dia, ganhou um significado mais amplo,
segundo Savas (2000, p. 124)
Passou a simbolizar uma nova forma de ver as necessidades de uma sociedade e de repensar o papel do governo em supri-las. Significa confiar mais nas instituições privadas da sociedade do que no governo para satisfazer as necessidades públicas. Privatização é o ato de reproduzir o papel do governo, ou de dar maior importância ao setor privado, numa atividade ou na propriedade de bens.
O aumento no interesse pela privatização, que vem acontecendo no mundo
todo, se dá principalmente pela evidência de aumento da eficácia dos serviços
públicos, produzindo níveis de qualidade mais altos a custos mais baixos. Por isso, a
privatização vem sendo sugerida como elemento de política econômica para
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funcionar como instrumento de aumento da eficiência das atividades econômicas,
sejam elas típicas de governo ou não (SAVAS, 2000, p. 125).
Os problemas referidos e enfrentados pelo sistema carcerário podem ser
vistos na prática nos estabelecimentos prisionais pernambucanos. De acordo com
Nunes (2006, p. 26) o Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna –
COTEL, por exemplo, é destinado a recolher os presos do Recife e da região
metropolitana. O COTEL tem capacidade para 310 reclusos, porém, hoje em dia,
acolhe cerca de 1200 (conforme Artigo do Professor Adeildo Nunes, 2006 – Juiz de
Execução Penal em Pernambuco), mais do que o triplo da sua capacidade. Essa
superlotação traz consigo todos os demais problemas do qual ela é propulsora.
Inaugurado no ano de 2001, tinha como finalidade, prevista pela Lei de
Execução Penal - LEP, a realização de estudos criminológicos sobre os acusados,
determinando suas características pessoais no período de 81 dias, para que
pudessem, posteriormente, serem encaminhados para os estabelecimentos
compatíveis com suas situações.
Porém, hoje, como afirma Nunes (2006, p. 28) o COTEL “há muito perdeu
sua finalidade, uma vez que hoje fora transformado num presídio comum, inclusive
custodiando reclusos já condenados, numa verdadeira afronta a Lei de Execução
Penal”.
Ao invés de realizar os estudos sobre os acusados, o COTEL vem
abrigando os reclusos condenados, os provisórios, os primários, os reincidentes e
tudo isso sem nenhuma distinção entre eles.
Outro exemplo em Pernambuco, o Presídio Professor Juiz Antônio Luiz Lins
de Barros, que é considerado o segundo maior presídio em população carcerária do
Brasil, acolhendo hoje, cerca de 3.600 presos (conforme Artigo do Professor Adeildo
Nunes, 2009 – Juiz de Execução Penal em Pernambuco). É considerado também
um verdadeiro palco de maus-tratos e da falta de dignidade humana dentro dos
presídios.
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Nunes (2009, p. 115), Juiz de Execuções Penais em Pernambuco, e
profundo entendedor dos estabelecimentos prisionais pernambucanos, o Aníbal
Bruno:
Sempre foi um centro de atrocidades humanas, palco de torturas e maus-tratos a presos, ambiente promíscuo e que não atende aos mínimos requisitos de higiene e salubridade, detentor dos mais altos índices de doenças venéreas e gravemente contagiosas, é praticamente uma cidade que precisava ser administrado como tal, necessitando urgentemente de um planejamento estratégico voltado para o trabalho do preso, sem prejuízo da sua latente humanização, pelo visto impossível de acontecer. (NUNES, 2009, p. 116)
Para o regime semiaberto em Pernambuco, existe a penitenciária Agrícola
Industrial São João, em Itamaracá, que ao contrário do que determina a Lei de
Execução Penal - LEP não disponibiliza aos presos nenhuma atividade profissional.
Os que conseguem trabalhar são poucos, e geralmente só o fazem fora da prisão já
que o estabelecimento prisional em que se encontram não oferece trabalho.
A falta de fiscalização nas saídas dos presos para atividades laborais, que
são legais, de acordo com a LEP, causou em um ano o planejamento de fuga de
800 detentos.
Destinada às mulheres, a Colônia Penal Feminina do Recife abriga cerca
de 650 presas (conforme Artigo do Professor Adeildo Nunes, 2009 – Juiz de
Execução Penal em Pernambuco), apesar de ter capacidade para apenas 150. Na
colônia, as presas provisórias e as presas condenadas ocupam o mesmo espaço, o
que não deveria acontecer, sendo necessária a construção de novos
estabelecimentos para poder acolhê-las, respeitando a distinção da situação de
cada uma delas.
Sobre os estabelecimentos prisionais pernambucanos Nunes (2009, p.
116), ressalta em obra que:
Ao citar alguns exemplos, apenas, de 4 das 17 unidades prisionais existentes em Pernambuco, é fácil perceber que a superlotação carcerária e a forma desumana de tratar os detentos, sem dúvida, são as causas mais vulneráveis do nosso sistema prisional, que agoniza e pede socorro aos poucos ouvidos que teimam em ouvir.
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Todos esses problemas são o que tornam os presídios, hoje em dia, uma
verdadeira escola de criminalidade como aduz Souza (2004, p. 112):
Muitas vezes se fala que os presídios não passam de escolas de preparo de delinquentes. E, realmente, muitos dos que veem parar aqui nada sabem de crimes, de estelionato, de entorpecentes ou de pederastia. Mas na escola que frequentam tudo aprendem. E dela saem sabendo de tudo.
Do mesmo modo que existem juristas contra a privatização dos presídios no
Brasil, existem uma enormidade de partidários que enumeram vários pontos
favoráveis à privatização carcerária, enaltecendo que a iniciativa privada aprenderia
com o poder público e vice-versa.
Segundo Minhoto (2000, p. 91)
Os defensores da privatização têm advogado a ideia de uma fertilização cruzada entre os setores público e privado, no âmbito da qual um suposto intercâmbio daria lugar a que uma esfera aprendesse e se beneficiasse com a incorporação de práticas e técnicas de gestão da outra.
Adiante, serão apresentados argumentos favoráveis à implantação dos
presídios privados no Brasil, bem como serão rebatidos alguns dos argumentos
levantados pelos que lutam contra a iniciativa privada (OLIVEIRA, 2001).
2.1 Redução de custos e menor ociosidade do preso
Dados demonstram que o custo médio de manutenção de um preso no
Brasil é estimado em torno de U$ 360,00 (trezentos e sessenta dólares) por mês
(OLIVEIRA, 2001, p. 87). Se tomar como exemplo o que ocorre nos Estados Unidos,
vê-se que a iniciativa privada consegue baixar esse custo pela metade, e o seu lucro
viria de um pequeno percentual pago a mais pelo Poder Público, basta trazer a
experiência americana, na qual o preso enquanto está nas mãos do Estado custa,
por dia 50 dólares, e quando esse mesmo preso é transferido para as mãos da
iniciativa privada custa 25 dólares/dia, em iguais ou melhores condições.
O Estado paga ao empreendedor privado 30 dólares/dia, repondo o custo
de 25 dólares e pagando mais 5 dólares/dia por preso ao administrador particular.
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Essa diferença de gastos entre o Poder Público e o Privado ocorre em razão do
empresário saber cuidar e aplicar melhor o dinheiro, e também em razão da menor
burocracia que envolve o setor privado.
Conforme Oliveira (2001, p. 87), empresas particulares dispõem de maior
agilidade, uma vez que estão liberadas da morosa e difícil burocracia, que dia a dia
prejudica a lenta rotina das Instituições Estatais.
A par dessas peculiaridades, sustentam que os grupos particulares
procuram sempre oferecer estímulos funcionais e melhores condições aos seus
empregados na competição de mercado.
As empresas privadas têm agudo interesse em aperfeiçoar os serviços,
reduzindo as despesas para poder manter posição estável, preocupação essa que
não é relevante no serviço público, que gasta demasiadamente, está sempre envolto
em escândalos de corrupção e vem fracassando, através dos tempos, como
detentor do monopólio da execução penal (COTIN, 2012).
Outra vantagem das prisões privadas em relação ao custo percebe-se
analisando o valor necessário para construir um presídio. Segundo Oliveira (2001, p.
88), para se construir um presídio moderno, com capacidade para 500 presos, é
necessário aproximadamente oito milhões de dólares.
No caso da iniciativa privada, a própria empresa se responsabilizaria pelos
custos da construção da penitenciária e o Estado poderia destinar o dinheiro para
outros setores da sociedade, como educação, saúde e outras áreas que melhorem a
qualidade de vida da população.
A ociosidade é outro problema do sistema penitenciário nacional. Não se
sabe com certeza o número total de presos que trabalham, mas sabe-se que esse
percentual é mínimo em relação a população carcerária total (COTIN, 2012). Nas
prisões privadas as condições de trabalho são melhores em razão da infraestrutura
que oferece cursos profissionalizantes e em razão de contratos que podem ser
realizados com outras empresas que necessitam da mão-de-obra dos detentos.
Os defensores das prisões privadas, quando o tema é o trabalho dentro dos
presídios, apontam as seguintes vantagens:
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1) Alívio nas despesas do Estado, pois quem paga os salários é a parte
privada;
2) Um apoio melhor às famílias em forma de renda mensal;
3) Contribuição ao fundo das vítimas e reparação do dano causado;
4) O aprendizado de uma nova profissão que vai ser de grande valor
quando do retorno à vida em sociedade;
5) Remição da pena (COTIN, 2012).
Sobre a facilidade de emprego nas prisões privadas (COTIN, 2012),
consigna que a Instituição Privada tem mais opções para garantir trabalho
remunerado com habilidade profissional ao preso, em ambiente educativo, isolando
a contaminação da ociosidade. A empresa privada abre a possibilidade concreta
para a absorção do condenado no mercado de trabalho, após o cumprimento de sua
pena.
Segundo Cotin (2012) na atual situação, a superpopulação carcerária não
permite que haja uma seleção dos internos pelos diversos crimes, obrigando o
condenado por um simples desvio a conviver diretamente com assaltantes
profissionais, fazendo com que ele ingresse numa escola de vida, que não regenera,
mas lhe aprimora em técnica criminal. Isto dificulta qualquer trabalho, por maior boa
vontade que exista por parte da direção e funcionários de um estabelecimento penal.
A confusão existente nos determinados papéis dentro de uma instituição
prisional leva o indivíduo a criar um mundo próprio, dentro do sistema, ao qual
podemos chamar de prisionização.
2.2 Perspectiva de ressocialização do apenado
A crise do sistema penitenciário brasileiro não é uma contingência da
atualidade e sim, uma continuidade fruto de um longo processo histórico
impermeado pelo escravismo do período colonial, mas que se agrava com a falência
gerencial.
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Como se sabe, a reintegração tem como objetivo a humanização da
passagem do detento na instituição carcerária, implicando sua essência teórica,
numa orientação humanista, passando a focalizar a pessoa que delinquiu como o
centro da reflexão científica.
A pena de prisão determina nova finalidade, com um modelo que aponta
que não basta castigar o indivíduo, mas orientá-lo dentro da prisão para que ele
possa ser reintegrado à sociedade de maneira efetiva, evitando com isso a
reincidência.
O modelo ressocializador assume a natureza social do problema criminal,
constituído nos princípios de corresponsabilidade e de solidariedade social, entre o
infrator e as normas do Estado (social) contemporâneo (MIRABETE, 2000, p. 89).
O modelo reintegrador propugna, portanto, pela neutralização, na medida do
possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora
substancial ao seu regime de cumprimento e de execução e, sobretudo, sugere uma
intervenção positiva no condenado que, longe de estigmatizá-lo com uma marca o
habilite para integrar-se e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem
traumas, limitações ou condicionamentos especiais (MIRABETE, 2000, p. 89).
A reintegração não pode ser viabilizada numa instituição carcerária, pois
essas se convertem num microcosmo no qual se reproduzem e agravam as
contradições que existem no sistema social. O descrédito em relação a
ressocialização dá-se por que esta aparece apenas nas normatizações (Lei de
Execução Penal), deixando a desejar no que tange à prática aplicada nas
Instituições carcerárias.
Segundo Mirabete (2000, p. 383): “A ideia de ressocialização como a de
tratamento, é radicalmente alheia aos postulados e dogmas do direito penal clássico,
que professa um retribucionismo incompatível com aquela”. Portanto, sem a
transformação da sociedade capitalista, não se pode vislumbrar algum tipo de
reabilitação da pessoa que cometeu um delito punido pelo Código Penal.
Para a Criminologia Crítica, qualquer mudança que se faça no âmbito das
penitenciárias não surtirá grandes efeitos, visto que se mantendo a mesma estrutura
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do sistema, a prisão manterá sua função repressiva e estigmatizadora (OLIVEIRA,
2012). Embora não se deva pensar o processo de ressocialização apenas a partir do
trabalho penitenciário, esse sem dúvida pode cumprir algumas das funções que o
Estado deixou de fazer, contribuindo para o ato do detido, onde o trabalho poderia se
constituir num instrumento de reinserção social (OLIVEIRA, 2012).
Ao falar em reintegração social, se tem em vista a possibilidade de
facultamento dos meios necessários e adequados para que, assim, o preso tenha
condições de reinserir-se na sociedade.
Os meios necessários não diferem dos da sociedade externa à prisão. Assim, enfoca-se o trabalho como um fator determinante de segurança, de estabilidade, de estruturação individual e social; fator determinante de inclusão / exclusão (inserção e de reinserção); fator que clarifica, o constituir-se classe subalterna, tendo a vivência da pobreza, da subalternidade e da exclusão (SÁ, 2006, p. 142).
Os presos se configuram como trabalhadores que se encontram, em sua
grande maioria, ociosos. Trabalhadores necessitados de políticas que supram suas
necessidades básicas, bem como, de suas famílias, e que precisam nesse período
de vida, - de extrema fragilidade existencial - ter, na penitenciária, um espaço de
redescoberta de seu potencial enquanto ser humano, um espaço de educação pelo
trabalho (MIRABETE, 2000, p. 25).
Assim, ao se falar de reinserção social admite-se, inequivocamente, uma
atuação sobre o indivíduo-delinquente que, nem por isso, se deixa encarar como um
problema que polariza em si, precisamente, as tensões entre a reforma do indivíduo
e da sociedade.
2.3 Mais humanização no sistema penitenciário
O Direto Penal assume a função de proteção da sociedade sem, entretanto,
modificá-la ou alterá-la. Clarificando, dessa forma, a concepção de ressocialização
que pressupõe repassar ao preso o mínimo ético indispensável à convivência em
sociedade (OLIVEIRA, 2012). Por outro lado, a maioria dos criminosos sofre de
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transtorno de personalidade. São pessoas com personalidades imaturas ou
dissociais que não receberam noções a respeito do próximo.
O crime, nessa perspectiva, é tido como um déficit de socialização. Então, a
prisão deve ser o espaço onde haja um programa de ressocialização.
Que visa integrar o indivíduo no mundo dos seus concidadãos, sobretudo nas coletividades sociais básicas como, por exemplo, a família, a escola ou o trabalho, proporcionando o auxílio necessário que o faça ultrapassar a situação de defasamento social em que se encontra. (RODRIGUES, 2002, p. 124)
A prisão moderna é, segundo Foucault (2002, p. 123) "uma empresa de
modificar indivíduos tendo, portanto, duas obviedades fundamentais na forma
simples da privação de liberdade, sendo exigido, um aparelho transformador de
indivíduos”.
Nesse sentido, a prisão representa um aparelho disciplinar exaustivo: um
reformatório integral que prescreve princípios de isolamento em relação ao mundo
exterior à unidade penal, aos motivos que o levaram à infração, conduzindo-o,
através desse a isolamento, à reflexão, ao remorso e à submissão total, ao
reconhecimento do preso sobre o poder que a ele se impõe; de um tipo de trabalho
que tem por objetivo regular, acabar com a agitação, impor hierarquia, vigiar,
constituindo, assim, uma relação de poder (RODRIGUES, 2002). É uma espécie de
prisão que extrapola a simples privação de liberdade ao tornar-se um instrumento de
modulação da pena.
No Brasil, um em cada três detentos encontra-se em situação
absolutamente irregular, pois a maioria deles deveria estar cumprindo suas penas
em presídios, ou se condenados, em penitenciárias, mas se encontram ainda,
confinados em delegacias de polícia, como também em cadeias públicas, isso tudo
desprovidos das mínimas condições, tanto de segurança, como também de
assistência médica, que a lei garante ao preso. Essas condições são extremamente
perigosas à saúde do preso, pois segundo estatísticas, cerca de 12% à 13% dos
presidiários em todo o país estão contaminados com o vírus do HIV e outros tantos
estão contaminados com a tuberculose. Isso sem falar em outras doenças
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decorrentes dos maus tratos e as péssimas condições que o sentenciado enfrenta
nos alojamentos prisionais (OLIVEIRA, 2012).
Para o Brasil, os gastos com o sistema prisional são bastante significantes,
pois o dinheiro poderia ser aplicado em hospitais e escolas, considerando que a
saúde e educação são, talvez, os maiores problemas sociais no país.
Os custos crescentes do encarceramento e a falta de investimentos no setor
por parte da administração pública que geram a consequente superlotação das
prisões, estão na base das dificuldades do sistema penitenciário, onde decorrem
problemas como a falta de condições necessárias à sobrevivência (falta de higiene,
regime alimentar deficiente, falta de leitos); deficiências no serviço médico; elevado
índice de consumo de drogas; corrupção; reiterados abusos sexuais; ambiente
propício à violência; quase ausência de perspectivas de reintegração social; e
inexistência de uma política ampla e inteligente para o setor (THOMPSON, 2003, p.
87).
Como afirmava Foucault (2002, p. 123),
Aquilo que, no início do século XIX, e com outras palavras criticava-se em relação à prisão (constituir uma população 'marginal' de 'delinquentes') é tomado hoje como fatalidade. Não somente é aceito como um fato, como também é constituído como dado primordial.
A finalidade da prisão de ressocializar a pessoa presa, nas situações atuais,
é tarefa impossível. Como já evidenciou Roure (1998, p. 14), “falar em reabilitação é
quase o mesmo que falar em fantasia, pois hoje é fato comprovado que as
penitenciárias em vez de recuperar os presos os tornam piores e menos propensos
a se reintegrarem ao meio social”.
Embora o Legislador Ordinário ao editar a Lei 7.210/84, - Lei de Execução
Penal - (L.E.P.) o tenha feito com bastante sapiência, no entanto, o Poder Executivo
não se aparelhou para executar com maestria os comandos esculpidos nos seus
204 artigos, os quais se fossem bem executados certamente poderiam ter impedido
que o sistema penitenciário apresentasse o caos atual.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da exposição se permitiu considerar que, de fato o sistema
carcerário brasileiro e o de Pernambuco apresentam a prisão como uma monstruosa
opção. As cadeias se perpetuam como uma forma de castigo, não como ambiente
para ressocializar.
A falta de uma política de ressocialização também tem contribuído para a
situação atual do sistema, uma vez que diante da falta de perspectiva de voltar ao
convívio da sociedade, diante da tratativa de rejeição e indiferença que a própria
sociedade e o estado lhe prestam após ser libertados, resta ao detento continuar na
vida regressa.
Uma vez sem conseguir se ressocializar, o detento tende a voltar à
criminalidade e à reincidência. Embora não hajam números oficiais, calcula-se que
90% dos ex-detentos voltam a delinquir e consequentemente retornam à prisão.
Presídios como o Professor Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, em Recife e o
Central de Porto Alegre, já passam dos três mil detentos, decretando estado de
superlotação por pura falta de vagas em outras unidades prisionais do Estado, indo
totalmente contra ao que garante o princípio da individualização da pena.
A superlotação além de ser um dos principais problemas enfrentados pelas
prisões brasileiras, acaba sendo a propulsora de novos problemas como a violência
interna, a revolta dos detentos, a prática de homossexualismo e as rebeliões.
Essas situações que acontecem na esperança pela busca do cumprimento
da Lei de Execução Penal, que vem sendo tão desrespeitada, levam ao ponto de
presidiários reivindicarem com faixas e cartazes contendo os dizeres: “Cumpram a
Lei de Execução Penal”.
O que muito vem acontecendo, também ocasionado pelo problema da
superlotação, é a utilização das delegacias como unidade carcerária. Abrigando
presos, em sua maioria, já condenados, sendo São Paulo e Minas Gerais os
principais Estados que mais mantêm presos em delegacias de polícia. Uma
atrocidade sem tamanho a Lei de Execução Penal e aos direitos e garantias
individuais dos detentos.
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Outro problema muito comum que assola o sistema penitenciário hoje em
dia é a tortura e os maus-tratos aos presos. Tanto pelos agentes carcerários quanto
pelos próprios presos (Revista Veja, 21 JAN 2014, p. 22). Uma realidade diária em
quase todos os estabelecimentos penais. A violência existente é tanta, que os
primários chegam às prisões querendo impor uma postura agressiva, procurando
demonstrar aos outros que são bandidos perigosos, dignos de todo respeito e
consideração e essa falsa aparência pode resultar em mortes e agressões.
Há distinção de tratamento nos presídios, sendo os mais importantes
àqueles que têm mais a oferecer, que recebem visitas, que têm mais influência no
presídio. Quando não se tem nada disso, ai sim, que se aplica a lei do mais forte,
implicando uma violação abusiva do princípio da isonomia, que proíbe toda e
qualquer discriminação entre os sentenciados e a diferenciação no tratamento dado
aos presos pois, perante a lei, todos são iguais, sem nenhuma distinção de qualquer
natureza. (Rede Globo, reportagem do Fantástico, 15 JUN 2014)
Diante disso tudo: o caos no sistema carcerário, o problema da
superlotação, os maus-tratos, a distinção de tratamento, a falta de assistência ao
preso e etc., a Lei de Execução Penal tratou de diferenciar expressamente os
estabelecimentos penais, dando a cada um deles uma finalidade distinta, que
mesmo depois de quase 30 anos da LEP, os Estados ainda não conseguiram se
adequar a Lei de Execução Penal, proporcionando uma melhoria na situação dos
estabelecimentos penais.
Analisando a Lei de Execução Penal, observa-se que, excetuando-se as
atividades jurisdicionais e as atividades jurídico-administrativas, não existe nenhum
impedimento para atuar. Quanto à alegação de ser impossível a privatização em
razão do Estado não poder delegar o seu poder punitivo à iniciativa privada.
Não subsiste tal ideia, pois, com a privatização, à iniciativa privada cabe à
administração das prisões, apenas, não lhe sendo delegada, a função de punir
qualquer apenado. Considerando ainda que, caso ocorra qualquer tipo de abuso por
parte da iniciativa privada que administra o presídio, o Estado pode rescindir o
contrato a qualquer tempo.
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Enfim, uma coisa é certa, o que não se pode desvalorizar uma efetiva
mudança de solução, ou pelo menos moderação da atual crise, pois o sistema
prisional brasileiro atingiu o seu limite. Entretanto, não se pode esperar que a
administração pública busque sozinha a solução e invista no setor. O Estado não
poderá resolver esse problema que é de toda a sociedade, sem a participação de
todos, e a necessária privatização do seu sistema penitenciário.
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PARTE II
Repertório jurisprudencial
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JURISPRUDÊNCIA
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
SÚMULAS VINCULANTES
Nº 35- A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial. Data da aprovação: Sessão Plenária de 16/10/2014. Nº 36- Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil. Data da aprovação: Sessão Plenária de 16/10/2014. Nº 37- Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia. Data da aprovação: Sessão Plenária de 16/10/2014.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 122279 – RIO DE JANEIRO
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, interposto por Geraldo Kautzner Marques, em favor de Manoel Arley Santos Bueno, contra acórdão do Superior Tribunal Militar (STM), que denegou a ordem no HC 18-43.2014.7.00.0000. Consta dos autos que o paciente teria, em 8.9.2013, furtado um telefone celular de um colega de caserna. Instaurado o Inquérito Policial Militar, foram inquiridas testemunhas (fls. 14-18). O paciente também foi ouvido como testemunha. Durante a oitiva, após afirmar versão diversa para os fatos, solicitou ao encarregado do IPM que fossem desconsideradas as suas declarações e confessou o furto (fls. 19/20). O Ministério Público Militar apresentou a denúncia (fls. 8-10). Diante do recebimento da peça inaugural, a defesa manejou habeas corpus perante o Superior Tribunal Militar (fls. 2-7), que denegou a ordem. Daí a presente impetração, na qual a defesa sustenta a ofensa ao princípio do nemo tenetur se detegere. Afirma a manifesta violação à garantia da ampla defesa, haja vista ter sido o paciente inquirido na condição de testemunha. Assevera a nulidade de todo o procedimento administrativo, a macular a ação penal. Requer o deferimento de medida liminar para “o sobrestamento da audiência designada para o dia 15.5.2014, às 14:00 horas, na 1ª Auditoria da CJM” e a concessão definitiva da ordem para reformar o acórdão atacado, declarando-se a nulidade do processo desde a denúncia, trancando-se a ação penal. É o relatório. Decido. Colho do acórdão impugnado, no que interessa (fls. 76/77, 78/79 e 80/81): “Com efeito, a confissão operada na fase investigativa deu-se no curso da inquirição do Sd Ex Manoel Arley, quando ouvido na condição de testemunha. Portanto, ao início daquele ato foi prestado o compromisso legal de dizer a verdade. Todavia, no transcorrer daquele procedimento, o inquirido repentinamente pediu para que fosse desconsiderado o
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que havia sido declarado anteriormente, afirmando estar mentindo, mas que passaria a dizer a verdade, e, na sequência, assumiu a autoria do delito. (…) Ora, depreende-se que cuidou de confissão voluntária colhida na fase investigativa. Pela dinâmica com que se desenrolava aquela inquirição, estampa-se tratar-se de atitude espontânea do militar. Por evidente, faltou perspicácia ao Encarregado do IPM para encerrar o ato de inquirição de testemunha e , de imediato, proceder ao indiciamento e efetuar a respectiva perquirição com as precauções legais de praxe, dentre as quais se insere o alerta sobre a garantia de permanecer calado. (...) Nesse diapasão, a confissão do Sd Manoel Arley, colhida por ocasião do IPM, não se mostra como aquela que, isoladamente, serviu como embasamento para a propositura da ação penal. A oitiva dos Sds Maiqueson e Luiz Vinícius, acima transcritas, trazem elementos importantes a serem sopesados na questão. Além do mais, a forma pela qual o bem subtraído foi recuperado remonta à que a autoria do delito já era conhecida antes da instauração do IPM. Dessa forma, decai de importância a questionada confissão do Sd Manoel Arley, tendo em vista que diversos outros elementos de prova deram substrato para a formalização da Denúncia apresentada perante o Juízo Militar, a qual, induvidosamente, teve o seu recebimento operado por decisão da Juíza-Auditora Substituta da 1ª Auditoria da 1ª CJM (autoridade nominada como coatora). (...) Dessa forma, considerando a ausência de aviso quanto à garantia ao silêncio, por ocasião da inquirição do Sd Manoel Arley no IPM, os elementos de informação colhidos naquela ocasião revelam-se maculados de ilicitude. O propósito da apontada confissão não seria outro senão agregar-se aos demais elementos resultantes da investigação para dar suporte à análise do órgão ministerial e, alfim, subsidiar a propositura da ação penal com o oferecimento da exordial acusatória. Nesse compasso, o preclaro termo de Inquirição, não terá serventia para o processo criminal, poi, afora as circunstâncias em que fora coletado, sua natureza indiciária se traduz como de ínfima repercussão na ação penal. Notadamente, restou demonstrada a existência de outros elementos indiciários que embasaram a Denúncia e seu consequente recebimento no Juízo Militar. Mostra-se perfeitamente possível a desconsideração do teor daquela inquirição. Abduzida aquela confissão, permanece denso o conjunto formado pelos demais elementos colhidos na investigação. O intento acusatório persiste com amplo esteio”. Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos impõem-se a importante tarefa de realização dos direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância. O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais. O direito ao silêncio, que assegura a não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.
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Como se sabe, na sua acepção originária conferida por nossa prática institucional, este princípio proíbe a utilização ou a transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, Günther Dürig afirma que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1/18). Isso não significa, sob hipótese alguma, afirmar-se que a situação de constrição de direitos ocorra em todas as situações. Não obstante a evidente inadequação do procedimento adotado a macular a utilização daquele elemento de informação, a não ser em favor do paciente, o quadro apresentado indica a existência de outros elementos diversos para o recebimento da peça acusatória. Diante disso, ausente o fumus bonis iuris, indefiro a medida liminar. Solicitem-se informações ao Juízo da 1ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar. Após, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 9 de maio de 2014. Ministro Gilmar Mendes Relator
HABEAS CORPUS 122673 - PARÁ 122
DECISÃO HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. FURTO EM RECINTO
CASTRENSE. PRETENSÃO DE REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.719/08. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA CONFIGURADA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. VISTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
Relatório
1. Habeas corpus, com requerimento de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, em favor de FELIPE LIMA DOS SANTOS, contra acórdão do Superior Tribunal Militar que, em 29.4.2014, denegou a ordem no habeas corpus n.53-03.2014.7.00.0000/PA. 2. Narra-se na inicial: “O aqui Paciente, o jovem soldado FELIPE LIMA DOS SANTOS foi denunciado pelo Ministério Público Militar, em 25/11/2013, junto à Auditoria da 8ª CJM, pela prática do delito previsto no art. 240, §4º, do Código Penal Militar, fls. 10-12.
Colhe-se dos autos a suposta prática do crime de furto, praticado à noite. A Denúncia foi recebida em 29/11/2013 pela Juíza-Auditora Substituta Dra. Vera
Lúcia da Silva Conceição. A Defensoria Pública da União/Belém/PA, na atuação da denoda Defensora Federal,
Dra. Rita Cristina Oliveira Thomaz, compareceu nos autos em 17/03/2013, solicitando a inversão do interrogatório (que já está marcado para o próximo dia 05/07/2014) à luz da Lei 11.719/2008, como garantia aos direitos fundamentais de Felipe Lima dos Santos de
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‘ampla defesa' e do 'contraditório' como medida eficiente na autodefesa. O Conselho Permanente de Justiça para o Exército da Auditoria da 8ª CJM, em
20/03/2013, por unanimidade, indeferiu o pedido de inversão do interrogatório” (Evento 1, fl. 2).
3. Contra a decisão da Auditoria da 8ª Circunscrição Judiciária Militar, a defesa do Paciente impetrou o habeas corpus n. 53-03.2014.7.00.0000/PA no Superior Tribunal Militar e, em 29.4.2014, a ação foi denegada:
“HABEAS CORPUS. PACIENTE QUE PRATICOU, EM TESE, FURTO QUALIFICADO, PREVISTO NO ART. 240, §4º, DO CPM. ALEGADA VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA POR NÃO APLICAÇÃO DA LEI N. 11.719/2008. NÃO CONFIGURAÇÃO.
Paciente denunciado pela prática, em tese, de furto de dinheiro da carteira do colega, enquanto este dormia, aproveitando-se do fato de que a chave do seu armário estava caída ao chão (art. 240, §4º do CPM).
Writ impetrado diante do indeferimento do pedido de aplicação da Lei nº 11.719/2008, com a inversão do interrogatório como ato derradeiro da instrução processual penal militar. Alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa.
A referida lei não alterou a redação do Código Processual Castrense, prevalecendo a redação do art. 302 do CPPM, em virtude do princípio da especialidade. Precedentes deste Tribunal e da Suprema Corte.
Denegada a Ordem. Maioria” (Evento 3, fl. 1). 4. Daí a presente impetração, na qual a Impetrante sustenta a necessidade de
concessão da “ordem para que o interrogatório seja realizado ao final da instrução criminal” (Evento 1, fl. 3). Afirma que a “realização do interrogatório ao final da instrução criminal é garantia de que o Acusado, quando ouvido pelo Julgador, terá todo conhecimento de 'todas as provas' produzidas pela acusação e poderá se defender contraditando-as” (Evento 1, fl. 3). Pondera que a “lei n° 11.719, de 20/06/2008, introduziu verdadeira revolução no processo penal brasileiro, e inexiste qualquer vedação à sua aplicabilidade no seio do direito processual Castrense, na medida em que restam sem afronta os princípios da hierarquia e disciplina, e apesar da especialidade da norma castrense, esta deve coadunar com a lei maior no que tange às garantias constitucionais, ainda mais quando o faz em termo firmado com o Paciente no processo” (Evento 1, fl. 4). Conclui a Impetrante que “à luz de todo embasamento legal, fundamentos constitucionais e doutrinários e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública da União considera necessária à atuação dessa Corte Suprema para que Felipe Lima dos Santos possa ter um julgamento justo” (Evento 1, fl. 8). 5. Este o teor dos pedidos: “Razões e fundamentações expostas, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, assistindo juridicamente FELIPE LIMA DOS SANTOS, requer... 1. a concessão da ordem, desde logo, monocraticamente por Vossa Excelência, Ministro Relator, na forma do artigo 192, caput, do Regimento do STF, para anular o Acórdão do Superior Tribunal Militar e, consequentemente, suspender a realização do interrogatório no início da instrução criminal marcado para o dia 05/06/2014 no Conselho Permanente de Justiça para o Exército da Auditoria da 8ª CJM de Belém/PA, com determinação de que seja ouvido ao final; 2. na eventualidade de a ordem pleiteada não ser concedida de plano na forma do artigo 192, caput, do RISTF, a Defensoria Pública da União de Categoria Especial pleiteia: 2.1 - seja concedida medida liminar para determinar a imediata suspensão dos efeitos do Acórdão prolatado pelo Tribunal Militar, autos 53-03.2014.7.00.0000, determinando-se, via de consequência, a não realização do interrogatório já marcado para o dia 05/06/2013 no Conselho Permanente de Justiça para o Exército da Auditoria da 8ª CJM em Belém/PA, até o julgamento final deste writ; 2.2 - no mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus em decisão
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colegiada desta ínclita Corte Suprema confirmando a nulidade do Acórdão do STM e com determinação de realização de interrogatório de Felipe Lima dos Santos ao final da instrução criminal frente ao Conselho Permanente de Justiça para o Exército da Auditoria da 8ª CJM, nas conformidades com os ditames da Constituição Federal de 1988 e determinação legal expressa na Lei 11.719/2008 fazendo prevalecer o 'devido processo legal' em seus consectários da ‘ampla defesa’ e do ‘contraditório’; e 3 - que as intimações desta Corte Suprema sejam feitas ao Defensor Público-Geral Federal - DPGF - que tem atuação permanente neste egrégio Tribunal observando-se as prerrogativas previstas no art. 44, incisos I e VI, da Lei Complementar 80/1994, de receber intimação pessoal e de contagem em dobro de todos os seus prazos” (Evento 1, fls. 9-10, destaques do original). Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 6. Neste exame preambular, a exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias presentes e comprovadas na ação conduzem ao deferimento da medida liminar requerida, porque presente a plausibilidade jurídica dos argumentos apresentados na inicial. 7. A pretensão da Impetrante está apenas em que o interrogatório do Paciente, acusado de prática de crime militar seja realizado ao final da instrução, nos termos do art. 400, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008. 8. No ponto, a decisão do Superior Tribunal Militar, pela qual foi indeferido pedido de realização de interrogatório do Paciente ao final da instrução, parece destoar do entendimento neste Supremo Tribunal, no sentido de que a aplicação do art. 400, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008, aos delitos disciplinados pela legislação especial. Nesse sentido: “PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO – ART. 251 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INTERROGATÓRIO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ATO A SER REALIZADO AO FINAL DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.719/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 400 DO CPP. MÁXIMA EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA (CF, ART. 5º, LV). PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL Nº 528, PLENÁRIO), QUE DETERMINOU A APLICAÇÃO DO NOVO RITO AOS PROCESSOS REGIDOS PELA LEI ESPECIAL Nº 8.038/90. UBI EADEM RATIO IBI IDEM JUS. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, prestigiando a máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º, LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB, art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º, caput), por isso que a nova regra do Código de Processo Penal comum também deve ser observada no processo penal militar, em detrimento da norma específica prevista no art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69, conforme precedente firmado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Penal nº 528 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. Em 24/03/2011, DJe-109 divulg. 07-06-2011, impondo a observância do novo preceito modificador em relação aos processos regidos pela Lei Especial nº 8.038/90, providência que se impõe seja estendida à Justiça Penal Militar, posto que ubi eadem ratio ibi idem jus. 2. Em situação idêntica à sub examine, a Primeira Turma desta Corte deferiu os HCs 115.530 e 115.698, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14/08/2012, para determinar ao Superior Tribunal Militar a realização do interrogatório após o término da instrução criminal. 3. In casu, o paciente foi processado pela prática do crime de estelionato, tipificado no art. 251, do Código Penal Militar, e teve indeferido pleito no sentido de ser interrogado ao final da instrução processual. 4. Recurso em habeas corpus provido para determinar a realização de novo interrogatório do recorrente, após o término da instrução criminal, à luz da Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao art. 400 do Código de Processo Penal” (grifos nossos).
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9. Assim, neste exame preliminar, os elementos constantes dos autos são suficientes para demonstrar plausibilidade do direito alegado, porque, ao indeferir o requerimento de realização de interrogatório do Paciente ao final da instrução, a decisão do Superior Tribunal Militar diverge de precedente deste Supremo Tribunal sobre a matéria. 10. Presente, também, o perigo da demora, por constar do sítio do Superior Tribunal Militar que, na ação penal n. 0000106-69.2013.7.08.0008, houve designação de audiências para os dias 5.6.2014 e 9.6.2014. 11. Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender: a) os efeitos do acórdão do Superior Tribunal Militar, no julgamento do habeas corpus n. 53-03.2014.7.00.0000/PA; b) o andamento da ação penal n. 0000106-69.2013.7.08.0008, que tramita na Auditoria da 8ª Circunscrição Judiciária Militar, até o julgamento final do presente habeas corpus. Comunique-se os termos da presente decisão ao Ministro Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, do Superior Tribunal Militar e Relator do habeas corpus n. 53-03.2014.7.00.0000/PA; ao juízo da Auditoria da 8ª Circunscrição Judiciária Militar, referente à ação penal n. 0000106-69.2013.7.08.0008. Com os ofícios, a serem enviados com urgência e por fax, encaminhe-se cópia da inicial e da presente decisão. 12. Suficiente a instrução, vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 3 de junho de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
HABEAS CORPUS 123.228 - AMAZÔNIA
DECISÃO
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. CONCUSSÃO. PRETENSÃO DE SE TER O INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ALTERADO PELA LEI N. 11.719/08. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA CONFIGURADA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. VISTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
Relatório
1. Habeas corpus, com requerimento de medida liminar, impetrado pela
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, em favor de WANDERSON CUNHA DOS SANTOS e GILBERTO ALVES DE JESUS, contra acórdão do Superior Tribunal Militar que, em 2.4.2014, deu provimento ao recurso do Ministério Público Militar e negou provimento à apelação defensiva (Proc. n. 7-57.2005.7.12.0012).
2. Tem-se nos autos que, em 12.9.2012, o Juízo do Conselho Permanente de Justiça para a Marinha, da Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar, condenou os Pacientes nas penas do art. 305 do Código Penal Militar.
3. O Ministério Público Militar e a Defesa interpuseram recurso de apelação (Proc. n. 7-57.2005.7.12.0012) no Superior Tribunal Militar que, em 2.4.2014, “por unanimidade, rejeitou a preliminar, arguida pela Defesa do Civil WANDERSON CUNHA DOS SANTOS, de nulidade do processo por falta de aplicação da Lei n° 11.719/2008; por unanimidade, rejeitou a segunda preliminar defensiva, de nulidade do feito por cerceamento de defesa. No mérito, o Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos recursos defensivos e, por unanimidade, deu provimento ao Recurso ministerial para, mantendo a Sentença de primeira instância que condenou o 1° Sgt Mar GILBERTO ALVES DE JESUS à pena de 02 anos e 04 meses de reclusão, como incurso no art. 305 do CPM, c/c o art. 71 do CP, com o regime prisional inicialmente aberto, aplicar a pena acessória de exclusão das Forças
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Armadas, prevista no art. 102 do CPM; e, por unanimidade, reformar a Sentença de Primeira Instância, para condenar o Civil WANDERSON CUNHA DOS SANTOS à pena de 02 anos e 04 meses de reclusão , como incurso no art. 305 do CPM, c/c o art. 71 do CP, fixando o regime prisional inicialmente aberto para o cumprimento da pena” (grifos nossos).
4. Daí a presente impetração, na qual a Impetrante sustenta “o direito [dos Pacientes] ao interrogatório ao final da instrução criminal”.
Pondera que a “lei n° 11.719, de 20/06/2008, introduziu verdadeira revolução no processo penal brasileiro, e inexiste qualquer vedação à sua aplicabilidade no seio do direito processual castrense, na medida em que restam sem afronta os princípios da hierarquia e disciplina, e apesar da especialidade da norma castrense, esta deve coadunar com a lei maior no que tange às garantias constitucionais, ainda mais quando o faz em termo firmado com o Paciente no processo”.
5. Este o teor dos pedidos: “Razões e fundamentações expostas, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO,
assistindo juridicamente WANDERSON CUNHA DOS SANTOS e GILBERTO ALVES DE JESUS,
requer... 1. - a concessão da ordem, desde logo, monocraticamente por Vossa Excelência,
Ministro Relator, na forma do artigo 192, caput, do Regimento do STF, para anular o Acórdão do Superior Tribunal Militar – STM - e, via de conseqüência, a sentença ab initio, com determinação para ocorrência de um ‘novo interrogatório’ dos Assistidos para que exerçam os seus direitos de contraditar as provas produzidas (…), bem como de realização de nova audiência de oitiva de testemunhas, sendo-lhes oportunizado o direito de comparecimento e acompanhamento, nas conformidades do devido processo legal;
2. na eventualidade de a ordem pleiteada não ser concedida de plano na forma do artigo 192, caput, do RISTF, a Defensoria Pública da União de Categoria Especial pleiteia:
2.1 - seja concedida medida liminar para determinar a imediata suspensão dos efeitos do Acórdão prolatado pelo Tribunal Militar, autos 7-57.2005.7.12.0012, até o julgamento final deste writ;
2.2 - no mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus em decisão colegiada desta ínclita Corte Suprema determinando-se com fundamento na Lei 11.719/08, que alterou o Código de Processo Penal comum, a realização de novo interrogatório ao final da instrução criminal para possibilitar a contradição a todas provas produzidas, e, também, a realização de nova audiência para oitiva de testemunhas com a presença dos Assistidos; e,
3 - que as intimações desta Corte Suprema sejam feitas ao Defensor Público-Geral Federal - DPGF - que tem atuação permanente neste egrégio Tribunal observando-se as prerrogativas previstas no art. 44, incisos I e VI, da Lei Complementar 80/1994, de receber intimação pessoal e de contagem em dobro de todos os seus prazos”.
Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 6. Neste exame preambular, a exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias
presentes e comprovadas na ação conduzem ao deferimento da medida liminar requerida, pela plausibilidade jurídica dos argumentos expostos na inicial.
7. A pretensão da Impetrante é de seja o interrogatório do Paciente, acusado de prática de crime militar realizado ao final da instrução, nos termos do art. 400, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008.
8. A decisão do Superior Tribunal Militar, indeferindo requerimento de interrogatório do Paciente ao final da instrução, parece destoar do entendimento neste Supremo Tribunal, no sentido da aplicação do art. 400, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008, aos delitos disciplinados pela legislação especial. Nesse sentido:
“PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
ESTELIONATO – ART. 251 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INTERROGATÓRIO NO
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ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ATO A SER REALIZADO AO FINAL DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.719/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 400 DO CPP. MÁXIMA EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA (CF, ART. 5º, LV). PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL Nº 528, PLENÁRIO), QUE DETERMINOU A APLICAÇÃO DO NOVO RITO AOS PROCESSOS REGIDOS PELA LEI ESPECIAL Nº 8.038/90. UBI EADEM RATIO IBI IDEM JUS. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, prestigiando a máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º, LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB, art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º, caput), por isso que a nova regra do Código de Processo Penal comum também deve ser observada no processo penal militar, em detrimento da norma específica prevista no art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69, conforme precedente firmado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Penal nº 528 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. Em 24/03/2011, DJe-109 divulg. 07-06-2011, impondo a observância do novo preceito modificador em relação aos processos regidos pela Lei Especial nº 8.038/90, providência que se impõe seja estendida à Justiça Penal Militar, posto que ubi eadem ratio ibi idem jus.
2. Em situação idêntica à sub examine, a Primeira Turma desta Corte deferiu os HCs 115.530 e 115.698, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14/08/2012, para determinar ao Superior Tribunal Militar a realização do interrogatório após o término da instrução criminal.
3. In casu, o paciente foi processado pela prática do crime de estelionato, tipificado no art. 251, do Código Penal Militar, e teve indeferido pleito no sentido de ser interrogado ao final da instrução processual.
4. Recurso em habeas corpus provido para determinar a realização de novo interrogatório do recorrente, após o término da instrução criminal, à luz da Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao art. 400 do Código de Processo Penal” (grifos nossos).
9. Assim, neste exame preliminar, os elementos dos autos demonstram plausibilidade do direito alegado, porque, ao indeferir o requerimento de realização de interrogatório dos Pacientes ao final da instrução, a decisão do Superior Tribunal Militar divergiu de precedente deste Supremo Tribunal sobre a matéria.
10. Presente, também, o perigo da demora consistente na iminente execução da pena definida na Apelação n. 7-57.2005.7.12.0012.
11. Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender: a) os efeitos do acórdão do Superior Tribunal Militar, no julgamento da Apelação n. 7-57.2005.7.12.0012; b) o andamento da ação penal n. 7-57.2005.7.12.0012, em trâmite na Auditoria da Juízo do Conselho Permanente de Justiça para a Marinha, da Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar, até o julgamento final do presente habeas corpus.
Comuniquem-se os termos da presente decisão ao Ministro Artur Vidigal de Oliveira, do Superior Tribunal Militar e Relator da Apelação n. 7-57.2005.7.12.0012, e ao Juízo do Conselho Permanente de Justiça para a Marinha, da Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar.
Com os ofícios, a serem enviados com urgência e por fax, encaminhe-se cópia da inicial e da presente decisão.
12. Suficiente a instrução, vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 12 de setembro de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA
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ACÓRDÃO/INQUÉRITO 3672 – RIO DE JANEIRO
Relatora: Min. Rosa Weber Ementa:
EMENTA DENÚNCIA. CRIME CONTRA A HONRA. DECADÊNCIA DO DIREITO À REPRESENTAÇÃO. PRAZO. SEIS MESES A CONTAR DA DATA EM QUE A VÍTIMA TOMOU CIÊNCIA DOS FATOS OU DE QUEM É SEU AUTOR. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA IMPROCEDENTE. PARLAMENTAR. OFENSAS IRROGADAS QUE NÃO GUARDAM NEXO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO. CONSEQUENTE INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 53 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DOLO. ANÁLISE QUE, EM PRINCÍPIO, DEMANDA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.
1. Nos crimes de ação penal pública condicionada, a decadência do direito à
representação conta-se da data em que a vítima tomou conhecimento dos fatos ou de quem é o autor do crime. Hipótese em que, à míngua de elementos probatórios que a infirme, deve ser tida por verídica a afirmação da vítima de que somente tomou conhecimento dos fatos decorridos alguns meses.
2. Não é inepta a denúncia que descreve fatos típicos ainda que de forma sucinta, cumprindo os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
3. A inviolabilidade dos Deputados Federais e Senadores por opiniões palavras e votos, consagrada no art. 53 da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situação que não guarde liame com o exercício do mandato.
4. Não impede o recebimento da denúncia a alegação de ausência de dolo, a qual demanda instrução probatória para maior esclarecimento
5. Denúncia recebida.
Decisão Preliminarmente, por maioria de votos, a Turma afastou a decadência, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, Presidente. Por unanimidade, rejeitou a arguição de inépcia da denúncia. Na sequência, por maioria de votos, afastou a alegação de imunidade parlamentar e recebeu a denúncia, nos termos do voto da relatora, vencido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falaram: a Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da República, pelo Ministério Público Federal, e o Dr. Nélio Machado, pelo investigado. Impedidos os Senhores Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso. Primeira Turma, 14.10.2014.
Brasília, 14 de outubro de 2014. Ministra Rosa Weber Relatora
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO 28 – SÃO PAULO
Relatora: Min. Cármen Lúcia
DECISÃO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA DOS POLICIAIS CIVIS E MILITARES DO SEXO
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FEMININO. ART. 40, § 1º E § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ADOÇÃO DO RITO DO ART. 12 DA LEI N. 9.868/1999. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Relatório
1. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, com requerimento de medida cautelar, ajuizada em 25.8.2014, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB contra o Governador e a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, “autoridades/órgãos responsáveis pela elaboração de Lei Complementar Estadual sobre os critérios diferenciados para aposentadoria dos policiais civis e militares do sexo feminino, nos termos do art. 40, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal”.
O caso
2. O Autor alega mora legislativa “(d)o Governador (art. 24, § 2º, itens 4 e 5, da Constituição do Estado de São Paulo) e da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no tocante à edição de Lei Complementar Estadual sobre os critérios diferenciados para aposentadoria dos policiais civis e militares do sexo feminino, nos termos do art. 40, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal”.
Alega determinar o art. 40, § 1º e § 4º, da Constituição Federal “a adoção, pelos Estados-Membros, do regime previdenciário próprio para seus servidores, dispondo, por lei complementar, sobre a utilização de critérios diferenciados para os servidores que exerçam atividades de risco ou sob condições especiais que prejudiquem sua saúde ou integridade física”.
Afirma que “a legislação de regência do Estado de São Paulo não institui condições diferenciadas para a concessão de aposentadoria voluntária aos policiais militares e civis do sexo feminino, inobstante a própria Carta Magna oriente pela sua distinção”.
Assevera ser “manifesta, in casu, a omissão legislativa do Estado de São Paulo, visto que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (art. 404, III, em sua redação original) já se previa a distinção do lapso de tempo de serviço exigido para concessão de aposentadoria entre homens e mulheres. Referida previsão restou reforçada com a promulgação da EC nº 47/2005, sobretudo após a imposição do dever de edição de lei complementar para regulamentar o tempo de serviço diferenciado para os servidores investidos em atividades de risco”.
Adverte que, “atualmente a legislação estadual de regência impõe o cumprimento de igual tempo de contribuição tanto para os agentes policiais homens como mulheres, indistintamente, em contrariedade ao texto constitucional. Nesse particular, a aposentadoria dos policiais civis, bem como dos militares, é regida pelas Leis Complementares Estaduais nºs 1.062/2008 e 1.150/2011 e o Decreto-Lei n. 260/1970. (…) Ou seja, a despeito da norma constitucional, os agentes policiais de ambos os sexos apenas fazem jus à aposentadoria (ou transferência para reserva/reforma) após, invariavelmente, o transcurso de 30 (trinta) anos de efetivo serviço” (grifos no original).
Conclui ter sido superado “lapso de mais de 25 (vinte e cinco) anos sem que o Governador do Estado de São Paulo, diante de sua iniciativa exclusiva (art. 24, § 2º, itens 4 e 5 da Constituição do Estado de São Paulo) e a Assembleia Legislativa promovessem a regulamentação do tempo de serviço diferenciado para concessão de aposentadoria aos policiais militares e civis do sexo feminino (…). Assim, quer sob a ótica socioeconômica e histórica, quer sob o ponto de vista de justiça atuarial, é imperioso distinguir homens e mulheres no tocante ao tempo de contribuição necessário para a aposentadoria, nos exatos moldes do texto constitucional inserido no art. 40, § 1º, III”.
Requer se determine: a) “ao Governador do Estado de São Paulo, bem assim à Assembleia Legislativa, que supram a mora legislativa e adotem providências para edição de Lei Complementar Estadual sobre os critérios diferenciados para aposentadoria dos policiais civis e militares do sexo feminino, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias” e b) “a aplicação analógica do disposto na legislação de regência de outras unidades Federativas, conforme ilustrado nas razões acima, de modo a assegurar às policiais civis e militares a aposentadoria ou transferência à reserva/reforma após 25 (vinte e cinco) anos de efetivo serviço prestado, até a edição e entrada em vigor do respectivo diploma
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estadual”. No mérito, pede “procedência do pedido de mérito para que seja declarada a mora
legislativa do Estado de São Paulo na elaboração de Lei Complementar Estadual sobre os critérios diferenciados para aposentadoria dos policiais civis e militares do sexo feminino, em evidente afronta aos termos do artigo 40, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal” (grifos no original).
4. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações ao Governador do Estado de São Paulo e à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de dez dias.
Na sequência, vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/1999).
Publique-se. Brasília, 9 de setembro de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.300.270 – SANTA CATARINA
Relatora: Min. Laurita Vaz
EMENTA PENAL MILITAR. ESTELIONATO. TESE DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
CASTRENSE. IMPROCEDÊNCIA. DELITO ULTERIORPRATICADO A FIM DE BURLAR A EXECUÇÃO CRIMINAL MILITAR. INEQUÍVOCA AFRONTA E CONSPURCAÇÃO DA AUTORIDADE DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. EVIDENTE INTERESSE DIRETO E IMEDIATO DA JUSTIÇA MILITAR PARA PROCESSAR E JULGAR O CRIME SUBSEQUENTE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Não obstante ter sido beneficiado pela substituição da pena corporal de 01 (um) ano
de reclusão por punição alternativa, consistente na doação decestas básicas a entidade assistencial – pelo cometimento dos delitos de falsidade ideológica e de uso de documento falso em detrimento da Administração Militar –, o Recorrente voltou a delinquir ao emitir cheques sem fundo, a fim de induzir o pároco diretor da instituição filantrópica, que se beneficiaria com as mencionadas cestas básicas, a declarar, por escrito, o cumprimento da obrigação assumida junto à Justiça Castrense.
2. É evidente que a conduta delituosa em questão, a despeito de também ter atingido interesse particular civil, visou, principalmente, a burlar a execução criminal militar, o que revela inequívoca afronta e conspurcação da autoridade da sentença penal condenatória proferida pela Justiça Penal Militar, que, por isso, possui interesse direto e imediato de processar e julgar o crime subsequente.
3. Recurso especial a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do
Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.
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Brasília (DF), 19 de agosto de 2014 (Data do Julgamento). Ministra Laurita Vaz Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.133.877 – PARANÁ
Relator: Min. Nefi Cordeiro
EMENTA RECURSO ESPECIAL. EXCUÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.
DILIGÊNCIAS PARA VERIFCAR O REGULAR CUMPRIMENTO DA PENA. DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO.
1. Embora não sejam absolutas restrições de acesso à privacidade e aos dados
pessoais do cidadão, e mesmo considerado o interesse público no acompanhamento da execução penal, imprescindível é a qualquer decisão judicial explicitação de seus motivos (art. 93, IX, da Constituição Federal).
2. Diligências invasivas de acesso a dados (bancários, telefônicos e de empresa de transporte aéreo) deferida sem qualquer menção à necessidade e proporcionalidade dessas medidas investigatórias, não propriamente de crime, mas de regular cumprimento de pena imposta. Nulidade reconhecida.
3. Recurso especial parcialmente provido. ACÓRDÃO Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marilza Maynard (Desembargadora Convocado TJ/SE), Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior (Pesidente) e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de agosto de 2014 (Data do julgamento). Ministro Nefi Cordeiro Relator
HABEAS CORPUS 190.264 PARAÍBA
Relatora: Min. Laurita Vaz
EMENTA HABEAS CORPUS. IMPETRADO ORIGINARIAMENTE, A DESPEITO DA POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL A QUO POR INTERMÉDIO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA (RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA). TRIBUNAL DO JÚRI. ALTERAÇÕES CONFERIDAS PELA LEI N.° 11.689⁄08. QUESITAÇÃO SOBRE A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. ART. 483, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ABRANGÊNCIA DE TODAS AS TESES ABSOLUTÓRIAS EM QUESTIONAMENTO ÚNICO. VOTAÇÃO DO JÚRI QUE SE ENCERRA COM A RESPOSTA AFIRMATIVA DE MAIS DE TRÊS JURADOS AO
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QUESITO EX LEGE REFERENTE À ABSOLVIÇÃO.
1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação não unânime de que é inadequado o manejo de habeas corpus se há possibilidade de impugnação ao ato decisório do Tribunal a quo por intermédio de recurso especial – a despeito do posicionamento contrário da Relatora, em consonância com o do Supremo Tribunal Federal.
2. Hipótese em que a única tese ventilada pela defesa perante o Conselho de Sentença foi a de legítima defesa.
3. Na atual sistemática do Tribunal do Júri, não há mais quesitos específicos sobre a absolvição, pois o Legislador Pátrio, ao editar a Lei n.º 11.689⁄08, determinou que todas as teses defensivas, no ponto, fossem abrangidas por uma única quesitação obrigatória (art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal).
4. Ao concentrar as teses absolutórias no terceiro quesito do Tribunal do Júri ("o jurado absolve o acusado?"), a lógica do Legislador foi a de impedir que os jurados fossem indagados sobre questões técnicas. Assim, declarada a absolvição pelo Conselho de Sentença, com resposta afirmativa de mais de três juízes leigos à referida quesitação, o prosseguimento do julgamento para verificação de excesso doloso constituiu constrangimento manifestamente ilegal ao direito ambulatorial do Paciente.
5. Ademais, o fato de ter sido considerada a quesitação sobre excesso doloso na legítima defesa significou ofensa à garantia da plenitude de defesa, pois o novo sistema permite justamente que o Jurado possa absolver o Réu baseado unicamente em sua livre convicção, e de forma independente da tese defensiva.
6. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus, contudo, concedida ex officio, para absolver o Paciente, devendo o Juiz do Tribunal do Júri garantir ao Ministério Público Estadual prazo para eventual interposição do pertinente recurso.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 26 de agosto de 2014 (Data do Julgamento). Ministra Laurita Vaz Relatora
Normas para publicação
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Normas para Publicação
Considerando o contido na Portaria do Comando Geral nº 1901, de 16 de novembro de 2007, publicada no SUNOR nº 043, de 22 de novembro de 2007, que aprova as Instruções Gerais para a confecção da Revista Doutrinária da PMPE, criada pela Portaria do Comando Geral nº 633, de 04 de agosto de 1999, publicada no SUNOR nº 020, de 10 de agosto de 1999, informamos as seguintes orientações e normas para publicação de artigos:
Linhas de Pesquisas: As linhas de pesquisas prescritas na Diretriz Geral de Educação Profissional da PMPE, e que servem como balizamento para os temas dos artigos destinados a Revista DOUTRINAL, são as seguintes: I – políticas públicas de defesa social / segurança pública; II – gestão da defesa social / segurança pública; III – controle do crime – homicídios; IV – educação e formação do policial; V – polícia e direitos humanos; VI – saúde do policial.
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1) O artigo deve conter no máximo 30 (trinta) laudas, possuir resumo e 03 (três) a 05 (cinco) palavras-chave. O texto deve ser digitado em fonte arial tamanho 12 justificado, espaço entre linhas 1,5. Margens: a folha deve apresentar margem de 3 cm à esquerda e na parte superior, e de 2 cm à direita e na parte inferior. O título do artigo deve estar centralizado no texto, em negrito Arial, tamanho 12 maiúscula e o subtítulo na mesma fonte, sendo apenas os nomes próprios maiúsculos. O nome do autor digitado em itálico, posicionado abaixo e à direita do título, contendo nota de rodapé com informações acadêmicas sobre o autor. 2) As citações devem preferencialmente seguir o sistema de chamada: Autor, data: página. 3) Notas devem se restringir a itens extremamente necessários e devem vir no rodapé. 4) As citações no corpo do texto devem vir em Itálico. As citações com mais de três linhas devem vir fora do corpo do texto, com fonte Arial, Tamanho 10, espaçamento simples e recuo de 4,0 cm à esquerda. 5) Imagens podem ser publicadas desde que citadas às fontes e com as devidas autorizações, de acordo com a legislação vigente. Fica condicionada a publicação das imagens às viabilidades técnicas das mesmas. 6) O artigo enviado para publicação na Revista DOUTRINAL da PMPE, além de se enquadrar nas normas técnicas da ABNT, deve conter ao final do texto, todas as referências utilizadas na pesquisa, e deve ser digitado em formato compatível com o sistema Microsoft Word ou BR Office.
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