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702 EXPERIÊNCIAS DE LEITURA: CAMINHOS POSSÍVEIS DO ENSINAR E DO APRENDER – MOVIMENTOS DE ESCUTA Carolina GONÇALVES 1 Maria Augusta H. W. RIBEIRO 2 Em primeiro lugar, a oralidade é o lugar da fugacidade da palavra: a palavra que se ouve é a palavra perdida que nunca voltará, a que chegou e se foi e a que, sem se poder evitar, se perde. Ao escutar existe algo que sempre fica para trás, e é impossível ir para trás para recuperá-lo. Em segundo lugar, a oralidade é o lugar da suspensão da palavra: assim a voz constitui um discurso ou um discorrer que cessa sem que se haja chegado a algum termo, sempre na borda de algo que nunca chega, sempre na imanência de uma revelação que não se produz, sempre inconcluso, deixando sempre uma falta, um desejo. (LARROSA, 2004, p. 41). O trecho acima citado nos remete ao espaço produzido pela escuta, um espaço subjetivo, no qual acontece um certo movimento de criação. Voltado para este espaço e para o movimento de criação por ele suscitado é que formulamos o Projeto Experiências de leitura: caminhos possíveis do ensinar e do aprender, para professores do Ensino Fundamental I, desenvolvido nos meses de março a dezembro de 2004, com apoio do Núcleo de Ensino/Rio Claro e financiado pela PROGRAD/Fundunesp. Várias intenções permearam a elaboração deste projeto de intervenção na realidade das escolas, todas elas, no entanto, voltadas para a questão da leitura como Freire a viu: “um instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, 2004, p. 21). Compartilhando deste sentido revolucionário proposto por Freire, temos Larrosa, que discorre sobre o ato da leitura como parte do processo formador dos sujeitos, pois “a leitura [...] tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos” (LARROSA, 2002, p. 134), alertando que a pensar como formação é pensá-la “como algo que nos forma (ou nos de-forma e nos trans-forma)” (idem, p. 133). A formação, para Lajolo (2004), amplia-se do individual para o coletivo, pois a autora coloca que “a história da literatura de um povo é a história das leituras de que foram objeto os livros que integram o corpus dessa literatura” (LAJOLO, 2004, p. 107). Com base no pensamento de três estudiosos desse assunto, - Jorge Larrosa ...para que a leitura se resolva em formação é necessário que haja uma relação íntima entre o texto e a subjetividade. E se poderia pensar essa relação como uma experiência... (LARROSA, 2002, p. 136) 1 Estagiária do Projeto e aluna do Curso de Pedagogia da UNESP/Rio Claro. 2 Coordenadora do Projeto e Professora Doutora do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro.

Experiências de leitura - unesp.br · 702 experiÊncias de leitura: caminhos possÍveis do ensinar e do aprender – movimentos de escuta carolina gonÇalves1 maria augusta h. w

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702

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA: CAMINHOS POSSÍVEIS DO ENSINAR E DO APRENDER – MOVIMENTOS DE ESCUTA

Carolina GONÇALVES1 Maria Augusta H. W. RIBEIRO2

Em primeiro lugar, a oralidade é o lugar da fugacidade da palavra: a palavra que se ouve é a palavra perdida que nunca voltará, a que chegou e se foi e a que, sem se poder evitar, se perde. Ao escutar existe algo que sempre fica para trás, e é impossível ir para trás para recuperá-lo. Em segundo lugar, a oralidade é o lugar da suspensão da palavra: assim a voz constitui um discurso ou um discorrer que cessa sem que se haja chegado a algum termo, sempre na borda de algo que nunca chega, sempre na imanência de uma revelação que não se produz, sempre inconcluso, deixando sempre uma falta, um desejo. (LARROSA, 2004, p. 41).

O trecho acima citado nos remete ao espaço produzido pela escuta, um espaço

subjetivo, no qual acontece um certo movimento de criação. Voltado para este espaço e para o

movimento de criação por ele suscitado é que formulamos o Projeto Experiências de leitura:

caminhos possíveis do ensinar e do aprender, para professores do Ensino Fundamental I,

desenvolvido nos meses de março a dezembro de 2004, com apoio do Núcleo de Ensino/Rio Claro

e financiado pela PROGRAD/Fundunesp.

Várias intenções permearam a elaboração deste projeto de intervenção na realidade

das escolas, todas elas, no entanto, voltadas para a questão da leitura como Freire a viu: “um

instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, 2004, p. 21).

Compartilhando deste sentido revolucionário proposto por Freire, temos Larrosa, que discorre

sobre o ato da leitura como parte do processo formador dos sujeitos, pois “a leitura [...] tem a ver

com aquilo que nos faz ser o que somos” (LARROSA, 2002, p. 134), alertando que a pensar como

formação é pensá-la “como algo que nos forma (ou nos de-forma e nos trans-forma)” (idem, p.

133). A formação, para Lajolo (2004), amplia-se do individual para o coletivo, pois a autora coloca

que “a história da literatura de um povo é a história das leituras de que foram objeto os livros que

integram o corpus dessa literatura” (LAJOLO, 2004, p. 107).

Com base no pensamento de três estudiosos desse assunto,

- Jorge Larrosa

...para que a leitura se resolva em formação é necessário que haja uma relação íntima entre o texto e a subjetividade. E se poderia pensar essa relação como uma experiência... (LARROSA, 2002, p. 136)

1 Estagiária do Projeto e aluna do Curso de Pedagogia da UNESP/Rio Claro. 2 Coordenadora do Projeto e Professora Doutora do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro.

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- Paulo Freire

Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele (FREIRE, 2003, p. 20)

- Marisa Lajolo

Como a manhã, que no poema de João Cabral se perfazia pelo entrelaçamento do canto de muitos galos, também a leitura, principalmente a literária, parece constituir-se um tecido ao mesmo tempo individual e coletivo. Cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaçando o significado pessoal de suas leituras com os vários significados que, ao longo da história de um texto, este foi acumulando. Cada leitor tem a história de suas leituras, cada texto, a história das suas. Leitor maduro é aquele que, em contato com o texto novo, faz convergir para o significado deste o significado de todos os textos que leu. E, conhecedor das interpretações que um texto já recebeu, é livre para aceitá-las ou recusá-las, e capaz de sobrepor a elas a interpretação que nasce de seu diálogo com o texto. (LAJOLO, 2004, p. 106).

elaboramos o projeto em forma de um curso sobre leitura para professores das escolas da rede

municipal de Ensino Fundamental I (1ª a 4ª séries), com carga horária de 63 horas, com a

finalidade específica de discutirmos a leitura como formação do professor.

Historicamente, a leitura foi tomando outras proporções, principalmente com o

desenvolvimento da tecnologia, que nos impõe outros tipos de leitura, e não só a tradicional

(papel/leitor). A partir de Gutenberg, tornou-se possível

a massificação da leitura, trazendo para o horizonte dela o risco de alienação, de fracionamento e esgarçamento do significado do texto e do ato de ler. A atividade de leitura, que, em suas origens, era individual e reflexiva (em oposição ao caráter coletivo, volátil e irrecuperável da oralidade de poetas e contadores de histórias), transformou-se hoje em consumo rápido do texto, em leitura dinâmica que, para ser lucrativa, tem de envelhecer depressa, gerando constantemente a necessidade de novos textos (LAJOLO, 2004, p. 105).

O contato do leitor com os livros passa, então, a tornar-se relativamente frio,

distante; o que era instrumento principal para a aquisição de outros conhecimentos tem-se tornado

exercício remoto e até mesmo objeto estranho da realidade escolar. Objeto estranho, pois, sendo

alto o custo dos livros, não é considerado um bem para todos. Torna-se freqüente a utilização de

cópias reprográficas, dissimulando a idéia de livro, portanto, dissimulando também a idéia de leitor.

O leitor presente hoje é aquele que não lê as obras em sua totalidade; um leitor econômico que, às

portas da tecnologia e da difusão rápida da informação, não consegue estabelecer relação

nenhuma entre o que lê e sua subjetividade.

Atualmente, é dada à leitura uma conotação própria, formando-nos justamente para

a efemeridade. Na rapidez da circulação das informações, os sujeitos nem vislumbram mais a

possibilidade da existência de um ócio no qual possam contemplar os fatos ocorridos e ter uma

certa inconformidade: “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento

704

da técnica, sobrepondo-se ao homem [...]. Porque não é uma renovação autêntica que está em

jogo, e sim uma galvanização” (BENJAMIN, 1987, p. 115).

Outra intenção, decorrente da primeira, é a sensibilização dos sujeitos para atos de

leitura, resultando em posicionamentos (políticos) geradores de mudança, pois “es precisamente la

actividad creadora del hombre la que hace de él um ser que contrebuye a crear y que modifica su

presente” (VIGOTSKII, 1987, p. 9).

Concebemos, então, uma proposta de leitura em que os textos, não reproduzidos

em cópias reprográficas, se ofereciam “à nossa inquieta procura” nas páginas dos livros, numa real

possibilidade de resgate de experiências, tornando significativas essas leituras.

Despontava, assim, a importância do ato público da leitura, derrubando as paredes

do individualismo exacerbado e possibilitando trocas por meio da leitura - para que houvesse

reconhecimento e um primeiro processo de significação interna, por parte do leitor – da escuta -

para que o leitor, ao ouvir a leitura – em voz alta – de outrem, “ouvisse” aquilo que o texto dizia – e

da discussão - para que o texto inicial fosse injetado de outras leituras/escutas. Era preciso ouvir o

que os outros tinham a dizer para, então, considerar esses textos como múltiplos de sentidos,

portanto, de experiências.

Assim, a realização desse projeto atendeu à necessidade de criação de um espaço

social para compartilhar textos que enfocassem a questão da leitura, pela sua importância na

formação do professor, de diferentes formas – dadas as várias “leituras/escutas” de textos

(geradores e gerados) – possibilitando aos professores-leitores andar pelos vários caminhos “do

ensinar e do aprender” oferecidos.

Cabe aqui, também, reconhecer a importância da leitura emplazada, segundo

Larrosa (2003), aquela que, num ato público, tem a chave magna para a experiência de leitura, e

que utilizamos como metodologia, uma vez que os textos foram lidos “em público” tal como a

“lição”: “a lição é convocação em torno do texto: congregação de leitores” (LARROSA, 2003, p.

143).

Pensando na formação desses professores, na articulação universidade-escola, tão

necessária atualmente e na urgência conclamada por vários órgãos de soluções para as questões

da leitura, estabelecemos uma parceria com a Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro,

para que tivéssemos um canal de comunicação mais forte com esse público-alvo.

705

Elaboramos um folder com informações básicas para a divulgação do curso,

contendo uma pequena introdução ao tema da leitura e especificando os objetivos, o público-alvo,

o número de vagas, a carga-horária, o programa, a forma de avaliação, a ficha de inscrição, o

período e local das inscrições, a questão dos certificados, o local de realização e telefones para

contato. Além de todas essas informações pertinentes ao curso, também elaboramos uma questão

(“A leitura, para você, é...”), constante da ficha de inscrição, e que implicitamente continha uma de

nossas primeiras inquietações: qual seria, inicialmente, a visão de leitura desses professores?

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Recebemos um total de vinte inscrições. As respostas à questão constante da ficha

de inscrição apresentaram diferentes enfoques. Nós os agrupamos em quatro.

Nove pessoas tomaram a leitura como forma de conhecimento. Neste caso, a leitura

assumia conotação informativa: “a base do conhecimento, sem ela não há um aprendizado

completo”; “a chave que abre as portas do saber”; “uma possibilidade de conhecer, aprender e

aprofundar conhecimentos”; “um prazer, uma eterna busca de conhecimentos”; etc. Mas, para

Larrosa,

...não se reduz, tampouco, a um meio de se conseguir conhecimentos [...] No segundo caso, a leitura tampouco nos afeta dado que aquilo que sabemos se mantém exterior a nós. Se lemos para adquirir conhecimento, depois da leitura sabemos algo que antes não sabíamos, temos algo que antes não tínhamos, mas nós somos os mesmos que antes, nada nos modificou. E isso não tem a ver com conhecimento, senão o modo pelo qual o definimos. (LARROSA, 2002, p. 133-134).

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Paulo Freire também trata sobre esta forma de leitura:

Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a serem muito mais ‘devoradas’ do que realmente lidas ou estudadas. Verdadeiras ‘lições de leitura’ no sentido mais tradicional desta expressão, a que se achavam submetidos em nome de sua formação científica e de que deviam prestar contas através do famoso controle de leitura. Em algumas vezes cheguei mesmo a ler, em relações bibliográficas, indicações em torno de que páginas deste ou daquele capítulo de tal ou qual livro deveriam ser lidas: ‘Da página 15 à 37’”. (FREIRE, 2003, p. 17).

Duas pessoas tomaram a leitura como forma de comunicação. As respostas foram:

“um meio de comunicação onde posso obter informações e divertimento, possibilitando meu

desenvolvimento pessoal e profissional” e “uma forma de comunicação com o mundo”. Para

Lajolo, “a própria sociedade de consumo faz muitos de seus apelos através da linguagem escrita e

chega por vezes a transformar em consumo o ato de ler, os rituais da leitura e o acesso a ela”

(LAJOLO, 2004, p. 106).

Uma pessoa tomou a leitura como diálogo: “uma maneira de interagir entre o real e

o imaginário – ler é ser capaz de extrair de cada história uma lição, de cada ato um ensinamento,

de cada acontecimento um aprendizado”. Para Zumthor, a recepção decorre do ouvinte (leitor)

receber a mensagem e recriá-la de acordo com as suas expectativas. “A componente fundamental

da ‘recepção’ é assim a ação do ouvinte, recriando, de acordo com seu próprio uso e suas próprias

configurações interiores, o universo significante que lhe é transmitido” (ZUMTHOR, 1997, p. 241-

242). Ou, como para Larrosa,

...o comunicar do texto não é a elaboração do comum, mas o estabelecimento de um “entre” no que os leitores se separam e se dispersam de um modo não totalizável, numa relação pluralizadora. O comunicar do texto, seu ser-em-comum, é o espaçamento que torna possível o heterogêneo. O texto comum é o texto no qual os leitores participam, é o texto com-partilhado entre os leitores, o que os leitores com-partem, o que os parte em comum, o que não se com-parte a não ser como partição e re-partição (LARROSA, 2003, p. 144).

Oito pessoas tomaram a leitura de diferentes maneiras, sem estar nenhuma delas

relacionada a uma concepção de leitura bem definida: “fundamental”; “tudo”; “tudo!!!”; “essencial

para a qualificação profissional e um momento de lazer no dia-a-dia”; “entretenimento, prazer,

viagem, enfim voar alto sem sair do chão”; “prazerosa”; “uma porta para a vida, quem tem um livro

nunca está sozinho” e “fundamental, promove o indivíduo em todos os sentidos, oferece recursos

críticos, lúdicos, cognitivos e pessoais”.

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Esta análise inicial foi simplificada e colocada em forma de gráfico, para ser

apresentada aos professores no primeiro dia de realização do curso, na Secretaria Municipal da

Educação de Rio Claro, juntamente com a proposta, o programa, a metodologia utilizada, o

cronograma e a respectiva forma de avaliação.

Tabulamos as respostas constantes na ficha de inscrição para uma melhor

visualização e retorno aos inscritos. A tabela apresentada aos professores foi a seguinte:

Respostas obtidas pelos participantes sobre a questão da leitura constante na ficha de inscrição do curso

"Experiências de leitura: caminhos possíveis do ensinar e do aprender"

8

9

2 1 leitura sem definição

forma de conhecimento

forma de comunicação

diálogo

Fonte: Projeto Experiências de leitura: caminhos possíveis do ensinar e do aprender, elaborado por Carolina Gonçalves.

Apresentamos a proposta e o programa aos professores. Como metodologia, a

experiência de leitura como travessia (caminho), ou seja, “propor a experiência da leitura em

comum como um dos jogos possíveis do ensinar e do aprender” (LARROSA, 2003, p. 139). Para

tanto, utilizamo-nos de encontros quinzenais, com duração média de duas horas, com leitura de

diversos tipos de texto. Os comentários surgidos durante esses encontros foram anotados num

diário de campo, para posterior análise, além do recolhimento das assinaturas dos participantes

num livro-ata.

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Apresentamos a seguir o cronograma dos encontros:

DATA BLOCO TEMPO DE DURAÇÃO

ATIVIDADE

16/03 I 2 horas Apresentação da equipe, do projeto e do Programa do Curso. Leitura coletiva do texto A lição, de Jorge Larrosa (LARROSA, 2003).

30/03 I 2 horas Discussão e conclusões sobre as idéias originadas pela leitura do texto; anotações dos comentários suscitados, pelas bolsistas.

13/04 I 2 horas Discussão e conclusões sobre as idéias originadas pela leitura do texto; anotações dos comentários suscitados, pelas bolsistas. Apresentação de um projeto de leitura já realizado -Quem conta um conto... aumenta um ponto, por Jessé C. Reis (aluno do curso de Pedagogia – UNESP/Rio Claro).

27/04 I 2 horas Documentário: Ser e Ter. Gravação dos comentários suscitados, pelas bolsistas.

11/05 I 3 horas Palestra sobre o autor e o texto estudado – A leitura na proposta de Larrosa – Profª Drª Maria Rosa R. M. de Camargo; gravação em vídeo da palestra e anotação de comentários pelas bolsistas.

25/05 II 2 horas Leitura coletiva do texto A importância do ato de ler, de Paulo Freire (FREIRE, 2003).

08/06 II 2 horas Discussão e conclusões sobre as idéias originadas pela leitura do texto; anotações dos comentários suscitados, pelas bolsistas.

22/06 II 3 horas Apresentação de um projeto de leitura já realizado - Guia de Leitura de Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato -, por Augustinho Ap. Martins (ex-aluno do curso de Pedagogia – UNESP/Rio Claro) e Daniel M. D. Entorno (aluno do curso de Ecologia – UNESP/Rio Claro). Local: Anfiteatro da Biblioteca da UNESP/Bela Vista. Das 14h00 às 16h00.

06/08 II 4 horas Filme: Fahrenheit 451 – comentários do Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe. Gravação em vídeo da palestra e anotação dos comentários suscitados, pelas bolsistas. Local: Centro Cultural “Roberto Palmari” Das 14h00 às 18h00.

31/08 III 2 horas Leitura coletiva do texto Tecendo a leitura, de Marisa Lajolo (LAJOLO, 2000). 14/09 III 2 horas Discussão e conclusões sobre as idéias originadas pela leitura do texto;

anotações dos comentários suscitados, pelas bolsistas. 28/09 III 4 horas Palestra sobre o autor e o texto estudado – O leitor e o texto – Prof. José

Antonio Carlos David Chagas; gravação em vídeo da palestra e anotação dos comentários suscitados, pelas bolsistas. Local: Auditório da Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro. Das 14h00 às 16h00.

05/10 III 4 horas Palestra: A elaboração de projetos como metodologia para o trabalho intelectual. – Prof. Dr. Osvaldo Aulino da Silva; gravação em vídeo da palestra e anotação dos comentários suscitados, pelas bolsistas. Local: Auditório da Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro. Das 14h00 às 17h00.

19/10 III 3 horas PROJETOS – orientações. 26/10 2 horas Entrega dos projetos elaborados pelos professores. 30/11 4 horas Avaliação dos projetos apresentados pelas coordenadoras e bolsistas do

projeto. TOTAL

DE HORAS

43 horas, correspon-dentes às

reuniões (além das 20 horas de atividades extraclasse)

710

Como forma de avaliação, os professores elaboraram projetos de leitura com base

nos referenciais teóricos com os quais tomaram contato ao longo do curso. Ao final do curso foram

entregues certificados de participação para os alunos-professores que cumpriram as exigências

formais – elaboração dos projetos de leitura e mínimo de 75% de presença nas reuniões previstas

no cronograma.

Como a Secretaria Municipal da Educação encontrava-se em fase de mudança de

local, os quatro primeiros encontros ocorreram na sala de reuniões de seu antigo prédio3, onde as

reuniões ocorreram numa sala grande, espaçosa, com aproximadamente trinta cadeiras

universitárias, uma mesa grande de 4 x 1,5 m (acho), delimitando (ou marcando) o que seria a

“frente” da sala. Quatro janelas com visão para um jardim interno sem graça, que parecia muito

mais um depósito do que jardim, e duas janelas do lado oposto, com visão para um corredor

lateral. Os retroprojetores, caso precisássemos, ficavam em outra sala.

Seu aspecto denotava uma espécie de liberdade controlada, por localizar-se dentro

de um órgão público.

Os demais encontros ocorreram nas novas instalações do Centro Administrativo

Municipal, no novo prédio da Secretaria Municipal da Educação4.

Após esta mudança, os encontros passaram a ser realizados num auditório, com

oitenta cadeiras universitárias almofadadas, quatro janelas pequenas (funcionando como entrada

de ar, somente) e uma mesa grande, de 4 x 1,5 m. As paredes, de tijolos lixados. A sala não tinha

formato plano, em forma de escadaria larga, para caber as cadeiras, e demonstrava muita

formalidade. Em nossas reuniões, tivemos que colocar as cadeiras em círculo, de modo que todos

pudessem se entreolhar, facilitando assim o diálogo.

No início das atividades, encontravam-se inscritos vinte alunos/professores.

Seguros de si, conscientes de sua formação, mas ao mesmo tempo ansiosos e com uma

expectativa de duas faces: uns (ora) denotavam curiosidade e ânsia pela apresentação da

dinâmica do curso; outros (ora) traduziam em seus rostos uma certa resignação, quase como uma

obrigação por estar ali; porém presentes.

Com o decorrer das atividades, alguns professores deixaram o curso por motivos

diversos.

As reuniões eram sempre permeadas por algo em “comunidade”. Privilegiando os

diversos tipos de textos (teórico, filme, etc), prevalecia no começo da leitura/discussão o silêncio

3 Localizado na Avenida 25, n. 148 – Saúde – Rio Claro (SP). 4 Localizado na Rua 9, n. 1 – Alto do Santana – Rio Claro (SP).

711

não tão silencioso, em virtude dos olhares que se entrecruzavam. “Mas uma conversação que tem

também sua face silenciosa, reflexiva, solitária” (LARROSA, 2003, p. 143).

A maior parte dos comentários era sobre a fala de um dos participantes, que se

encorajava para comentar algo no texto que o despertou. Assim, os comentários (textos) surgiam

sobre um outro comentário (texto) dito anteriormente, constatando assim a presença marcante da

oralidade na formação dos professores. Sobre esta oralidade, há as palavras de Larrosa, logo no

início deste texto, colocando-a como o lugar da fugacidade e da suspensão da palavra, algo que

atinge o sujeito mas ainda lhe permanece inapropriável.

Para melhor entendimento, procuraremos aqui fazer uma descrição na medida do

possível completa de uma parte do curso – a primeira etapa. Nela, tratamos sobre posturas do

professor. Colocamos os professores em contato com um referencial teórico que propõe um novo

tipo de postura do professor frente a atividades de leitura (dentro e fora da sala de aula): o texto

Sobre a lição, de Jorge Larrosa, que propõe a experiência de leitura como um jogo.

Primeiramente, fizemos um estudo sobre a capa do livro Pedagogia profana:

danças, piruetas e mascaradas, no qual está contido o texto acima citado. Pedimos aos alunos

que descrevessem as sensações que eram despertadas ao tocarem neste livro. Vários

comentários surgiram, seguidos ainda da análise da capa. A arte da mesma não passa

desapercebida. Feita por Jairo Alvarenga Fonseca traz aos nossos sentidos a imagem de uma

tapeçaria datada de 1703 – El majo de la guitarra, Ramón Bayeu, Espanha; a imagem de um

homem tratando seu violão nos levava a pensar qual seria a relação dessa displicência – contida

na imagem – e a questão da leitura, que nos remete sempre a uma postura séria e regrada.

Remetendo-nos ao título – Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas –

perguntamos: por que a alusão a uma pedagogia profana? Se a imagem da capa nos leva a ter

uma atitude que vai de encontro à maneira que a leitura tem sido tratada na atualidade, ao título

também devemos encaixar o mesmo movimento. Uma pedagogia profana não pertence ao âmbito

do sagrado. Do que trata o sagrado hoje, no campo da educação? Trataria, talvez, do acesso ao

conhecimento historicamente acumulado pela humanidade? Essa ação, hoje, abarca somente o

aluno enquanto “cabeça”, enquanto “cérebro”; não leva em conta que o aluno vai à escola de

corpo inteiro. A dança é algo que nos põe em movimento, numa cadência própria. A pirueta é o

movimento de uma coisa em volta de si mesma, num vai-e-vem desenfreado. A mascarada,

segundo o dicionário Houaiss, era um “divertimento de origem italiana, constituído de cenas ou

números alegóricos, mitológicos ou satíricos, que incluía música polifônica e dança e era

representado por personagens mascarados” (HOUAISS, 2001, p. 1862). Outro significado: “festa

712

em que se usa máscara; comédia musical”. A mascarada também nos remete a movimento: o da

apropriação do texto.

Essas três palavras que compõem a complementação do título nos remetem a

movimento; logo, percebemos que no campo da leitura, iniciando nosso estudo, não importa o

texto, mas o movimento que ele instaura, desperta...

Dispomo-nos a entrar no movimento do texto Sobre a Lição, condição que Larrosa

propõe para uma real leitura, imbricando-nos a ele. Essa é uma demonstração de amizade do

leitor para com o texto escrito.

Larrosa ainda toca em dois outros pontos-chave para que a experiência da leitura

proponha-se como jogo.

O segundo ponto é o da liberdade. Para que a experiência da leitura resulte em

formação é necessário que o leitor também fale junto com o texto, pois “somente a ruptura do já

dito e do dizer como está mandado faz com que a linguagem fale, deixa-nos falar, deixa-nos

pronunciar nossa própria palavra” (p. 145).

O terceiro ponto trata da experiência, ou melhor, da experiência como mudança. E a

experiência da leitura, por sua vez, é facilitada por aquilo que “o texto leva a pensar” (p. 142).

Sobre esses três pontos repousa o ato público da leitura. Porque é só pelo ato

público dela é que há a possibilidade de diálogo entre as pessoas. O ato público da leitura não se

resume apenas a ato, mas abre possibilidades para uma postura política da leitura. Postura que,

por sua vez, abre caminhos para as várias “escutas” resultantes da leitura comum:

Para fora porque o professor pronuncia para si mesmo e para os demais isso que diz o texto. Para dentro porque o professor diz o texto com sua própria voz, com sua própria língua, com suas próprias palavras, e esse redobrar-se do texto faz com que as palavras que o compõem soem para ele, lhe pareçam ou lhe digam de um modo singular e próprio. Para os ouvintes, porque o professor diz o texto no interior de algo que é comum, daquilo que poderíamos chamar de seu “sentido comum”, aquilo que os ouvintes sentem em comum quando prestam atenção à mesma coisa e que nada mais é senão a experiência da pluralidade e do infinito do sentido (LARROSA, 2003, p. 141).

Nesse sentido, a voz emitida vem enquanto movimento, trazendo a atualização do

texto pela voz do leitor. É também um dos elementos preponderantes para que ocorra a leitura na

sala de aula, tratada como lição, porque a disposição de entrar no texto é acordada pela

socialização do ato da leitura. Essas três escutas soam como o que é, para Zumthor, o ouvinte, o

intérprete e o texto:

As peripécias do drama a três que se encena assim entre o intérprete, o ouvinte e o texto, podem influir de várias maneiras nas relações mútuas dos dois últimos, adaptando-se ao texto, em alguma medida, à qualidade do ouvinte (ZUMTHOR, 1997, p. 245).

713

A questão da escuta, colocada por esses dois autores, implica em um ato de ler, do

qual é decorrente o de ouvir, de ouvir-se e de fazer-se ouvido, tal como o professor:

O professor lê escutando o texto como algo em comum, comunicado e compartilhado. E lê também escutando a si mesmo e aos outros. O professor lê escutando o texto, escutando-se a si mesmo enquanto lê, e escutando o silêncio daqueles com os quais se encontra lendo. A qualidade da sua leitura dependerá da qualidade dessas três escutas. Porque o professor empresta sua voz ao texto, e essa voz que ele empresta é também sua própria voz, e essa voz, agora definitivamente dupla, ressoa como uma voz comum nos silêncios que a devolvem ao mesmo tempo comunicada, multiplicada e transformada (LARROSA, 2003, p. 141).

Os espaços em branco entre a leitura e a escuta são múltiplos de sentidos: neles se

pode falar, dialogar “com o texto, ou contra o texto ou a partir do texto (idem, p. 142).

A comunidade em torno do texto acima proposta, como uma plaza, traz a idéia de

conversação, pois é na unidade (reunião) das diferenças (pessoas) que se ressoam a

multiplicidade (diálogo) do único (texto).

Após a leitura do texto em comum, para que os professores elaborassem os seus

projetos de leitura ao final do curso, previmos no cronograma a apresentação de alguns projetos já

finalizados e/ou em andamento. O projeto referente a este bloco é Quem conta um conto...

aumenta um ponto5, desenvolvido no Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro desde

1999, que tem como objetivo levar a diferentes públicos a proposta da leitura compartilhada de

diversos textos, criando um espaço social, no qual possivelmente ocorrem experiências de leitura.

Em seguida, houve uma palestra sobre o autor e o texto estudado – A leitura na

proposta de Larrosa6.

A última atividade deste bloco foi assistir ao documentário Ser e ter7, de Nicholas

Philibert. O filme discorre sobre a relação professor-aluno e algumas tensões vividas nessa

relação.

Na seqüência, com o Bloco II, o foco foi o ato de ler. Inicialmente, lemos o texto A

importância do ato de ler, de Paulo Freire. Este texto, de importância já amplamente conhecida,

começa com uma explanação do que seria a leitura de mundo do próprio professor Freire, em sua

infância. Discorre sobre a sua “descoberta do mundo” pela palavra, atentando para vários

aspectos: a politização do ato de ler; a importância do contexto (quando criança, da linguagem dos

mais velhos); a relação medo/conhecimento; a compreensão errônea do ato de ler, como se a

quantidade de textos lidos correspondesse à qualidade dessas leituras. Nesses sentidos, a leitura

5 Exposto por Jessé C. Reis, aluno do Curso de Pedagogia da UNESP/Rio Claro. 6 Proferida pela Profª Drª Maria Rosa R. M. de Camargo, docente do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro. 7 Em cartaz, na época, no Espaço Unibanco Arteplex, em São Paulo – SP.

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da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-

lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo por meio de nossa prática consciente.

A próxima atividade foi a apresentação do Projeto Guia de Leitura de Reinações de

Narizinho de Monteiro Lobato8, um guia de leitura em forma de CD-Rom que privilegia uma

articulação entre obras universais citadas na referente obra de Lobato, criando, dessa maneira,

uma rede de intertextos.

Este bloco foi finalizado com o filme Fahrenheit 4519, escrito por Ray Bradbury e

dirigido por François Truffaut, que expõe a falta de liberdade do leitor na escolha dos seus

próprios livros. Lembra muito a Inquisição, pelo fato dos livros serem queimados em praça pública.

O último bloco, III, teve como eixo principal a tessitura da leitura. Para tanto, lemos

o texto Tecendo a leitura, de Marisa Lajolo.

Partindo da imagem de artesanato que a leitura exige, para Lajolo, entrelaçá-las

como fios transformando-as em tecidos constitui-se numa “matriz metafórica da leitura”. Cita a

massificação da leitura, a partir da invenção da imprensa de Gutenberg, possível e necessária.

Neste sentido, a prática individual de leitura foi ficando cada vez mais rara. Não se pensa mais no

que se lê. Com isso, tornou-se necessário o trabalho de profissionais para não se correr o risco de

alienação. É aí que se situa o trabalho dos professores. A leitura literária é muito importante para o

trabalho com esses professores para se desprender da alienação, pois a “liberdade e o prazer são

virtualmente ilimitados” (p. 105).

O leitor maduro, para a autora, é aquele que conecta os textos que leu à sua vida e

a partir daí, é livre para aceitá-los ou recusá-los. Torna-se leitor à medida em que “vive” a história

de suas leituras.

O diagnóstico inicial do desinteresse pela leitura, em parte devido à inexistência

destas pelas pessoas é errôneo; a leitura, a partir disso, torna-se hábito, passível de rotina e

mecanização. E tanto o diagnóstico quanto a terapia constituem-se em controle social por meio da

formação do professor.

A leitura precisa ocorrer num espaço de liberdade. Escola e professor são, talvez,

os únicos pontos de ruptura dessa alienação. É preciso fazer frente ao paternalismo dos órgãos

governamentais e empresariais em suas campanhas de provimento de livros em bibliotecas,

escolares ou não, que ocorrem esporadicamente.

8 Apresentado por Augustinho Ap. Martins, ex-aluno do Curso de Pedagogia e por Daniel M. D. Entorno, aluno do Curso de Ecologia, ambos da UNESP/Rio Claro. 9 Com comentários do Prof. Dr. Jorge L. Mialhe, docente do Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro.

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Após a atividade de leitura, houve uma palestra sobre a autora e o texto estudado,

O leitor e o texto10. Em seguida, houve outra palestra – A elaboração de projetos como

metodologia para o trabalho intelectual11 – na qual os professores receberam orientações mais

técnicas para a elaboração de seus projetos de leitura. A elaboração desses projetos foi

supervisionada pela equipe responsável do curso. Os professores tiveram vinte horas como

atividades extra-classe para essa construção. Entregues, eles foram avaliados segundo o aporte

teórico utilizado no curso e a coerência das idéias.

Tomamos os projetos de leitura elaborados pelas professoras como reveladores do

processo de escuta, movimentado nas reuniões com o grupo.

O Projeto O despertar para a leitura é um projeto simples, coeso, abrangendo todas

as propostas de leitura discutidas durante o curso. Centra-se na leitura do livro de Ruth Rocha, O

menino que aprendeu a ver (1998). Propõe uma atividade de leitura com alunos, compartilhada, a

qual se desdobra em outras, tendo como objetivo geral a “formação de leitores para o mundo”. A

metodologia apresentada propõe ações de leitura, além do texto convencional. Embora

aparentemente o projeto contemple os teóricos estudados na elaboração das atividades

percebemos que a professora retoma às antigas práticas de leitura. Como exemplo, temos a

indicação da leitura compartilhada, que foi feita em todas as sessões de leitura do curso. No

entanto, ao colocá-la como uma das atividades de seu projeto, ela assim se expressa: “fazer a

leitura compartilhada levantando questões de interpretação e entendimento”. No curso nós não

dirigíamos as questões, elas brotavam de cada participante, indicando os diferentes diálogos

produzidos em cada um. Na proposta da professora esse diálogo é conduzido, não se pondo “à

escuta” da voz dos alunos. Esta postura inviabiliza a própria proposta feita inicialmente por ela.

O Projeto Poesia, um convite à leitura com... Cecília Meireles é extenso, com muitas

informações sobre esta poetisa, mas não contém explícito o aporte teórico e a metodologia

proposta não está ligada ao objetivo, que é o de “criar oportunidades para que o educando se

torne um leitor competente da linguagem poética”. Em seu todo, traz uma proposta de leitura, mas

que não contempla os temas abordados nas reuniões com o grupo. Este projeto, possivelmente, já

se encontrava pronto e foi adequado ao curso. O fato de os teóricos estudados não estarem

contemplados indica a separação entre o que foi escutado e a elaboração do projeto. Esta é uma

postura comum nos professores que não permitem que a leitura seja vista como um instrumento

de “ação contra-hegemônica”.

10 Proferida pelo Prof. Antonio C. D. Chagas, Coordenador Pedagógico do Ensino Médio da Escola Puríssimo Coração de Maria, em Rio Claro – SP. 11 Proferida pelo Prof. Dr. Osvaldo Aulino da Silva, na época, Secretário Geral da UNESP.

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Dois outros projetos, um simplesmente denominado “de leitura” e outro, Diálogo

com a palavra escrita não apresentaram nenhuma relação com a proposta do curso, indicando que

as autoras não expressaram na elaboração dos mesmos o aporte teórico estudado.

Embora tivéssemos pedido que os projetos fossem individuais, duas alunas o

fizeram em dupla: Poesia... um dos caminhos possíveis do ensinar e do aprender. O projeto

enfoca, como o título diz, a leitura de poesias. Na metodologia, por exemplo, encontramos: “o

objetivo é sugerir que as atividades de leitura propostas aos alunos devam levá-los a observação

mais de perto de procedimentos relevantes para o significado geral do texto, não apenas no que

diz e sim no modo como diz o que diz...” Essa fala nos informa que as autoras não foram capazes

de interiorizar as idéias propostas por Freire, Larrosa e Lajolo.

Esse descompasso entre o discurso e a prática é constante nos projetos

educacionais, nos quais a teoria encanta, mas a prática nem sempre.

Por último, um projeto que atendeu as nossas expectativas: Leitores em formação,

no qual a primeira ação proposta é a aquisição de livros (Reinações de Narizinho, de Monteiro

Lobato) para os alunos da classe. Esta relação aluno/livro precisa ser recuperada para que os

pequenos leitores valorizem este suporte. As relações estabelecidas entre a proposta da autora e

os aportes teóricos indicam, para nós, a qualidade da sua escuta: tomou o lugar de ouvinte

(porque levou em conta todas as discussões) e tomou o lugar de intérprete (porque foi capaz de

criar, na escrita, um novo texto). São exemplos dessa escuta dois trechos que selecionamos de

seu projeto. O primeiro diz respeito ao enfoque dado ao ato de ler: “Em outros momentos os

alunos farão a leitura ou a motivação inicial, oferecendo assim autonomia de escolha aos mesmos,

pois os textos desse livro são variados, existem contos, fábulas, mitologia. É preciso somente

despertar, mostrar o caminho, segundo Larrosa... o começo da lição é abrir o livro, num abrir

que é ao mesmo tempo, um convocar. E o que se pede aos que, no abrir-se o livro, são

chamados à leitura não é senão a disposição de entrar no que foi aberto. Os leitores, agora

dispostos à leitura, acolhem o livro na medida em que esperam e ficam atentos... (2003, p.

139)” (grifo nosso).

O segundo revela uma leitura crítica da forma como a escola trata a leitura: “É

comum vermos nos planejamentos anuais das escolas de ensino fundamental objetivos destinados

à leitura; porém a metodologia para o desenvolvimento desses objetivos quase sempre não passa

da leitura de textos de livros didáticos ou até mesmo preparados pelos professores para uma

posterior cobrança. Não se valoriza a leitura pelo prazer, pelo simples contato com o livro e as

reflexões que se estabelecem a partir da leitura. Partindo dessa concepção de Larrosa, este

projeto pretende avançar para além desse paradigma” (grifo nosso).

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Em um momento em que há um interesse, até governamental, voltado para as

questões da leitura, este interesse não parece mover tanto as pessoas, pois no início do curso

contávamos com vinte professores e até com outras pessoas interessadas em freqüentá-lo. No

entanto, ao final do curso, contamos apenas com sete professoras. Das sete, como podemos ver

na análise feita, apenas uma conseguiu estabelecer uma co-relação entre a teoria e a prática,

entre o que foi lido e as possibilidades de atuação. Esses resultados nos levam a cogitar se as

bandeiras desfraldadas em prol da leitura são realmente para torná-la crítica ou apenas uma nova

forma de alienação?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LARROSA, J. Aprender de ouvido. In: Linguagem e educação depois de Babel (trad. FARINA, C.). Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 33-46.

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