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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito José Francisco Lemos EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E TRIBUTÁRIA: possibilidade e desafios ao emprego da norma tributária indutora pelos estados federados Belo Horizonte 2018.

EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

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Page 1: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito

José Francisco Lemos

EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E TRIBUTÁRIA:

possibilidade e desafios ao emprego da norma tributária indutora pelos

estados federados

Belo Horizonte

2018.

Page 2: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

José Francisco Lemos

EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E TRIBUTÁRIA:

possibilidade e desafios ao emprego da norma tributária indutora pelos

estados federados

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Flávio Couto Bernardes Área de Concentração: Direito Público

Belo Horizonte

2018

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Lemos, José Francisco

L557e Extrafiscalidade, competência reguladora e tributária: possibilidade e

desafios ao emprego da norma tributária indutora pelos Estados Federados /

José Francisco Lemos. Belo Horizonte, 2018.

152 f.

Orientador: Flávio Couto Bernardes

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

1. Direito tributário. 2. Fiscalização tributária - Aspectos sociais. 3. Tributos -

- Finalidades e objetivos. 4. Política tributária - Legislação. 5. Federalismo -

Brasil. I. Bernardes, Flávio Couto. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 336.2.01

Ficha catalográfica elaborada por Roziane do Amparo Araújo Michielini – CRB 6/2563

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José Francisco Lemos

EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E TRIBUTÁRIA:

possibilidade e desafios ao emprego da norma tributária indutora pelos

estados federados

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Flávio Couto Bernardes Área de Concentração: Direito Público

________________________________________________________________

Prof. Dr. Flávio Couto Bernardes – PUC Minas (Orientador)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Betina Treiger Grupenmacher (Banca Examinadora)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Marciano Seabra de Godoi (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 08 de Março de 2018.

Page 5: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

RESUMO

O objetivo desse trabalho consiste em investigar as potencialidades e limites ao uso

da extrafiscalidade pelos estados federados. A extrafiscalidade enquanto instituto

oriundo da ciência das finanças passou a ser debatida na seara jurídica como

ferramenta de indução de comportamentos com o objetivo de intervenção sobre o

Domínio Econômico, ficando conhecida como norma tributária indutora. Para a sua

perfeita identificação, há que se conjugar a finalidade da norma com a função por ela

desempenhada, entendendo-se por finalidade o aspecto relacionado à causa que

justifica a cobrança do tributo e por função a capacidade de influir na conduta dos

indivíduos através do agravamento do ônus fiscal. Outra questão fundamental para a

instituição da norma com intento extrafiscal reside na necessária cumulação de

competências constitucionais, tanto em matéria tributária como reguladora. Ao se

analisar a legislação do Estado de Minas Gerais sob a ótica de tais pressupostos

teóricos, e aplicando-se o método dedutivo de conhecimento, concluiu-se que o ente

possui importantes iniciativas em torno da utilização do tributo com função indutora ou

extrafiscal. Assim é que foram identificadas ações como a redução da base de cálculo

do IPVA para veículos movidos a álcool etílico hidrato combustível, ou a possibilidade

de dedução dos recursos aplicados em projetos culturais da base de cálculo do ICMS.

Destaca-se ainda a alíquota mais gravosa de ICMS (25%) para cigarros e a maior

parte das bebidas alcóolicas, além de armas e munições. Em relação ao ITCMD, tem-

se a isenção concedida à doação de bem imóvel pelo poder público com o fim de atrair

empresas industriais e comerciais para determinado Município, ou ainda da isenção

para doações vinculadas a programa de incentivo ao esporte ou à cultura. No que se

refere às taxas, identificou-se que a base da TFAMG e da TFRM, não guarda

necessária correspondência (ainda que relativa) com o custo da atuação estatal,

podendo ser dito que estariam a tornar mais ou menos onerosas determinadas

situações, o que resulta em potencial intervenção estatal no domínio econômico. Em

contraposição, considerou-se que as iniciativas até então adotadas terminam por se

revelar circunstanciais, isoladas e, por vezes, em aparenta contradição com outras

normas da legislação estadual.

Palavras-chave: Ciência jurídica. Direito Tributário. Extrafiscalidade. Competência

tributária e reguladora. Estados federados.

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ABSTRACT

The purpose of this paper is to investigate extrafiscality in the Brazilian federal states.

Extrafiscality as an institute from the science of finance began to be debated in the

legal field as a tool to induce behavior with the objective of intervention on the

economic domain, being classified as tax inductive norm. For its perfect identification,

it is necessary to combine the purpose of the norm with the function it performs. That

said, by purpose is well known the aspect related to the cause that justifies the

collection of the tax and by function the ability to influence the conduct of individuals

through the escalation of the tax burden. Another fundamental request for the

institution of the norm with extrafiscal intent resides in the necessary cumulation of

constitutional competences, in both tax and regulatory matters. When analyzing the

situation of the State of Minas Gerais through such theoretical assumptions, and

applying the deductive method of knowledge, it was concluded that the entity has

important initiatives envolving the use of tax with an inductive or extra-fiscal function.

Thus, it was identified in the state legislation the reduction of the calculation basis of

the IPVA for vehicles powered by ethyl alcohol hydrate fuel, or the possibility of

deduction of the resources applied in cultural projects of the State Sales Tax (ICMS)

calculation base. The most elevated ICMS tax rate (25%) is also applied for cigarettes

and most alcoholic beverages, as well as weapons and ammunition. In relation to the

donation and succession tax (ITCMD), there is the exemption granted to the donation

of real state property by the public power with the purpose of attracting industrial and

commercial enterprises for a given municipality, or exemption for donations linked to a

program to encourage sports or culture iniciatives. Regarding rates or fees, it was

identified that the basis of the TFAMG and the TFRM, does not have necessary

correspondence with the cost of state action, and it could be said that they would make

certain situations more or less costly, which results in potential state intervention in the

economic domain. In contrast, it was considered that the initiatives still end up proving

to be circumstantial and sometimes in apparent contradiction with other norms of the

state legislation.

Keywords: Legal science. Tax Law. Extrafiscality. Tax inducing norm. Brazilian federal

states.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNI – Confederação Nacional da Indústria

CTN - Código Tributário Nacional

Embratur – Empresa Brasileira de Turismo

FEMA – Fundação Estadual do Meio Ambiente

GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio

GEE – Gases do Efeito Estufa

ICMS – Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e prestações

de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação

ICM – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias

IEF – Instituto Estadual de Florestas

IEPHA-MG – Fundação Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas

Gerais

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

IPTU – Imposto sobre Transmissão, e aos Municípios o Imposto sobre a Propriedade

Predial e Territorial Urbana

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores

IOF – Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou

valores mobiliários

ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação

PAC – Plano de Aceleração do Crescimento

POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares

RICMS - Regulamento do ICMS

TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental

TFRM – Taxa de controle, monitoramento e Fiscalização das atividades de pesquisa,

lavra, exploração e aproveitamento de Recursos Minerários

TFAS – Taxa de Fiscalização sobre serviços públicos de Abastecimento de água e

Saneamento

TFAMG – Taxa de controle e Fiscalização Ambiental do estado de Minas Gerais

Page 8: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15 2 DIREITO E EXTRAFISCALIDADE ........................................................................ 21 2.1 Panorama da extrafiscalidade no ordenamento jurídico brasileiro .............. 21 2.2 Pressupostos para que a extrafiscalidade possa se tornar uma política fiscal efetiva e em conformidade com o Direito positivo ............................................... 31 2.3 Análise jurídica da extrafiscalidade enquanto instituto de direito tributário .................................................................................................................................. 35 2.4 Critérios de identificação da norma tributária indutora ................................. 37

2.5 Norma tributária indutora enquanto ente lógico-jurídico .............................. 46 2.5.1 Definição da norma jurídica segundo a teoria da norma jurídica proposta por Hans Kelsen .............................................................................................................. 46 2.5.2 Classificação da norma tributária indutora como espécie de norma jurídica .... 48 2.5.3 Identificação das normas tributárias indutoras a partir do seu fundamento de validade ..................................................................................................................... 53

3 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E REGULADORA APLICADAS À EXTRAFISCALIDADE .............................................................................................. 61 3.1 Competência tributária para edição de normas tributárias indutoras .......... 61 3.1.1 Impostos ........................................................................................................... 65

3.1.2 Taxas................................................................................................................ 68 3.1.3 Contribuições de Melhoria ................................................................................ 73

3.2 Relação da competência reguladora com a capacidade para instituir tributos com efeito indutor ................................................................................................... 75 4 EXTRAFISCALIDADE NO ÂMBITO DOS ESTADOS FEDERADOS ................... 81 4.1 Contextualização da extrafiscalidade aplicável aos estados federados ...... 81 4.2 Esferas de regulação e atuação dos Estados com possibilidade de introdução da norma tributária indutora ............................................................... 89 4.2.1 Aspectos gerais ................................................................................................ 89 4.2.2 Proteção ao meio ambiente e controle da poluição .......................................... 90 4.2.3 Produção e Consumo ..................................................................................... 101

4.2.4 Proteção e defesa da saúde ........................................................................... 105

4.2.5 Outros ramos de regulação e atuação dos Estados ....................................... 114

4.3 Investigação da norma tributária indutora no Estado de Minas Gerais ..... 115 4.3.1 Pressupostos teóricos de investigação .......................................................... 115 4.3.2 Extrafiscalidade quanto aos Impostos Estaduais ........................................... 116 4.3.3 Extrafiscalidade quanto às Taxas ................................................................... 122

4.3.4 Resultados encontrados a partir da análise desenvolvida.............................. 129

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 133

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 141

Page 9: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

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1 INTRODUÇÃO

Ao Direito enquanto técnica de controle social tem sido atribuída nova função

distinta daquela tradicionalmente conhecida, que o considerava estritamente do ponto

de vista repressivo1. Trata-se de papel que acompanha a passagem do Estado liberal

para o social2, marcada pela introdução de modernas ferramentas de controle social

com intuito de que fossem perseguidos novos fins propostos à ação estatal. Seriam

as ‘técnicas de encorajamento’ citadas por Bobbio (2007, p. 2), que passam a ser

difundidas em acréscimo, ou mesmo em substituição, aos tradicionais instrumentos

de desencorajamento3. Afirma o autor se tratar de técnica que reflete verdadeira

transformação na função do sistema normativo e no modo de realizar o controle social.

Marca a passagem de um controle passivo, mais preocupado em desfavorecer ações

nocivas, para um controle ativo, voltado para favorecer ações vantajosas. Neste

contexto, distingue a existência de um ordenamento protetivo-repressivo – ao qual

interessa, sobretudo, os comportamentos não desejados e cujo fim seria impedir a

sua prática – de um promocional, em que os comportamentos socialmente desejáveis

ganham relevância e que se busca sejam realizados até mesmo pelos recalcitrantes.

As medidas de encorajamento, próprias desse segundo caso, teriam por objetivo a

mudança, diferentemente daquelas de desencorajamento, em que se busca a

conservação social.

Com base na concepção apresentada por Bobbio (2007), identifica-se o

ordenamento pátrio como tendo encampado a ideologia de Estado social, conferindo

ao Direito caráter promocional. Ao figurar como precursora desta tendência, a

Constituição de 1988 integra em seu texto um conteúdo intensamente programático4.

1 Ou, como assinala Bobbio, fala-se tradicionalmente em função protetora e repressiva, isto é, de

proteção em relação a atos lícitos mediante a repressão daqueles que sejam ilícitos (BOBBIO, 2007, p. 2).

2 Segundo Schoueri, a ideologia que predominou até o início do último século preconizava a atuação do Estado como mero vigilante de uma economia que se autorregulava. Esta visão foi superada por um modelo a partir do qual o Estado passou a desempenhar um papel ativo e permanente nas realizações inseridas no campo econômico, assumindo atribuições para a condução e funcionamento das forças econômicas (SCHOUERI, 2005, p. 1).

3 No seu entender, para garantir a paz, bastaria a existência de normas que impeçam os diversos membros da sociedade de fazer mal uns aos autos, e que se inspira no ideal do Estado liberal clássico, entendido como simples guardião da ordem pública. Neste contexto, o direito se resumiria, pouco a pouco, ao direito penal, composto, em sua maioria, por normas ou comandos negativos (proibições).

4 A utilização do termo “programático” ou “norma constitucional programática” está sendo empregada na acepção revelada por José Afonso da Silva (2005), ao identificar cinco elementos na estrutura

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Isso se explica, em parte, pelo que afirma Schoueri, no sentido de que o constituinte

se mostrou inconformado com a ordem econômica e social então vigente,

estabelecendo uma série de valores a serem concretizados pelo Estado e conferindo

ferramentas hábeis a alcançar a ordem desejada (SCHOUERI, 2005, p. 2).

Dentre os instrumentos alinhados com esse objetivo, destaca-se o tributo como

relevante mecanismo de transformação social. A sua atribuição, que antes era

concebida como neutra ou limitada a fins arrecadatórios, volta-se com a nova ordem

jurídica a ser idealizada para a prática da intervenção sobre o meio econômico e

social, almejando a concretização de novos valores prestigiados pela Constituição. A

manipulação do tributo com esse objetivo se faz através das conhecidas implicações

que a sua incidência tem sobre o comportamento social, ora induzindo a adoção de

condutas socialmente desejáveis e ora inibindo a prática daquelas que sejam

contrários ao interesse público. Longe de se tratar de mera faculdade conferida ao

legislador, o ordenamento impôs que fosse levado em conta o caráter indutor das

normas tributárias.

A indução é feita pelo caminho do incentivo financeiro ou prêmio, ponto em que

se revela como nítida técnica de encorajamento. A se adotar a conduta desejada pelo

legislador, ainda que consistente em uma omissão ou inércia do indivíduo, ter-se-á o

surgimento de consequência que implica em vantagem fiscal. Sobre essa particular

utilização do tributo com efeito indutor, tem se referido ao seu uso extrafiscal - ou

simplesmente extrafiscalidade -, que escapa da noção tradicionalmente construída de

que essa figura se limitaria à arrecadação de recursos aos cofres públicos, entendida

simplesmente como função fiscal - ou fiscalidade.

Já há algum tempo a extrafiscalidade vem sendo objeto de debate,

principalmente quanto à sua conformação jurídica, possibilidades, mecanismos de

controle ou limitações. Inclusive, inúmeros estudos tendem a analisar sua

aplicabilidade às medidas adotadas pela União Federal, principalmente em relação

aos tributos regulatórios, que são identificados como importantes mecanismos de

normativa constitucional, dentre eles os chamados “elementos sócio-ideológicos”, que seriam relevadores do caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado social intervencionista. Em outra obra do mesmo autor, Afonso da Silva (1968) desenvolve o conteúdo das chamadas “normas programáticas” como categoria normativa constitucional dos elementos sócio-ideológicos, concluindo que apontariam os valores sociais, especialmente o da justiça social, para cuja realização deve estar voltada toda a ordem jurídico política nacional, ou seja, normas que traçam fins sociais que devem ser cumpridas pelo Estado.

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17

controle da economia. Pouco ou quase nada tem sido discutido a respeito do papel

dos Estados na instituição de tributos com pretensão extrafiscal.

Sabe-se que a Constituição tratou de repartir competências administrativas e

reguladoras comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Conquanto o

papel da primeira nessa função tem ganhando cada vez maior destaque, a dos demais

entes fica em segundo plano. No entanto, algumas justificativas têm sido levantadas

a esse respeito, como a aglutinação de competências, inclusive em matéria tributária,

em torno do Ente Central, o que termina por restringir a atuação dos demais entes

políticos. Também têm sido suscitadas preocupações em torno de um potencial

conflito entre Estados, tomando o imposto como instrumento para atrair investimentos

ao seu território, resultando em desestabilização da economia nacional.

Por outro lado, não se pode descuidar da circunstância de ter o ordenamento

imposto a utilização do tributo para que sejam alcançados fins outros distintos da mera

arrecadação, chegando até a preconizar o seu uso extrafiscal em determinadas casos.

Em sentido semelhante, não parece ter o constituinte excluído o papel dos Estados,

Distrito Federal e Municípios, nesta função, e sim pressupor a sua coparticipação.

O objetivo deste trabalho é, portanto, investigar a participação dos Estados na

instituição de normas tributárias com efeito indutor ou daquelas que tenham por

objetivo uma atuação extrafiscal. Para enriquecer a análise que se pretende

desenvolver, será analisada a situação do Estado de Minas Gerais, em especial de

quais medidas têm sido implantadas na legislação daquele ente e eventuais áreas em

que seja oportuna a utilização do tributo para alcançar fins constitucionalmente

relevantes. `

Por se tratar de projeto que envolve a (re)definição de conceitos abstratos do

Direito e a identificação no plano de legislação estadual da chamada norma tributária

indutora, a pesquisa utilizado foi do tipo teórica, sendo o procedimento para a coleta

de dados essencialmente oriundo da pesquisa bibliográfica, em que se apresentou

revisão ampla e sistemática da literatura especializada que trata do tema objeto de

estudo. Consequentemente, adotou-se a vertente jurídico-dogmática para resolução

do problema, tendo em vista que mostrou-se necessário confrontar a estrutura interna

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18

do ordenamento jurídica e da relação entre as normas que autorizam a tributação

extrafiscal5.

Antes de enfrentar a problemática, porém, mostrou-se necessário entender

como a extrafiscalidade tem sido compreendida no contexto brasileiro, oportunidade

na qual foi demonstrando como parte da doutrina tem perfilhado um conceito extraído

da ciência das finanças para efeito de compreender um instituto que se diz jurídico. A

posição mais lógica parece ser aquela que identifica no fenômeno da extrafiscalidade

todos os casos em que o instrumento tributário estaria sendo utilizado para induzir o

comportamento dos indivíduos com o objetivo de buscar a intervenção sobre o meio

econômico e social. É o que Schoueri (2005) passa a designar por norma tributária

indutora.

Em seguida, foram apresentados alguns pressupostos para que se tornasse

viável a instituição da extrafiscalidade. Neste capítulo, o leitor irá notar que para a

introdução da norma tributária indutora é necessário que sejam perseguidos fins

constitucionalmente relevantes, que não se confundem com a mera arrecadação de

tributos. De toda sorte, há situações em que se mostra incabível a adoção da

extrafiscalidade, seja por uma imposição de que se adotem normas de direção ou

mandatórias como pelos impactos gerados que podem desvirtuar os propósitos

inicialmente estipulados.

Concluída essa etapa, foi desenvolvida análise quanto à feição jurídica da

extrafiscalidade, bem como dos critérios que permitam a sua identificação. Neste

tópico, restou demonstrado que a qualificação jurídica da extrafiscalidade depende de

que se identifique medida que tenha por objetivo induzir comportamentos em direção

à finalidade de relevância jurídica. Logo em seguida foram elencados os critérios

apontados pela doutrina para a identificação da norma tributária indutora. À vista do

insucesso das correntes que enxergam na finalidade a solução para o objetivo

proposto, recorrem alguns autores a uma visão pragmática do seu objeto. Esta,

contudo, deve necessariamente pressupor a conjugação dos aspectos normativos da

finalidade e função para dizer se há extrafiscalidade.

Não menos importante, ficou por saber se a norma tributária indutora se

qualifica como espécie normativa nova ou já existente. A esse respeito, não se 5 O modelo teórico de produção do conhecimento científico adotado foi do tipo ‘analítico’, pois que a

solução do tema-problema somente se mostra possível ante a investigação do caráter normativo da extrafiscalidade e a sua identificação no plano legislativo através destes mesmos critérios de identificação norma.

Page 13: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

19

identificou espécie autônoma, mas mero desdobramento ou extensão da norma de

conduta que tem por objetivo a indução de comportamentos (função) em direção a

determinado objetivo jurídico (finalidade). Enfim, partiu-se do pressuposto de que é a

finalidade que legitima a norma tributária indutora, servindo ao lado da função como

critério para identificação da extrafiscalidade enquanto espécie.

Definidos os necessários pressupostos teóricos ao enfrentamento do tema,

buscou-se demonstrar que para que seja instituída a norma tributária indutora seria

necessária a cumulação das competências tributárias e reguladoras. Não obstante,

descartou-se as contribuições de melhoria por não serem compatíveis com o regime

da extrafiscalidade, isto é, não serem hábeis a provocar indução na conduta dos

indivíduos. Por outro lado, em relação à figura dos impostos e taxas, escolhidos para

análise por estarem inseridos na competência dos Estados, seria possível a

substituição da causa que justifica a sua cobrança por outra atinente à necessidade

de intervenção do Estado sobre o domínio econômico.

No último e derradeiro capítulo, cuidou-se de contextualizar a extrafiscalidade

à realidade dos Estados-membros, demonstrando a existência de impedimentos e

limitações à sua instituição. Em todo o caso, a utilização do tributo com viés indutor

se mostra factível e juridicamente possível, podendo ser aplicada em matéria de

impostos e taxas de competências estaduais para que seja atendida a atuação do

Estado em áreas que se inserem dentro da incumbência constitucional (proteção ao

meio ambiente e controle da poluição; produção e consumo; proteção e defesa da

saúde; dentre outros).

Especificamente quanto ao Estado de Minas Gerais, foram identificadas

importantes iniciativas em torno da utilização do tributo com função indutora ou

extrafiscal, principalmente em iniciativas como o incentivo ao consumo de

combustíveis e veículos menos poluentes, ou o apoio a projetos culturais, além do

desestímulo àqueles produtos nocivos à saúde (cigarro e bebidas alcóolicas).

Entretanto, em determinados áreas as medidas se revelam contraditórias e

aparentemente insuficientes para alcançar o objetivo proposto. Há ainda espaço para

que seja melhor desenvolvida uma política de tributação extrafiscal.

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21

2 DIREITO E EXTRAFISCALIDADE

2.1 Panorama da extrafiscalidade no ordenamento jurídico brasileiro

Não se sabe precisar o momento exato em que a expressão “extrafiscal”

começou a ser utilizada pelos estudiosos e operadores do Direito, com intuito de dar

nome ao fenômeno observado na utilização do tributo com fins outros que não o de

prover o Estado com recursos para fazer frente às despesas públicas.

Sabe-se, contudo, que se trata de tarefa a ser logo superada, dada a urgência

em que se encarem novos desafios relacionados ao estudo da extrafiscalidade, dentre

eles a definição dos seus limites, aplicabilidade, mecanismos de controle e até da sua

própria análise enquanto ente lógico6.

Não há, por certo, congruência quanto aos critérios que permitam identificar a

existência de tributação extrafiscal. Alguns falam em divisão da extrafiscalidade

enquanto gênero e espécie, outros em própria e imprópria, estando presente nas

classificações propostas a evidência de que a expressão parece alcançar um extenso

universo de situações distintas entre si e que não cabem ser analisadas sob um único

conceito. A evolução do instituto deixa claro que já não basta definir o que seja

‘extrafiscal(idade)’, mas antes reconhecer que há distintas manifestações do

fenômeno, o que justifica que a Ciência do Direito se encarregue da tarefa de lhe

conferir caráter sistêmico.

A começar pelo objeto da Ciência das Finanças, Baleeiro (2004, p. 9) a

interpreta como o estudo da atividade fiscal, isto é, aquela desempenhada pelo poder

público com o propósito de obter e aplicar recursos para o custeio da rede de serviços

públicos. Enquanto a Ciência das Finanças é revestida de neutralidade, limitando-se

a descrever o seu objeto (ou certas ‘verdades’ como diz o autor), a Política Financeira

se utiliza desses mesmos pressupostos para definir diretrizes e indicar quais seriam

as medidas aptas à realização de certos fins. A Política Fiscal, como parte da Política

Financeira, inspira-se na manipulação dos tributos ou da série de medidas que o

tomem por instrumento de ação. Atualmente, porém, a Política Fiscal vem sendo

concebida como a aplicação de instrumentos financeiros para fins ‘extrafiscais’,

6 Isto é, no plano da norma jurídica.

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22

abandonando-se a orientação clássica em torno das “finanças neutras”7 para a das

“finanças funcionais”, cujo sentido é influir sobre a conjuntura econômica, corrigindo

as depressões econômicas e processos inflacionários existentes, além da modificação

das estruturas subdesenvolvidas através de políticas anticíclicas8.

De fato, o crescente abandono do liberalismo pelo intervencionismo9 provocou

profundas mudanças no campo financeiro. Descreve Corrêa que a partir dessa

mudança passou a se perceber que medidas financeiras poderiam valer como

instrumento de intervenção no campo econômico e social, independentemente dos

gastos públicos. Ou seja, o gasto deixou de ser o único parâmetro para a modificação

da realidade social, passando os instrumentos de cunho financeiro a desempenharem

igualmente esse papel10 (CORRÊA, 1975, p. 1). Outras alterações também foram

sentidas:

No setor do orçamento, por exemplo, o princípio do equilíbrio orçamentário deixou de possuir a importância que os clássicos lhe davam, visto que os especialistas em finanças públicas procuraram não mais o equilíbrio contábil e ânuo de orçamento do estado, mas sim, o equilíbrio geral da vida econômica e social da nação, nascendo daí a idéia de orçamento cáclico. (CORRÊA, 1975, p. 1).

Por isso, o estudo da teoria financeira já não se faz de forma neutra em relação

à economia, quer sob o aspecto axiológico como técnico, não podendo se descuidar

7 “A finalidade das instituições deveria ser puramente fiscal, isto é, arrecadar fundos para o Tesouro,

abstendo-se de reger ou alterar a estrutura econômica ou política da sociedade. Essa concepção tradicional é designada como a das ‘finanças neutras’. Não é menos política por isso: deixando a sociedade como estava, a atividade financeira obedecia a uma política eminentemente conservadora.” (BALEEIRO, 2004, p. 26).

8 Ao estudar as medidas anticíclicas adotadas no Governo do Presidente Luna, Lukic (2015) identifica que em 2007 foi proposto o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) que estipulava ações para estimular o investimento público e privado, dentre elas desonerações tributárias para incrementar o investimento privado e aumentar o consumo. Com a crise internacional de 2008, estas medidas tidas como extrafiscais continuaram a ser adotadas, inclusive através de provimentos de emergência (isenções temporárias de impostos para estimular a produção, o comércio e o consumo). Uma das medidas de destaque foi a redução do Imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre automóveis.

9 Como assinala Corrêa, o Estado deixou de ser mero espectador das atividades econômicas, passando a agir como regente da economia, preocupado com o crescimento do produto nacional bruto e da distribuição da riqueza, além do bem estar e desenvolvimento urbano (CORRÊA, 1975, p. 2).

10 Nogueira reconhece que é no campo das receitas que o Estado transforma e moderniza seus métodos de ingerência, deixando o imposto de ser concebida como instrumento destinado exclusivamente a cobrir as necessidades financeiras do Poder Público (NOGUEIRA, 1971, p. 148-149).

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do que Baleeiro (2004) passou a denominar de ‘finanças extrafiscais’11. A atuação da

Política Fiscal - que no campo econômico era conhecida pelo viés protecionista e

limitado à instituição de impostos alfandegários - vem sendo cada vez mais

redirecionada para fins “sócio-políticos”, de modificação da conjuntura e da estrutura

sócio-econômica.

Dentre os meios empregados para alcançar tais objetivos, utiliza-se o Poder

Público do tributo enquanto instrumento de intervenção e direção da economia,

desvinculado da preocupação de servir como meio prioritário de cobrir as despesas

públicas12. Daí que se passou a referir no campo da tributação à extrafiscalidade, não

mais restrita ao campo da Ciência das Finanças, mas agora de interesse do Direito.

Justamente pelo seu marcante viés financeiro, a extrafiscalidade foi identificada

pela doutrina, em um primeiro momento, como toda forma de tributação que não

estivesse relacionada ao objetivo precípuo do Estado em carrear recursos aos cofres

públicos13.

Spagnol (1993) assevera que a tributação não está mais adstrita ao orçamento

fiscal, não podendo ser concebida como simples meio de obter recursos para o

Estado. Ao tratar da ‘tributação extrafiscal’, reconhece a sua existência como sendo a

própria utilização do instrumental tributário com finalidade não fiscal. Prossegue para

criticar a posição daqueles que consideram que a perseguição de fins extrafiscais

merece ser regulada por princípios distintos e muitas das vezes contraditórios àqueles

aplicáveis na tributação fiscal. No seu entender, trata-se de uma “visão viciada de todo

o sistema arrecadatório fiscal”, tendo em vista que “não obstante determinados

tributos possam cumprir finalidades extrafiscais, implicam também arrecadação de

numerário” (SPAGNOL, 1993, p. 32-33).

11 Quer-se demonstrar que a atividade tributária longe de ser compreendida como um fim em si mesma,

é analisada segundo a sua influência em termos econômicos. Quando se fala em “finanças extrafiscais”, coloca-se em evidência a atividade financeira do Estado que é utilizada com viés de intervenção na economia.

12 O fenômeno chegou a ser identificado por Canto, que observou a existência de certos impostos que visavam fins outros que não a obtenção de meios econômicos e que, inclusive, comprometiam essa concepção. Segundo o autor, tais impostos seriam exceções dentro de um sistema impositivo, existindo aqueles que contestem o seu caráter tributário para considerar que seriam manifestação do exercício do poder de polícia. O autor advogada, porém, que as tendências mais modernas classificam a atuação do Estado, referida a estes meios, como tipo distinto da atividade financeira (CANTO, 19--, p. 23).

13 Buscou-se, com isso, recorrer a conceito que vinha sendo construído por outra área do saber para dar sentido a acontecimento que vinha sendo observado na seara jurídica.

Page 18: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

24

Para Nabais (2005), a disciplina jurídica da extrafiscalidade reúne um conjunto

de normas que tem por finalidade principal a consecução de determinados resultados

econômicos ou sociais e não a obtenção de receitas para fazer frente às despesas

públicas.

Em sentido semelhante, Gouvêa (2006) considera que o Estado tributa para

auferir receitas, concretizando a supremacia do interesse público sobre o particular

através do princípio da fiscalidade14. Quando busca objetivos distintos, afastando-se

da mera arrecadação, pratica a extrafiscalidade. De toda forma, adverte que

fiscalidade e extrafiscalidade, estão sempre e necessariamente juntas, por ser

inconcebível que normas tributárias sejam avessas à arrecadação15.

Fiscalidade e extrafiscalidade, advirta-se, estão sempre e necessariamente juntas. Separam-se, apenas, hipoteticamente, para maior clareza de exposição. Eventualmente, na experiência jurídica, verifica-se a preponderância de um dos princípios, porém não supressão de um em prol da existência de outro. (GOUVEA, 2006, p. 47)16.

Tanto a fiscalidade como a extrafiscalidade, não teriam existência isolada,

porém conjunta, levando em conta que a tributação conta com dupla finalidade, ora

auferir recursos para que o Estado subsista e ora para garantir a realização dos

direitos fundamentais do cidadão ou de valores que excedem à mera arrecadação de

tributos17; embora sempre em consonância com o objetivo arrecadatório.

Em apertada síntese, pela fiscalidade, o Estado seria impelido à tributação com

o objetivo de garantir os meios necessários ao financiamento das suas finalidades

14 Para esclarecer o que se entende por fiscal ou fiscalidade, opta-se por nos filiar à posição de Gouvea

(2006) que identifica no instituto a noção de que o Estado tributa para auferir receitas com o objetivo de financiar suas atividades decorrentes da realização de suas atribuições constitucionais. Trata-se de tributação desvinculada de valores, afeita, apenas, a receita e despesas.

15 Em posição mais arrojada, Deodato sustenta que todos os impostos, em maior ou menor grau, seriam dotados de função extrafiscal. O doutrinador parte da suposição de que o tributo, em especial os impostos, seriam mecanismos cuja atuação prioritária seria no meio social, econômico e político, podendo, além dessas funções, possuir finalidade fiscal. De fato, todo o tributo é dotado de alguma finalidade, podendo ela ser do tipo fiscal (clássica) ou mais abrangente, envolvendo a atuação do Estado no meio social e econômico. O melhor, contudo, seria compreender que o tributo pode desempenhar diferentes funções, seja de forma concomitante como exclusiva. Nesse sentido, torna-se irrelevante investigar qual função precede a outra, uma vez que, na maioria dos casos, não há como fazer essa divisão (DEODATO, 1949, pp. 66-67).

16 Na acepção proposta, a extrafiscalidade restaria configurada como verdadeiro “princípio de legitimação da incidência tributária” (GOUVEA, 2006, p. 42).

17 Acrescenta Regina Helena Costa que se trata do emprego de instrumentos tributários para o “atingimento de finalidades não arrecadatórias, mas sim, incentivadoras ou inibitórias de comportamentos, com vistas à realização de outros valores constitucionalmente consagrados” (COSTA, 2005, p. 321).

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25

constitucionalmente estabelecidas, e, através da extrafiscalidade, seria afastado –

desde que necessário e apenas em parte – do objetivo arrecadatório, para atingir

essas mesmas finalidades constitucionais18.

Também Grupenmacher se filia a corrente semelhante ao identificar que os

tributos extrafiscais ou regulatórios, assim como aqueles instituídos para financiar os

objetivos institucionais do Estado (tributos fiscais), também são cobrados para

abastecer os cofres públicos, com a única diferença que buscam precipuamente atuar

regulando alguma situação social, econômica ou política (GRUPENMACHER, 2017).

É o que defende Ávila, ao asseverar que as normas com finalidades fiscal

seriam entendidas como aquelas que visam primariamente carrear receitas para o

Estado, repartindo os encargos com base em elementos como a capacidade

econômica dos contribuintes. Já as normas com finalidade extrafiscal, são assim

consideradas como aquelas que visam a atingir algum fim público autônomo, tal como

a proteção do meio ambiente ou o desenvolvimento regional, distribuindo as

obrigações com base em elementos extrínsecos aos contribuintes (potencial poluidor

ou subdesenvolvimento regional) (ÁVILA, 2009, p. 65).

José Marcos de Oliveira cita como exemplo dos fins que orientam a tributação

extrafiscal a redistribuição da renda e da terra, a defesa da indústria nacional, a

orientação dos investimentos para setores produtivos - ou mais adequados ao

interesse público -, e a promoção do desenvolvimento regional ou por setor

(OLIVEIRA, 1999, p. 37).

Com o objetivo de precisar o conceito da extrafiscalidade, Ataliba propõe uma

definição mais detalhada do instituto como sendo o emprego dos instrumentos

tributários com objetivos não fiscais, mas regulatórios de comportamentos sociais, em

matéria econômica, social e política (ATALIBA, 1968, p. 150). Também Baleeiro adota

concepção próxima ao identificar na extrafiscalidade a utilização do instrumental

financeiro para provocação deliberada de resultados econômicos e políticos, listando

como exemplos a repressão da inflação e do desemprego, a restauração da

propriedade, a proteção da indústria nacional, a promoção do desenvolvimento

econômico ou o nivelamento das fortunas (BALEEIRO, 2004, p. 9).

18 Em outras palavras, como afirmam Jeronimo e Freitas, os tributos extrafiscais, quanto à sua

extrafiscalidade, são utilizados para orientar a atuação dos contribuintes nos setores mais produtivos, adequando-os ao interesse público (JERONIMO; FREITAS, 2013, p. 68).

Page 20: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

26

Explicita Derzi que se trata de tributação que não almeja, prioritariamente,

prover o Estado dos meios financeiros a seu custeio, mas antes ordenar a propriedade

segundo sua função social19 ou a intervir em dados conjunturais ou estruturais da

economia (DERZI, 2004, p. 113).

[...] Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência tem reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais. (DERZI, 2004, p. 113).

Ainda em Derzi é possível encontrar o entendimento de que não é fácil distinguir

os fins fiscais daqueles extrafiscais. A par da imprecisão e fluidez dos contornos entre

um e outro, não raro o ente tributante seria tentado a usar a extafiscalidade como

desculpa ou pretexto para estabelecer maior pressão fiscal (DERZI, 2004, p. 115).

Schoueri, em posição inovadora, defende o duplo sentido do termo

extrafiscalidade, sustentando que a expressão tanto pode se referir a um gênero como

a uma espécie. Para o autor, “o gênero da ‘extrafiscalidade’ inclui todos os casos não

vinculados nem à distribuição equitativa da carga tributária, nem à simplificação do

sistema tributário” (SCHOUERI, 2005, p. 32). Nesse ponto parece se aproximar da

definição pressuposta pela maior parte da doutrina, ao reconhecer que a

extrafiscalidade estaria vinculada a razões não fiscais e substancialmente distintas da

mera fiscalidade. Deles se distancia ao identificar no uso corriqueiro do termo

extrafiscalidade de uma acepção em sentido estrito para contemplar a universalidade

de casos em que o instrumento tributário estaria sendo utilizado para regular,

modificar, direcionar, desestimular o comportamento dos cidadãos com o firme

propósito de buscar a intervenção sobre o domínio econômico.

A extrafiscalidade enquanto espécie não incluiria as normas que, apesar de

serem movidas por razões não fiscais, estariam desvinculadas do impulsionamento

econômico por parte do Estado. Pretende com isso subdividir o papel desempenhado

pelas chamadas normas tributárias indutoras daquelas atinentes às políticas sociais,

bem como das normas que não se incluem na fiscalidade e cuja disciplina por vezes

escapa do regime tributário. Portanto, o autor se utiliza da expressão ‘normas

19 É o que identifica Greco, que em análise da progressividade aplicada ao IPTU, sustenta a existência

de uma corrente que defende o viés de natureza fiscale (arrecadatória), relacionada ao princípio da capacidade contributiva, e outra também chamada de progressividade urbanística (ordenatória), ligada à função social da propriedade (GRECO, 1990, p. 110).

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27

tributárias indutoras’ para deixar à evidência de que o regime jurídico (princípios e

regras) aplicável é o tributário.

A expressão “normas tributárias indutoras”, por outro lado, tem o firme propósito de não deixar escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por indução, não perdem tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário. (SCHOUERI, 2005, p. 34).

Comungando do entendimento proposto, Leão reconhece que “as normas

tributárias indutoras não exaurem a temática da extrafiscalidade”. Ao interpretar a

posição adotada por Schoueri, sustenta que a extrafiscalidade em sentido estrito faria

referência a todas as normas com “consciente estímulo ao comportamento das

pessoas, sem revelar como fundamento precípuo arrecadar recursos pecuniários”

(LEÃO, 2015, p. 46). Ainda que reconheça a dificuldade e artificialidade na distinção

entre normas tributárias indutoras e arrecadatórias, acredita na possibilidade de que

se identifique normas cuja função principal não seja arrecadatória, mas sim indutora.

Aliás, considera imprescindível que se encare o desafio por acreditar na diferença de

tratamento entre contribuintes sujeitos ao comando de normas de natureza diversa e

também nos diferentes tipos de controle a serem exercidos sobre cada uma dessas

espécies normativas.

Ao mesmo tempo em que a autora se resigne ante o fato de que no âmbito da

norma tributária possam coexistir funções arrecadatórias e regulatórias, defende que

referidas finalidades são exercidas com intensidades distintas20. Com isso, pretende

que seja buscada uma norma tributária cujas características indiquem de forma

premeditada e intencional a indução sobre o comportamento dos contribuintes, e que

se distancia daquelas espécies em que esse efeito seja secundário se comparado aos

fins arrecadatórios.

Por essa razão, mesmo que se reconheça que as normas tributárias indutoras serão, em alguma medida, também arrecadatórias, podemos identifica-las como aquelas em que este objetivo é minimizado diante da intenção de realizar outras finalidades estatais que não a arrecadação dos recursos necessários à manutenção do Estado. (LEÃO, 2015, p. 50).

20 Embora reconheça que também os impostos regulatórios - ou extrafiscais na acepção aqui proposta

-, tenham função de gerar receita, Vogel afirma que o contraste que permite distinguir os objetivos das leis tributárias estaria na função distributiva da carga tributária e na função regulatória por elas exercida (VOGEL, 1984, p. 548).

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28

Enfim, ao delimitar o seu objeto de pesquisa, Leão (2015), em posição

semelhante à encontrada em Schoueri (2005), assinala que as normas tributárias

indutoras seriam aquelas cuja função principal consistiria na utilização do tributo como

mecanismo de intervenção sobre o domínio econômico, valendo-se como instrumento

para contribuir com a concretização da ordem social e econômica preconizada pela

Constituição de 1988.

Conquanto seja por nós aceita como correta a tese segundo a qual a

extrafiscalidade no campo tributário representa relevante mecanismo de intervenção

estatal sobre o domínio econômico21, até por ser notória a influência do tributo sobre

as relações de natureza econômica22 – especialmente na esfera de liberdade

concedida aos agentes econômicos23 -, não pretendemos com isso limitar seu escopo

de abrangência para dele excluir a atuação mais abrangente do Estado sobre a ordem

econômica e social, modificando-a segundo fins constitucionalmente relevantes24.

Nesse sentido, considera-se que a invocação de uma suposta ‘norma tributária

indutora’ como mecanismo puramente de intervenção sobre o domínio econômico25,

poderá enfraquecer a compreensão do fenômeno jurídico da extrafiscalidade, que se

estende igualmente aos campos político e social.

Ainda que assim o aparenta ser, revela-se igualmente correto reconhecer que

a extrafiscalidade enquanto espécie é empregada prioritariamente como instrumento

de intervenção estatal no campo econômico. Já sustentava Becker que cada vez mais

a principal finalidade de muitos tributos deixa de ser a de instrumento de arrecadação

de recursos para o custeio das despesas públicas, passando a operar como

21 Segundo ensinamento de Schoueri que ora passa-se a adotar, “domínio econômico há de ser

compreendido como aquela parcela da atividade econômica em que atuam agentes do setor privado, sujeita a normas e regulação do setor público, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, admitindo-se, excepcionalmente a atuação direta do setor público, desde que garantida a ausência de privilégios” (SCHOUERI, 2005, p. 43).

22 Já alertava Ataliba que a tributação exerce “influências instigantes” na economia em geral, não existindo as sonhadas finanças neutras (ATALIBA, 1966, p. 150).

23 Vogel ensina que todo ‘imposto’ regulatório ao intervir na propriedade e obrigar o pagamento em dinheiro, funcionaria como gatilho ou alavanca provocando a adoção de conduta pelo contribuinte em determinado sentido desejado pelo legislador (VOGEL, 1984, p. 551).

24 O que, inclusive, é reafirmado por Schoueri (2005, p. 3) na introdução de sua obra. 25 A definição de domínio econômico pode ser encontrada em Schoueri: “[...] o Domínio Econômico há

de ser compreendido como aquela parcela da atividade econômica em que atuam agentes do setor privado, sujeita a normas e regulação do setor público, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, admitindo-se, excepcionalmente a atuação direta do setor pública, desde que garantida a ausência de privilégios” (SCHOUERI, 2005, p. 43).

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29

instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. E que

“nenhuma das reivindicações pleiteadas hoje sob o título de direitos sociais poderá

alcançar seu objetivo sem uma intervenção do Estado na economia”26 (BECKER,

2007, p. 623). Logo, mesmo que se considere a esfera de atuação mais abrangente

da extrafiscalidade, sempre que analisada sob a ótica tributária, estaria relacionada

de forma mais imediata a mecanismo de intervenção no domínio econômico, a partir

do qual será possível levar a cabo os programas constitucionais atinentes à esfera

social, política, econômica e etc.

Sobre os mecanismos que o Estado se utiliza para praticar a intervenção27,

tem-se que a extrafiscalidade é forma de atuação por indução (daí porque oportuna a

referência à expressão ‘norma tributária indutora’). Segundo a classificação proposta

por Grau, a indução estaria relacionada a preceitos, que embora prescritivos, não são

dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por

direção28. Trata-se, no seu dizer, de um convite oferecido ao destinatário da norma

para que manifeste adesão ao seu comando, caso em que resultará vinculado por

prescrição normativa correspondente a benefício(s) a ser(em) usufruído(s) (GRAU,

2000, p. 160). Entretanto, resta aberta a alternativa de não se deixar seduzir pelo

prêmio oferecido pela norma, deixando de aderir à prescrição nela veiculada29.

26 Ainda nas palavras de Becker, “é importante observar que a tributação extrafiscal tanto pode ser

utilizada como instrumento de reforma social, quanto instrumento para alcançar objetivo exatamente oposto: impedir a reforma social e conservar, ou melhor, salvar o regime capitalista liberal” (BECKER, 2007, p. 631).

27 Souza classifica a intervenção estatal quanto à sua efetivação entre ‘intervenção legislativa’ e ‘administrativa’, também chamada por ele de “intervenção executiva”, considerando-se a competência do Poder Executivo para efetivá-la (SOUZA, 1999, p. 351). Diferentemente de Grau (2000), portanto, sua teoria pretende subdividir o papel desempenhado pelos Poderes Legislativo e Executivo.

28 Para bem compreender a teoria de Grau (2000), há que se partir das diferentes formas de intervenção no campo da atividade econômica em sentido estrito, que tanto se pode ser feita por absorção ou participação, como por direção ou indução. No primeiro caso, o Estado atua como o próprio agente econômico, explorando determinada atividade econômica, ora por absorção, assumindo integralmente os meios de produção e/ou troca (regime de monopólio), e outrora como por participação, quando assume apenas parcela dos meios de produção e/ou troca (regime de competição com empresas privadas). Por outro lado, na intervenção por direção, o Estado atua no campo regulatório, estabelecendo mecanismos e normas de comportamentos compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito, diferentemente da modalidade por indução, em que manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.

29 Como afirma Schoueri (2005), a norma de direção vincularia um único consequente a determinada hipótese, enquanto nas normas de intervenção por indução o destinatário está sujeito a estímulos e desestímulos, que o levam a decidir pelo caminho proposto pelo legislador, mas podendo adotar conduta diverso sem recair no ilícito. A distinção está no grau de liberdade concedido ao administrado.

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30

Privilegia-se, nestes casos, o mercado como centro decisório (SCHOUERI,

2005, p. 44), dado que a não adoção da conduta proposta implicará em desvantagem

competitiva aos agentes econômicos não alcançados pela vantagem fiscal. De acordo

com Grau (2000), cuida-se de indução à adoção de determinado comportamento

através de ‘sedução extremamente vigorosa’; dada a implicação em vantagens

competitivas aos concorrentes que optarem pela adesão ao comando da norma, em

detrimento daqueles que se encontram em posição desprivilegiada nesses mercados

por terem optado pelo caminho inverso.

A indução, todavia, não se faz apenas pelo caminho da concessão de um

benefício (isenção ou redução de tributo, ou subsídio), também chamada de positiva,

mas também quando o Estado onera por meio de imposto o exercício de determinado

comportamento (GRAU, 2000, p. 161), hipótese em que será do tipo negativa30. O

exemplo citado por Grau (2000) é da importação de determinados bens, em que a

oneração é utilizada para desestimular a conduta, porém sem que ela seja taxada

como proibitiva.

Sobre o aspecto negativo da norma de indução, Becker assinala que

modernamente o Estado para intervir em determinado fato social como forma de

atingir o bem comum pode alcançar o mesmo resultado pretendido de diferentes

maneiras. Para impedir ou desestimular determinado comportamento social, poderá

optar por dois caminhos: (i) instituir regra jurídica que declare ilícita aquela conduta ou

(ii) através da criação de tributo extrafiscal “proibitivo”. Optando-se pela segunda

forma, tem-se que a pretensão do Estado não seria propriamente de recebimento do

valor do tributo – única exigência possível -, porém aquele específico reflexo

econômico-social que resultaria da circunstância de passarem os indivíduos a se

comportarem de modo a evitar a incidência da imposição fiscal (BECKER, 2007, p.

628).

Por outro lado, como afirma Marcos Oliveira, ao abordar o tema da utilização

do tributo para estimular condutas não poluidoras e desestimular as poluidoras, o

30 Derzi (2001, p. 577) aborda o tema da chamada ‘indução negativa’ na utilização do imposto territorial

rural (ITR) e imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), com fins extrafiscais. Segundo a célebre autora, a Constituição Federal autorizaria que a Lei destes tributos possa perseguir objetivos distintos, desde suprir os cofres do Estado até estimular ou desestimular comportamentos na extrafiscalidade. Em face dessa previsão constitucional, haveria que consentir “na maior agressividade fiscal em uma tributação que, de fato, possa acarretar desvantagens econômicas àquele que, embora não pratique ato ilícito, persiste em atuar contrariamente aos interesses políticos, sociais ou econômicos superior da coletividade”.

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31

Estado não procura apenas impor castigo ao recalcitrante (o que poderia ser

indevidamente traduzido pela expressão tributo “proibitivo”), mas reconhece o esforço

do cidadão em cumprir a lei. Com suporte no princípio retributivo e estribado na teoria

kelseniana, identifica na figura dos incentivos fiscais31 a forma geralmente utilizada

para conceder um prêmio a quem não polui ou polui relativamente pouco, tributando-

se menos o contribuinte (OLIVEIRA, 1999, p. 39).

É dizer, busca-se por meio da tributação o estímulo ou desestímulo a adoção

de comportamentos socialmente desejáveis, pressupondo as leis mercado, e atuando

segundo os conhecidos efeitos que o tributo possui sobre tais mecanismos (aumento

ou redução de custos e preços)32. Tanto poderá ser incentivado o consumo de

determinados bens através da concessão de incentivos – que não seriam obtidos em

situação de livre mercado -, como será possível ao legislador provocar um

desincentivo – que não seriam imputados em situação de livre mercado -, sem que a

conduta seja reprimida através da configuração do ilícito33.

A esse respeito acrescenta Coelho, que as isenções e outras técnicas de

incentivo fiscal enquanto mecanismo de desenvolvimento econômico, partem da ideia

de que os empreendedores são dotados de elevada capacidade econômica, o que faz

com que sejam atraídos a realizar investimentos na atividade empresarial em troca

dos ‘aliciantes fiscais’. Em sentido contrário, as técnicas inibitórias de extrafiscalidade

seriam instituídas através da exacerbação de encargos fiscais, tornando

‘hiperonerosas’ certas situações (COELHO, 2005, p. 57).

Demonstrado que a extrafiscalidade equivale a intervenção por indução, resta

saber se ela seria aplicável a qualquer situação que envolve a atuação do Estado

sobre a economia.

2.2 Pressupostos para que a extrafiscalidade possa se tornar uma política

31 Também Bobbio lista a isenção fiscal como manifestação da técnica de encorajamento do

ordenamento promocional (BOBBIO, 2007, p. 18). 32 “Assim, quando se cogita, por exemplo, do instrumento tributário como meio de internalizar as

chamadas ‘externalidades’, o que se faz é transferir ao mercado, por meio do mecanismo de preço, aqueles custos, cabendo aos produtores e consumidores decidir, em última instância, sobre o sucesso ou fracasso de um produto. Do mesmo modo, o incremento da tributação de um produto poderá implicar em seu menor consumo, conforme esteja ou não o mercado disposto a assumir tais custos. No sentido inverso, isenções pontuais podem induzir os consumidores em direção a determinados produtos” (SCHOUERI, 2005, p. 44).

33 Registre-se que os estímulos ou desestímulos poderão ser analisados sob uma mesma ótica, já que toda conduta estimulada provoca em certa parte desestímulo ao comportamento que lhe é contrário, e vice-versa.

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32

fiscal efetiva e em conformidade com o Direito positivo

Alguns pressupostos precisam ser levados em consideração para que a

extrafiscalidade venha a ser tornar uma medida legítima e efetiva de intervenção sobre

o domínio econômico.

Em primeiro lugar, não é qualquer comportamento ou conduta que poderá ser

incentivada, mas apenas aquela que corresponda à busca de um fim ou valor

consagrado pela Constituição. Gouvêa assenta que a extrafiscalidade cumpre com a

imposição tributária pelo Estado com o intuito de obter efeitos de ordem econômica,

política e social, porém sempre na busca de fins que são delineados pela Constituição.

Na lição do autor a norma extrafiscal busca a realização de valores constitucionais,

restando identificada “sempre que a norma tributária realizar desidérios

constitucionais, de realização dos direitos do cidadão” (GOUVEA, 2006, p. 47).

Portanto, para a configuração da norma tributária indutora é preciso que sejam

perseguidos fins (ou programas) prestigiados constitucionalmente, que não se

confundem com a mera arrecadação de recursos financeiros por parte do Estado para

fazer frente às despesas públicas34.

Em segundo lugar, cabe notar que em determinadas situações não é cabível a

criação de normas indutoras, seja pelo fato de que adoção de normas de direção é

mandatória (v.g. serviço militar) como por não estarem presentes as condições

necessárias para que esse instrumento possa alcançar seus objetivos. Esta

circunstância pode se dar tanto por uma condição de mercado, como sói ocorrer diante

da inelasticidade da oferta e demanda (que ocorre quando o aumento ou redução do

preço de certos bens não afeta o seu consumo), e também quanto ao potencial efeito

concorrencial das normas indutoras, que, por vezes, é desconsiderado quando da

implantação de uma política (extra)fiscal.

A questão relativa aos efeitos concorrenciais da norma tributária indutora fica

evidente tanto nas políticas de desincentivo como principalmente a de estímulo, dada

a sua capacidade de desestabilizar o equilíbrio de mercado. Qualquer avaliação

equivocada ou precipitada do cenário econômico, poderá ensejar distorções de

34 Essa posição é sustentada, inclusive, por Helena Costa, para quem a extrafiscalidade seria o

emprego de instrumentos de tributação com o objetivo de que sejam atingidas finalidades não arrecadatórias, mas incentivadoras ou inibitórias de comportamentos, porém sempre com vistas à realização de outros valores constitucionalmente consagrados distintos da arrecadação (COSTA, 2005, p. 321).

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33

mercado, como o chamado ‘efeito carona’, a redistribuição da carga tributária para

outros segmentos da atividade econômica, o fortalecimento da posição concorrencial

de contribuintes que suportam o agravamento fiscal da sua conduta e a perda de

arrecadação de outros entes federados em decorrência da concessão de incentivo

fiscal.

O ‘efeito carona’ se dá quando os contribuintes terminam por auferir ganhos

extraordinários em razão dos incentivos fiscais concedidos no âmbito de uma política

extrafiscal, por algo que já fariam ainda que não gozassem dos benefícios35. Ainda na

linha dos incentivos de natureza fiscal, eles acarretam necessariamente o aumento

da pressão fiscal sobre o restante da sociedade, o que justifica que sejam objeto de

maior vigilância e controle36.

Ao debater a concessão de benefícios fiscais por nações soberanas com o

objetivo de atrair investidores não residentes aos seus mercados domésticos37,

Santos (2012, p. 234) adverte que os incentivos à atração do investimento externo

não podem ser feitos de forma indiscriminada, estando adstritos a limites. Dentre as

restrições impostas pelo ordenamento está a necessária constatação de que a baixa

ou inexistente tributação sobre a renda auferida pelos não residentes nos mercados

financeiros e de capitais, seria estritamente necessária para atingir o objetivo

extrafiscal de mobilização da poupança visando o desenvolvimento nacional. Em

último caso, os malefícios propiciados pela medida – que romperia com a igualdade

tributária e com a tributação conforme a capacidade contributiva - teria que ser

contrastada à luz da proporcionalidade com os benefícios resultantes para a

coletividade, como o crescimento econômico sustentado, gerando emprego e renda.

35 Segundo Schoueri, os benefícios ficais não implicariam, necessariamente, em mudança de

comportamento, tendo em vista que atingiriam “de igual modo aqueles que, mesmo sem sua concessão, já adotavam a prática objetivada pelo legislador, dando-se o ‘efeito carona’” (SCHOUERI, 2005, p. 51).

36 Derzi (2001, p. 529) salienta que os incentivos e estímulos fiscais, financeiros e creditícios, são compatíveis com as metas do pleno emprego dos fatores de produção e do desenvolvimento, o que seria feito através de uma distribuição de renda mais justa. Logo, depreende-se da premissa levantada que os incentivos fiscais somente podem ser concedidos se em consonância com o objetivo de promover a justiça distributiva. Não se admite que benefícios possam ser concedidos a classes dominantes com intuito de acentuar a diferença para o restante da sociedade ou para instituir privilégios em favor de determinados indivíduos. Também se nota a proximidade da extrafiscalidade com a justiça distributiva (progressividade), o que será melhor debatido em capítulo próprio.

37 O autor ainda cita a intensa competição internacional e a alta mobilidade dos fatores financeiros como causas que acarretam a adoção de medidas extrafiscais, dentre elas a concessão de incentivos fiscais, direcionadas à atração do investimento estrangeiro.

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34

A premissa elencada se mostra especialmente verdadeira confrontada com

estudos que identificam que a política de isenção dos dividendos ou da dedução dos

juros sobre capital próprio carecem de resultados conclusivos que demonstrem o êxito

em ampliar os investimentos no país38. Como assinalam Gobetti e Orair (2015),

durante as décadas de 80 e 90, o governo brasileiro adotou uma série de medidas em

sintonia com a teoria novo clássica que pregava que a renda deveria ser tributada

linearmente e o capital desonerado para incentivar a atração de investimentos. Tais

políticas terminaram por reduzir a progressividade da tributação sobre a renda e

restringir o papal redistributivo do imposto. Ao analisar dados das declarações de

imposto das pessoas físicas, identificam os autores que o princípio da progressividade

tributária é violado no topo da distribuição de renda brasileira, pelo principal motivo de

que a renda dos mais ricos provém predominantemente de lucros e dividendos

distribuídos, que são isentos de imposto pela legislação brasileira39. Em contraste,

sustentam que os investimentos no país permaneceram estagnados por mais de uma

década desde que tais medidas foram implementadas, o que demonstra que não

surtiram o efeito incentivador desejado.

A concessão de incentivos fiscais, portanto, longe de ser sinônimo de eficácia

na consecução de objetivos extrafiscais, poderá provocar efeitos prejudiciais à

economia e a sociedade, quando não lastreada em dados empíricos e devido

acompanhamento dos resultados almejados. Deve-se levar em conta, em última

instância, que é a sociedade que termina por arcar com os custos dos benefícios

fiscais, o que tem o potencial de provocar efeitos regressivos na distribuição da renda

brasileira.

Outra questão que tem sido elencada como foco de preocupação, diz com o

desdobramento do efeito regressivo das normas tributárias indutoras entre agentes

que atuam em um mesmo segmento. Isso porque, os agentes economicamente mais

fortes tem maiores condições em suportar o aumento dos custos fiscais sem alterar

38 A isenção concedida a dividendos e a possibilidade de dedução dos juros sobre capital próprio,

revelam nítidas medidas com objetivo extrafiscal, já que buscam intervir sobre o comportamento e induzir a adoção de condutas socialmente ou economicamente desejáveis.

39 “Essa situação seria revertida se os lucros e dividendos distribuídos voltassem a ser tributados; o imposto de renda se tornaria mais progressivo e as alíquotas efetivas atingiriam no topo da distribuição uma média de 13,2% ou 17,5% se a tributação ocorresse com uma alíquota linear de 15% ou na atual tabela progressiva, respectivamente; nessa hipótese, o potencial distributivo do imposto de renda (mensurado pela queda no índice de Gini) cresceria para cerca de 4%, equiparando-se ao verificado no Uruguai e México e aproximando-se do verificado na OCDE.” (GOBETTI; ORAIR, 2015, p. 40).

Page 29: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

35

sua conduta prejudicial aos interesses sociais, enquanto aqueles menos favorecidos

terminam por sucumbir ante o agravamento do ônus fiscal. Nesta situação, a norma

indutora deixaria de atingir seu objetivo para servir de instrumento de fortalecimento

das posições dominantes de mercado e eliminação da concorrência.

Ponto sobre o qual nos revela de especial interesse, posto que relacionado ao

objeto deste trabalho, relaciona-se com as consequências decorrentes da concessão

de incentivos fiscais no âmbito de um Estado federal, que impactam a arrecadação de

outro ente (que não aquele detentor da competência tributária). Na acepção de Hofling

citado por Schoueri, cuida-se de “cortesia com chapéu alheio”, consistindo na adoção

de política extrafiscal sem que o ente competente assuma os encargos financeiros

decorrentes da desoneração (SCHOUERI, 2005, p. 68). É o que alerta José Márcio

Oliveira quando afirma que as renúncias do ICMS, imposto de competência estadual,

impactam as finanças municipais, haja vista que 25% da sua arrecadação é

transferida aos Municípios40 (OLIVEIRA, 2003, p. 112-113).

2.3 Análise jurídica da extrafiscalidade enquanto instituto de direito tributário

De tudo o que foi dito até aqui sobre a extrafiscalidade, é possível confirmar a

advertência feita anteriormente, de que o fenômeno possui diferentes feições e

desdobramentos. O que se mostra necessário - antes de prosseguir com a análise

que se pretende desenvolver -, é saber se a extrafiscalidade quando incorporada ao

campo tributário, possui alguma qualificação que a permita distinguir enquanto

instituto que mereça ser estudado sob essa ótica. Ou, se ao contrário, trata-se de

tarefa inócua, tendo em vista que possivelmente estaria restrita à esfera das finanças

públicas; o que fica, a propósito, reforçado pela posição de alguns juristas que

parecem sustentar uma definição extraída da Ciência das Finanças41, limitando-se a

descrever o seu objeto a partir de critérios que se avaliam como extrajurídicos e que

não guardam relação com a função da norma tributária.

40 Especificamente em relação a esse imposto, o problema é ainda mais grave tendo em vista que a

concessão de benefícios é usualmente concedida pelo próprio Executivo, usurpando a competência do Legislativo para editar lei estadual a esse respeito. Em face dessa circunstância, afirma José Márcio Oliveira que em um cenário ideal, o Legislativo, através dos seus componentes deputados revistos de representação local, deveria avaliar o impacto que a concessão de incentivos fiscais provocaria sobre regiões e municípios (OLIVEIRA, 2003, p. 114).

41 Por Ciência das Finanças se está a referir a ciência que tem por objeto o estudo da atividade fiscal e não o direito financeiro que disciplina o exercício dessa mesma atividade.

Page 30: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

36

A respeito do tema, convém recorrer à advertência de Ribeiro:

A abordagem da extrafiscalidade pelo direito tributário sempre foi tema controverso. Sobretudo, porque a finalidade da tributação não é intrínseca aos institutos tributários, mas depende sempre do contexto em que é lançada. [...] Em casos concretos, as pretensões fiscais e extrafiscais da tributação raramente se manifestam isoladamente em determinados tributos ou institutos tributários. (RIBEIRO, 2013, p. 48).

De fato, como aludido anteriormente, parte da doutrina trata de definir a

extrafiscalidade enquanto forma de tributação alinhada com objetivos não fiscais.

Embora verdadeira tal afirmação, para que se reclame tratamento jurídico não basta

que o objeto seja definido apenas com base em critérios finalísticos. Caso contrário,

seria tormentosa a identificação de tributo – ou de norma tributária - que tivesse como

característica ser orientado à finalidade arrecadatória ou a fim diverso (social,

econômico e político), justamente pela sobreposição desses mesmos fins no plano da

sua aplicação.

Vem se desenvolvendo, contudo, corrente que enxerga na extrafiscalidade a

utilização do tributo não apenas como instrumento financeiro para que sejam

alcançados projetos sociais e econômicos, mas como mecanismo de indução de

comportamentos para que sejam atingidos fins juridicamente relevantes.

À primeira vista, não seria possível distinguir o objeto da ciência financeira e do

Direito, já que ainda que analisado o regime jurídico da extrafiscalidade, serão

encontradas definições de ‘finalidades’ comuns entre ambos campos do

conhecimento científico, além da utilização de um mesmo instrumental para que sejam

alcançadas - qual seja o tributo.

Sem embargo, o modo como o fenômeno será compreendido e os efeitos

decorrentes certamente serão distintos. Ao se invocar o Direito como parâmetro de

pesquisa, o que importa saber é como (e se) essa área do conhecimento concebe a

extrafiscalidade, extraindo os necessários contornos jurídicos através da análise

normativa, isto é, da norma enquanto ente lógico.

Por isso, considera-se que a investigação da extrafiscalidade na esfera jurídico-

tributária somente poderá ser feita enquanto instrumento de indução de

comportamentos, por meio de (des)estímulos à adoção de condutas que possam

atingir fins constitucionalmente relevantes.

Page 31: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

37

Não é qualquer finalidade que justifica o tratamento jurídico da extrafiscalidade,

mas apenas aqueles fins que pertencem ou fazem parte do Direito.

A respeito do tema, pontua Mendes:

A Doutrina responde, no mais das vezes, que o tributo de cunho extrafiscal tem por objetivo influir diretamente numa conduta social. Não é, contudo, a concreta influência e nem apenas aquela previsível a partir do exame da norma. Para se caracterizar a extrafiscalidade não é suficiente que a imposição tributária interfira com o comportamento, mas sim que haja uma razão jurídica para tal influência. (MENDES, 2009, p. 63).

O efeito indutor da tributação poderá ser, por vezes, indesejado ou até mesmo

não antecipado pelo Legislador. Pode, quando muito, sequer apresentar relevância

jurídica. O Direito somente deve ser importar com a extrafiscalidade quando presente

uma indução de comportamento que esteja diretamente relacionada à perseguição de

fim tutelado pelo ordenamento jurídico.

Para uma abordagem jurídica do tema, há que se partir do estudo da

extrafiscalidade como espécie, também denominada “norma tributária indutora”. A

dificuldade, quiçá, reside na circunstância de que na maioria dos casos não é possível

distinguir a norma tributária indutora das demais normas de cunho tributário42, uma

vez que - como salientado por outros autores - os fins fiscais e extrafiscais se

confundem no plano da norma jurídica.

Enfim, resta saber se existe critério que autoriza a identificar a ‘norma tributária

indutora’ como ente normativo distinto e autônomo. Como adverte Schoueri, “a

questão que se apresenta é se as normas tributárias indutoras possuem alguma

característica que permita ao intérprete diferenciá-las, enquanto categoria diversa de

outras normas” (SCHOUERI, 2005, p. 16).

Em face desse desafio, no próximo capítulo serão analisadas as diferentes

correntes que se propõem a identificar a extrafiscalidade no plano jurídico a partir de

critérios finalísticos e funcionais. Em seguida, será buscada uma resposta à indagação

de existir uma dita norma tributária indutora como nova espécie de norma jurídica.

2.4 Critérios de identificação da norma tributária indutora

42Segundo Corrêa, “[...] não é fácil afastar a ‘zona cinzenta’ que separa a extrafiscalidade da tributação,

bem como aclarar os casos que se poderiam denominar de ‘área mista’, onde tanto a extrafiscalidade como a tributação coexiste de forma marcante” (CORRÊA, 1964, p. 60).

Page 32: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

38

Em capítulo anterior, ficou demonstrado que expressiva parcela da doutrina

parece sustentar que a fiscalidade e a extrafiscalidade não poderiam existir

isoladamente no plano da norma tributária. Partem do pressuposto de que toda norma

tributária importa na arrecadação de recursos financeiros43 e que cumprem

simultaneamente com importante função social.

Talvez essa conclusão seja especialmente verdadeira se o objetivo for

conceber a extrafiscalidade como nova modalidade de tributo, cujo fim não seja

arrecadatório ou que não provoque indução alguma de comportamento. Entretanto,

não é esta a pretensão que se faz quando se invoca a norma indutora como

desdobramento da norma tributária. A distinção, longe de se servir a meros fins

didáticos, há que se feita para que se permita analisar o instituto e definir seus precisos

contornos jurídicos.

A sua identificação, no entanto, não tem sido tarefa das mais fáceis, já que a

concepção em torno da extrafiscalidade tem sido centrada em torno de uma noção

construída pela Ciência das Finanças - e não propriamente do Direito. Buscam, estes

autores, investigar a norma tributária a partir da sua finalidade ou efeito produzido,

tentativa esta que tem se revelado insuficiente para a sua compreensão enquanto

instituto jurídico.

Na visão de Leão (2015), para a identificação da norma tributária indutora

dentro do sistema normativo não seria suficiente recorrer apenas ao critério relativo

aos seus efeitos. Ao se valer da classificação proposta por Alabern (2009), defende a

necessidade de que se identifique na edição da norma a presença dos seguintes

critérios distintivos: (i) uma deduzível finalidade não arrecadatória, (ii) a existência de

elementos extrafiscais impregnados na própria norma e (iii) o incentivo à adoção das

condutas e operações de acordo com a finalidade extrafiscal perseguida, sempre por

meio da modificação da carga tributária (por aumento ou diminuição).

Corrêa também elenca três elementos basilares da extrafiscalidade, sendo eles

(i) estimular o comportamento das pessoas, (ii) provocar conscientemente esse

estímulo e (iii) não visar, fundamentalmente, a arrecadação de recursos primários

(CORRÊA, 1975, p. 2).

43 Schoueri alerta que “por mais que um tributo seja concebido, em sua formulação, como instrumento

de intervenção sobre o Domínio Econômico, jamais se descuidará da receita dele decorrente, tratando o próprio constituinte de disciplinar sua destinação” (SCHOUERI, 2005, p. 16).

Page 33: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

39

Em exame mais acurado da matéria, Schoueri (2005) busca classificar os

critérios sobre os quais a doutrina busca divisar as normas tributárias indutoras

daquelas ditas arrecadatórias. Na visão do citado doutrinador existiriam duas

principais linhas teóricas para identificação das referidas normas: finalístico e

pragmático. Cada uma dessas linhas de pensamento são subdivididas em diferentes

correntes, como se passa a expor.

O critério finalístico objetiva diferenciar as normas indutoras das

“arrecadadoras” ou “simplificadoras” de acordo com a sua finalidade subjetiva ou

objetiva, ou pela combinação dos dois aspectos. Pelo aspecto puramente subjetivo é

investigada a finalidade buscada pelo legislador. Tal concepção é prontamente

rejeitada, uma vez que a mera intenção do legislador, quando não acompanhada por

qualquer dado objetivo na lei escrita, torna-se irrelevante para efeito da análise e

identificação da norma tributária indutora.

Reconhecida a insuficiência do aspecto subjetivo e recorrendo ao critério

objetivo, este se volta – como o próprio nome diz – à busca de elementos objetivos e

sinais que permitam analisar o aspecto volitivo da norma. O simples efeito decorrente

da norma, sob esse aspecto, não seria suficiente para a configuração da norma

indutora, pois poderia não decorrer de uma vontade manifestada pelo legislador

(BOHM apud SCHOUERI, 2005, p. 18).

Após discorrer sobre os tais indícios objetivos elencados pela doutrina - como

critério para identificação da finalidade perseguida pelo legislador -, Schoueri (2005)

critica os elementos distintivos sugestionados por entender pela existência de (i) uma

crescente necessidade de recursos por parte do Estado, o que afastaria o requisito da

‘falta de necessidade financeira da parte do Estado’ como indício a revelar a existência

de um tributo indutor; (ii) a impossibilidade de se mensurar de antemão os custos da

atividade fiscalizatória, o que refuta a suposição de que a norma tributária indutora

possa revelar um ônus superior à contrapartida da receita arrecadada; (iii) a existência

de limitações ao poder de tributar relativas ao princípio do não confisco, o que termina

por impor um limite ao agravamento do dever tributário com o fim de desencorajar o

contribuinte a adotar o comportamento não desejado.

As críticas tecidas em relação à adoção de critérios objetivos ou subjetivos, são

igualmente estendidas para a corrente que conjuga ambos os elementos para

identificar a singularidade da norma tributária indutora. A primeira advertência que se

faz é que o apego a elementos puramente objetivos pode terminar por validar normas

Page 34: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

40

que ultrapassam e violam tradicionais limites ao poder de tributar, sob a justificativa

de que o caráter intervencionista legitimaria que fossem flexibilizadas essas

restrições. Assim, os teóricos que migraram para essa corrente passaram a

reconhecer a necessidade de se ter em conta ao lado do caráter objetivo o aspecto

subjetivo enquanto finalidade manifestada na edição da Lei.

Mesmo que relevantes os aspectos objetivos44 e subjetivos45 elencados pelos

adeptos dessa corrente, tais elementos não seriam suficientes para distinguir com

clareza as diferenças entre normas arrecadatórias e indutoras. Como demonstrado,

os elementos objetivos, por si só, podem desencadear no arbítrio e na cobrança de

tributos à revelia dos limites impostos pelo ordenamento jurídico à tributação. Ocorre

que a conjugação com elementos subjetivos também não se revelaria satisfatória ao

objetivo proposto, dado que a finalidade buscada pelo legislador no momento da

edição da norma pode, na maioria dos casos, não ser expressa, tendo em vista que

dá sua omissão também pode se extrair força equivalente ao ato de legislar

(SCHOUERI, 2005, p. 22).

O critério da vontade objetivada na lei (ou, melhor colocado, da vontade objetiva

do legislador) nada mais é que desdobramento da corrente finalística, porém que

sustenta a existência da norma indutora sempre que fossem identificadas situações

equivalentes tratadas de modo diferente, ou seja, sem que seja possível identificar

diferenças baseadas na capacidade contributiva. Em outras palavras, seriam

arrecadatórias as normas que atendessem a capacidade contributiva e indutoras

aquelas em que o princípio deixasse de ser observado46. A crítica que se faz é que

não seria absolutamente correto dizer que o princípio da capacidade contributiva

deixaria de ser aplicado no plano das normas tributárias indutoras47, até por ser

duvidoso que referidas espécies possam ultrapassar o limite do não confisco –

44 Dentre os critérios objetivos ainda não elencados anteriormente, cite-se o objeto da tributação, a

base de cálculo (inexistência de conexão com a capacidade econômica revelada pelo fato gerador) e alíquota (variação para determinados grupos ou setores) do tributo, além da introdução do tributo não correlacionada a uma necessidade de suprir uma demanda financeira por parte do Estado, a constatação de uma receita de tributo decrescente e ausência de intenção de melhoramento técnico-fiscal.

45 Dentre eles as atas parlamentares, pacotes econômicos (contexto da medida), ausência de escopo fiscal e efetiva mudança de comportamentos dos contribuintes.

46 Para isso, todavia, seria necessário ter em conta o que seria uma tributação com viés arrecadatório, para a partir dessa concepção determinar o desvio da capacidade contributiva.

47 Cf. SCHOUERI, 2005; LEÃO, 2015.

Page 35: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

41

entendidos por alguns como princípio derivado da capacidade contributiva48. Soma-

se a isso a crítica feita por Schoueri (2005), que considera insatisfatórios os resultados

apresentados por aqueles que buscam a identificação da norma indutora a partir do

atendimento à capacidade contributiva49. Na lição do autor:

Tendo em vista o objetivo de buscar o regime jurídico que se impõe ao legislador quando, valendo-se de normas tributárias, promove, intervenção na economia, seria por demais restritiva a análise que se limitasse àquelas normas contrárias ao princípio da capacidade contributiva, já que [...] também normas conformes àquele princípio podem servir de instrumento de intervenção econômica. A falha do critério proposto pode ser assim explicitada: a presença da finalidade indutora, na norma tributária, não exclui possa o legislador ter, igualmente, outra finalidade (arrecadadora ou simplificadora). (SCHOUERI, 2005, p. 25).

Ao concluir pelo insucesso da corrente finalística na definição de um critério

suficiente para a identificação da norma indutora, Schoueri (2005) propõe que se

recorra à análise pragmática do Direito50 para atingir esse mesmo objetivo. A visão

pragmática propõe que a investigação do objeto seja feita a partir da eficácia das

normas jurídicas. Dado o marco teórico adotado pelo autor, verifica-se que a eficácia

tal como delineada por Ferraz Júnior (1994) está relacionada a uma aptidão das

normas, mais ou menos, extensa, para produzir efeitos por ocasião da sua aplicação.

Valendo-se de uma interpretação adotada por Vogel (VOGEL apud SCHOUERI, 2005,

p. 27) reconhece a relevância de que no trato da norma tributária indutora se proceda

à sua identificação a partir de critérios funcionais. O que significaria dizer, na visão

interpretada a partir da obra de Vogel, que qualquer norma que verse sobre impostos

possui a função arrecadatória e, ao mesmo tempo, pode desempenhar outras três

atribuições (simultaneamente ou não): função de distribuir a carga tributária através

da adoção de critérios de justiça distributiva, função indutora de comportamentos e

função simplificadora do sistema tributário51. A identificação da norma tributária 48 Em sentido inverso, Ricardo Torres (2003) sustenta que a proibição de excesso, dentre as quais se

encontra a vedação de confisco, é uma vedação decorrente dos direitos fundamentais e não uma característica da capacidade contributiva.

49 Cita o autor exemplo de grande valia, que diz com a tributação pelo imposto de renda dos juros sobre capital próprio. Segundo alega, a finalidade pretendida seria a capitalização das empresas, o que evidenciaria o finalismo extrafiscal. Ao mesmo tempo, concederia ao investidor tratamento equivalente àquele obtido no mercado financeiro de renda fixa, o que demonstraria o atendimento ao princípio da capacidade contributiva. Neste caso, a norma atenderia simultaneamente ao finalismo extrafiscal como ao fiscal, sem perder, por isso, seu viés indutor.

50 Extraída a análise pragmática a partir do método delineado por Ferraz Júnior (1994). 51 Em sentido semelhante, Tipke (1984, p. 523) afirma que a disciplina tributária não é fundado apenas

no princípio da capacidade contributiva, mas também em princípios atinentes ao Estado social e à

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42

indutora serviria assim, apenas como corte abstrato ou metodológico, para ressaltar

uma das funções desempenhas pela norma tributária52.

Tem-se, aqui, novo enfoque para a questão: no lugar de identificarem-se normas tributárias indutoras por sua finalidade, estuda-se o efeito indutor das normas tributárias [...]. A referência a tais normas, enquanto corte abstrato, apenas servirá para realçar uma função (ou uma das várias funções) que a norma tributária desempenha [...] por normas tributárias indutoras se entende um aspecto das normas tributárias, identificando a partir de uma de suas funções, a indutora. (SCHOUERI, 2005, p. 29).

Schoueri (2005) aceita o fato de que uma norma editada com fins

arrecadatórios possa ser mantida por seus efeitos indutores, inclusive podendo ser

julgada constitucional. Também Alcides Costa, ao prefaciar a obra do citado autor,

termina por fazer uma advertência e concordância sobre o efeito indutor da norma não

desejado ou antecipado pelo legislador:

Mas vou além. A indução a certo comportamento pode não ter sido desejada pelo legislador ou sequer prevista por ele. É o que ocorre quando um determinado ente tributante institui impostos excessivos, o que leva empreendimentos novos a se dirigirem para o território de outros entes tributantes. Exemplo concreto foi o deslocamento das empresas de ‘leasing’ do Município de São Paulo para Municípios vizinhos onde o Imposto sobre Serviços sobre essa atividade era sensivelmente menor. (COSTA, 2005, prefácio).

A crítica que se faz ao posicionamento adotado pelos doutrinadores é a de que,

ao desconsiderar o aspecto subjetivo, terminam por incorrer nos mesmos vícios

daqueles que sustentavam a identificação da norma indutora a partir de critérios

puramente objetivos, dentre eles de que seria possível alcançar esse fim sem

considerar a intenção do legislador (mesmo que por intenção se entenda a vontade

objetivada na norma).

Ao propor o abandono do caráter finalístico para que seja estudado o efeito

indutor das normas tributárias, termina-se por incluir neste escopo todo o universo de

consequências advindas da imposição fiscal, ainda que não contemplados

previamente pelo Legislador. Em último caso, olvida-se que a finalidade (ao lado da

simplificação do sistema tributário. Assim, poderiam se distinguir normas com objetivo financeiro (que servem para acobertar as necessidades financeiras do Estado e se orientam pela capacidade contributiva), normas com objetivo social (aquelas de cunho intervencionista ou regulatório, motivadas por políticas sociais, econômicas, culturais, na área da saúde e etc.) e normas de simplificação (para facilitar o processo de tributação, torna-lo mais simples e prático).

52 Nesta acepção, não existiria uma norma tributária indutora per se, mas a função indutora seria uma das manifestações possíveis da norma tributária.

Page 37: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

43

função) é aspecto relevante para a definição das normas tributárias indutoras e que

dela não se pode distanciar.

A questão tampouco passou despercebida por Mendes, que em sua tese

pondera:

Na destacada obra, contudo, seu autor (o ilustre Professor Titular de Legislação Tributária da Faculdade de Direito da USP), desconsidera o aspecto intencional (subjetivo do legislador, bem como objetivo da lei), para se fixar na função que o diploma normativo exerce, com enfoque no destinatário. Apesar de não concordarmos em afastar o critério intencional, cremos ser sobremaneira relevante o enfoque promovido por Schoueri na função e no destinatário da norma [...]. (MENDES, 2009, p. 64).

Como pontua Mendes, função e finalidade se diferenciam a partir da sua

posição relacional entre os agentes comunicacionais. A função estabelece o vínculo

comunicacional entre enunciado e enunciatário, ou entre norma e destinatário. Já a

finalidade estaria na relação entre o emissor e a mensagem (MENDES, 2009, p. 98).

A partir dessa constatação, questiona o autor que seria de se estranhar que

uma norma possuísse determinada função, sem que o seu emissor/enunciador tivesse

tal intenção. Não obstante, reconhece duas situações em que a função da norma

poderia ser aferida exclusivamente por sua relação com o destinatário. A primeira

delas, por motivo de acontecimento causal e não intencional, como poderia ocorrer

com determinada lei natural que reprimisse a conduta do seu destinatário (a título

ilustrativo, cita que a lei da gravidade poderia evitar que um homem saltasse de

penhascos sob pena de se ferir). Ainda assim, alerta que seria difícil sustentar que

uma lei natural apresentasse uma dada função ao homem (no exemplo citado, a lei

da gravidade não se prestaria para evitar que homens pulassem de penhascos), sem

falar que as normas jurídicas são marcantemente de cunho intencional e não natural,

o que afastaria esta hipótese do campo jurídico. A segunda possibilidade diz com o

efeito ser provocado sem que corresponda a uma prévia intenção do emissor. Seriam

aquelas situações em que a intenção do enunciador não corresponde ao resultado

produzido no enunciatário (como elogiar alguém, mas as palavras serem interpretadas

ofensivamente). Finalmente conclui não crer que “as regras jurídicas sejam

produzidas sem intenção e que a sua função decorra tão-só do efeito sobre o

destinatário, no caso, não intencionado” (MENDES, 2009, p. 98). Assinala que a

comunicação pressupõe a participação de dois agentes e que a investigação da

norma jurídica (por se incluir na classe dos signos comunicacionais) exige que se

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44

considere tanto o enunciador como o enunciatário. Fixar-se tão somente na função da

norma - embora importante para a definição da extrafiscalidade - seria partir de uma

visão pragmática incompleta53, tendo em vista a necessidade de que sejam

conciliados os dois aspectos do ato comunicacional: finalidade e função54.

Ao elencar critérios jurídicos para aferição da extrafiscalidade (ou da norma

tributária indutora), propõe Mendes que se utilizem elementos contextuais inerentes à

própria dicção do direito positivo. Convêm dizer que a posição do autor é a de que a

intenção do legislador não seria relevante a essa identificação se não fosse veiculada

por ‘palavras’ mediante o procedimento previsto pela própria ordem jurídica

(MENDES, 2009, p. 220). Com isso, parece se aproximar da corrente que sustenta a

identificação da norma indutora através da vontade objetivada na lei, já que tanto a

finalidade como a função seriam buscadas no próprio texto da lei e não em elementos

‘extra textuais’.

Dentre os critérios de aferição, três são destacados pelo autor: (i) o emprego

de palavras e expressões de significado intencional55, (ii) a relação entre normas

gerais e especiais56 e (iii) o uso de critérios não eidéticos na elaboração da norma de

incidência tributária57 (MENDES, 2009, p. 303).

A deficiência na classificação proposta estaria no fato de que o próprio

doutrinador admite que os critérios não seriam exclusivos e que sua presença não

indica necessariamente a existência do escopo extrafiscal da norma. Todavia, a teoria

apresentada tem o mérito de demonstrar que em uma análise pragmática – a que se

propõe Schoueri (2005) - o critério finalístico há que ser levado em conta na

53 Vale ressaltar, nesse ponto, que não é nosso objetivo defender de antemão uma análise pragmática

do objeto, mas que ao assim proceder os autores que se filiam a essa corrente não podem se descuidar do elemento finalidade.

54 Como arremata Mendes, “para atingir uma determinada finalidade, o direito deve apresentar uma certa função; por outro lado, exerce uma dada função para cumprir uma certa finalidade (uma intenção)”.

55 Esse seria identificado quando o direito positivo adotasse termos cujo significativo fosse forte indício da intenção do enunciador em encorajar ou desencorajar condutas. Seriam, na acepção proposta, as próprias regras constitucionais atributivas de competência para a prescrição de regras programáticas de encorajamento ou desencorajamento, como o estabelecimento de regimes favoráveis a micro e pequenas empresas, ou a instituição de imposto sobre a propriedade territorial rural com a finalidade de desestimular a improdutividade.

56 Referida relação apontaria para a provável existência de norma com finalidade extrafiscal, dado que o dever tributário estatuído pela norma geral fosse excepcionado pela norma especial através de mecanismos de estímulo/desestímulo (como exemplo, o agravamento ou redução da alíquota nominal de determinado tributo ou qualquer outra modificação do aspecto quantitativo da norma tributária).

57 Significa dizer que o caráter extrafiscal seria aferível por meio da presença ou introdução de critérios não essenciais da norma de incidência.

Page 39: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

45

identificação das normas tributárias indutoras e que a intenção do legislador ganha

relevância apenas quando presente no contexto da norma. Aliás, não se teria como

abordar o problema proposto diante de visão que se limitasse a enxergar na

extrafiscalidade um mero acontecimento causal, não dotado de intencionalidade58.

Com efeito, a finalidade se reveste de capital importância para legitimar a

própria norma tributária indutora, já que ela pressupõe um valor protegido pelo

ordenamento jurídico e que se propõe seja alcançado. Como assinala Mendes, no

caso da extrafiscalidade “a finalidade jurídica é essencialmente axiológica [...] a edição

de uma norma decorre de uma intenção, busca atingir uma finalidade e, portanto,

garantir um valor” (MENDES, 2009, p. 66). Por ser problemático o isolamento da

finalidade perseguida pelo legislador e também ser sabido que todo tributo possui, em

maior ou menor grau, efeito indutor sobre o comportamento, ainda que não desejado,

concorda-se com Schoueri (2005) no ponto em que reconhece que esse critério é

insuficiente para a identificação da norma indutora; o que não significa dizer que ele

deve ser desprezado.

Com razão a identificação das normas tributárias indutoras através de critérios

finalísticos (subjetivos, objetivos, mistos ou vontade objetivada na lei) tem se mostrado

insuficiente e insatisfatória para divisar com clareza a existência de uma espécie

distinta da norma tributária clássica (arrecadatória).

Para que seja atingido o objetivo proposto, revela-se necessário conjugar a

finalidade perseguida pelo legislador com a função normativa da extrafiscalidade.

Tanto a finalidade como a função, ora referidas, são extraídas do próprio ordenamento

jurídico, não se admitindo que possam ser empregadas definições extraídas da

ciência das finanças ou de qualquer outro departamento do conhecimento científico.

A análise que se propõe é essencialmente jurídica, daí a necessária referência que

há de guardar no estudo do seu objeto.

Para encerrar a análise quanto à conformação jurídica da norma tributária

indutora, nos próximos capítulos será tratada a estrutura normativa da extrafiscalidade

e em seguida a finalidade que justifica ou legitima a sua existência. Através da

conjugação desses dois critérios, acredita-se ser possível identificar a norma tributária

indutora, servindo de suporte para a investigação que se pretende fazer nesse

trabalho.

58 A intervenção do Estado pressupõe caráter finalístico, já que não se pode falar em atuação do através

de elementos circunstanciais e não passíveis de manipulação.

Page 40: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

46

2.5 Norma tributária indutora enquanto ente lógico-jurídico

2.5.1 Definição da norma jurídica segundo a teoria da norma jurídica proposta por

Hans Kelsen

Segundo Kelsen, o Direito é uma ordem normativa dirigida à conduta do homem

ou um sistema de normas que regulam o comportamento humano. O caráter diretivo

da norma jurídica se encontra presente tanto no prescrever determinada conduta

como também a permitir, bem como no conferir poder de a realizar. A função do Direito

seria, portanto, prescrever, permitir e conferir poderes ou competência (KELSEN,

1998, p. 4). Como sintetiza Kelsen (1998), a norma quer significar que algo ‘deve ser’

ou acontecer, devendo o homem se conduzir de determinada maneira.

Ao tratar o “deve-ser” como um operador deôntico intraproposicional do

consequente normativo, que aproxima dois ou mais sujeitos em torno de uma previsão

de conduta que deve ser cumprida por um e exigida por outro, Paulo de Barros

Carvalho triparte a sua classificação em modais deônticos do tipo “proibido”,

“permitido” e “obrigatório” (CARVALHO, 2006, p. 29).

Coêlho (1999), a seu turno, propõe que seja feita distinção entre orações

descritivas e diretivas, restando às últimas a intenção de influir no comportamento

alheio e podendo se expressar pela utilização dos modais “obrigatório”, “permitido” e

“proibido”. Ressalta, contudo, que a inexistência de tais expressões linguísticas não

retira da oração o seu caráter diretivo e que a utilização dos chamados modais

deônticos não é condição suficiente à configuração da ‘diretividade’.

Segundo o celebrado autor, o “Direito é um sistema normativo que correlaciona

uma hipótese determinada a uma solução normativa” (COÊLHO, 1999, p. 72),

bastando, no seu entender, para qualificar um sistema normativo que entre os seus

enunciados exista uma norma vinculando determinado fato com uma permissão,

proibição ou obrigação.

Ao formular uma proposta de tipologia normativa, Coêlho (1999) identifica o

dever de pagar tributo como norma de conduta ou comportamento59, podendo se falar,

para fins de corte metodológico, em uma norma tributária ou de tributação. As normas

de condutas seriam identificadas como aquelas que impõe comportamentos, ou seja,

59 Becker (2007) também identifica as leis do Direito Tributário como regras de conduta ou leis de

direção.

Page 41: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

47

que estatuem condutas positivas (obrigação) ou negativas (proibição). Exibiriam

estrutura hipotética, em que se relaciona determinada hipótese a uma consequência

(se A é, B deve ser), que somente surge a partir da ocorrência do fato jurígeno

delineado na hipótese normativa. A norma tributária, por sua vez, apresentaria idêntica

estrutura dual, pois diante da ocorrência no mundo fenomênico de fato descrito na

hipótese de incidência normativa (v.g. auferir renda), decorreria, por derivação lógica,

o consequente normativo para imputar a obrigação de pagar tributo (v.g. se auferir

renda, deve pagar imposto de renda). Enfim, na sua hipótese de incidência consta a

descrição de fatos lícitos e na sua consequência estaria presente o dever de pagar

tributo.

O intuito da norma jurídica (e também daquela do tipo tributária) está em influir

na direção do comportamento do indivíduo, garantindo-se a observância do preceito

normativo através de técnica de motivação indireta, qual seja a instituição de uma

segunda norma (norma de sanção) para punir a conduta inversa àquela que se

considera desejável (COELHO, 1999, p. 43).

A propósito, sobre o tema das sanções, o seu papel é tão central na teoria

normativa de Kelsen (1998), que apesar de tê-la revisitado em edição póstuma para

modificar a sua classificação entre normas primárias e secundárias, sustenta que as

normas de conduta e sanção estão intimamente ligadas, não dispondo as normas que

prescrevem determinada conduta de autonomia em relação àquelas que estatuem

uma sanção ao descumprimento da conduta prescrita.

Se uma ordem jurídica ou uma lei feita pelo parlamento contém uma norma que prescreve uma determinada conduta e uma outra norma que liga à não-observância da primeira uma sanção, aquela primeira norma não é uma norma autônoma, mas está essencialmente ligada à segunda; ela apenas estabelece - negativamente - o pressuposto a que a segunda liga a sanção. (KELSEN, 1998, p. 39).

Em que pese a aludida vinculação entre normas primárias e secundárias, é

preciso que seja feita a distinção entre norma tributária de conduta e norma de sanção,

pois se tratam de espécies distintas. A norma de conduta terá sempre por hipótese de

incidência um fato lícito, que é permitido, e a norma sancionadora sempre um fato

ilícito, decorrente do descumprimento do preceito de regra que empresta àquela

conduta o sentido de ser proibido. Como nos ensina Kelsen (1998), o ilícito é o

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48

pressuposto de uma sanção e a sanção é decorrência do ilícito60, isto é, a sanção

constitui ato de coação contra o descumprimento de uma conduta (ação ou omissão

humana) considerada prescrita ou conforme ao Direito, por ser socialmente desejável.

Ao aplicar os conceitos de lícito e ilícito à norma jurídica tributária, Coêlho

propõe a definição de tributo como “toda prestação pecuniária, em favor do Estado ou

de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei, instituidor

de relação jurídica”, diferenciando-se, portanto, da multa que, “embora prevista em lei

em favor do Estado, decorre de um fato ilícito” (COÊLHO, 1999, p. 107).

Resta saber se a norma tributária indutora possuiria alguma característica que

a diferencie, no plano normativo, da norma de conduta ou simplesmente da chama

norma tributária.

2.5.2 Classificação da norma tributária indutora como espécie de norma jurídica

Ao refletir sobre o caráter normativo da denominada ‘norma tributária indutora’,

Pacheco (2000) identifica uma terceira espécie de norma jurídica, que não obriga e

tampouco proíbe, porém incentiva o cidadão a seguir determinado comportamento

diante da expectativa de obtenção de determinada vantagem ou prêmio. Sobre o

mecanismo de funcionamento das normas tributárias indutoras, elucida a autora:

Neste caso, a norma jurídica, indutora de comportamento, também será seguida de uma norma secundária cuja finalidade é reassegurar o cumprimento da primeira e conceder-lhe o prêmio prometido. São as sanções premiais, tais como chamadas pela doutrina estrangeira [...] (PACHECO, 2000, p. 8).

Tradicionalmente, Kelsen (1998) elenca as funções desempenhadas pela

norma jurídica como sendo de dois tipos: obrigação e proibição. Não obstante, afirma

que o caráter prescritivo da norma convive ao lado de outras atribuições que

60 Sobre os conceitos de lícito e ilícito, aponta o autor: “[...] O que transforma este fato num ato jurídico

(lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma. A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa” (KELSEN, 1998, p. 3).

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49

porventura venham a ser exercidas, dentre elas a permissiva61 e a que confere

poderes. A circunstância de não ter sido abordada na teoria kelseniana a função

indutora parece ter a sua razão de ser, pois apenas recentemente é que começou a

se sentir com mais intensidade a intervenção do estado na esfera social e econômica.

Houve, por certo, um crescente abandono da concepção tradicional em torno

do papel do Estado, com transição de uma postura liberal para intervencionista, que

terminou por gerar reflexo na esfera jurídica. Surgiu, assim, uma concepção até então

desconhecida, de utilização da norma como mecanismo de intervenção em aspectos

conjunturais da economia e do meio social, utilizando-se, para tanto, do tributo como

instrumento de indução de comportamento.

Regina Helena Costa bem identifica essa situação ao ressaltar que a evolução

do papel do Estado, inicialmente revestida de postura liberal, para uma atuação

intervencionista, voltada à consecução de inúmeros objetivos estatuídos na

Constituição, proporcionou que se manifestasse a dupla faceta dos tributos, como

meios geradores de receita e também como instrumentos eficientes para a

persecução dessas finalidades constitucionais (COSTA, 2005, p. 312).

Na mesma linha, Bobbio destaca a profunda transformação ocorrida em

diversos países que deu origem ao Welfare State62, fazendo com que se notasse uma

perseguição por parte dos órgãos públicos de novos fins propostos à ação do Estado,

através de inovadoras técnicas de controle social distintas daquelas tradicionalmente

existentes. Cita, como exemplo do tradicionalismo presente na teoria geral do direito,

o engessamento conceitual encontrado na definição de obrigação, que se limitava a

ser explicada em termos de sanção e coação, revelando uma imagem simplista que

vinha sendo observada na ação do Estado liberal clássico. Com o surgimento do

Estado Social, despontam novas técnicas de controle social que se caracterizam pelo

emprego, cada vez mais difundido, de técnicas de encorajamento, em substituição,

ou mesmo em acréscimo, àquelas usualmente conhecidas de proteção a atos lícitos

e repressão a atos ilícitos63. O controle social se desvencilha de uma posição passiva

61 Vale dizer que a função permissiva parece ter sido desconsiderada por Pacheco (2000) ao elencar

que as normas jurídicas seriam de apenas dois tipos, obrigação e proibição. 62 Ou Estado do Bem-Estar Social (tradução nossa). 63 Nesse ponto, o autor se refere às técnicas tradicionais como revestindo a finalidade de

desencorajamento. Porém, importa dizer, que ao retomar o tema mais adiante, reconhece que também as técnicas de encorajamento do Estado poderiam ser aplicadas, ainda que raramente, às normas negativas (que se caracterizam por comandos negativos, geralmente vinculados a proibições), tanto no desencorajar a fazer quanto no encorajar a não fazer.

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50

- preocupada em desfavorecer as ações nocivas - para um controle ativo - preocupado

em favorecer as ações vantajosas mais do que em reprimir as nocivas (BOBBIO,

2007, p. 2).

Ao confrontar o objeto de estudo à teoria de Bobbio (2007, p. 16), a função

indutora parece se enquadrar como técnica de encorajamento64, que não pretende

agir diretamente sobre o comportamento indesejado, mas que busca influenciar por

meios psíquicos o destinatário da norma a adotar ou não determinada conduta. Trata-

se de medida tida pelo autor como indireta, posto que o comportamento, mesmo que

indesejado, é sempre possível de ser realizado, diferenciando-se das medidas diretas

que colocam o destinatário da norma em condição de não poder violar o seu conteúdo

ou subtrair-se à sua execução; ora impedindo a sua violação e ora compelindo a sua

execução (vigilância e o recurso ao uso da força).

Quanto às técnicas de encorajamento, importa dizer que estas podem ser

realizadas por intermédio de dois expedientes distintos, seja ao atribuir uma resposta

favorável ao comportamento já realizado (que seria a própria situação em que pela

via da consequência seria concedida uma sanção positiva ou prêmio), como pela

facilitação do comportamento que ainda está pendente de ser realizado (em momento

anterior ou concomitante ao comportamento que se pretende encorajar)65.

Entretanto, não se pode desconsiderar o lado desencorajador da função

indutora, que resulta do fato de não terem sido abandonadas as técnicas repressivas

do ordenamento jurídico. Ao mesmo tempo em que incentiva a adoção de

determinada conduta, desestimula-se que seja adotado comportamento contrário,

produzindo, como nas técnicas de encorajamento, consequências desagradáveis ou

tornando mais penosa a conduta não desejada66.

A norma tributária indutora seria técnica do primeiro tipo – consequencial -, pelo

fato de ter como objetivo induzir ou estimular o indivíduo a adotar determinado

64 Como assinala Bobbio, em um ordenamento tradicionalmente repressivo, existem três modos típicos

de impedir uma ação indesejada: tornando-a impossível, difícil ou desvantajosa. Em contraste, um ordenamento promocional busca tornar a ação desejada necessária, fácil e mais vantajosa (BOBBIO, 2007, p. 15-16).

65 Pelo aspecto do favorecimento, ou melhor, da facilitação, o comportamento indesejado seria ameaçado não só por uma pena, como também por se tornar ele uma conduta mais penosa. A adoção da conduta desejada seria facilitada, tornando-se a mais atrativa também sob esse aspecto e não apenas da recompensa.

66 Em que pese a diferenciação por Bobbio das técnicas de encorajamento e desencorajamento, não se pode negar que se trata de um mesmo viés compreendido sob dois ângulos distintos. Toda medida que busca encorajar, tem o feito de desencorajar, e vice-versa.

Page 45: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

51

comportamento atraído pela concessão de vantagem fiscal ou sob a ameaça do

agravamento do dever tributário. Não se proíbe que venha a adotar conduta

alternativa, ainda que mais onerosa, que para todos os efeitos é considerada lícita e

também prescrita pelo Direito. Ou seja, a norma oferece ao indivíduo a possibilidade

de se comportar de forma alternativa, de modo que estatui opções de comportamento

sujeitas à sua liberdade de escolha67. A motivação é essencialmente de cunho

financeiro68, operacionalizando-se a indução através da expectativa de obtenção de

vantagem fiscal69. Muito além de estatuir uma obrigação, a norma prevê uma opção

ou alternativa, que será incentivada ou induzida através do estímulo, vantagem ou

redução do dever tributário. Entretanto, convêm que fique claro que a possibilidade de

se verificar (e, por vezes, o desejo de evitar) o consequentemente normativo é que

motiva a indução, não podendo se falar em estímulo do tipo ‘facilitador’ no tocante à

norma tributária. O próprio tributo, que resulta como consequência da norma, não

coaduna com técnica do tipo facilitador, que é preexistente ou contemporânea ao fato

descrito na hipótese normativa.

Em todo caso, ao contemplar a indução como nova função exercida pela norma

jurídica, considera-se tratar de mera extensão da norma de conduta e não

propriamente de espécie normativa desconhecida70. Até porque, como já vinha sendo

assinalado por Kelsen (1998), o Direito possui nítida pretensão de influir no

comportamento das pessoas, utilizando-se da norma para prescrever e dirigir

condutas humanas. A indução nada mais é que nova forma de dirigir o comportamento

alheio, desta vez incentivando a adoção da conduta prescrita por meio da expectativa

de redução do gravame fiscal previsto no consequente normativo71, e não sob ameaça

de sanção72.

67 Marcos Oliveira atribui à tributação extrafiscal a grande tarefa de salvaguardar a liberdade do

contribuinte, ao estatuir alternativa de escolha de gravame mais ameno (OLIVEIRA, 1999, p. 38). 68 Sob essa concepção, os modais deônticos listados por Paulo de Barros Carvalho (2006) e Coêlho

(1999) não deixam de existir, porém o viés marcante da norma indutora é de induzir comportamentos e não preestabelecer condutas prescritas ou permitidas, até por oferecer ao contribuinte a possibilidade de seguir uma conduta alternativa.

69 O incentivo à adoção da conduta desejada será feito através da concessão de vantagem (estímulo) ou redução da carga tributária, ainda que eventualmente possa não surtir os efeitos desejados.

70 Por espécie, considera-se que são apenas duas, norma de conduta e norma de sanção. 71 Na lição de Corrêa, “a extrafiscalidade [...] só estimula o comportamento das pessoas, acenando

para esse fim com uma vantagem econômica em favor da pessoa sujeita à imposição” (CORRÊA, 1964, p. 48-49).

72 A não ser que se considere a existência da chamada sanção premial, que, por nós, deixa de ser adotada, por não ser admissível supor a existência de uma norma de sanção cujo antecedente não

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52

Schoueri parece comungar do entendimento apresentado, como se nota da

passagem abaixo extraída da sua obra73:

Ao se destacar uma função da norma tributária, in casu, a função indutora, o que se faz é um novo desdobramento da norma primária. Ter-se-á, uma primeira norma primária, na qual se fará presente a própria indução, pelo legislador, que, do ponto de vista jurídico, nada mais é que uma ordem para que o sujeito passivo adote certo comportamento. Não se perfazendo o comportamento, nasce obrigação tributária que colocará o sujeito passivo em situação mais onerosa que aquela em que se situaria se adotado o comportamento prescrito pelo legislador. Finalmente, não se altera a norma secundária, já que do descumprimento da obrigação tributária, surgirá providência sancionatória, aplicada pelo Estado. (SCHOUERI, 2005, p. 31).

Comunga-se da posição do autor no ponto em que identifica a função indutora

como um novo desdobramento da norma primária, inclusive se fazendo presente a

direção de conduta por uma ordem prescritiva e não só indutiva: a se incorrer na

hipótese normativa, ainda que de norma com atribuição indutora, estará sujeita a

determinada consequência com nascimento de uma obrigação. Aliás, a própria teoria

positivista dá conta de que seria descabido falar em uma nova espécie de norma

jurídica quando o objeto a que se está aludindo manifesta-se como nova feição da

norma de conduta. Tanto a indução como a prescrição contida na norma, tem por

objetivo dirigir a conduta, ainda que através de critérios motivacionais distintos. Em

todo o caso, o comando ou a prescrição não deixam de estar presentes, podendo se

falar até em uma função dúplice da norma de conduta (dirigir e induzir a conduta).

Divergimos, porém, da premissa de que seria possível estudar a função

indutora presente nas normas tributárias sem levar em conta sua finalidade.

contenha em sua descrição o descumprimento de dever legal enunciado por outra norma, ou seja, não ter por hipótese um ilícito.

73 Em sua obra, o autor traz exemplo que permite compreender melhor o que significado da expressão “desdobramento da norma primária”. De acordo com Schoueri (2005), na estrutura as normas tributárias indutoras o legislador vincula a determinada hipótese um consequente que poderá ser uma redução ou agravamento de natureza tributária. Toma-se como hipótese a progressividade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana em virtude de não ter o proprietário atendido à função social da propriedade. Na compreensão do autor, existiria uma primeira norma primária – na qual se fará presente a indução - que pressupõe, por hipótese, que o proprietário tenha cumprido com a função social do imóvel; uma segunda norma primária em que a função social da propriedade não tivesse sido cumprida, gerando a progressividade da alíquota do imposto; e, por fim, a norma secundária que imputasse determinada coação estadual por não ter sido o tributo recolhido. O entendimento, embora digno de nota, não resiste à crítica de que, se por norma tributária indutora se entende apenas uma das funções exercidas pela norma tributária, a norma jurídica a ser perfectibilizada não admitiria desdobramentos. O desdobramento da norma jurídica, enfim, não se compatibiliza com a estrutura normativa.

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53

Primeiramente, há que se registrar que por ‘função’ susenta-se ser o caráter

diretivo da norma jurídica que se manifesta através da prescrição, permissão e

indução de comportamentos. Em sentido contrário, Schoueri (2005) parece adotar

uma concepção de função mais abrangente, englobando o caráter distributivo,

simplificador, arrecadador e interventivo da norma tributária. Na visão positivista, tais

aspectos não seriam identificados propriamente como função da norma, mas sim

enquanto finalidade.

Conquanto a função indutora possa parecer acidental, ela somente se reveste

de relevância jurídica quando associada a uma finalidade que lhe dá caráter de

legitimidade (ou validade). Para que se possa falar em função da norma, antes há que

se pressupor a existência de uma finalidade, senão se estaria a tratar dos efeitos

observados na aplicação do Direito (regulação de conduta) e não em uma função

normativa propriamente dita. Esta questão ficará mais clara no tópico seguinte em que

estivermos a tratar da finalidade da norma tributária.

Enfim, do que exposto no presente capítulo ficou constatado que a norma

tributária indutora não se trata de espécie autônoma em relação ao gênero norma

jurídica, mas apenas desdobramento ou extensão da norma de conduta. Por isso,

sempre que utilizado o termo no presente trabalho será feito com referência à função

indutora desempenhada pela norma tributária, sem que, para isso, seja descuidado

da finalidade jurídica perseguida por meio desse expediente. Não custa lembrar que

a análise que se propõe é essencialmente jurídica, daí que os efeitos decorrentes da

aplicação da norma são relevantes até o ponto em que revelam sua função e

finalidade.

2.5.3 Identificação das normas tributárias indutoras a partir do seu fundamento de

validade

Antes de tratar da finalidade propriamente dita, é preciso que fique

perfeitamente claro que não se está refutando a constatação de que toda norma

tributária - ainda que não estruturada para esse específico fim - possa apresentar

efeito indutor. A questão já foi, inclusive, debatida neste trabalho, do que nos

socorremos, apenas a título de reforço argumentativo, da observação feita por Nabais,

para quem toda a “fiscalidade tem inerente uma certa dose de extrafiscalidade [...]

mesmo quando a extrafiscalidade não tenha se feito presente nos propósitos do

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54

legislador ao moldar a disciplina dos tributos” (NABAIS, 2005, p. 423). Com base

nesse pressuposto, o autor propõe que a extrafiscalidade seja classificada em sentido

próprio e outro impróprio ou imanente que acompanha as normas de direito fiscal. Por

extrafiscalidade em sentido impróprio se tem o reconhecimento, quase que inevitável,

dos efeitos econômicos e sociais presentes na generalidade das normas tributárias,

mesmo que imputados pelo legislador de forma secundária ou acessória. Nas

situações em que esses mesmos efeitos são perseguidos de forma primária ou direta,

estaria o intérprete diante do sentido próprio da extrafiscalidade (NABAIS, 2005).

A utilização da extrafiscalidade em sentido próprio ou qualquer sentido

equivalente que lhe queira atribuir, somente é autorizada ante a constatação de se

estar perseguindo um fim ou fundamento constitucional. Para isso há que se conjugar

a função da norma com sua finalidade - já que se a função é, como demonstrado,

insuficiente para caracterizar a norma tributária indutora, também a finalidade

isoladamente não se presta a esse objetivo. Não é, portanto, a simples perseguição

de uma finalidade constitucional que caracteriza a extrafiscalidade como própria.

À idêntica conclusão também chegou Papadopol (2009, p. 22), para quem os

valores recolhidos em decorrência da função arrecadatória também se destinam à

promoção de finalidades constitucionais. Contudo, não seria o destino do produto da

arrecadação que permitiria a classificação dos tributos como fiscais ou extrafiscais74.

Fosse assim, a dotação dos recursos paga pagamento de professores da rede de

ensino pública ou pavimentação de estradas, a título de exemplo, caracterizaria o

cumprimento de finalidades de interesse público diversas (saúde, educação,

segurança e etc.).

Para que fique caracterizada a extrafiscalidade enquanto espécie ou própria,

exige-se que a realização de um fim constitucional seja feita de modo direto e

imediato, através do mecanismo da indução de comportamento.

Em resumo, a caracterização de um tributo ou de uma medida de exoneração tributária como extrafiscal depende de sua colaboração direta e imediata para a concretização de fins constitucionais. Assim, por exemplo, a progressividade das alíquotas de IPTU no tempo, na forma do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal c/c 7º da Lei 10.257/01, serve como instrumento direto e imediato para incentivar o cumprimento das regras de ocupação do solo urbano traçadas pelo plano diretor municipal. Dito em outas palavras, o aumento gradual da carga tributária a cada ano de má utilização do solo urbano serve como meio ou instrumento direto para incentivar o cumprimento

74 Considera-se essa divisão, entre tributos fiscais e extrafiscais, imprópria, já que, como demonstrado,

se tratam de funções presentes na norma tributária e que podem se manifestar simultaneamente.

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55

do plano diretor municipal, o que permite a caracterização do tributo como extrafiscal [...]. (PAPADOPOL, 2009, p. 23).

O parâmetro para se aferir se a finalidade é buscada de modo direto ou não,

deve ser necessariamente a função desempenhada pela norma jurídica. Sempre que

se tratar de norma que por meio da função indutora busca alcançar finalidade cujo

conteúdo está pré-concebida na Constituição, ter-se-á a identificação da própria feição

indutora ou extrafiscal da norma tributária.

De toda sorte, a relevância jurídica da finalidade está no fato de que serve de

fundamento de validade (e também como conteúdo de validade) para a instituição da

norma tributária indutora, sem a qual não seria possível verificar sua adequação para

com o ordenamento jurídico.

Ao tratar da validade do Direito, sustenta Kelsen (1998, p. 139) que a ordem

jurídica não é um sistema de normas ordenadas no mesmo plano, mas uma

construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas75. Uma

norma somente seria válida porque teria sido produzida na forma determinada por

outra norma, que lhe é superior e de onde retira fundamento de validade - segue-se,

por esse caminho, até se chegar à uma dita norma fundamental do ordenamento

jurídico. Quanto ao conteúdo da norma, este seria, em tese, irrelevante para a

investigação da sua validade. Na visão do autor, uma norma jurídica não é válida

porque tem determinado conteúdo, ou seja, pelo fato do seu conteúdo poder ser

deduzido de uma norma fundamental pressuposta, mas sim por ser criada de

determinada forma que é pressuposta por essa mesma norma fundamental. Todavia,

ao tratar da estrutura escalonada da ordem jurídica, reconhece a existência de normas

que determinam o processo pelo qual outras são produzidas, mas também admite

como possível que seja determinado – ainda que não totalmente - o conteúdo da

norma que será produzida76.

75 Nesse mister, não se deve confundir os conceitos de norma e lei, por ser a segunda um ente positivo

e a primeira um ser lógico (COÊLHO, 1999, p. 92). Normalmente a norma decorre de um conjunto de leis conjugadas, ou, se preferir de um feixe de regras jurídicas. A validade, para Coêlho (1999), seria assim uma questão pertinente ao plano da lei e não da norma.

76 “A Constituição, que regula a produção de normas gerais, pode também determinar o conteúdo das futuras leis. E as Constituições positivas não raramente assim procedem ao prescrever ou ao excluir determinados conteúdos. No primeiro caso, geralmente apenas existe uma promessa de leis a fixar e não qualquer obrigação de estabelecer tais leis, pois, já mesmo por razões de técnica jurídica, não pode facilmente ligar-se uma sanção ao não-estabelecimento de leis com o conteúdo prescrito. Com mais eficácia, porém, podem ser excluídas pela Constituição leis de determinado conteúdo.” (KELSEN, 1998, p. 156).

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56

Parece transparecer, até pelas próprias peculiaridades da competência

reguladora e tributária a ser tratada no capítulo seguinte, que a produção de normas

tributárias com função indutora deflui da competência prevista em normas de

produção de conteúdos pré-estabelecidos pelo texto constitucional77. Em outras

palavras, a norma tributária indutora apenas poderia ser criada ou instituída nas

situações autorizadas ou previstas na Constituição.

Também Heleno Torres entende ser mais apropriado falar em uma fiscalidade

vinculada a razões constitucionais, do que em extrafiscalidade enquanto finalidade da

tributação, o que bem demonstra que a norma tributária indutora deve ser

compreendida no contexto da Constituição (TORRES, 2005, p. 26).

Embora assevere que as “pretensões extrafiscais” possam advir da vontade do

legislador - e não apenas diretamente do Constituinte78 -, Mendes identifica, no

capítulo do “Sistema Tributário Nacional” do texto constitucional, inúmeras regras

enunciadas com nítida pretensão extrafiscal. Enumera referidas regras de acordo com

a sua específica finalidade em normas que autorizam, normas que determinam e até

normas que proíbem a edição de outras normas com intento extrafiscal (MENDES,

2009, p. 197-198). A Constituição, de fato, é repleta de tais regras, ora prescrevendo

a produção de normas com conteúdo extrafiscal e ora facultando o seu emprego. Não

há espaço para que o legislador possa agir sem que observada a outorga de

competência constitucional em razão da matéria.

Ao tratar da finalidade como fundamento de validade da norma tributária

indutora, o objetivo é demonstrar que por finalidade se identifica a própria noção de

conteúdo preconizada pela teoria positivista e que é utilizada para fins de conferir

competência para criação de outras normas jurídicas.

No que se refere à finalidade (ou conteúdo) que fundamenta a introdução da

função indutora, há que se recorrer à teoria das causas em matéria tributária, tal qual

sustentada por Schoueri (2005), para um adequado exame da questão. A teoria das

77 Carrazza sustenta que a Constituição seria para as pessoas políticas a ‘Carta das Competências’,

indicando o que podem, o que não podem e o que devem fazer, inclusive e principalmente em matéria tributária (CARRAZZA, 2003, p. 444).

78 Alguns autores, como Fanucchi partem da constatação da extrafiscalidade como sendo fenômeno de origem infraconstitucional, para somente então reconhecer que existiriam manifestações da extrafiscalidade na própria Constituição ou, nas suas palavras, de tributos extrafiscais por origem constitucional (FANUCCHI, 1975, p. 56). A nosso ver, trata-se de uma interpretação distorcida, uma vez que a extrafiscalidade é originária da Constituição, somente podendo ser reputada válida se observado o conteúdo pré-traçado pelas normas de competência constitucional.

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57

causas propõe que seja investigada uma justificação para determinada exigência

comportamental, sendo de grande utilidade para a legitimação das normas tributárias.

A questão já havia sido abordada por Canto (19--, p. 22), que ao tratar das

obrigações derivadas ou segunda a lei (ex lege) – como sabidamente é o caso das

obrigações tributárias - preferia que fosse utilizada a expressão fundamento no lugar

de causa sempre que se estivesse a tratar do tema. Ao analisar a causa pela qual os

contribuintes são movidos a pagar tributo, reconhece que não o fazem simplesmente

porque a lei assim o determina, mas por vislumbrar uma finalidade prática encontrada

na conveniência de permitir ao Estado contar com os recursos necessários ao

preenchimento de seus fins. O fundamento do tributo residiria, em último caso, na

necessidade de municiar o poder público com meios econômicos para preencher seus

fins coletivos.

Especificamente no emprego da tributação com função indutora, exige-se que

sejam trazidos novos fundamentos (finalidades) para sustentar a sua existência e que

são substancialmente distintos daqueles que justificam a própria arrecadação de

recursos para fazer frentes às despesas públicas.

Ao tratar do problema sob este prisma, Schoueri assinala que a tributação

extrafiscal exige que sejam buscados novos valores juridicamente consagrados para

legitimar a sua criação:

[...] Nesse sentido (de justificação), não se podem desprezar os avanços que aquela teoria ofereceu, ao investigar o elemento teleológico da norma, enquanto justificação da última. Assim, se uma norma tributária encontra sua justificação na necessidade financeira do Estado, i.e., concluindo-se que o ordenamento jurídico pressupõe a existência do Estado e para tanto prevê a tributação, então entender-se-á que a norma tributária que venha a colocar em risco aquela existência extrapolará sua fundamentação, exigindo, daí, do intérprete, a busca de novos valores juridicamente prestigiados, sob o risco de sua incompatibilidade com o Ordenamento Jurídico. (SCHOUERI, 2005, p. 153).

Assim, considera que as normas tributárias indutoras não encontram, tal qual

os impostos, sua justificação na necessidade financeira do Estado, mas sim na

intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico79. Nesse sentido, devem buscar

sua fundamentação em cada ato de intervenção praticado, assinalando que “seu

79 “Com base na teoria das causas, inclui-se na idéia de imposto uma justificativa: prover o Estado com

meios econômicos para cumprir seus fins coletivos. Ora, se as normas tributárias indutoras têm causa (justificação) diversa, então sua veiculação por meio de impostos exige que sejam elas investigados pela causa que lhes é própria, não pela causa dos impostos.” (SCHOUERI, 2005, p. 221).

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58

emprego sofre as mesmas restrições e motivações de outras formas de intervenção

na economia” (SCHOUERI, 2005, p. 167). O regime jurídico será, por conseguinte,

distinto, por envolver além dos limites impostos à competência em matéria tributária,

aqueles aplicáveis às de natureza regulatória.

Também Ávila (2005) reconhece nos impostos com finalidade extrafiscal uma

justificação distinta da aplicável aos princípios gerais da tributação. Ao listar as

finalidades que podem justificar o modo de instituição dos impostos, enumera uma

série de valores protegidos pela Constituição:

[...] ao Estado incumbe também estimular e realizar os princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 e ss.), bem como zelar pela concretização de outros tantos fins, como a manutenção do Estado Federativo (art. 18), a preservação da eficiência administrativa (art. 37), a garantia da segurança pública (art. 144), a implementação da política urbana (arts. 182 e 183), a garantia da função social da propriedade (art. 184 a 191), a preservação da ordem social (arts, 193 a 231), a evolução da ciência e da tecnologia (arts. 218 a 234), a proteção do meio ambiente (art. 225) e da família (arts. 231 e 232), a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior (art. 237). (ÁVILA, 2005, p. 742-743).

A mitigação e flexibilização de consagradas garantias constitucionais ou

limitações constitucionais ao poder de tributar, aplicáveis comumente à conformação

das leis que instituem normas tributárias arrecadatórias, revela a distinção de

tratamento inclusive em nível constitucional das normas indutoras, que somente

podem ser reputadas como válidas ou legítimas se atendidos a critérios de justificação

(causa) constitucionais distintos daqueles comumente aplicáveis às normas com fins

meramente arrecadatórias, como bem exposto por Ávila (2005).

O que os autores anteriormente citados procuram revelar é que, no caso dos

impostos, não só a necessidade financeira do Estado e o princípio da capacidade

econômica, podem justificar sua conformação ao ordenamento jurídico e servir de

critério para legitimar a sua cobrança. Também outros valores, inclusive aqueles de

ordem extrafiscal, relacionados com a intervenção estatal sobre os meios econômico

e social, trazem uma justificação para o modo como essa espécie tributária será

instituída e exigida. Embora essa lógica seja inicialmente aplicada aos impostos, como

será demonstrado mais adiante, outras espécies tributárias também poderão ter causa

de justificação distinta daquela que lhes é comumente atribuída.

Temos, portanto, que a finalidade é causa legitimadora da norma tributária

indutora, servindo ao lado da função como critério para identificação da

Page 53: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

59

extrafiscalidade, também classificada como própria, direta ou em espécie.

Feito esse necessário escorço teórico, que possibilita a identificação da feição

jurídica da extrafiscalidade, principalmente da sua função normativa e finalidade, cabe

adentrar a questão em torno da competência tributária e reguladora, com o fito de

saber até onde os entes federados podem (e devem) instituir normas com função

indutora; importando, para tanto, saber a sua aplicabilidade às diferentes espécies

tributárias e em consonância com a competência legislativa repartida pelo texto

constitucional.

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61

3 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E REGULADORA APLICADAS À

EXTRAFISCALIDADE

3.1 Competência tributária para edição de normas tributárias indutoras

Ao iniciar esse capítulo, parte-se do pressuposto de que por competência

tributária se percebe o próprio exercício da capacidade para criar e instituir tributos

com base em critérios materiais e formais estabelecidos pelo texto constitucional.

Trata-se, na lição de Carrazza, de faculdade conferida às pessoas políticas para editar

leis que criem, em abstrato, tributos e que busca seu fundamento de validade na

própria Constituição80. Ou, melhor dizendo, habilitação ou faculdade potencial que a

Constituição Federal confere a determinadas pessoas para que, por meio de lei,

tributem81 (CARRAZZA, 2003, p. 436).

Seria equivocado se supor que os entes federados são dotados de ampla

autonomia para a criação e cobrança de impostos, taxas e contribuições, tendo em

vista que, no Brasil, as pessoas políticas não detêm poder tributante, sendo a elas

outorgada simples competência em matéria tributária82. Novamente recorrendo a

Carrazza, temos que a competência tributária seria tema exclusivamente

constitucional, tendo sido esgotada pelo constituinte. As normas infraconstitucionais

explicitariam, quando muito, o que se encontra implícito na Carta Fundamental, não

podendo agregar nada de substancialmente novo (CARRAZZA, 2013, p. 444).

Ao discriminar as competências em matéria tributária, a Constituição tratou de

estabelecer a ‘norma-padrão de incidência’ ou o arquétipo constitucional ou a regra-

matriz de cada exação (CARRAZZA, 2003, p. 448). Isso significa dizer que ela teve o

cuidado de definir em relação às diferentes espécies tributárias a hipótese de

incidência possível, o sujeito ativo e passivo possíveis, e a base de cálculo e alíquota

80 Ao propor um conceito ao termo, Carrazza diz que “competência tributária é a possibilidade de criar,

in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas” (CARRAZZA, 2003, p. 437).

81 Cabe ainda citar a advertência do autor para que a Constituição brasileira não tratou, ela própria, de criar tributos, mas apenas discriminar a competência para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, venham a fazê-lo por meio da lei.

82 As pessoas políticas, no Brasil, não detêm poder tributário. Poder existia na Assembleia Nacional Constituinte, tendo retornado ao povo após a promulgação da Constituição e sido substituído pelas competências tributárias repartidas entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal (CARRAZZA, 2003, p. 436).

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62

possíveis. Em último caso, estabeleceu os fatos imponíveis em potencial segundo

bases econômicas pressupostas83.

Não se vislumbra competência tributária (salvo o seu exercício) fora do texto

constitucional, estando ali especificadas todas as possibilidades sobre as quais o

legislador poderá se valer para a instituição de determinado tributo. Com efeito, o

legislador encontra-se vinculado à norma de incidência do tributo delineada no texto

constitucional. E, nesta condição, recebe da Constituição competência privativa84 para

a criação de impostos, taxas e contribuições, segundo critérios materiais e em razão

da sua competência reguladora ou administrativa.

Feitas tais considerações, importa no estudo das espécies tributárias identificar

os seus critérios de diferenciação, para que seja possível distinguir um tributo do outro

com intuito de reproduzir uma classificação que seja considerada útil. Ocorre que os

diferentes critérios adotados para identificar os tributos terminam por desdobrar em

distintas classificações, desde a dicotômica, que enquadra os tributos em duas

espécies (impostos e taxas), passando pela tricotômica, que se trata de

desdobramento da primeira com a subdivisão em taxas e contribuições de melhoria,

até chegar na pentapartite, que classifica os tributos em impostos, taxas, contribuições

de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

Conquanto distintas as classificações, os critérios sobre os quais elas se

baseiam são apenas de dois tipos: intrínseco e extrínseco. O critério intrínseco busca

a distinção dos tributos de acordo com o seu fato gerador, ora diretamente vinculado

à uma atuação estatal e ora não. Por outro lado, pelo critério extrínseco, parte-se da

diferenciação a partir de elementos externos ao objeto, que no caso dos tributos está

83 A esse respeito, anota Ávila (2005, p. 742) que “se os impostos deverão ser graduados segundo a

capacidade econômica, é porque o substrato econômico na hipótese de cada imposto é pressuposto pela própria Constituição”. Arremata que somente poderiam ser tributadas as atividades que estejam relacionadas à renda, patrimônio ou consumo, que sejam indicativas de expressão econômica.

84 O caráter privativo das competências tributárias pode ser encontrado tanto em relação aos impostos como às taxas e contribuições de melhoria. Como anota Carrazza (2003, p. 566), a “Magna Carta traçou a regra-matriz da incidência (o arquétipo genérico) daqueles [impostos] que podem ser criados, sempre em caráter exclusivo, pela União, pelos Estados, pelos Municípios [...]”. Em matéria de impostos, a competência foi partilhada segundo um critério material, que pode ser verificado através da descrição de fatos e possíveis hipóteses de incidência, que denotam capacidade econômica do sujeito passivo que neles incorrer. Quanto às taxas e contribuições de melhoria, adverte o doutrinador que a sua competência não seria do tipo comum pelo simples fato de que tanto a União quanto os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, estão habilitados a instituir referidas espécies. Isso porque, as taxas e contribuições de melhoria somente podem ser criadas pela pessoa política que revestir competência administrativa para realizar a atuação estatal e que é pressuposta no fato gerador do tributo.

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63

relacionado à sua destinação legal85. O Código Tributário Nacional (CTN),

recepcionado pelo atual ordenamento constitucional86, parece ter adotado o critério

intrínseco para classificar os impostos e taxas, já que considera irrelevante a

destinação legal do produto da arrecadação para efeito de definição das espécies

tributárias (artigo 4º). Ao mesmo tempo classifica os impostos pelo seu fato gerador

que prefigura uma situação independente de qualquer atividade estatal específica

(artigo 16). No entanto, o próprio Código trata de ressalvar a existência de outras

espécies - mesmo que não as repute como tributárias -, enumeradas em seu artigo

217, que seriam justamente as diversas contribuições existentes. Embora o critério

intrínseco seja relevante para classificar as espécies dos impostos e das taxas,

reputa-se insuficiente para o adequado exame das contribuições e dos empréstimos

compulsórios, cuja destinação legal é prefigurada na sua hipótese de incidência,

inclusive constitucional. Nesse ponto, há de se convir com Amaro (2012) quando

reclama que se a destinação do tributo faz parte da composição da norma jurídica

constitucional definidora de competência, ela passa a se tornar um dado jurídico, que

além de ter relevância na definição do regime jurídico aplicável, presta-se a distinguir

determinada espécie tributária das demais87. E se a destinação integra o regime

jurídico específico do tributo, não se poderia negar que se trata de critério jurídico

necessário à sua distinção88.

Também Oliveira (2007, p. 40) partilha desse modo de pensar ao consignar que

em alguns tributos, como as contribuições e empréstimos compulsórios, a finalidade

ou destinação específica seria vinculada ao fato gerador, servindo de critério de

justificação na sua instituição. Em outras palavras, a finalidade seria relevante para

‘adjetivar’ o fato gerador típico (principal) de certos tributos, integrando-os como fatos

geradores acessórios.

85 Outros falam ainda do critério da restituibilidade, que de fato será aplicada aos empréstimos

compulsórios, cuja instituição pressupõe sua devolução ao final de termo previamente fixado. 86 Ao recepcionar, ainda que parcialmente, a classificação feita pelo CTN, a Constituição terminou por

encampar os critérios de diferenciação adotados por aquele diploma legal. 87 Na lição do autor, haveriam situações em que a destinação vinculada do tributo seria prevista pela

própria Constituição, sendo aspecto integrante do regime jurídico da figura tributária. Nestes casos, não se poderia ignorar a sua destinação, nem a descartar como critério que permita distinguir a figura tributária de todas as outras, já que essa circunstância passar a ter influência no seu regime jurídico.

88 Assinala Amaro que a destinação, via de regra, não integra a definição do regime jurídico dos tributos. Todavia, quando a destinação seja valorizada pela norma constitucional de competência, passa a representar critério hábil para distinguir determinada espécie tributária de todas as outras que não lhe apresentam a mesma especificidade (AMARO, 2012, p. 101).

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64

Assim, depreende-se que o critério extrínseco, ao lado do intrínseco, mostra-

se relevante para apontar as diferenças entre espécies tributárias, que podem ser

assim sintetizadas do ponto de vista da sua destinação:

[...] há que se convir que todos os tributos acabam tendo um destino determinado: a) os impostos servem para atender às necessidades gerais da coletividade; b) as taxas são utilizadas para retribuir os ônus inerentes ao exercício regular do poder de polícia e os serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição dos particulares; c) a contribuição de melhoria relaciona-se com a valorização do bem particular em razão de obra pública; d) os empréstimos compulsórios visam a atender calamidades públicas como guerra externa, ou sua iminência, e investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional; e) as contribuições objetivam a regulação da economia, os interesses de categorias profissionais e o custeio da seguridade social, e educacional. (MELO, 2000a, p. 35).

Em que pese os critérios intrínsecos e extrínsecos serem da maior utilidade à

diferenciação entre as diferentes espécies tributárias, ao se examinar a veiculação da

norma tributária indutora por meio de qualquer dos tipos acima enumerados, depara-

se com a insuficiência desses parâmetros para efeito de identificar a existência da

própria função indutora como para verificar a existência de conformação na utilização

desse expediente na figura de impostos, taxas e contribuições.

Em tópico anterior, foi demonstrado que a finalidade é aspecto relevante para

identificar as normas tributárias indutoras, atuando ao lado da função como importante

critério de verificação e justificação da extrafiscalidade no plano do ordenamento

jurídico. Ao diferenciar as espécies tributárias segundo a destinação legal do produto

da sua arrecadação, infere-se que por este critério (extrínseco) não é possível

distinguir a função indutora presente nas normas tributárias. Isso em razão de o

aspecto indutor da norma jurídica não se fazer presente no momento da destinação

do produto da arrecadação e sim na própria incidência da norma. O destino dos

recursos arrecadados diz de perto com a função arrecadatória da norma tributária,

que tem as suas propriedades definidas de acordo com o tipo de tributo sob o qual

veiculado. Significa dizer que a destinação está relacionada à função arrecadatória da

norma jurídica, servindo como critério para diferenciar as espécies tributárias entre si.

Contudo, ao tratar da norma tributária indutora, há de se ter em conta que o critério

que permite a sua identificação é aquele relacionado à busca de uma finalidade que

consiste em intervenção estatal sobre os meios econômico e social.

Para compatibilizar a norma indutora com os diferentes tributos existentes, não

basta partir do emprego da tributação com finalismo extrafiscal sob pena de

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65

desnaturar a própria definição da espécie tributária (também a extrafiscalidade está

sujeita ao regime tributário e deve respeitar os limites que conformam a própria

estrutura de determinado tributo). Antes, porém, convém que sejam analisadas as

diferentes espécies de tributos existentes e as possibilidades de que sejam utilizados

para fins de intervenção sobre o domínio econômico. Não custa lembrar que por meio

da extrafiscalidade não se propõe a criação de espécie tributária nova, mas que sejam

utilizadas as já existentes, no limite da sua conformação jurídica.

A questão passa a ser, portanto, como anota Schoueri, saber se uma espécie

tributária possui em sua definição alguma característica que impossibilite ou restrinja

o emprego de normas tributárias indutoras (SCHOUERI, 2005, p. 130).

Partindo do pressuposto de que no presente trabalho se busca uma

investigação restrita da extrafiscalidade no âmbito do Estado de Minas Gerais, serão

analisadas no tópico seguintes apenas os tributos que se conformam à competência

tributária dos estados-membros.

Feitas tais considerações, passa-se ao exame da conformação dos impostos,

taxas e contribuições de melhoria, ao regime das normas tributárias indutoras.

3.1.1 Impostos

Ao qualificar os impostos segundo os critérios anteriormente delineados, temos

que no seu fato gerador se encontra a descrição de hipótese que independe de

qualquer atividade estatal referível ao contribuinte89, aliado a uma proibição de que a

receita decorrente da sua arrecadação seja vinculada a órgão, fundo ou despesa90.

A inserção das normas tributárias indutoras através dessa espécie exige, no

entanto, que se vá além da mera distinção que os impostos apresentam em relação

às demais figuras tributárias, para que seja investigada a sua própria finalidade (ou

finalidades).

A cobrança dos impostos se justifica, em regra, em virtude da necessidade que

o Estado possui em encontrar recursos financeiros para atender às exigências da

coletividade ou necessidades gerais do Estado (SCHOUERI, 2005, p. 165). As normas

tributárias indutoras quando assumem a roupagem dos impostos não encontram sua

89 Artigo 16 do Código Tributário Nacional. 90 Artigo 167, inciso IV, da Constituição.

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66

justificativa na necessidade financeira do Estado, mas sim na utilização dessa figura

como instrumento de intervenção do Poder Público sobre o Domínio Econômico.

Segundo Schoueri, a compatibilidade entre as normas tributárias indutoras e os

impostos se manifestaria pelo fato de que ambos integram o objetivo de construção

de uma sociedade livre, justa e solidária, insculpido no art. 3º da Constituição Federal.

No caso dos impostos fundados na necessidade arrecadatória do Estado, a

solidariedade seria manifestada pela via da capacidade contributiva. E, quando

presentes fundamentos da Ordem Econômica na idealização do imposto (artigo 170

da Constituição Federal), haveria que se considerar a finalidade de assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social (SCHOUERI, 2005 p. 168).

Outras razões, de estatura constitucional, justificam a compatibilidade das

normas tributárias indutoras com os impostos. Com efeito, a própria Constituição

elenca no capítulo do “Sistema Tributário Nacional” determinadas hipóteses em que

os entes públicos detêm competência para utilizar os impostos com função indutora.

Assim, identifica-se a existência de previsões gerais, aplicáveis não apenas aos

impostos, como a faculdade conferida ao legislador complementar para estabelecer

critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da

concorrência (artigo 146-A). Ou ainda a competência da União para conceder

incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-

econômico entre as diferentes regiões do País (artigo 151, inciso I). E também, são

encontradas previsões específicas aos impostos, como a não aplicação do princípio

que estipula a proibição de cobrança de tributos no mesmo exercício em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou (artigo 150, § 1º), aos impostos sobre a

importação de produtos estrangeiros (artigo 153, inciso I), ou sobre a exportação de

produtos nacionais (artigo 153, inciso II). Sem falar na cobrança do imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, em caso de

subutilização ou não edificação de solo urbano (artigo 182, parágrafo 4º, inciso II)91

(BRASIL, 1988).

O critério para identificar tais disposições constitucionais como atinentes à

extrafiscalidade, reside justamente na possibilidade de que o imposto seja utilizado

como instrumento de intervenção econômica e social, atendendo a finalidade diversa

da mera arrecadação de recursos para fazer frente às despesas públicas. Não há de

91 Nota-se que referida disposição se encontra inserida no próprio capítulo da ordem econômica, o que

demonstra que se trata de nítida previsão de utilização do imposto com função indutora.

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67

se admitir que determinadas derrogações às tradições limitações ao poder de tributar

sejam concedidas sem propósito, mas apenas enquanto justificativa para que sejam

alavancados outros valores encampados pelo texto constitucional.

Interessa, nesse ponto, referir à constatação feita por Godoi, que ao tratar da

compatibilidade da extrafiscalidade com o princípio da igualdade – representativo de

importante critério informador da tributação -, defende que essa análise não pode ser

feita apenas pela acepção da igualdade em seu sentido formal (qual seja, de conferir

tratamento igual a todos os seres que ocupam a mesma categoria essencial), senão

também pela igualdade enquanto exigência de discriminações não arbitrárias e

compatíveis com os valores positivados na Constituição92. Assim, outros valores e

objetivos constitucionais poderiam servir como autorizadores de discriminações

legislativas, principalmente quando de índole política econômica e reforma social

(GODOI, 1999, p. 194).

Ao se referir ao princípio da capacidade contributiva e o limite traçado pela

vedação ao confisco, Grupenmacher afirma que o respeito à capacidade contributiva

não se mostra possível em sua plenitude nos tributos marcados pelo caráter

extrafiscal. Todavia, entende ser possível falar em eficácia mínima do princípio, por

ser inadmissível o caráter confiscatório do tributo (GRUPENMACHER, 2017).

Por outro lado, Derzi afirma que as derrogações ao princípio da capacidade

econômica em virtude da tributação extrafiscal não seriam ofensas à igualdade formal,

desde que submetidas às regras de regularidade e igual tratamento entre seres da

mesma categoria essencial. A Constituição obstaria o tratamento discriminatório para

atividades identicamente situadas, como sabidamente ocorreria no caso de norma

legal que concedesse estímulos a certos proprietários de terra em detrimento de

outros em igualdade de condições. Nestas situações, o tratamento quanto ao imposto,

92 Ao sustentar sua teoria, Godoi parte do princípio da capacidade contributiva como subprincípio que

opera a igualdade, para daí superar as antinomias existentes entre a capacidade contributiva e medidas de extrafiscalidade. Segundo ele, três correntes teóricas poderiam ser visualizadas na legitimação de medidas extrafiscais. A primeira, que reputa como ilegítimas tais medidas. A segunda, que propõe que o princípio da igualdade seja mais amplo que o princípio da capacidade contributiva, permitindo-se que outros valores protegidos por normas constitucionais possam também justificar discriminações legislativas. E a terceira, que diferencia os conceitos de capacidade econômica e capacidade contributiva, sendo a primeira conceituada como ‘potência econômica global’ e a segunda um conceito que abarca um valor implícito e decorrente dos ideais expressos na Constituição. Esta última pretende demonstrar que na capacidade contributiva não se abarca tão somente o conceito da capacidade econômica, senão outros valores e metas constitucionais como autorizadores de discriminações legislativas lícitas, principalmente de índole de política econômica e de reforma social (GODOI, 1999, p. 193-196).

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68

incentivos, prêmios, isenções ou progressividade sancionante, teria que ser

radicalmente idêntico (DERZI, 2004, p. 114).

A posição da autora pode ser explicada pela existência de diferentes níveis de

igualdade, cujos primeiros critérios de diferenciação (dentre eles o da capacidade

econômica) são superados à vista de justificativa extrafiscal, resultando em um

segundo nível de diferenciação que deve ser respeitado. Seria inadmissível, portanto,

que aqueles que se encontram em uma mesma categoria essencial fossem

discriminados com base em critérios não constitucionais, mas puramente arbitrários93.

Voltando ao tema central, não há de se olvidar que a utilização das normas

tributárias indutoras na figura dos impostos não se prende apenas aos casos

expressamente estipulados pelo texto constitucional, como também naquelas

situações autorizadoras, em que não há incompatibilidade com a disciplina própria

dessa espécie tributária. Retornaremos à essa questão quando estivermos a tratar da

extrafiscalidade no âmbito do Estado de Minas Gerais, em que será demonstrada a

aplicação prática de tais pressupostos teóricos.

3.1.2 Taxas

Diferentemente dos impostos, as taxas têm o seu fato gerador caracterizado

por uma obrigação que nasce da realização de uma atividade estatal vinculada ou

relacionada de modo específico ao contribuinte (CARRAZZA, 2003, p. 469). Em outras

palavras, as taxas são tributos cuja hipótese de incidência consiste em atuação estatal

diretamente referida ao contribuinte, podendo se tratar da prestação de um serviço

público ou da realização de ato de polícia.

Baleeiro ressalta o caráter contraprestacional da taxa, ao assinalar que a sua

cobrança é feita em razão de alguém se utilizar de serviço público específico e

divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou de quem o tem à sua disposição,

e ainda quando provoca em seu próprio benefício despesa especial aos cofres

públicos (BALEEIRO, 2010, p. 540).

93 Exemplo citado por Derzi e que se mostra útil para a compreensão do tema, diz com a imunidade

conferida aos produtos industrializados destinados ao exterior. Tem-se, no caso, nítida relativização do princípio da capacidade econômica, tendo em vista que também os exportadores demonstram ter capacidade em contribuir aos gastos públicos. Porém, ao conceder a imunidade, a Constituição se pautou por critério diverso daquele atinente à justiça distributiva, contemplando outros valores igualmente relevantes, tais como o desenvolvimento nacional, o equilíbrio da balança de pagamento e o pleno emprego (DERZI, 2004, p. 113).

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69

Partindo do pressuposto de que a taxa é cobrada em razão da atividade estatal,

Schoueri identifica a presença do sinalagma, isto é, a taxa é a contraprestação que o

contribuinte pagaria ao Estado em razão de sua atuação em função daquele

(SCHOUERI, 2005, p. 168-169).

Logo, o fundamento ou justificativa para a cobrança da taxa (critério

extrínseco), estaria no seu caráter contraprestacional ou sinalagmático94, não se

medindo por exata correspondência entre o custo da atuação estatal e o montante

cobrado a título de tributo, e sim por uma medida de razoável equivalência95.

Sobre a compatibilidade do regime das taxas com a inserção das normas

tributárias indutoras, Schoueri - conquanto deixe claro que o tema não seja pacífico96

- alerta que nestes casos a legitimação desta espécie tributária já não seria encontrada

no princípio da razoável equivalência. A nova justificativa a ser buscada estaria na

própria intervenção estatal sobre o Domínio Econômico (SCHOUERI, 2005, p. 180).

Ao final da sua exposição, conclui que:

[...] também as taxas permitem que sua disciplina se faça mediante a inserção de normas tributárias indutoras. Estas, não tendo sua fundamentação na necessidade financeira do Estado nem no princípio da equivalência, requerem justificação baseada na necessidade do Estado de intervir sobre o Domínio Econômico. Ademais, dado que o fato gerador da taxa implica uma prestação estatal, não se aceita venha a norma tributária indutora a indicar comportamento contrário ao que motivou a própria prestação estatal. (SCHOUERI, 2005, p. 181).

A despeito da posição do aludido doutrinador sobre o tema, há que ser levado

em conta que inexiste dispositivo constitucional expresso pré-estabelecendo o

emprego das taxas com função indutora97. Cumpre observar, no entanto, que na

94 Essa mesma ideia é repetida por Carrazza que reconhece que a taxa serve para retribui

pecuniariamente o serviço público ou as diligências que levariam ao ato de polícia. Dessa forma, a taxa só poderia ser exigida daquela pessoa alcançada pela atuação estatal e desde que o tributo tenha por base de cálculo o custo desta atuação - senão o custo, ao menos uma correlação entre ambas (CARRAZZA, 2003, p. 485).

95 Cf. Schoueri, 2005, p. 176. 96 Ávila considera que as taxas não são instituídas para promover algo que ainda não existe, limitando-

se a para custear uma atividade estatal específica. Nesse sentido, considera que não se prestariam a servir de instrumento para atingir finalidades extrafiscais (ÁVILA, 2009, p. 65).

97 A não ser, quiçá, a própria imunidade no pagamento de taxas prevista no art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição, que assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, além do direito à obtenção de certidões em repartições públicas. Nestes casos, poderia ser dito que pretendeu o constituinte assegurar o exercício de direito fundamental pelo cidadão sem que seja demovido diante da expectativa de arcar com contraprestação pela prestação de serviço público. Todavia, considera-se se tratar de fundamentação ligeiramente distinta, que diz propriamente com impedimento a que o Estado possa se valer das taxas

Page 64: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

70

outorga de capacidade para criação e instituição de taxas, a Constituição condicionou

o seu exercício à necessária competência administrativa do ente público, o que

justifica que no desempenho dessa função possa se utilizar desta figura tributária para

provocar um estímulo ou desestímulo ao comportamento dos indivíduos atingidos pela

atividade estatal.

Explicitando melhor a tese ora sustentada, tem-se que a Constituição não tratou

de repartir a competência para instituição de taxas segundo um critério material, tal

qual fez com os impostos. Na realidade, conferiu à União e também aos Estados,

Distrito Federal e Municípios, competência tributária para instituir taxas, em razão do

exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços

públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postas a sua disposição

(artigo 145, inciso II)98. Embora possa aparentar se tratar de competência do tipo

comum, ou seja, conferida a todas as pessoas políticas, Carrazza (2003, p. 574)

adverte que as taxas e contribuições de melhoria somente podem ser criadas pela

pessoa política que revestir competência administrativa para prestar o serviço público,

para praticar o ato de polícia ou realizar a obra pública99. O entendimento parece ser

acertado se for levado em conta que o exercício do poder de polícia e a prestação de

serviços públicos, por envolver atuação estatal, estão disciplinados e discriminados

pelo texto constitucional. A União, assim, é o ente que reúne maior número de

competências administrativas privativas, como se verifica da análise do artigo 21 da

Constituição (como exemplo, emitir moeda, administrar as reservas cambiais do País,

fiscalizar as operações de natureza financeira e manter o serviço postal), sem falar na

sua extensa competência legislativa ou reguladora enumerada pelo artigo 22

(competência privativa para legislar sobre direito civil, águas, energia, informática,

seguridade social, e dentre outras matérias). Aos Estados foi atribuída a competência

do tipo de residual, reservando-lhes a Constituição atuação naqueles campos não

atribuídos à União e tampouco aos Municípios. E, finalmente, aos Municípios

para dissuadir o exercício de direitos fundamentais. Trata-se, em último caso, da própria negação da extrafiscalidade, ou seja, de limitação a que o Poder Público possa se utilizar do tributo com efeitos indutores ou inibitórios.

98 Em cima dessa constatação, Ribeiro entende que no exercício da capacidade tributária relativa às taxas e contribuições de melhoria, os entes federados teriam ampla liberdade para exercer o poder de indução extrafiscal (RIBEIRO, 2013, p. 83).

99 “Obviamente, os serviços públicos, as diligências ensejadoras dos atos de polícia e as obras públicas devem estar dentro da faixa de atribuições (da competência administrativa) da pessoa política que instituir os tributos vinculados (taxas e contribuição de melhoria).” (CARRAZZA, 2003, p. 575).

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71

compete, precipuamente, legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, inciso

I) e prestar serviços de igual natureza (artigo 30, inciso V) (BRASIL, 1988).

Enfim, todas as competências que envolvem atuação do Estado através da

prestação de serviços públicos ou o exercício de poder de polícia referíveis a

determinada pessoa, justificam a instituição de taxa para custear a atividade exercida.

Antes que seja instituída a taxa, explica Carrazza (2003, p. 574) que é mister

que seja instituída lei regulando a atuação estatal no campo a que se pretende a

cobrança do tributo. A pessoa política não deve possuir apenas competência material

para realizar a atividade estatal (na prestação de um serviço público ou no exercício

do poder de polícia), como também exige-se que tenha disciplinado, por meio de lei,

tal atuação. Se assim o é, não poderia determinado ente invadir a competência

administrativa de outro, instituindo taxa sobre determinada atividade que não lhe

tivesse sido reserva pela Constituição. Não haveria, a esse respeito, competência

comum em matéria de taxas. Todos os entes políticos estão habilitados a instituir

referida espécie, desde que dentro da competência administrativa que lhes tiver sido

reservada pelo texto constitucional.

Em que pese ser aceito que em determinadas competências possa subsistir o

caráter privativo ou exclusivo, a crítica que se faz à posição sustentada é a de que

seria igualmente certo que o texto constitucional prevê hipóteses em que a

competência será comum às pessoas políticas, dentre elas aquelas previstas no artigo

23 da Constituição (cuidar da saúde e assistência pública, proporcionar meios de

acesso à cultura, educação, ciência e tecnologia, proteger o meio ambiente e

combater a poluição, fomentar a produção agropecuária, e entre outras) (BRASIL,

1988).

Isto posto, não seria admissível tratar a competência em matéria de taxas como

essencialmente privativa, dada a circunstância de existirem áreas de atuação estatal

em que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, partilham de

atribuições comuns e concorrentes.

A constatação de que a competência para instituir taxas decorre diretamente

das atribuições administrativas repartidas pelo constituinte, torna necessário que essa

específica atuação do Estado seja não só determinante para a identificação da

referida espécie como também para avaliar a possibilidade de seja introduzida a

norma tributária indutora. Significa dizer que a possibilidade de utilização das taxas

com função indutora decorre da própria necessidade de se legitimar a atividade estatal

Page 66: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

72

por meio de outros valores que não aqueles preconizados exclusivamente pelo

princípio da equivalência.

A cobrança das taxas com base em outros valores que não aqueles

decorrentes da ideia de sinalagma foi bem sopesada por Kloepfer (KLOEPFER apud

SCHOUERI, 2005, p. 177), quando reconhece no direito alemão uma exigência,

decorrente da lei fundamental, de que exista compatibilidade entre o conceito

constitucional de taxa e o efeito indutor. Na interpretação feita por Schoueri, o

doutrinador alemão teria identificado que a competência para instituição das taxas

seria um anexo da competência administrativa, ficando submetida aos objetivos gerais

da administração pública. Ocorre que os objetivos buscados pela lei que regula a

atuação estatal vão muito além do seu mero exercício, alcançando, inclusive,

situações que demandam a intervenção do Estado para produzir efeitos sobre o meio

econômico e social. A função indutora teria sua atuação voltada para o atingimento

dessas finalidades, compatibilizando-se com o regime das taxas.

De outra forma, também se poderia admitir dita compatibilidade, ao

compreender o princípio da equivalência com o escopo mais amplo e não restrito ao

custo da atuação estatal diretamente referida ao contribuinte. A equivalência deveria

ser medida em face de todos os desdobramentos advindos do serviço público ou do

poder de polícia, também alcançando aquelas situações em que exista uma atuação

indireta do Estado100. Ao regular o poder de polícia ambiental, por exemplo, o custo

desse exercício não estaria exclusivamente na fiscalização da atividade do

contribuinte, perpassando também toda a atuação do Estado na tutela do meio

ambiente e que teria como se relacionar, ainda que de forma indireta, em decorrência

daquela atividade que está sendo objeto de tutela.

Nesse sentido, a advertência de Marcos Oliveira sobre a face impositiva do

princípio do poluidor-pagador, cujo significado aponta para o dever do Estado em

cobrar do poluidor contribuições públicas (tributos) em função de sua atividade

poluidora. Todavia, essa cobrança, diga-se necessária, não se limitaria aos custos

decorrentes dos serviços públicos específicos necessárias à preservação e

100 Não se está a defender que toda e qualquer consequência advinda da atividade estatal deva ser

incluída no conceito de equivalência. O que se pretende demonstrar é que a ideia de custo construída não se pode medir pelo simples impacto direto do serviço público prestado ou do poder de polícia exercido. Existem efeitos secundários que, por vezes, são imperceptíveis e não ligados diretamente àqueles fatos primários. E tal repercussão econômica deve ser levada em conta, até para que não avulte em oneração excessiva dos cofres públicos.

Page 67: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

73

recuperação do meio ambiente, além daqueles relativos à fiscalização ou

monitoramento ambientais, como também sobre os custos gerais da atuação estatal

(OLIVEIRA, 1999, p. 42).

Não se pretende descuidar da natureza específica da taxa e da necessária

referibilidade ao contribuinte. O objetivo aqui exposto é demonstrar que, por razões

extrafiscais, justifica-se sejam incluídos no custo da atuação estatal não apenas

aqueles valores diretamente relacionadas ao serviço prestado ou poder de polícia

exercido, como também aqueles indiretos relativos ao impacto da sua atividade, que,

por vezes, não podem ser mensurados e impactam significativamente a sociedade.

Neste caso, estaria legitimada a cobrança exacerbada a título de taxa para inibir a

conduta ou atividade socialmente indesejada, provocando nítido efeito indutor101.

3.1.3 Contribuições de Melhoria

A contribuição de melhoria tem por descrição no seu fato gerador uma atuação

estatal que consiste em obra pública da qual decorra valorização imobiliária

(melhoria), estando presente na sua justificação a ideia do “sinalagma” anteriormente

apontada quanto às taxas.

Com razão, a contribuição não é cobrada por qualquer obra pública, mas

apenas em decorrência daquela de que resulte valorização imobiliária e que possa

ser referível a determinado grupo de contribuintes. Justamente, por isso, Amaro

identifica fundamento comum da contribuição de melhoria com o das taxas, que

consiste no fato da atuação estatal poder ser referível a um indivíduo, ou a um grupo

de indivíduos, devendo ser financiada por tributos específicos contra esses mesmos

indivíduos; e não pelos tributos (impostos) arrecadados de toda a coletividade102

(AMARO, 2012, p. 70).

Ao tratar da inserção das normas tributárias indutoras na estrutura das

contribuições de melhoria, Schoueri parte do pressuposto de que a existência da obra

101 Não se vislumbra, nesse ponto, incompatibilidade com a premissa adotada por Schoueri (2005, p.

180), no sentido de que não seria aceitável que o Estado, por meio do poder de polícia, buscasse limitar atividade que fosse incentivada por outro instrumento. Neste caso, não se está pressupondo a fiscalização de atividade incentivada, mas indesejada. Tampouco há contradição com a situação inversa, qual seja incentivo por função indutora inserida na própria taxa criada por conta daquele exercício do poder de polícia.

102 Nas palavras de Amaro, ao tratar do fundamento lógico que embasa a contribuição de melhoria, “se a coletividade não deve financiar a obra que enriquece um grupo de indivíduos, também não se pode empobrecer esse grupo, para financiar uma obra que interessa à coletividade” (AMARO, 2012, p. 71).

Page 68: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

74

pública e da consequente melhoria (ou valorização imobiliária) seriam requisitos

essenciais para a sua cobrança. Pondera que seria admissível a existência de outras

motivações – que não o sinalagma - para legitimar as normas tributárias que veiculam

uma contribuição de melhoria, como a necessidade de intervenção do Estado sobre o

Domínio Econômico (SCHOUERI, 2005, p. 189). Entretanto, as razões invocadas pelo

autor não são convincentes.

Por primeiro, na contribuição de melhoria se tem como pressuposto de

incidência que dá atuação estatal decorra uma valorização imobiliária, estando ali

especificada a sua finalidade e critério de legitimação. Partindo dessa constatação,

seria incompatível com o regime das contribuições de melhoria imaginar que dá sua

cobrança possa decorrer indução ao comportamento dos indivíduos. Não detém o

indivíduo de autonomia para praticar conduta diversa daquela da qual decorre a

cobrança do tributo. A não ser que se admita o incentivo à alienação e especulação

imobiliária por ocasião do início das obras públicas e da iminente ameaça de cobrança

da contribuição de melhoria - o que parece não se tratar de finalidade alinhada com

valor protegido (ou perseguido) pelo texto constitucional. Diferentemente das taxas,

em que o contribuinte pode optar por se comportar de modo a evitar a sua incidência

ou ser incentivado a adotar conduta alinhada com os objetivos da atuação estatal, nas

contribuições de melhoria não há esfera de escolha do indivíduo, o que descaracteriza

o intento indutor presente na extrafiscalidade.

No que se refere às situações específicas de isenção dessa espécie tributária,

mesmo que se admita a aplicação da exoneração fiscal como expediente do tipo

extrafiscal, há de ser ter em conta que nem toda isenção está relacionada à

extrafiscalidade enquanto espécie103. Ou seja, a existência de intuito indutor não é a

única razão que justifica a concessão de uma isenção. Outras razões, inclusive

derivadas da capacidade contributiva, podem justificar que determinado proprietário

de imóvel seja isento da contribuição de melhoria (como poderia ocorrer na realização

de obra pública em região de baixa renda). Cabe, nesse ponto, trazer a lição de

Coelho, para quem nas taxas e contribuições de melhoria o princípio da capacidade

contributiva se realizaria negativamente (incapacidade contributiva), gerando

remissões e reduções subjetivas do montante a pagar em relação ao sujeito passivo

103 “Isenção tributária é técnica que serve tanto aos objetivos extrafiscais (gênero) como aos

arrecadatórios e aos simplificadores. A diferença não se encontra no modo de agir a norma, mas em sua função e, por conseguinte, em seu regime jurídico.” (SCHOUERI, 2005, p. 207).

Page 69: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

75

sem capacidade econômica real. Cita, como exemplo, a isenção da taxa judiciária

concedida aos hipossuficientes e a redução ou isenção da contribuição de melhoria

em relação aos miseráveis que, mesmo sem querer, tiveram suas humildes

residências beneficiadas por obras públicas extremamente valorizadoras (COELHO,

2005, p. 56). Logo, apesar de ser admitida as hipóteses de isenção aplicáveis a esta

espécie tributária, não nos parece que a aplicação desse expediente seja feita com

viés indutor ou pretendendo modular a conduta do contribuinte, uma vez que, como

demonstrado, a sua esfera de escolha é reduzida, não se fazendo presente a

possibilidade de adoção de comportamento diverso.

Diferentemente, portanto, das espécies anteriormente apresentadas em que se

reconheceu a aplicação da norma tributária indutora, quanto às contribuições de

melhoria se nega esse expediente, pois a conformação desse tributo não coaduna

com a presença da função indutora.

Concluído o exame da aplicação da extrafiscalidade aplicável às espécies

tributárias de competência dos estados-membros, passa-se a análise a relação da

competência reguladora com a capacidade para instituir tributos com efeito indutor.

3.2 Relação da competência reguladora com a capacidade para instituir tributos

com efeito indutor

Questão que se faz pertinente ao presente trabalho diz com as implicações

decorrentes da instituição de tributos com efeito indutor à vista da competência

legislativa ou reguladora conferida aos entes públicos.

A competência legislativa seria aquela mais abrangente, envolvendo a

repartição de competências levadas a termo pelo constituinte, nos artigos 22 a 30 do

texto constitucional. Trata-se, na visão de Souza, de competência legislativa para

atender aos interesses dos diversos níveis da Administração, assim como para legislar

sobre “intervenção” ou “ação econômica”104, através de regulamentações, regulações

e planejamento (SOUZA, 1999, p. 351).

Já a competência reguladora seria compreendida enquanto expressão do

poder de regular (soberania regulatória), que segundo Nogueira, seria o poder de

104 Acrescenta que a competência concorrente da União, Estados e Distrito federal, é que seria

nominalmente referida ao Direito Econômico.

Page 70: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

76

promover o interesse público pela limitação e regulação da liberdade, além do

interesse e da propriedade105. Regular, neste contexto, seria estabelecer regras,

dirigir, governar, sempre dentro das limitações impostas em decorrência da repartição

de atribuições constitucionais (NOGUEIRA, 1995, p. 181-182).

José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 903) acena para a existência de um

Estado Regulador, que se incumbe de estabelecer regras disciplinadoras da ordem

econômica com o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça social. O mandamento

da atribuição reguladora se faria presente no artigo 174 da Constituição, a qual

preceitua que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo

este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”106 (BRASIL,

1988).

Quando figura como regulador, o Estado não deixa sua posição interventiva. A intervenção nesse caso se verifica através das imposições normativas destinadas principalmente aos particulares, bem como de mecanismos jurídicos preventivos e repressivos para coibir eventuais condutas abusivas. (CARVALHO FILHO, 2012, p. 904).

Ao tratar das competências atribuídas ao Estado-Regulador, o doutrinador

identifica que o sistema de partilha constitucional de atribuições prioriza o papel da

União Federal no exercício da função reguladora107. No entanto, reforça que no campo

105 Schoueri compreende a intervenção sobre o Domínio Econômico como tendo origem no poder de

regular, que não se confunde com o poder de tributar, encontrado no campo de exigência de tributos (SCHOUERI, 2005, p. 320).

106 Sobre as três formas de atuação do Estado, Carvalho Filho compreende a fiscalização como a atividade de verificação dos agentes econômicos para que sejam evitadas formas abusivas de comportamento de alguns particulares em detrimento de setores menos favorecidos (consumidores e hipossuficientes); já o incentivo representaria o estímulo que o governo deve promover para o desenvolvimento econômico e social do país (através de isenções fiscais, aumento de alíquotas do imposto sobre a importação, abertura de créditos especiais para setores estratégicos); e, finalmente, o planejamento estaria no estabelecimento de metas a serem alcançadas pelo governo no ramo da economia em determinado período futuro (CARVALHO FILHO, 2012, p. 903-904). A nosso ver, a extrafiscalidade se faria sentir com mais força no campo do incentivo, por se tratar de campo em que a intervenção por indução encontra terreno mais fértil.

107 Essa opinião é partilhada por Nogueira, que adverte que as finanças públicas modernas possuem uma tendência a restringir a autonomia local, de forma que só o poder central deveria se ocupar da conjuntura econômica e mesmo tomar decisões de orientação das despesas públicas (NOGUEIRA, 1995, p. 186). Em posição semelhante, Souza elenca o extenso rol das competências legislativas que foram mantidas com exclusividade para a União, desde a emissão de moedas, passando pelas águas, energia, informática, telecomunicações, radiodifusão, sistema monetário, comércio exterior e interestadual, jazidas, minas, poupança, até chegar na propaganda comercial. Ao final, conclui que “tão amplo espectro praticamente cobre todo o âmbito da atividade econômica do País” (SOUZA, 1999, p. 352).

Page 71: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

77

da competência legislativa concorrente (artigo 24 do texto constitucional), a

Constituição teria contemplado algumas funções supletivas para os Estados e o

Distrito Federal. Assim é que a essas pessoas caberia legislar concorrentemente

sobre direito econômico e financeiro, produção e consumo, e proteção do meio

ambiente. Vale ressaltar nestes casos que a competência da União alcançaria a

edição de normas gerais e as demais entidades políticas normas suplementares108.

A relevância do tema ora tratado está no fato de que as normas indutoras,

quando empregadas como mecanismo de intervenção do Estado no meio econômico

e social, teriam sua atuação pautada pelo poder de regular ou a competência assim

conferida aos entes políticos. Como bem anota Schoueri, apesar de serem

introduzidas no ordenamento jurídico se utilizando do tributo como veículo de atuação,

sob o aspecto material respondem como instrumento de intervenção do Estado sobre

o Domínio Econômico (induzindo o comportamento dos contribuintes através de

estímulos financeiros positivos ou negativos). O regime jurídico das normas tributárias

indutoras seria, portanto, de duas naturezas. Do ponto de vista formal estaria sujeita

às regras disciplinadoras da competência tributária e por força da matéria que regulam

às regras de competência legislativa ou reguladora, o que autoriza concluir pela

necessária concomitância de competências constitucionais para que possam ser

introduzidas as normas tributárias indutoras (SCHOUERI, 2005, p. 327).

Ao tratar do tema, Ribeiro reconhece que em determinas situações a

competência para intervir sobre o domínio econômico seria condizente com a

competência tributária estabelecida pela Constituição. Todavia, alerta que em outros

casos não seria possível extrair essa correspondência. Como exemplo, cita o caso da

competência privativa da União para legislar sobre o comércio exterior e interestadual,

a despeito do imposto sobre a circulação de mercadorias de competência estadual

(ICMS) incidir na importação, exportação e destinação da mercancia a outros estados.

Em todo o caso, sustenta que as limitações constitucionais ao poder regulatório

também se aplicariam à capacidade de intervenção do Estado no domínio econômico

pela via da tributação. Incidiriam limitações em decorrência do instrumento utilizado,

sujeita ao regime jurídico tributário, e também quanto à finalidade buscada, submetida

aos princípios e regras da ordem econômica. Encerra sua exposição dizendo que a

108 Como, aliás, estabelece de modo expresso o § 2º do art. 24 da Constituição: “a competência da

União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados” (BRASIL, 1988).

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78

capacidade de intervenção extrafiscal das pessoas políticas se equilibraria entre o

exercício de suas competências tributárias privativas e os limites a esse exercício

estabelecidos pela Constituição, ora a tratar dos seus tributos e ora pela repartição

federativa das competências legislativas (RIBEIRO, 2013, p. 85).

Com relação ao tema, a observação do autor tem o mérito de identificar

espaços em que não há perfeita correspondência entre a competência reguladora e

tributária. Além da situação outrora mencionada, outros casos podem ser extraídos

da própria Constituição, dentre eles a competência da União para legislar sobre

energia e telecomunicações, em contraposição à competência dos Estados e do

Distrito Federal para fazer incidir tributo sobre a circulação de mercadorias, aí incluída

a energia elétrica, e principalmente os serviços de comunicação. Ou também a

competência da primeira para legislar sobre transporte e a dos segundos para instituir

imposto sobre serviços de transporte intermunicipal e interestadual.

Embora não se possa deixar de reconhecer a existência das mencionadas

interseções entre competências de natureza distinta e entes autônomos, a

competência para fazer incidir tributos com função indutora somente poderá ser

exercida quando houver coincidência entre a competência tributária e reguladora. Não

se pode admitir como legítima a instituição de determinado tributo por pessoa

detentora de competência tributária com vistas à intervenção em campo de atuação

que escapa da sua capacidade reguladora. Mesmo na hipótese anteriormente

levantada, de competência dos Estados para instituição de imposto sobre a

importação de mercadorias, esta atuação deverá ser feita sem fins regulatórios. O

fundamento constitucional que autoriza a tributação nestes casos é evitar que o

produto nacional tenha tratamento mais gravoso que aquele importado (o que

certamente ocorreria se a mercadoria importada não fosse sujeita à incidência do

ICMS). Contudo, admitir que os Estados e o Distrito Federal possam instituir alíquotas

mais gravosas para mercadorias importadas em detrimento das nacionais, seria

conferir aos referidos entes políticos competência material não outorgada pela

Constituição; que, inclusive, encontra óbice no artigo 152 da Constituição109.

No capítulo anterior, em que foi abordado o critério de justificação das taxas e

das contribuições de melhoria, a interdependência entre a competência tributária e a

administrativa ficou bastante clara, até pela circunstância do fato gerador dessas

109 Segundo o dispositivo, seria vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer

diferença de tratamento tributário entre bens e serviços em razão da sua procedência ou destino.

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79

espécies tributárias estar vinculado a um agir estatal específico ao contribuinte. Não

seria legítima a atuação estatal que não tivesse como pressuposto a existência de

competência em razão da matéria. Todavia, no caso dos impostos instituídos com fins

extrafiscais essa aludida dependência também se mostra visível, podendo ser

extraída finalidade que consiste na perseguição de valor protegido pela Constituição

e cuja competência reguladora foi cometida a uma pessoa política.

A propósito, esta a posição adotada por Mendes, para quem a discriminação

constitucional de competências para a instituição de impostos não se limita a indicar

fatos sociais relevantes economicamente para atender às finalidades fiscais de

obtenção de recursos. Antes, também se faz presente o intuito de que tais exações

sirvam de expedientes capazes para direcionar condutas através da função

extrafiscal. Para isso, faz-se necessário relacionar as competências tributária e

regulatória (MENDES, 2009, p. 246). Como bem exemplifica o autor:

É da competência da União legislar privativamente sobre comércio exterior (art. 22, inciso VIII), logo é desta mesma Pessoa Política a competência para instituir impostos sobre estas condutas, isto é, o imposto de importação e o de exportação. Também é privativo da União legislar sobre direito agrário (art. 22, inciso I), bem como “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social” (art. 184), logo o importo [sic.] territorial rural é de sua competência tributária. [...] Por outro lado, como a política de desenvolvimento urbano é de competência municipal (art. 182), o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana também o é. Não podemos deixar de constatar ser igualmente da União a competência administrativa para “fiscalizar as operações de natureza financeira” (art. 21, inciso VIII), bem como a legislativa para disciplinar o sistema financeiro nacional [...]. Logo, também é da União a competência tributária para estabelecer o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. (MENDES, 2009, p. 246).

Nogueira (1995, p.187) parte de exemplo semelhante, senão idêntico, ao

pontuar que quando o constituinte desejou proceder à reforma agrária conferiu à

União, como instrumento para sua implantação ou regulação, competência para

legislar sobre o imposto territorial rural110. Quis, com isso, demonstrar que a

competência para criação do imposto sobre a propriedade rural foi propositalmente

outorgada ao ente político que detinha a competência material para intervir na reforma 110 Cita ainda exemplo envolvendo lei do Município de Americana que criou um chamado adicional de

imposto territorial urbano por meio do qual o tributo seria proporcional e progressivamente agravado em razão do número ou quantidade de lotes de terrenos que possuam os proprietários. No seu entender, ao assim proceder o Município teria usurpado da competência legislativa da União para legislar sobre o direito de propriedade, cabendo a ela, com exclusividade, regular o uso, gozo ou exercício desse direito.

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80

agrária. Alia-se o necessário papel extrafiscal do tributo com a possibilidade de que

fosse utilizado pelo ente competente para alcançar determinado fim constitucional; o

que revela, em último caso, uma predisposição do constituinte para que o imposto

fosse utilizado como mecanismo de intervenção sobre o domínio econômico.

Em outra obra de sua autoria, Nogueira retoma sua posição sobre o assunto

ao citar, como exemplo, que se um Estado-membro não pode conceder de forma

isolada incentivo fiscal do antigo ICM (hoje ICMS) que interfira em aspectos da

economia fiscal, justamente porque a regulação dessa competência é da União,

tampouco poderia um Município gravar a tributação do imposto territorial urbano ou

predial com o fito de regular o direito de propriedade (que também escapa da sua

capacidade reguladora). Em síntese, defende que a função regulatória dos tributos é

reconhecida no sistema tributário nacional, porém dentro do princípio das atribuições

de cada nível de governo (NOGUEIRA, 1971, p. 156).

Daí que, diante dos posicionamentos anteriormente apresentados, mostra-se

insuperável a cumulação de competências constitucionais para que seja instituída a

norma tributária indutora. Com efeito, o seu emprego sofre das mesmas restrições e

motivações de outras formas de intervenção na economia, devendo ser confrontadas

com princípios da Ordem Econômica, além daqueles limites impostos pelo regime

tributário (SCHOUERI, 2005, p. 167)111.

No capítulo seguinte, em que estivermos a tratar da instituição da norma

tributária indutora no plano estadual, a nossa análise não se desvirtuará do necessário

confronto entre a competência material e tributária atribuída ao estados federados,

para que possa ser investigada a função indutora dos tributos estaduais.

111 Em outra passagem, afirma que “justificando-se as normas tributárias indutoras, nas taxas, a partir

dos princípios da Ordem Econômica, também estes assumem papel relevante na limitação das primeiras.” (SCHOUERI, 2005, p. 180).

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81

4 EXTRAFISCALIDADE NO ÂMBITO DOS ESTADOS FEDERADOS

4.1 Contextualização da extrafiscalidade aplicável aos estados federados

Ao iniciar o presente trabalho se destacou que a extrafiscalidade foi identificada

pela Ciência das Finanças a partir do estudo das chamadas “finanças funcionais”, que

nada mais é do que a utilização dos instrumentos financeiros, dentre eles os tributos,

para atuar sistematicamente sobre a conjuntura econômica.

O contexto de surgimento da extrafiscalidade está intrinsecamente associado

com a mudança ocorrida no papel do Estado, saindo de uma postura liberal e

passando para uma dita intervencionista. Esse acontecimento terminou por se irradiar

na esfera jurídica, surgindo concepção até então desconhecida, da utilização da

norma tributária, ou do tributo propriamente dito, como mecanismo de intervenção em

aspectos conjunturais da economia e do meio social.

Ao assim proceder, surgiu o que Schoueri (2005) passou a denominar de

‘norma tributária indutora’, que, como demonstrado, não se trata de espécie normativa

nova, mas apenas de desdobramento da norma de conduta que se caracteriza pela

função e finalidade que lhe são peculiares.

Por se tratar de norma veiculada através do instrumento tributário e que objetiva

a intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico, está sujeita a um regime misto,

tanto derivado da competência tributária como da competência reguladora. A pessoa

política que pretende se utilizar do tributo para o exercício de política extrafiscal, deve,

portanto, cumular competências constitucionais, sem o qual não lhe será lícito atuar

fora do campo das suas atribuições materiais.

O ordenamento jurídico brasileiro encampa a forma federativa de Estado,

conferindo aos entes federados competência em matéria tributária para que seja

garantida sua autonomia financeira. Diferentemente de outros países, o poder central

não conta com competência exclusiva para fazer editar normas de instituição e

cobrança de tributos, tendo essa atribuição sido compartilhada com os poderes

estaduais e municipais.

É inegável, contudo, que a União encabeçou a maior parte das competências

em matéria tributária, tanto no que se refere aos impostos como às contribuições

Page 76: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

82

especiais, inclusive sendo relevante destacar sua competência residual para fazer

editar novos impostos não elencados previamente pelo constituinte112.

Aos Estados, em específico, restou a competência para fazer instituir impostos

sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD);

operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações

e as prestações se iniciem no exterior (ICMS); e sobre a propriedade de veículos

automotores (IPVA). Além destes, outros tributos113 compõe sua esfera de

competência, como a possibilidade de instituir taxas em razão do exercício do poder

de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e

divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; e ainda contribuição

de melhoria, decorrente de obras públicas por ele realizadas.

Embora seja no campo das taxas e das contribuições de melhoria que se faz

sentir a maior dependência entre as competências tributárias e administrativas, não

se pode negar que, guardadas as devidas proporções, a repartição das atribuições

para instituição de impostos e contribuições também tenha levado em conta essa

estreita relação114. Inclusive, vale dizer, agregando à essa equação a competência

legislativa ou reguladora de cada ente federado, campo em que se revela propícia a

utilização do tributo com função indutora. Talvez não de um ponto de vista

estritamente vinculado e nem considerando todas as possíveis implicações do uso

das diferentes espécies tributárias como instrumento de intervenção no Domínio

Econômico - sem falar na importância de que fosse feita uma distribuição que tivesse

em boa conta o tamanho dos gastos a serem incorridos pelas pessoas políticas no

exercício das suas competências materiais115. Ainda assim, mostra-se, ao menos em

112 Desde que os impostos sejam instituídos mediante lei complementar, não sejam idênticos aos já

existentes, observem a não cumulatividade e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na Constituição; além de ser autorizado a instituição de impostos extraordinários na iminência ou no caso de guerra externa (artigo 154 da Constituição).

113 Destaca-se, em menor medida, a possibilidade de que façam instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário próprio, tal qual elencado pelo § 1º do artigo 149 da Constituição.

114 Esta é a posição de Oliveira, para quem haveria no Brasil, “através do sistema tributário nacional (Título VI, capítulo I da Constituição), uma partilha constitucional de rendas (arts. 145, 148, 153, 154, 155 e 156) que corresponde à divisão constitucional de competências político-administrativas entre a União (art. 21), os Estados (art. 25), o Distrito Federal (art. 32) e os Municípios (art. 30).” (OLIVEIRA, 2007, p. 35).

115 O fato de determinado ente contar com maior número de competências, não significa que estas se traduzem em maior gasto público, já que, a título de exemplo, as despesas com segurança pública, a cargo prioritário dos Estados, podem superar em muito diversas competências administrativas menos complexas da União.

Page 77: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

83

nível preliminar, condizente o fato de ter sido centralizada grande parte da

competência tributária em torno da União diante do extenso rol de competências

administrativas e reguladoras a ela conferidas pela Constituição.

A circunstância de ter o constituinte priorizado o papel da União Federal no

exercício da função reguladora, não exime os Estados de se incumbir do seu dever

constitucional de dar cumprimento às suas atribuições, ainda que concorrentes,

podendo se valer da sua atuação para praticar a intervenção sobre o meio econômico

e social. Assim é que se destaca a sua atuação supletiva em matérias como a

proteção e defesa da saúde; a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,

turístico e paisagístico; a proteção ao meio ambiente e o controle da poluição; e

também legislar sobre produção e consumo; direito financeiro, econômico e

urbanístico; educação, cultura, ensino, ciência e tecnologia; e dentre outros temas

relevantes.

Como adverte Schoueri, a competência para intervir sobre o Domínio

Econômico deve ser examinada à luz do artigo 24 da Constituição, já que é ali que se

encontra o tratamento da competência para legislar sobre matérias como direito

econômico, produção e consumo, ou proteção do meio ambiente e controle da

poluição. Essa competência, dita reguladora, é exercida de forma concorrente entre a

União, os Estados e o Distrito Federal, cabendo àquela o estabelecimento de normas

gerais e aos demais as de ordem supletiva (SCHOUERI, 2005, p. 339).

Em que pese o entendimento adotado - que restringe o intervencionismo ao

campo da competência regulatória -, cogita-se da intervenção sobre o Domínio

Econômico também no campo das competências administrativas, tendo em vista que

se trata de importante atribuição conferida às pessoas políticas para que possam

modificar a ordem econômica e social existente. De acordo com Carvalho Filho (2012,

p. 906), as atividades relacionadas à competência administrativa comum também

representam modalidade de intervenção estatal no domínio econômico. O constituinte

conferiu a todas as entidades federativas a incumbência de, concorrentemente,

proteger o meio ambiente, fomentar a produção agropecuária, organizar o

abastecimento alimentar, combater as causas da pobreza e promover a integração

social dos segmentos hipossuficientes. Sendo assim, nada mais coerente que admitir

que no exercício da prestação estatal, característica do exercício das competências

materiais ou administrativas, também se observe a busca pelo intervencionismo.

Page 78: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

84

Voltando ao tema central, assiste razão a Schoueri no ponto em que afirma que

o campo de atuação dos Estados não parece pequeno. A atribuição conferida à União

para o estabelecimento de normas gerais não significa que o constituinte tenha

menosprezado o papel dos Estados no exercício da competência suplementar.

Enxerga que, ao assim proceder, o texto constitucional teria imposto um freio à

atuação da União para regular exclusivamente aquilo que tenha relevância nacional.

Trata-se-ia de evidente manifestação do desejo do constituinte em alargar a

competência estadual em detrimento da federal, promovendo a descentralização116

(SCHOUERI, 2005, p. 340).

Apesar de admitir a atuação dos Estados na intervenção sobre o Domínio

Econômico, salienta que esta deve ser tomada com a devida cautela, restringindo-se

ao interesse local, dada a possibilidade de a legislação estadual transbordar as

fronteiras do ente federado e repercutir nacionalmente. Cuida-se de preocupação que

tem toda a sua razão de ser, principalmente para se coibir a invasão da competência

de um entre federado pelo outro.

Em vista dessa conjuntura, o próprio texto constitucional foi estruturado em

diversas partes de forma a prevenir o desequilíbrio federativo. Corrêa, ao examinar o

ordenamento jurídico anterior àquele inaugurado pela Constituição de 1998, já tratava

de elencar limites ao pleno emprego da extrafiscalidade por parte dos estados e

municípios brasileiros. Estes, dizia, eram de dois tipos. O primeiro, traduzindo-se em

limitação do tipo quantitativa, estava no caráter centralizador da reforma tributária

brasileira oriunda da Emenda Constitucional n. 18/65, que conferiu à União o maior

número de impostos, reservando aos Estados, o Imposto sobre Operações Relativas

à Circulação de Mercadorias (ICM) e o Imposto sobre Transmissão, e aos Municípios

o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), além do Imposto

sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) (CORRÊA, 1975, p. 3-4). Nas suas

palavras:

Na verdade, o que se manifesta como quase exclusiva participação do Poder Central no emprego dos incentivos fiscais, nada mais é do que uma avassaladora massa de impostos pertencentes à União em confronto com o

116 Vale ressaltar, neste ponto, que o próprio jurista identifica que a legislação dos estados e a federal

não estão no mesmo plano, uma vez que o parágrafo 4º do artigo 24 da Constituição teria assegurado a supremacia do direito federal ao dispor que a competência dos Estados somente seria plena à vista da inexistência de lei federal. Não se considera que se trata de supremacia de uma ordem sobre a outra, apenas que os Estados também poderão editar normas gerais se houver negligência da União no exercício desse papel.

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85

exíguo número de impostos atribuídos aos outros entes da Federação. (CORRÊA, 1975, p. 4).

Não obstante tenham se referido à ordem constitucional anterior, mesmo após

a Constituição de 1988 é possível encontrar cenário similar, dada a aglutinação da

competência em matéria de impostos e contribuições em torno da União, e

praticamente a manutenção da capacidade tributária dos Estados e Municípios.

Portanto, nem sempre será viável aos Estados utilizar dos tributos sob sua

competência para fazer cumprir suas atribuições reguladoras, especialmente para

praticar a intervenção sobre o Domínio Econômico. Existem restrições materiais e

formais a esse respeito, que podem ser resumidas nos aspectos estruturais e

finalísticos de cada espécie tributária. Em outras palavras, nem todo tributo se presta

a cumprir com determinada atribuição regulatória. Algumas espécies, por suas

próprias características, são mais ou menos aptas a realizar determinada intervenção,

principalmente os impostos que são segregados por campos de competência material.

Ao lado das limitações quantitativas, estariam também aquelas decorrentes da

interferência da União através da concessão de incentivos sobre os impostos

pertencentes a Estados e Municípios. Este, talvez, o ponto mais polêmico se

comparado ao ordenamento atual. De fato, alguns dispositivos constitucionais, como

o parágrafo 3º, inciso II do artigo 156, autorizam a lei complementar federal a excluir

da incidência do ISSQN as exportações de serviços para o exterior. Outros, como o

parágrafo 2º, incisos IV, V e XII, alínea “g”, todos do artigo 155, determinam que o

Senado Federal estabeleça alíquotas do ICMS sobre as operações e prestações

interestaduais, além da faculdade de estabelecer alíquotas mínimas nas operações

internas, inclusive regulando através de lei complementar a forma como, mediante

deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais

serão concedidos e revogados117. Estas limitações ou interferências na competência

tributária, entretanto, restringem-se aquelas hipóteses excepcionais listadas pelo texto

constitucional e somente se justificam se utilizadas para preservar a competência

material da União Federal. Enxerga-se nestes tributos, de competência dos Estados,

Distrito Federal e Municípios, a possibilidade de que possam interferir no equilíbrio da

117 A situação se repete em relação ao ITCMD, cujas alíquotas máximas serão fixadas pelo Senado

Federal (parágrafo 1º, inciso IV do artigo 155 da Constituição), e do IPVA, cujas alíquotas mínimas são fixadas pelo Senado Federal (parágrafo 6º, inciso I do artigo 155 da Constituição) (BRASIL, 1988).

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86

federação, daí a sua necessária regulação pelo poder central.

Em posição mais conservadora sobre o assunto ora tratado, Ricardo Torres

contextualiza a criação do ICMS como inovação na tributação plurifásica, cuja

pretensão é incidir apenas sobre o valor agregado ou acrescido. Os argumentos de

ordem econômica a justificar a sua substituição pelo então imposto de vendas e

consignações, que possui nítido efeito cumulativo, estaria na neutralidade na

formação dos preços118, no desestímulo à integração vertical das empresas, na

aptidão para incentivar exportações mediante a técnica da restituição do tributo pago

internamente e a sua capacidade para sustentar as economias dos Estados-membros

por meio da política de diversificação de alíquotas e bases de cálculo. Desde então,

tratava o autor de reconhecer que o tributo, de competência estadual, apresenta seus

maiores problemas nos aspectos ligados ao federalismo (TORRES, 2000, p. 331).

Na mesma linha, referindo-se à reforma oriunda da Emenda Constitucional n.

18/65, Nogueira (1971, p. 151) salienta que os próprios precursores da reforma

identificaram dentro da competência tributária dos Estados-membros a principal fonte

dos problemas relacionadas à integração econômica e unidade nacional, o que

ensejou o reforço das normas que proíbem a tributação discriminatória e os entraves

fiscais às operações interestaduais e intermunicipais. Para evitar uma ‘guerra

tributária’ entre Estados produtores e consumidores - tomando o antigo ICM (hoje

ICMS) como arma119 -, foram tomadas providências para que esse imposto fosse

neutro, de cunho exclusivamente fiscal e não dotado de finalidade regulatória. Na

visão do autor, sua finalidade seria exclusivamente fornecer parte da receita

necessária aos Estados-Membros e aos Municípios para fazer frente às suas

despesas públicas. Acrescenta que o então ICM não poderia ser utilizado pelos

Estados como instrumento regulador da economia, fomentando ou desencorajando

atividades, isto é, não se trataria de imposto hábil a atuação extrafiscal120. A

justificativa estaria no aludido princípio da uniformidade da alíquota para todas as

118 Cf. Morsch, 2006, p. 85. 119 “O ICMS passa a ser usado como instrumento de captação de investimentos, vindo a ser fator

determinante na escolha de alocação de recursos pelo agente econômico.” (MORSCH, 2006, p. 74). 120 Também Morsch, conquanto identifique que tem sido o ICMS predominantemente desvirtuado e

utilizado como instrumento extrafiscal de desenvolvimento da economia, defende que a sua finalidade deveria ser basicamente fiscal, ou seja, o principal objetivo do tributo deveria ser arrecadar recursos financeiros para satisfação das necessidades públicos e promoção dos direitos fundamentais (MORSCH, 2006, p. 58).

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87

mercadorias gravadas pelo imposto, conjugada com a suposição de ser a intervenção

sobre o meio econômico tarefa precípua do poder central121.

Conquanto admita a possibilidade dos Estados praticarem a intervenção sobre

o Domínio Econômico, Schoueri diz que em relação ao ICMS buscou o legislador

constituinte que fosse regulado, em suas linhas maiores, por meio de lei

complementar, de modo a dificultar que normas tributárias indutoras fossem além do

campo de alcance da própria competência material estadual (SCHOUERI, 2005, p.

350).

Assiste razão a essa parcela da doutrina quando identifica a existência de

limitações ao emprego dessa espécie tributária para a prática da extrafiscalidade. No

entender de Corrêa (1975, p. 5), à vista das limitações constitucionais existentes122,

ficam os Estados impedidos de estabelecer, por si só, alíquotas gravosas para

desestimular certos comportamentos, como uma alíquota exacerbada de ICMS para

constranger uma indústria poluente a corrigir o fator da causa de poluição. Ou a

utilização de incentivos e outros benefícios fiscais – à míngua de autorização obtida

em convênio com os demais Estados -, para abrandamento da tributação do ICMS

com vistas à promoção do desenvolvimento123. Isso não significa que não possam tais

entes levar a termo referidos programas constitucionais, mas apenas que se tratam

de precauções a que não se promova o desenvolvimento regional em detrimento do

nacional.

Com isso, na verdade, não se excluiu a utilização do emprego das isenções de ICM como estímulo ao desenvolvimento urbano, pois, desde que haja convênio nesse sentido, o resultado pode ser atingido. Mas, como o interesse pelo desenvolvimento urbano é caracteristicamente regional, o convênio firmado entre todos os estados da federação, limitara o emprego desse mecanismo extrafiscal, apenas aos casos de interesse predominantemente nacional. (CORRÊA, 1975, p. 6).

Para regularmente assim proceder é necessário que a medida não transborde

o campo da competência suplementar, produzindo efeitos apenas em âmbito local.

121 “Exatamente por isso não só o imposto progressivo sobre a renda, mas também o Imposto de

Produtos Industrializados, com alíquotas seletivas em função da essencialidade dos produtos, ambos de competência Federal é que têm, além da finalidade de produção de receita, o caráter de instrumento de extrafiscalidade.” (NOGUEIRA, 1971, p. 152).

122 Dentre as que não foram anteriormente citadas, destaca-se a necessidade de adoção de alíquota uniforme em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas apenas por produtos (parágrafo 4º, alínea “a” do artigo 155 da Constituição) (BRASIL, 1988).

123 No entendimento destes autores, a lei isencional deveria ser originária do próprio poder tributante e não sofrer trais restrições.

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88

Ou, caso contrário, que exista a conjugação de esforços entre os Estados para que

de comum acordo adotem incentivos e benefícios fiscais de impacto nacional,

tornando-se, em qualquer das situações apresentadas, viável a utilização do ICMS

com fins indutores ou extrafiscais.

Outros impostos, como o ITCMD e o IPVA, sofrem com esse mesmo tipo de

restrição, dada a regulação das suas alíquotas máximas e mínimas pelo Senado

Federal. Vale lembrar que o principal efeito indutor da norma tributária decorre do

aumento124 ou redução125 da carga tributária, o que se viabiliza, no caso dos impostos,

majoritariamente pela manipulação das suas alíquotas. Em vista da rigidez existente

na fixação destas, fica reduzido o espaço de atuação dos Estados para fazer oscilar

o gravame fiscal de forma a induzir os contribuintes a adotarem condutas socialmente

desejáveis. O que tampouco significa que não exista margem de atuação, porém

reduzida.

Acredita-se, pois, que após o advento da Constituição de 1988 não se

sustentam as alegações contrárias ao exercício pelos estados-membros da utilização

dos tributos de sua competência como instrumento de intervenção no domínio

econômico. Fosse assim, estaria sendo negligenciado o imenso potencial do ICMS,

ITCMD e IPVA, para alcançar fins constitucionalmente relevantes distintos da mera

arrecadação e de incumbência dos Estados. Ao mesmo tempo, há de se reconhecer

a competência da União, ou mais bem colocado do Congresso Nacional, para

regulamentar determinados aspectos desses impostos, exaustivamente enumerados

pelo texto constitucional, com vistas a evitar uma indesejável guerra tributária e

prejuízo ao equilíbrio federativo.

Definidas tais premissas iniciais, passa-se ao exame das matérias em que

caberá aos Estados instituir norma tributária indutora no exercício da extrafiscalidade.

124 Schoueri fala em técnica de agravamento quando a norma tributária indutora torna mais oneroso o

comportamento indesejado, aumentando os custos do contribuinte, que fica mais propenso a adotar comportamento alternativo, menos oneroso. Este efeito pode ser obtido através da criação de tributo antes inexistente ou pelo incremento da tributação de tal comportamento (SCHOUERI, 2005, p. 205).

125 Pela via da redução, ou também vantagens como aponta Schoueri, as normas tributárias indutoras incentivam a adoção de comportamentos desejados pelo legislador. Sabendo que os contribuintes buscam economizar tributos, o efeito indutor pela via da vantagem é obtido através do alívio da pressão fiscal, seja através da isenção (ainda que parcial, e aqui entendida como não extensível às técnicas arrecadatórias ou simplificadoras) e de outras técnicas, como a depreciação acelerada de bens do ativo na área do imposto de renda, gastos dedutíveis com pesquisa e desenvolvimento e finalmente os créditos fiscais, permitindo ao contribuinte reduzir o montante da dívida tributária (SCHOUERI, 2005, p. 206).

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89

4.2 Esferas de regulação e atuação dos Estados com possibilidade de

introdução da norma tributária indutora

4.2.1 Aspectos gerais

Dentro da competência legislativa dos Estados, tivemos a oportunidade de

destacar que essa atribuição teria sido idealizada pelo constituinte como sendo do tipo

residual, ou seja, limitando-se aos temas não atribuídos à União e tampouco aos

Municípios.

Especificamente em matéria reguladora, alguns autores126 apontam que a

Constituição teria incluído a participação dos Estados no campo da competência

legislativa concorrente (artigo 24 do texto constitucional), a partir da qual à União

caberia a edição de normas gerais e aos demais entes as normas de cunho

suplementar.

É justamente nesse campo (e em menor medida na esfera de competência

residual de que trata o parágrafo 1º do artigo 25 da Constituição) que se encontra a

possibilidade de instituição de normas tributárias indutoras, desde que observada a

repartição constitucional quanto às espécies tributárias127.

Aos Estados compete principalmente o ICMS, ITCD e IPVA, além das taxas

pelo exercício do poder de polícia e prestação de serviços públicos específicos e

divisíveis, sem falar das contribuições de melhoria pelas obras públicas que concluir.

Como demonstrado em capítulo anterior, estas últimas não são passíveis de servirem

de veículo a normas tributárias indutoras, motivo pelo qual são excluídas da presente

análise. Quanto às demais espécies, caberá aos Estados e ao Distrito Federal se valer

da sua competência reguladora para que seja praticada a intervenção tomando o

tributo como instrumento de atuação.

Revendo os estudos que vem sendo produzidos sobre o assunto, identifica-se

na proteção ao meio ambiente e no combate à poluição, os campos de maior

envolvimento da doutrina no que se refere à aplicação da extrafiscalidade. Inúmeras

126 Dentre eles, Carvalho Filho (2012). 127 A título de exemplo, o Estado não poderia invocar uma competência tributária para instituir o imposto

sobre operação financeiras por lhe ser reservada a competência legislativa supletiva para tratar de direito financeiro.

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90

análises vêm sendo desenvolvidas, principalmente à vista de um movimento global128

que defende a necessidade de redução nas emissões de carbono e que se promova

o desenvolvimento sustentável. Vale ressaltar que se encontra em estágio avançado

a sistematização de um tributo ecológico, expressão que será melhor compreendida

adiante.

O consumo é outro segmento que tem ganhado especial atenção,

principalmente por sua capacidade de mitigar distorções decorrentes da

essencialidade ou superficialidade de alguns produtos, e também a orientar opções

mais conscientes e benéficas por parte dos usuários ou consumidores129. A oneração

na tributação do tabaco e das bebidas alcóolicas tem sido apontada como caso

paradigmático, em que a tributação estaria a exercer intencional estímulo à adoção

de condutas mais saudáveis ou menos nocivas à saúde. Em contraposição, a

desoneração na tributação de medicamentos e equipamentos necessários à

prestação de serviços médico-hospitalares, são bons exemplos em que se intenta

promover a saúde pública.

Cita-se ainda, embora de forma bastante incipiente, posições em torno da

utilização da tributação para fins de proteção do patrimônio histórico, artístico e

cultural; o acesso à cultura, educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação; entre

outros temas que vem sendo objeto de análise por parte da ciência jurídica.

Todos os campos anteriormente citados são passíveis de regulação

(intervenção) por parte dos Estados, ainda que supletiva e concorrentemente. A

seguir, serão analisados os principais deles, apontando-se em que medida a norma

tributária indutora poderá ser instituída para induzir a adoção de comportamentos

socialmente relevantes.

4.2.2 Proteção ao meio ambiente e controle da poluição

A proteção ao meio ambiente e o controle da poluição, são matérias que se

encontram inseridas na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e

do Distrito Federal, ao lado de temas afins como florestas, caça, pesca, fauna,

128 Estes estudos vem sendo capitaneados principalmente pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) em conjunto com a Agência Europeia do Ambiente (AEA), conforme bem salientado por Alexandre de Oliveira Netto (2014, p. 7).

129 Cf. Moraes (2011, p. 16).

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91

conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais (artigo 24 da

Constituição).

A preocupação do constituinte com o meio ambiente foi tão marcante que além

de compartilhar entre os entes federados a competência legislativa quanto ao assunto,

estabeleceu aquela de natureza material ou administrativa para que os Estados de

forma concorrente com a União, o Distrito Federal e os Municípios, ficassem

incumbidos da sua efetiva proteção e do combate à poluição em qualquer de suas

formas; além de lhes ser reservada a preservação das florestas, fauna e flora (artigo

23 da Constituição), e ainda legislar supletivamente sobre responsabilidade por dano

ao meio ambiente (artigo 24, inciso VIII da Constituição) (BRASIL, 1988).

Ao enfrentar o tema sob a ótica tributária, identifica a doutrina que o tributo

poderia ser utilizado como ferramenta para que sejam realizadas referidas atribuições

constitucionais. Como salienta Marcos Oliveira, dentre os meios de prevenção e

combate à poluição, o tributo serve como mecanismo eficiente para proporcionar ao

Estado recursos para agir em prol desse objetivo, como também para estimular

condutas não-poluidoras e desestimular as poluidoras. Destaca-se em sua obra a

definição do conceito do princípio do poluidor-pagador, que possuiria dois sentidos. O

primeiro, do tipo impositivo, que seria traduzido em dever estatal de cobrar do poluidor

as contribuições públicas (ou tributo) em função de sua atividade poluidora, de forma

a transferir a ele os custos dos serviços públicos gerais ou específicos necessários à

preservação e recuperação ou à fiscalização e ao monitoramento ambientais

(OLIVEIRA, 1999, p. 38). Trata-se, a nosso ver, da própria utilização da espécie das

taxas previstas no ordenamento pátrio para cumprir com esse objetivo. O único ponto

de empecilho estaria na proposta de que sejam transferidos a determinado

contribuinte os ônus relativos ao custeio geral dos serviços públicos, o que na teoria

poderia ser vedado por incompatibilidade com o pressuposto de incidência (fato

gerador) das taxas. No entanto, a justificativa para se alargar a sua base tributável –

extrapolando a noção de custeio específico - estaria na própria utilização dessa figura

tributária como instrumento de intervenção no domínio econômico.

A outra faceta elencada pelo jurista, seria do tipo seletivo, que significa a

graduação do tributo de forma a incentivar atividades, processos produtivos ou

consumos “ecologicamente corretos” (não-poluidores), e por outro lado desestimular

o emprego de tecnologias defasadas, a produção e o consumo de bens

“ecologicamente incorretos” (prejudiciais à preservação ambiental).

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92

Embora identifique apenas nesse segundo grupo (do tipo seletivo) o campo da

tributação extrafiscal, infere-se que também naquele outro, tomado como impositivo,

poderia ser empregada a norma tributária indutora. Ao se impor uma majoração da

tributação pelo maior ônus incorrido com a proteção ambiental e por se abandonar a

legitimação com base no princípio da razoável equivalência (aplicável às taxas) em

prol de novos valores encampados no capítulo da Ordem Econômica - como o da

defesa do meio ambiente (previsto no artigo 170, inciso VI, da Constituição) -, justifica-

se que também pelo viés impositivo possa ser instituída norma tributária indutora.

Ao tratar da tributação aplicada à preservação do meio ambiente, também

resumida sob a expressão “tributação ambiental”, Helena Costa (2005, p. 313), em

posição semelhante à de Marcos Oliveira (1999), a define como o emprego de

instrumentos tributários com intuito de gerar os recursos necessários à prestação de

serviços públicos de natureza ambiental, bem como para orientar o comportamento

dos contribuintes à proteção do meio ambiente. No seu entender, variados

expedientes poderiam ser utilizados para alcançar esse objetivo, desde a concessão

de incentivos fiscais130, tais como as isenções e deduções da base tributável, até a

adoção das técnicas de progressividade e diferenciação de alíquotas131. E, nesse

sentido, todas as espécies tributárias seriam capazes de atingir tal fim: impostos,

taxas, contribuição de melhoria e, também, as contribuições de intervenção no

domínio econômico132.

A respeito do tema, vem ganhando destaque no direito comparado a

sistematização dos denominados tributos ambientais ou ecológicos. Analisando as

diferentes posições doutrinárias sobre o seu conceito, Alexandre de Oliveira Netto

130 De acordo com Marcos Oliveira, a indução provoca pelos incentivos fiscais instituídos como

instrumento econômico de promoção de defesa do meio ambiente, está justamente na realização de que a sua rejeição por uns do favor fiscal, e a consciente escolha de seguir poluindo, implica em pagar mais imposto. Entrementes, aqueles que optam por se aprimorar tecnologicamente e deixar de poluir, pagarão menos impostos ou até imposto algum. Cuida-se de uma escolha pautada na própria liberdade do indivíduo em continuar ou encerrar ou adaptar suas atividades, pagando mais ou menos imposto (OLIVEIRA, 1999, p. 40).

131 Em relatório produzido pela Agência Europeia do Ambiente (2008), considerou-se que as taxas ambientais podem contribuir para a realização de mudanças estruturais na produção e consumo, ao corrigir a fixação de preços e as distorções de mercado. É tornar, nas palavras de Birnfeld, mais lucrativas as condutas amigas do meio ambiente, por conta que, a partir da tributação extrafiscal ambiental, as condutas opostos passam a se revelar menos lucrativas ou até deficitárias (BIRNFELD, 2013, p. 262).

132 Registre-se a discordância de Betina Grupenmacher, para quem algumas espécies tributárias seriam vocacionadas para a extrafiscalidade, como os Impostos de Importação e Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e IOF, enquanto outros não teriam semelhante admitidão, como seria o caso das contribuições ao PIS e à COFINS (GRUPENMACHER, 2015).

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93

identifica o uso genérico do termo ‘tributo ambiental’, ora para fazer referência a um

tributo ordinário que tenha algum critério de diferenciação ecológica, ora para se referir

a um tributo que incida diretamente sobre a emissão de poluentes (NETTO, 2014, p.

7). Em outra obra, José Marcos de Oliveira trata dos tributos ambientais como sendo

conhecidos pela expressão ‘tributos verdes’. Segundo ele, ‘tributos verdes’ seria

expressão leiga que faz referência a tributos que tem motivação ambiental. No seu

entender, existem dois sentidos para os chamados tributos verdes ou ambientais. Pelo

sentido estrito, tributo ambiental significaria um tributo novo cobrado em razão do uso

ou exploração do meio ambiente pelos agentes econômicos. Já o sentido amplo,

estaria relacionado a tributo tradicional ou ordinário, adaptado a servir aos esforços

de proteção ambiental (OLIVEIRA, 2007, p. 63).

Helena Costa chega a identificar os tributos ambientais em âmbito global como

sendo aqueles introduzidos no ordenamento por motivos ambientais ou por revestirem

efeitos ambientais independente das razões que levaram à sua exigência. Voltando-

se à experiência francesa, alemã e norte-americana, verifica que a introdução dos

chamados tributos ambientais seria duplamente vantajosa, ora estimulando o

comportamento individual, que espontaneamente passaria a ser orientar de modo a

evitar a tributação mais gravosa, e ora compensando a pouca eficácia encontrada no

exercício do poder de polícia (COSTA, 2005, p. 313).

Em atenção aos conceitos empregados em nível internacional, José Marcos de

Oliveira trata de classificar os tributos ambientais em effluent charges (encargos sobre

efluentes) e administrative charges133 (encargos administrativos), user charges134

(encargos de usuário), product charges135 (encargos sobre produtos), environmental

surtaxes136 (adicionais ambientais). Entretanto, para fins de enquadramento no ramo

do direito tributário, propõe nova classificação reunindo os encargos sobre efluentes

e encargos administrativos na figura das taxas de polícia, em se tratando de

contrapartida às atividades públicas referidas aos contribuintes poluidores; os

encargos sobre o usuário estariam relacionados às taxas pela utilização dos serviços

de coleta, tratamento e disposição do esgoto; e finalmente os encargos sobre produtos

133 Cobrados em face das atividades públicas de controle, autorização, registro e fiscalização, inclusive

em relação às descargas poluentes líquidas, aéreas ou sonoras. 134 Cobrados pela utilização dos sistemas de esgotamento sanitário público. 135 Cobrados sobre o preço dos produtos poluentes, podendo ser adotado um sistema de graduação

de alíquotas que permite o incentivo ou desestímulo à produção e ao consumo de bens com mais ou menos mérito frente às políticas ambientais.

136 Cobrados como majoração do imposto sobre a renda.

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94

e adicionais ambientais seriam reunidos sob a figura dos impostos referidos à

atividade econômica dos contribuintes ou ao seu resultado (OLIVEIRA, 1999, p. 43-

44).

Ao transpor referidas conclusões à realidade brasileira, surge uma

preocupação de que a experiência nacional tenha se revelado bastante incipiente no

campo da tributação ambiental137. Essa circunstância motivou Helena Costa (2005, p.

322) a afirmar, em obra publicada há mais de uma década, que o sistema de disciplina

de condutas em matéria ambiental ainda era pautado no que a comunidade jurídica

conhecia como sistema de “comando e controle” (comand and control). Esse método

se baseia na edição de normas dirigidas aos particulares para que adotem

comportamentos afinados com a preservação ambiental - como de fato ocorre na

intervenção por indução -, porém cujo cumprimento é fiscalizado através do exercício

de controle inerente à polícia administrativa, filiando-se finalmente à intervenção por

direção. Prossegue afirmando que o sistema de tributos ambientais apresenta

vantagem se comparado ao mecanismo clássico de controle. A tributação indutora

estimula o comportamento individual em prol de uma postura ambiental mais correta,

que somente é concretizada mediante o caminho do incentivo financeiro. Em

contraposição ao sistema clássico, aquele decorrente da implantação de tributos

ambientais não exige infra-estrutura ou fiscalização do aparelhamento administrativo

para que seja garantido o poder de polícia. Não há que se olvidar que, a despeito da

praticidade do pensamento apresentado, o sistema de tributos exige um relevante

grau de fiscalização no cumprimento das obrigações tributárias, sem o qual não será

evitada a evasão fiscal138.

Bannwart e Terasaca (2014, p. 73) se filiam a posição semelhante, ao apontar

que a maior parte dos economistas costuma preferir os impostos corretivos à

137 “Conforme anteriormente observado, a experiência de tributação ambiental no Brasil é incipiente,

decorrência natural da pouca conscientização de nossa sociedade sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. Mas é possível apontar algumas incursões efetuadas no campo da tributação ambiental.” (COSTA, 2005, p. 323).

138 Não é objeto deste trabalho comparar os custos entre o incremento do aparelhamento estatal para o exercício da atividade de polícia administrativa e o aumento daqueles decorrentes da fiscalização por parte da Fazenda Pública do recolhimento dos tributos sobre agentes incumbidos da exploração dos recursos naturais. Não há base de dados suficientes a essa comparação. Contudo cogita-se ser necessário salientar que a fiscalização no cumprimento das obrigações tributárias exige ou demanda elevados custos e que se tornam ainda mais expressivos quando o tributo é utilizado como instrumento de intervenção no domínio econômico.

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95

regulamentação139 ou à livre negociação entre agentes econômicos quanto às

externalidades140, uma vez que os impostos poderiam reduzir a poluição a um custo

menor para a sociedade. Os impostos corretivos seriam aplicados de forma a corrigir

as falhas de mercado, introduzindo um sistema de tributos que afetaria a relação entre

o benefício marginal141 e custo marginal142 de uma determinada atividade, garantindo-

se um nível eficiente de emissão de poluentes. Enquanto uma determinada

regulamentação venha a exigir a redução de poluentes a determinado nível por

período, atingindo-se o objetivo proposto assim que alcançado aquele patamar (v.g.

300 toneladas por ano), o sistema de tributos pode representar um incentivo a que se

reduza ainda mais aquele patamar (menor do que 300 toneladas).

Voltando à Helena Costa (2005), ao elencar as incursões feitas pelo Estado

brasileiro no campo da tributação ambiental, a autora identifica na esfera de

competências tributárias da União as maiores possibilidades de emprego de

instrumento fiscais com eficácia ambiental143. Cita, como exemplos, o Decreto Federal

n. 775/1993 que estabeleceu alíquotas diversificadas do IPI para veículos movidos a

gasolina e para aqueles movidos a álcool, que apesar de ter como objetivo manifesto

o incentivo à produção de etanol em detrimento da importação de petróleo, resulta,

por consequência, na redução dos níveis de poluição atmosférica das cidades. Ou da

139 Por regulamentação afirmam ser a atuação do governo no sentido de determinar a conduta das

empresas, tornando obrigatórias ou proibidas algumas ações. O problema dessa forma de controle é de que toda atividade, em maior ou menor medida, produz algum nível de poluição, tornando-se inviável proibir todas elas.

140 Como explicam os autores, o teorema de Coase defende a liberalização do mercado, eliminando o Estado subvencionador e o Estado elevador de impostos. Caso exista uma externalidade gerada pela atividade poluidora, gerando um impasse entre dois agentes econômicos, a livre negociação entre eles levaria a um nível ótimo de emissão dos poluentes. Criticam, contudo, a posição sustentada por Coase, ao sustentar que apresenta problemas relativas a custos de transações, comportamento free-rider e falhas quanto a informações insuficientes relativas aos custos e beneficiados associados às externalidades. A título de exemplo, em um cenário hipotético em que varias companhias pesqueiras decidissem indenizar uma indústria química para reduzir os poluentes despejados sobre um lago do qual detivesse direito de exploração, caso uma dessas companhias decidisse não arcar com o valor, seria beneficiada pela diminuição da poluição do lago. Ou seja, não contribuiria com o acordo firmado, mas se aproveitaria dos seus benefícios, aumentando os seus lucros de forma desproporcional. Esta situação poderia levar, inclusive, à impossibilidade de acordo, pois o valor excederia as possibilidades das companhias pesqueiras cooperantes.

141 Por benefício marginal, entende-se o benefício adicional de produzir uma unidade a mais de bem ou serviço.

142 O custo marginal seria o valor a mais que se paga pela produção quando se aumenta uma unidade adicional do bem ou serviço.

143 Jeronimo e Freitas citam como exemplos de instrumentos tributários que visam proteger o meio ambiente, dentre outros, o ICMS ecológico, a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) e as cobranças de crédito de carbono oriunda do mecanismo de desenvolvimento limpo (JERONIMO; FREITAS, 2013, p. 72).

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96

autorização para dedução da base de cálculo do Imposto sobre a Renda das

importâncias empregadas em projetos de reflorestamento e a exclusão da base do

Imposto Territorial Rural das áreas de preservação permanente e de reserva legal. À

época em que publicada a citada obra da autora, a União havia acabado de instituir a

Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), cujo objetivo era o controle e

fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos

naturais. Vale ressaltar que taxa semelhante, inclusive de mesmo nome, fora instituída

pelo Estado de Minas Gerais através da Lei Estadual n. 14.940, de 29 de dezembro

de 2003.

No âmbito dos Estados tem sido apontada a experiência do “ICMS

Ecológico”144, que consiste na definição de critérios para a distribuição de parcela da

arrecadação desse imposto com base na implementação de políticas ambientais pelos

Municípios. Entretanto, como bem adverte Helena Costa, não se trata propriamente

de instrumento tributário, mas de natureza financeira145 (COSTA, 2005, p. 324). De

nossa parte, embora seja considerada louvável a iniciativa, não se trata de caso em

que se identifica a existência de norma tributária indutora. A medida não procura

incentivar o comportamento dos contribuintes e tampouco a intervir sobre o meio

econômico, mas levar os entes municipais a adotar medidas de proteção ambiental e

combate à poluição.

Outra medida elencada, porém de menor expressão, diz com a taxa de

preservação ambiental exigida no Distrito Estadual de Fernando de Noronha, que foi

instituída pelo Estado de Pernambuco, nos termos do artigo 82, inciso I, da Lei

Estadual n. 10.403, de 29 de dezembro de 1989. O seu fato gerador é a utilização,

efetiva ou potencial, por parte dos turistas ou visitantes, da infra-estrutura física

implantada no Distrito Estatal e do acesso e fruição ao patrimônio natural e histórico

do Arquipélago (artigo 84). A taxa ganha esse nome por ser destinada a assegurar a

manutenção das condições ambientais do sítio ecológico. Apesar de transparecer

144 “O ICMS ecológico é um instrumento oferecido pelo estado aos governos locais, como um incentivo

à proteção do meio ambiente e constitui também uma regulação não coercitiva produzindo resultados melhores e mais rápidos do que se o estado aplicasse os instrumentos fiscais tradicionais de comando e controle, penalizando os governos locais que não cumpram suas responsabilidades de tratar, por exemplo, os efluentes urbanos. O dinheiro compensa os municípios que criam e programam parques e áreas protegidas, é o chamado ICMS-verde que incentiva a preservação do meio ambiente por meio do princípio protetor-recebedor.” (JERONIMO; FREITAS, 2013, p. 72).

145 A posição é compartilhada por Oliveira para quem seria instituto de Direito Financeiro e não jurídico-tributário. Quando muito, complementaria o chamado sistema tributário de financiamento intrafederativo (OLIVEIRA, 2007, p. 36-37).

Page 91: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

97

nítida medida de cunho arrecadatório, instituída para fazer frente às despesas

incorridas com a prestação de serviço público específico e divisível, o seu caráter

extrafiscal ou indutor transparece na circunstância de estabelecer uma cobrança

escalonada, que será majorada à medida em que o visitante resolver permanecer por

maior período no local146. Não parece que o legislador estadual tenha buscado através

dessa medida unicamente inibir a visita de turistas ou visitantes ao local, e sim

controlar o fluxo de pessoas no sítio, evitando que o tempo de permanência seja

prolongado, sobrecarregando o ecossistema local. É o que se verifica, a propósito,

quando a Lei prevê a cobrança em dobro do tributo nos casos em que for extrapolado

o período inicialmente previsto de permanência do visitante ou turista sem devido e

prévio agendamento.

Helena Costa elenca ainda outras propostas para transformação dos impostos

estaduais em medidas aptas a viabilizar a adoção de condutas afinadas com a

proteção do meio ambiente. Em relação ao ICMS, diz que este pode ser seletivo em

função da essencialidade das mercadorias e serviços, e que, com base nesse

146 Segue a transcrição do artigo 86 da citada Lei Estadual, cujo teor estabelece a base de cálculo da

taxa e os valores que serão exigidos pelo tempo de permanência do visitante ou turista: Art. 86. A base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental será obtida em razão dos dias de permanência do visitante ou turista no Distrito Estadual de Fernando de Noronha, de acordo com os seguintes critérios: I - para cada dia de permanência incidirá o valor correspondente a R$ 64,25 (sessenta e quatro reais e vinte e cinco centavos), até o limite máximo de 10 (dez) dias; II - do quinto ao décimo dia de permanência, incidirá o valor da diária referida no inciso I, deduzidos os valores a seguir indicados: a) quinto dia: R$ 5,14 (cinco reais e quatorze centavos); b) sexto dia: R$ 23,13 (vinte e três reais e treze centavos); c) sétimo dia: R$ 41,12 (quarenta e um reais e doze centavos); d) oitavo dia: R$ 59,11 (cinquenta e nove reais e onze centavos); e) nono dia: R$ 77,10 (setenta e sete reais e dez centavos); e f) décimo dia: R$ 95,09 (noventa e cinco reais e nove centavos); III - para cada dia excedente a partir do décimo primeiro dia, incidirá o valor da diária referida no inciso I, acrescido, progressiva e cumulativamente, de mais R$ 12,85 (doze reais e oitenta e cinco centavos), por cada dia excedente; e IV - a atualização dos valores previstos nos incisos I a III deve ser realizada anualmente, com base na variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou outro que vier a substituí-lo, observando-se: a) a mencionada variação será aquela verificada no período do mês de dezembro de cada exercício ao mês de novembro seguinte; b) a atualização obtida na forma prevista neste inciso somente terá vigência a partir de janeiro do exercício subsequente ao período indicado na alínea “a”; e c) para os efeitos do disposto na alínea "a”, o primeiro período a ser considerado será de dezembro de 2015 a novembro de 2016. Parágrafo único. O valor da Taxa de Preservação Ambiental, que se referir aos dias excedentes ao período inicialmente previsto será cobrado em dobro quando a permanência do visitante ou turista no Arquipélago de Fernando de Noronha não estiver devida e previamente agendada e autorizada pela Administração-Geral.

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98

permissivo constitucional, seria permitida a adoção de alíquotas mais gravosas para

as operações com produtos tóxicos ou poluentes, criando um desincentivo ao seu

consumo147. Outro imposto que poderia servir a esse propósito seria o IPVA, que teria

suas alíquotas graduadas em função da preservação ambiental, observando-se o

incentivo a veículos movidos a combustíveis menos poluentes (álcool, gás natural ou

energia elétrica) e o agravamento do ônus fiscal a inibir a aquisição de veículos que

não os utilizam (COSTA, 2005, p. 326).

Além destas, inúmeras outras medidas extrafiscais podem ser implementadas

pelos Estados, como a concessão de incentivos ou benefícios fiscais a produtos

cultivados sem agrotóxicos ou que utilizam insumos recicláveis, ou a desoneração dos

serviços de transporte coletivo intermunicipais como forma de incentivar a sua

utilização em massa e, consequentemente, reduzindo o número de veículos em

circulação.

Em relação às taxas, também é possível que sejam instituídas, inclusive com

agravamento do ônus fiscal, para cumprir com objetivos de intervenção no domínio

econômico e ambiental. José Marcos Oliveira contextualiza a criação de taxas para

os serviços públicos de licenciamento e fiscalização, e de limpeza ou recuperação

ambiental, relacionadas ao tipo de estabelecimento, área fiscalização e também

volumes de emissões, despejos ou produção de resíduos poluidores (OLIVEIRA,

2007, p. 81). No seu entender:

[...] devido ao alto custo dos serviços ambientais, e a fortiori sendo de elevado valor o tributo correspondente, a simples instituição das taxas ambientais produz um efeito psicológico, extrafiscal, imediato, induzindo o poluidor a buscar alternativas de comportamento não-poluidor para furtar-se a ser identificado como contribuinte, ou pelo menos diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar. (OLIVEIRA, 2007, p. 90).

Com relação às medidas sugeridas, transparece o nítido caráter indutor ou

extrafiscal a ser atribuído à norma tributária, que pretende induzir o sujeito passivo a

adotar determinando comportamento, estando, em qualquer caso, afinando com o

desiderato constitucional de proteção ao meio ambiente e controle da poluição.

Para encerrar a análise quanto ao controle da poluição, registra-se a existência

de posições em torno da criação de um tributo sobre as emissões de carbono.

147 Cita-se ainda, como exemplo, a restituição do imposto sobre vasilhames, mencionada por José

Marcos de Oliveira (2007, p. 60), que ocorreria por ocasião da devolução dos recipientes.

Page 93: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

99

A ideia de que seja instituído um tributo que incida diretamente sobre a emissão

de poluentes não é nova, tendo inclusive sido mencionada no decorrer desse capítulo.

Tem sido levantada a possibilidade de criação de um imposto sobre unidade de

poluição emitida, cujo objetivo seria impactar os custos das atividades poluidoras e,

com isso, incentivar as empresas a buscar meios alternativos de produção mediante

o uso de tecnologia limpa. A proposta que vem ganhando maior relevância em nível

internacional, como bem identifica Bannwart e Terasaca, seria a criação de um

imposto vinculado à emissão de carbono, cujo objetivo seria coibir a emissão dos

gases de efeito estufa, mais especificamente o dióxido de carbono, através da

internalização das externalidades decorrentes desta forma de poluição (BANNWART;

TERASACA, 2014, p. 76).

A par dos evidentes problemas ligados à tributação sobre a emissão de

carbono, dos quais são listados por Bannwart e Terasaca aqueles relativos ao valor

do tributo148, a base tributável149 e os impactos no comércio internacional150, há de se

questionar a própria viabilidade jurídica na instituição de tributo que tenha por base

um fato material que não apresenta, por si só, expressão econômica. Contra essa

preocupação, invocam tais autores que a maior emissão de carbono ensejaria na

presunção lógica de possuir a empresa maior capacidade contributiva, com base na

suposição de que a emissão de carbono estaria diretamente associada aos níveis

superiores de produção. Embora reconheçam que essa correlação não seja

necessariamente verdadeira, uma vez que empresas de grande porte e grande

poderia econômico podem vir a diminuir sua emissão de carbono através do emprego

de sistemas sustentáveis, defendem que o modelo brasileiro de tributação prevê

casos em que mesmo diante da ausência de capacidade contributiva subjetiva o ônus

tributário não seria reduzido. Citam como exemplo uma pessoa hipossuficiente que

recebe veículo importado de presente, porém que não terá seu IPVA diminuído por

sua situação pessoal (BANNWART; TERASACA, 2014, p. 79-80).

148 Neste caso, o valor deveria acompanhar a correção monetária e a inflação, além de variar na medida

em que novos dados permitam tirar conclusões sobre os efetivos custos e benefícios na redução da emissão.

149 No que se refere à base tributável, a dificuldade residiria justamente na necessidade de se dimensionar o tributo de acordo com os ramos de atuação das empresas, já que cada uma produziria e emitiria carbono em diferentes níveis.

150 Trata-se de preocupação com a potencial migração de empresas a outros países com leis mais brandes e ausência de imposto sobre o carbono.

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100

Apesar de sedutora essa linha de pensamento, temos que não há de se

confundir a exigência de graduação dos impostos segundo a capacidade subjetiva do

contribuinte com o pressuposto de que para que seja instituído o tributo há de ser

observada a existência desta mesma capacidade na sua acepção objetiva. Como

anota Pacheco (2005, p. 338), “na escolha do fato presuntivo de riqueza repousa o

princípio da capacidade contributiva”, que significa dizer que as relações jurídico-

tributárias são construídas a partir da designação de fatos que revelam uma possível

ou provável capacidade de contribuir para os cofres do Estado, isto é, fatos

significativos de riqueza. A emissão de carbono não é, singularmente considerada,

acontecimento que manifesta capacidade da pessoa que lhe dá causa em contribuir

para os cofres públicos. Mesmo razões de ordem extrafiscal não poderiam suplantar

essa necessidade de que seja manifestada base econômica para que o tributo possa

ser instituído.

Todavia, ainda que se considere a acepção da capacidade contributiva como

mais abrangente que aquela de ordem econômica e que se admita a instituição de

tributo que tenha por fato imponível as emissões de carbono, chegar-se-á a conclusão

de que a competência dos Estados para assim proceder é bastante limitada, senão

nula. Isso porque, segundo Bannwart e Terasaca a tributação sobre as emissões

deveria ser realizada por meio de impostos e não taxas, ou seja, de tributo não

vinculado a incidir sobre a emissão de dióxido de carbono na atmosfera (BANNWART;

TERASACA, 2014, p. 79). Apesar de não terem esclarecido os motivos pelos quais a

taxa não poderia ser empregada para esse fim, considera-se que a razão está

justamente no seu pressuposto de incidência, que há de consistir na prestação de

serviço público específico e divisível, ou no exercício do poder de polícia (atividade

estatal vinculada); ambas situações supostamente inexistentes na espécie a ser

onerada. Quanto à utilização de impostos para esse objetivo, seria necessária a

criação de tributo até agora inexistente, e cujo aspecto material não foi antecipado

pela Constituição na repartição das competências em matéria de impostos. Sendo

assim, caberia à União, dentro da sua competência residual, instituir imposto desta

natureza.

Em que pese ter sido a figura das taxas desconsiderada para fins de oneração

das emissões de carbono - e indução dos poluidores a práticas mais sustentáveis -,

defende-se o seu uso, inclusive pelos Estados, conquanto seja demonstrado que o

maior nível de poluição praticado pelos agentes econômicos esteja diretamente

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101

relacionado à fiscalização administrativa a ser exercida. A atribuição conferida aos

Estados de controle da poluição exige que atividades poluentes sejam fiscalizadas

pelo Poder Público. Neste caso, a base da taxa poderia ser fixada de acordo com os

níveis de carbono emitidos, já que diretamente relacionada à atividade de controle da

poluição, além de ser majorada sob o fundamento de necessidade de intervenção

sobre o Domínio Econômico.

Alternativamente à instituição de um imposto sobre o carbono, poderia ser

criada uma taxa, sempre observada a necessidade de atuação estatal na prestação

de serviço específico e divisível, ou exercício do poder de polícia.

Interessante notar, quanto às possíveis implicações da imposição de uma ‘taxa

de carbono’ no PIB brasileiro, que em estudo conduzido por Silva e Gurgel (2010)

sobre um hipotético cenário de instituição de imposto sobre as emissões de Gases do

Efeito Estufa (GEE) pelo Brasil, no valor de US$ 20 por tonelada a partir de 2015 (e

vigorando até 2050), concluiu-se que a sua implementação representaria uma

pequena alteração na inclinação da trajetória de crescimento da economia (queda de

6% do PIB no último ano simulado – 2050) associado a reduções de 52% em emissões

derivadas do uso de energia. Ou seja, ao menos teoricamente, sugere-se que a

tributação das emissões de carbono tem impacto significativo na redução de poluentes

na atmosfera.

4.2.3 Produção e Consumo

Outros campos afins que vem sendo reconhecidos como propícios à tributação

extrafiscal ou instituição de normas tributárias indutoras, são aqueles relativos à

produção e consumo.

Dispõe a Constituição, em seu artigo 24, inciso V, acerca da competência

concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, para legislar em matéria

de produção e consumo (BRASIL, 1988). Interessante notar que a regulamentação de

tais temas irradia efeitos para outras áreas, principalmente da saúde pública (como

será exposto adiante), dada a sua capacidade de influir no hábito de consumo de

produtos noviços à saúde humana ou incentivar e facilitar a aquisição daqueles outros

imprescindíveis à sua conservação. Em países, como na Comunidade Europeia e nos

Estados Unidos, os tributos indiretos que incidem sobre produtos que prejudicam a

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102

saúde dos consumidores ou poluem o ambiente, tem recebido a alcunha de ‘impostos

especiais de consumo’151 ou ‘excise taxes’.

O tributo, neste contexto, serve como importante ferramenta de intervenção

sobre o meio econômico e social, pois quando instituído sobre o consumo afetaria o

hábito dos consumidores em razão da sua capacidade de influir nos preços dos

produtos152, além de ser importante ferramenta para o desenvolvimento industrial

através das políticas de desoneração tributária e incentivos fiscais aos processos

produtivos.

Morsch identifica no caso dos impostos sobre o consumo, a existência da

extrafiscalidade153 a partir do potencial de ingerência sobre preços relativos. Segundo

a autora, ao manipular a tributação sobre o consumo, o ente responsável pela política

fiscal termina por regular a produção de bens consumíveis no mercado interno,

podendo chegar a alterar até mesmo o equilíbrio concorrencial e a alocação de

investimentos em certas regiões do país em prejuízo de outras (MORSCH, 2006, p.

38).

Com relação à participação dos Estados em matéria de consumo, referida

atribuição se mostra especialmente relevante por cumular as competências

reguladora e tributária. Aos Estados compete legislar sobre consumo e também

instituir imposto sobre o consumo de mercadorias e serviços de transporte

intermunicipal e comunicação (ICMS); muito embora quanto a esse último tenham sido

feitas ressalvas na sua utilização como instrumento de intervenção no Domínio

Econômico. Convém salientar que além da preocupação de se resguardar o emprego

do ICMS para não gerar desequilíbrio ao desenvolvimento nacional, Morsch elenca

outros problemas oriundos do desvirtuamento do sistema de impostos sobre o

consumo. Nesse sentido, cita a obrigação de compensação de perdas de arrecadação

com alíquotas cada vez mais altas sobre outros produtos, sem falar nos traços

deixados na legislação pelas incontáveis exceções e regimes especiais, que são

151 Como se nota em informativo produzido pela Comissão Europeia, órgão executivo da União

Europeia (COMISSÃO EUROPÉIA. Relatório da comissão ao conselho e ao parlamento europeu: sobre a aplicação e avaliação da Diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo. Bruxelas, 21 Abr. 2017. 184 final).

152 Explicita Moraes que o consumo seria segmento em que se verifica larga utilização da extrafiscalidade, seja para mitigar as distorções da tributação sobre o consumo como para orientar opções mais conscientes e benéficas (MORAES, 2011, p. 16).

153 Que na sua concepção seria qualquer finalidade não-arrecadatória do Direito Tributário, correspondendo a todo objetivo previsto na Constituição que possa ser alcançado por meio de uma política fiscal.

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103

criados para permitir a coexistência de situações especiais, oriundas do

intervencionismo (e normalmente concedidas sob a forma de benefícios fiscais), com

o direito comum (MORSCH, 2006, p. 42). Além, disso, no seu entender:

[...] deve-se ter presente que, embora a extrafiscalidade possa ser legítima para o alcance, sob o ditame da justiça social, de princípios previstos na ordem econômica da Constituição brasileira, em especial o da redução das desigualdades regionais e sociais, o ICMS imposto do tipo IVA, foi instituído para assegurar neutralidade fiscal à tributação do consumo. (MORSCH, 2006, p. 48).

Em estudo sobre a renúncia fiscal no Estado de Minas Gerais, durante o

período de 1996 a 2002, José Márcio de Oliveira (2003, p. 115) conclui de modo

semelhante ao reputar que as políticas de renúncia implementadas através da

concessão de incentivos fiscais gera uma complexidade cada vez maior na legislação

tributária. Isso porque, as normas que disciplinam as obrigações tributárias a serem

cumpridas pelos contribuintes convivem com inúmeras exceções, o que provoca um

aumento substancial no número de artigos, acompanhada da edição de decretos que

ocupam boa parte dos regulamentos. Além de aumentar os custos das empresas e

dos próprios órgãos arrecadadores, pela maior complexidade da legislação,

provocaria queda na neutralidade tributária154.

Embora sejam pertinentes as preocupações em torno da preservação da

neutralidade concorrencial, não se está de acordo com a posição de Morsch quando

defende que as reformas no campo do ICMS deveriam eliminar sua utilização

extrafiscal (MORSCH, 2006, p. 87). Como já abordado anteriormente nesta obra,

existe espaço para o emprego legítimo da norma tributária indutora pelos Estados,

utilizando-se do ICMS para alcançar fins constitucionais a eles cometidos em matérias

como a produção, consumo e saúde pública. Pensar de modo diferente seria esvaziar

a utilização desse imposto como importante ferramenta para a concretização de tais

valores e objetivos prestigiados constitucionalmente, além de restringir a atuação dos

Estados no exercício da sua competência reguladora e administrativa.

A atual conjuntura de utilização do ICMS em desacordo com preceitos

constitucionais, ou para a prática de guerra fiscal entre os Estados, não autoriza

concluir que o cenário ideal seria acabar com a sua utilização extrafiscal. Quando

154 O autor chega a sustentar, inclusive, que parte dos benefícios representaria verdadeiro movimento

de privatização do Estado pelo poder político-econômico.

Page 98: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

104

muito, há de serem respeitados os limites a essa atuação e instituídos mecanismos

de controle efetivos para que não sejam extrapoladas as limitações impostas na

outorga de competências constitucionais.

Outra questão pertinente à aplicação do ICMS como instrumento de regulação

do consumo diz com a possibilidade de que o princípio da seletividade seja aplicado

a esse fim.

A seletividade do ICMS encontra previsão no parágrafo 2º, inciso III do artigo

155 da Constituição, que estipula que o imposto poderá ser seletivo em função da

essencialidade das mercadorias e dos serviços. À primeira vista, trata-se de faculdade

conferida aos Estados e ao Distrito Federal, porém uma vez instituída há de ser

observada em relação à integralidade bens e serviços.

De acordo com Melo (2000b, p. 245), a seletividade constitui princípio a ser

rigorosamente obedecido no âmbito do IPI e de modo permitido no caso do ICMS.

Consiste, basicamente, na distinção entre cargas tributárias aplicadas a diferentes

produtos, mercadorias e serviços, traduzindo-se em alíquotas não coincidentes. Ao

ser instituído deve guardar observância aos valores colhidos pelo constituinte, como

o salário mínimo, que toma em considerações as necessidades vitais básicas do ser

humano, dentre eles a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,

higiene, transporte e previdência. Sob esse aspecto, a seletividade se aproximaria do

campo de tributação fiscal, no qual se busca alcançar a realização do princípio da

capacidade contributiva por meio da oneração daqueles indivíduos que revelam maior

capacidade em arcar com as despesas públicas155. Contudo, o autor elenca ainda

outros valores que devem ser levados em conta na realização do princípio da

seletividade, dentre eles a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e

da marginalização, e a redução das desigualdades sociais. Tais fins se reportam ao

campo da tributação extrafiscal, no qual são buscados fins distintos da mera

arrecadação segundo a capacidade contributiva.

Ao tratar do tema, porém desta vez envolvendo a seletividade aplicável ao IPI,

Moreira e Motta afirmam que o citado princípio além de se manifestar como expressão

155 Ensina Morsch que a constatação de que o ICMS repercute no consumidor final, leva ao seu uso de

forma seletiva, “incidindo de maneira menores gravosa sobre os bens relativos ao mínimo existencial (vestuário, alimentos da cesta básica, etc.)” (MORSCH, 2006, p. 59). Busca-se, por meio desse expediente, atenuar a regressividade do imposto indireto e realizar o princípio da capacidade contributiva

Page 99: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

105

da igualdade em matéria tributária, também atende aos escopos do legislador quando

ele maneja o tributo de forma extrafiscal (MOREIRA; MOTTA, 2017, p. 37).

Assim é que tem se falado na seletividade como critério de concretização da

extrafiscalidade. O princípio seria utilizado como mecanismo para justificar a

graduação das alíquotas do ICMS de forma a atingir fins juridicamente relevantes156,

não estando ausente a constatação de intervenção do Estado sobre o domínio

econômico. Caso a seletividade seja uma porta de entrada concedida pelo

ordenamento a esse objetivo, não se vê incompatibilidade entre a corrente que

pretende justificar a intervenção através desse princípio ou pela necessidade de se

regular o consumo.

Aos Estados, portanto, cabe a utilização do ICMS, desde que respeitados os

limites à essa utilização, para regular a produção e consumo, induzindo os

consumidores a adotar comportamentos que incentivem o desenvolvimento

econômico. Outros tributos também podem ser utilizados em prol desse objetivo,

como o IPVA para incentivar a produção de veículos menos poluentes ou a instituição

de taxas com encargos exacerbados para fiscalizar produtos danosos à população,

mas cuja comercialização é autorizada.

Dentro da compreensão de que o consumo alcança outras áreas que com ele

se relacionam, passa-se a examinar a extrafiscalidade na saúde pública.

4.2.4 Proteção e defesa da saúde

A proteção e defesa da saúde estão listados dentro das competências

administrativas (artigo 23, inciso II da Constituição) e reguladoras (Artigo 24, inciso

XII) dos Estados e do Distrito Federal.

Ao se examinar o emprego por parte de tais entes da norma tributária indutora

como medida para a concretização desses valores, constata-se que o tributo

desempenha papel relevante nos campos da prevenção e amparo à saúde pública.

Esta, inclusive, a conclusão de Bernaud, para quem seria inegável que a tributação,

156 Registre-se a divergência de Morsch, para quem a seletividade não seria expressão da

extrafiscalidade, mas sim de atenção à capacidade contributiva, limitando-se a primeira à concessão de benefícios fiscais como forma de intervenção no domínio econômico e promoção de desenvolvimento (MORSCH, 2006, p. 59).

Page 100: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

106

como política pública, pode auxiliar na promoção do direito fundamental à saúde, em

especial, na sua função preventiva (BERNAUD, 2015, p. 145).

Em iniciativas como o combate ao consumo de tabaco157, identifica a autora

que a tributação tem se mostrado como ferramenta importante para retardar a

iniciação no vício. A razão encontrada estaria no fato de que o incremento dos preços,

por meio dos impostos, faz com que os potenciais usuários, principalmente os mais

vulneráveis, repensem seu consumo em função do peso no bolso que ele representa.

Em outras situações, essas iniciativas não teriam chegado a ser tão bem-sucedidas,

como é o caso da tributação das bebidas alcóolicas, que supostamente não teria sido

tão fortemente atingida pelo encargo dos tributos158. Sobre esse caso em específico,

cita um provável desinteresse do Governo em controlar o consumo do álcool, aliado a

um poder da indústria do setor, como fatores que impedem afirmar que a tributação

tenha se incumbido da sua função inibitória ou indutora de comportamentos,

estimulando hábitos de consumos mais saudáveis159. Não obstante, a tributação das

bebidas alcóolicas, se adequadamente conduzida, poderia resultar em práticas menos

nocivas no seu consumo.

Ao abordar o emprego da extrafiscalidade em cenário semelhante, envolvendo

a redução no consumo dos alimentos não saudáveis, identifica o potencial de que

sejam atingidos os mesmos efeitos esperados na tributação dos cigarros e das

bebidas alcóolicas, ou seja, uma redução ou inibição em seu consumo. Todavia,

salienta que a medida apresenta controvérsia entre os estudos produzidos acerca do

tema, inclusive fora do país, já que os resultados podem se mostrar conflitantes.

Enquanto não resolvido esse impasse, o consumo de refrigerantes e alimentos

processados estaria contribuindo para o aumento do índice de pessoas com

sobrepeso e obesidade. Para alterar essa realidade, propõe a combinação de uma

tributação majorada sobre alimentos nocivos, contrabalanceada por subsídios aos

alimentos saudáveis. De nada adiantaria, na sua concepção, majorar a tributação

157 Salienta que tempos atrás, o consumo do cigarro não aparentava ser altamente prejudicial, mas que

na atualidade pode ser identificada uma repressão social ao seu consumo. Justamente por conta dessa posição social, não se chegar a questionar os elevados impostos incidentes sobre o tabaco, existindo um certo consenso em torno da efetividade e do impacto da tributação extrafiscal sobre o consumo de cigarro.

158 Ao menos não como agravamento do ônus fiscal até o ponto em que fosse sentida uma redução no seu consumo.

159 Segundo relata, apesar da bebida se demonstrar em inúmeros casos mais prejudicial do que o cigarro – em função dos seus efeitos imediatos responsáveis por acidentes de trânsito e episódios de violência -, a aceitação do seu consumo tem sido responsável por um desinteresse público na sua contenção.

Page 101: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

107

sobre alimentos não saudáveis, se os preços daqueles benéficos à saúde

continuassem superiores.

Partindo dessas três áreas listadas por Bernaud (2015), passa-se a examinar

os principais avanços que tem sido feitos no estudo e compreensão da tributação

associada ao consumo de tabaco, bebidas alcóolicas e alimentos não saudáveis.

A começar pela relação da tributação indutora e o consumo tabaco, destaca-se

importante relatório produzido pela Organização ‘Campanha para Crianças Livres de

Cigarro’ (2014, tradução nossa160), que ao investigar a realidade brasileira (período

de 2000 a 2013), concluiu que as vendas de cigarros caíram de 5,56 bilhões de maços

em 2006 para 3,8 bilhões de maços em 2013, e que o número de fumantes no Brasil

caiu de 21,35 milhões em 2006 para 17,10 milhões em 2013. Os responsáveis pelo

relatório afirmam que entre 2006 e 2013, o preço real médio dos cigarros aumentou

74% no país, após um aumento de 116% no valor real da carga tributária sobre o

tabaco. No mesmo período, as vendas de cigarro caíram 32%. Segundo eles, a forma

mais eficaz para reduzir o consumo do tabaco seria aumentar o preço dos produtos

dele derivados através da majoração da carga tributária. Preços mais altos incentivam

fumantes a parar de fumar, evitam que novos fumantes apareçam e reduzem a

quantidade de tabaco consumido entre os fumantes que se mantem no vício. Não

foram levados em conta naquele estudo outros fatores a influenciar a redução no

consumo do tabaco161. O que mais chama a atenção, todavia, é que no período

analisado a receita com a carga tributária sobre o tabaco aumentou de R$ 3,5 bilhões

para 5,1 bilhões (em valores de 2013), mesmo com a queda nas vendas do produto.

Essa constatação reafirma o que antes foi dito sobre o fato da norma tributária indutora

também produzir efeito arrecadatório, inclusive tendo sido verificado neste caso um

aumento expressivo da arrecadação tributária.

Outro estudo sobre o tema apresentado pela Aliança de Controle do Tabagismo

160 Campaign for Tobacco-Free Kids. 161 Outra questão levantada pelo relatório seria da reação da indústria ao aumento da carga tributário,

tendo sido apresentado como principal argumento contrário à essa majoração o crescimento do comércio ilícito, já que cria uma diferença no preço entre cigarros pagos e ilegais. Os próprios autores, no entanto, ressaltam que a estratégia de preços da indústria tem se mostrado em descompasso com essa preocupação, já que nos anos 2000, quando as cargas tributárias foram reduzidas em termos reais, a indústria não repassou os ajustes ao consumidor. Os preços no varejo foram mantidos, assim como a diferença para cigarros contrabandeados. No ano de 2009, quando uma segunda rodada de aumento de tributos foi implementada, a indústria aumentou os preços de cigarros, bem acima dos aumentos verificados na carga tributária, mostrando pouca ou nenhuma preocupação no desequilíbrio de preços entre cigarros legais e ilegais.

Page 102: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

108

(2013), no qual se pretendeu investigar a demanda de fumar por grupo de renda ou

nível educacional162, constatou que pessoas com menor nível de escolaridade

consumiram menos cigarros por dia se comparado com aquelas de maior nível de

educação (independente da faixa etária e sexo). Segundo os pesquisadores, uma

possível explicação estaria no fato de que pessoas com menor escolaridade podem

vir a dispor de menor renda e menos recursos para a compra de cigarros, o que sugere

que o aumento dos preços na oferta de produtos derivados do tabaco tende a produzir

um alto impacto sobre esse grupo. Entretanto, de forma um tanto paradoxal,

constatou-se que mesmo ante o sucesso alcançado na implementação de políticas de

controle do tabaco no Brasil163, dentre elas aquelas de cunho tributário que provocam

aumento de preços dos produtos, aqueles de menor renda seriam - percentualmente

falando – os que mais fumam, têm maior exposição ao tabagismo passivo, tem menor

percepção das mensagens de alerta à saúde, menor índice de abandono ao

tabagismo, gastam proporcionalmente mais dinheiro para comprar produtos de

tabaco, morrem mais de doenças a ele relacionadas e dentre outras consequências.

A percepção dos autores é de que as políticas de controle não levaram em conta as

sensíveis desigualdades socioeconômicas da população, o que pode ter levado a uma

concentração da epidemia de tabaco na população menos favorecida164.

Questão relevante a ser destacada nesse estudo, foi o levantamento das

políticas de controle do tabaco implantadas no Brasil, principalmente aquelas

relacionadas aos impostos. Dentre os impostos e taxas identificadas sobre os

cigarros, destacam os pesquisadores o papel do ICMS, cujas alíquotas para os

cigarros estariam à época entre 25 e 27% do preço final de venda165. Desde já se

percebe a importância do papel dos Estados nas políticas de controle no consumo de

tabaco, representando o ICMS expressiva parcela do seu preço final de venda166. A

participação dos Estados pode, inclusive, ir além, como se nota de relato acerca de

iniciativa do Rio Grande do Sul, que teria sido o primeiro Estado no Brasil a adotar

162 Além de avaliar diferentes reações aos impostos e outras políticas de controle do tabaco. 163 Que significaram na redução da prevalência do uso de cigarros. 164 Segundo o estudo produzido, a aparente ausência de foco sobre as diferenças socioeconômicas

levou a uma redução do consumo proporcionalmente muito superior nos grupos mais educados, que, ao que tudo indica, teriam tido mais acesso à informação, mais oportunidades de tratamento e que seriam sensibilizadas de modo diferencial por estas informações de forma a reduzir o consumo.

165 Apenas três estados ao tempo possuiriam alíquotas mais elevadas, sendo eles Paraná, com 29%, Mato Grosso, com 37% e Amazonas, com 30%.

166 Somente equiparável ao IPI, que foi identificado, em 2012, como correspondente a uma participação entre 29,7% e 36% do preço final de venda.

Page 103: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

109

uma lei de controle ao tabaco (Lei Estadual n. 7.813/1983).

Ainda sobre o tema relativo aos ‘impostos especiais sobre o consumo’ ou

“excise taxes”, como vem sendo conhecidos os tributos indiretos que incidem sobre

produtos prejudiciais à saúde dos consumidores, tem se discutido a respeito da forma

mais efetiva de sua cobrança para inibir comportamentos, se por um sistema de

alíquota específica (fixa) ou sobre o valor da mercadoria (ad valorem).

Em análise dos tributos incidentes sobre o tabaco, a Organização “Campanha

para Crianças Livres de Cigarro” (2012) produziu um relatório no qual identifica

vantagens e desvantagens na utilização do sistema de alíquotas específicas ou

variáveis. Segundo os autores, ambos os tipos podem ser empregados para a

tributação do tabaco, porém em países de baixa e média renda os tributos específicos

(que são ajustados de acordo com a inflação) deveriam ser preferíveis por serem mais

fáceis de administrar e garantir uma arrecadação previsível para o Governo. Além do

mais, impostos ou tributos fixos, seriam mais efetivos em reduzir o consumo após um

aumento da carga tributária. A simplicidade e uniformidade do sistema de tributação

do tabaco também tem sido elencada como um fator de redução do seu consumo,

além de ganho de eficiência e incremento na arrecadação tributária.

A desvantagem apontada quanto à utilização dos impostos fixos estaria nas

erosões causadas na sua base pela inflação, que deveria ser compensada por um

ajuste periódico do seu valor. Outro fator prejudicial estaria na possibilidade de que

seja reduzido o impacto de tais tributos através da alteração nas características do

produto. Assim, se a exação recai sobre número de maços de cigarros (como

comumente ocorre), os produtores poderiam aumentar o tamanho da caixa da

embalagem para reduzir o peso da carga tributária. As suas vantagens estariam no

fato de representar uma arrecadação mais previsível, facilidade na determinação do

montante devido e na administração do tributo (somente sendo coletadas uma vez, o

que torna a evasão fiscal menos provável). Em contraposição, o sistema de alíquotas

ad valorem apresentaria uma série de desvantagens, desde a redução nos preços dos

produtos para relativizar o peso da tributação (esse problema é mitigado pelo uso de

tributos específicos, que não oscilam ao sabor das estratégias de fixação de preço

das indústrias do setor) até a dificuldade em prever a arrecadação tributária ao longo

do tempo e o montante da tributação incidente sobre os produtos nocivos. Sem

mencionar as diferenças que passam a surgir entre os preços dos produtos, levando

os consumidores a aumentar o seu consumo sobre aqueles mais baratos ou a

Page 104: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

110

substituir o uso daqueles de maior preço por outros de menor. De toda sorte, o sistema

de alíquota variável não sofre com os efeitos causados pela inflação e são eficientes

instrumentos na redução da margem de lucro das indústrias.

Em artigo discutindo tema semelhante, desta vez envolvendo a relação entre

os tributos incidentes sobre bebidas alcóolicas e a compulsão no seu consumo nos

Estados Unidos, Xuan et al (2015) pretenderam investigar como a variação em

modelos de tributação adotados pelos diferentes Estados norte-americanos poderiam

impactar em comportamentos compulsivos relacionados à ingestão de álcool. Em

conclusão, verificou-se que a combinação de diferentes modelos de tributação, ora

incorporando tributos com base no volume de bebida (alíquotas fixas) e ora com base

no seu valor (alíquotas ad valorem), demonstrou-se capaz de diminuir

significativamente o consumo compulsivo de álcool. Os problemas associados a cada

um desses sistemas de alíquotas foram parecidos com aqueles já citados, dentre eles

a erosão causada pela inflação nos tributos por valor fixo ou volume, e a disparidade

entre preços causada por modelos de tributação de alíquota variável, o que leva à

substituição por marcas de bebida mais baratas167. Neste último caso, a adoção de

políticas de preços mínimos poderia limitar o deslocamento para marcas de menor

preço.

Também tem sido discutida a relação da tributação sobre alimentos não

saudáveis (unhealthy foods) enquanto política pública na área da saúde. Em relatório

produzido pela “Aliança para Prevenção de Doenças Crônicas”168 (2013, tradução

nossa), constatou-se existirem evidências de que tributos direcionados a

determinados tipos de alimentos contendo quantias não saudáveis de gordura e

açúcar, desde que altos o suficiente, são fortes fontes motivadoras para que pessoas

modifiquem seus hábitos de consumo, passando a adquirir menos desses alimentos

sobretaxados e mais de outros.

Segundo os autores responsáveis pelo relatório, o interesse na utilização da

tributação para induzir hábitos mais saudáveis, especialmente relacionados à

alimentação das pessoas, surge a partir de uma experiência bem sucedida na

tributação do álcool e do cigarro. Ao se investigar possíveis aplicações do que foi

apreendido com as estratégias de redução no consumo de tabaco, tem sido 167 Os próprios pesquisadores salientam que existem evidências de que essa relação não seja

observada em relação ao tabaco, pois que os países que adotem sistemas de alíquota fixa tendem a possuir menos fumantes do que aqueles que utilizam um modelo misto.

168 Alliance for the Prevention of Chronic Disease.

Page 105: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

111

identificado três principais enfoques para incentivar hábitos nutritivos e reverter o

quadro de crise de obesidade. São eles relacionados à tributação dos alimentos não

saudáveis (Junk Food), das bebidas açucaradas (Sugar Sweetened Beverages –

SSB)169 e uma reforma da tributação sobre alimentos.

Quanto à primeira situação, têm sido colhidas evidencias de que a tributação

de alimentos não saudáveis oferece um excelente estímulo financeiro para prevenção

da obesidade. Aliado a isso, incentivam os produtores a promover uma alteração no

seu processo industrial para reduzir os níveis de gordura, sal e açúcar contidos nos

alimentos processados, como forma de manter sua participação de mercado. Todavia,

é igualmente certo que existe uma certa complexidade na tributação desses ‘alimentos

não saudáveis’, o que levou, inclusive, à uma experiência mal sucedida na Dinamarca.

Naquele país foi introduzido em Outubro de 2011 um tributo específico sobre gordura

(fat tax), cuja incidência alcançava produtos como manteiga, leite, queijos, pizza,

carne, óleo e alimentos processados, desde que contivessem mais de 2,3% de

gordura saturada. Em Novembro de 2012, o Ministério da Fazenda Dinamarquês

anunciou o fim desse tributo, sob o argumento de que a política teria não só falhado

em alterar os hábitos de consumo dos seus cidadãos, como incentivado o comércio

com outros países da fronteira, colocado em risco cargos de trabalho e representado

um pesadelo burocrático para produtores e pontos de venda.

De um modo geral, o relatório aponta que alguns experimentos lograram

demonstrar que quando alimentos saudáveis são mais baratos do que aqueles não

saudáveis, as pessoas possuem uma tendência maior a adquirir itens mais benefícios

para a saúde. Assim, não basta, como outrora apontado em relação a Bernaud,

sobretaxar alimentos nocivos, sem subsidiar aqueles ditos saudáveis. Nos dizeres da

autora “de nada adianta que o quilograma de sorvete suba para, hipoteticamente, R$

5,00 enquanto um quilograma de maça custar os mesmos R$ 5,00” (BERNAUD, 2015,

p. 147). O sorvete, nesta hipótese, permaneceria mais atrativo aos consumidores, o

que exigiria que a maçã recebesse subsídios diretos para baratear o seu custo.

Em outro estudo, no qual se pretendeu investigar os efeitos de um ‘tributo de

alimentos não saudáveis’ (fax tax) sobre os nutrientes consumidos pelas famílias

169 Concluíram Brownell e outros (2009), em estudo produzido sobre o tema, que o efetivo de um tributo

somente pode ser estudado após a sua implementação, porém que alguns dados sugerem que a instituição de um imposto sobre bebidas açucaradas poderia reduzir o seu consumo. Ao mesmo tempo, o tributo geraria incremento na arrecadação, cuja receita poderia ser utilizada em políticas de prevenção à obesidade e outros programas na área da saúde.

Page 106: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

112

francesas, observaram Allais, Bertail e Nichèle (2008) que a questão da tributação de

determinados alimentos riscos em gordura saturada e açúcar poderia se revelar

ambígua e com mínimos efeitos sobre a ingestão de nutrientes. Seriam controvertidos

os efeitos porque ao aumentar o preço dos alimentos para reduzir o consumo de

calorias e/ou gordura também implica na redução da ingestão de outros nutrientes

considerados bons para a saúde. Citam como exemplo o incremento dos preços de

queijos e manteiga, que apesar de reduzir a ingestão de calorias, gordura saturada e

sódio, também reduz o consumo de vitamina D, cálcio, ferro e magnésio. Outro ponto

a ser considerado, seria o fato de existirem evidências de que os preços de alimentos

se mostram marcantemente inelásticos no consumo de tais bens. Assim, estima-se

que um tributo de 10% sobre determinada categoria de alimento rico em calorias

representa baixo impacto no curto prazo, ainda que no longo tenha resultados não

negligenciáveis sobre o peso corporal. Ainda que se considere essa perspectiva de

longo prazo, em algumas situações podem levar até oito anos para que sejam surtidos

os efeitos esperados.

Associada a essa constatação, identificam tais autores que o fato desses

produtos sobretaxados possuírem uma demanda inelástica, resulta em expressiva

arrecadação de tributos e ao mesmo tempo provoca um efeito regressivo extremo na

tributação170. Em último caso, questiona-se a própria relevância na instituição de um

tributo específico sobre alimentos não saudáveis como medida para influenciar na

ingestão de nutrientes pelas famílias. Qualquer política dessa natureza seria

inadequada para, de forma efetiva e substancial, afetar o consumo das famílias

francesas, além de resultar em efeitos ambíguos. Soma-se a isso que não estaria

sendo avaliado, no cenário inicialmente proposto, o possível impacto de um tributo

desse tipo sobre a indústria de alimentos. Hipoteticamente, para evitar a redução no

volume de vendas, poderia a indústria alterar a composição dos seus produtos,

introduzindo componentes de maior custo ou implementando novas técnicas de

produção, tornando o produto final menos acessível à população em geral e

agravando disparidades socioeconômicas relacionadas ao consumo.

No que se refere à experiência brasileira, Leifert e Lucinda se propuseram a

170 A despeito dessa constatação, consideram em um cenário simulado que para provocar um maior

impacto sobre o total de energia ingerida – e também de gordura saturada - pelas famílias francesas, deveriam ser tributados alimentos como manteiga e queijo, produtos açucarados e gordurosos, e refeições prontas.

Page 107: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

113

fazer análise semelhante envolvendo os efeitos de um imposto sobre alimentos

‘engordativos’ como forma de combater a epidemia de obesidade no país. Ao simular

a aplicação de tributo desse tipo, tomando como base a demanda por alimentos

encontrada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)171, concluíram que a

política poderia de fato aumentar a demanda por alimentos saudáveis. Em

contraposição, também seria elevado o consumo de alimentos ricos em sódio, o que

se revela prejudicial por estar a sua ingestão associada a doenças cardíacas e

hipertensão. Ao simular cenários alternativos, no qual foi combinada uma política

tributária com subsídios e isenção fiscal a alimentos mais saudáveis, identificou-se a

redução do consumo de alimentos engordativos ou ricos em sódios. As evidências

encontradas indicam que quanto maior for o subsídio para os alimentos saudáveis,

menor seria a ingestão média de ácidos graxos saturados, sódio, lipídios e calorias

(LEIFERT; LUCINDA, 2012, p. 17). Em termos de consumo de alimentos, portanto,

não parece ser viável combater o problema apenas através da tributação de alimentos

não saudáveis ou engordativos, senão conjugando essa política com medidas de

subsídio e incentivo fiscal a alimentos saudáveis.

Em resumo, apesar da existência de controvérsia sobre o tema, o objetivo é

demonstrar que o tributo pode ser utilizado de forma mais ou menos efetiva como

mecanismo de indução de comportamentos, que tenha como fim a promoção da

saúde.

Aliás, o emprego da função indutora para que seja atingido o valor da saúde

não se resume aos casos acima listados, em que o tributo é utilizado como mecanismo

de atuação preventiva nessa área. Outras hipóteses há em que se autoriza a

instituição da norma tributária indutora para o tratamento de doenças e outras

mazelas, desde o incentivo fiscal à aquisição de máquinas e equipamentos de uso

médico-hospitalar, até medidas de estímulo ao ensino, pesquisa e à inovação com o

objetivo de que sejam descobertas novas curas ou tratamentos para doenças e

enfermidades. Pode-se falar até em medidas de desoneração de determinados bens

como forma de incentivar a sua aquisição, em que se destaca a venda de

preservativos para o combate às doenças sexualmente transmissíveis.

Enfim, a possibilidade de atuação dos Estados na área da proteção e defesa

da saúde, através da utilização dos tributos de sua competência para praticar a

171 Segundo dados divulgados pelo IBGE no período de 2008/2009.

Page 108: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

114

intervenção no meio econômico e social, encontra variadas possibilidades.

4.2.5 Outros ramos de regulação e atuação dos Estados

Nos tópicos anteriores foram abordados os principais campos de atuação

reguladora e administrativa dos Estados em que a doutrina consentiu com a

possibilidade de introdução da tributação extrafiscal ou da norma tributária indutora.

Sem embargo, o seu emprego não se resume a tais esferas, pois inúmeras são as

competências dos estados-membros e pouco exploradas são a maioria delas.

Aos Estados cabe intervir, utilizando-se do tributo como instrumento de ação -

e desde que observada a sua competência em matérias de impostos e taxas -, nos

setores da educação, cultura, ciência, tecnologia, proteção ao patrimônio histórico e

cultural, saneamento básico, segurança pública, integração das pessoas portadoras

de deficiência, e inúmeros outros. Busca-se, com isso, induzir comportamentos

tendentes a fins constitucionalmente relevantes nestas áreas.

Assim é que se notam iniciativas como a de Vieira e Júnior (2015) que procuram

compreender a proteção do patrimônio histórico e cultural da Cidade de Belém (PA)172

sob a ótica da função promocional do direito, ou seja, da própria aplicação da

extrafiscalidade. Neste artigo em específico, concluíram que as técnicas de

encorajamento instituídas pelo Município de Belém (incentivos fiscais e prêmios

relacionados ao IPTU) não seriam eficientes ao objetivo proposto, diante do ínfimo

número de imóveis alcançados pela medida.

Embora tenham se referido a uma atuação do Município, é inegável que o

Estado também pode contribuir para a proteção do patrimônio urbano, através de

medidas que tenham outros tributos como objeto. Neste contexto, não se descarta um

incentivo relativo ao ICMS aos comerciantes que se instalarem na região e

colaborarem com a manutenção e preservação das estruturas arquitetônicas dos

prédios. Ou ainda um subsídio às chamadas ‘taxas de incêndio’, que são comumente

cobradas pelos Estados em razão do risco de incêndio na edificação, por aqueles

172 Como narram os autores, a cidade de Belém foi o primeiro núcleo colonial português na Amazônia,

que durante a denominada Belle Èpoque (final do século XIX e início do século XX), ganhou uma arquitetura muito bela e suntuosa, sob a influência dos conceitos parisienes de intervenção urbana. Foi o período que teria proporcionado o maior e mais consistente legado arquitetônico e cultural da cidade que até hoje permanece, porém que está sofrendo com um processo de degradação e abandono dos imóveis situados na sua parte mais antiga.

Page 109: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

115

contribuintes que exercem atividade de comércio, indústria e prestação de serviços.

Além destas, outras medidas são cabíveis, como aquelas que buscam

incentivar o investimento privado em projetos culturais, esportivos e educacionais, ou

a desoneração de equipamentos de segurança pública e de uso no desenvolvimento

de novas tecnologias, os benefícios a melhorias em sistemas de saneamento básico

e muitas outras que decorrerem desses mesmos objetivos inseridos na competência

dos estados-membros.

Definidas essas questões, passa-se a examinar no caso concreto do Estado de

Minas Gerais como a extrafiscalidade tem sido aplicada ou mesmo se tem sido

utilizada como instrumento de intervenção em área de sua atuação reguladora.

4.3 Investigação da norma tributária indutora no Estado de Minas Gerais

4.3.1 Pressupostos teóricos de investigação

Nesse derradeiro tópico, o nosso objetivo é explorar a legislação tributária do

Estado de Minas Gerais com o objetivo de averiguar se a tributação com feição

indutora vem sendo utilizada para alcançar fins constitucionalmente relevantes nas

áreas de competência administrativa e reguladora outorgada aos Estados.

Não pretendemos, com isso, esgotar o assunto, até porque a definição do que

seja extrafiscalidade ou os critérios de sua identificação no plano da norma tributária

ainda encontra divergência entre a doutrina especializada. Não obstante, ao

prosseguir com o objetivo de fazer um levantamento das principais medidas – ditas

‘extrafiscais’ - que porventura tenham sido adotadas pelo Estado de Minas Gerais,

nos socorremos da conjugação dos elementos finalidade e função para a

caracterização da norma tributária indutora. Em poucas palavras, sempre que se tratar

de norma que tem por finalidade realizar conteúdo valorativo e programático previsto

na Constituição, induzindo condutas através do consequente normativo, ter-se-á a

identificação da própria feição indutora ou extrafiscal da norma tributária.

Para melhor análise do tema, subdivide-se a investigação por espécie de tributo

analisada: impostos e taxas. Deixa-se de abordar a contribuição de melhoria por já ter

sido salientado que se trata de modalidade que não coaduna com o regime da norma

tributária indutora.

Page 110: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

116

4.3.2 Extrafiscalidade quanto aos Impostos Estaduais

A extrafiscalidade na figura dos impostos é possível desde que a justificativa

para sua instituição seja distinta da necessidade que tem o Estado em arrecadar

recursos para o atendimento das despesas públicas. Ao contrário, deve encontrar

suporte na permissão conferida ao ente público para que pratique a intervenção sobre

o meio social e econômico.

Por decorrência lógica, somente será lícito à pessoa política instituir a norma

tributária indutora se reunir as competências em matéria tributária e reguladora,

restringindo-se a sua atuação àqueles tributos que lhe tenham sido outorgados pelo

constituinte e limitada a sua intervenção aos campos materiais reservados pela

Constituição.

Sem perder de vistas tais pressupostos, identifica-se que aos Estados e ao

Distrito Federal foi outorgada competência para instituir impostos sobre a transmissão

causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD); operações relativas à

circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual

e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem

no exterior (ICMS); e finalmente sobre a propriedade de (IPVA).

Ao investigar a legislação do Estado de Minas Gerais relativa aos tributos acima

listados, sobressaem duas leis em que se reputa marcante o caráter extrafiscal

conferido à norma tributária que institui modalidade de imposto. São elas a Lei

Estadual de Minas Gerais n. 14.937, de 23 de dezembro de 2003, e a Lei Estadual n.

17.615, de 4 de julho de 2008.

A primeira, Lei Estadual n.14.937/03, cuida de instituir e dispor sobre o IPVA.

Dentre os dispositivos que são de interesse para a temática tratada, destaca-se o

parágrafo 6º do seu artigo 7º que estabelece redução da base de cálculo do imposto

em 30% (trinta por cento) para veículo movido, exclusivamente, a álcool etílico hidrato

combustível. Nesta hipótese específica, tem-se nítida situação de incentivo financeiro

sendo concedido aos contribuintes que passarem a adquirir e manter a propriedade

de veículos menos poluentes. Como salientado outrora, o fim mais evidente que

estaria sendo perseguido pela norma estaria na proteção do meio ambiente, campo

que se insere na atribuição administrativa e regulatória dos Estados. Aliado a esse

fato, a redução do encargo fiscal estaria servindo como instrumento de indução de

Page 111: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

117

comportamentos tendentes a esse objetivo173. Outro aspecto a ser destacado na

referida Lei, diz com a isenção concedida aos veículos de pessoas com deficiência

física, visual, mental severa ou profunda, ou autista (artigo 3º, inciso III); e ao veículo

declarado de valor histórico pela Fundação Instituto Estadual do Patrimônio Histórico

e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG). Embora no primeiro caso possam ser

suscitadas dúvidas quanto à existência do caráter extrafiscal – tendo em vista que

tanto a finalidade como a função da norma não estão absolutamente claras174 -, tem-

se que ao desonerar referidos destinatários se estabeleceu um incentivo a que

possam adquirir e manter veículos em seu nome, o que está alinhado como uma das

atribuições conferidas aos Estados que é zelar pela proteção e integração das

pessoas portadoras de deficiência. Com relação à segunda hipótese exonerativa,

pode-se alegar uma intenção deliberada de zelar pela proteção do patrimônio

histórico, promovendo-se uma indução a que seja conservado referido bem à vista da

não incidência do gravame fiscal que poderia provocar justamente o efeito contrário.

Na mesma linha do que apontado anteriormente, a Lei Estadual n. 17.615/08

procura alcançar objetivo extrafiscal semelhante, ao estabelecer que o contribuinte do

ICMS que apoiar financeiramente projeto cultural poderá deduzir do valor do imposto

devido mensalmente os recursos aplicados no referido projeto, atendidos os

parâmetros estabelecidos pela Lei175 (artigo 3º). Soma-se a isso a possibilidade de

173 Salienta-se que a lei mineira do IPVA estabelece em seu artigo 10 alíquotas do imposto distintas

para o tipo de veículo automotor, variando de 4% para automóvel, veículo de uso misto ou utilitário, e outros não especificados, até 1% para ônibus, micro-ônibus, caminhão, caminhão-trator e aeronave. O tratamento diferenciado poderia sugerir uma predileção do legislador pelo incentivo ao transporte coletivo e público, porém não há especificação quanto ao tipo de destinação que se dá o bem, além de terem sido incluídos modelos de automóveis que podem ou não se prestar a esse objetivo, o que descaracteriza qualquer intenção de se instituir uma medida extrafiscal.

174 Ao buscar desonerar a aquisição de veículos automotores por pessoas portadoras de deficiência, não se sabe ao certo, até pela ausência de outros elementos, se a norma está predispondo a adoção de determinado comportamento por parte do seu destinatário (o que configuraria a função indutora) ou se está conferindo tratamento diferenciado ao contribuinte por questões diversas, de ordem distributiva, alinhada com os aspectos envolvidos na fiscalidade propriamente dita. Vale lembrar que, por vezes, tais veículos adquiridos por essas pessoas tem de ser adaptados às suas necessidades especiais, o que envolve um encarecimento do produto e alto custo na sua aquisição.

175 Nos termos da Lei, a dedução é efetivada a cada mês e somente pode ser iniciativa após o efetivo repasse dos recursos ao empreendedor cultural. Em qualquer caso, não pode exceder aos seguintes limites: I - 10% (dez por cento) do valor do ICMS devido no período, até atingir o valor total dos recursos dedutíveis, para empresa cuja receita bruta anual se situe entre o limite máximo de faturamento da empresa de pequeno porte, definido na Lei Complementar Federal n. 123, de 14 de dezembro de 2006, e o montante de quatro vezes esse limite; II - 7% (sete por cento) do valor do ICMS devido no período, até atingir o valor total dos recursos dedutíveis, para empresa cuja receita bruta anual se situe entre o montante máximo permitido para

Page 112: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

118

que o contribuinte que venha a apoiar financeiramente projeto cultural possa quitar

débitos inscritos em dívida ativa, há mais de doze meses, com 25% de desconto

(artigo 5º). Em todos esses casos, vislumbra-se nítida indução de comportamentos

para que seja concedido financiamento privado a projetos culturais de interesse ou

circulação pública176. Transparece, portanto, a feição indutora da norma tributária, cuja

finalidade é através do encargo fiscal incentivar o apoio cultural, em áreas como as

artes cênicas (teatro, dança, circo e etc.), audiovisual (cinema, vídeo, novas mídias e

congêneres), artes visuais, música, literatura e dentre outras (artigo 8º).

Ao analisar a lei mineira de incentivo à cultura, Gouvêa (2006) concorda com a

existência da extrafiscalidade no benefício concedido pelo Estado de Minas Gerais.

No seu entender, neste caso em específico, não haveria redução da obrigação

tributária, ainda que a legislação utilize o termo ‘desconto’. Isso porque, o contribuinte

pagaria parte do tributo ao agente cultural e outra parte ao Fisco, podendo,

eventualmente, ter despesa maior com o projeto cultural que o benefício fiscal

correspondente.

Conquanto do ponto de vista financeiro possa inexistir efetivo ganho por parte

do contribuinte, não se pode afirmar, como pretende o citado autor, que o agente

cultural recebe parcela do tributo e que a receita dele decorrente estaria sendo

repartida. O próprio regime jurídico dos impostos impede que a sua arrecadação seja

previamente vinculada a determinado fim ou despesa, aliada à circunstância de não

ser o agente cultural sujeito ativo da relação tributária. Além do mais, há de ser

salientado que o apoio a projeto cultural traz, por vezes, benefícios indiretos à

instituição financiadora, como a exposição da sua marca e o fortalecimento

institucional177. Fosse o contrário, em se tratando de mero tributo pago a duas

pessoas, o contribuinte poderia sequer se sentir atraído a praticar o incentivo cultural.

as empresas classificadas no inciso I e o valor de oito vezes o limite máximo de faturamento da empresa de pequeno porte, definido na Lei Complementar Federal n. 123, de 2006; e III - 3% (três por cento) do valor do ICMS devido no período, até atingir o valor total dos recursos dedutíveis, para empresa cuja receita bruta anual seja superior ao montante máximo permitido para as empresas classificadas no inciso II.

176 É o que, aliás, estabelece o artigo 9º da mencionada Lei: “somente poderão ser beneficiados pelo incentivo fiscal concedido por esta Lei os projetos culturais que visem à exibição, à utilização ou à circulação públicas de bens culturais, sendo vedada a concessão de incentivo a projeto destinado ou restrito a circuitos privados ou coleções particulares”.

177 Esta opinião é compartilhada por José Márcio Oliveira ao reconhecer que as empresas privadas tem como fonte motivadora o lucro, buscando financiar projetos com potencial retorno em imagem e marketing. Em virtude dessa peculiar condição, afirma que o Estado não poderia limitar sua política cultural ao campo dos benefícios fiscais, já que projetos culturais de baixo retorno econômico, mas de grande importância, poderiam ficar sem investimento (OLIVEIRA, 2003, p. 118).

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119

Divergências à parte, o debate serve para o fim de que seja considerada a

existência de verdadeira norma tributária indutora, que provoca o estímulo à adoção

de comportamentos em prol da promoção da cultura. Ainda que se considere que os

custos do contribuinte com o apoio cultural possam superar o benefício concedido, a

mera existência de um incentivo fiscal pode favorecer essa conduta, atrelando a ela

uma contrapartida financeira que normalmente não seria aplicada.

Ainda em se tratando de utilização do ICMS como instrumento indutor, há que

se recorrer ao Decreto Estadual n. 43.080/02, que instituiu o regulamento do imposto

no Estado de Minas Gerais (RICMS/02). A introdução da norma tributária indutora no

regramento do ICMS mineiro se percebe mais fortemente nos capítulos da alíquota

do tributo, bem como naqueles dispositivos e anexos que tratam dos benefícios fiscais

(isenções, créditos presumidos e redução da base de cálculo).

A começar pelas alíquotas do ICMS no Estado de Minas Gerais, verificou-se a

adoção do princípio da seletividade com fixação de alíquotas gravitando entre o

mínimo de 7% e o máximo de 30%. Levando em conta que a alíquota residual é de

18%, determinadas mercadorias como cigarros e produtos de tabacaria, além de

bebidas alcóolicas178, armas e munições, e fogos de artifício, são tributadas em um

patamar superior de 25%. Nesse ponto, reputa-se existir intuito extrafiscal uma vez

que os dois primeiros produtos listados são comumente associados com políticas que

buscam criar um desincentivo ao seu consumo. Quanto aos demais, há fortes razões

para considerar cenário semelhante, dada a própria periculosidade que lhes é

intrínseca. Nada obstante, são contemplados com alíquota semelhantes

determinados bens como a energia elétrica consumida pela classe comercial ou

artigos de toucador utilizados para higiene pessoal, cujo consumo, em princípio, não

encontra razão para ser desestimulado e que tampouco merece um tratamento mais

gravoso sob a justificativa de ser suntuoso. Ainda mais dissonante seria o fato da

alíquota teto de 30% se aplicar às operações de fornecimento de energia elétrica para

consumo residencial e a terceira maior, de 27%, para a prestação de serviço de

comunicação. Tanto a energia elétrica de uso residencial como os serviços de

comunicação, são essenciais à população e dificilmente pode se dizer que o legislador

estaria procurando inibir o seu consumo. Assim, não são todos os produtos

contemplados com alíquotas mais gravosas (ou superior à nominal) que se incluem

178 Com exceção das cervejas, chopes e aguardentes de cana ou de melaço. As cervejas e chopes

alcóolicos, por exemplo, estão sujeitos à alíquota de 23%.

Page 114: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

120

em uma política de intervenção com intento extrafiscal, podendo mesmo existir razão

para que recebam esse tratamento por se tratarem de bens supérfluos e reveladores

de capacidade contributiva (como é o caso das embarcações de esporte e recreação,

dos artefatos de joalheira ou ourivesaria) ou até motivo algum aparente, conforme

explanado em relação à energia e determinados artigos de higiene pessoal. Adequado

exemplo de norma indutora seria aquela que estipula a alíquota de 14% para as

operações com álcool para fins carburantes e de 27% para a gasolina com a mesma

finalidade. No caso de tais bens, incentiva-se a substituição de um combustível mais

poluente por outro menos poluente, que é tributado à alíquota menos gravosa179.

Outros exemplos de incentivos que estariam sendo concedidos sob a forma de

alíquota reduzida podem ser encontrados na alíquota reduzida de 7% para a energia

elétrica destinada ao produtor rural a ser utilizada na atividade de irrigação no período

noturno, ou a de 12% para determinadas máquinas, aparelhos e equipamentos, que

são comumente utilizados em atividades industriais e de prestação de serviços.

Tratam-se de situações em que a finalidade mais evidente é atender a um imperativo

de incentivo à produção (área inserida na competência dos Estados), operando como

mecanismo de indução rumo ao aprimoramento e desenvolvimento de tais processos.

Com relação aos benefícios fiscais, especificamente o da isenção, o Anexo I

do RICMS/02 de MG elenca uma lista de 223 itens. Entretanto, como tratado

anteriormente, não são todas as isenções em matéria tributária expedientes do tipo

extrafiscal, podendo mesmo existir razões de cunho arrecadatório e simplificador que

justificam a sua instituição. A maior parte delas, ao menos no que toca ao ICMS

mineiro, tem por fundamento uma justificativa distinta da necessidade de intervenção

sobre o domínio econômico. Ainda assim, como expedientes do tipo extrafiscal, alguns

casos são dignos de destaque. A começar pela isenção de ICMS aplicada à doação

de mercadoria à Secretaria de Estado de Educação para emprego na rede oficial de

ensino; a saída de inseticida, fungicida, vacina ou soro, para uso na agricultura e

pecuária; ou a entrada de medicamentos importados do exterior por pessoa física180;

a saída de obra de arte promovida pelo próprio autor; a entrada, decorrente de

importação do exterior, de máquina, equipamento, aparelho, instrumento ou material

179 A situação fica ainda mais evidente quando se aplica a alíquota de 12% para a aquisição de kit para

gás natural veicular (GNV). 180 Desde que não tenha havido contratação de câmbio e não haja incidência do Imposto sobre a

Importação (II).

Page 115: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

121

(ou seus respectivos acessórios ou ferramentas), promovida por estabelecimento

industrial para uso exclusivo em sua atividade produtiva181; além de inúmeros outras

hipóteses em que a finalidade seja a intervenção sobre o domínio econômico, e nos

quais a norma procura induzir o comportamento dos indivíduos, que passam a

desenvolver ações em áreas econômicas e sociais de interesse do Estado (fomento

à produção agropecuária, tecnologia, educação, cultura, arte e etc.).

Também no campo da redução da base de cálculo - que equivale a modalidade

de benefício fiscal representativo de isenção parcial -, notam-se incentivos sendo

concedidos para estimular o desenvolvimento econômico, como a previsão na

redução de 60% na base do imposto para produtos de uso na agricultura e pecuária,

tais como inseticida, vacina e outros; ou a redução de 33,33% aplicada na saída de

biodiesel resultante da industrialização de grãos, sebo bovino, sementes ou palma; e

também a redução de 61,11% na entrada decorrente de importação do exterior de

equipamento médico-hospitalar, sem similar nacional, realizada por clínica ou hospital.

Em todos esses casos, o objetivo da norma é incentivar o consumo em determinadas

atividades para que possa haver incremento na produção ou melhoria nas condições

técnicas da operação, modernização de equipamentos e consequentemente a

promoção das áreas de atuação reguladora dos estados federados (agricultura,

pecuária, meio ambiente e saúde).

Outra espécie de benefício fiscal relativo ao ICMS em que a instituição da

norma tributária indutora se faz sentir é na concessão de crédito presumido182. Chama

a atenção, neste particular, a concessão de crédito no valor equivalente a 60% do

valor do imposto sobre as saídas internas do produto denominado adesivo hidroxilado,

cuja matéria-prima consiste em material resultante do processo de moagem ou

trituração de garrafa do tipo PET. Claramente a legislação está a incentivar os

processos de reciclagem e almejando a proteção ambiental ou o controle da poluição.

Outra medida de claro intento extrafiscal é a concessão de crédito presumido de até

100% do valor do imposto para incentivar a industrialização por encomenda realizada

por estabelecimento situado no Estado de Minas Gerais. Neste caso, contudo,

questiona-se a própria medida instituída, já que ela termina por impactar a economia

181 Desde que sejam destinados a integrar o seu ativo permanente e que a operação sejam

simultaneamente isenta do Imposto sobre a Importação (II) e amparada por programa especial de exportação (Programa BEFIEX), aprovado até 31 de dezembro de 1989.

182 O crédito presumido consiste em um crédito fictício concedido ao contribuinte para desconto do saldo de imposto a pagar.

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122

nacional ao estabelecer tratamento fiscal mais favorável aos contribuintes mineiros

em detrimento daqueles de outro Estado.

Com relação ao aludido ‘ICMS ecológico’, que tem sido taxado por alguns

autores como exemplo de medida extrafiscal, não se infere tratar-se de norma

tributária indutora. Em capítulo anterior foi demonstrado que o ‘ICMS ecológico’ não

se utiliza do instrumento tributário para induzir comportamentos, limitando-se a servir

como critério para repartir a própria arrecadação do ICMS. Por atuar em momento

posterior à própria incidência e recolhimento do imposto, trata-se de instrumento

financeiro para que os destinatários da arrecadação, os Municípios, adotem políticas

em prol da preservação do meio ambiente. Neste caso, a medida poderia estar

inserida no que vem sendo convencionado de forma mais abrangente como

extrafiscalidade183, porém não se confunde com a sua manifestação enquanto

espécie, sujeita ao regime tributário.

Finalmente, no que se refere ao ITCMD, encontra-se na lei instituidora desse

imposto (Lei Estadual n. 14.941/03) a existência de normas que preveem isenção com

finalidade indutora, dentre elas aquela concedia à doação de bem imóvel pelo poder

público com o fim de atrair empresas industriais e comerciais para determinado

Município, ou ainda aquelas doações vinculadas a programa de incentivo ao esporte

ou a programa de incentivo à cultura. Nestas situações, o objetivo da isenção é

incentivar a adoção de determinadas condutas, desonerando as operações para que

possam ser alcançados fins socialmente relevantes nos campos da atração de

investimentos, incentivo ao esporte e promoção da cultura.

4.3.3 Extrafiscalidade quanto às Taxas

A legislação tributária do Estado de Minas Gerais prevê inúmeros tipos de taxas

cobradas em razão do exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço

público específico e divisível. Coube ao Decreto Estadual n. 38.886/97 reunir e

regulamentar as principais taxas estaduais184, que podem ser assim listadas: taxa de

183 Esta, inclusive, a posição de Alexandre Costa para quem “quando abordamos o aspecto finalístico

da utilização de recursos tributários, que se dá através do emprego dos mesmos, buscando determinados fins e com o propósito de influir nos domínios de ciências como a economia, sociologia e a política, não somente com utilização de benefícios na origem da incidência tributária, mas também direcionado a distribuição dos recursos arrecadados, estamos empregando a extrafiscalidade de uma forma ampliada” (COSTA, 2008, p. 21).

184 Artigo 3º do Decreto Estadual n. 38.886/97.

Page 117: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

123

expediente; taxa florestal; taxa judiciária; taxa de segurança pública; taxa de

licenciamento para uso ou ocupação da faixa de domínio das rodovias; taxa de

controle e fiscalização ambiental do Estado de Minas Gerais; taxa de fiscalização

judiciária; custas judiciais; emolumentos relativos aos atos notariais e de registro; taxa

de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra,

exploração e aproveitamento de recursos minerários (TFRM); e taxa de fiscalização

sobre serviços públicos de abastecimento de água e saneamento (TFAS). Cada

espécie tem, por sua própria designação, uma atribuição específica e designa a

atuação estatal referida ao seu objeto.

Importante notar que a competência em matéria de taxas está adstrita à

necessária existência da competência administrativa, sem a qual não poderá o ente

político exercer função ou regulação que não lhe tenha sido reservada pela

Constituição. Ao Estado de Minas Gerais compete, portanto, a instituição das taxas

que perpassam a sua competência material, não podendo se descuidar desse

indispensável requisito.

Igualmente digno de observação é a circunstância de que a taxa - enquanto

espécie tributária cobrada em razão da atividade estatal - está justificada no caráter

contraprestacional ou sinalagtmático que lhe é intrínseco. Ao admitir a utilização das

taxas com função indutora, o que se faz é alterar o critério que legitima a sua cobrança,

para autorizar que sejam exigidas com base na necessidade de intervenção estatal

sobre o Domínio Econômico. Não se desnatura, com isso, a própria estrutura das

taxas, que continuam a ter por fato gerador uma atuação estatal específica ao

contribuinte. No entanto, admite-se a graduação do seu montante para provocar

estímulo ou desestímulo a condutas individuais, sempre com objetivo de que sejam

alcançados fins constitucionalmente relevantes.

A seguir, são examinadas as principais taxas instituídas pelo Estado de Minas

Gerais em que se identifica potencial emprego da norma tributária indutora.

Começando pela taxa de expediente, trata-se de modalidade cobrada sobre o

exercício de atividades especiais dos organismos do Estado, relativamente ao

licenciamento e ao controle de ações que interessam à coletividade, e sobre as

atividades praticadas por pessoas físicas ou jurídicas, controladas por repartições ou

Page 118: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

124

autoridades estaduais185. É exigida ainda, de forma genérica, sobre a utilização,

efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte

ou posto à sua disposição186. O seu montante varia conforme o tipo de expediente que

está sendo praticado, apesar de que na maioria dos casos é cobrada no valor de até

R$ 500,00. Nesse sentido, chama a atenção que o expediente descrito como ‘análise

dos pedidos de importação, com diferimento do ICMS, de mercadoria destinada a

integrar o ativo permanente do adquirente’, e também de ‘análise de pedido de

alteração de despacho autorizativo de importação com diferimento do ICMS’, são

tributados no montante de R$ 1.300,56, superando o patamar fixado para a maioria

dos expedientes. Embora tenham sido identificados outros serviços públicos cuja

cobrança se dá em valor maior que o descrito, não se pode deixar de notar um

possível intento extrafiscal por parte do ente público ao exigir taxa com valor majorado

para criar um obstáculo à importação de mercadorias. Tal hipótese, contudo, deve ser

logo descartada, dada a circunstância de não contarem os Estados com competência

administrativa ou reguladora para dispor sobre comércio exterior, aliado ao fato da

taxa ser cobrada exclusivamente sobre casos envolvendo diferimento do ICMS, o que

não alcançaria as demais importações normalmente tributadas. Além do mais, apenas

pelo valor em cobrança não é possível mensurar se a exigência estaria desvinculada

da razoável equivalência a justificar a cobrança da contraprestação187.

Outra espécie de taxa em que se vislumbra um potencial uso extrafiscal seria

aquela do tipo ‘judiciária’, que é cobrada pela ação, a reconvenção ou processo

judicial, contencioso ou voluntário188. Ao analisar os dispositivos que fundamentam a

sua exigência, identifica-se hipótese de isenção às habilitações para casamento,

indicando uma possível intenção do legislador em incentivar a constituição da família.

Se diz possível por vislumbrar o fim constitucional específico através da previsão

contida no artigo 226 do texto constitucional, que estipula a família como base da

sociedade e detentora de especial proteção do Estado. Ou seja, ao se isentar as

habilitações para casamento do pagamento da taxa se está perseguindo finalidade

constitucional e ao mesmo tempo induzindo os indivíduos a se unirem em matrimônio

185 Visando a preservação da saúde, higiene, ordem, costumes, tranquilidade pública e da garantia

oferecida ao direito de propriedade (artigo 5º, inciso I, alínea “b” do Decreto Estadual n. 38.886/97). 186 Artigo 5º, inciso II do Decreto Estadual n. 38.886/97. 187 Em todo o caso, como demonstrado, trata-se de valor que supera em muito a taxa cobrada em

outros expedientes, de descrição e execução até mais complexa. Á míngua de outros elementos mais concretos, não é possível afirmar como o Estado chegou a esse valor.

188 Artigo 17 do Decreto Estadual n. 38.886/97.

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125

sem que sejam onerados por esse fato. Por outro lado, há que se levar em conta que

o parágrafo 1º do citado artigo 226 estabelece que o casamento é civil e gratuita a sua

celebração. Neste caso, não caberia à norma estadual dispor de forma diferente,

estando adstrita à regra de imposição constitucional. Sobre essa situação em

particular, pode ser dito que o intento extrafiscal estaria prefigurado

constitucionalmente.

Cita-se ainda, dentro da análise que está sendo desenvolvida, a taxa de

segurança pública, cuja cobrança é feita pela utilização de serviços específicos e

divisíveis, prestados pelos órgãos da administração estatal, ou colocados à disposição

de pessoas físicas ou jurídicas cujas atividades exijam do poder público estadual

permanente vigilância policial ou administrativa189. A taxa é exigida ainda pela

utilização de serviços prestados pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais190,

além da utilização potencial do serviço de extinção de incêndios191. Interessa, para

efeito de identificação da existência de norma tributária indutora, voltar-se às inúmeras

isenções192 concedidas aos atos e documentos relativos às promoções de caráter

recreativo193, aos estabelecimentos de interesse turístico194, ao funcionamento de

estabelecimento teatral ou de exibição de películas cinematográficas, e os eventos

esportivos profissionais e amadores realizados no Estado. Todas essas hipóteses

exoneradas pelo legislador são revestidas de marcantes aspectos culturais, artísticos

e esportivo, sobre os quais detêm o Estado competência reguladora e incumbência

constitucional na sua facilitação de acesso. Por isso é que se diz que a norma atuaria

de forma a estimular condutas que levassem à promoção de tais eventos ou que se

tornassem mais acessíveis à população em geral. Outro caso de destaque seria

relativo à peculiaridade envolvendo a cobrança pela utilização do serviço de extinção

de incêndio. Sobre essa hipótese, dispõe o regulamento que não será considerado

para efeito de cobrança na área do imóvel sob risco de incêndio e pânico, edificada

ou não, aquelas áreas destinadas a jardinagem, reflorestamento e mata nativa. É

evidente, por sua própria natureza, que tais espaços (não edificados) estão

189 Visando à preservação da segurança, da tranquilidade, da ordem, dos costumes e das garantias

oferecidas ao direito de propriedade (artigo 24, inciso I, Decreto Estadual n. 38.886/97). 190 Sempre que o interesse do particular predominar sobre o interesse público (artigo 24, inciso III,

Decreto Estadual n. 38.886/97). 191 Artigo 24, inciso IV, Decreto Estadual n. 38.886/97. 192 Artigo 27 do Decreto Estadual n. 38.886/97. 193 Desde que o total da renda seja destinado a instituições de caridade, devidamente reconhecidas. 194 Assim considerados pelos órgãos competentes do Estado, desde que registrados na Empresa

Brasileira de Turismo (EMBRATUR).

Page 120: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

126

suscetíveis à propagação de incêndio, mas foram excluídas da cobrança como forma

de servir de incentivo financeiro a que sejam preservadas e não exploradas para uso.

Seguindo adiante, destacam-se como possíveis e relevantes mecanismos

indutores alinhados com o escopo ambiental a taxa de controle e fiscalização

ambiental do Estado de Minas Gerais (TFAMG), prevista na Lei Estadual n. 14.940/03,

e a taxa de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra,

exploração e aproveitamento de recursos minerários (TFRM), instituída pela Lei

Estadual n. 19.976/11. Em ambos os casos chama a atenção a forma em que foi fixado

o valor da taxa, que não é necessariamente cobrada em função do custo da atividade

estatal (ou uma razoável equivalência a esta). Antes, os critérios que legitimam a sua

cobrança – e o montante a elas atribuído - somente poderia ser justificado ante a

necessidade de proteção ao meio ambiente, que se faz através da intervenção do

Estado sobre o Domínio Econômico.

A TFAMG tem por fato gerador o exercício regular do poder de polícia conferido

à Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) e o Instituto Estadual de Florestas

(IEF), para controle e fiscalização de atividades potencialmente poluidoras e

utilizadoras de recursos naturais195. Embora as pessoas físicas sejam contribuintes

em potencial desta espécie, desde a data da sua instituição não é exigido valor algum

em relação a elas a esse título por motivo de isenção concedida na legislação. Em

relação às pessoas jurídicas, o legislador optou por determinar o valor da taxa de

forma escalonada, de acordo com o porte da empresa196 e segundo o grau do

potencial de poluição ou utilização dos recursos naturais197. As microempresas que

desenvolvem atividade enquadrada nos graus pequeno e médio, não estão sujeitas a

195 Artigo 6º da Lei Estadual n. 14.940/03. 196 Seguem definições de porte da empresa utilizadas pelo artigo 2º da Lei Estadual n. 14.940/03:

I- microempresa a pessoa jurídica ou o empresário, assim definido na Lei Federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, cuja receita bruta anual seja igual ou inferior ao limite estabelecido no inciso I do art. 3º. da Lei Complementar Federal n. 123, de 14 de dezembro de 2006; II- empresa de pequeno porte a pessoa jurídica ou o empresário, assim definido na Lei Federal n. 10.406, de 2002, cuja receita bruta anual se enquadre nos limites estabelecidos no inciso II do art. 3º. da Lei Complementar Federal n. 123, de 2006; III- empresa de médio porte a pessoa jurídica ou o empresário, assim definido na Lei Federal n. 10.406, de 2002, cuja receita bruta anual seja superior ao limite máximo estabelecido no inciso II do art. 3º. da Lei Complementar Federal n. 123, de 2006, e igual ou inferior a R$12.000.000,00 (doze milhões de reais); IV- empresa de grande porte a pessoa jurídica ou o empresário, assim definido na Lei Federal n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que tiver receita bruta anual superior a R$12.000.000,00 (doze milhões de reais).

197 Anexo III da Lei Estadual n. 14.940/03.

Page 121: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

127

pagamento algum. A partir do grau alto, as microempresas passam a contribuir com

um valor trimestral de R$ 78,03 chegando até R$ 3.511,51 para as empresas de

grande porte198. Estranha notar que o porte da empresa não está necessariamente

relacionado ao custo da atuação estatal199. Ainda mais se for levado em conta que

determinadas pessoas físicas, apesar de estarem desoneradas, podem exercer

atividade poluidora ou utilizadora de recursos naturais em patamar muito superior ao

de inúmeras empresas. Outro ponto que gera indagação é se o grau poluidor ou

utilizador de recursos estaria a dimensionar o poder de polícia, o que não parece ser

igualmente certo. À toda evidência, o critério da razoável equivalência não estaria a

justificar a cobrança da taxa. Ao contrário, por se tratar de taxa com pretensão de

promover a proteção ambiental e o controle da poluição, razões de ordem extrafiscal

passam a legitimar a sua incidência e a instituição de um regime diferenciado de

tributação que pretende inibir condutas lesivas ao meio ambiente. Isso ocorre pelo fato

de taxas mais brandas e uniformes não atingirem com a mesma intensidade diferentes

níveis de contribuintes. Para que empresas de maior porte venham a adotar práticas

mais sustentáveis, revela-se necessário que o encargo tributário seja mensurado de

acordo com a sua capacidade de absorver o custo do tributo e mesmo assim sustentar

a sua posição concorrencial. Quanto menor for o valor da taxa, menos estará inclinada

a adotar o comportamento pretendido pelo legislador e mais prejudicadas serão as

empresas de menor porte que dificilmente poderão competir em igualdade de

condições200. Além de buscar a proteção do meio ambiente e o controle da poluição,

pretende alcançar esse objetivo com proteção à neutralidade concorrencial. Em

síntese, a TFAMG apresenta em sua estrutura elementos que permitam identificar a

existência - ainda que potencial - de norma tributária indutora.

Cenário semelhante pode ser encontrado no tratamento da TFRM, que se

198 Vale ressaltar que o valor da taxa é fixado em Ufemgs e que, para o exercício de 2017, foi

estabelecida em R$ 3,2514, conforme a Resolução do Estado de Minas Gerais n. 4.952/2016. 199 Convém salientar que esta não é a posição do Supremo Tribunal Federal, que em mais de uma

oportunidade salientou a possibilidade de que a taxa utilizasse base própria de tributo, desde que não verificada identidade integral entre uma base e a outra. Aliás, em caso envolvendo a própria TFAMG, decidiu por ocasião do ARE n. 896.740 AgR/MG que o fato do legislador ter eleito como base da taxa o porte da empresa não causaria afronta ao entendimento já manifestado por aquela Corte.

200 E não se diga que se trata de uma imposição decorrente da sua capacidade contributiva, que, em princípio, tem a sua aplicação mitigada quanto às taxas. O princípio que as informa, em regra, é do sinalagma, que impõe uma cobrança alinhada com a razoável equivalência entre a prestação e o custo da atuação estatal.

Page 122: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

128

refere a taxa que tem como fato gerador201 o exercício regular do poder de polícia

sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento, realizada no

Estado, de determinados recursos minerários202. Segundo estabelece a sua lei

instituidora, não será exigido o pagamento a esse título por parte da empresa com

receita bruta anual igual ou inferior a R$ 5.364.810,00. Em contraposição, as demais

empresas estão sujeitas ao recolhimento da taxa à razão de R$ 3,2514203 por tonelada

de minério. Não há razão jurídica aparente para que empresas de menor faturamento

sejam desoneradas da taxa, até porque exercem atividades semelhantes àquelas que

auferem maior receita bruta e exigem do Estado a mesma iniciativa de fiscalização.

Somente por razões de intervenção no domínio econômico é que se pode justificar e

legitimar a distribuição de encargos diferenciados entre contribuintes que exigem do

Estado atuação semelhante. Convêm salientar que por ocasião da sua própria

formulação, a redação original do artigo 7º, inciso I da Lei Estadual n. 19.976/11,

dispunha que os recursos minerários que fossem destinados à industrialização no

próprio Estado204 estariam isentos do pagamento da taxa. Não há dúvidas, portanto,

que o objetivo era incentivar o crescimento da indústria mineira, já que o exercício do

poder de polícia não deixaria de ser realizado neste caso. A feição indutora da taxa

não desperta maiores indagações, porém quanto à finalidade que lhe dá suporte

existem sérios questionamentos a respeito da sua constitucionalidade, o que motivou

o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.785 perante o Supremo

Tribunal Federal205. Dentre os argumentos apresentados pela entidade responsável

pela ação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), constam as alegações de que

a base de cálculo da TFRM seria própria de imposto e que as projeções de

201 Artigo 1º da Lei Estadual n. 19.976/11. 202 São eles a bauxita, metalúrgica ou refratária; terras-raras; minerais ou minérios que sejam fonte,

primária ou secundária, direta ou indireta, imediata ou mediata, isolada ou conjuntamente com outros elementos químicos, de chumbo, cobre, estanho, ferro, lítio, manganês, níquel, tântalo, titânio, zinco e zircônio.

203 Vale ressaltar que o valor da receita bruta para fins de isenção e de recolhimento da taxa, são fixados em Ufemgs e que, para o exercício de 2017, esta foi estabelecida em R$ 3,2514, conforme a Resolução do Estado de Minas Gerais n. 4.952/2016.

204 Salvo quando destinados a acondicionamento, beneficiamento ou pelotização, sinterização ou processos similares.

205 Dentre os argumentos apresentados pela entidade responsável pela ação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), suscita-se que a base de cálculo da TFRM seria própria de imposto e as projeções de arrecadação do tributo superariam o total de despesas realizados nos últimos anos pelas Secretarias de Estados envolvidas no exercício do poder de polícia. Tal alegação apenas confirma que se trata de taxa que encontra não encontra sua justifica no princípio da razoável equivalência. Resta saber se o Supremo se incumbirá de analisar a questão sob a ótica de legitimação da taxa (e seu valor) através da necessidade de intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico.

Page 123: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

129

arrecadação do tributo superariam o total de despesas realizados nos últimos anos

pelas Secretarias de Estados envolvidas no exercício do poder de polícia. A se

confirmar que o produto da arrecadação não possui, em tese, correspondência com o

custo da atuação estatal, confirma-se a suposição de que não se trata de taxa que

encontra sua justifica no princípio da razoável equivalência. Resta saber se o Supremo

se incumbirá de analisar a questão da legitimação da taxa (e seu valor) pela ótica da

necessidade de intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico.

Quanto às demais taxas estaduais analisadas, não foi possível identificar

nenhum traço marcante de extrafiscalidade a justificar uma atuação interventiva do

Estado.

4.3.4 Resultados encontrados a partir da análise desenvolvida

Concluída a análise proposta, verificou-se que o Estado de Minas Gerais possui

importantes iniciativas em torno da utilização do tributo com função indutora ou

extrafiscal. Dentre elas, destaca-se a previsão na legislação tributária de redução da

base de cálculo do IPVA para veículos movidos, exclusivamente, a álcool etílico

hidrato combustível; a possibilidade de dedução dos recursos aplicados em projetos

culturais da base de cálculo do ICMS; a alíquota mais gravosa de ICMS (25%) para

cigarros e grande parte das bebidas alcóolicas, além de armas e munições; a alíquota

de ICMS reduzida de 14% para as operações com álcool para fins carburantes e de

27% para a gasolina com a mesma finalidade, sem falar nas alíquotas reduzidas de

7% para a energia elétrica destinada ao produtor rural para ser utilizada na atividade

de irrigação no período noturno, ou de 12% para determinadas máquinas, aparelhos

e equipamentos, utilizadas em processos industriais e de prestação de serviços.

Listam-se ainda as hipóteses de isenções, reduções da base de cálculo e créditos

presumidos em matéria de ICMS, cujo objetivo é incentivar condutas em prol da

cultura, educação, meio ambiente e saúde, bem como da atividade produtiva

(industrial, agrícola e agropecuária). Em relação ao ITCMD, encontra-se a isenção

concedida à doação de bem imóvel pelo poder público com o fim de atrair empresas

industriais e comerciais para determinado Município, ou ainda da isenção para

doações vinculadas a programa de incentivo ao esporte ou à cultura. Todas essas

iniciativas tem a capacidade de provocar estímulo a adoção de comportamentos

Page 124: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

130

socialmente desejáveis, nas áreas de atuação em que o Estado detém competência

reguladora ou administrativa.

Quanto à introdução da norma tributária indutora na figura das taxas, outras

iniciativas foram identificadas na legislação mineira, embora mais discretas, como a

isenção da taxa judiciária para o processo de habilitação para casamento; ou as

isenções da taxa de segurança pública concedida aos atos e documentos relativos a

promoções de caráter recreativo, estabelecimentos de interesse turístico,

funcionamento de estabelecimento teatral ou de exibição de películas

cinematográficas e eventos esportivos profissionais e amadores realizados no Estado.

Ainda a despeito da conhecida ‘taxa de incêndio’ - submodalidade da taxa de

segurança pública - consta a previsão de que áreas de preservação ambiental não

ingressam no seu cálculo. Nestes casos, vislumbra-se potencial efeito indutor através

da concessão de incentivo fiscal para que sejam atingidos objetivos em áreas de

interesse social (meio ambiente, cultura, educação, turismo e entre outros).

Finalmente, tem-se exemplo mais próximo da extrafiscalidade na figura das taxas de

controle e fiscalização ambiental (TFAMG), e de controle, monitoramento e

fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de

recursos minerários (TFRM), em que o montante cobrado não é necessariamente

fixado de acordo com o custo da atuação estatal, mas de forma a tornar mais ou

menos onerosas determinadas situações, resultando na intervenção estatal no

domínio econômico.

Todas essas medidas representam importante evolução na utilização da norma

tributária indutora como ferramenta de intervenção estatal. Apesar disso, considera-

se que as iniciativas ainda são bastante circunstanciais, isoladas e, por vezes, em

aparente conflito com outras normas da legislação estadual. Como exemplo dessa

última situação, tem-se o atual panorama da tributação das bebidas alcóolicas. A

graduação da sua alíquota é de 25%, com exceção das cervejas e chopes alcóolicos,

beneficiadas com alíquota reduzida de 23%. O RICMS/02206 estabelece, todavia, que

as microcervejarias, nas operações de vendas internas de cerveja e chope artesanais

produzidos pelo próprio estabelecimento207, são contempladas com benefício de

crédito presumido de forma que a carga tributária resulte em 8%. Vê-se, neste quesito,

que em alguns casos a produção de bebida alcóolica chega a ser incentivada pelo

206 Artigo 75, inciso XL, RICMS/02. 207 Desde que destinados a contribuinte do imposto.

Page 125: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

131

Estado. Outra situação tanto atípica diz com a alíquota aplicável à incidência do ICMS

sobre a energia elétrica consumida pela classe comercial e para consumo residencial,

nos patamares, respectivos de 25% e 30%. Inclui-se também a alíquota majorada de

27% para serviços de comunicação. Nestes casos, certos bens reputados essenciais

à população estão sendo tributados mais gravemente que outros nocivos à saúde,

como os cigarros e as bebidas alcóolicas.

Além do mais, iniciativas em prol da proteção do meio ambiente e controle da

poluição, são bastante incipientes e pouco expressivas. Falta a definição de alíquotas

mais gravosas, tanto do IPVA como do ICMS, para veículos e produtos tóxicos e

poluentes. Poderia ainda ser implantada uma iniciativa coordenada de concessão de

incentivos ou benefícios fiscais a produtos cultivados sem agrotóxicos ou que utilizam

insumos recicláveis. Também caberia um benefício fiscal direcionado e específico ao

ICMS cobrado pelo serviço de transporte coletivo, evitando a circulação de maior

número de veículos e, consequentemente, reduzindo os índices de poluição. No

campo das taxas, seria impactante a instituição de espécie que tivesse por objeto a

fiscalização e controle das emissões de carbono, algo que parece estar alinhado com

o que vem sendo discutido em nível global e que ainda é pouco explorado no país.

Dada a competência reguladora do Estado sobre o controle da poluição, esta iniciativa

não teria que partir diretamente da União, podendo ser instituída pelas entidades

federadas.

Em relação à tributação do consumo, como já antecipado anteriormente, há

uma conivência e até incentivo à circulação de certas bebidas alcóolicas, como as

cervejas e chopes. Quanto ao cigarro, embora sujeito à alíquota de 25%, que é

superior à residual de ICMS, falta a implementação de um sistema misto de tributação

(alíquotas fixas e variáveis) ou simplesmente de alíquotas fixas, política que tem se

revelado mais bem sucedida na redução do consumo de tais bens (incluindo-se as

bebidas alcóolicas). No que se refere aos alimentos não saudáveis, apesar do tema

ser bastante controverso, inclusive entre os pesquisadores, inexiste uma política fiscal

coordenada no âmbito do Estado de Minas Gerais que procure tratar do assunto.

Quando muito, alguns alimentos são contemplados com benefícios fiscais ou

alíquotas reduzidas208, sem que seja analisado a sua prejudicialidade ou não para a 208 É o caso do arroz, feijão, fubá de milho, farinha de milho e farinha de mandioca, quando de produção

nacional, contemplado com alíquota de 12% de ICMS (artigo 42, inciso I, alínea “b”, subalínea “b.1”, RICMS/02).

Page 126: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

132

saúde humana. A única exceção, talvez, seria na isenção de ICMS concedidas à

determinadas frutas frescas209 e a outros vegetais ou legumes, tais como abóbora,

abobrinha, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cará, couve-flor, espinafre e

entre outros. De nada adianta, todavia, isentar determinados produtos, considerados

saudáveis, enquanto outros menos saudáveis continuam com preços mais

competitivos e diante de uma tributação marcantemente arrecadatória com alíquotas

nominais. Os refrigerantes, a título de exemplo, apenas estão sujeitos a uma alíquota

mais gravosa, acaso importados de países não-membros do Acordo Geral de Tarifas

e Comércio (GATT)210. Todos os demais produtos dessa natureza estão sujeitos à

alíquotas mais modestas de ICMS, consideradas residuais. Por isso é que se fala que

nesse campo há que se alinhar uma política pública que busque evitar tais

desequilíbrios.

Em outros campos de atuação reguladora e administrativa do Estado, a

extrafiscalidade tem sido discreta e pouco explorada. Não foi possível identificar um

conjunto coordenado de medidas que tenham por objeto incentivar condutas em prol

do desenvolvimento da ciência, tecnologia, pesquisa e inovação; ou da proteção de

documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural; além da

expansão no campo da saúde e na preservação das florestas, fauna e flora; áreas

estas em que se vislumbra a relevância de uma tributação com fins indutores.

209 Anexo I, item 12, alínea “j”, RICMS/02. 210 Artigo 42, inciso I, alínea “a”, subalínea “a.2”, RICMS/02.

Page 127: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

133

5 CONCLUSÃO

A partir da Ciência das Finanças se identifica fenômeno que consiste na adoção

pelo Estado de uma série de medidas que tem por objetivo influir sobre a conjuntura

econômica, corrigindo depressões econômicas e pretendendo modificar estruturas

subdesenvolvidas. Abandona-se, neste mister, a orientação em torno das ‘finanças

neutras’, que se limitam a apregoar uma posição eminentemente conservadora do

Estado, para assumir a das ‘finanças funcionais’, que defende a utilização dos

instrumentos financeiros para fins ‘extrafiscais’.

As finanças funcionais ou extrafiscais colocam em evidência a atividade

financeira estatal dirigida para a intervenção sobre a economia. Dentre os meios que

se utiliza o Poder Público para alcançar tal objetivo, destaca-se o tributo como

relevante instrumento de atuação.

O desafio do Direito passa a ser, portanto, desvendar se a utilização do tributo

com fins ‘extrafiscais’, ou simplesmente extrafiscalidade, reclama tratamento jurídico

diferenciado e se possui alguma qualificação que justifique seja estudado sob essa

ótica.

Parte do problema na resolução dessa questão reside na circunstância de que

grande parte dos juristas define a extrafiscalidade a partir de conceito extraído da

ciência das finanças, isto é, como forma de tributação que não está prioritariamente

relacionada ao objetivo do Estado em arrecadar recursos para fazer frente às

despesas públicas. Ao assim proceder, descuida-se dos necessários contornos

jurídicos que devem existir para que se reclame tratamento jurídico diferenciado.

Vem se desenvolvendo, contudo, corrente que enxerga na extrafiscalidade a

utilização do tributo como mecanismo de indução de comportamentos para que sejam

atingidos fins juridicamente relevantes. Trata-se de concepção em torno da

extrafiscalidade enquanto espécie, também conhecida como norma tributária indutora,

que contempla todos os casos em que o instrumento tributário estaria sendo utilizado

para regular, modificar, direcionar, desestimular o comportamento dos cidadãos com

o firme propósito de buscar a intervenção sobre o domínio econômico.

Para que seja identificada a norma tributária indutora no plano jurídico, não

basta recorrer à sua finalidade (ou efeitos) e tampouco à sua função (assim

compreendida dentro de uma visão pragmática). Ao contrário, há que conjugar a

finalidade perseguida pelo legislador - que se encontra lastreada em fim delineado

Page 128: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

134

pela Constituição - com a função indutora de comportamentos exercida pelo comando

da norma. A esse respeito, sublinhou-se que a norma tributária indutora não se trataria

de espécie normativa nova, mas mero desdobramento ou extensão da norma de

conduta, tal qual classificação proposta pela teoria positivista. A sua finalidade teria a

incumbência de servir como fundamento de validade jurídica, devendo ser observado

que ao ser invocada razão distinta para instituição de determinado tributo, há que ser

buscado no ordenamento causa que legitima a sua cobrança. Especificamente no

caso da norma tributária indutora, a causa que justifica a sua existência está na

necessidade de intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico.

Em se tratando de intervenção estatal, pressupõe-se que a pessoa política que

pretenda instituir norma com intento extrafiscal cumule competências constitucionais,

tanto em matéria reguladora como tributária. Com exceção da contribuição de

melhoria, as demais espécies tributárias analisadas - impostos e taxas - coadunam

com o regime da norma tributária indutora.

Sem embargo, não só a competência reguladora é que justifica a instituição de

norma com intento extrafiscal, senão também a competência administrativa acometida

às entidades políticas legitimam essa especial atuação. Isso em razão de se tratar de

importante atribuição conferida às pessoas políticas para que possam modificar a

ordem econômica e social existente.

Ao proceder à análise da extrafiscalidade aplicada aos Estados-membros,

identificaram-se limites a essa atuação do tipo quantitativo, dada a aglutinação de

competências em torno da União, como também restrições impostas pela interferência

do poder central na regulação de alguns aspectos relacionados aos tributos de

competência dos demais entes. Além do mais, especificamente em relação aos

Estados, a sua atuação em matéria reguladora seria meramente supletiva, o que

impede que edite normas que possam produzir efeitos de alcance nacional ou que

provoquem o desequilíbrio da federação (impera a necessidade de preservação da

integração econômica e unidade nacional). Isso não significa que não possam os

Estados exercer a intervenção sobre o Domínio Econômico, utilizando-se do tributo

como instrumento de ação, mas apenas que determinadas cauteladas devem ser

adotadas para que a sua atuação se restrinja ao interesse local.

Nesse sentido, é possível dizer que atribuição reguladora conferida à União

para a edição de normas gerais não significa que tenha sido desprezado o papel dos

Estados no exercício da competência suplementar. Pode-se, inclusive, enxergar

Page 129: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

135

referida situação de modo inverso, à medida em que a União caberá regular

exclusivamente aquilo que tenha relevância nacional e aos demais entes federados

todo o resto, promovendo-se verdadeira descentralização na competência legislativa.

Analisando-se os campos de atuação reguladora do Estado, identificou-se a

partir das posições doutrinárias existentes potencial emprego da norma tributária

indutora em áreas como a proteção ao meio ambiente e o controle da poluição; ou da

produção e consumo; e em menor medidas para fins de proteção do patrimônio

histórico, artístico e cultural; o acesso à cultura, educação, ciência, tecnologia,

pesquisa e inovação; entre outros temas.

Diante dessas constatações e assumidos tais pressupostos teóricos, passou-

se a se referir à legislação tributária do Estado de Minas Gerais para saber como e

em que medida a extrafiscalidade estaria sendo aplicada, ou mesmo se é que estaria

sendo utilizada.

O resultado da investigação proposta foi de que o Estado possui importantes

iniciativas em torno da utilização do tributo com função indutora ou extrafiscal, e vem

se utilizando da norma tributária indutora para perseguir fins constitucionalmente

relevantes dentro da sua área de atuação reguladora e administrativa.

Dentre essas iniciativas, destacou-se a previsão na legislação tributária de

redução da base de cálculo do IPVA para veículos movidos, exclusivamente, a álcool

etílico hidrato combustível; a possibilidade de dedução dos recursos aplicados em

projetos culturais da base de cálculo do ICMS; a alíquota mais gravosa de ICMS (25%)

para cigarros e grande parte das bebidas alcóolicas, além de armas e munições; a

alíquota de ICMS reduzida de 14% para as operações com álcool para fins

carburantes e de 27% para a gasolina com a mesma finalidade, sem falar nas

alíquotas reduzidas de 7% para a energia elétrica destinada ao produtor rural para ser

utilizada na atividade de irrigação no período noturno, ou de 12% para determinadas

máquinas, aparelhos e equipamentos, utilizadas em processos industriais e de

prestação de serviços. Listou-se ainda as hipóteses de isenções, reduções da base

de cálculo e créditos presumidos em matéria de ICMS, cujo objetivo é incentivar

condutas em prol da cultura, educação, meio ambiente e saúde, bem como da

atividade produtiva (industrial, agrícola e agropecuária). Em relação ao ITCMD,

encontrou-se isenção sendo concedida à doação de bem imóvel pelo poder público

com o fim de atrair empresas industriais e comerciais para determinado Município, ou

ainda da isenção para doações vinculadas a programa de incentivo ao esporte ou à

Page 130: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

136

cultura. Todas essas iniciativas tem a capacidade de provocar estímulo a adoção de

comportamentos socialmente desejáveis, nas áreas de atuação em que o Estado

detém competência reguladora ou administrativa.

Em relação à figura das taxas, identificou-se a existência de regime de norma

tributária indutora na legislação mineira através de iniciativas que procuram alcançar

intento extrafiscal, como a isenção da taxa judiciária para o processo de habilitação

para casamento; ou as isenções da taxa de segurança pública concedida aos atos e

documentos relativos a promoções de caráter recreativo, estabelecimentos de

interesse turístico, funcionamento de estabelecimento teatral ou de exibição de

películas cinematográficas e eventos esportivos profissionais e amadores realizados

no Estado. Ainda a despeito da conhecida ‘taxa de incêndio’ - submodalidade da taxa

de segurança pública –, constatou-se a previsão de que áreas de preservação

ambiental não ingressam no seu cálculo. Nestes casos, vislumbra-se potencial efeito

indutor através da concessão de incentivo fiscal para que sejam atingidos objetivos

em áreas de interesse social (meio ambiente, cultura, educação, turismo e entre

outros). Finalmente, tem-se exemplo mais próximo da extrafiscalidade na figura das

taxas de controle e fiscalização ambiental (TFAMG), e de controle, monitoramento e

fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de

recursos minerários (TFRM), em que o montante cobrado não é necessariamente

fixado de acordo com o custo da atuação estatal, mas de forma a tornar mais ou

menos onerosas determinadas situações, resultando na intervenção estatal no

domínio econômico.

Todas essas medidas representam importante evolução na utilização da

extrafiscalidade ou da norma tributária indutora como ferramenta de intervenção

estatal. Apesar disso, considerou-se que as iniciativas ainda são bastante

circunstanciais, isoladas e, por vezes, em aparente conflito com outras normas da

legislação estadual. Como exemplo dessa última situação, tem-se o atual panorama

da tributação das bebidas alcóolicas. A graduação da sua alíquota é de 25%, com

exceção das cervejas e chopes alcóolicos, beneficiadas com alíquota reduzida de

23%. A legislação estabelece, todavia, que as microcervejarias, nas operações de

vendas internas de cerveja e chope artesanais produzidos pelo próprio

estabelecimento, são contempladas com benefício de crédito presumido de forma que

a carga tributária resulte em 8%. Vê-se, neste quesito, que em alguns casos a

produção de bebida alcóolica chega a ser incentivada pelo Estado.

Page 131: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

137

Outra situação um tanto atípica diz com a alíquota aplicável à incidência do

ICMS sobre a energia elétrica consumida pela classe comercial e para consumo

residencial, nos patamares, respectivos de 25% e 30%. Inclui-se também a alíquota

majorada de 27% para serviços de comunicação. Nestes casos, certos bens

reputados essenciais à população estão sendo tributados mais gravemente que outros

nocivos à saúde, como os cigarros e as bebidas alcóolicas.

A realidade das alíquotas de imposto desperta verdadeira preocupação, até

porque, embora majorada em relação a determinados bens (como os nocivos à

saúde), não se sabe, à míngua de outros elementos, se o seu patamar é suficiente

para provocar um expressivo agravamento ao dever fiscal que provoque indução de

comportamentos. Esta, contudo, vale dizer, não é uma questão que aflige apenas o

ICMS mineiro, senão a extrafiscalidade como um todo. Se é sabido que a norma

tributária indutora procura criar uma indução na conduta dos indivíduos, discute-se até

que ponto a eficácia da norma seria relevante para justificar a sua existência.

Com relação às iniciativas em prol da proteção do meio ambiente e controle da

poluição, verificou-se serem bastante escassas e pouco expressivas. Falta a definição

de alíquotas mais gravosas, tanto do IPVA como do ICMS, para veículos e produtos

tóxicos e poluentes. Poderia ainda ser implantada uma iniciativa coordenada de

concessão de incentivos ou benefícios fiscais a produtos cultivados sem agrotóxicos

ou que utilizam insumos recicláveis. Também caberia um benefício fiscal direcionado

e específico ao ICMS cobrado pelo serviço de transporte coletivo, evitando a

circulação de maior número de veículos e, consequentemente, reduzindo os índices

de poluição. No campo das taxas, seria impactante a instituição de espécie que tivesse

por objeto a fiscalização e controle das emissões de carbono, algo que parece estar

alinhado com o que vem sendo discutido em nível global e que ainda é pouco

explorado no país. Dada a competência reguladora do Estado sobre o controle da

poluição, esta iniciativa não teria que partir diretamente da União, podendo ser

instituída pelas entidades federadas.

Em relação à tributação do consumo, como já antecipado anteriormente, há

uma conivência e até incentivo à circulação de certas bebidas alcóolicas, como as

cervejas e chopes. Quanto ao cigarro, embora sujeito à alíquota de 25%, que é

superior à residual de ICMS, falta a implementação de um sistema misto de tributação

(alíquotas fixas e variáveis) ou simplesmente de alíquotas fixas, política que tem se

revelado mais bem sucedida na redução do consumo de tais bens (incluindo-se as

Page 132: EXTRAFISCALIDADE, COMPETÊNCIA REGULADORA E …

138

bebidas alcóolicas). No que se refere aos alimentos não saudáveis, apesar do tema

ser bastante controverso, inclusive entre os pesquisadores, inexiste uma política fiscal

coordenada no âmbito do Estado de Minas Gerais que procure tratar do assunto.

Quando muito, alguns alimentos são contemplados com benefícios fiscais ou

alíquotas reduzidas, sem que seja analisado a sua prejudicialidade ou não para a

saúde humana. A única exceção, talvez, seria na isenção de ICMS concedidas à

determinadas frutas frescas e a outros vegetais ou legumes, tais como abóbora,

abobrinha, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cará, couve-flor, espinafre e

entre outros. De nada adianta, todavia, isentar determinados produtos, considerados

saudáveis, enquanto outros menos saudáveis continuam com preços mais

competitivos e uma tributação marcantemente arrecadatória com alíquotas nominais.

Os refrigerantes, a título de exemplo, apenas estão sujeitos a uma alíquota mais

gravosa, se importados de países não-membros do GATT. Todos os demais produtos

dessa natureza estão sujeitos à alíquotas mais modestas de ICMS, consideradas

residuais. Por isso é que se fala que nesse campo há que se alinhar uma política

pública que busque evitar tais desequilíbrios.

Nos demais campos de atuação reguladora e administrativa do Estado, a

extrafiscalidade tem sido discreta e pouco explorada. Não foi possível identificar um

conjunto coordenado de medidas que tenham por objeto incentivar condutas em prol

do desenvolvimento da ciência, tecnologia, pesquisa e inovação; ou da proteção de

documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural; além da

expansão de políticas no campo da saúde e na preservação das florestas, fauna e

flora; áreas estas em que se vislumbra a relevância de uma tributação com fins

indutores.

Outra questão que se diz da maior importância, trata dos conhecidos incentivos

fiscais que vem sendo concedidos pelo Estado de Minas Gerais em desacordo com

normas e preceitos constitucionais, bem como decorrentes da sua regulamentação

via lei complementar. Esta infringência pode se dar tanto em violação direta à regra

que estabelece a necessidade de deliberação dos Estados e do Distrito Federal para

que tais benefícios fiscais sejam concedidos ou revogados, como por pretender influi

em campo que escapa ao de sua competência material. Neste último caso, também

se encontram medidas contrárias, que consistem no agravamento fiscal de

determinada conduta para que seja inibida.

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Na situação em que são concedidos benefícios fiscais em desacordo com

preceitos constitucionais, vale lembrar que não se trata de exclusividade verificada em

relação ao Estado de Minas Gerais, mas à praticamente todos os demais estados-

membros da federação. É o que se convencionou apelidar de ‘Guerra Fiscal’, que

consiste na extrafiscalidade em sua acepção perversa, ao pressupor a utilização do

instrumento tributário como ferramenta de atração de investimentos, porém em

prejuízo ao equilíbrio nacional211.

Por outro lado, também se verifica situação de infringência a normas

constitucionais nas hipóteses em que os Estados acabam transbordando a sua

atuação supletiva e residual para se imiscuir nas funções constitucionalmente

atribuídas à União. Em que pese existir nestas situações evidente intento extrafiscal,

as medidas não se justificam por não estarem alinhadas com objetivos constitucionais

legítimos.

De toda forma, a preocupação em torno do desvirtuamento da extrafiscalidade

não pode justificar, como pretendem alguns, que os Estados e o Distrito Federal sejam

tolhidos na sua incumbência de dar cumprimento às suas atribuições constitucionais,

inclusive através da utilização do tributo como instrumento de intervenção no Domínio

Econômico.

Afinal, o defeito não está no instituto em si, mas no mau uso que vem sendo

feito em relação a ele, o que exige o devido controle por parte dos órgãos

competentes.

211 Como exemplo dessa situação, cita-se a previsão contida no artigo 223 do Decreto Estadual n.

43.080/02, por meio do qual o Poder Executivo fica autorizado a adotar medidas “necessárias à proteção da economia do Estado”, sempre que outra unidade da Federação conceder benefício ou incentivo fiscal ou financeiro-fiscal em desacordo com o procedimento estabelecido na Constituição.

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