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FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO Por Priscila Guerra Prado À PROCURA DE UMA TEOPOÉTICA: HISTÓRIA DO DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E A TEOLOGIA Rio de Janeiro, 2012

FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO - rl.art.br fileem São José dos Campos e a Primeira Igreja Batista no Andaraí no Rio de Janeiro, a qual me acolheu amorosamente nesse momento

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FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO

Por Priscila Guerra Prado

À PROCURA DE UMA TEOPOÉTICA:

HISTÓRIA DO DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E A TEOLOGIA

Rio de Janeiro, 2012

FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO

Priscila Guerra Prado

À PROCURA DE UMA TEOPOÉTICA:

HISTÓRIA DO DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E A TEOLOGIA

Este trabalho é de natureza

historiográfica, nas áreas Sistemática

e História do Cristianismo, objetiva o

diálogo da Literatura e Teologia,

apontando o contexto histórico-social

e os principais pesquisadores desse

campo interdisciplinar e foi orientado

pelo Prof. Dr. Delambre de Oliveira.

Rio de Janeiro, 2012

FICHA CATOLOGRÁFICA

iii

Prado, Priscila Guerra

À Procura de uma Teopoética: História do diálogo entre a

Literatura e a Teologia/ Priscila Guerra Prado; Orientador:

Delambre Ramos de Oliveira - 2012.

1. Monografia (Graduação em Curso) – Faculdade Batista

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

Inclui Bibliografia.

1. Teologia – Monografia. 2. Teopoética. 3. Teologia e Literatura.

4. Alalite. 5. Interdisciplinaridade. 7.Teologia da Cultura. 8.

Teologia pública. I. Oliveira, Delambre Ramos. II. Faculdade

Batista do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO

Priscila Guerra Prado

À PROCURA DE UMA TEOPOÉTICA:

HISTÓRIA DO DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E A TEOLOGIA

_________________________________________

Autor: Priscila Guerra Prado

_________________________________________

Orientador de Conteúdo: Prof. Dr. Delambre de Oliveira

_________________________________________

Orientadora de Forma: Prof. Dra. Maria Celeste de Castro Machado

Aprovado em ____/____/____

Rio de Janeiro – 2012

iv

Dedicatória

Dedico esse trabalho às minhas “seis

velhas”, seis amigas que me acompanharam

nesses meus quatro anos de estudos

teológicos, as quais me ouviram

pacientemente a respeito dos meus sonhos,

e da “Teopoética”, além das noites mal

dormidas por devaneios poéticos. Agradeço

à Camila Petroni, à Milena Arca, Anna

Paula Chaveiro, Vanessa Rodrigues,

Débora Feliciano e em especial, a minha

irmã, amiga, Anne Silva Santana.

v

Agradecimentos

Agradeço a Deus, por dar sentido à minha existência, por ser o vento que me

impulsiona a voar e o Ser que me quebranta e me torna mais humana.

A toda a Minha Família, mãe, pai, irmãos, tios e primos, por todo o amor e

carinho já recebido, pela minha história construída em conjunto, por todo apoio aos

meus sonhos pueris mesmo quando não compreendidos.

As Igrejas que me acolheram nesse tempo de preparo, principalmente e com

especial carinho a minha igreja de “origem” a Primeira Igreja Batista no Jardim Ismênia

em São José dos Campos e a Primeira Igreja Batista no Andaraí no Rio de Janeiro, a

qual me acolheu amorosamente nesse momento tão especial de preparo e a que tem me

encorajado a adorar e a servir a Deus, de modo artístico, da forma que sou, e por inteiro.

Aos Meus Amigos de São José dos Campos, também aos meus colegas da

Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e principalmente aos

meus colegas de classe, pelo incentivo, por acreditarem em mim e me incentivarem.

Agradeço em especial ao Felinto Pessoa pela colaboração e orientação, também

agradeço a Anne Silva Santana e Bruna de Moura pela companhia, pelo carinho e

cuidado nos momentos alegres e difíceis.

Aos Meus Orientadores, Delambre de Oliveira (orientador institucional/oficial),

Maria Celeste de Castro Machado, Osvaldo Luis Ribeiro (professor de metodologia),

Alessandro Rocha (coorientador), e todos os professores e outros doutores que me

apoiaram ao longo desse caminho. Obrigada pelas indicações, pelas conversas, pelos

empréstimos e doações de livros. Obrigada por viverem intensamente sua profissão.

vi

Pô! Ema,

Revele-se novamente,

Fale a toda gente

Quem és tu

Que tens a chave

De recuperar

A arte da escrita

A beleza do pensamento

E a expressão da experiência com o Ser

Supremo

Pô! Ema,

tu tens uma linguagem que ninguém mais tem

Tu és única!

Tu sabes a linguagem da alma

Volte a conversar com o Sr. Theologia

A ti, imploro,

Não abandone o Seu. Theo

Ele ficou viúvo,

Por um bom tempo, andou sozinho

Mas volte,

Ou daí mais atenção a Seu. Theo

(Priscila Guerra Prado)

vii

Resumo

Esta pesquisa se propõe a descrição de uma leitura hermenêutica do diálogo entre a

Literatura e a Teologia com um viés historiográfico da consolidação do diálogo entre

essas disciplinas, à procura de seus desdobramentos ao longo da História. Apontando

alguns dos principais pesquisadores, teólogos e literatos que, no século XX, cooperaram

para a criação dessa cadeira acadêmica que visa a interdisciplinaridade (e/ou

transdisciplinaridade). Primeiramente esse trabalho se preocupa em elucidar a

importância da Reforma Protestante para a sociedade com o aumento do número de

leitores com a Invenção da Imprensa por Gutenberg, e a consequência da Reforma

somada a imprensa para as demais Ciências, e para a Literatura- em especial, com o

advento do Iluminismo- quando houve a separação da teologia com as demais Ciências.

O século XX é apontado como o momento do surgimento do diálogo entre a Literatura e

a Teologia. Portanto, os principais autores para o desenvolvimento desse campo

acadêmico serão apontados. Sobretudo escritores europeus e estadunidenses que

abriram caminhos para a consolidação do diálogo que se estendeu também à América

Latina. O presente trabalho tem por objetivo descobrir o caminho pelos quais os

pesquisadores percorreram até a consolidação do diálogo e a formação do conceito

“teopoética”.

Palavras-Chave:

Teologia e Literatura; Teopoética; Teologia e Literatura; Alalite; Interdisciplinaridade.

viii

SUMÁRIO

1.

2.

2.1

2.1.2

2.2

2.1.2

3.

3.1

3.2

3.3

4.

4.1

4.2

4.3

5.

5.1

5.1.1

5.1.1.1

5.1.1.2

5.1.2

5.1.2.1

5.2

5.3

6.

7.

INTRODUÇÃO...................................................................................................

PLANO CONTEXTUAL ANTES DA CONSOLIDAÇÃO DO DIÁLOGO.

O LEGADO DA REFORMA NA LITERATURA...............................................

O legado da Imprensa na Reforma........................................................................

O SECULARISMO DAS CIÊNCIAS NA ERA DA RAZÃO.............................

O desenvolvimento da neo-ortodoxia pós a Reforma Protestante........................

O SURGIMENTO DO DIÁLOGO TEOLÓGICO-LITERÁRIO NA

EUROPA..............................................................................................................

PAUL TILLICH E O CONCÍLIO VATICANO II .............................................

OS PRECURSORES DO DIÁLOGO EM SOLO FRANCÊS.............................

OS PRECURSORES DO DIÁLOGO TEOLÓGICO-LITERÁRIO NO

CENÁRIO ALEMÃO...........................................................................................

A BÍBLIA E A LITERATURA NO CENÁRIO AMERICANO....................

ROBERT ALTER.................................................................................................

HAROLD BLOOM...............................................................................................

JACK MILES........................................................................................................

TEOLOGIA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA..............................

DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO..........................

O Protestantismo no Processo de Libertação latino-americana............................

O contexto histórico-político e a influência de Richard Shaull.............................

Rubem Alves: de uma Teologia da Esperança Humana à Teopoética..................

O Catolicismo no Processo de Libertação latino-americana.................................

Gustavo Gutiérrez: Teologia da Libertação- Perspectivas....................................

FORMAÇÃO DA ALALITE................................................................................

GRUPOS DE TEOPOÉTICA NO BRASIL.........................................................

CONCLUSÃO.....................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................

10

13

13

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42

43

46

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51

54

55

ix

1. INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como base fazer uma análise historiográfica do diálogo da Literatura

e a Teologia historicamente, os seus conflitos e conciliações, e sistematizar o início do

movimento Teopoético1 no Brasil, suas mensagens e métodos. Quanto à área abordada,

a pesquisa encaixa-se na Teologia Sistemática, está relacionada ao diálogo da Teologia

com a Arte, mais especificamente, a área da História da Teologia.

Em forma de delimitação de tempo, escolheu-se o século XX2 a ser pesquisado.

Pois, “certos eventos teológicos fundamentais aconteceram nesses últimos sessenta

anos”,3 entre eles, encontra-se o início do diálogo Teoliterário. Porém, entende-se a

impossibilidade de uma louvável leitura do século XX sem o retorno ao século XIX, e,

sobretudo, ao século XVIII, onde os princípios da mente moderna “se formularam

plenamente como críticas à teologia”. 4

A pesquisa pretende elucidar do ponto de vista historiográfico – à luz dos

estudos de Antônio Carlos de Mello Magalhães e José Carlos Barcellos, entre outros, o

movimento histórico de consolidação do diálogo entre a Literatura e a Teologia, como

também o processo histórico dessa abertura da Teologia às demais ciências, em especial

– à Cultura, tanto no âmbito protestante, quanto no contexto católico. Apontando os

principais nomes que possibilitaram a formação desse movimento teológico-literário, na

tentativa de expô-los em ordem cronológica. Assim, os interessados nessas áreas

acadêmicas podem ter referências de algumas das principais obras, dentro do contexto

as quais foram escritas, possibilitando o surgimento de novas constatações a respeito

dos métodos e metodologias, e ainda, uma possível definição do conceito denominado

Teopoética.

1 Etimologicamente, o termo Teopoética origina-se da junção das palavras Teologia e Poética, para

designar a fusão dos respectivos campos. Um dos matizes de conceituação de Teopoética está na crença

de que a partir dessa fusão, a Poesia proporciona à Teologia um novo e peculiar modo de se escrever e

pensar a respeito do seu objeto. Fala-se a respeito de Deus artisticamente, de maneira poética. Como

também há métodos que fazem uma leitura teológica da Literatura, porém, esses trabalhos, mesmo com

olhares diferentes e perspectivas às vezes até opostas, também são denominados “teopoéticos”. Assim,

através da citação de alguns métodos que se intitulam por estudos de Teopoética, o termo Teopoética, no

fim dessa pesquisa, será mais bem explicitado. Antes, porém, cabe ressaltar que esse trabalho não explora

esses mais variados significados, mas restringe ao levantamento historiográfico dos autores e momentos

que culminaram na consolidação do diálogo entre a Literatura e Teologia. 2 Esse trabalho delimita-se a apresentar de forma objetiva meados do século XX até o século XXI

buscando um diálogo entre história da teologia e literatura, para tal, faz apontamentos dos principais

articuladores para a consolidação do diálogo. 3 TILLICH, P.. História do Pensamento Cristão. Trad. Jaci Maraschin. 4 ed. – São Paulo: ASTE, 2004. p.38.

4 Ibidem. p.37.

O interesse pelo diálogo entre a Literatura e a Teologia surgiu a partir do termo

Teopoética. Ao notar a indefinição do termo Teopoética, ou a multiplicidade de

significados que na práxis divergem entre si, torna-se proeminente uma análise do termo

histórico-filosófica. Histórico, pois, ao tentar definir, é necessário discorrer sobre o

diálogo destas duas disciplinas (Teologia e Literatura), e, filosófico, pois buscaria uma

definição em comum dentro destas diferentes linhas de estudos deste novo movimento.

Entretanto, no desenvolvimento da pesquisa, percebeu-se a impossibilidade de

conceituação do termo Teopoética, sem antes trazer uma análise historiográfica da

consolidação do diálogo entre a Teologia e Literatura como linha de pesquisa. A

limitação centra-se na pouca ou quase inexistência de fontes bibliográficas e textos

acadêmicos que abordem a conceituação do termo, as suas definições.

Entende-se por necessária a elucidação sintética do que se compreende por Teologia

e por Literatura. No entanto, o objetivo desse trabalho não é conceituar essas áreas, pois

escaparia do objetivo e da alçada de um trabalho para a graduação, pois há muitas

divergências entre os estudiosos a respeito desse tema quanto a métodos e definição.

Portanto, esse trabalho foca, primeiramente, na História do diálogo entre a Teologia e a

Literatura no contexto internacional. Tem como ponto de partida a contextualização

antes da consolidação do diálogo com o advento da Reforma Protestante, e o legado da

Reforma na Literatura através da invenção da imprensa por Gutemberg. Nos capítulos

seguintes, há uma descrição de alguns pesquisadores da Europa, dos Estados Unidos, da

América Latina, chegando, por fim, aos pesquisadores dessas áreas no Brasil.

Portanto, essa pesquisa não possui um método próprio da Teopoética para essa

descrição histórica do contexto cultural (e sociopolítico) desde a Reforma Protestante

até o contexto latino-americano, com a Teologia da Libertação. Mas faz uma abordagem

historiográfica através de um levantamento dos principais livros e obras citadas por

pesquisadores de alguns grupos que promovem o diálogo da Literatura com a Teologia

em solos brasileiros e na América Latina. Em especial, o José Carlos Barcellos, em

Literatura e Espiritualidade: uma leitura de Jeunes Années, de Julien Green.5 E

Antônio Carlos Magalhães em Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em

diálogo. 6

5 BARCELLOS, José Carlos. Literatura e Espiritualidade: uma leitura de Jeunes Années, de Julien

Green. Bauru: EDUSC, 2001. 6 MAGALHÃES, Antônio. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. São Paulo:

Paulinas, 2009.

No primeiro capítulo, há uma descrição do legado da Reforma Protestante na

Literatura, sobretudo, apontando o legado da Imprensa na Reforma. Depois, nesse

mesmo capítulo, há uma breve apresentação do plano contextual antes da consolidação

do diálogo quando a Teologia se separou das demais áreas do saber - as ciências

tornaram-se seculares e para combater esse crescimento do secularismo, houve o

desenvolvimento da neo-ortodoxia.

No segundo capítulo, há apontamentos quanto ao surgimento do diálogo entre a

Literatura e a Teologia na Europa, apontando primeiramente os precursores do diálogo

na França, como a tríade mais importante, segundo Barcellos: Romano Guardini, Henri

Bremond e Pie Duployé. E com Kuschel, que sugeriu o conceito de Teopoética, na

Alemanha, e o método analógico-estrutural.

No capítulo seguinte são apontados três autores como Robert Alter, Harold Bloom e

Jack Milles, todos dos Estados Unidos da América. Esses analisam a Bíblia, de forma

literária, ou através de uma análise crítica-literária a respeito das personagens da Bíblia,

inclusive, Deus como personagem.

E no último capítulo propõe o desenvolvimento da Teologia da Libertação, tanto no

protestantismo com Richard Shaull, quanto no catolicismo com Gustavo Gutiérrez, por

exemplo. Pois, acredita-se que por meio dessa abertura da Teologia à cultura, ao

sofrimento dos pobres, e às artes, houve o surgimento de grupos interessados nesse

campo de estudos propiciando a fundação da ALALITE (Associação Latino-americana

de Literatura e Teologia) que também possui membros no Brasil.

2. PLANO CONTEXTUAL ANTES DA CONSOLIDAÇÃO DO DIÁLOGO

Este primeiro capítulo pretende elucidar o contexto histórico em que se encontravam

a Teologia e a Literatura e as outras demais ciências desde a Reforma Protestante até

meados do século XX. Dá-se esse início, pois, para a História do Cristianismo e também

da Literatura Ocidental a invenção da imprensa na Reforma Protestante foi um

momento em que profundas mudanças ocorreram no cenário filosófico e religioso. que

contribuiu para a ascensão da era da razão. Passando empiricamente pelos períodos que

apresentam relações diretas ao diálogo, esse capítulo também abordará o advento do

Iluminismo e sua importância para o ceticismo e a separação da espiritualidade com as

demais Ciências.

2.1 O LEGADO DA REFORMA NA LITERATURA

A Reforma Protestante foi um marco na História para a transição do pensamento

teocêntrico para o humanismo. Antes centrado na tradição com o Estado e a Religião

andando de mãos dadas à centralidade do homem fincada em seus pensamentos, nos

seus conhecimentos (antropocentrismo). Pode-se observar que essa valorização do ser

humano culminou nos séculos posteriores ao extremo da racionalidade.

Entretanto, a sociedade já apresentava desde o século anterior à Reforma Protestante

– no século XV – profundas mudanças de pensamentos, de práticas, nas mais diversas

áreas. Apresenta-se, nesta era, a decadência do Sistema Feudal, e a consolidação de uma

nova postura devido à descoberta de um novo mundo, de um novo homem, onde Estado

e Igreja se separariam, e consecutivamente, o Sagrado versus o Profano, ou seja, “o

secular e o religioso; literatura sacra e literatura profana” 7.

2.1.1 O legado da Imprensa na Reforma

A invenção da Imprensa por Gutenberg em 1440 foi a precursora para as mudanças

literárias que ocorreram no pensamento medieval. Com o crescimento de um público

7 CONCEIÇÃO, D. R. da. Fuga da Promessa e nostalgia do divino: a antropologia de Dom Casmurro de

Machado de Assis como tema no diálogo teologia e literatura. Rio de Janeiro: Horizonal, 2004. p.26.

leitor, e da busca pelos conhecimentos da cultura greco-latina, cresceu a vontade e

necessidade de ter conhecimento, de saber ler e escrever.

A tradução da Bíblia do latim para a língua alemã por Lutero, mais especificamente

a tradução do Novo Testamento, foi impressa em Wittenberg em setembro de 15228.

Segundo Lindberg, Lutero não foi o primeiro a traduzir a Bíblia ao alemão, entretanto,

as outras traduções eram da Vulgata, não dos originais- grego e hebraico - e ainda

aponta sua importância, pois:

Em termos filológicos e estilísticos, sua tradução é superior a traduções

anteriores, e mesmo a muitas feitas desde então. Alguns dos luminares

literários da Alemanha, como Herder, Goethe e Nietzsche, deram à Bíblia de

Lutero o mais alto louvor. Sua tradução influenciou as traduções inglesas e

Coverdale, bem como traduções feitas na Escandinávia e nos Países Baixos. 9

Além da porta que se abriu para outras traduções a partir de Lutero, os reflexos

da Reforma Protestante são evidenciados também na Literatura “secular”, pois houve

maior procura por livros, por conhecimento e a Reforma possibilitou o pensamento, o

questionamento que antes não era permitido, e agora se abre a possibilidade de ler e

escrever sem a ótica dogmática da Igreja.

O século XVI caracteriza-se pela erupção das gramáticas, a lexografia e

grande tradução de textos da Antiguidade. A interpretação de caráter

filológico do texto bíblico inaugura uma revolução na leitura da Bíblia, agora

gradativamente desvinculada das instituições eclesiásticas. Em sua maioria,

os exegetas do Renascimento eram profundos conhecedores das línguas

antigas, e os textos bíblicos passam a ser analisados através de todo o aparato

científico e filológico. A exemplo do comentário crítico de Erasmo, ganha

corpo a comparação do texto latino com o texto grego – Lutero aprendera

com Erasmo que „metanoia‟, que a Vulgata traduzia por „poenitentiam agere‟

(“faz penitência”), significava uma “reviravolta” de todo o ser cristão, e não

significava confessar-se – e o corpus bíblico começa a ser problematizado,

perguntando-se, assim, pela origem e autenticidade dos textos. A

reconstituição histórica de um texto se torna regra de interpretação,

demonstrando interesse em reconstruir o sentido literal e histórico, expressão

de uma nova consciência histórica e filológica dos críticos do

Renascimento.10

8 LINDBERG, C. As Reformas na Europa. Trad. de Luís Henrique Dreher e Luís Marcos Sander. São

Leopoldo: Sinodal, 2001. p.114. 9 Ibidem, p.115.

10 CABRAL, J. S. Bíblia e Teologia Política: escrituras, tradição e emancipação. Rio de Janeiro: Mauad

X: Instituto Mysterium, 2009. p.99.

A mudança de paradigma que se dá na ascensão do Renascimento 11

após a

Reforma Protestante que possibilitou não só a desvinculação da leitura bíblica das

instituições eclesiásticas, quanto ao movimento de retorno aos originais da leitura

literária, aos clássicos, nos séculos XV e XVI chamado (pelos teóricos da Literatura) de

Classicismo. A Escola Clássica parte das Literaturas gregas e latinas que se fundiu pela

Europa com suas raízes Humanistas 12

. Esse antropocentrismo adotado pelos artistas

clássicos os levou a uma imitação dos antigos, em busca da essência de forma idealista,

recriando a realidade de uma verdade moral e estética para a razão13

.

A arte sempre foi motivo de cuidado e atenção para a Igreja, esta que a

controlava e a subordinava segundo os seus interesses. Antes mesmo do advento do

Iluminismo 14

, havia uma tensa relação entre Cristianismo e Arte, pois a Igreja não

compreendia muitas vezes a ironia com que os artistas e os escritores escamoteavam

para expressarem-se livremente sem o controle do estilo e conteúdo pela Igreja. 15

Observa-se que já em Portugal e no Brasil - como colônia, a Reforma não teve

tanta influência em seu início, assim, desenvolveu-se o Barroco em Portugal e o

Quinhentismo16

(Clássico Renascentista). Como Portugal estava sendo dominado pelos

espanhóis 17

ficou isolado de toda a Europa, “pois não acompanhou as descobertas

11

“Enquanto na Idade Média a vida se revestia de um aspecto geral teocêntrico, na Renascença operou-se

um antropocentrismo, já que o homem ocuparia o ponto central e fundamental”. TAVARES, H. Teoria

Literária. Belo Horizonte, MG: Itatiaia, 2002. p.52. 12

Humanismo: “Movimento cultural que se deu na Itália, no século XIV e que se irradiou pelos países

europeus, dominando amplamente a partir dos séculos XV e XVI. O Humanismo, em seu sentido lato,

pretende conduzir o homem ao seu fim próprio, levando-o à perfeição limitada na perfectibilidade

humana”. Idem. 13

Ibidem, p. 54. 14

Iluminismo: Segundo Carlos Reis, resumidamente, o iluminismo é otimista, crê na razão como caminho

para construir uma sociedade igualitária, justa, moral e livre. Os iluministas enxergam a história como

reflexão de si própria e assim, ao uso máximo da Razão é capaz de se libertar do presente por meio de

uma revolução. REIS, J. C. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio

de Janeiro: FGV, 2005. p.67-70. 15

MAGALHÃES, A. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. São Paulo:

Paulinas, 2009. p.28. 16

O Quinhentismo é uma das três tendências clássicas delimitadas pelo classicismo moderno, cada uma

referindo a um século. O Quinhentismo, então, foi um movimento do século XVI influenciado pelo

apogeu político de Portugal, quando os escritores orgulhavam-se do léxico latino, agora influenciado

pelos espanhóis. Esse apreço pelo idioma luso definiu-se em Camões e nortearam outros escritores da

época. Como características do Clássico Renascentista: Quinhentismo, temos: “servir-se da mitologia”;

“representação do Belo ideal e impessoal”; “Obediência fixada a cada gênero”. TAVARES, Op. Cit.,

p.56. 17

“Por 60 anos Portugal experimentou um descompasso com o que ocorria no resto da Europa, pois não

acompanhou as descobertas científicas ocorridas entre os séculos XVII e XVIII. O país permaneceu

mergulhado no obscurantismo medieval e, por extensão, também o Brasil, que, como colônia portuguesa

se pautava pelo modelo da metrópole”. CAMPEDELLI, S. Y. Português: Literatura, Produção de Textos

e Gramática- volume único/ Samira Yousseff, Jésus Barbosa Souza. São Paulo: Saraiva, 2002. p.80.

científicas ocorridas entre os séculos XVII e XVIII”18

. E foi o catolicismo que

permaneceu predominantemente em Portugal e consecutivamente no Brasil por meio

dos jesuítas.

Porém, no quesito literário e teológico, Gregório de Matos Guerra foi um grande

autor que se destacou na literatura barroca19

. Ele escrevia poesias de três tipos: poesia

amorosa, satírica e religiosa. Esta, por sua vez, fundamenta-se nas pregações da

Contrarreforma, que foi um movimento da Igreja Católica que por meio do Concílio de

Trento (1545 a 1563) tentou preservar o teocentrismo medieval, proibindo o acesso a

alguns livros (Índex),20

organizando o Tribunal do Santo Ofício para reprimir o

crescimento dos novos adeptos ao protestantismo.

O objetivo sempre foi expandir o catolicismo com os jesuítas por todo o mundo

(Ásia, África e América). Mas a Reforma critica a venda de indulgências como meio de

se obter a salvação pelas obras. Então, em 1546 o Concílio de Trento viu-se desafiado a

passar por profundas mudanças. Este foi o Concílio que encarou a arte como lascívia.

Pois devido a “moralização da beleza”21

houve um avanço da dessacralização da arte

dada a ênfase calvinista na decoração da igreja baseada nos princípios de piedade,

moderação, virtudes de vidas reformadas e não nas coisas caras, nos materiais. Esse

Concílio chegou a cobrir a nudez com tinta o quadro “O Julgamento do Mundo”22

de

Michelangelo.

Entretanto, paradoxalmente, a Igreja Católica permaneceu com as imagens para

lembrar-se da Palavra de Deus23

, mesmo com toda a crítica a arte. Assim, a Literatura

foi considerada mundana e a Teologia abstinha-se às Escrituras como única fonte de

Revelação, isso é, o embate "O Sagrado versus O profano". 24

18

Segundo Campedelli ao descrever sinteticamente a situação histórica do Segundo Período Clássico- o

barroco, entre os séculos XVII a XVIII. Idem. 19

O Barroco foi introduzido pelos jesuítas espanhóis e portugueses, concentrando principalmente na zona

açucareira da Bahia e Pernambuco através de obras em igrejas, e foi a primeira manifestação literária e

artística brasileira, pois só no final do século XVI que a sociedade começou a se estruturar, mas

prosseguiu até o século XIX com o cume de Aleijadinho. REIS, J. C. História & teoria: historicismo,

modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. 65. 20

BERNARD, F.. As Bases da Literatura Brasileira: história, autores, textos e testes. Porto Alegre: AGE,

1999. p.64. 21

LINDBERG, C. Op. Cit. p.443. 22

Idem. 23

Idem. 24

CONCEIÇÂO, D. R. da. Op. Cit., p.26.

Essa dicotomia perdurou no contexto teológico-religioso por muito tempo desde a

Baixa Escolástica (séculos VIII a XX)25

, até a primeira metade do século XX. Essa

ruptura (teologia com a experiência de fé) ocorre devido a intelectualização da Teologia

cada vez mais acentuada26

pelo Iluminismo. Como disse Barcellos:

Ainda que a palavra e, de alguma forma, o próprio conceito de espiritualidade

tenham uma longa história no cristianismo, a preocupação com a

espiritualidade, enquanto problema teológico e disciplina acadêmica, é bem

mais recente. Nesse sentido, a origem remota dessa questão há de ser buscada

entre os séculos XIII e XV, quando tem início um processo de afastamento

entre a teologia especulativa e a teologia vivencial.

De fato, a excessiva intelectualização da teologia, sobretudo no contexto do

nominalismo, provoca o divórcio entre a ciência teológica e a experiência de

fé. [...] Em consequência, durante os sécs. XVI, XVII, XVIII e XIX, ao lado

da teologia escolástica, proliferaram as obras de teologia mística, ascese,

piedade, vida interior, vida espiritual, vida devota, etc., obras estas em que se

acentuam cada vez mais os aspectos subjetivos e psicológicos da vida

espiritual. 27

2.2 O SECULARISMO DAS CIÊNCIAS NA ERA DA RAZÃO

Tendo o mundo ocidental se desvinculado do poderio Estatal e Religioso da

Igreja, iniciou-se gradativamente o processo de secularização. A livre exame das

Escrituras e o conceito de autonomia (enfatizada no Iluminismo) adquirida após o

combate aos dogmas da Tradição Católica Romana influenciaram a secularização.

O processo de ruptura experimentado, no século XVI, com o Renascimento e

as Reformas protestantes “expressou muito dos seus ideais da nova cultura

que emergia do Ocidente”, e abriu as portas do mundo sagrado da Bíblia para

a cultura científica, desencadeando o nascimento das ciências bíblicas que

colocou os escritos sagrados da tradição judaico-cristã à mercê da crítica

histórica. O postulado reformador da „sola scriptura‟ inaugurou um processo

de secularização na leitura da Bíblia, fazendo com que essa leitura “não

parasse com os pais da Reforma, mas que tivesse continuidade e

desembocasse numa interpretação realmente histórica da Bíblia. O

desenvolvimento da cultura científica traria um definitivo rompimento “com

a tutela da tradição ortodoxa”, colocando abaixo toda a interpretação que se

firmava nos dogmas e na tradição eclesiástica, fazendo emergir uma

consciência histórica que inquiriria o passado a partir de uma razão

25

Escolástica: A teologia escolástica praticamente passou por oito séculos- toda a Idade Média, e ainda

no inicio da Idade Moderna. Inicialmente recebeu influencias neoplatônicas de Agostinho, noutro

momento se move em direção à filosofia de Aristóteles. LIBANIO, J.B. Introdução à Teologia: perfil,

enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 2007, p.127. 26

BARCELLOS, J. C. Literatura e Espiritualidade: uma leitura de Jeunes Années, de Julien Green.

Bauru: EDUSC, 2001. p.26-28. 27

Idem.

emancipada, que postulava a necessidade crítica de avaliação do passado e da

tradição apresentada no texto bíblico. 28

De forma bem sintética: o protestantismo europeu corroborou para o advento do

Iluminismo no século XVIII a partir do momento que a autoridade não é mais a Igreja

(o papa), mas a Bíblia 29

(onde cada indivíduo interpreta a partir da sua própria razão).

Eis então, o “princípio da subjetividade”.

Antes, porém, da ascensão do Iluminismo europeu, há de ser elucidado o

desenvolvimento da Teologia Protestante, já que fora por intermédio da Reforma que

nasceu a Teologia Ortodoxa, essa que “foi, e ainda é, a base sólida de onde emanaram

todos os desenvolvimentos posteriores, tenham sido eles – como foram em geral –

dirigidos contra a Ortodoxia, ou meras tentativas de restaurá-la”. 30

2.2.1 O desenvolvimento da neo-ortodoxia pós a Reforma Protestante

Entende-se por “ortodoxia”31

, a corrente que surgiu logo após a Reforma, pois

houve a necessidade de sistematização das ideias e de uma confirmação de postura em

relação a Contrarreforma. Sua importância se dá devido a influência da Ortodoxia em

diversos movimentos, devido a essa tentativa de refutá-la ou defendê-la, como dissera

Paul Tillich.

Podendo-se citar a Teologia Liberal, entre esses movimentos, que por se rebelar

a Teologia Ortodoxa, ainda se encontra dependente a ela desde o seu surgimento, como

também o pietismo que “dependeu da ortodoxia, querendo transformá-la em

subjetivismo”. 32

Além desses movimentos, segundo Tillich, não é possível a

compreensão e até mesmo o desenvolvimento da própria Teologia sem considerar a

ortodoxia clássica.

28

CABRAL, J. S. Op. Cit. p. 94. 29

Ibidem. p.47 30

TILLICH, P. Op. Cit. p. 272- 288. 31

Ortodoxia: significa opinião correta no grego, mas na ortodoxia oriental conota tradição clássica.

Segundo Tillich, a palavra ortodoxia pode assumir dois sentidos, tem-se a ortodoxia oriental e a ortodoxia

protestante. Aquela refere-se as igrejas ortodoxas orientais com sua tradição expressa em concílios,

credos, reconhecimento nos pais da igreja, e no desenvolvimento litúrgico. Já a ortodoxia protestante

costumeiramente é confundida por fundamentalismo, mas a ortodoxia clássica se deu mais precisamente

no século XVII no período entre a Reforma e o Iluminismo. Época de preocupação rigorosa com a

sistematização das doutrinas. TILLICH, P. Op. Cit., p.43 e 44. 32

TILLICH, Op. Cit., p.43

A fim de sistematizar, então, os novos pensamentos teológicos, e para facilitar a

transmissão desses às pessoas, logo após a Reforma, 33

se formou a Ortodoxia Oriental e

a Ortodoxia Protestante. Aquela existiu entre os gregos e os russos, já a Ortodoxia

Protestante, na Alemanha. Essa, por sua vez, baseava sua Teologia na Teologia Natural

(conhecida também por Teologia Racional). “Assim, a crítica racional da teologia

revelada veio de dentro da própria ortodoxia”.

A ortodoxia mais antiga, sustentando confissões e credos históricos, teve um

reavivamento importante, rejeitando tanto o racionalismo do Aufklärung

quanto algumas das especulações filosóficas e teológicas mais novas e

métodos de estudo da Bíblia. O pietismo persistiu e se espalhou, reforçado e

comparado a movimentos de certa forma semelhantes nas Ilhas Britânicas e

nos Estados Unidos. 34

O surgimento do racionalismo se deu devido à simplificação do ensino

doutrinário, pois para ensinar a todos - tanto os futuros mestres de Teologia, quanto aos

menos estudados, o cristão comum - foi preciso um ensino simples, pois “somos

forçados a ensinar o que pode ser entendido pela razão, em cursos de educação

religiosa”. 35

Eis então, a relação do surgimento do racionalismo com o protestantismo,

já que para os reformadores, cada indivíduo deve se achegar a Deus e ser autônomo de

si, todos, pois precisavam ter o mesmo conhecimento básico das doutrinas fundamentais

da fé cristã.

Os artistas dessa época, desde a Reforma Protestante, eram irônicos quanto à

Religião. Antes mesmo do Iluminismo, observa-se o “o processo de emancipação da

cultura burguesa dos resquícios do autoritarismo eclesiástico.”36

Agora a suspeita da

arte pela religião podia ser mais exposta e a arte encontra-se cada vez mais livre para

expressar-se.

Na moral Iluminista, a tolerância era o tema principal, por consequência das

guerras religiosas na Europa do século XVII. Esse espírito de tolerância possivelmente

surgiu com a Reforma, pois “os movimentos sectários e espiritualistas da Reforma

também inspiraram esse sentimento de tolerância.”37

33

Idem. 34

LATOURETTE, K. S. Uma História do Cristianismo. São Paulo: Hagnos, p. 1511. 35

Ibidem. p.50. 36

MAGALHÃES, A.. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. São Paulo:

Paulinas, 2009. p.28, 29. 37

TILLICH, P. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 2004, p.77.

Porém, mesmo tendo surgido na Reforma Protestante, foi justamente esse

sentimento que corroborou para o secularismo, já que após tantas mortes, sangues

derramados em nome de Deus, o Estado se secularizou, não ficou nem do lado dos

protestantes nem dos católicos: “Numa Europa quase destruída, o Estado secular trouxe

salvação do fanatismo religioso e foi apoiado no princípio de tolerância pela ideia

religiosa mística do relacionamento imediato dos indivíduos com Deus.”38

Esse misticismo surgiu em resposta à ortodoxia protestante39

, no século XVII

com Spener e Francke (Alemanha), quando surgiu o movimento pietista anti-ortodoxo,

também com os irmãos Wesley na Inglaterra com reflexos em alguns grupos sectários

nos Estados Unidos. É importante compreender esses movimentos para chegar ao

surgimento do racionalismo. Pois a subjetividade do misticismo, baseada na experiência

individual com o sagrado, é um elemento moderno e, portanto, está mais próximo ao

racionalismo.

Segundo Tillich, “tanto na cultura grega como na cultura moderna o

racionalismo nasce do misticismo” 40

, pois ambos lidam com a subjetividade para se

chegar à verdade, seja ela uma verdade sagrada para a salvação ou não, mas ambas

estão no interior. Por sua vez, a razão vem de uma experiência mística da “luz interior”

ou da “verdade interior”.

Houve, no entanto, uma “marginalização da mística” 41

assim que se constatou a

morte de Deus no século XX. Nietzsche não foi quem matou Deus, ele apenas constatou

a sua morte 42

, ou seja, a mensagem cristã nascida “do coito entre a religião cristã e a

cultura helênica, sobretudo platônica” 43

não cabia mais ao pensamento moderno.

Assim, a “separação entre teologia e espiritualidade, entre pensamento e experiência”

foi acentuada nesse momento e Nietzsche foi o proclamador dessas boas novas.

Como já foi dito, as artes já eram resistentes às religiões, tinham um olhar

desconfiado, agora, a religião cristã perdeu espaço não só no campo artístico, mas

também perdeu seu domínio na sociedade como fonte de poder, como a única detentora

da verdade e da salvação. Pois, esse discurso cristão dualista advindo da concepção

38

Ibidem, p.78. 39

Ibidem. p.49. 40

Ibidem, p.52. 41

ROCHA, A. Deus entre gestos, cenas e palavras. São Paulo: Reflexão: 2009. p.16. 42

Alessandro Rocha em seu livro “teoliterário” nos apresenta a contribuição da filosofia pós-moderna ao

diálogo entre teologia e artes. Nessa nova perspectiva, a morte de Deus constatada por Nietzsche não é

demonizada, ou negativizada, “mas uma benção para a teologia e para a espiritualidade, à medida que

liberta seu discurso das amarras da metafísica platônica”. ROCHA, Op. Cit, p.18. 43

Ibidem. p.30.

platônica “entre mundo do ser e mundo do devir”44

, desde seu início já estava

fracassado à morte, a partir do momento que se encontrou com o helenismo (civilização

por excelência).

Essa subjetividade, na qual segundo Tillich, tenha levado ao racionalismo, foi

fundamentada a partir da compreensão de que há verdades e essas são obtidas na

História, por meio da constatação dos fatos. Isso não só ocorre na História45

como

também define o conceito de ciência que perdurou do século XVIII ao XIX, isso é,

dados que podem ser comprovados racionalmente por meio das ciências naturais 46

.

Quanto à Literatura, segundo Antônio Magalhães, no século XX adquire autonomia

da Igreja, assim como outras áreas do saber, entretanto, mesmo com "um

distanciamento mais aberto e radical em relação à religião", 47

este fenômeno de

separação não é culpa somente do século XX, mas uma característica da própria arte, a

de ver a religião sob suspeita.

44

PALÁCIO, C. “Novos paradigmas ou fim de uma era teológica? Apud. ROCHA, Alessandro. Deus

entre gestos, cenas e palavras. São Paulo: Reflexão: 2009.p.29. 45

REIS, J. C. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro:

FGV, 2005. 46

RICOEUR, P. História e Verdade. Rio de Janeiro: Forense, 1968. 47

“Deve-se evitar, porém, a ideia de que essa autonomia na literatura é algo que resulta somente do

espírito crítico da modernidade. A arte sempre viu a religião sob suspeita. Os estudos recentes sobre as

chamadas artes plásticas e literárias de séculos passados mostram que muitas produções consideradas

meras veiculações de mensagens religiosas das instituições estabelecidas eram, na verdade, críticas

refinadas ao mundo religioso da época. A ironia do artista foi confundida com a servidão do ideólogo”.

MAGALHÃES, A. Op. Cit., p.28.

3. O SURGIMENTO DO DIÁLOGO TEOLÓGICO-LITERÁRIO NA

EUROPA

A Europa é um importante palco para grandes acontecimentos intelectuais; já foi

abordado o legado da Reforma na Literatura com a tradução da Bíblia por Lutero, como

também o advento do Iluminismo, a era da razão, onde a Igreja separou-se do Estado, e

houve a secularização48

da sociedade, consequentemente, da Literatura. Por sua vez,

para um campo de estudos que comumente tem sido chamado de Teopoética ou

Teologia e Literatura, há um início peculiar com alguns autores específicos, que

contribuíram com novas metodologias e acrescentaram novos olhares para o que já era

feito, mas com nova abordagem, para estabelecer um elo dialógico, às vezes até a fusão

desses campos. Ao discorrer sobre o diálogo entre a Literatura e a Teologia na Europa

dois países se destacam a França e a Alemanha. Assim, após uma apresentação dos

teólogos que influenciaram o surgimento de pesquisas nessa área, como Paul Tillich e

Kuschel.

3.1 PAUL TILLICH E O CONCÍLIO VATICANO II

Sobretudo, houve um início, sendo um equívoco o reducionismo de afirmar que

Paul Tillich é o precursor da relação entre a Teologia e a Literatura. No entanto, ao

tratar da teologia da cultura, Tillich apresenta não só aos teólogos, como também aos

demais estudiosos tidos outrora como seculares, o método correlativo. Isso é, “o

estabelecimento de referências entre a revelação e a realidade humana” 49

. Pois para

Tillich, para responder algumas questões humanas de modo significativo, dando sentido

pleno, seria preciso correlacionar elementos da revelação com essas perguntas,

sobretudo, baseadas “ao todo da experiência humana” 50

.

Kuschel, teólogo católico, apontou Tillich mesmo sendo um teólogo protestante,

como também a teologia católica do Concílio Vaticano II, para a consolidação desse

diálogo correlativo, pois em ambas as partes “A teologia não é concebida então como

48

“Já é lugar-comum afirmar que religião e literatura encontram-se em uma relação hostil, ao menos

desde o fim da identidade entre cultura burguesa e cristandade. Embora o processo de dissolução remonte

à “autonomia” da obra da arte literária, associada a um avanço drástico da secularização, somente no

século XX os efeitos duradouros desse processo poderão ser definitivamente notados, a despeito de

quaisquer tentativas bem-intencionadas de restauração”. KUSCHEL, K. J. Os Escritores e as Escrituras:

Retratos teológico-literários. São Paulo: Loyola, 1999. 49

KUSCHEL, K. J. Op. Cit, p.219. 50

Idem.

teologia da revelação, mas como uma teologia experiencial dialógica, que ilumina o

mistério da realidade humana, no horizonte da revelação cristã” 51

.

Mais precisamente no Concílio Vaticano II, a teologia católica se abriu às

perguntas, aos questionamentos, da humanidade, compreendendo a literatura e a arte

como fonte de informações a cerca da essência do ser humano, assim, a teologia tendo

essas perguntas buscará avaliar-se, e se necessário for, modificar-se teologicamente para

respondê-las 52

.

A respeito da missão e vocação dos leigos na Igreja e no Mundo, João Paulo II

afirmou em sua exortação Apostólica Pós-Sinodal que na verdade, cada um é chamado

pelo seu nome, na unicidade e irrepetibilidade da sua história pessoal, a dar a própria

contribuição para o advento do Reino de Deus.

A história de cada indivíduo, de cada pessoa, é priorizada aqui como o caminho

para alcançar a missão. Essa mudança é chamada de “virada antropológica” 53

da

teologia, partindo da visão cosmocêntrica para a antropológica. O ser humano, então,

não é tido como um coagulante da história, mas o ponto inicial onde a história e a

teologia devem ser criadas.

Logo, tanto a teologia protestante com Paul Tillich, como a teologia católica –

concebida a partir do Concílio Vaticano II – aponta o método correlativo para

estabelecer esse vínculo dialógico entre a literatura e a teologia. Há, no entanto, outros

métodos, como o confrontativo e o método da analogia estrutural também defendido por

Karl-Josef Kuschel, no seu último capítulo A caminho de uma teopoética.54

Através do Concílio Vaticano II (Galdium et Spes) abriu-se novas perspectivas de

se fazer uma nova leitura bíblica em uma dessas leituras, abriu-se de uma leitura de um

evangelho social que foi denominada de Teologia da Libertação “em terras latino-

americanas e fez com que, na Europa e em outros lugares, renovando-se, a teologia

conseguisse estabelecer um diálogo mais efetivo com a sociedade e com o ser humano

contemporâneo.”55

Pois, como já foi dito, a teologia tinha se fechado ao recusar o

ambiente da modernidade.

51

Idem. 52

Ibidem. p.220. 53

MANZATTO, A. C. A reflexão teológica a partir da literatura. Pequeno percurso autobiográfico. Rocha,

Alessandro Rodrigues (org.). In Teologias e Literaturas- considerações metodológicas. Alessandro

Rocha, Eliana Yunes, Gilda Carvalho. São Paulo: Fonte Editorial/Alalite, 2011. p.144. 54

KUSCHEL, K. J. Op. Cit., p.219-230. 55

MANZATTO, A.C. Op. Cit., p.144.

Cabe ressaltar que o Concílio é fruto de todo esse movimento histórico já apontado

nas páginas anteriores desse presente trabalho, passando pelo “movimento ecumênico, o

movimento litúrgico, a evolução das ciências, da exegese e, claro, da teologia” 56

. Esse é

um marco na história da teologia católica, entretanto, a autoridade papal e clerical da

Igreja permanece quando a revelação de Deus se dá na história da salvação e suas obras

“manifestam e corroboram a doutrina” 57

. Nas próprias palavras do Paulo bispo servo

dos servos de Deus em união com os padres do sagrado Concílio para perpétua

memória:

Este sagrado Concílio professa que “Deus, princípio e fim de todas as coisas,

se pode conhecer com certeza pela luz natural da razão a partir das criaturas”

(Rm 1,20); mas ensina também que deve atribuir-se à sua revelação que

“aquilo que nas coisas divinas não é inacessível à razão humana, mesmo na

presente condição do gênero humano pode ser conhecido por todos com

facilidade, firme certeza e sem mistura de erro. 58

Quanto à transmissão da revelação divina, esse conhecimento de Deus “à luz

natural da razão” é confessadamente responsabilidade dada pelos apóstolos aos bispos a

posição do magistério, não só é dada a incumbência de transmitir aos fiéis a vontade de

Deus como também “o múnus de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita

ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da Igreja” 59

.

Os livros do Primeiro Testamento, tradicionalmente chamado de Antigo, “apesar

de conterem também imperfeições e coisas relativas a um determinado tempo, revelam,

contudo, uma verdadeira pedagogia divina” 60

. A Igreja Católica estabelece, portanto,

regras aos exegetas para trabalharem com o texto, cuja finalidade é facilitar o juízo da

Igreja aos textos analisados.

Essa regra, segundo a Constituição Dogmática sobre a revelação divina (Dei

Verbum), é ler a Escritura e interpretá-la “com o mesmo Espírito com que foi escrita não

menos atenção se deve dar na investigação do reto sentido dos textos sagrados, ao

conteúdo e à unidade de toda a Escritura” 61

.

Pois, a Bíblia mesmo tendo como nomenclatura na língua grega o significado de

vários livros, salvo raríssimas exceções, sempre foi tida pelas pessoas (judias ou cristãs)

56

Idem. 57

DEI VERBUM: Constituição dogmática sobre a revelação divina. Tradução portuguesa do secretariado

nacional do apostolado da oração em Portugal. São Paulo: Paulinas, 2003. 8 ed. p.7. 58

Ibidem. p.10, 59

Ibidem, p.14. 60

Ibidem, p.20 61

Ibidem, p.17.

como livro sagrado62

, isso impediu (e ainda é empecilho) para estudos acadêmicos sobre

ela.

A Bíblia que possui tantos livros diferentes, tantos autores distintos, tantos

gêneros, diversos textos escritos por várias épocas e em várias culturas, passou a ser

instrumento para construção de dogmas. E assim, tendo somente uma abordagem,

mesmo sendo patrimônio universal e literatura. Com isso permanece a concepção de

que tudo que não era bíblico era profano. É a questão do sagrado versus o profano 63

.

Assim, os métodos de análise literária, a crítica literária, obviamente como a própria

literatura, passou a caminhar para um lado, enquanto os teólogos criaram suas próprias

ferramentas, seus próprios métodos.

No entanto, o que se pretende apontar nesse capítulo é o surgimento desse campo

teológico-literário de forma dialogal. Há diversos caminhos ao tratar-se do tema

Teologia e Literatura, não só por meio desses métodos apontados por Kuschel, como

também, o modelo da realização 64

, por exemplo.

São várias as metodologias utilizadas por vários estudiosos dessas respectivas

áreas do conhecimento. Porém, também por via metodológica, essas diferentes

metodologias serão abordadas de acordo com a necessidade de explicitar as formas de

abordagem durante a apresentação de cada autor, e consecutivamente, de suas obras em

cada tempo, com a tentativa de sistematização e apontamentos dos principais

articuladores desse campo dialógico em ordem cronológica.

3.2 OS PRECURSORES DO DIÁLOGO EM SOLO FRANCÊS

62

ALTER, R. Estudos Literários Aplicados à Bíblia: dificuldades e contribuições para a construção de

uma relação. Por João Cesário Leonel Ferreira. Artigo extraído da internet. Disponível em:

«http://www.revistatheos.com.br/Artigos%20Anteriores/Artigo_03_03.pdf» Acessado em 22/10/2011. 63

Esse trabalho não tem a pretensão de demonstrar o desenvolvimento histórico da relação da Bíblia

como literatura sagrada e o profano, a chamada literatura secular. Nem explicitar a necessidade de usar a

teoria literária para a leitura bíblica. 64

Segundo Magalhães, os dois modelos de aproximação da teologia e literatura são: o modelo da

realização e o modelo da teopoética. A fim de elucidar e antecipar a definição desse primeiro modelo,

destacamos dois trechos: 1) “Nesse modelo, reside, portanto, a preocupação em trabalhar uma verdadeira

compreensão histórica da existência, rejeitando, assim, simplesmente um sistema conceitual da teologia”.

2) “No foco das atenções do modelo da realização, há a questão da relação dinâmica entre busca de

sentido e totalidade. (...) De um lado, parte-se do princípio de que a vida humana está sempre em busca de

seu sentido pleno, de outro, parte-se do princípio de que a revelação de Deus na história apresenta um

horizonte de totalidade, como Reino de Deus, por exemplo”. MAGALHÃES, Op. Cit, p.166-171.

Pode-se dizer que o diálogo entre a Literatura e a Teologia como novo campo

acadêmico iniciou-se na Europa, no início do século XX com três autores, Romano

Guardini, Henri Bremond e Pie Duployé. Segundo Barcellos numa revista eletrônica, o

dicionário de termos de Carlos Ceia, as “três obras foram muito importantes na abertura

e consolidação desse campo interdisciplinar de estudos: Religiöse Gestalten in

Dostojewskijs Werk, de Romano Guardini (1933), Histoire littéraire du sentiment

religieux en France, de Henri Bremond (1915ss) e La religion de Péguy, de Pie

Duployé (1965)” 65

.

Padre Henri Bremond, em seu trabalho sobre a história do sentimento religioso na

França, contribuiu para esse campo interdisciplinar aqui abordado, ampliando as

possibilidades dos estudiosos dessas respectivas áreas, “abrindo caminhos” para novas

pesquisas66

.

A obra de Romano Guardini, Religiöse Gestalten in Dostojewskijs Werk [Figuras

Religiosas na obra de Dostoievski] “é fruto dos cursos que o grande teólogo ítalo-

alemão ministrou, a partir de 1923, na universidade de Berlim” 67

.

Sua opção por lecionar essa disciplina a partir da literatura – num ambiente

universitário predominantemente protestante ou secularizado – é

profundamente sintomática da busca de uma nova linguagem que assegurasse

a inteligibilidade e comunicabilidade dos conteúdos propriamente teológicos.

Pie Duployé escreveu “La Religion de Péguy” em 1964, essa tese de doutorado

defendida na universidade de Estraburgo (França) estuda o problema da evolução

religiosa de Péguy 68

. A princípio, seu trabalho aborda o tema da literatura em geral, e

depois, num segundo momento, analisa Péguy com um valor teológico. Aparentemente,

as noções de literatura e de teologia que Duployé apresenta separadamente são

dicotômicas, mas depois apresentam mais claramente seus pontos de encontro.

65

BARCELLOS, J. C. E-Dicionário de Termos Literários/ Carlos Ceia. Artigo extraído da internet.

Disponível: «http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/T/teologia_literatura.htm»

Acessado em 27/10/ 2011. 66

BARCELLOS, J. C. O drama da salvação. Espaço autobiográfico e experiência Cristã em Julien

Green. Juiz de Fora: Subiaco, 2008, p.56. 67

Idem. 68

Essa tese foi dividida em quatro partes, abordando temas como: A desilusão (Les désabusements),

nessa parte é contada basicamente a história de Péguy, desde o abandono da igreja, como também a

adesão ao socialismo e depois a sua nova conversão. Como também, As obras proféticas (Les ouvres

prophétiques).

Duployé é o primeiro a levantar a questão do estatuto epistemológico da literatura

para a teologia69

, ou seja, sua obra teve grande importância para legitimar esse caminho

de “reencontro da teologia com a cultura contemporânea através da literatura” 70

na obra

de Péguy, recorrendo também a São Tomás de Aquino - este que já tinha percebido a

relação no discurso dessas áreas.

A partir do momento que ambas recorrem à imagem para se construírem, conclui

que “A Revelação é feita, na Escritura, de forma concreta, imaginária e simbólica. Ela

não é filosófica ou dialética, como foi mais tarde a teologia clássica. A literatura é

essencialmente imagem e poesia, pois pode exprimir, também, a verdade religiosa”. 71

Verdade que a literatura expressa de forma mais completa já que atinge no mais

profundo da realidade humana por meio artístico. Por sua vez, a busca e a obtenção da

verdade são primordiais na construção de toda teologia revelacional. Nas palavras de

um grande teólogo e literato brasileiro que muito contribuiu para os estudos desse novo

campo no Brasil e na América Latina (que será apontado com mais detalhes no próximo

capítulo):

Desde a década de 30 e, muito particularmente nos últimos anos, vários

teólogos de renome vêm enfatizando essa singularidade do contributo da

literatura para uma abordagem mais completa da realidade do ser humano,

em sua radical ambigüidade, como um caminho privilegiado para uma

adequada perspectivação da salvação cristã, na qual a graça de Deus e o

pecado do homem protagonizam o desconcertante drama da vida cotidiana,

com suas grandezas e misérias de toda ordem 72

.

Assim, Duployé ao analisar a obra de Péguy destaca a forma literária adotada

por Péguy para fazer Teologia, tendo levado a muitos debates e cooperado ao

crescimento desse tema por meio de sua metodologia – a de proporcionar “um

reencontro da teologia com a cultura contemporânea através da literatura” –

considerando, porém, que de modo algum o ...

69

Isso é, a ratio humaniorum litterarum theologica. BARCELLOS, J. C. Disponível em:

<http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/T/teologia_literatura.htm> Acessado em 28/10/2011. 70

Idem. 71

Cette importante thèse de doctorat, soutenue devant l‟université de Strabourg en juin 1965, étudie le

problème de l‟évolution religieuse de Péguy. Une introduction de 44 pages revendique tout d‟abord pour

la littérature en général, et pour celle de Péguy en particulier, une valeur théologique. La Révélation est

faite, dans l‟Écriture, de façon concrète, imagée, symbolique. Elle n‟est pas philosophique ou dialectique,

comme l‟a été plus tard la théologie classique. La littérature, qui essentiellement image et poésie, peut

donc exprimer, elle aussi, la vérité religieuse. LIMOUZIN-LAMOTHE, Roger. Revue d‟histoire de

l‟Église de France. Année 1966. Volume 52. Numéro 149. P. 204. Disponível em:

<http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rhef_03009505_1966_num_52_149_38

20_t1_0204_0000_2> Acessado em 15/ 10/ 2011. 72

BARCELLOS, J. C. 2001. p.10.

Logo, esse encontro dessas áreas baseadas na cultura para a formulação da

realidade é o principal ponto de intersecção desse novo campo que no início do século

XX vem surgindo e ampliando seus horizontes com Pie Duployé, Romano Guardini, e

Hans Urs Von Balthasar, entre tantos outros.

Hans Urs Von Balthasar (1905-1997) tornou-se jesuíta em 1929, um ano após a

conclusão de seu doutorado na Alemanha com a tese: “O Problema Escatológico na

Literatura Teológica Alemã”. Amigo de Barth, Balthasar foi profundamente

influenciado por ele e também por Kierkegaard, Husserl, Przywara e Blondel, além de

estudioso de Agostinho. Mesmo com sua postura constante de repensar a tradição, o que

o levou a participar do Concílio do Vaticano II, ele nunca rejeitou a tradição católica

romana.

Segundo Barcellos, o teólogo suíço busca em sua teologia um equilíbrio entre os

“três transcendentais da filosofia clássica, devolvendo a estética o lugar que lhe cabe ao

lado da ética e da lógica” 73

, isso significa que Balthasar identificou a perda da teologia

ao negligenciar a estética em detrimento da lógica racionalista. Para recuperar a

integralidade da espiritualidade, Balthasar, juntamente a Jean Mouroux 74

, propõe o

desenvolvimento de uma teologia da experiência cristã.

Outro importante teólogo e historiador – que dialoga literariamente com a

teologia é Marie-Dominique Chenu. Ele retoma a questão formulada por Duployé e

propõe a teologia um novo “lugar teológico”, a literatura. Chenu foi um teólogo francês

nascido em Soisy-sur-Seine em 1885, faleceu aos 95 anos em 1990. Aos 18 anos entrou

para a Ordem dos Pregadores quando iniciou sua carreira teológica, entre várias

73

“Dos grandes teólogos do séc. XX, aquele cuja obra dá maior relevo às questões literárias é, sem

dúvida, o suíço Hans Urs von Balthasar”. Reconhecendo que a tradição teológica ocidental privilegiou

as idéias de verdade e de bem, mas ignorou ou negligenciou gravemente a de beleza, von Balthasar

procurou elaborar uma teologia que reequilibrasse os três transcendentais da filosofia clássica,

devolvendo à estética o lugar que lhe cabe ao lado da ética e da lógica. Por isso mesmo, sua opera

magna é uma densa e erudita trilogia, que se propõe a apresentar a teologia católica pensada à luz do belo

(a estética teológica), do bom (a dramática teológica), e do verdadeiro (a lógica teológica). Para tanto, o

autor recorre inúmeras vezes, entre outras fontes, à literatura ocidental, desde os gregos até nossos dias,

literatura esta que ele conhecia em profundidade e freqüentemente nas línguas originais. Para von

Balthasar, o belo é a maneira segundo a qual o bem é percebido pelo homem como verdadeiro (observe-

se que, em alemão, percepção é Wahrnehmung, isto é, “apreensão do verdadeiro”). Caberia, portanto, ao

teólogo, buscar investigar como a literatura – e também a música e as artes plásticas – apreende

esteticamente a verdade do cristianismo. É esse o projeto que ele desenvolve ao longo de vários volumes

e que vem alcançando, nos últimos anos, grande ressonância nos meios teológicos de diversos países, à

medida que sua obra vai sendo traduzida e estudada. Disponível em: <http://www.fcsh.unl. pt/invest/edtl/

verbetes /T/teologi a _literatura.htm> Acessado em 25/10/2011 74

BARCELLOS, J. C. 2001, p.44

realizações foi fundador da revista Concillium, influente no Concílio Vaticano II,

inspirando teólogos da América Latina como Gutiérrez75

.

Jean-Pierre Joshua, entretanto, discorda de Duployé, Chenu e de Rousseau 76

,

aponta para o risco de se considerar a literatura, nesse caso, simplesmente

como uma fonte a mais de dados previamente disponíveis alhures para a

teologia e de não se atentar para aquilo que somente a literatura é capaz de

dizer, ou pelo menos, é capaz de dizer melhor que outros discursos. 77

Quanto à teologia, Jossua afirma que para fazer teologia é preciso o exercício

crítico sobre a linguagem religiosa, e isso se diferencia da literatura quando essa possui

uma capacidade criadora de linguagem religiosa, ou seja, uma obra literária pode

abordar temas teológicos sem necessariamente fazer teologia 78

.

Rousseau, porém, persiste na questão levantada por Chenu, considerando a

literatura como um “lugar teológico”. Segundo Barcellos, entende-se por “lugar

teológico” as fontes nas quais a teologia deve reportar, ao todo são dez lugares, sete que

incluem: a Sagrada Escritura, a tradição, a autoridade da Igreja, os concílios, a

autoridade da Igreja romana, os santos padres, os teólogos e os canonistas, e os restantes

são “alheios” formados pela razão natural, filósofos e juristas. Esse conceito surgiu com

Melchor Cano, no século XVI e foi retomado por esses teólogos no século XX.

Enquanto Jossua problematiza a questão do poder ou capacidade teológica da

literatura, Rousseau prefere pensar na capacidade literária de exprimir a experiência não

só cristã, como também a experiência humana em geral. Assim, para Rousseau, a

teologia se encontra com a literatura a partir da experiência; a teologia possui para ele a

função de refletir a experiência cristã, e a literatura é por natureza expressão das

experiências humanas. Em suas próprias palavras:

A teologia teria a função não só de refletir sobre os „lugares‟ tradicionais,

mas também de refletir a experiência vivida atual, dar-lhe expressão e torná-

la inteligível. Daí se estabelecer uma relação entre a teologia e a literatura,

enquanto esta é antes de tudo a expressão de uma experiência vivida, mesmo

que seja através do imaginário. Se o teológico encontra um lugar privilegiado

nesta experiência, não representa então a literatura, por sua vez, um lugar

75

Revista Eletrônica IHU (Instituto Humanitas Unisinus).

Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/31751-o-pensar-e-

sagrado-em-memoria-de-marie-dominique-chenu> acesso em 25. 10. 2011. 76

BARCELLOS, J. C. 2001, p.59. 77

BARCELLOS, J. C. E-Dicionário de Termos Literários/ Carlos Ceia. Disponível em

<http://www.fcsh.unl .pt/invest/edtl/verbetes/T/teologia_literatura.htm> acesso em 27/10/ 2011. 78

BARCELLOS, 2001. p.58.

teológico essencial enquanto está mais capacitada que a teologia dialética a

exprimir a experiência cristã? 79

Paul Ricoeur também contribuiu para o trabalho de relacionar teologia e

literatura, ele abriu caminhos ao diálogo com seus livros como: A metáfora viva e

Tempo e narrativa I, II e III (três volumes), entre outras obras como O Mal: um desafio

à filosofia e à teologia.

Ricouer nasceu em Valence (França) em 1913, contribuiu com seus estudos e

pesquisas na área de Letras, onde foi decano da Faculdade de Letras e Ciências

Humanas de Paris-Nanterre. Também na filosofia, onde atuou como professor honorário

de filosofia, além de várias publicações na área teológica e até histórica, onde a partir de

vários ensaios, a revista Esprit e a Revue Internationale de Philosophie resolveu reunir

esses trabalhos em um só livro e o nominou de História e Verdade.

Paul Ricouer ficou conhecido como o “filósofo do sentido” 80

, pois seu objetivo

é formular uma teoria da interpretação do ser, ele não parte de ideias da própria

filosofia, isso é: construir filosofia com filosofia, mas sim da experiência que ultrapassa

a linguagem primária e alcança o nível da linguagem filosófica. Logo, por meio da

hermenêutica, pois “a hermenêutica visa a uma decifração dos comportamentos

simbólicos do homem.”81

Por sua vez, possui a necessidade de interdisciplinaridade, nas

palavras de Hilton Japiassu, quem escreveu o prefácio de um livro de Ricoeur na

tradução para o português:

[...] o projeto hermenêutico possui realmente um cunho interdisciplinar. Não

porque toma de empréstimo a outras disciplinas aquilo de que tem

necessidade, mas porque se constrói na luz que reciprocamente lhe lançam

linguagens oriundas de perspectivas profundamente distintas, porém,

susceptíveis de imprevisíveis convergências epistemológicas: a filosofia

reflexiva do cogito, a exploração do inconsciente, a figuração simbólica do

espírito habitante do mundo, a decifração hermenêutica dos signos e das

ideologias. 82

Ricoeur entre outros como Blanch, Garcia Berrio e Eco, são tidos como

referenciais a elaboração de seu estudo Teológico-Literário. Barcellos, como se verá

79

ROUSSEAU, Hervé. “A literatura: qual é seu poder teológico? Apud BARCELLOS, José Carlos.

Literatura e Espiritualidade: uma leitura de Jeunes Années de Julien Green. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

p. 59. 80

RICOUER, Paul. Interpretação e Ideologias; organização, tradução e apresentação de Hilton Japiassu.

Rio de Janeiro, F.Alves, 1977. p.7. 81

Ibidem, p.4. 82

Ibidem, p.8.

nesse trabalho mais adiante, é um dos principais ícones do diálogo entre a Teologia e a

Literatura no território brasileiro.

A escolha de Ricoeur como um de seus principais referenciais teóricos por

Barcellos se dá justamente diante a importância desse filósofo não só para a

consolidação do diálogo, mas principalmente para a construção de caminhos e

estruturação dessa linha de pesquisa.

[...]com Ricoeur, aceitamos que a interpretação de uma obra literária seja o

engendramento de um discurso segundo, de caráter conceitual, sobre um

discurso primeiro, de caráter metafórico, que se caracterize não como

empobrecimento deste último, mas sim como um esforço para se pensar

mais, de tal forma que a precisão do conceito e o dinamismo da metáfora

possam fecundar-se mutuamente. 83

Ricoeur trabalha com Interpretação e Ideologias, esses temas são discutidos

num livro que recebe exatamente esse nome, onde aponta a problemática da

hermenêutica de um modo que seja significativo para o diálogo entre a hermenêutica e

as disciplinas semiológicas e exegéticas, “caso queira entrar seriamente na discussão

com as ciências do texto: da semiologia à exegese”. 84

.

Assim, essa proposta de análise da linguagem feita por Ricoeur, requer do

hermeneuta, exegeta ou crítico literário, essa dimensão interdisciplinar para percorrer o

sistema linguístico sem ignorar os sinais culturais, os mitos, os símbolos, enfim, a

dimensão cultural e social onde qualquer linguagem possa ser efetuada. 85

Pois, abordar

“interpretação” se esquivando das ideologias intrínsecas à linguagem – que foram sendo

elaboradas ao longo da história – é a problemática não só apontada por Ricoeur, como

também discutida por ele a fim propor novos caminhos.

3.1 O DIÁLOGO TEOLÓGICO-LITERÁRIO NO CENÁRIO ALEMÃO

Na história do país alemão, a Teologia teve papel fundamental, desde a tradução da

Bíblia por Lutero, a língua desenvolveu-se ganhando reconhecimento no mundo

83

BARCELLOS, 2008, p.36 84

RICOEUR, 1977, p. 17 85

MAGALHÃES, 2009, p.197.

europeu. Assim, a Teologia sempre esteve presente na construção da identidade cultural

do país, até mesmo em sua organização como sociedade e suas relações de poder.

Isso envolvia naturalmente longos debates e a busca de fundamentação

teológica para as ações. É central a presença da teologia na história das

grandes universidades, seja na matriz luterana, como na pequena Tübingen,

onde ninguém menos que Hölderlin, Hegel e Schelling, por exemplo, chegam

a dividir o mesmo quarto na moradia estudantil, todos como estudantes de

teologia evangélica-luterana, seja em Münster e Regensburg, que agora

voltam a estar em evidência, na frente católica.

A Teologia como disciplina acadêmica e universitária de grande importância,

se chegou a estar em questão nas décadas mais recentes, já dispunha de

tamanha legitimidade e consolidação, que só fez, a partir do desafio,

aprimorar ainda mais seus pressupostos metodológicos e epistemológicos,

consolidando-se ainda mais, do ponto de vista científico. Com isso, nos

debates recentes em face do fenômeno da secularização, ganhou também a

reflexão sobre a Teologia da Cultura, e em particular a área de estudos de

Teologia e Literatura. 86

No contexto alemão, o nome que mais recebe atenção e prestígio nesse campo

interdisciplinar é o de Karl-Josef Kuschel, nascido em 1948 na Alemanha, esse teólogo

e também sério profissional da área de Letras, atua como professor titular de Teologia

da Cultura, e, de Teologia do Diálogo Inter-Religioso na Universidade de Tübingen.

Por meio de sua atenta escuta aos escritores, ele tem muito a acrescentar aos

interessados tanto da área teológica quanto aos da área literária. Kuschel além de

professor também é vice-presidente da Fundação Ética Mundial e doutor pela

Universidade de Lund, na Suécia 87

.

Seu livro Os escritores e a escritura “pretende se ocupar já de início: com a

crítica estético-literária à religião, mas também com a crítica religiosa à estética” 88

, ou

seja, devido à dicotomia entre a religião (cristianismo) e a cultura (literatura). Nas

palavras de Paulo Astor Soëthe 89

, um dos tradutores dessa obra à Língua Portuguesa:

“Seu princípio é deixar falar os autores – na dicção deles, literária –, para só então

posicionar-se diante do que dizem, como teólogo” 90

.

O livro é divido em seis partes, Kuschel escolheu quatro autores alemães: Franz

Kafka, Rainer Maria Rilke, Hernann Hesse e Thomas Mann para leitura teológica das

obras desses famosos escritores. No primeiro e no último capítulo, Karl-Josef Kuschel

86

Idem. 87

KUSCHEL, J. K. Op. Cit., p.10. 88

Ibidem, p. 14. 89

O Prof. Dr. Paulo Soëthe graduou-se em Letras, Português-Alemão, pela Universidade Federal do

Paraná (UFPR), mestre e doutor em Letras, pela Universidade de São Paulo (USP), cursou pós-doutorado

na Universidade de Tübingen, na Alemanha. 90

Ibidem, p. 9.

apresenta questões e fundamentos teóricos novos sob esta perspectiva de análise

literária e reflexão teológica onde se busca o diálogo interdisciplinar e a consolidação de

uma cadeira séria e contextualizada. Os outros quatro capítulos do livro são

respectivamente dos quatro alemães já citados.

Barcellos foi um ícone brasileiro para a consolidação desse tema, ele também

atuou na área da Letras e da Teologia, doutorando-se nessas duas áreas. Sua tese de

doutorado que tem sido fundamental para a construção desse trabalho, O Drama da

Salvação, ao tratar de hermenêutica, literatura e teologia, também aponta este livro de

Kuschel e sistematiza a parte do livro que mais nos interessa, intitulada “A caminho de

uma teopoética”, da seguinte maneira:

Kuschel distingue, a propósito da metodologia para um diálogo teológico

com a literatura, dois métodos: o confrontativo e o correlativo. O primeiro, na

linha de Sören Kierkegaard e de Karl Barth, p. ex., opõe e contrasta

violentamente a palavra humana da literatura à Palavra de Deus da Sagrada

Escritura, reduzindo “o diálogo entre teologia e literatura a um conflito entre

ideologia e verdade”. O segundo, na linha de Paul Tillich e da teologia

católica do Vaticano II, trabalha as correlações entre as questões humanas e a

revelação divina, de tal sorte que esta última só teria sentido pleno na medida

em que estivesse “em correlações com perguntas respectivas ao todo da

experiência humana”.

Assim, o teólogo alemão propõe um novo método: O método da analogia

estrutural: busca de correspondências 91

, entendendo-se por analogia “constatar

correspondências e constatar diferenças”. A crítica aos dois métodos confrontativo e

correlativo, é aqui desenvolvida e aplicada, pois aponta um método que se utiliza dos

pontos relevantes dos métodos anteriormente criticados. Ou seja, Kuschel não apenas

critica o que comumente se tem feito, mas também aponta um método de leitura e

construção de:

[...]uma teologia que procure o diálogo com a literatura em favor do próprio

discurso teológico acerca de Deus, sem incorrer, de sua parte, em mera

adaptação cultural ou na nivelação anuladora de uma ausência de contornos

claros para si mesma. Objetiva-se uma teologia com um estilo diverso: o

estabelecimento de critérios literários para um discurso confiável acerca do

Deus cristão. Objetiva-se, assim, expressar o objeto da teologia cristã com o

auxílio de critérios literários de estilo, de modo que a lealdade aos textos

cristãos fundamentais para associar-se à interpretação da realidade proposta

pela alta literatura. Em suma: com o pensamento em termos de

correspondências almeja-se a conquista de uma teopoética, uma estilística do

discurso adequado para falar de Deus nos dias de hoje. 92

91

KUSCHEL. J. K. p. 222. 92

Ibidem. p. 223.

Portanto, para Kuschel, teopoética é um discurso atual sobre Deus sem ausentar-

se da estética. Porém, esse trabalho também está em busca de uma definição mais

profunda do conceito de teopoética. Assim, mais adiante se retomará esse termo criado

por Kuschel, em busca da análise de algumas linhas de pesquisa e de alguns trabalhos

que utilizam essa nomenclatura. “Por ora, basta sublinhar o quão seriamente essa visão

re-configura, em termos críticos, a famosa “virada antropológica” que marca boa parte

da melhor teologia católica do séc. XX”. 93

Por virada antropológica entende-se a mudança de paradigma que ocorreu entre

os séc. XIX e XX, quando a ênfase deixa de ser o cosmos. E a leitura antropológica

passa a ser o prisma considerado mais coerente ao tempo em que as ciências tornaram-

se mais factuais e menos subjetivas. Essa metodologia é comumente usada por diversos

pesquisadores e intelectuais latino-americanos, até mesmo porque muitos teólogos da

Teologia da Libertação também a usam.

93

BARCELLOS, 2008, p. 72.

4. A BÍBLIA E A LITERATURA NO CENÁRIO AMERICANO

Não restam dúvidas de que o berço da cultura Ocidental seja a Europa, depois do

pequeno lado Oriente restrito à Grécia, toda a filosofia ocidental teve seu nascimento,

sua origem, nos frios países europeus. Devido a colonização, a cultura europeia,

sobretudo cristã, foi herança aos nascidos no continente americano. Pois:

[...] a Bíblia é o livro por excelência da civilização ocidental, como nenhum

outro conseguiu se tornar, mesmo levando em conta a criatividade e a

vastidão literária dos países ocidentais. Um livro assim não pode ser encarado

como coisa de criança, no sentido pejorativo, visto que nele reside a

seriedade de toda uma civilização, os fundamentos éticos e religiosos de

diferentes culturas e a reserva de temas que passaram a determinar a maior

parte dos grandes debates que ainda hoje continuamos a discutir. 94

Não dá para falar historicamente da América (seja ela Latina ou do Norte) sem

colocar em pauta a colonização europeia. Cabe ressaltar que “Existe na América Latina

uma longa tradição de movimentos de emancipação e libertação que, desde o período

colonial, reagiram aos sistemas de dominação que legitimavam estruturas sociais

assimétricas”. 95

Somente no século XX os povos latino-americanos conseguiram dar seu grito de

liberdade; embora o século XIX ter sido marcado pela independência,

caracteristicamente burguesa, foi nesse século que o processo de descolonização se

inicia.

Esse capítulo pretende, então, destacar dois principais autores estadunidenses que

trouxeram nova hermenêutica dos autores bíblicos e seus personagens, também em

forma de libertação das amarras dogmáticas oriundas da tradição. Antes, porém, julgou-

se necessário apresentar sobre esta relação da Bíblia como Literatura.

Assim, alguns clássicos nessa área de estudos foram consultados a fim de elucidar

o que se pretende aqui ser sistematizado. Antônio Carlos Magalhães mais uma vez vêm

a nos acrescentar, no XI Congresso Internacional da ABRALIC ele revelou um artigo a

respeito da leitura bíblica, titulando seu artigo como A Bíblia como obra literária.

Hermenêutica literária dos textos bíblicos em diálogo com a teologia. Apontou críticos

literários que foram apontados aqui de modo peculiar, como Robert Alter e Harold

Bloom, com sua ajuda pode-se acrescentar Northrop Frye; Já na Alemanha Magalhães

94

MAGALHÃES, 2010, p. 109. 95

CABRAL, J. S., p. 62.

destaca, entre outros, Jan Assmann, Hans-Peter Schmidt. O que Magalhães enxerga em

comum entre eles é, em suas próprias palavras:

todos têm em comum algumas teses: 1) A Bíblia é interpretada como obra

literária, o que implica em lê-la a partir das teorias literárias apropriadas,

levando em conta tramas, personagens, estética, densidade narrativa, etc.

Obviamente esta abordagem ou se distancia de pressupostos teológicos

confessionais, cuja característica central é o uso do texto bíblico para a

confirmação de determinadas crenças da religião ou dialoga com a tradição

teológica enquanto tradição hermenêutica, responsável por parte da história

da hermenêutica no ocidente. A rejeição ao trabalho teológico ou a inclusão

da hermenêutica teológica se dá sempre a partir de teorias literárias

específicas, tendo como base a Bíblia como obra literária; 96

Há entre os estadunidenses dois grandes autores que são destacados entre os

estudiosos do diálogo entre a Teologia e Literatura, Jack Miles e Harold Bloom. Ambos

abordam a interpretação da Bíblia, ou trazem nova perspectiva de leitura. Fazem

teologia recriando a principal literatura da teologia cristã, segundo Magalhães, Harold

Bloom e Jack Miles “apresentam a Bíblia como produção literária a ser considerada

livre dos dogmas que impuseram normas teológicas e eclesiásticas aos textos”. 97

Esses grandes acadêmicos não se preocupavam primariamente ao diálogo da

teologia com a literatura 98

, porém, seus postulados abordam o tema e trazem novas

perspectivas que não podem ser excluídas da tentativa de construção histórica desse

debate.

Enquanto na escola europeia a discussão se dava na maneira com que a igreja

manuseava as Escrituras, consequência da teologia ortodoxa, principalmente alemã, que

havia surgido em resposta ao racionalismo e iluminismo. Nas colônias americanas a

discussão central na pesquisa se dava a respeito da história do Ocidente, observando

“nas origens das narrativas bíblicas uma herança literária ímpar na história do Ocidente,

ao lê-las como construções literárias de grandeza estética” 99

.

96

Idem, 97

Idem, 98

CONCEIÇÃO, D. R. da. Fuga da Promessa e nostalgia do divino: a antropologia de Dom Casmurro

de Machado de Assis como tema no diálogo teologia e literatura. Rio de Janeiro: Horizonal, 2004. p.35. 99

MAGALHÃES, 2009, p.41.

4.1 ROBERT ALTER

Robert Alter, professor da Universidade Berkeley, também nos Estados Unidos,

autor de A arte na narrativa bíblica100

é um bom exemplo de outros autores norte-

americanos que também fazem o diálogo da Teologia com a Literatura a sua maneira

(analisando a Bíblia de forma literária).

Ele concedeu uma entrevista à revista eletrônica IHU online a respeito das

possíveis comparações dos clássicos da literatura às narrativas bíblicas, como também

da importância de se notar as características latentes nos textos e a importância das

convenções literárias de antigos textos a fim de tornar mais claro o que por eles se

passam.

Alter é um famoso crítico literário, o seu olhar para a Bíblia, portanto, é

diferenciado, ele revela a atualidade da Bíblia e de outras artes, como a literatura, pois

permanece comunicando, continua relevante mesmo tendo passado milênios de anos.

Sua relevância se dá pela representação da natureza humana tanto interiormente –

pessoal, quanto em comunidade – coletivamente.

Ao utilizar o termo „Bíblia‟, em sua obra, ele não se refere ao Primeiro e Segundo

Testamento consecutivamente, mas somente à Bíblia hebraica 101

, pois o “Novo

Testamento” (como historicamente foi assim nomeado) foi escrito em outra língua –

grega e aramaica, enquanto o “Antigo Testamento”, além de se tratar de temas

diferentes, e, portanto, de outros estilos literários, também marca a história de outro

povo.

Seu diferencial está em abordar a Bíblia em sua forma literária, aplicando métodos

próprios da arte literária de interpretar. Assim, Alter testemunha que descobriu na Bíblia

instrumentos e muitos conteúdos a qualquer um que se interesse por narrativa, pois além

de ser complexa, apresenta grandes possibilidades da narrativa. Porém, a crença da

Bíblia como fonte da revelação divina da verdade, por séculos, serviu de empecilho para

uma análise ainda mais profunda e contextualizada. Nas palavras de Robert Alter:

Uma razão óbvia para a ausência de interesse científico na análise literária da

Bíblia reside no fato de que, ao contrário da literatura grega e latina, a Bíblia

foi considerada durante muitos séculos, por cristãos e judeus, como fonte

primordial e única da verdade divina revelada. Essa crença ainda tem

100

ALTER, R. A arte da narrativa bíblica. Trad. Vera Pereira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Passim. 101

Ibidem, p. 9.

influência profunda, tanto naqueles que a refutam como naqueles que a

perpetuam. As primeiras ondas de crítica bíblica moderna, a partir do século

XIX, consistiram, por um lado, num constante ataque ao caráter

supostamente uniforme da Bíblia, numa tentativa de fragmentá-la no máximo

de partes possível... 102

Ao analisar diversos trabalhos de críticas literárias, Robert Alter aponta algumas

críticas quanto ao uso da Bíblia ao fazer uma crítica literária, assim, ele acrescenta:

A noção de “Bíblia como literatura”, embora particularmente contaminada

pelo uso do termo como rubrica de cursos universitários superficiais e de

duvidosos pacotes editoriais, é desnecessariamente frouxa e condescendente

com a literatura em geral (seria no mínimo fútil falar de “Dante como

literatura”, dado o reconhecido valor literário da Divina comédia, embora

esse grande poema seja mais explicitamente teológico ou “religioso” que a

maior parte da Bíblia). 103

Contudo, ler a Bíblia como literatura é um grande avanço aos estudos bíblicos e

literários, já que em pleno século XXI, muitos ainda leem a Bíblia de forma literal,

inclusive, sem atentar-se às questões relativas ao seu tempo e contexto daquele povo

especificamente. E ainda há a divisão entre o sagrado e o profano, a literatura dita

secular, a que se estuda nas universidades de letras, por exemplo, seguem métodos

diferentes de muitos exegetas bíblicos.

Esse grupo o qual diz que a Bíblia deve ser lida “ao pé da letra”, é chamado de

“fundamentalista”. Para eles “o texto é claro por si mesmo e não condicionado pelo

tempo, pela sociedade e pela história” 104

.

Segundo Manzatto essa compreensão da Bíblia como Literatura pode tornar mais

claro o sentido do texto e assim melhorar a compreensão da Revelação, não

considerando apenas a historicidade e questiona: “por que não ver a Bíblia também

como literatura, e boa literatura, mesmo artística? Seria isso um desprezo pela Bíblia?

Não cremos. Ao contrário: ler a Bíblia à luz da literatura é compreendê-la melhor” 105

.

Pois, o escritor utiliza suas ferramentas artísticas para escrever, como também as

suas linguagens, e figuras, de acordo com a cultura a qual o texto escrito se dirige, no

entanto, historicamente com as leituras bíblicas cada vez mais acentuadas pela tradição,

essa percepção das técnicas e clareza na mensagem se perde, devido a distância

temporal e cultural.

102

Ibidem, p. 34. 103

Idem. 104

SILVA, C. M. D da. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 2007. p.14. 105

MANZATTO, A. 1996, p.80.

Assim, nessa tentativa de recuperar elementos artísticos até então perdidos pelo

leitor, pode-se chegar mais perto do que se passa neles. Considerando que ao escrever,

os autores preocupavam-se com o que os motivavam a escrita, escolhendo expressar sua

visão religiosa por intermédio da arte, narrando ou pela poesia. Então, se você vê mais

claramente como a narrativa e a poesia funcionam, você também chegará a uma

profunda compreensão das nuances e complexidade de suas visões religiosas.

4.2 HAROLD BLOOM

O crítico norte-americano, Harold Bloom (1930), professor de humanidades em

Yale e colaborador do New York Review of Books e do Times Literary Supplement, de

origem da cultura judaica afirma não pertencer ao judaísmo normativo.

Ele aborda em seus livros assuntos úteis ao diálogo, principalmente em seu livro

Abaixo as verdades sagradas, onde transita entre a literatura secular e profana.

Confronta, no primeiro capítulo o autor do Primeiro Testamento, a autora J (javista)

com Homero, autor de famosas obras gregas como Ilíada e Odisseia106

.

Sobretudo, Bloom aponta a dificuldade do leitor ocidental de interpretar os

textos sagrados sem a visão construída historicamente pela Igreja, pela religião. Da

mesma maneira os livros tidos como profanos, como os clássicos de Homero, também

se tornaram de uso exclusivo aos críticos literários107

.

Assim, tanto os livros que formam o cânon bíblico quanto os mais consagrados

dos livros seculares, constituem uma tradição literária que por vezes ficam presos aos

seus especialistas. O diferencial de Bloom é a especial importância dada aos autores

literários e não aos teólogos e filósofos, pois para entender o Ocidente, a literatura

fornece um conhecimento mais profundo do ser humano, lida com a complexidade

existencial e até mesmo da ambiguidade, características que superam os sistemas

filosóficos e dogmáticos da teologia.

A ideia dada por Bloom da canonicidade de determinados livros ocidentais

nomeou um de seus livros, O cânone ocidental. Esse livro é um ensaio de cunho crítico-

literário sobre vinte e seis escritores que representam todos os outros que constituem

esse núcleo de escritores cujas obras tornaram-se patrimônios da cultura ocidental.

106

CONCEIÇÃO, D. R. da. Op. Cit., p.40. 107

MAGALHÃES, A. Op. Cit., p.42-48.

Bloom destaca Shakespeare como o maior entre os autores canônicos 108

, por

conter certo poder especial do leitor se sentir à vontade, mesmo apontando a estranheza

do mundo e deixando o leitor deslocado dos lugares comuns, como estrangeiros em sua

própria terra.

A autora javista recebe um destaque especial por Bloom 109

. Pois influenciou não

só vários autores ocidentais como também o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.

Segundo Magalhães, Bloom, em sua crítica literária, diz que sua influência se dá devido

a irreverência e criatividade da autora javista que, desconhecendo as restrições impostas

aos responsáveis pelo culto, descreve livremente sobre Deus como um personagem

literário com características humanas.

Para Bloom, o discurso de Javé não é enigmático como o discurso de Jesus, pelo

contrário, são os teólogos quem tem obscurecido esse personagem da Bíblia hebraica

como humano teomórfico. Para entender o discurso de Jesus, primeiro é necessário ter o

entendimento das qualidades pessoais de Javé.

A forma com que Bloom discorre em seu texto sobre esses personagens bíblicos

e a relação com que faz com a história da literatura e suas respectivas obras já

canonizadas pelo tempo é a sua forma de fazer teologia e literatura ao mesmo tempo.

Sua abordagem é completamente diferenciada das outras vistas aqui até então. A citação

do seguinte parágrafo busca exemplificar esse jeito diferenciado de dissertar sobre

Deus, Jesus, Javé, e a Literatura:

Felizmente, a teologia fracassa ao ser confrontada com o Javé da Autora “J”,

cujo descendente literário mais próximo é o Rei Lear shakesperiano,

simultaneamente, pai, monarca e divindade irascível. W.H. Auden encontrou

o Cristo de Shakespeare em Falstaff, descoberta instigante, porém errada. O

enigmático Hamlet tem traços do Jesus de William Tyndale, mas Falstaff é

irmão de sua companheira histórica, a Mulher de Bath, criação de Chaucer,

outra pecadora ferrenha. Se Hamlet, na figura do espírito pai, tivesse

encontrado o fantasma do Rei Lear, a arte shakesperiana nos teria propiciado

um acesso direto ao anseio de Jesus por Javé. Se Nazaré considerava Jesus

ilegítimo, não temos como saber, mas acho simplista reduzir o amor de Jesus

por Javé à busca de um pai ausente. Jesus era um rabino, o que ainda

significa mestre, e ensinava a Torá, conquanto com desvios muito pessoais.

Não veio abolir, mas cumprir a Lei, por mais que São Paulo, Martinho Lutero

e muitos outros tenham se empenhado, ardentemente, em compreender mal

esse que é o mais sutil dos mestres, cuja ironia transcende até mesmo a ironia

do Sócrates de Platão. Sócrates não era platonista, e Jesus não era cristão. Ele

não dizia quem era, e nenhum de nós – cristãos, muçulmanos, judeus ou

secularistas – poderá saber aquilo que só Javé sabe. 110

108

Ibidem, p.42. 109

Ibidem, p.44. 110

BLOOM, H. Jesus e Javé: Os nomes divinos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006, p. 156.

Nota-se que Bloom argumenta citando vários personagens de diferentes contextos

para desenvolver o seu pensamento, que nada mais é ressaltar a Javé como o

desconhecido, o inalcançável Mistério que nem sequer Jesus conseguiu encontrá-lo

quando se simplifica a jornada de Jesus como uma busca por Javé, seu pai. Somente

Javé sabe quem ele é, e quem Jesus é, ninguém mais sabe, e nem saberá. Ele

permanecerá Mistério, pois essa é sua natureza apresentada pela autora Javista.

Enquanto Miles, não busca a voz da autora Javista, mas sim o personagem Deus, e

depois, em seu segundo livro, como aparente consequência de sua busca pessoal por

compreensão de Deus e sua encarnação, discorre sobre Jesus, e diz que o Cristo foi uma

crise na vida de Deus.

4.3 JACK MILES

Jack Miles nasceu em Chicago, em 1942. Sua formação religiosa é católica, era um

jesuíta, estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, e na Universidade

Hebraica em Jerusalém. Doutorou-se em línguas do Oriente Médio pela Universidade

de Harvard. 111

Assim como Robert Alter, Jack Miles, em seu livro Deus- Uma biografia 112

(Prêmio Pulitzer 1996, já traduzido para 15 idiomas) também utilizou o Antigo

Testamento, mais especificamente a 113

Tanach. E de modo semelhante ao Harold

Bloom, discorre em seu livro dando enfoque aos personagens, no caso desse livro aqui

comentado, ao protagonista dos textos bíblicos: o próprio Deus, e não a autora Javista

como fizera Bloom.

Miles, em sua introdução, dialoga com Robert Alter e Harold Bloom ao discorrer

sobre a forma de se tentar compreender Deus a maneira com que se busca entender mais

o ser humano, e para isso ele cita um trecho de Alter:

111

Quanto aos seus trabalhos, foi professor titular da Universidade da Califórnia e bolsista da Fundação

Guggenheim. Integrou o corpo editorial do Los Angeles Times, dirigiu o programa de prêmios do mesmo

jornal e foi presidente do Círculo Nacional de Críticos Literários. 112

MILES, J. Deus: uma biografia. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Passim. 113

“A palavra Tanach é um acrônimo pós-bíblico derivado dos equivalentes hebraicos das letras y, n e k

(pronunciada kh em determinadas condições foéticas), representando, respectivamente, as palavras

hebraicas torah, “ensinamento”; neb’im, “profetas”; e ketubim, “escritos”. Se o Antigo testamento fosse

rebatizado com um acrônimo comparável, passaria a se chamar Takhan, pois a ordem do Antigo

Testamento é, em termos gerais, ensinamento, escritos, profetas”. Ibidem, p.29.

Pouco se ganha, acredito, ao conceber o Deus bíblico, como faz Harold

Bloom, como um personagem humano – petulante, teimoso, arbitrário,

impulsivo ou o que seja. O que os autores bíblicos repetem todo o tempo é

que não se pode entender Deus em termos humanos 114

.

Para Miles, Alter exagera, 115

pois esses autores bíblicos também afirmam a Imago

Dei desde o início, a humanidade, sendo imagem do próprio Deus, permite essa

comparação de atributos humanos a Deus. Seus escritos também não impelem a

enxergar Deus como um ser distante e misterioso, um ser infinito e inalcançável, mas

sim um Deus que permite ser conhecido, que raramente fala de si mesmo, um Deus que

se faz presente, que ouve e responde.

Dentro dos limites – ao analisar a Bíblia como Literatura, Miles escreve Deus como

o protagonista de um clássico da Literatura Ocidental – a Bíblia. Não buscou descrever

Deus como uma figura religiosa, no intuito de fazer teologia, afirmando coisas novas a

respeito dele, também não escreve como historiador que normalmente focaliza-se nas

comunidades israelitas e hebraicas, mas como o título de seu livro deixa tão claro, ele

busca uma biografia de Deus, além da história, isso é:

Se a biografia é tida, em termos estreitos, como um ramo da história, não

pode, então, haver biografia de um personagem não histórico. Mas Deus

efetivamente tem uma primeira e uma última aparição na Bíblia hebraica.

Nós o vemos primeiro como criador, fora da história, anterior a ela,

poderosamente colocando em movimento os corpos celestes por meio dos

quais se pode medir o tempo histórico. Nós o vemos por fim como o “Ancião

dos Dias”, de cabelos brancos e silenciosos, à espera do fim da história,

sentado num trono remoto e nebuloso. Este livro passa a ser uma biografia de

tipo especial por força de sua determinação em descrever aquilo que existe

entre um começo de tanto vigor e um fim de tanta quietude. 116

A ordem em que os livros estão (o cânon) revela uma preocupação artística, essa

é a segunda premissa dessa biografia. Para os judeus, pode soar até como ofensa o

chamamento da Bíblia hebraica como “antiga”, a ordem em que os livros do Antigo

Testamento (o que forma junto ao Novo Testamento a Bíblia cristã) estão os grandes

profetas mais para o final, enquanto no meio centralizam-se os “livros do silêncio” – Jó,

Lamentações, Eclesiastes e Ester. Essa diferenciação se torna importante a partir do

114

Ibidem, pp.17-25. 115

Ibidem, p. 23. 116

Idem.

momento em que se busca a biografia de Deus, pois em termos literários a ordem de

apresentação é sempre crucial. 117

Miles escreveu dois livros, além de outros pequenos textos a revistas, o primeiro

foi sobre a biografia de Deus, como já fora citado aqui, o segundo livro é sobre o Cristo,

e o subtítulo é Uma crise na vida de Deus, novamente, o subtítulo já explicita o

conteúdo do livro e qual a posição adotada pelo autor, de que Deus tem uma crise, se

arrepende, e Jesus é fruto, consequência, dessa crise.

Ao perguntar quem é Deus, ou qual o caráter do Deus do Antigo Testamento,

Jack Miles afirma que não tendo Ele alcançado seus propósitos quanto às

promessas para o povo escolhido, decide tornar-se judeu; e com sua própria

morte e ressurreição não apenas tenta absolver-se de uma derrota histórica,

como oferece a promessa de uma vitória cósmica ao comprometer-se a

“enxugar cada lágrima” de toda humanidade. Então, quando Cristo aceita ser

batizado por João, é Deus quem se arrepende – termo, é bom lembrar, que faz

parte da literatura bíblica, expressando a interpretação e a linguagem

possíveis aos escritores de então. Porém, Miles vai além, dizendo que como

ninguém pode matar Deus, a crucificação se torna um suicídio divino. 118

117

Ibidem, p.26. 118

WALDO, C. O personagem Jesus Cristo: resenha crítica de MILES, Jack. Cristo: uma crise na vida de

Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. In Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do

Protestantismo (NEEP) da Escola Superior de Teologia. Volume 03, jan.-abr. de 2004.

5. TEOLOGIA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA

Na América Latina além do apontamento de alguns pesquisadores do diálogo

interdisciplinar Teo-literário, e o desenvolvimento e formação da ALALITE

(Associação Latino-americana de Literatura e Teologia), também se formaram outros

grupos, entre eles houve predileção por diferentes tipos de abordagens metodológicas ao

conectar esses dois campos a fim de promover um diálogo. Cabe aqui destacar –

sinteticamente– como se deu este processo da tomada de consciência pela Teologia de

que a igreja deveria posicionar-se a favor dos oprimidos e desfavorecidos, promovendo

assim o crescimento e um justo estabelecimento do Reino de Deus aqui na terra. Pois,

foram por intermédio da Teologia da Libertação que impulsionou e possibilitou o

surgimento de grupos latino-americanos vinculados ao tema aqui proposto.

5.1 DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A emancipação da América Latina foi experimentada no século XX a partir da

formação de uma “resistência intelectual” 119

ao sistema a qual estava submetida,

sistema de exploração e de dependência dos países que a colonizara. Esse processo de

Libertação latino-americana, mesmo após a abolição da escravatura no século XIX,

tomou corpo em meados do século XX, pois paradoxalmente, recebeu influência das

ideias e revoluções europeias.

Todo potencial adquirido e vivido na Europa com a Revolução Francesa, e a

plena reflexão crítica de emancipação adquirida pelas duas ilustrações- os

quais caracterizaram a reflexão intelectual da Europa moderna- foram

absorvidos em terrenos latino-americanos não somente como signo de

emancipação de uma burguesia moderna que se emancipava das tradições e

de um passado entendido como obscuro. Essa revolução do pensamento na

América Latina dá-se também sob o signo da revolução dos explorados por

essa mesma burguesia moderna, realizando assim uma apropriação das ideias

dos dominadores pelos povos dominados, possibilitando o nascimento de

uma reflexão genuinamente latino-americana. Nesse sentido, a tomada de

consciência no continente latino-americano se dá a partir do intercâmbio com

um “saber universal”, elaborado a partir de uma reflexão crítica que é reflexo

de um processo de emancipação que contagiou toda a civilização ocidental,

despertando na América Latina a sua consciência de dependência dos países

desenvolvidos - os quais deixam às vistas as trágicas consequências do

histórico processo de colonização. 120

119

CABRAL, 2009, p.66. 120

Ibidem, p.70.

5.1.1 O Protestantismo no Processo de Libertação latino-americana

Nas décadas de 1960 e 1970 toda a América Latina vivia momentos de

turbulências, a mudança gera desconforto, o Brasil vivia a Ditadura Militar, nesse

contexto de “efervecência cultural e política” 121

de revolução, de tomada de

consciência e exercício de reflexão rumo a liberdade completa dos colonizadores que

ainda exerciam o poder formou-se as bases fundamentais da Teologia da Libertação 122

e destacam-se nomes como Gustavo Gutiérrez, Juan Luiz Segundo, Richard Shaull e

seu orientando Rubem Alves. Antônio Carlos de Melo Magalhães também aponta Pedro

Trigo em seu livro Deus no espelho das palavras, em seu terceiro capítulo. O que

justifica o caminho escolhido para apresentar o diálogo teoliterário na América Latina,

pois Magalhães aponta esses trabalhos como “pioneiros no interesse pelo diálogo com a

literatura ainda na primeira fase da Teologia da Libertação”. 123

5.1.1.1 O contexto histórico-político e a influência de Richard Shaull

No contexto protestante, Richard Shaull (missionário da Igreja Presbiteriana) quem

deu início a uma teologia revolucionária que busca a Libertação da América Latina. Em

meados da década de 1950 Shaull influenciou a fundação de uma “Comissão de Igreja e

Sociedade” no Brasil, a qual era “entendida como um organismo ecumênico vinculado

ao Conselho Mundial de Igrejas, que procurou realizar uma reflexão teológica a partir

dos interesses e realidades sociais da América Latina”. 124

Shaull também foi professor do Seminário Teológico Presbiteriano do Sul, em

Campinas, mas foi expulso do Brasil pela sua própria igreja, e da Colômbia, talvez seja

a sua própria história que o influenciou a escrever “Teologia da Revolução” em 1966 125

em Genebra. Nas palavras do teólogo pastor presbiteriano Jonas Rezende, aluno de

Shaull:

121

CABRAL, J. S. Op. Cit. p.70. 122

Ibidem, p.74. 123

MAGALHÃES, A. Op. Cit. p. 84. 124

CABRAL, J. S. Op. Cit. p.73. 125

Ibidem, p.74.

Falar assim é dizer muito pouco porque o reverendo Richard Shaull foi um

missionário americano que revolucionou o pensamento cristão na América

Latina, e particularmente no Brasil, de forma radical, sem deixar de ser

igualmente o protótipo do homem preocupado com uma Teologia Pastoral

consequente. Não é nenhum exagero dizer que a mentalidade cristã brasileira

sofreu tão forte influência desse pastor, que podemos considerar a vida e

prática de nossas Comunidades passíveis de serem separadas em dois

momentos distintos e bem diferentes: antes e depois de Shaull. [...] Foi com

Shaull que tive oportunas indicações de livros sérios que não estavam nas

prateleiras das livrarias protestantes e que ainda resistem em minha

biblioteca. Parecia natural respeitar os profetas malditos, como Nietzsche ou

Sartre, e veicular a mensagem cristã através do romance e do teatro. E por

que não conhecer os cronistas do absurdo como Kafka e Ionesco ou a

honestidade intelectual e a clarividência de Karl Marx? Aprendi com ele

também a participar dos primeiros diálogos ecumênicos abertos e adultos

entre teólogos católicos e protestantes, que o próprio Shaull promoveu em

nosso Seminário. 126

Antes, porém, de se apontar a importância de Gutiérrez para a Teologia da

Libertação (já que fora ele quem deu início oficialmente a essa teologia), cabe destacar

Rubem Alves, “por ser ele o primeiro a se apropriar de uma forma do fazer teológico

que pode ser incluído dentro da teopoética, sem que ele tivesse a intenção de

desenvolver uma longa discussão sobre o método”. 127

5.1.1.2 Rubem Alves: de uma Teologia da Esperança Humana à Teopoética

Rubem Alves no final da década de 1970 escreveu Religião e Repressão, e em

1969, especificamente, escreveu A Theology of Human Hope, obra traduzida e

publicada pela editora Papirus por Da esperança. Ambas as obras analisam de forma

crítica a tradição cristã ocidental, compara as estruturas do cristianismo ao longo de uma

história de opressão e conquista, assim como seus desdobramentos entre os evangélicos

e os católicos.

O clima entre os intelectuais era de libertação. Shaull já havia escrito a Teologia

da Revolução, e Alves também caminhava nessa direção. Entretanto, sua obra não foi

intitulada “Teologia da Libertação”, muitos consideram Alves o iniciador da Teologia

da Libertação, mas quem possui a primeira obra com essa nomenclatura é Gutiérrez.

Alves aborda essa necessidade do homem de alcançar plenamente a liberdade,

parte do ponto de vista histórico moderno para a libertação histórica do homem em

126

LONGUINI, L. Diálogos rumo a uma teologia pastoral consequente. In: ALMEIDA, E.F. (Org.).

Teologia para quê? Rio de Janeiro: Mauad, 2007. p. 57-59. 127

MAGALHÃES, A. 2009. p.176.

todas as suas dimensões. Rompe completamente com qualquer tipo de tradição sacra, 128

buscando compreender a realidade humana, suas linguagens, dentro de seu contexto,

sobretudo histórico.

Em seu livro Religião e Repressão frequentemente Alves faz uso da metáfora

das gaiolas de ferros, pois era assim que se sentia engaiolado por anos numa prisão.

Trinta anos após escrever esse livro, ao publicá-lo novamente, comenta antes do

prefácio:

Quando escrevi este livro, ao final da década de 1970, havia profundas

diferenças entre os cenários da Igreja católica e do protestantismo que

procuro analisar. A igreja católica, tradicionalmente a cavalo no poder,

andava a pé sob a suspeita de ser um foco subversivo. Era-lhe, portanto, de

importância crucial defender a si mesma, protegendo-se da intromissão

militar. Naquela situação, no entanto, proteger-se implicava proteger o seu

clero perseguido. A Igreja tornou-se uma galinha que cobre os seus pintos

com as suas asas. Em situação de guerra os perseguidos esquecem de suas

palavras. Que importa se se pensa assim ou assado quando o que está em

jogo é a vida? Os perseguidos se dão as mãos, tornam-se irmãos. Aquele foi

um momento de tolerância teológica e abertura ecumênica. 129

Essa dinâmica de união que corroborou ao ecumenismo, também possibilitou a

abertura da teologia e seu crescente interesse à cultura, e consecutivamente às artes em

geral, à literatura. Rubem Alves busca um diálogo com as teologias europeias, não

tentou reconstruir a tradição assim como os teólogos da libertação. Ao dirigir-se aos

europeus em suas pesquisas a respeito da modernidade, conseguiu dialogar “com as

mais importantes correntes do pensamento moderno, possibilitando um profundo

rompimento com as tradições metafísicas da teologia cristã.”130

Teologia que, por meio

dos missionários, visavam a dominação dos países de terceiro mundo, ou seja, a

América Latina.

Alves faz teologia de um modo muito peculiar, ou pode-se dizer que Alves faz

somente poesia? Seu estilo literário foi tomando corpo ao longo dos anos de modo que

ambas escritas se entrelaçam. Além de teólogo presbiteriano, Rubem Alves também é

um grande educador, poeta e psicanalista. Para exemplificar esse estilo revolucionário

de coagir o leitor ao pensamento autônomo, sem exaltar à ciência de modo exacerbado,

nada melhor que uma nota do próprio autor:

128

CABRAL, J. S. Op. Cit., p.79. 129

ALVES, Rubem. Religião e Repressão. São Paulo: Loyola, 2005. p.11. 130

CABRAL, J. S. 2009. p.77.

Este não é um livro para ser apenas lido. Ele contém materiais a ser

trabalhados. Sem esse trabalho, tudo será inútil. Esse texto que você leu,

como tudo o mais, é um enigma que você deve decifrar. Estou tentando

mostrar que existe uma continuidade entre o pensamento científico e o senso

comum, aqui representado pela magia. 131

A impressão que se tem ao ler qualquer de seus livros, é que Rubem Alves fala

de modo simples, cotidiano, porque são esses os seus temas. Porém, ao fazer uma

leitura mais atenta, percebe-se a sua gama de conhecimentos e referências que ele faz o

tempo todo em cada palavra. Esse estilo próprio de escrever, tão original, foi

desenvolvido a partir de seus pressupostos: onde a teologia não deve ser amarrada e

tornar-se “meros objetos de racionalização e conceituação, mas, antes de tudo, residem

nos corpos das pessoas”. 132

Rubem Alves resgata em seus textos a beleza da vida, e a simplicidade desse

viver. Onde o divino se apresenta na criação, na reinvenção da vida, no cotidiano, entre

os pobres, nas crianças. Num estudo biológico e físico, onde o desejo e a volúpia se

apresentam de tal modo que a razão não supera essa força. Nessa espiritualidade

apresentada por Alves em resgate à cultura, pode-se dizer que Alves não dialoga com a

cultura, se posicionando de um lado oposto, ao lado acadêmico-teológico, mas essas

áreas se fundem. Expressando, assim, a sua conceituação de teologia:

Digo isto para sugerir que, para aqueles que a amam, a teologia é uma função

natural como sonhar, ouvir música, beber um bom vinho, chorar, sofrer,

protestar, esperar [...]. Talvez que a teologia nada mais seja que um jeito de

falar sobre tais coisas, dando-lhes um nome e apenas distinguindo-se da

poesia porque a teologia é sempre feita como prece [...]. Não, ela não decorre

do “cogito”, da mesma forma como poemas e preces. Ela simplesmente brota

e se desdobra, como manifestação de uma maneira de ser: “suspiro da

criatura oprimida” – seria possível uma definição melhor?133

Dentro de sua definição de teologia, a crítica às tradições ocidentais se apresenta

de forma pontual e severa. Ele busca um distanciamento do método teológico ocidental

de lidar com a vida, de forma radical Rubem Alves se afasta da tentação de racionalizar

a “narrativa poética da fé” 134

e da eliminação de alguns símbolos que acompanham a fé,

131

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Loyola, 2000.

p. 18. 132

MAGALHÃES, A. 2009, p.177. 133

ALVES, R. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo: Paulus, 1982. Apud MAGALHÃES, A.

2009, p.179. 134

MAGALHÃES, A. 2009, p. 180.

como fizeram os protestantes, apropriando-se da linguagem, apenas, e ainda de forma a

autenticar seu discurso.

O protestantismo acolheu e produziu a arte de maneira seletiva. À pujança de

sua música, representada por um Bach, contrapõe-se um imenso vazio no

setor das artes plásticas. Basta que se entre numa igreja protestante para que

isso se torne evidente. Não há quadros, não há representações do divino. Os

templos se parecem mais com salas de aulas. O protestantismo privilegia a

palavra em oposição à contemplação. Isso não é acidental. Tem raízes

teológicas. Em contraposição aos católicos, que enfatizam a dimensão

contemplativa e visual da experiência religiosa, os protestantes viram no

segundo mandamento um interdito que lhes impôs um rigoroso ascetismo

artístico. “Não farás para ti imagem de escultura”: o divino não pode ser

representado. Representar o divino é idolatria. Já que o divino não pode ser

representado pela forma, pela cor e pelo movimento, restou ao protestantismo

indicá-lo por meio da linguagem. Por esta razão o meio por excelência pelo

qual os protestantes vivem a religião é a linguagem: eles pregam, eles ouvem,

eles cantam. 135

A singularidade de Rubem Alves ao lidar com as problemáticas de seu tempo de

forma poética reconstruindo o saber teológico, apresenta-se como um novo modelo de

Teopoética, o oposto do apresentado por Kuschel136

. A seguir serão discutidos esses

contrapontos metodológicos, antes, porém, cabe apresentar outro método para o diálogo

teológico-literário, o método da Teologia da Libertação com o início de Gustavo

Gutiérrez.

5.1.2 O Catolicismo no Processo de Libertação latino-americana

O Concílio Vaticano II é de extrema importância para a tomada de consciência e a

abertura da igreja para a sociedade, já que foi o evento que confirmou na Gaudium et

Spes “duas encíclicas: Mater et magistra e Pacem in temis”,137

os teólogos abriram

novos caminhos a pastoral. Assim, sem desconsiderar o sofrimento do povo e a

opressão aos pobres, os teólogos passaram a formular respostas e a se posicionar,

somente, após uma breve análise da realidade social e eclesial.

A pergunta não era mais “como salvar minha alma”, mas “como ajudar a

salvar o mundo”, uma vez que a missão da Igreja a relacionava com todas as

realidades criadas, como ensinava o Concílio Vaticano II. Desde a proposta

inicial de Gustavo Gutierrez, passando pela elaboração de Leonardo Boff e

135

ALVES, R. Religião e Repressão. São Paulo: Loyola, 2005. p.159. 136

MAGALHÃES, 2009, p.180. 137

Ibidem, p. 37.

chegando a sistematizações mais definitivas como as de Juan Luis Segundo

ou Jon Sobrino, a teologia da libertação, com sua ruptura epistemológica,

provocou grandes transformações na igreja e na sociedade da América

Latina; desde a pergunta sobre “onde vão dormir os pobres” até a angústia de

“como descer da cruz os povos crucificados”, sua preocupação fundamental

era com estruturas sociais injustas que promovem a morte e o sofrimento de

grande parte das populações do continente. 138

A Teologia da Libertação abrangeu vários aspectos teológicos e sociológicos, e

renovou a perspectiva eclesiológica, onde a afirmação tão defendida por anos pela

Igreja de que “fora da igreja não há salvação” foi lida a partir da história, considerando

o contexto da comunidade do primeiro século- quando essa mensagem foi proferida, e

então, passando por toda a idade média, para a compreensão dos rumos que essa

ingênua afirmação tomou. Após a modernidade, tendo passado a Reforma, a Revolução

Francesa e até mesmo o Concílio Vaticano II, essa posição da igreja mudou, passou a

buscar mais o seu papel, a sua função, nesse processo que existe independente da igreja,

do homem encontrar-se com Deus e encontrar a salvação e liberdade.

5.1.2.1 Gustavo Gutiérrez: Teologia da Libertação- Perspectivas

Gustavo Gutiérrez deu o passo inicial na construção e desenvolvimento da

Teologia da Libertação na América Latina. Em seu livro Teologia da Libertação-

Perspectivas139

aponta o desenvolvimento dessa nova perspectiva teológica que

reconfigura a função e forma de atuação da Igreja na sociedade e no mundo.

A tomada de consciência para o início do processo de libertação se deu no início

da década de 50 devido ao otimismo crescente frente às chances de desenvolver-se

140economicamente de modo a não depender mais dos países que colonizaram a

América Latina parando, então, de exportar matéria prima e focando no

desenvolvimento do comércio interno.

A Teologia da Libertação Latino-americana, especificamente, surgiu na década de

60, pois devido às políticas econômicas desumanizadoras, com a teoria da dependência

138

MANZATTO, A. in Teologias e Literaturas, 2011, p.145. (ROCHA, Alessandro Rodrigues (org.)). 139

GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1985. 140

Ibidem, p. 75.

141, por exemplo, os países chamados de subdesenvolvidos não deveriam mais

permanecer subjugados e explorados, mas lutar pelo fim das injustiças sociais.

O objetivo principal da Teologia da Libertação consistiu em servir ao mundo e se

universalizar em seu conteúdo profético contra toda forma de dominação e opressão que

empobrece e compromete a vida humana em qualquer sociedade 142

, e isso não acontece

sem luta. Encaixou-se, então, a participar como igreja desse movimento de libertação

que já havia iniciado, mesmo que seja preciso uma revolução social para libertar-se dos

países capitalistas que os oprimiam 143

, como os EUA. Assim, surgiram os guerrilheiros

com o intuito de unificar a massa em pouco tempo por meio de uma radical linha de

esquerda, ao invés de uma organização partidária.

Buscaram comprovar que a luta por libertação foi um fenômeno comum aos vários

povos do mundo que sofreram com o problema da colonização, da dominação e da

dependência. O próprio termo “terceiro mundo” já sugere a superioridade dos países

que já estão classificados no que seria o “primeiro” e “segundo mundo”, sendo nada

mais que uma questão social e econômica imposta por eles mesmos.

O marxismo- com sua crítica ao capitalismo, contribuiu para esta postura crítica

do “terceiro mundo”. 144

Assim, nesse ponto de vista, a teologia da libertação ou os

movimentos latinos que visavam a libertação da sociedade desse sistema opressor, não é

tão original da América Latina, mas também é herança dos “países superiores”, como

herdeiros que são do socialismo marxista, principalmente. Mas alguns importantes

pensadores desse movimento ativista para a liberdade como José Carlos Mariátegui 145

afirma que o essencial é partir das intuições de Marx e firmar à realidade histórica

original, sendo fiel a essa realidade, possibilitando a criação de uma nova teoria que seja

mais consistente, mais sólida.

141

Ibidem, p. 78. 142

Ibidem, p. 84. 143

Idem.

144

Veja a página 37 do livro de Gutiérrez, onde ele argumenta a visão marxista quanto a liberdade do

homem adquirida quando se vive numa sociedade socialista. “Analisando a sociedade capitalista em que

se dá concretamente a exploração de uns homens por outros, de uma classe social por outra, e assinalando

as vias de saída para uma etapa histórica em que possa o homem viver como tal, Marx cria categorias que

permitem a elaboração de uma ciência da história. Tarefa aberta, contribui esta ciência para que o homem

dê um passo à frente na senda do conhecimento crítico, ao fazê-lo mais consciente dos condicionamentos

sócio-econômicos de suas criações ideológicas, e portanto mais livre e lúcido em face delas. Ao mesmo

tempo, porém, permite-lhe – se deixar para trás toda interpretação dogmática e mecanicista da história –

maior domínio e racionalidade de sua iniciativa histórica. Iniciativa que deve assegurar a passagem do

processo de produção capitalista ao processo de produção socializada da riqueza, supressa a apropriação

privada de mais-valia, estabelecendo o socialismo, possa o homem começar a viver livre e humanamente.

GUTIÉRREZ, 1985, p.37. 145

Ibidem, p.86.

Nesse processo cabe destacar, também, a importância de Paulo Freire com suas

teses “que contagiam uma geração de pensadores cristãos plenamente engajados num

processo de resistência aos mandos e dominação de uma cultura imperialista e

eurocêntrica”. 146

Em sua “pedagogia do oprimido”- por meio da conscientização,

unindo teoria e prática, o ser humano pode estabelecer novas relações consigo e com o

mundo modificando a sua realidade.

Passe deste modo de uma “consciência ingênua” – que não problematiza, que

superestima o tempo passado, tende a aceitar explicações fabulosas e busca

polemizar, - a uma consciência crítica, que aprofunda os problemas, é aberta

ao novo, substitui as explicações mágicas pelas causas reais e tende a

dialogar. Neste processo, denominado por Freire “conscientização”, o

oprimido “extrojeta” a consciência opressora que nele habita, adquire

conhecimento de sua situação, encontra sua própria linguagem e torna-se, ele

próprio, menos dependente, mais livre, comprometendo-se na transformação

e construção da sociedade. Precisemos, além disso, que a consciência crítica

não é um estado a que se chega de uma vez por todas, porém um esforço

permanente do homem que procura situar-se no espaço e no tempo, para

exercer sua capacidade criadora e assumir suas responsabilidades. A

consciência é, portanto, relativa a cada etapa histórica de um povo e da

humanidade em geral. 147

Em sua conclusão, Gutiérrez aponta a luta como cerne para a interrupção de todo

tipo de exploração. Essa luta deve ser para todo tipo de opressão, a fim de consolidar

uma nova sociedade, um homem novo, que por meio do compromisso com a luta pela

injustiça os próprios oprimidos alcancem livremente a posição de poder expressar-se, ter

voz e apontar de forma criativa-criadora seus pontos de vista para uma plena vida em

sociedade. 148

Por meio, então, da esperança de que há no ser humano, eles devem tomar

consciência de sua função como agentes da própria libertação. Assim, se a igreja não

tomar posse desse papel de interventora para promover a libertação das classes mais

oprimidas, por meio da luta, mas também pela caridade- pelo amor, a Teologia da

Libertação pouco terá servido, não terá relevância, continuará racionalizando o

evangelho sem a ação que esse evangelho incube. 149

146

CABRAL, J. S. Op. Cit., p.88. 147

GUTIÉRREZ, G. Op. Cit., p.88. 148

Ibidem, p.250. 149

Idem.

5.2 FORMAÇÃO DA ALALITE

Em Março de 2007 150

com o renomado e saudoso Carlos Barcellos e seus colegas

argentinos e chilenos, além de estudiosos brasileiros dessas respectivas áreas,

consolidou-se a Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia após reuniões

regulares na PUC-Rio. Por certo tempo já se discutia sobre essa interdisciplinaridade

nessas áreas que nas palavras da Eliana Yunes 151

“falam para além do seu tempo, pelo

deslocamento da linguagem de seu uso ordinário e falam ambas das grandes questões

que atravessam a condição humana”. Porém, foi com a criação da Alalite que esse novo

campo de estudos ganhou força na América Latina.

Essa Associação visa reunir pesquisadores latino-americanos que também estão

entrelaçados e debruçados à procura de desenvolvimento desse tema, fomentando o

intercâmbio entre os acadêmicos interessados. Com encontros bianuais, a Alalite visa a

consolidação de vínculos entre os países latino-americanos, mas também está aberta à

associações com grupos, pesquisas, de outros continentes. 152

O primeiro encontro de especialistas ocorreu em 2001, promovido pelo Centro

Loyola. No ano seguinte esse grupo preferiu restringir a preparar uma Jornada sobre

Carlos Drummond de Andrade, então, nos anos seguintes houve as reuniões tendo o ano

de 2007 a consolidação efetiva da Alalite.

Numa entrevista concedida à revista eletrônica Teoliterária, a presidente da

ALALITE, Eliana Yunes responde a seguinte pergunta: “Na sua visão de presidente da

ALALITE, como anda a pesquisa em Teologia e literatura no Brasil e na América

Latina”?

O campo da Teopoética, difundido com êxito pelos professores Karl-Josef

Kuschel e Paul Tillich começou a interessar pesquisadores católicos e

protestantes nas décadas de 80/90, mas ganhou força e visibilidade entre nós,

nos últimos anos com a criação da Alalite. Há um movimento forte por

localizar parceiros de estudos em diferentes universidades, do México à

Argentina, a ampliação de diálogos com estudiosos europeus e sobretudo um

interesse que se materializa em novos grupos de pesquisa, seminários de

sociedades e núcleos de estudos antes restritos a uma só destas áreas (poética

e religião) e publicações partilhadas por diferentes vozes acadêmicas no

diálogo entre ficção e teologia. Mas é possível fazer muito mais, tanto para

expandir os estudos que contribuam para alargar as fronteiras da literatura

e/ou para dar espaço a uma teologia pública quanto para qualificar em novo

150

Site da ALALITE. Disponível em <http://www.alalite.org/pt/nossahistoria.html> acessado em:

21/08/12. 151

YUNES, Eliana. Revista Teoliterária. Entrevista com a Eliana Yunes. 152

http://www.alalite.org/pt/quem-somos.html acessado em: 21/08/12.

horizonte a interdisciplinaridade que trata do humano diante do mistério.

Estamos começando apenas... 153

A Alalite tem por objetivo aproximar os diversos grupos e pesquisadores latino-

americanos, dedicados ao diálogo entre Literatura e Teologia assim “grupos cadastrados

no Cnpq como Lerte,Tal, Lar, Teopoética que integram a Alalite através de adesões

individuais de seus membros” através do pagamento de 100 dólares por ano, ao mandar

o email ao endereço eletrônico ([email protected]) e ser aprovado, terá

automaticamente o direito de se inscrever no seminário internacional, que como já fora

dito, acontece a cada dois anos, quando há alternação do corpo da direção, assim como,

da presidência. 154

Quanto aos fundadores da associação, três membros são brasileiros, um é argentino

e o outro, chileno. Eles se encontraram em Santiago, no Chile, em 2005, dos dias 26 a

29 de setembro a fim de potencializar as pesquisam que vinham estudando

isoladamente. No X Seminário de Literatura e Fé, 155

Eliana Yunes, Maria Clara

Luchetti Bingemer e José Carlos Barcellos representaram o Brasil, com Os seminários

de Pós-graduação e com as pesquisas do Centro de Teologia e Ciências Humanas da

PUC-Rio, “seguidos de trabalhos de pesquisa e extensão desenvolvidos em outras

universidades do Brasil”. 156

Clemens Kurken Franken organiza desde 1987 Os

Seminários de Literatura e Fé na Faculdade de Letras da PUC-Chile. E, por fim, Cecilia

Inés Avenatti de Palumbo157

que dirige desde 1998 O Seminário Interdisciplinar

Permanente de Literatura, Estética e Teologia do Instituto de Pesquisas Teológicas da

Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica da Argentina e as Jornadas:

Diálogos entre Literatura, Estética e Teologia que as Faculdades de Letras e de

Teologia realizam em Buenos Aires desde 2002.

Nessa primeira reunião informal, além desses professores citados, também

estiveram presentes em Santiago o Dr. Alberto Toutin Cataldo (Faculdade de Teologia

da PUC-Chile), Dr. Jaime Galgani (Faculdade de Letras da Universidade Católica Silva

Henríquez) e o Dr. Jaime Blume (Instituto de Estética da Faculdade de Filosofia – PUC-

Chile).

153

Revista Teoliterária. Entrevista com a Eliana Yunes. 154

Entrevista Eliana Yunes. 155

Site da ALALITE: Acessado em: 156

Idem. 157

http://www.alalite.org/pt/membros/membrosfund.html

5.3 GRUPOS DE TEOPOÉTICA NO BRASIL

Há 10 anos as discussões e os trabalhos acadêmicos entre a Teologia e a

Literatura no Brasil. O início dessa interdisciplinaridade, em solo brasileiro, deu-se em

1994, 158

com o trabalho do padre Antônio Manzatto que escolheu a obra Tenda dos

Milagres de Jorge Amado para comparar a antropologia teológica – a partir da virada

antropológica que ocorreu em meados do século XX de modo que o indivíduo possa dar

sentido a sua fé a partir de sua experiência – à antropologia literária.

Nesse livro de Manzatto, Teologia e Literatura – Reflexão Teológica a partir da

Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado, a Teologia abordada por ele não

considera somente a reflexão a cerca da Palavra de Deus, mas também o contexto o qual

a pessoa que ouvirá essa palavra está inserida, de modo que ela encontre sentido em seu

existir a partir da Teologia, a partir de sua experiência com Deus, ou seja, é uma

Teologia que procura conectar-se às questões de seu tempo, tal qual fizeram os autores

bíblicos, e como devem fazer os teólogos atualmente. Essa postura teológica prevaleceu,

sobretudo, na América Latina, tal qual foi abordado anteriormente a respeito da

Teologia da Libertação. Segundo Barcellos, o método utilizado:

[...] poderia ser chamado de leitura teológica da Literatura. Trata-se de ir à

literatura em busca de um testemunho qualificado acerca de uma dada

realidade humana e de, num segundo momento, refletir sobre a realidade

assim apreendida a partir dos métodos próprios da teologia. Esse tipo de

abordagem é potencialmente muito fecundo e, a rigor, pode ser aplicado a

qualquer obra literária, na medida em que qualquer obra literária é sempre

um testemunho acerca de um aspecto da condição humana no mundo e não

há nenhum aspecto dessa condição que não seja passível de uma

perspectivação teológica. 159

Infelizmente, o renomado teólogo e letrado José Carlos Barcellos, nascido no Rio de

Janeiro em 19 de julho de 1958, faleceu no dia 14 de fevereiro de 2008 devido a um

câncer. Mas seu legado é essencial aos interessados ao diálogo. Ele atuou,

principalmente, nos temas: Literatura e Teologia, Autobiografia, Julien Green.160

Barcellos doutorou-se nas duas áreas 161

em que promoveu o diálogo, suas análises

158

Revista teoliterária. Alex Villas Boas. 159

LONGUINI, L.; ALMEIDA, E.F. (Org.). Teologia para quê? Rio de Janeiro: Mauad, 2007. p.118. 160

Ibidem. p.158. 161

Na área de Letras, Barcellos tem o título de bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo

(1982), Licenciatura em Letras pela mesma universidade (USP em 1984), e doutor em 1991. Na Teologia,

metodológicas não privilegiam somente uma área teórica em detrimento da outra.

Teologia e Literatura, segundo Barcellos, relacionam-se num campo interdisciplinar,

onde o diálogo não se restringe a análises teológicas e literárias paralelamente, muito

menos se utilizará da Literatura como mero pretexto para o levantamento de questões

teológicas pressupondo que o leitor já esteja sintonizado com as questões teológicas

levantadas na leitura teológica da literatura. 162

Barcellos estabelece alguns parâmetros para esta relação, aponta seis métodos que

tem sido utilizado como: o método histórico-crítico; uma leitura teológica da literatura,

feita por Manzatto, por exemplo; o método de Gesché onde a literatura é considerada a

epistemologia da teologia; hermenêutica literária, por Pie Duployé; método da analogia

estrutural defendida por Kuschel, e por fim, o método de Cecília Avenatti na obra de

Hans Urs von Balthasar, onde a análise da figura estética da literatura “que se torna

patente o caráter dramático da existência humana no mundo e que se abre caminho a

um movimento em direção à plenitude da verdade”. 163

Quanto aos métodos utilizados para o diálogo entre a Literatura e a Teologia,

José Carlos Barcellos e Antônio Carlos Magalhães descrevem a respeito de métodos e

metodologias. As classificações são diferentes, mas cabe aqui citá-las, ao mínimo.

Segundo a ALALITE, no Brasil há cinco grupos de pesquisa:

NUTEL, Núcleo de Estudos Comparados entre Teologia e Literatura com

sede na Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. Diretora: Salma

Ferraz. Principais membros: Rafael Camorlinga, Teresa Arrigoni, Silvana de

Gáspari, de UFSC e Waldecy Tenório da USP.

Universidade Federal de Santa Catarina, UFPR. Paulo Söethe que trabalha de

forma isolada em Curitiba Paraná.

Universidade Estadual da Paraíba, UEPB. Principais membros: Eli Brandão,

Antonio Carlos Magalhães, Douglas da Conceição.

Grupo Literatura e Sagrado sediado na ANPOLL. Coordenadora: Suzi

Frankel Sperber. Principais membros: Waldecy Tenório, Salma Ferraz,

Marcos Lopes, Rafael Camorlinga, Teresinha Zimbrão, Luis Dreher, João

Cesário Leonmel Ferreiro, Adna Candido de Paulo. A home page da

ANPOLL é http://www.anpoll.org.br/site/

Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF. Principais membros: Luis

Dreher e Eduardo Gross. Este grupo de Pesquisa está vinculado ao Programa

de Pós Graduação em Teologia, nível Mestrado e Doutorado da UFJF,

Universidade Federal de Juiz de Fora. Este curso de Pós Graduação é o

Barcellos também teve uma extensa carreira na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(PUC), obteve o título de bacharel em Teologia em 1993, mestre em Teologia Sistemático Pastoral em

1996, doutor na mesma área (Teologia Sistemático Pastoral) no ano de 2000. E em 2001 tornou pós-

doutor pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). 162

Ibidem, p.114. 163

Ibidem, p.124.

primeiro dentro de uma Unviersidade Pública no Brasil e é muito bem

conceituado. Eles publicam a Revista NUMEM, que é muito conceituada. A

home page é http://www.ufjf.br/ppcir/

O grupo de pesquisa, NUTEL, liderado por Salma Ferraz, tem por objetivo

pesquisar a finco a Teopoética “mediante a discussão dos componentes essenciais:

Literatura e Teologia; desencontros, encontros e parcerias dessas duas áreas do

conhecimento, no mundo ocidental”.164

Os trabalhos desse grupo de pesquisa tem se

mostrado os mais diversos, chama-se de Teopoética estudos comparados entre teologia

e literatura que originou antes do cristianismo:

[...] a ideia de Teopoética nasceu antes do cristianismo. Santo Agostinho não

aceitava a Teopoética, era frontalmente contra a reivenção e reinterpretação

poética de textos sagrados da Bíblia efetivada pelos poetas de uma forma

mítica ou fabulosa. O que Agostinho na realidade pretendia era “enterrar a

teologia poética e mantê-la firmemente reprimida pelos próximos mil anos”.

Segundo Cuppit, Agostinho não queria rivais, queria o monopólio da

Teologia para si. 165

164

Ementa no site da UFSC. 165

FERRAZ, Salma. (org.) Polén do divino: textos de teologia e literatura. Florianópolis: FAPESC, 2011.

p.19

6. CONCLUSÃO

Através de uma leitura historiográfica da consolidação entre a Literatura e a

Teologia pode-se constatar que a Reforma Protestante deixou um riquíssimo legado

para a Literatura, em especial, com a invenção da imprensa por Gutenberg. Pois por

meio da divulgação de livros, houve um aumento de interesse por leitores. Aos poucos,

o clero, a nobreza, deixou de conter todo o conhecimento (o poder) e a sociedade passou

a ter acesso à cultura. Esse processo durou um longo período, e teve o seu ápice nos

séculos XVIII e XIX.

Um dos princípios da Reforma Protestante consiste no livre exame das

Escrituras, essa liberdade com a letra, incentivou a gestação de novas literaturas fora do

âmbito confessional. Por outro lado, esse espírito protestante que instaura a crítica

desencadeou o surgimento do secularismo e da moral iluminista, estas, por conseguinte,

possibilitou a separação da espiritualidade com a academia científica. Porém, em

meados do século XX, alguns autores europeus como Romano Guardini, Henri

Bremond e Pie Duployé tentam restabelecer o diálogo entre a Literatura e a Teologia, a

partir da Teologia da Cultura de Paul Tillich.

Por meio de um levantamento de dados, num viés historiográfico, são apontados três

autores como Robert Alter, Harold Bloom e Jack Milles que analisam a Bíblia

literariamente (análise crítica-literária) a respeito das personagens da Bíblia, inclusive,

Deus como personagem. Essa forma de analisar a Bíblia como Literatura é mais uma

forma da Teologia dialogar com a Literatura.

Constatou-se por meio dessa pesquisa uma abertura da Teologia à cultura, no geral,

a partir de Paul Tillich e do Concílio do Vaticano II. E por fim, através da fundação da

ALALITE, percebeu-se essa reconciliação de uma Teologia experiencial, que vivencia o

Sagrado, com as artes em geral, em especial à Literatura, pois esta se apresenta como

expressão da realidade e também da fé.

Assim, os interessados nessas áreas acadêmicas podem ter referências de algumas

das principais obras, dentro do contexto os quais foram escritas, possibilitando o

surgimento de novas constatações a respeito dos métodos e metodologias. E ainda, uma

possível definição do conceito denominado Teopoética.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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