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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 9 Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, Doutor Miguel Reale, datada de 16 de Janeiro de 1975

Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 9

Ao Excelentíssimo  SenhorDoutor ARMANDO FALCÃODD. Ministro de Estado da Justiça

Brasília

Senhor MinistroNa qualidade de Supervisor da �Co-

missão Revisora  e Elaboradora do Códi-go Civil�,  cabe-me  a honra  de  submeterà  consideração  de  Vossa  Excelência  oAnteprojeto  de  Código  Civil,  elaboradocom  inestimável colaboração dos Profes-sores  JOSÉ CARLOS MOREIRA  ALVES(Parte Geral),  AGOSTINHO DE ARRUDAALVIM  (Direito  das Obrigações),  SYLVIOMARCONDES  (Atividade  Negocial),EBERT VIANNA CHAMOUN  (Direito  dasCoisas), CLÓVIS DO COUTO E SILVA (Di-reito  de  Família)  e  TORQUATO CASTRO(Direito  das  Sucessões).

Não  obstante  já  conhecidas  as  di-retrizes  fundamentais  do  Anteprojeto,através  das  Exposições  de  Motivosredigidas pelo signatário e demais mem-bros da Comissão, não será demais, comoremate  final  dos  trabalhos  iniciados  háquase seis anos, a 23 de maio de 1969,recapitular  os  seus  pontos  essenciais,com  os  aditamentos  indispensáveis  aopleno  esclarecimento  da matéria.

Ao fazê-lo, Senhor Ministro, posso afir-mar que, pela forma como se desenvolveramos estudos, com base em reiteradas pesqui-sas próprias, mas também graças às precio-sas sugestões e críticas que nos chegaramde todos os quadrantes do País, a obra oraapresentada  transcende a pessoa de seusautores, o que me permite apreciá-la com aindispensável objetividade.

Preferimos,  os  integrantes  da  Co-missão, agir em sintonia com a comuni-dade  brasileira,  corrigindo  e  completan-do  os  Anteprojetos  anteriores,  publica-

dos no Diário Oficial da União, respecti-vamente, de 7 de agosto de 1972 e 18 dejunho de 1974, por uma razão essencialde  probidade  científica,  a  qual  se  iden-tifica  com  o  natural  propósito  de  bemservir ao povo.

NECESSIDADE DA ATUALIZAÇÃO DOCÓDIGO CIVIL

1.  Não  é  de  hoje  que  vem  sendo  recla-mada  a  reforma  da  Lei  Civil  em  vigor,como decorrência  das  profundas  altera-ções  havidas  no  plano  dos  fatos  e  dasidéias,  tanto  em  razão  do  progressotecnológico como em virtude da nova di-mensão  adquirida  pelos  valores  da  soli-dariedade  social.

A exigência de atualização dos precei-tos  legais  foi notada, preliminarmente, nocampo das  relações de natureza negocial,como o demonstra a elaboração de um pro-jeto autônomo de  �Código de Obrigações�,há mais de trinta anos, da autoria dos emi-nentes jurisconsultos HAHNEMANN GUIMA-RÃES,  PHILADELPHO  AZEVEDO  eOROSIMBO NONATO. Essa  iniciativa nãovingou, entre outros motivos, por  ter-se re-conhecido que se  impunha a revisão globalde nossa  legislação civil, visto não ser me-nos sentida a sua  inadequação no que serefere às demais partes das  relações soci-ais por ela disciplinadas.

É a  razão pela qual  o problema  foiretomado,  em  1963,  tendo  sido,  então,preferida  a  elaboração  de  dois Códigos,um Código Civil � destinado a reger tão-somente  as  relações  de  propriedade,  fa-mília e sucessões � e um Código de Obri-gações,  para  integrar  em unidade  siste-mática  assim  as  relações  civis  como  asmercantis.

Não  obstante  os  altos méritos  dosjuristas que foram incumbidos dessa ta-

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Comissão Revisora e Elaboradora do Código

Civil, Doutor Miguel Reale, datada de

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refa, não  logrou boa acolhida a  idéia dedois  códigos  distintos, merecendo,  toda-via,  aplausos  o  propósito  de  unificaçãodo Direito das Obrigações, que, como serálogo mais salientado, constitui verdadei-ra  vocação  da  experiência  jurídica  bra-sileira.

Abandonada a linha da reforma quevinha  sendo  seguida,  não  foi  posta  delado, mas  antes  passou  a  ser  insisten-temente  pedida  a  atualização  do CódigoCivil  vigente,  tais  e  tantos  são os preju-ízos  causados  ao  País  por  um  sistemalegal  não mais  adequado  a  uma  socie-dade que já superou a fase de estruturaprevalecentemente  agrária  para  assumiras formas e os processos próprios do de-senvolvimento científico e  industrial quecaracteriza  o  nosso  tempo.

Não  vai  nessa  afirmação  qualquerdesdouro para a obra gigantesca de CLÓ-VIS BEVILÁQUA,  cuja  capacidade de  le-gislador  não  será  nunca  por  demaisenaltecida. Ocorre,  todavia, que o Códigode  1916  foi  concebido  e  aperfeiçoado  apartir de 1899, coincidindo a sua  feituracom os últimos  reflexos de um ciclo his-tórico marcado, no plano político e jurídi-co,  por  acendrado  individualismo.2.  As  dificuldades  e  os  riscos  inerentesao  projeto  de um Código  sentiu-os  pro-fundamente  o  preclaro  CLÓVISBEVILÁQUA,  ao  assumir  sobre  os  om-bros  a  responsabilidade  de  seu monu-mental  trabalho,  que  ele  prudentemen-te  situou  �no  ponto  de  confluência  dasduas forças de cujo equilíbrio depende asolidez  das  construções  sociais:  a  con-servação  e  a  inovação,  as  tradições  na-cionais  e  as  teorias  das  escolas,  o  ele-mento  estável  que  já  se  adaptou  ao  ca-ráter e ao modo de sentir de nosso povo,a maneira pela qual ele estabelece e pro-cura resolver os agros problemas da vidae  o  elemento  progressivo  insuflado  peladoutrina  científica�.  E  ainda  advertia  oMestre:  �Mas, por  isso mesmo que o Di-reito  evolui,  o  legislador  tem necessida-de  de  harmonizar  os  dois  princípios  di-vergentes  (o  que  se  amarra  ao  passadoe  o  que  propende  para  o  futuro),  para

acomodar a lei e as novas formas de re-lações  e  para  assumir  discretamente  aatitude de  educador de  sua nação,  gui-ando cautelosamente a  evolução que seacusa no horizonte�.

Outra  não  pode  ser  a  atitude  docodificador,  dada  a  natureza  essencial-mente  ambivalente  de  sua missão,  queconsiste  em  afundar  raízes  no  passadopara melhor se alçar na visão do porvir.

Não  é menos  verdade,  porém,  queo nosso  tempo  se mostra mais  propícioa vislumbrar as linhas do futuro do queo  de  CLÓVIS,  quando  ainda  o  planetanão fora sacudido pela tormenta de duasguerras  universais  e  pelo  impacto  dosconflitos  ideológicos. Muito  embora  se-jamos partícipes  de uma  �sociedade  emmudança�,  já  fizemos, no Brasil,  a nos-sa opção pelo sistema e o estilo de vidamais  condizentes  com  as  nossas  aspi-rações  e  os  valores  de  nossa  formaçãohistórica.  Se  reconhecemos  os  impera-tivos  de  uma Democracia  Social,  repu-diamos  todas  as  formas  de  coletivismoou  estatalismo  absorventes  e  totalitári-os. Essa firme diretriz não só nos ofere-ce condições adequadas à colocação dosproblemas  básicos  de  nossa  vida  civil,como  nos  impõe  o  dever  de  assegurar,nesse  sentido,  a  linha  de  nosso  desen-volvimento.3. Superado de vez o individualismo, quecondicionara  as  fontes  inspiradoras  doCódigo  vigente,  reconhecendo-se  cadavez mais  que  o Direito  é  social  em  suaorigem e em seu destino, impondo a cor-relação  concreta  e  dinâmica  dos  valo-res  coletivos  com  os  individuais,  paraque  a  pessoa  humana  seja  preservadasem  privilégios  e  exclusivismos,  numaordem  global  de  comum  participação,não pode ser julgada temerária, mas an-tes  urgente  e  indispensável,  a  renova-ção  dos  códigos  atuais,  como uma  dasmais  nobres  e  corajosas metas  de  go-verno.

Por outro lado, os que têm se ma-nifestado  sobre  a  chamada  �crise  daJustiça� reconhecem que uma das cau-sas desta advém do obsoletismo de mui-

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tas  normas  legais  vigentes,  quer  pelainadequação  de  seu  conteúdo  à  reali-dade  social  contemporânea,  quer  pelovincado  sentido  formalista  que  as  ins-pira, multiplicando  as  áreas  e  os moti-vos  dos  conflitos  de  interesse.

Acresce  que,  tendo  sido  antecipa-da a promulgação do novo Código de Pro-cesso Civil, mais ainda se impõe a pron-ta  reforma  da  lei  substantiva,  tal  acomplementariedade  que  liga  um  pro-cesso normativo ao outro.

Nem se diga que nossa época é pou-co propícia  à  obra  codificadora,  tantas  etamanhas são as  forças que atuam nestemundo em contínua  transformação, pois,a  prevalecer  tal  entendimento,  só  resta-ria ao jurista o papel melancólico de acom-panhar passivamente  o processo históri-co,  limitando-se  a  interferir,  intermiten-temente,  com  leis  esparsas e  extravagan-tes.  Ao  contrário  do  que  se  assoalha,  acodificação, como uma das expressões má-ximas da cultura de um povo, não consti-tui  balanço  ou  arremate  de  batalhasvencidas, mas pode e deve ser instrumen-to de afirmação de valores nas épocas decrise. Mesmo porque,  tal  como a históriano-lo  comprova, há  codificações,  como ade Justiniano,  elaboradas no  crepúsculode uma civilização,  enquanto que outras,como  o  Código  Civil  de  Napoleão,correspondem ao momento ascencional deum ciclo de cultura.

O que importa é ter olhos atentos aofuturo,  sem o  temor  do  futuro  breve  oulongo que possa  ter a obra realizada. Có-digos  definitivos  e  intocáveis não  os há,nem haveria  vantagem em  tê-los,  pois  asua imobilidade significaria a perda do quehá de mais  profundo no  ser  do homem,que  é  o  seu  desejo  perene  deperfectibilidade. Um Código não é, em ver-dade, algo de estático ou cristalizado, des-tinado  a  embaraçar  caminhos,  a  travariniciativas,  a  provocar paradas  ou  retro-cessos: põe-se antes como sistema de so-luções  normativas  e  de  modelosinformadores de experiência vivida de umaNação,  a  fim de  que  ela,  graças  à  visãoatualizada do  conjunto, possa  com segu-rança prosseguir  em sua caminhada.

DIRETRIZES FUNDAMENTAIS

4.  Penso,  Senhor  Ministro,  ter  sidoacertado  o  processo  de  estudo  e  pes-quisa  firmado  em  nossas  reuniões  ini-ciais, no sentido de se proceder à revi-são  por  etapas,  a  primeira  das  quaisconsistiu  na  feitura  de  projetos  parci-ais, acordados os princípios fundamen-tais  a  que  deveria  obedecer  o  futuroCódigo,  a  saber:

a)  Compreensão  do  Código  Civilcomo lei básica, mas não global, do DireitoPrivado, conservando-se em seu âmbito,por  conseguinte,  o  Direito  das Obriga-ções,  sem distinção  entre  obrigações  ci-vis  e mercantis,  consoante  diretriz  jáconsagrada,  nesse  ponto,  desde  o Ante-projeto do Código de Obrigações de 1941,e  reiterada no  Projeto  de  1965.

b)  Considerar  elemento  integrantedo próprio Código Civil a parte legislativaconcernente  às  atividades  negociais  ouempresárias  em  geral,  como  desdobra-mento  natural  do  Direito  das  Obriga-ções,  salvo  as matérias  que  reclamamdisciplina  especial  autônoma,  tais  comoas de  falência,  letra de câmbio, e outrasque  a  pesquisa  doutrinária  ou  os  impe-rativos da política legislativa assim o exi-jam.

c) Manter,  não  obstante  as  altera-ções  essenciais  supra-indicadas,  a  es-trutura do Código ora em vigor, por con-siderar-se  inconveniente,  consoante  opi-nião  dominante  dos  juristas  pátrios,  asupressão da Parte Geral,  tanto do pon-to de vista dos valores dogmáticos, quan-to  das  necessidades  práticas,  sem  pre-juízo, é claro, da atualização de seus dis-positivos,  para  ajustá-los  aos  imperati-vos de nossa época, bem como às novasexigências  da Ciência  Jurídica.

d) Redistribuir a matéria do CódigoCivil  vigente,  de  conformidade  com  osensinamentos  que  atualmente  presidema  sistemática  civil.

e)  Preservar,  sempre  que  possível,a  redação da atual  Lei Civil,  por  se nãojustificar a mudança de seu texto, a nãoser  como  decorrência  de  alterações  defundo,  ou  em  virtude  das  variações  se-

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mânticas  ocorridas no  decorrer  de maisde meio  século  de  vigência.

f) Atualizar,  todavia, o Código vigen-te, não  só para  superar  os pressupostosindividualistas  que  condicionaram a  suaelaboração, mas  também para dotá-lo deinstitutos novos,  reclamados  pela  socie-dade  atual,  nos domínios das  atividadesempresárias e nos demais setores da vidaprivada.

g) Aproveitar, na  revisão do Códigode 1916, como era de se esperar de tra-balho  científico  ditado  pelos  ditames  dointeresse  público,  as  valiosas  contribui-ções  anteriores  em matéria  legislativa,tais  como  os Anteprojetos  de Código  deObrigações, de 1941 e de 1965, este  re-visto  pela  douta  Comissão  constituídapelos  ilustres  juristas  OROSIMBONONATO,  Presidente,  CAIO MÁRIO DASILVA  PEREIRA,  Relator-Geral,  SYLVIOMARCONDES,  ORLANDO  GOMES,THEOPHILO DE  AZEVEDO  SANTOS  eNEHEMIAS GUEIROS; e o Anteprojeto deCódigo Civil, de 1963, de autoria do Prof.ORLANDO GOMES.

h) Dispensar  igual  atenção  aos  es-tudos e críticas que tais proposições sus-citaram,  a  fim  de  ter-se  um  quadro,  omais  completo  possível,  das  idéias  do-minantes no País,  sobre o assunto.

i) Não dar guarida no Código senãoaos  institutos  e  soluções  normativas  jádotados de  certa  sedimentação  e  estabi-lidade, deixando para a  legislação aditiva

a disciplina de  questões  ainda  objeto  defortes  dúvidas  e  contrastes,  em  virtudede mutações sociais em curso, ou na de-pendência de mais claras colocações dou-trinárias, ou ainda quando  fossem previ-síveis  alterações  sucessivas  para  adap-tações  da  lei  à  experiência  social  e  eco-nômica.

j) Eliminar do Código Civil quaisquerregras  de  ordem  processual,  a  não  serquando intimamente ligadas ao direito ma-terial, de  tal modo que a supressão delaslhe pudesse mutilar  o  significado.

l)  Incluir na sistemática do Código,com as  revisões  indispensáveis,  a maté-ria  contida  em  leis  especiais  promulga-das após 1916.

m)  Acolher  os  modelos  jurídicosvalidamente elaborados pela  jurisprudênciaconstrutiva de nossos tribunais, mas fixar nor-mas para superar certas situações conflitivas,que de longa data comprometem a unidade ea coerência de nossa vida jurídica.

n) Dispensar as  formalidades exces-sivamente  onerosas,  como,  por  exemplo,a notificação judicial, onde e quando pos-sível obter-se o mesmo resultado com eco-nomia natural de meios,  ou dispensar-sea escritura pública, se bastante documen-to particular devidamente  registrado.

o)  Consultar  entidades  públicas  eprivadas,  representativas  dos  diversoscírculos  de  atividades  e  interesses,  ob-jeto  da  disciplina  normativa,  a  fim  deque o Anteprojeto, além de se apoiar nosentendimentos  legislativos,  doutrinári-os  e  jurisprudenciais,  tanto  nacionaiscomo  alienígenas,  refletisse  os  anseioslegítimos  da  experiência  social  brasilei-ra,  em  função  de nossas  peculiares  cir-cunstâncias.

p) Dar ao Anteprojeto antes um sen-tido  operacional  do  que  conceitual,  pro-curando configurar os modelos  jurídicosà  luz do princípio da  realizabilidade,  emfunção  das  forças  sociais  operantes  noPaís,  para  atuarem  como  instrumentosde  paz  social  e  de  desenvolvimento.

ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

5. Posso afirmar, com tranqüilidade, quea  elaboração  do  Anteprojeto  de  CódigoCivil  obedeceu  a  um processo  até  certoponto  inédito, marcado  pela  aderênciaaos  problemas  concretos  da  sociedadebrasileira,  segundo  um  planopreestabelecido  de  sucessivos  pronun-ciamentos por parte das pessoas e cate-gorias  sociais  a  que  a nova  lei  se  desti-na.  Essa  linha metodológica  tornou-semais  nítida  à medida  que  vieram  sendodesenvolvidos  os  trabalhos,  o  que  con-firma, no  campo das  ciências humanas,o  acerto  epistemológico  de  que,  na  pes-quisa científica, é o contato direto e efe-tivo  com  a  realidade  que  gera  as  técni-cas e os métodos mais adequados à suacompreensão.

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Não é demais recordar que, após as-sentes  as  diretrizes  fundamentais  su-pra  lembradas,  e  os  necessários  encon-tros preliminares, cada um dos membrosda  Comissão  projetou  a  parte  que  lhehavia  sido  atribuída.  Na  qualidade  deSupervisor coube-me, depois, integrar emunidade  sistemática  os  trabalhos  rece-bidos.

Não  podia,  penso  eu,  ser  de  outraforma.  Já  vai  longe  o  tempo das  legisla-ções confiadas a Solon ou Licurgo solitári-os, tão diversos e complexos são os proble-mas de nosso tempo. Se se quer um Códi-go Civil que seja expressão dos valores dacomunidade, mister  é  o  concurso  de  re-presentantes dos distintos �campos de  in-teresse�,  num  intercâmbio  fecundo  deidéias.  Para  tanto,  todavia,  requer-se  es-pírito  científico, despido de preconceitos evaidades,  pronto  a  reconhecer  falhas  eequívocos,  mas  sempre  atento  paradiscernir o que representa apenas preten-sões conflitantes com as necessidades co-letivas.6.  Foi  com base nos  anteprojetos  parci-ais  e  nas  sugestões  recebidas  de  outrasfontes  que  elaborei  a primeira ordenação

sistemática da matéria,  de  conformidadecom o texto do Anteprojeto que apresen-tei  ao  então Ministro  da  Justiça,  Prof.ALFREDO BUZAID,  a 9 de novembro de1970. No  ofício,  com  o  qual  encaminheiesse  trabalho,  constam  as modificaçõesou  acréscimos  que  entendi  necessáriosintroduzir  nos  anteprojetos  iniciais,  so-licitando  que  o  resultado  de meus  estu-dos  fosse  objeto  da  apreciação  dos  de-mais membros da Comissão.

Essa unificação,  inclusive no  tocan-te à linguagem, tinha, é claro, valor provi-sório,  tendo por escopo  fornecer a primei-ra e indispensável visão de conjunto, o queimportou  a  eliminação  de  normasporventura  conflitantes, bem como a  ela-boração de outras destinadas a assegurarao  Código  o  sentido  de  �socialidade�  e�concreção�,  os dois princípios que  funda-

mentalmente informam e legitimam a obraprogramada. Não se  compreende, nem seadmite,  em nossos  dias,  legislação  que,em virtude da  insuperável natureza  abs-

trata das regras de direito, não abra pru-dente  campo à ação construtiva da  juris-prudência,  ou  deixe  de  prever,  em  suaaplicação, valores éticos, como os de boa-fé  e  eqüidade.

Saliento que, já a essa altura, alémdos  subsídios  tradicionais  oriundos  decorporações  jurídicas,  vinha  somar-seum  fator  relevante,  representado  pelasmanifestações  de múltiplas  entidadesempresárias,  públicas  e  privadas,  bemcomo  de  integrantes  de  todos  os  círcu-los sociais, o que passou a dar ao Proje-to um sentido diverso, que, para empre-garmos  expressões  correntes  ajustadasao caso, traduziu �verdadeiro diálogo comas  forças  vivas  da nacionalidade�.7. Enviado o primeiro texto global do An-teprojeto  aos meus  ilustres  colaborado-res,  procederam  eles  à  sua  revisão  semficarem  adstritos  às  partes  que  inicial-mente  lhes haviam  sido  confiadas.  Pon-to alto desse  trabalho de  crítica objetivadeu-se na reunião de Campos do Jordão,em  fins  de  dezembro  de  1970,  quandoforam examinados, um a um, os artigosdo  primeiro  Anteprojeto,  ao  qual  foramoferecidas múltiplas emendas de conteú-do e de redação. A proposição foi, porém,aceita  em  sua  estrutura  sistemática,  eno que se refere às principais alteraçõespor mim  sugeridas.

Após  esse  encontro,  pode-se  dizerque o trabalho se concentrou no reexamemeticuloso das emendas oferecidas e dassugestões  recebidas,  de  cuja  análise  re-sultou  o  texto  do Anteprojeto  publicadopela  Imprensa Nacional  em 1972. Não  édemais  acrescentar  que  esse  estudo  im-plicou alterações  em um ou  outro pontodo  sistema,  consoante  será  salientado  aseguir.

Cabe repetir que, no trabalho inici-al,  valemo-nos  todos  não  só  dos  Ante-projetos  anteriores,  como  já  foi  lembra-do, mas também do material recebido doMinistério  da  Justiça,  contendo  suges-tões  provenientes  de  entidades  oficiaise  particulares,  de  professores  e  advoga-dos,  sem  se  olvidar  o  pronunciamentodo  homem  comum,  interessado  na  ela-boração  de  uma  LEI  que,  acima  de  to-

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das,  lhe  diz  respeito.  Frizo  a  importân-cia  dessas  contribuições  anônimas,  quetrouxeram à Comissão material do maisalto  significado  para  juristas  empenha-dos  na mais  delicada  das  tarefas,  qualseja  a  de  encontrar modelos  adequadosà multifária  e  surpreendente  condiçãohumana.

Ficava,  desse modo,  firmada  estadiretriz que  foi das mais  fecundas: a dealiar  os  ensinamentos  da  doutrina  e  dajurisprudência  ao  �direito  vivido�  pelasdiversas  categorias  profissionais.

Não se cuidou, por conseguinte, decompor um Código  tão-somente  à  vistade  outros  códigos,  num  florilégionormativo  resultante  de  preferênciaspessoais, mas  sim  de  apurar  e  aferir  alinha  legal mais  conveniente  e  própria,em  função  dos  fatores  operantes na  re-alidade  nacional.8. Obediente a essa diretriz metodológicaessencial,  a Comissão propôs  ao Gover-no da República que se editasse o Ante-projeto,  tal  como  se  deu  em  agosto  de1972,  isto  é,  três  anos  e meio  após  oinício  de nossos  trabalhos.

Tão grande foi o  interesse por essapublicação que,  esgotada a  edição  ofici-al,  surpreendeu-nos  a  cooperaçãoexpontânea de uma  empresa  privada,  a�Saraiva  Livreiros  Editores�,  que  possi-bilitou  fosse  o  texto  amplamente  divul-gado em todo o País.

  A  esta  altura, merece  especial  re-ferência, Senhor Ministro,  como sinal deatenção dispensada  a nosso  trabalho,  aadmirável  iniciativa  do Senado Federal,através de  sua Subsecretaria de EdiçõesTécnicas, publicando o  texto do Antepro-jeto de 1972,  em precioso  cotejo  com asdisposições  correspondentes  do CódigoCivil em vigor e dos Anteprojetos anterio-res,  com oportunas  remissões a Códigosalienígenas. Essa publicação, na qual  fi-guram as Exposições de Motivos  iniciaisdos membros  da  Comissão  Revisora  eElaboradora do Código Civil, além de ou-tros seus estudos complementares,  cons-tituirá  inestimável  subsídio  para nossosparlamentares quando lhes couber o exa-me da matéria.

Era  natural  que  o  Anteprojeto  de1972  suscitasse  inúmeras  sugestões  ecríticas,  as  quais  abrangeram  todos  osseus  livros,  sem  que  houvesse,  todavia,objeção  de  maior  monta  quanto  àestruturação  dada  à matéria, merece-dora  que  foi,  ao  contrário,  de  geraisaplausos.9. Não cabe, nos  limites desta exposição,referir, uma a uma, as numerosas emen-das  recebidas,  objeto  da mais  cuidadosaanálise,  nem  falar  nas modificações  eacréscimos  que  constituíram,  por  assimdizer, o resultado de �autocrítica� por par-te  da  própria  Comissão,  representandotalvez  cerca de metade das modificaçõesintroduzidas no  texto.

Por outro lado, inclusive por motivosde  ordem  sistemática, mais  perceptíveispor  quem  se  acha  empenhado  nareelaboração global do ordenamento, asemendas, mesmo quando  válidas  quantoao conteúdo, tiveram que passar pelo cri-vo da natural adaptação. Outras vezes, acrítica  ao  texto  era procedente, mas  ina-ceitável a proposta substitutiva, o que le-vou  a Comissão  a  oferecer  outras  solu-ções,  superando  ou  corrigindo  sua posi-ção  inicial.

Sobretudo no que se refere à redação,adotou-se o critério de rever o texto toda vezque das manifestações recebidas se pudes-se  inferir a existência de  lacuna ou obscuri-dade.

Lembro  tais  fatos  para  demostrarcom  que  isenção  procuramos  proceder,dando  ao  primeiro  Anteprojeto  o  �valorde  uma hipótese  de  trabalho�,  para  se-guirmos  a  sábia  lição  metodológicatraçada por CLAUDE BERNARD.

Para  confirmar  ainda mais  o  ca-ráter  �experiencial�  da  obra  legislativaem  curso,  foi  o  texto,  devidamente  re-visto,  republicado  em  junho  de  1974,para  nova  manifestação  dos  círculosculturais do País, o que promoveu o apa-recimento  de  livros,  artigos  em  revis-tas  especializadas  e  jornais,  bem  comoa realização, em todo País, de ciclos deconferências  e  seminários,  dos  quaisparticiparam,  com  entusiasmo,  osmembros  da  Comissão.  Nem  faltaram

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lisonjeiros  pronunciamentos  no  exte-rior, não só quanto à estrutura do Pro-jeto  como  no  concernente  a  várias  desuas  inovações.

Novas sugestões  e  emendas; novotrabalho  de  paciente  reexame,  elabo-radas  que  foram  cerca  de  300  emen-das,  de  fundo  ou  de  forma,  com  asquais a Comissão dá por concluída suatarefa, com a apresentação a Vossa Ex-celência  do  Anteprojeto  de  Código  Ci-vil  anexo,  o  qual,  repito,  transcende  apessoa  de  seus  autores,  tão  significa-tiva  foi  a  colaboração  dos meios  soci-ais,  científicos  e  econômicos,  que  noshonraram  com  as  suas  ponderações  ecríticas  construtivas.

Se o Direito é, antes de tudo, fru-to  da  experiência,  bem  se  pode  afir-mar que o nosso  trabalho  traz a mar-ca  dessa  orientação metodológica  es-sencial.

ESTRUTURA E ESPÍRITO DOANTEPROJETO

10.  As  considerações  expendidas  jáelucidam,  de  certo modo,  quais  as  li-nhas dominantes da codificação propos-ta, mas  a matéria,  por  sua  relevância,reclama  esclarecimentos  complementa-res.

Em  primeiro  lugar,  cabe  observarque,  ao  contrário  do  que  poderia  pare-cer, não nos  subordinamos a  teses  abs-tratas, visando a elaborar, sob a denomi-nação  de  �Código Civil�,  um  �Código  deDireito Privado�, o qual, se possível  fora,seria  de discutível  utilidade  ou  conveni-ência.

Na  realidade,  o  que  se  realizou,no âmbito do Código Civil, foi a unidadedo  Direito  das  Obrigações,  de  confor-midade com a linha de pensamento pre-valecente  na  Ciência  Jurídica  pátria,desde TEIXEIRA DE FREITAS e INGLEZDE SOUSA até os  já  referidos Antepro-jetos de Código das Obrigações de 1941e 1964.

Essa unificação seria imperfeita ouclaudicante  se  não  a  integrassem  pre-ceitos  que  disciplinam,  de maneira  ge-

ral,  os  títulos  de  crédito  e  as  atividadesnegociais.

Note-se que me refiro aos  títulos decrédito em geral, pois no Anteprojeto nãofiguram senão as  regras básicas  comunsa  todas as categorias de  títulos de crédi-to, como tipos formais que são do Direitoobrigacional. Os  títulos  cambiais  consti-tuem  espécie  desse  gênero,  e,  quer  porsuas  implicações  de  caráter  internacio-nal,  como  o  atesta  a  Lei  comum de Ge-nebra,  quer  pela  especificidade  e  varia-bilidade  de  seus  dispositivos, melhor  éque  sejam  disciplinados  por  lei  aditiva.Lembro  tal  fato  como  exemplo  de  orien-tação por nós  seguida,  acorde  com umadas  diretrizes  fundamentais  supra  dis-criminadas.

Pela mesma  razão,  embora  de  iní-cio  prevalecesse  opinião  diversa,  foitransferido  para  a  legislação  especial  oproblema das  sociedades  anônimas,  as-sim como já quedara fora do Código todamatéria  de  natureza  falimentar.

Não há, pois, que  falar  em unifica-ção do Direito Privado a não ser em suasmatrizes,  isto  é,  com  referência  aos  ins-titutos básicos, pois nada impede que dotronco  comum se  alonguem  e  se  desdo-brem,  sem  se  desprenderem,  ramosnormativos  específicos,  que,  com  aque-las matrizes, continuam a compor o sis-tema  científico  do  Direito  Civil  ou  Co-mercial.  Como  foi  dito  com  relação  aoCódigo Civil  italiano  de  1942,  a unifica-ção  do Direito Civil  e  do Direito Comer-cial,  no  campo  das  obrigações,  é  de  al-cance  legislativo, e não doutrinário, semafetar a autonomia daquelas disciplinas.No caso do Anteprojeto ora apresentado,tal  autonomia  ainda mais  se  preserva,pela  adoção  da  �técnica  da  legislaçãoaditiva�,  onde  e  quando  julgada  conve-niente.

Não  é  demais  advertir,  consoanteacentua  SYLVIO MARCONDES,  na  Ex-posição de Motivos que acompanha o An-teprojeto  de  1974,  a  unidade  do Direitoobrigacional  já  é uma  realidade no Bra-sil,  no  plano  prático,  pois  o Código Co-mercial  de  1850  preceitua,  em  seu  art.121,  que,  salvo  as  restrições  esta-

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16 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

belecidas, �as regras e disposições do Di-reito Civil para os contratos em geral sãoaplicáveis aos contratos mercantis�. Como advento do Código Civil de 1916, dava-se  prosseguimento  à  mesma  linhaunificadora,  pela  aplicação  de  seus  pre-ceitos  às  atividades  negociais,  sempreque  não  houvesse  normas  de  naturezaespecífica.11.  Restrito  o  plano  unificador  à maté-ria  obrigacional  e  seus  corolários  imedi-atos, não havia que cuidar, como não secuidou, de normas gerais sobre a vigên-cia  das  leis  e  sua  eficácia  no  espaço  eno tempo, tanto no Direito Interno comono  Direito  Internacional,  matéria  estaobjeto da chamada Lei de  Introdução aoCódigo  Civil,  mas  que,  consoanteensinamento  inesquecível  de  TEIXEIRADE FREITAS, melhor corresponde a umaLei Geral, na qual se contenham os dis-positivos  do Direito  Internacional  Priva-do,  o  que  tudo  demonstra  que  não  nostentou  veleidade  de  traçar  um  �Códigode Direito  Privado�.12.  Pois  bem,  se  o Anteprojeto  coincide,em parte,  com os modelos  suíço  e  italia-no no que tange à unificação das obriga-ções, a sua ordenação da matéria obede-ce à orientação própria inconfundível, vin-culada  às mais  gloriosas  tradições  denosso Direito.

Deve-se,  com  efeito,  recordar  que,mais de quatro décadas antes do CódigoCivil  alemão  de  1900,  o mais  genial  denossos  jurisconsultos,  TEIXEIRA  DEFREITAS,  já  firmara a tese de uma ParteGeral  como  elemento básico da  sistemá-tica  do Direito  privado. Obedece  a  essecritério  a Consolidação das Leis Civis,  deautoria  daquele  ínclito  jurista,  consoan-te  texto  aprovado pelo Governo  Imperialde  1858. Não  abandonam  essa  orienta-ção  as  edições  seguintes  da Consolida-ção,  as  de  1865  e  1875,  figurando,  comroupagens científico-doutrinárias do maisalto alcance, no malogrado Esboço de Có-digo Civil, ponto culminante na DogmáticaJurídica  nacional.

Se  lembrarmos  que  os  Anteproje-tos  de Código Civil  dos  eminentes  juris-tas  FELICIO DOS  SANTOS,  de  1881,  e

COELHO RODRIGUES, de 1893, conser-vam  a  Parte Geral  no  plano  ordenadorda matéria;  e  se,  sobretudo,  tivermospresente que a Parte Geral compõe e go-verna  o  sistema do Código Civil  vigente,graças à lúcida colocação dos problemasfeita por CLÓVIS BEVILÁQUA,  facilmen-te se compreende por qual motivo a idéiade abandonar tão conspícuo valor de nos-sa  tradição  jurídica  não  favorecia  a  re-forma programada em 1963/64.

Ora, basta a existência de uma Par-te Geral  para  desfazer  a  increpação  deque  teríamos  seguido  o modelo  italianode  1942,  o  qual  a  não  possui.  Além domais,  no Código Civil  peninsular  figuratoda a disciplina do Direito do Trabalho,que não integra o nosso Anteprojeto, portratar-se  prevalecentemente  de matériade Direito  público,  equacionável  segun-do  outros  ditames  e  parâmetros.

Pode dizer-se,  por  conseguinte,  quea  estrutura  do  Anteprojeto  correspondea um plano original, como desdobramen-to de uma diretriz que caracteriza e eno-brece  a  experiência  jurídica pátria,  tantono  que  se  refere  à  Parte Geral,  seguidade  cinco  livros  especiais,  como  noconcernente  ao  tratamento unitário  dosinstitutos mais  consolidados  do Direitodas Obrigações.13. Não procede  a  alegação de  que umaParte Geral,  como a do Código Civil  ale-mão, ou do nosso, de 1916, não representamais  que uma experiência  acadêmica dedistínguos  conceituais,  como  fruto  tardioda pandectística do século passado. Quan-do a Parte Geral,  além de  fixar as  linhasordenadoras do sistema,  firma os princípi-os  ético-jurídicos  essenciais,  ela  se  tornainstrumento  indispensável  e  sobremanei-ra  fecundo na  tela da hermenêutica  e daaplicação do Direito. Essa  função positivaainda mais se confirma quando a orienta-ção  legislativa  obedece  a  imperativos  desocialidade e concreção,  tal como se dá nopresente Anteprojeto.

Não é sem motivos que reitero es-ses  dois  princípios,  essencialmentecomplementares, pois o grande risco detão  reclamada  socialização do Direito

consiste  na  perda  dos  valores  particu-

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 17

lares  dos  indivíduos  e  dos  grupos;  e  orisco  não menor  da  concretude jurídica

reside  na  abstração  e  olvido  de  carac-terísticas transpessoais ou comuns aosatos humanos, sendo indispensável, aocontrário, que o individual ou o concreto

se  balance  e  se  dinamize  com  o serial

ou o coletivo, numa unidade superior desentido  ético.

Tal  compreensão  dinâmica  do  quedeva  ser um Código  implica uma atitudede natureza  operacional,  sem quebra dorigor  conceitual, no sentido de se preferirsempre  configurar  os modelos  jurídicoscom amplitude de  repertório,  de modo apossibilitar a sua adaptação às esperadasmudanças sociais, graças ao trabalho cri-ador  da Hermenêutica,  que nenhum  ju-rista bem  informado há de considerar  ta-refa passiva e subordinada. Daí o cuidadoem salvaguardar, nas distintas partes doCódigo,  o  sentido  plástico  e  operacionaldas normas, conforme inicialmente assen-te como pressuposto metodológico comum,fazendo-se,  para  tal  fim,  as modificaçõese  acréscimos que  o  confronto dos  textosrevela.

O que se tem em vista é, em suma,uma estrutura normativa  concreta,  istoé,  destituída  de  qualquer  apego  a me-ros valores formais e abstratos. Esse ob-jetivo de concretude impõe soluções quedeixam margem  ao  juiz  e  à  doutrina,com  freqüente  apelo  a  conceitosintegradores  da  compreensão  ética,  talcomo  os  de  boa-fé,  eqüidade,  probida-de,  finalidade  social  do  direito,  equiva-lência  de  prestações  etc.,  o  que  talveznão  seja  do  agrado  dos  partidários  deuma  concepção  mecânica  ounaturalística  do Direito, mas  este  é  in-compatível  com  leis  rígidas  de  tipo  físi-co-matemático.  A  �exigência  deconcreção�  surge  exatamente  da  con-tingência  insuperável  de  permanenteadequação  dos modelos  jurídicos  aosfatos  sociais  �in  fieri�.

A estrutura do Código � e já se per-cebeu  que  quando  emprego  o  termo  es-trutura  não  me  refiro  ao  arcabouçoextrínseco de suas normas, mas às nor-mas mesmas  na  sua  íntima  e  comple-

mentar  unidade,  ou  à  sua  forma  subs-tancial  e  global  �  essa  estrutura  é,  porconseguinte,  baseada  no  propósito  queanima a Ciência do Direito,  tal  como  seconfigura  em nossos  dias,  isto  é,  comociência  de  experiência  social  concreta.

 O PROBLEMA DA LINGUAGEM

14. O  problema  da  linguagem do  Ante-projeto  preocupou,  desde  o  início,  osmembros  da  Comissão,  lembrados  deque, quando da elaboração do Código de1916, tais questões prevaleceram, comocom sutil ironia foi sublinhado por CLÓ-VIS, numa preferência pela  forma, � emdetrimento  da matéria  jurídica�.

Embora  seja belo  ideal  a  ser  atingi-do � o da composição dos valores  formaiscom os da técnica  jurídica �, nem sempreserá  possível  atendê-lo,  não  se  podendodeixar de dar preferência, vez por outra, àlinguagem do  jurista,  sempre  vinculada aexigências  inamovíveis  de  certeza  e  se-gurança.

Essa dificuldade  cresce de ponto  sese  lembrar  que  o  Anteprojeto  conserva,imutáveis, centenas de dispositivos do Có-digo Civil  de 1916,  onde  o  gênio de RUIBARBOSA  esculpiu  as  configuraçõesnormativas  segundo  impecável  estruturaidiomática. Coube-nos a  tarefa  ingrata denão destoar desse contexto, mas sem cer-tos preciosismos  inadmissíveis  em nossotempo.

O  problema  da  linguagem  éinseparável  do  conteúdo  essencial  da-quilo  que  se  quer  comunicar,  quandonão se visa apenas a informar, mas tam-bém  a  fornecer modelos  e  diretivas  deação. A linguagem de um Código não sedirige  a  meros  espectadores,  mas  sedestina  antes  aos  protagonistas  prová-veis da conduta regulada. Como o com-portamento  deles  implicará  sançõespremiais  ou  punitivas, mister  é  que  abeleza formal dos preceitos não compro-meta  a  clareza  e  precisão  daquilo  quese  enuncia  e  se  exige.

Com  essa  compreensão  da  lingua-gem  jurídica  �  e,  consoante  a  atualEpistemologia,  toda  ciência  é,  no  fun-

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18 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

do,  a  sua  própria  e  irrenunciável  lin-guagem �, ver-se-á que, apesar de nos-so  propósito  de  elaborar  uma  legisla-ção  dotada  de  efet ivo  valoroperacional,  não  descuidamos  da  for-ma.  Procuramos,  em  última  análise,preservar a beleza formal do Código de1916,  modelo  insuperável  davernaculidade,  reconhecendo  que umalei bela já é meio caminho andado paraa  comunicação  da  Justiça.15. Intimamente ligado ao problema dalinguagem é o da manutenção, no An-teprojeto,  como  já  foi  salientado,  decentenas de artigos do Código Civil vi-gente.

Ao  contrário  do  que  poderia  pare-cer,  a  um  juízo  superficial,  o Código  de1916, não obstante ter mais de meio sé-culo  de  vigência,  conserva  intactas,  nofundo  e  na  forma,  soluções  dotadas  devitalidade  atual,  que  seria  erro  substi-tuir,  só  para  atender  ao  desejo  de  umaredação  �modernizada�.

A modernidade de um preceito nãodepende  tão-somente  da  linguagem  em-pregada, a não ser quando ocorreram mu-tações  semânticas,  alterando  a  acepçãooriginal.  Em  casos  que  tais  impunha-sea atualização do texto, e ela foi feita comcritério  e  prudência.  Fazer  alteraçãonuma regra jurídica, por longo tempo tra-balhada  pela  doutrina  e  pela  jurispru-dência, só se justifica quando postos emevidência  os  seus  equívocos  e  deficiên-cias,  inclusive de ordem verbal, ou então,quando não mais compatíveis com as ne-cessidades  sociais  presentes.  De  outraforma,  a  alteração  gratuita  das  palavraspoderia induzir, erroneamente, o intérpre-te a buscar um sentido novo que não es-tava nos propósitos do legislador.

Quanto  às  remissões  de  uns  arti-gos  a  outros  do Anteprojeto,  preferiu-sefazê-lo tão-somente quando a compreen-são do dispositivo o impunha, e não ape-nas  em  virtude  da  correlação  da maté-ria.  O  problema  das  remissões  é maisdenso  de  conseqüências  do  que  à  pri-meira  vista  parece,  inclusive  quando  setem  por  fim  determinar  o  sentido  ple-no dos dispositivos, correlacionando-os

logicamente com os de conotação com-plementar. Se o  significado de um dis-positivo  legal depende da  totalidade doordenamento,  essa  exigênciahermenêutica  cresce  de  ponto,  parti-cularizando-se, quando o próprio  legis-lador  se  refere  a  outros  preceitos  paraa  integração normativa. É a  razão pelaqual  o  legislador  deve  vincular,  com  adevida  parcimônia,  um  artigo  a  outro,deixando  essa  tarefa  à  dinâmica  cria-dora da doutrina, à  luz dos  fatos e va-lores  emergentes.

Cumpre, por  fim,  ressaltar que, nãoobstante  seus méritos  expressionais,  jus-tamente  louvados por  sua correção  e be-leza de linguagem, não é menos certo, to-davia,  que  o Código  atual  carece,  às  ve-zes,  de  rigor  técnico-conceitual,  sobretu-do se examinado à  luz das mais  recentesconquistas da Teoria Geral do Direito.

Forçoso  foi,  por  conseguinte,  in-troduzir  na  sistemática  do  Código  al-gumas  distinções  básicas,  como,  porexemplo,  entre  validade  e  eficácia  dosatos jurídicos; resolução e rescisão doscontratos;  ou  entre  ratificação  e  con-firmação,  e  outros mais,  que  não  sãode mero  alcance  doutrinário,  e muitomenos  acadêmico,  por  envolverem  an-tes  conseqüências  práticas,  sobretudopara mais  segura  interpretação  e  apli-cação  dos  preceitos.

Ao  terminar  estas  referências  aoproblema da linguagem, quero deixar as-sinalada  a  valiosa  colaboração  do  Prof.JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, ao re-alizarmos  a  revisão  final  dos  textos,  vi-sando  à  unidade  expressional  compatí-vel  com  a  diversidade  das  questõesabrangidas pelo Código.

PARTE GERAL

16. Sendo esta Exposição de Motivos decaráter  complementar,  à  vista  das  queconstam  dos  Anteprojetos  de  1972  e1974,  às  quais  peço  vênia  para me  re-portar,  vou  limitar-me  a  fixar  os  pontoscapitais  que  distinguem  a  Parte  Geraldo  Anteprojeto,  em  confronto  com  a  le-gislação  vigente.

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Mais do que em qualquer outra par-te  do Código,  vale,  nesta,  a  verdade  deque,  em matéria  de Direito Civil,  as  re-formas mais aparatosas nem sempre sãoas de mais  ricas  conseqüências. É  lícitodizer-se,  parafraseando  antiga  parêmia,que  uma  pequena  alteração  normativa�maximas  inducit  consequentias  juris�.Basta, com efeito, a dispensa de uma sim-ples  formalidade  para  favorecer  o  cursodos negócios e  contribuir ao desafogo doforo; a simples conversão de um ato jurí-dico  nulo  em anulável  é  suficiente  paraalterar-se todo o sentido do ordenamento.

Por  outro  lado,  atendendo  aos  jáapontados  imperativos  técnicos  da  lin-guagem do Direito,  é  sobretudo na  Par-te Geral  que,  além de  serem  fixados  osângulos e parâmetros do sistema, se ele-gem  os  termos  adequados  às  distintasconfigurações  jurídicas,  o  que  implicourigorosa  atualização  do  Código  atual,onde  não  raro  se  empregam,indiscriminadamente,  palavras  que  de-vem  ter  sentido  técnico unívoco.

Tal orientação importou, desde logo,uma tomada de posição que se reflete nocorpo todo do Projeto, quanto à delicada,mas não despicienda, necessidade de dis-tinguir-se entre validade e eficácia dos atosjurídicos em geral,  e dos negócios  jurídi-cos em particular. Na terminologia do An-teprojeto, por validade se entende o com-plexo de requisitos ou valores formais quedetermina a  vigência de um ato,  por  re-presentar  o  seu  elemento  constitutivo,dada a sua conformação com uma normajurídica  em vigor,  seja  ela  imperativa  oudispositiva. Já a eficácia dos atos se refe-re à produção dos efeitos, que podem exis-tir ou não, sem prejuízo da validade, sen-do  certo  que a  incapacidade de produzirefeitos  pode  ser  coeva  da  ocorrência  doato ou da estipulação do negócio, ou so-brevir em virtude de fatos e valores emer-gentes.

Quem analisar com cuidado a ParteGeral poderá notar o zelo e rigor com quese procurou determinar  a matéria  relati-va à validade e eficácia dos atos e negóci-os  jurídicos, assim como a pertinente aosvalores da pessoa e dos bens.

17.  Relembradas  essas  diretrizes  de  or-dem geral, será bastante focalizar algunspontos mais  relevantes da  reforma, abs-tração  feita  de  aperfeiçoamentos  outrosde ordem técnica ou dogmática,  já apre-ciados  por MOREIRA ALVES  em  exposi-ções  anteriores.

a)  Substancial  foi  a  alteração  ope-rada no  concernente  ao  tormentoso pro-

blema da capacidade  da pessoa  física  ounatural,  tão  conhecidos  são  os  contras-tes  da  doutrina  e  da  jurisprudência  nabusca de  critérios  distintivos  válidos  en-tre incapacidade absoluta e relativa. Apóssucessivas  revisões  chegou-se,  afinal,  auma posição fundada nos subsídios maisrecentes  da  Psiquiatria  e  da  Psicologia,distinguindo-se entre �enfermidade ou re-tardamento mental�  e  �fraqueza da men-te�,  determinando  aquela  a  incapacida-de absoluta,  e  esta  a  relativa.

b) Ainda no concernente ao mesmotema,  reconhece-se  a  incapacidade  ab-soluta  dos  que,  ainda  por  causa  transi-tória, não possam exprimir sua vontade,ao mesmo  tempo  em  que  se  declaramrelativamente  capazes,  não  apenas  ossurdos mudos, mas  todos  �os  excepcio-nais  sem  desenvolvimento mental  com-pleto�.

c) Todo um capítulo novo foi dedicadoaos Direitos da personalidade, visando à suasalvaguarda,  sob múltiplos aspectos, des-de a proteção dispensada ao nome e à ima-gem até o direito de  se dispor do própriocorpo para  fins  científicos ou altruísticos.Tratando-se de matéria de per  si  comple-xa  e  de  significação  ética  essencial,  foipreferido  o  enunciado de poucas normasdotadas de rigor e clareza, cujos objetivospermitirão  os naturais  desenvolvimentosda doutrina  e  jurisprudência.

d)  Como  continuidade  lógica  dasquestões  atinentes  à  pessoa,  cuidou-sede  regrar,  na  Parte  Geral,  a ausência,adotando-se  critérios mais  condizentescom as facilidades de comunicação e  in-formação próprias de nosso tempo.

e) Tratamento novo  foi dado ao  temapessoas jurídicas, um dos pontos em que oCódigo Civil atual se revela  lacunoso e va-cilante.  Fundamental,  por  sua  repercus-

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são  em  todo  sistema,  é uma precisa dis-tinção  entre  as pessoas  jurídicas de  finsnão econômicos  (associações e  fundações)e as de escopo econômico  (sociedade sim-ples  e  sociedade  empresária),  aplicando-se a estas, no que couber, as disposiçõesconcernentes às associações. Revisto  tam-bém foi todo capítulo relativo às fundações,restringindo-se sua destinação a  fins  reli-giosos, morais,  culturais,  ou de assistên-cia.

f) Daí  as  regras  disciplinadoras  davida  associativa  em  geral,  com disposi-ções  especiais  sobre  as  causas  e  a  for-ma de exclusão de associados, bem comoquanto à repressão do uso indevido da per-

sonalidade jurídica, quando esta for des-viada de  seus  objetivos  socioeconômicospara  a  prática  de  atos  ilícitos,  ouabusivos.

g) Foram  reformulados  os dispositi-vos  concernentes às pessoas jurídicas de

Direito Público  interno,  inclusive  paraatender  à  situação  dos  Territórios,  aosquais  se não pode  recusar  aquela  quali-dade,  quando  a  possuem os municípiosque  os  integram. Os Territórios não  sãounidades político-administrativas dotadasde  autonomia, mas  devem  ser  conside-rados pessoas  jurídicas de Direito Públi-co, dada a  extensão que  tal  conceito ad-quiriu no mundo  contemporâneo,  com oaparecimento  de  entidades  outras  comoas  autarquias,  fundações  de Direito  Pú-blico  etc.

h) Mais  precisa  discriminação  dosbens públicos,  cuja  impres-criptibilidadefoi mantida,  inclusive  quanto  aos  domi-nicais, mas  com significativa  ressalva dodisposto  em  leis  especiais,  destinadas  asalvaguardar  os  interesses  da  Fazenda,mas  sem prejuízo de determinadas  situ-ações privadas merecedoras de  amparo.

i) Atualização das normas  referen-tes  aos  fatos  jurídicos,  dando-se  prefe-rência  à  disciplina  dos negócios jurídi-

cos, com mais rigorosa determinação desua  constituição,  de  seus  defeitos  e  desua  invalidade,  fixadas, desse modo, asbases sobre que se assenta  toda a par-te  relativa  ao  Direito  das  Obrigações.Nesse,  como  em  outros  pontos,  procu-

ra-se  obedecer  a  uma  clara  distinçãoentre  validade  e  eficácia  dos  atos  jurí-dicos,  evitando-se  os  equívocos  em quese enreda a Dogmática Jurídica que pre-sidiu à  feitura do Código de 1916.

j)  As  disposições  relativas à lesão

enorme,  para  considerar-se  anulável  onegócio  jurídico  pelo  qual  uma  pessoa,sob  premente  necessidade,  ou  porinexperiência, se obriga a prestação ma-nifestamente desproporcional ao valor daprestação  oposta.

l)  Correlação mais  harmônica  en-tre a disciplina dos atos  ilícitos e a par-te  do Direito  das Obrigações  pertinenteà  �responsabilidade  civil�.

m) Maior  distinção,  sem  perda  dosentido de sua complementariedade, en-tre  as  normas  pertinentes  à  representa-

ção  e  ao mandato,  as  deste  transferidaspara o Livro do Direito da Obrigações.

n)  Foi  atualizada,  de maneira  ge-ral,  a  terminologia  do Código  vigente,  acomeçar  pelo  superamento  da  obsoletasinonímia  entre  �juridicidade�  e�licitude�,  por  ser  pacífico,  na  atual  Te-oria Geral do Direito, sobretudo a partirde  HANS  KELSEN,  a  tese  de  que  nãopodem deixar de  ser  considerados  �jurí-dicos�  os  atos  que,  embora  ilícitos,  pro-duzem  efeitos  jurídicos.  (Cfr.  as  consi-derações  expendidas,  sobre  esse  e  ou-tros  problemas  técnico-dogmáticos  nasExposições  de  Motivos  de  MOREIRAALVES  e  do  signatário,  publicadas  como Anteprojeto de 1974).

o) Relevante alteração se  fez no to-cante ao instituto da simulação, que passaa  acarretar  a  nulidade  do  negócio  jurí-dico  simulado,  subsistindo  o  dissimula-do, se válido for na substância e na for-ma.

p)  Atendendo  a  justas  pondera-ções,  foi  suprida  relevante  lacunaquanto  à  falta  de  determinaçãonormativa  da  �escritura pública�,  atéagora regida por usos e costumes, queremontam  às  Ordenações  do  Reino,completados  por  disposições  regula-mentares.  No  Projeto  foramcompendiados  os  requisitos  essenci-ais desse  instrumento, a que os Códi-

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gos e as leis se referem, sem que hou-vessem  sido  claramente  fixadas  assuas  exigências  formais,  como  meiofundamental  de  prova.18.  Menção  à  parte  merece  o  trata-mento  dado  aos  problemas  da prescri-

ção e decadência, que, anos a fio, a dou-trina  e  a  jurisprudência  tentaram  emvão distinguir,  sendo  adotadas,  às  ve-zes,  num  mesmo  Tribunal,   tesesconflitantes,  com  grave  dano  para  aJustiça  e  assombro  das  partes.

Prescrição  e  decadência  não  seextremam segundo rigorosos critérios ló-gico-formais,  dependendo  sua distinção,não  raro,  de motivos  de  conveniência  eutilidade  social,  reconhecidos  pela  Polí-tica  legislativa.

Para por cobro a uma situação deve-ras desconcertante, optou a Comissão poruma fórmula que espanca quaisquer dúvi-das. Prazos de prescrição, no sistema do Pro-jeto, passam a ser, apenas e exclusivamen-te, os taxativamente discriminados na ParteGeral, Título IV, Capítulo I, sendo de deca-

dência  todos os demais, estabelecidos, emcada  caso,  isto  é,  como  complemento decada artigo que  rege a matéria,  tanto naParte Geral como na Especial.19. Ainda a propósito da prescrição, háum problema terminológico digno de es-pecial  ressalte.  Trata-se  de  saber  seprescreve  a ação  ou  a  pretensão.  Apósamadurecidos estudos, preferiu-se a se-gunda  solução,  por  ser  considerada  amais  condizente  com  o Direito  Proces-sual  contemporâneo,  que  de  há muitosuperou a  teoria da ação  como  simplesprojeção  de  direitos  subjetivos.

É  claro  que  nas  questõesterminológicas pode haver  certa margemde escolha opcional, mas o  indispensável,num  sistema  de  leis,  é  que,  eleita  umavia, se mantenha fidelidade ao sentido téc-nico e unívoco atribuído às palavras, o quese procurou satisfazer nas demais secçõesdo Anteprojeto.20. Finalmente, não posso deixar sem repa-ro a manutenção no Código Civil dos disposi-tivos referentes às pessoas e bens públicos.

Não  há  razão  para  considerarincabível  a  disciplina  dessa matéria  no

âmbito da Lei Civil. Não se trata de ape-go a uma concepção privatista do Direi-to  Administrativo,  que  está  bem  longedas  conhecidas  posições  do  autor  destaExposição, mas  reflete,  antes  de maisnada, a compreensão da Filosofia e Teo-ria Geral  do Direito  contemporâneo,  asquais mantêm  a  distinção  entre  direitoPúblico  e  Privado  como  duas  perspecti-vas  ordenadoras  da  experiência  jurídi-ca, considerando-os distintos, mas subs-tancialmente  complementares  e  atémesmo  dinamicamente  reversíveis,  enão  duas  categorias  absolutas  e  estan-ques. Abstração feita, porém, desse pres-suposto de ordem teórica, há que consi-derar  outras  razões não menos  relevan-tes, que me limito a sumariar. A perma-nência  dessa matéria  no  Código  Civil,além de  obedecer  à  linha  tradicional  denosso Direito,  explica-se:

1) Por ser grande número dos prin-cípios  e  normas  fixados  na  Parte Geralde  larga  aplicação  nos  domínios  do Di-reito Público,  em geral,  e Administrativo,em particular,  como  o  reconhece,  entretantos outros, o mestre GUIDO ZANOBINI,um dos mais ardorosos defensores da au-tonomia dogmática de sua disciplina (Cfr.�Novissimo Digesto  Italiano�,  vol. V,  pag.788).

2)  Por melhor  se  determinarem  osconceitos de personalidade  e bens públi-cos  e  privados,  quando  postos  em  con-fronto uns com os outros, dada a sua na-tural  polaridade.

3)  Por  inexistir  um Código  de Di-reito  Administrativo,  ainda  de  incertaelaboração,  sendo  o  Código  Civil,sabidamente,  a  lei  comum,  que  fixa  oslineamentos  lógico-normativos  da  expe-riência  jurídica.

4)  Por  resultarem da disciplina  fei-ta  várias  conseqüências  relevantes  nasistemática  do  Código,  a  começar  pelaatribuição  ao  Território,  erigido  à  digni-dade  de  pessoa  jurídica,  de  uma  sériede  direitos  antes  conferidos  à União.

5)  Por  serem  aplicáveis  as  normasdo Código Civil às entidades constituídaspelo Poder Público em função ou para osfins  de  seus  serviços,  sempre  que  a  lei

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que  as  instituir  não  lhes  der  ordenaçãoespecial,  o  que  se harmoniza  com o  quedetermina  o  art.  170,  §  2o  da Constitui-ção de 1969, segundo o qual �na explora-ção,  pelo Estado,  da  atividade  econômi-ca,  as  empresas  públicas  e  as  socieda-des de  economia mista  reger-se-ão pelasnormas aplicáveis às empresas privadas�.

PARTE ESPECIALLIVRO I

DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

21. Mantida,  em  linhas  gerais,  a  siste-matização da matéria proposta pelo ilus-tre  Professor AGOSTINHO ALVIM,  e  porele  tão minuciosa  e  objetivamente  fun-damentada,  apresenta  a  redação  finaldo  Projeto  algumas modificações,  resul-tantes da orientação seguida nas demaispartes do sistema, bem como para acen-tuar a atendimento às  já apontadas exi-gências  de  socialidade  e  concreção,  emconsonância  com  o  imperativo  da  fun-ção social do contrato, �ad instar� do quese dá com o direito de propriedade.

Outras  alterações  resultaram  doestudo de sugestões recebidas de órgãosrepresentativos  de  diversos  �campos  deinteresse�,  como  se  dá,  por  exemplo,quanto  ao  contrato  de  empreitada.  Asreivindicações  dos  construtores  foramatendidas,  sem  se  deixar  de  salvaguar-dar,  concomitantemente,  os  direitos  dosproprietários. Este é, dentre muitos, umexemplo  de  como  se  procurou  semprecompor os  imperativos do bem individu-al com os do bem comum.

Observo, outrossim, que, em mais deum passo,  o Projeto  final  integra  em seucontexto algumas proposições normativasconstantes dos Anteprojetos de Código dasObrigações, de 1941 e 1965, às vezes semlhes alterar a  redação, assim como adotaoutras  soluções  inspiradas nas mais  re-centes  codificações  ou  reformaslegislativas estrangeiras aplicáveis às nos-sas  circunstâncias.

Não me  posso  alongar  nas  razõesdeterminantes  das  modificações  ouacréscimos propostos à  legislação vigen-te, neste como nos demais Livros do An-

teprojeto, mas  elas  se  explicam  graçasao  simples  cotejo dos  textos.  Limito-me,pois, a lembrar os pontos fundamentais,sem ser necessário  fazer  referências mi-nuciosas às novas figuras contratuais quevieram  enriquecer  o Direito  das Obriga-ções, como os contratos de comissão, deagência  e  distribuição,  corretagem,  in-corporação  edilícia,  transporte  etc.,  aosquais  foram  dadas  soluções  inspiradasna  experiência  doutrinária  ejurisprudencial  brasileira,  indo-se  alémdos conhecidos modelos das mais recen-tes  codificações. Demonstração  cabal denosso cuidado em dotar o País de  insti-tutos  reclamados  pelo  estado  atual  denosso  desenvolvimento  está  no  fato  de,ainda  agora,  já  em  terceira  revisão  dotexto,  acrescentarmos  um  conjunto  denormas  disciplinando  �o  contrato  sobredocumentos�  de  grande  relevância  so-bretudo no  comércio marítimo.

Por  outro  lado,  firme  consciênciaética  da  realidade  socioeconômicanorteia  a  revisão  das  regras  gerais  so-bre a formação dos contratos e a garan-tia de sua execução eqüitativa, bem comoas  regras  sobre  resolução  dos  negóciosjurídicos  em  virtude  de onerosidade ex-

cessiva,  às  quais  vários  dispositivos  ex-pressamente  se  reportam,  dando  a me-dida do propósito de conferir aos contra-tos  estrutura  e  finalidade  sociais. É umdos  tantos  exemplos  de  atendimento  da�socialidade�  do Direito.

Além  disso,  entendeu-se  conveni-ente dar diversa configuração aos contra-tos aleatórios, nos quais não se prevê ape-nas a entrega de coisas futuras, mas todae qualquer prestação que, por sua nature-za ou convenção, possa importar risco, ex-plicável  em  função da estrutura do negó-cio  jurídico. O mesmo se diga quanto aoscontratos preliminares  ou os  estipuladoscom pessoa a declarar.22. Nesse  contexto,  bastará,  por  conse-guinte, lembrar alguns outros pontos fun-damentais,  a  saber:

a) Conservar a sistemática atual, peladisciplina das obrigações, a partir da dis-criminação  de  suas modalidades,  umadas mais  elegantes  contribuições  do  di-

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reito pátrio, não  obstante  indispensáveiscomplementos  e  retificações,  desprezan-do-se a  referência  inicial  ao  sempre con-trovertido problema das fontes, e tambémem razão do já disciplinado na Parte Ge-ral.

b) Harmonizar a matéria relativa aoinadimplemento das obrigações  (Título  IVdo Livro I) com os demais artigos do Pro-jeto  que  firmam novas  diretrizes  ético-sociais  em matéria  de  responsabilidadecivil.

c) Tornar explícito, como princípiocondicionador  de  todo  o  processohermenêutico,  que  a  liberdade de con-

tratar  só  pode  ser  exercida  em  conso-nância com os fins sociais do contrato,implicando  os  valores  primordiais  daboa-fé e da probidade. Trata-se de pre-ceito  fundamental,  dispensável  talvezsob o enfoque de uma estreita compre-ensão  positivista  do  Direito,  mas  es-sencial à adequação das normas parti-culares  à  concreção  ética  da  experi-ência  jurídica.

d)  Atualizar  e  reordenar  as  dis-posições  gerais  concernentes  à  com-

pra e venda,  mantendo,  sempre  quepossível,  neste  como  em  outros  pon-tos do Projeto, uma  rigorosa distinçãoentre  validade  e  eficácia dos  negóciosjurídicos. No tocante à questão do pre-ço,  foi  dada, por  exemplo, maior  flexi-bilidade aos preceitos, prevendo-se, talcomo ocorre no plano do Direito Admi-nistrativo,  a  sua  fixação  medianteparâmetros.  Não  é  indispensável  queo  preço  seja  sempre  predeterminado,bastando  que  seja  garantidamentedeterminável,  de  conformidade  comcrescentes  exigências  da  vida  contem-porânea.  Tal  modo  de  ver  se  impõe,aliás,  pela  unidade  da  disciplina  dasatividades  privadas,  assente  comobase  na  codificação.

e) Prever, além da venda à vista deamostras,  a  que  se  realiza  em  funçãode protótipos e modelos.

f) Conferir  ao  juiz poder moderador,no  que  se  refere  às  penalidades  resul-tantes do  inadimplemento dos  contratos,como, por  exemplo, nos de  locação,  sem-

pre  que  julgar  excessiva  a  exigência  dolocador.

g) Incluir normas sobre contratos de ade-

são, visando a garantir o aderente peranteo ofertante, dotado este de vantagens quesua posição superior lhe propicia.

h) Disciplinar a locação de serviços demaneira autônoma,  em confronto com asregras  pertinentes  ao Direito  do  Traba-lho,  prevendo-se,  entre  outros,  os  casosem  que  se  deverá  considerar  exigível  aretribuição devida a quem prestar os ser-viços,  embora  sem  título  de habilitação,com benefício  real para a outra parte.

i) No capítulo relativo à empreitada,estabelecer  disposições mais  adequadasàs  exigências  tecnológicas hodiernas, demodo  a  atender  às  finalidades  sociaisdo  contrato  e  às  relações  de  equilíbrioque devem existir entre o dono da obra,o projetista e o construtor, tais como re-velado pela experiência dos últimos anos.

Por outro lado, os contratos de cons-trução  põem problemas novos,  como  osconcernentes  aos  direitos  e  deveres  doprojetista, distintos dos do construtor, su-perando-se,  desse modo,  sentida  lacu-na do Código atual. Também neste capí-tulo, como nos demais, foi dada especialatenção  aos  casos  de  excessivaonerosidade,  prevendo-se  regras  capa-zes  de  restabelecer  o  equilíbrio  dos  in-teresses  em  conflito,  segundo  critériospráticos para a  sua  solução. Embora  sepudesse  considerar  tal matéria  implíci-ta  nos  preceitos  relativos  à  �resoluçãodos  contratos  por  onerosidade  excessi-va�,  atendeu-se  a  algumas  particulari-dades  da matéria  no  âmbito  do negóciode  empreitada.

 j) Dar novo tratamento ao contrato

de seguros  claramente  distinto  em  �se-

guro de pessoa� e �seguro de dano�, ten-do sido aproveitadas, nesse ponto, as su-gestões  oferecidas  pelo  Prof.  FABIOKONDER COMPARATO,  conforme  estu-do  anexado  ao  citado  ofício  de  9  de no-vembro  de  1970.  Nesse,  como  nos  de-mais  casos,  procura  o  projeto  preservara situação do segurado, sem prejuízo dacerteza e segurança  indispensáveis a  taltipo de negócio.

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l) Disciplinar o contrato de transpor-

te que tem existido entre nós como sim-ples  contrato  inominado,  com base  emnormas  esparsas.  A  solução normativaoferecida  resulta  dessa  experiência,  àluz dos modelos vigentes em outros pa-íses,  com  precisa  distinção  entretransporte  de  pessoas  e  transporte  decoisas.

m)  Disciplinar,  com  a  devida  am-plitude  e  precisão,  a matéria  relativa  aocontrato de incorporação de edifícios emcondomínio,  que  se  preferiu  denominarcontrato  de  �incorporação  edilícia�,  dis-criminando  as  responsabilidades  doincorporador, do construtor e de quantosparticipam do  referido  negócio.

n) Adotar as disposições sobre con-tratos bancários, salvo modificação de re-dação  e  alguns  elementos  complemen-tares,  constantes  do  Projeto  de  Códigode Obrigações de 1965.

o) Dar à disciplina geral dos títulosde  crédito  um  tratamento mais  amplo,conforme  sugestões  oferecidas  pelo  Pro-fessor MAURO BRANDÃO  LOPES,  cujoanteprojeto e respectiva Exposição de Mo-tivos foram anexados ao ofício supra-refe-rido.

  p) Novo enfoque dado à matéria deresponsabilidade civil, não só pela amplitu-de dispensada ao  conceito de dano, paraabranger o dano moral, mas também por seprocurar situar, com o devido equilíbrio, oproblema da responsabilidade objetiva.

 q) Disciplina da venda com reservade domínio,  cuja  regulamentação no Có-digo de Processo Civil mistura  textos  dedireito substantivo com os de direito adje-tivo.

  r)  Alteração  substancial  no  Títulopertinente  aos  atos  unilaterais,  por  en-tender-se,  consoante  sistematizaçãoproposta  por  AGOSTINHO  ALVIM,  queentre  as  obrigações  originárias  da  de-claração  unilateral  da  vontade  devemfigurar  a  gestão  de  negócios,  o  paga-mento  indevido  e  o  enriquecimentosem  causa.

s)  Aceitação  da  revalorização  damoeda  nas  dívidas  de  valor, mas  proi-bição  de  cláusulas  de  correção mone-

tária  nos  demais  casos,  com  expressaressalva,  porém,  da  validade  da  esti-pulação  que  prevê  aumentos  progres-sivos  no  caso  de  serem  sucessivas  asprestações.

t)  Reformulação  do  contrato  compessoa  a  nomear,  para  dar-lhe maioraplicação e amplitude, enquanto que, noAnteprojeto  anterior,  ficara  preso,  se-gundo o modelo do Código Civil  italianode  1942,  ao  fato  de  já  existir  a  pessoano ato de conclusão do contrato.

u)  Limitação do poder de denúnciaunilateral  dos  contratos  por  tempoindeterminado, quando exigidos da outraparte investimentos de vulto, pressupondoela poder dispor de prazo razoável, compa-tível  com as despesas  feitas. Esta  suges-tão, por mim  feita e acolhida pela Comis-são, é um dos tantos exemplos da preocu-pação que  tivemos no sentido de coarctaros abusos do poder econômico.

v)  Inclusão,  entre  os  casos  depreempção  ou  preferência,  de  normaaplicável quando o Poder Público não derà  coisa  expropriada  o  destino  para  quese desapropriou, ou não for utilizada emobras ou serviços públicos.

x)  Reformulação  do  contrato  deagência  e  distribuição  para  atender  àLEI especial que disciplina a matéria sobo  título  impróprio de  �representação co-mercial�. As ponderações feitas pelos in-teressados foram levadas na devida con-ta, o que vem, mais uma vez, confirmara diretriz  seguida no  sentido de  se  pro-curar sempre a solução normativa maisadequada aos distintos campos de ativi-dade,  conciliando-se  os  interesses  dascategorias  profissionais  com  as  exigên-cias  da  coletividade.

y)  A  idênticos  propósitos  obedeceua  revisão do  contrato de  transporte,  quetambém não pode dispensar a existênciade  LEI  especial,  em  virtude  de  proble-mas  conexos  de Direito  Administrativoou  Tributário.  Isto  não  obstante,  a Co-missão  acolheu  várias  sugestões  recebi-das,  visando a dar maior  certeza  a  essetipo de  contrato,  de modo a  amparar  osinteresses  dos  transportadores  e  os  dosusuários.

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 25

z) E,  finalmente, para dar mais umexemplo do cunho de �socialidade� ou �jus-tiça  social�  que presidiu a  elaboração doProjeto, em todas as suas fases, destaco anova redação do preceito que  fixa a medi-da das  indenizações:  �Se houver excessivadesproporção entre a gravidade da culpa eo dano, poderá o  juiz  reduzir,  eqüitativa-mente,  a  indenização.23. O método  de  submeter  os  Antepro-jetos  à  aferição  pública,  ouvidas  as  ca-tegorias  profissionais,  possibilitou  a  re-visão  dos  textos  �in  concreto�,  assimcomo revelou imperfeições e  lacunas noque  se  refere  a  determinados  proble-mas  postos  pela  unificação  do  Direitodas Obrigações.

Verificada  a  inexistência  de  dis-posições capazes de atender a certos as-pectos  da  atividade  negocial,  houve  su-gestões  no  sentido  de  se  acrescentaremregras  especiais  sobre mandato  ou  de-pósito mercantis, como tipos autônomosde  contrato,  a  fim  de  satisfazer  a  exi-gências  da  vida  comercial  ou  empresá-ria.  Examinando  detidamente  a maté-ria,  cheguei  à  conclusão,  compartilhadapelos demais companheiros de  trabalho,de  que  o  que  se  impunha  era  antes  arevisão daqueles e outros  institutos, en-riquecendo-se o Anteprojeto com normascapazes  de  resolver  questões  que  nãopodem,  efetivamente,  deixar  de  ser  con-templadas,  uma  vez  fixada  a  diretrizunificadora  do Direito  das Obrigações.A essa luz, o mandato ou depósito passa-ram a  ser disciplinados  sob o duplo as-pecto de sua gratuidade ou onerosidade,segundo sejam exercidos ou não em vir-tude de atividade profissional e para finsde  lucro.  Nessa  obra  integradora  aindase  revelaram, por sinal, de plena atuali-dade as disposições do nosso Código deComércio  de  1850.

O mesmo  se  diga  quanto  aos  pre-ceitos  que,  no  Projeto  definitivo,  vieramdisciplinar a questão do lugar da tradição

da coisa vendida. Desse modo,  em  fun-ção dos ditames da experiência, comple-tou-se a obra de integração das relaçõesobrigacionais,  sem perda de seu sentidounitário  e  de  suas  naturais  distinções.

LIVRO IIDA ATIVIDADE NEGOCIAL

24. Como  já  foi  ponderado,  do  corpo  doDireito das Obrigações se desdobra, semsolução de continuidade, a disciplina daAtividade  Negocial.  Naquele  se  regramos negócios  jurídicos;  nesta  se  ordena  aatividade  enquanto  se  estrutura  paraexercício habitual  de negócios. Uma dasformas  dessa  organização  é  representa-da pela empresa, quando tem por escopoa  produção  ou  a  circulação  de  bens  oude  serviços.

Apesar,  porém,  da  relevância  reco-nhecida  à  atividade  empresarial,  estanão abrange outras  formas habituais deatividade negocial, cujas peculiaridades oAnteprojeto  teve o  cuidado de preservar,como se dá nos casos:

1) do pequeno empresário,  ca-racterizado  pela  natureza  artesanal  daatividade,  ou  a  predominância  do  tra-balho  próprio,  ou  de  familiares,  em  re-lação  ao  capital.

2)  dos  que  exercem  profissão

intelectual  de  natureza  científica,  literá-ria,  ou  artística,  ainda  que  se  organi-zem para  tal  fim.

3) do empresário rural, ao qual,porém,  se  faculta  a  inscrição  no Regis-tro das Empresas, para se subordinar àsnormas  que  regem a  atividade  empresá-ria  como  tal.

4) da sociedade simples, cujo es-copo é a realização de operações econômi-cas  de  natureza  não  empresarial.  Comotal, não se vincula ao Registro das Empre-sas, mas sim ao Registro Civil das Pesso-as Jurídicas. Note-se, outrossim, que umaatividade de fins econômicos, mas não em-presária, não se subordina às normas  re-lativas ao �empresário�, ainda que se cons-titua  segundo uma das  formas previstaspara  a  �sociedade  empresária�,  salvo  sepor ações.

Como  se  depreende  do  exposto,  naempresa, no sentido  jurídico deste  termo,reúnem-se e compõem-se  três  fatores, emunidade  indecomponível:  a habitualidadeno exercício de negócios, que visem à pro-dução ou à circulação de bens ou de servi-

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26 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

ços; o escopo de lucro ou o resultado eco-nômico; a organização ou estrutura está-vel  dessa atividade.

Não será demais advertir, para dis-sipar  dúvidas  e  ter-se melhor  entendi-mento  da matéria,  que,  na  sistemáticado Anteprojeto, empresa e estabelecimen-

to são dois conceitos diversos, embora es-sencialmente  vinculados,  distinguindo-se  ambos  do  empresário  ou  sociedadeempresária que são  �os  titulares da em-presa�.

Em linhas gerais, pode dizer-se quea  empresa  é,  consoante  acepção  domi-nante na doutrina,  �a unidade econômi-ca de produção�,  ou  �a  atividade  econô-mica  unitariamente  estruturada  para  aprodução ou a circulação de bens ou ser-viços�.  A  empresa,  desse modo  concei-tuada,  abrange,  para  a  consecução  deseus  fins,  um  ou mais  �estabelecimen-tos�,  os  quais  são complexos de bens ou�bens  coletivos�  que  se  caracterizam porsua unidade de destinação,  podendo,  deper si,  ser objeto unitário de direitos e denegócios  jurídicos.

Destarte, o  tormentoso e  jamais cla-ramente determinado conceito de  �ato decomércio�, é substituído pelo de empresa,assim como a  categoria de  �fundo de  co-mércio�  cede  lugar  à  de  �estabelecimen-to�. Consoante justa ponderação de RENÊSAVATIER, a noção de  �fundo de  comér-cio� é uma concepção jurídica envelhecidae  superada,  substituída  com  vantagempelo  conceito  de  estabelecimento,  �que  éo corpo de um organismo vivo�, �todo o con-junto patrimonial  organicamente grupadopara  a  produção.�  (�La  Théorie  desObligations�, Paris, 1967, pag. 124).

Disciplina  especial  recebem,  noProjeto,  os  �titulares  da  empresa�,  quepodem ser tanto uma pessoa física (o em-

presário) como uma pessoa jurídica (a so-

ciedade empresária).Fixados  esses  pressupostos  para  a

disciplina  de  todos  os  tipos  de  socieda-de,  fica superada de vez a categoria  im-própria,  ora  vigente,  de  �sociedade  civil

de  fins  econômicos�,  pois,  no  âmbito doCódigo Civil unificado, são civis tanto asassociações  como  as  sociedades,  qual-

quer  que  seja  a  forma  destas.  Distin-guem-se  apenas  as  sociedades  em  sim-

ples ou  empresárias,  de  conformidadecom  o  objetivo  econômico  que  tenhamem vista  e o modo de seu exercício.25.  Reportando-me  à  ampla  exposiçãofeita  pelo  ilustre  Professor  SYLVIOMARCONDES,  bastará,  penso  eu,  parater-se  uma  idéia  geral  do  Anteprojeto  �objetivo  que me move neste  trabalho  �,salientar mais  os  seguintes  tópicos:

a) Revisão dos  tipos tradicionais de

sociedade,  para  configurá-los  com me-lhor  técnica,  em  função  das  caracterís-ticas  que  a  atividade  negocial,  em  ge-ral,  e  a  empresária,  em  particular,  as-sume no mundo  contemporâneo.

b) Fixação dos princípios que gover-nam todas as  formas de vida societária,em  complementariedade  ao  já  estabe-lecido,  na  Parte Geral,  quanto  às  asso-ciações.

c) Com a instituição da sociedade sim-

ples, cria-se um modelo jurídico capaz dedar abrigo ao amplo espectro das ativida-des  de  fins  econômicos  não  empresari-ais,  com  disposições  de  valor  supletivopara todos os tipos de sociedade.

d) Minucioso  tratamento  dispensa-do à sociedade limitada,  destinada a de-sempenhar  função  cada  vez  maisrelevanteno  setor  empresarial,  sobretu-do em virtude das transformações por quevêm passando as sociedades anônimas, aponto  de  requererem  estas  a  edição  delei especial, por sua direta vinculação coma política  financeira do País.

Nessa  linha  de  idéia,  foi  revista  amatéria,  prevendo-se  a  constituição  deentidades de maior porte do que as atu-almente  existentes,  facultando-se-lhesa  constituição  de  órgãos  complementa-res  de  administração,  como  o ConselhoFiscal,  com responsabilidades expressas,sendo fixados com mais amplitude os po-deres da  assembléia dos  sócios.

e)  Fixação,  em  termos  gerais,  dasnormas  caracterizadoras das sociedades

anônimas e das cooperativas, para ressal-va de  sua  integração no  sistema do Có-digo Civil,  embora  disciplinadas  em  leiespecial.

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 27

f)  Capítulo  próprio  destinado  ao  de-licado  e  momentoso  problema  das  soci-

edades ligadas,  distintas  em  controla-das,  filiadas  e  de  simples  participação,correspondendo  a  cada  uma  dessas  ca-tegorias  estatuições  e  exigências  diver-sas,  sobretudo  no  que  se  refere  à  obri-gação  ou  não  de  publicação  de  balançosconsolidados,  patrimonial  e  de  resulta-do  econômico.

g) Normas atualizadas sobre o pro-cesso de  liquidação das sociedades, parapôr termo às delongas e erosões que carac-terizam, hoje em dia, essa  fase sempre crí-tica,  quando  não  tormentosa,  da  vidasocietária.

h)  Idem  quanto  aos  processos  detransformação, incorporação e fusão das so-ciedades.

i) Disciplina das sociedades depen-dentes  de  autorização,  quer  nacionais,quer  estrangeiras,  com  o  que  se  preen-che  grave  lacuna  na  legislação  vigente.

j)  Determinação  das  notas  distin-tivas  do  �estabelecimento�,  que,  como  jáfoi  frisado,  representa  o  instrumento  oumeio  de  ação  da  empresa.

l)  Disposições  especiais  estabele-cendo,  com  a  devida  prudência,  as  exi-gências mínimas  a  que  estão  obrigadostodos  os  empresários  e  sociedades  em-presárias  em  sua  escrituração.

m)  Atualização,  nesse  sentido,  dosistema de contabilidade, com a permis-são  de  processos mecanizados  ou  ele-trônicos,  o  que  foi  alvo  de  referênciaseconomiásticas  por  autores  estrangei-ros  que  trataram do assunto.

n)  Elaboração  de  outros  institutoscomplementares  sobre Registro, Nome  ePreposição,  de modo  a  assegurar  o  ple-no  desenvolvimento  de  nossa  vida  em-presarial.

LIVRO IIIDO DIREITO DAS COISAS

26. Demonstração  cabal  da  objetividadecrítica, com que sempre procurou se con-duzir  na  feitura do Anteprojeto,  deu-a  aComissão  ao  restabelecer  o  art.  485  do

Código Civil  atual  em matéria  de  posse,não só para atender às objeções  suscita-das  pelo  novo  texto  proposto, mas  tam-bém para salvaguardar o cabedal da vali-osa  construção  doutrinária  ejurisprudencial  resultante  de mais  demeio  século de  aplicação.

Nos demais pontos foi mantida, po-rém, a orientação do Anteprojeto, o qualefetivamente  dá  contornos mais  preci-sos e práticos a várias disposições sobreposse,  inspirando-se  na  experiência  dasúltimas  décadas.

A atualização do Direito das Coisasnão  é  assunto  opcional,  em  termos  demera  perfectibilidade  teórica, mas  simimperativo  de  ordem  social  e  econômi-ca, que decorre do novo conceito consti-tucional de propriedade e da  função quea  esta  se atribui na  sociedade hodierna.

Por  essa  razão,  o  Anteprojeto,  tan-to  sob  o  ponto  de  vista  técnico,  quantopelo  conteúdo  de  seus  preceitos,  inspi-ra-se  na  compreensão  solidária  dos  va-lores  individuais  e  coletivos,  que,  longede  se  conflitarem, devem se  completar  ese  dinamizar  reciprocamente,correspondendo,  assim,  ao  desenvolvi-mento da sociedade brasileira, bem comoàs  exigências  da  Ciência  Jurídica  con-temporânea.

Bastará,  nesse  sentido,  atentarpara o que o Anteprojeto dispõe sobre oexercício  do  direito  de  propriedade;  ousucapião;  os  direitos  de  vizinhança,ou  os  limites  traçados  aos  direitos  doscredores  hipotecários  ou  pignoratícios,para  verificar-se  como  é  possível  satis-fazer  aos  superiores  interesses  coleti-vos  com salvaguarda dos direitos  indivi-duais.27.  Em  complemento  às  consideraçõesexpendidas pelo  ilustre professor EBERTVIANNA CHAMOUN, nas publicações an-teriores,  vou  focalizar apenas alguns as-pectos mais  salientes  da  reforma:

a) Em primeiro lugar, a substancialalteração  feita  na  enumeração  taxativados  direitos  reais,  entre  eles  se  incluin-do a superfície e o direito do promitentecomprador do  imóvel.

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28 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

b) O  reconhecimento  do  direito  depropriedade,  que  deve  ser  exercido  emconsonância  com  as  suas  finalidadeseconômicas  e  sociais  e  de  tal modo  quesejam preservados, de conformidade como estabelecido  em  lei  especial,  a  flora,  afauna, as belezas naturais e o equilíbrioecológico,  bem  como  evitada  a  poluiçãodo ar e das águas.

São  defesos  os  atos  que  não  tra-zem  ao  proprietário  qualquer  comodi-dade,  ou  utilidade,  e  sejam  animadospela  intenção  de  prejudicar  outrem.

c) O  proprietário  também pode  serprivado da coisa se o imóvel reivindican-do  consistir  em  extensa  área,  na  posseininterrupta e de boa-fé, por mais de cin-co anos, de considerável número de pes-soas,  e  estas  nela  houverem  realizado,em conjunto ou separadamente, obras eserviços  considerados  pelo  juiz  de  inte-resse  social  e  econômico  relevante. Nes-se  caso,  o  juiz  fixará  a  justa  indeniza-ção devida ao proprietário. Pago o preço,valerá a sentença como título para trans-crição do imóvel em nome dos possuido-res.  Trata-se,  como  se  vê,  de  inovaçãodo mais  alto  alcance,  inspirada no  sen-tido social do direito de propriedade, im-plicando não só novo conceito desta, mastambém novo  conceito de posse,  que  sepoderia qualificar  como sendo de posse-

trabalho, expressão pela primeira vez pormim  empregada,  em  1943,  em  parecersobre  projeto  de  decreto-lei  relativo  àsterras  devolutas  do Estado de São  Pau-lo, quando membro de seu �Conselho Ad-ministrativo�.

Na  realidade,  a  lei  deve  outorgarespecial  proteção  à  posse  que  se  traduzem  trabalho  criador,  quer  este  secorporifique na construção de uma resi-dência,  quer  se  concretize  em  investi-mentos  de  caráter  produtivo  ou  cultu-ral. Não há como situar no mesmo planoa posse,  como  simples poder manifesta-do sobre uma coisa, �como se� fora ativi-dade do proprietário, com a �posse qua-lificada�,  enriquecida  pelos  valores  dotrabalho. Este conceito fundante de �pos-se-trabalho�  justifica  e  legitima  que,  aoinvés de  reaver  a  coisa, dada a  relevân-

cia dos  interesse sociais em  jogo, o  titu-lar  da  propriedade  reivindicada  receba,em  dinheiro,  o  seu  pleno  e  justo  valor,tal  como  determina  a Constituição.

Vale  notar  que,  nessa  hipótese,abre-se,  nos  domínios  do Direito,  umavia  nova  de  desapropriação  que  se  nãodeve  considerar  prerrogativa  exclusivados Poderes Executivo ou Legislativo. Nãohá  razão  plausível  para  recusar  ao  Po-der  Judiciário  o  exercício  do  poderexpropriatório em casos concretos, comoo  que  se  contém na  espécie  analisada.

d)  As  mesmas  razões  deter-minantes  do  dispositivo  supra mencio-nado levaram a Comissão a reduzir paraquinze anos o usucapião extraordinário se,durante  esse  tempo,  o  possuidor,  hou-ver pago os impostos relativos ao prédio,construindo no mesmo a sua morada ourealizando  obras  ou  serviços  de  caráterprodutivo. Pareceu mais conforme aos di-tames  sociais  situar  o  problema  em  ter-mos de �posse trabalho�, que se manifes-ta através de obras e serviços  realizadospelo possuidor. O mero pagamento de tri-butos, máxime num país  com áreas  tãoralamente povoadas, poderia propiciar di-reitos  a  quem  se  não  encontre  em  situ-ação  efetivamente merecedora  do  am-paro  legal.

e) O mesmo se diga no concernenteao  dispositivo  que  reduz  a  cinco  anos  ousucapião fundado em justo título e boa-fé,quando  o  imóvel  houver  sido  adquiridoonerosamente,  com base  em  transcriçãoconstante  do  registro  de  imóveis.

f)  Por  ter-se  reconhecido o Territóriocomo pessoa jurídica de Direito Público in-terno, passam os  imóveis urbanos abando-

nados a caber aos respectivos Municípios,tal  como se dá quando estes  integram osEstados. Exceção a  essa  regra geral  é  re-lativa a imóvel rústico abandonado, pois, nes-se  caso,  é  natural  que  seja  destinado  àUnião para  fins de política agrária.

g) A  fim de dirimir dúvidas que  têmcausado graves danos, outorga-se ao propri-etário do solo o direito de explorar recursos

minerais de reduzido valor, independente deautorização  �in casu�, salvo o disposto emlei  especial.

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h)  Tendo  sido  firmado  o  princípioda  enumeração  taxativa  dos  direitos  re-ais  foi mister  atender  à  chamada  �con-

cessão de uso�,  tal  como  já  se  acha  emvigor,  �ex  vi�  do Decreto-lei  nº  271,  de28 de  fevereiro  de  1967,  que  dispõe  so-bre  loteamento urbano. Trata-se de  ino-vação  recente  de  legislação  pátria, mascom  larga  e  benéfica  aplicação. Como  alei  estende  a  �concessão  de  uso�  às  re-lações entre particulares, não pode o Pro-jeto deixar de contemplar a espécie. Con-soante  justa  ponderação  de  JOSÉCARLOS DE MOREIRA ALVES, a �migra-ção�  desse modelo  jurídico,  que  passouda esfera do Direito Administrativo paraa  do Direito  Privado,  veio  restabelecer,sob  novo  enfoque,  o  antigo  instituto  dasuperfície.

i) Na mesma linha de  idéias,  foramreexaminadas  algumas  questões  perti-nentes  ao direito de vizinhança,  encon-trando-se  nova  solução  para  o  delicadoproblema  das  construções  erguidas  emterreno  limítrofe,  caso  em  que  é misterconciliar  o  direito  do  proprietário,  quesofreu a  invasão,  com o valor  intrínsecodo  que  se  edificou.  Pelas  normasadotadas,  o  acréscimo,  resultante  dautilização  da  área  ocupada,  passa,  emdeterminadas  hipóteses,  a  ser  compu-tado  no  cálculo  da  indenização  devida,distinguindo-se,  outrossim,  entre  inva-são  de  boa  ou  de má-fé.  Pode  dizer-seque, desse modo, se  faz um �balanço debens�,  compondo-se  o  direito  individualde  propriedade  com  o  valor  econômicodo que se  construiu.

j)  Fundamentais  foram  também asalterações  introduzidas no  instituto  queno Projeto  recebeu o nome de  �condomí-

nio edilício�.  Este  termo mereceu  repa-ros, apodado que foi de �barbarismo inú-til�,  quando,  na  realidade,  vem  depuríssima fonte latina, e é o que melhorcorresponde à natureza do instituto, malcaracterizado  pelas  expressões  �condo-mínio horizontal�, �condomínio especial�,ou  �condomínio em edifício�. Na realida-de,  é  um  condomínio  que  se  constitui,objetivamente,  como resultado do ato de

edificação,  sendo,  por  tais motivos,  de-

nominado �edilício�. Esta palavra vem de�aedilici  (um)�,  que  não  se  refere  ape-nas  ao  edil,  consoante  foi  alegado, mas,como ensina o Mestre F. R. SANTOS SA-RAIVA, também às suas atribuições, den-tre  as  quais  sobrelevava  a  de  fiscalizaras  construções  públicas  e  particulares.

A  doutrina  tem  salientado  que  adisciplina  dessa  espécie  de  condomíniosurgiu, de início, vinculada à pessoa doscondôminos  (concepção subjetiva) dando-se ênfase ao que há de comum no edifí-cio,  para,  depois,  evoluir  no  sentido  deuma concepção objetiva, na qual prevale-ce o valor da unidade autônoma,  em vir-tude  da  qual  o  condomínio  se  instaura,numa  relação  de meio  a  fim. Donde  sernecessário  distinguir,  de maneira  obje-tiva,  entre  os  atos  de  instituição  e  os  deconstituição  do  condomínio,  tal  como  seconfigura no Projeto. Para expressar essanova realidade institucional é que se em-prega  o  termo  �condomínio  edilício�,  de-signação  que  se  tornou  de uso  correntena linguagem jurídica italiana, que, con-soante  lição  de RUI BARBOSA,  é  a  quemais  guarda  relação  com a nossa. Esta,como outras questões de  linguagem, de-vem  ser  resolvidas  em  função  das  ne-cessidades  técnicas  da  Ciência  Jurídi-ca, e não apenas à luz de critérios pura-mente  gramaticais.

Ainda no  concernente  a  essa maté-ria, apesar de expressa remissão à lei es-pecial, entendeu-se de bom alvitre incluirno Código alguns dispositivos regrando osdireitos  e  deveres  dos  condôminos,  bemcomo  a  competência  das  assembléias  edos  síndicos.

l)  De  grande  alcance  prático  é  oinstituto  da  propriedade fiduciária ,discisplinado  consoante  proposta  feitapelo  Prof.  JOSÉ  CARLOS  MOREIRAALVES,  que  acolheu  sugestões  rece-bidas do Banco Central do Brasil e ana-lisou cuidadosamente ponderações  fei-tas  por  entidades  de  classe.  Passou  aser  considerada  constituída  a  propri-edade  fiduciária  com  o  arquivamento,no  Registro  de  Títulos  e  Documentosdo  domicílio  do  devedor,  do  contratocelebrado  por  intrumento  público  ou

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30 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

particular,  que  lhe  serve  de  título.Note-se  que,  em se  tratando de  veícu-los, além desse registro, exige-se o ar-quivamento  do  contrato  na  repartiçãocompetente  para  o  licenciamento,  fa-zendo-se  a  anotação  no  certificado  depropriedade.

Os  demais  artigos,  embora  de ma-neira sucinta, compõem o essencial paraa  caracterização  da  propriedadefiduciária,  de modo  a  permitir  sua  apli-cação diversificada  e  garantida no mun-do dos negócios.

m) A  igual  exigência de certeza  jurí-dica obedece a disposição segundo a qualo penhor de veículos se constitui medianteinstrumento  público  ou particular,  tam-bém  inscrito no Registro de Títulos e Do-cumentos, com a devida anotação no cer-tificado de propriedade.

n)  Relativamente  à  proposta  feitano  sentido  de  se  incluir  no  Código  anormação das  letras hipotecárias,  enten-deu  a  Comissão  preferível  deixar  o  as-sunto  para  a  lei aditiva,  tal  como  estáprevsito  no  Projeto.  O mesmo  deveráocorrer,  aliás,  com  as  cédulas  ruraispignoratícias,  ou  as  de  penhor  industri-al  ou mercantil.

o) Foi mantida entre os direitos re-ais  de  garantia  a anticrese, mas devida-mente  atualizada  e  suscetível  de  servircomo modelo jurídico de aplicação práti-ca.

p) Atualizado foi o instituto da hipoteca,acolhendo-se valiosas propostas feitas peloProf. CLOVIS DO COUTO E SILVA, conso-ante por mim  lembrado na Exposição queacompanha o Anteprojeto de 1972.

q)  Finalmente,  não  se manteve  oinstituto  da  enfiteuse  no  que  se  refereaos  bens  particulares.

LIVRO IVDO DIREITO DE FAMÍLIA

28. A Comissão Revisora e Elaboradorado  Código  Civil,  como  já  se  terá  nota-do,  não  obstante  o  seu  constante  em-penho  em  adequar  a  lei  civil  às  exi-gências  de  nosso  tempo,  sempre  pre-feriu  preservar  a  estrutura  da  ora  em

vigor, enriquecendo os seus títulos comnovos  institutos  e  figuras.

No  caso,  porém,  do Direito  de  Fa-mília,  deu-se  razão  ao Professor COUTOE  SILVA  no  sentido  de  se  destinar  umTítulo para  reger  o direito pessoal,  e  ou-tro  para  disciplina  do direito patrimonial

de  família.  Na  realidade  é  esse  o  Livrodo Código atual que mais se ressente defalta de harmonia sistemática, nem sem-pre  se  sucedendo  os  capítulos  segundorigoroso  desdobramento  lógico.  Todavia,os  dispositivos  referentes  à  tutela  e  àcuratela compõem um Título à parte, tala correlação que, nesses institutos, exis-te  entre  os  aspectos  pessoais  epatrimoniais.29. No que se refere ao conteúdo dos dis-positivos, como era de se esperar, a parterelativa  ao Direito  de  Família  foi  a  quemais  suscitou divergências  e  críticas,  re-sultantes,  quase  sempre,  de  falha  inter-pretação  dos  textos,  inclusive  pelo  vezode se analisar um artigo sem situá-lo natotalidade  do  sistema.

Observe-se, desde logo, que algumasdisposições  foram  alvo  de  críticas  anta-gônicas,  uns  entendendo  que  a  Comis-são  assumira  uma  posição  retrógrada,mesmo em confronto com a legislação vi-gente,  enquanto  que  outros  a  condena-vam por desmedidos  excessos...

Tais  contradições  da  crítica  ocor-reram  especialmente  no  que  se  refere  àposição dos cônjuges, parecendo aos tra-dicionalistas  um  grave  erro  o  abandonoda natural preeminência que deveria serassegurada  ao marido,  a  cobro  de  qual-quer  contrasteação;  em  franco  contras-te,  pois,  com  os  defensores  da  absolutaigualdade  entre  os  esposos,  a  ponto  decondenarem  quaisquer  disposições  ten-dentes  a  proteger  a mulher  no  seio  dafamília.

Entre  esses  dois  extremos  situa-seo  Anteprojeto,  que  põe  termo  ao  �podermarital�, pois não se pode dizer que estesubsista  só pelo  fato de  caber ao maridoa  direção  da  sociedade  conjugal,  vistocomo ele só poderá exercer com a colabo-ração da mulher, no  interesse do casal edo  filho.

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 31

Além do mais, essa direção sofre  li-mitações  expressas,  conforme  resulta daanálise  conjunta das  seguintes diretivas:

1) As  questões  essenciais  são deci-didas  em  comum,  sendo  sempre  neces-sária  a  colaboração  da mulher  na  dire-ção da sociedade conjugal. A mulher, emsuma, deixa de ser simples colaboradorae  companheira  �consoante  posição  quelhe  atribui  a  lei  vigente  �  para passar  ater �poder de decisão�, conjuntamente como esposo.

2)  Prevalecem as  decisões  tomadaspelo marido,  em  havendo  divergência,mas fica ressalvada à mulher a  faculda-de de recorrer ao  juiz, desde que não setrate  de matéria  personalíssima.

3) O domicílio do casal  é  escolhi-do por ambos os  cônjuges,  e não ape-nas pelo marido, como dispõe o Códigoatual,  que  se  limita  a  conferir  à mu-lher  a  faculdade  de  recorrer  ao  juiz,no  caso  de  deliberação  que  a  prejudi-que,  de  conformidade  com  a  redaçãodada ao seu art. 233 pela Lei nº 4.121,de  27  de  agosto  de  1962,  que  dispõesobre  a  situação  jurídica  da  mulhercasada.

4) Pode a mulher, assim como o ma-rido,  ausentar-se  do  domicílio  conjugalpara  atender  a  encargos  públicos,  aoexercício de  sua profissão,  ou a  interes-ses  particulares  relevantes.

5) O exercício do pátrio poder  com-pete a ambos os cônjuges, com a mesmaconfiguração  jurídica  consagrada pela  leiatual.

6) Cabe à mulher, como norma ge-ral, a administração dos bens próprios.

Posta  essa  questão  nos  seus  de-vidos  termos,  outras  alteraçõesintroduzidas  no  Livro  IV merecem  re-ferência,  a  começar  pelas  duas  omis-sões  que  efetivamente  não  se  justifi-cavam,  uma  no  tocante  à  proibição  decasamento  do  adúltero  com  o  seu  co-réu por tal condenado; a outra relativaà  possibilidade  de  dispensa  de  prazopara  que  possa  a  viúva  contrair  novasnúpcias,  em  se  verificando  ocorrênciade  gravidez.30. Abstração feita dessas duas lacunas,

que  resultaram  de  lapso  na  transposi-ção  de  artigos,  parece-me  bastante  sa-lientar mais alguns pontos, pois não ca-beria  repetir  o  que  se  acha minuciosa-mente  exposto na Exposição de MotivosComplementar  do  Prof.  CLOVIS  DOCOUTO E SILVA, ao Anteprojeto de 1974:

a)  As normas  sobre  o  registro  civildo  casamento religioso,  de  conformidadecom o que dispõe a Constituição, com oscorolários indispensáveis para se por ter-mo aos abusos que ora se praticam.

b)  Nova  disciplina  dada  à matériade  invalidade do casamento.  Segundo  anova sistemática, que corresponde me-lhor  à  natureza  das  coisas,  além  deser  nulo de pleno direito  o  casamentorealizado com infringência de qualquerimpedimento,  tal  como  já  o  declara  oCódigo atual  (arts. 183,  I a VII  e 207),também  o  será  quando  convida  civil.Todas  as  demais  hipóteses  passam  aconstituir motivo de anulação,  como sedá  no  caso  de  falta  de  idade mínimapara  casar;  se  o  casamento  for  do  in-capaz  de  consentir  ou manifestar,  demodo  inequívoco,  o  consentimento;  ouse  incompetente  a  autoridadecelebrante.

c)  Considerar  erro essencial,  quan-to  à  pessoa  do  outro  cônjuge,  a  ignorân-cia,  anterior  ao  casamento,  de  doençamental  grave,  incurável  e  que,  por  suanatureza,  torne  insuportável  a  vida  emcomum  ao  cônjuge  enganado,  caso  emque  o  casamento  pode  ser  anulado.

d) Elevação para quatro anos do pra-zo  de  decadência  para  anulação  do  ca-samento  em  virtude  de  coação.

e)  Revisão  dos  preceitos  pertinen-tes  à  contestação,  pelo marido,  da  legiti-

midade do filho  nascido  de  sua mulher,ajustando-os  à  jurisprudência  dominan-te .

f)  Direito  reconhecido  à mulher  deretomar  seu  nome de solteira,  se  conde-nado  o marido  na  ação  de  desquite.

g)  Previsão  da  hipótese  de  separa-

ção ininterrupta do casal,  por mais  de  cin-co  anos,  para  equipará-la  ao  desquite,tão-somente  para  fim  de  reconhecimen-to  dos  filhos  adulterinos.

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32 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

h)  Se  não  houver  acordo  entre  ospais  no  tocante  à  autorização  para  o  ca-

samento de filho menor de vinte e um anos,prevalecerá  a  opinião  do  pai,  ressalvadoà mãe  o  direito  de  recorrer  ao  juiz  parasolução  de  divergência  em  questões  es-senciais, ad instar  do  que  já  dispõe  o  Pro-jeto  sobre  a  direção  da  sociedade  conju-gal,  ou  o  exercício  do  pátrio  poder.

i)  Exigência  de  ação  direta  paradecretação da nulidade do casamento.

j)  A  obrigação  de  ambos  os  cônju-ges,  quando  casados  no  regime  de  sepa-ração,  de  contribuir para as despesas do

casal  na  proporção  dos  rendimentos  deseu  trabalho  e de  seus bens,  salvo  esti-pulação  em  contrário  no  pactoantenupcial.

l) Nova disciplina do instituto da ado-

ção,  distinta  em  �adoção  plena�  e  �ado-ção  restrita�,  de  sorte  a  permitir  aten-dimento  de  situações  distintas,  preven-do-se,  no  primeiro  caso,  a  plenaintegração  do  adotado  na  família  doadotante.

m) Homologação pelo  juiz da escri-tura que  institui  a adoção restrita,  reco-nhecendo-se que a dispensa de homolo-gação poderia dar  lugar a abusos.

n)  Estabelecer,  como  regime  legal,o da comunhão parcial com comunhão de

aqüestos, de conformidade com o que vi-nha  sendo  insistentemente  reclamadopela  doutrina.  Facilita-se,  todavia,  aadoção do regime da comunhão univer-sal  mediante  simples  declaração  dosnubentes,  no  ato  de  casar,  desde  quedevidamente  tomada  por  termo.

o) Sob a denominação de �regime

de participação final nos aqüestos�, paradistingui-lo  do  regime  de  comunhãoparcial,  que  implica  aquela  participa-ção  desde  a  celebração  do  casamen-to,  prevê-se  um  novo  regime  de  bensque  poderá  atender  a  situações  es-peciais,  tal  como  se  verifica  nas  Na-ções que vão atingindo maior grau dedesenvolvimento,  sendo  freqüente  ocaso de ambos os cônjuges exercerematividades  empresariais  distintas.

p) Disciplina da prestação de alimen-

tos segundo novo espírito, abandonando

o  rígido  critério  da  mera  garantia  demeios  de  subsistência.

q) Manter  a  instituição  do bem de

família, mas de modo a torná-lo suscetí-vel  de  realizar  efetivamente  a  alta  fun-ção social que o inspira, inclusive de umaforma que, a meu ver, substitui, com van-tagem,  as  soluções  até  agora  oferecidasno Brasil ou no estrangeiro, prevendo-se aformação de um patrimônio separado cujarenda se destine a efetiva salvaguarda dafamília.

r)  Revisão  das  normas  relativas  àtutela, a fim de melhor disciplinar a com-petência do  tutor,  tornando-a mais con-dizente  com  a  realidade.

s) Nova discriminação dos casos decuratela, em consonância com a disposi-ção  da  Parte Geral  sobre  incapacidaderelativa,  acrescentando-se  a  hipótese  decuratela  do  enfermo  ou portador  de  de-ficiência  física.

t) Transferência para  lei especial dadisciplina das  relações patrimoniais entre

concubinos, a fim de que possam ser con-siderados outros aspectos da questão, in-clusive  em  termos de  sociedade de  fato,consoante  vem sendo  elaborado pela  ju-risprudência.31.  Antes  de  concluir  estas notas  sobreDireito  de  Família,  cabe  lembrar  que  seestranhou houvesse sido previsto um �re-gime de participação final dos aqüestos�,não  correspondente  a  nenhum modeloalienígena.  Trata-se,  efetivamente,  decontribuição  original,  que  tem  algunspontos  de  contato  com  o  estabelecidopela Lei que entrou em vigor em Quebec,em julho de 1970. Na Exposição de Moti-vos ministerial  que  precede  este  docu-mento  legal,  é  dito  que  esse  novo  regi-me  �quer  expressar  uma  realidade  pro-funda: dois seres, que se unem pelo ca-samento,  contribuem,  através  dos  dias,cada um a seu modo, em forma diferen-te,  à  acumulação,  salvaguarda  e  acrés-cimo do patrimônio familiar. Parece, por-tanto,  justo  e  eqüitativo  que,  ao  termi-nar  a  associação  conjugal,  os  cônjugespossam, na  ausência  de  convenções  ex-pressas  em  contrário,  dividir  em dois  oque  houverem  adquirido  juntos�.  Não

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 33

obstante  a  diferença  entre  os  dois mo-delos, tais palavras servem de fundamen-to ao que se disciplina no Anteprojeto.

Essa  e  outras  contribuições,  semse  olvidar  as  de  natureza  sistemática,como  a  rigorosa  distinção  do Direito  deFamília em pessoal e patrimonial, demons-tram  que  o  Livro  IV  do  Anteprojeto  foielaborado não só com ciência, mas tam-bém com plena consciência do valor  so-cial  e  espiritual  da  instituição  da  famí-lia,  que  constitui  a  base  inamovível  dosvalores mais  altos  da  comunidade.

LIVRO VDO DIREITO DAS SUCESSÕES

32. As modificações operadas no Direitode  Família  implicaram  correspondentesalterações  no  Direito  das  Sucessões,cujos  dispositivos  foram  também  revis-tos  para  atender  a  lacuna  e  deficiênciado Código Civil atual, apontadas pela dou-trina  e  a  jurisprudência.

Com  a  adoção  do  regime  legal  deseparação  parcial  com  comunhão  deaqüestos, entendeu a Comissão que es-pecial  atenção  devia  ser  dada  aos  di-reitos  do  cônjuge  supérstite  em maté-ria  sucessória.  Seria,  com  efeito,injustificado  passar  do  regime  da  co-munhão  universal,  que  importa  a  co-municação  de  todos  os  bens  presentese  futuros  dos  cônjuges,  para  o  regimeda  comunhão  parcial,  sem  se  atribuirao  cônjuge  supérstite  o  direito  de  con-correr  com  descendentes  e  ascenden-tes.  Para  tal  fim,  passou  o  cônjuge  aser  considerado herdeiro necessário,com  todas  as  cautelas  e  limitaçõescompreensíveis  em  questão  tão  delica-da  e  relevante,  a  qual  comporta  diver-sas  hipóteses  que  exigiram  tratamen-to  legal  distinto.

Por  outro  lado,  havia  necessidadede  superar-se  o  individualismo  quenorteia  a  legislação  vigente  em matériade direito de testar, excluindo-se a possi-bilidade de ser livremente imposta a clá-usula  de  inalienabilidade  à  legítima.  É,todavia, permitida essa cláusula se hou-ver justa causa devidamente expressa no

testamento.  Aliás,  a  exigência  de  justacausa, em tais casos, era da tradição doDireito pátrio, antes do sistema do Códi-go  vigente.33.  Relembrados  esses  pontos  capitais,reporto-me à Exposição de Motivos do ilus-tre  Professor  TORQUATO CASTRO,  limi-tando-me  a  salientar mais  os  seguintesaspectos não menos  relevantes  da  refor-ma:

a) Mais precisa determinação do va-lor da aceitação e da renúncia da herança.

 b) Legitimação para suceder, no to-cante  ao nasciturus conceptus  e nondum

conceptus,  estabelecendo-se  prazo  razo-ável  para  a  consolidação  da herança.

c) Disciplina da herança,  enquantoindivisível, extremando-se as normas ma-teriais  das  de natureza  processual.

d) Maior amparo aos filhos ilegítimos,aos  quais  tocarão  dois  terços  da heran-ça cabível a cada um dos  legítimos.

e) Novas normas no que se refere àsituação do filho adotivo e do adotado, con-forme  se  trate  de  adoção  plena  ou  res-trita,  quer  em  relação  aos  seus  ascen-dentes  naturais,  quer  no  tocante  à  pes-soa do  adotante.

f)  Reexame  das  disposições  relati-vas ao problema da colação e redução dasliberalidades  feitas  em vida pelo autor daherança,  em  virtude  do  princípio  daintangibilidade da legítima dos herdeiros ne-cessários.

g) Simplificação,  em geral, dos atos

de testar, sem perda, todavia, dos valoresde  certeza  e  segurança.

h) Melhor  sistematização  dos  pre-ceitos  concernentes  ao direito de acres-

cer  entre  herdeiros  e  legatários.i) A declaração de que o testamento é

ato personalíssimo,  suscetível de    ser  re-vogado a qualquer  tempo, numa  fórmulaconcisa  que  evita  a  tão  discutida defi-nição contida   no Códig Civil vigente.

j)  Revisão  das  disposições  relativasao testamento cerrado, para admitir possaser  feito por outra pessoa, a  rogo do  tes-tador.

l) Manter os preceitos do Código atu-al  relativos  aos  requisitos  essenciais  dotestamento particular, mas declarando que,

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34 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

para  a  sua  confirmação,  serão  suficien-tes  duas  testemunhas  contestes.

m)  Revisão  do  instituto  dofideicomisso,  inclusive  prevendo-se  ocaso de sua conversão em usufruto.

n) O novo  tratamento  dado  à arre-

cadação de herança jacente, bem como àdeclaração  de  sua  vacância,  para  aten-der  ao  disposto no novo Código  de  Pro-cesso Civil.

DISPOSIÇÕES FINAIS ETRANSITÓRIAS

34. Breve  referência  desejo  fazer  a  estaparte  final do Projeto na qual, de manei-ra  concisa,  evitando-se  enumeraçãocasuística, se estabelecem as normas quedevem presidir a passagem da antiga paraa nova lei.

Nesse  sentido,  foi  considerado  debom alvitre  ressaltar  a  vigência das  leisespeciais  relativas  à  locação  de  prédiosurbanos, bem como a das disposições denatureza  processual,  administrativa  oupenal,  constantes  de  leis,  cujos  precei-tos de natureza civil hajam sido incorpo-rados ao novo Código.

Por  outro  lado,  declarou-se  proibi-da  a  constituição  de  enfiteuses  esubenfiteuses, regendo-se as ainda exis-tentes pelas disposições do antigo Códi-go, até que por outra forma se disciplinea matéria.35. São essas, Senhor Ministro,  as  con-siderações  complementares  com  quesubmeto à alta apreciação de Vossa Exce-lência o texto revisto do Anteprojeto, es-perando que o Governo da República haja

por bem submetê-lo à alta apreciação doCongresso Nacional.

Ao  fazer  a  entrega  deste  trabalhode  equipe,  ao  qual  foram  incorporadasvaliosas contribuições oriundas das maisvariadas  fontes  do  sentir  e  do  saber  dacomunidade brasileira, conforta-me, bemcomo aos demais companheiros, a cons-ciência de  termos agido  com serena  ob-jetividade,  procurando  harmonizar,  demaneira  concreta  e  dinâmica,  as  idéiasuniversais do Direito com as que distin-guem  e  dignificam  a  cultura  nacional;os princípios  teóricos  com as  exigênciasde ordem prática; a salvaguarda dos va-lores  do  indivíduo  e  da  pessoa  com  osimperativos  da  solidariedade  social;  osprogressos  da  ciência  e  da  técnica  comos  bens  que  se  preservam  ao  calor  datradição.

Quero,  por  fim,  consignar  os  agra-decimentos  dos membros  da ComissãoElaboradora  e  Revisora  do Código Civilao  ilustre  Presidente ERNESTO GEISELe  a  Vossa  Excelência,  por  nos  teremconfirmado  na  incumbência  anterior-mente  recebida,  de  elaborar  a  lei  bási-ca das relações privadas, numa demons-tração de confiança que constitui a me-lhor paga de quase seis anos de tão gran-des  preocupações  quanto  de  aturadosestudos  e  pesquisas.

Muito  cordialmenteSão Paulo, 16 de Janeiro de 1975

MIGUEL REALE

Supervisor da Comissão   Revisora eElaboradora e  do Código Civil.