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Faculdade de Direito - Universidade de São Paulo ...Paulo Ferreira da Cunha ∗∗∗ ∗ Arguição da Tese de Doutorado da Senhora Dr.ª Ione Maria Domingues de Castro, Direito

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    La responsabilidad por el contenido de los artículos publicados recae única y exclusivamente en sus autores, los cuales han cedido a la Comisión

    de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo los respectivos derechos de reproducción y/o publicación. Queda

    prohibido el uso con fines comerciales de este contenido. 1

    *Arguição da Tese de Doutorado da Senhora Dr.ª Ione Maria Domingues de Castro, Direito à Saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário, orientada pela Professora Associada Livre-Docente Doutora Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux, São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 12 de março de 2012.

    ∗∗Arguição da tese de Doutoramento da Senhora Dr.ª Tatiana Penharrubia Fagundes, O Controle das Contas Municipais, orientada pela Senhora Professora Associada Livre-Docente Doutora Monica Herman Salem Caggiano. São Paulo, 5 de março de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

    ∗∗∗Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

    Arguições de Doutorado

    Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

    SOBRE DIREITO À SAÚDE∗

    CONTAS MUNICIPAIS∗∗

    Paulo Ferreira da Cunha∗∗∗

    n. 21, 2013

  • Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    ©2011 Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte (Postgraduate Studies Commission of the School of Law of the University of Sao Paulo. This publication may be reproduced in whole or in part, provided the source is acknowledged / Comisión de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo. La presente publicación puede ser reproducida total o parcialmente, con tal que se cite la fuente.

    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO / UNIVERSITY OF SAO PAULO / UNIVERSIDAD DE SÃO PAULO Reitor/Dean/Rector: João Grandino Rodas Vice-Reitor/Vice Dean/Vice Rector: Hélio Nogueira da Cruz Pró-Reitor de Pós-Graduação/Provost of Postgraduate Studies/Prorrector de Posgrado: Vahan Agopyan Faculdade de Direito/Scholl of Law/Facultad de Derecho Diretor/ Principal/Director: Antonio Magalhães Gomes Filho Vice-Diretor/Deputy Principal/Vice Director: Paulo Borba Casella Comissão de Pós-Graduação/Postgraduate Studies Commission/Comisión de Posgrado Presidente/President: Monica Herman Salem Caggiano Vice-Presidente/Vice President: Estêvão Mallet

    Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux Francisco Satiro de Souza Júnior Gilberto Bercovici José Maurício Conti Luis Eduardo Schoueri Renato de Mello Jorge Silveira Silmara Juny de Abreu Chinellato Serviço Especializado de Pós-Graduação/Postgraduate Specialized Service Office/Servicio Especializado de Posgrado Chefe Administrativo/Chief Administrator/Jefe Administrativo: Maria de Fátima S. Cortinal Serviço Técnico de Imprensa/Public Affairs Office/Servicio Técnico de Prensa Jornalista/Journalist/Periodista: Antonio Augusto Machado de Campos Neto Normalização Técnica/Technical Office/Normalización Técnica CPG – Setor/Sector CAPES: Marli de Moraes Bibliotecária – CRB-SP4414 Correspondência / Correspondence/Correspondencia A correspondência deve ser enviada ao Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / All correspondence must be addressed to the Postgraduate Specialized Service Office of the School of Law of the University of São Paulo at the following adress / Toda correspondencia debe ser dirigida al Servicio Especializado de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo: Largo de São Francisco, 95 CEP/ZIP Code: 01005-010 Centro – São Paulo – Brasil Fone/fax: 3107-6234 e-mail: [email protected]

    FICHA CATALOGRÁFICA

    Elaborada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Direito da USP

    Cadernos de Pós-Graduação em Direito : estudos e documentos de trabalho / Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 1, 2011-. Mensal ISSN: 2236-4544 Publicação da Comissão de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1. Direito 2. Interdisciplinaridade. I. Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de

    Direito da USP CDU 34

  • Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    Os Cadernos de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da

    Universidade de São Paulo, constitui uma publicação destinada a divulgar os

    trabalhos apresentados em eventos promovidos por este Programa de Pós-

    Graduação. Tem o objetivo de suscitar debates, promover e facilitar a cooperação

    e disseminação da informação jurídica entre docentes, discentes, profissionais do

    Direito e áreas afins. The Postgraduate Legal Conference Papers are published by the School of Law of the University of Sao Paulo in order to publicize the papers submitted at various events organized by the Postgraduate Program. Our objective is to foster discussion, promote cooperation and facilitate the dissemination of legal knowledge among faculty, students and professionals in the legal field and other related areas. Los Cuadernos de Posgrado en Derecho de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo son una publicación destinada a divulgar los textos presentados en eventos promovidos por este Programa de Posgrado. Su objetivo es suscitar debates, promover la cooperación y facilitar la diseminación de información jurídica entre docentes, discentes, profesionales del entorno jurídico y de áreas relacionadas.

    Monica Herman Salem Caggiano Presidente da Comissão de Pós-Graduação

    Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo President of the Postgraduate Studies Commission

    School of Law of the University of Sao Paulo

    Presidente de la Comisión de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo

  • Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    Arguições de Doutorado

    Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

    SOBRE DIREITO À SAÚDE∗

    CONTAS MUNICIPAIS∗∗

    Paulo Ferreira da Cunha∗∗∗

    ∗Arguição da Tese de Doutorado da Senhora Dr.ª Ione Maria Domingues de Castro, Direito à Saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário, orientada pela Professora Associada Livre-Docente Doutora Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux, São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 12 de março de 2012.

    ∗∗Arguição da tese de Doutoramento da Senhora Dr.ª Tatiana Penharrubia Fagundes, O Controle das Contas Municipais, orientada pela Senhora Professora Associada Livre-Docente Doutora Monica Herman Salem Caggiano. São Paulo, 5 de março de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

    ∗∗∗Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

  • Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    SUMÁRIO/CONTENTS/ÍNDICE

    Nota Introdutória ............................................................................................................................................................................... 5

    SAÚDE, MÍNIMO EXISTENCIAL E DIREITO ..................................................................................................................................... 6

    QUESTÕES JURÍDICO-POLÍTICAS PRÉVIAS NA QUESTÃO DA AUDITORIA À CONTABILIDADE MUNICIPAL ...................... 13

    CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO ............................................ 20

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    Nota Introdutória

    As provas académicas são, como se sabe, grandes rituais iniciáticos e de passagem, que marcam,

    em regra, e profundamente, aqueles que as protagonizam.

    Os mais impressionados, e que até justamente as celebram depois de concluídas (em muitos países

    com festas mais ou menos pomposas, para que convidam muitos familiares, parentes, colegas e amigos), são

    como é óbvio os que «as prestam». Mestrandos, doutorandos, candidatos a livre-docências, agragação, e

    opositores a concursos académicos de vária índole recordam com carinho essas provas, ou então – há que

    dizê-lo também, embora residualmente – com sensação de haverem sido injustiçados. Mas em geral, para

    além do resultado e do decurso da provação coincidimos todos: apesar de quase se poder arriscar dizer que

    nenhuma tese ter tornado realmente famoso o seu autor, todos nós, que passamos pelo fogo das arguições,

    nutrimos um especial amor pelo nosso trabalho aí realizado. E tratamos mesmo as nossas teses da forma mais

    significativa, que é a da autoria. Uma autoria que está paredes meias com a paternidade. E dizemos então: «a

    nossa tese de Mestrado», «a nossa tese de Doutorado / Doutoramento », Etc. Não é em vão que se diz, no

    início de trabalhos deste género, que o candidato a fazer uma tese tem que por ela se apaixonar. E a paixão é

    perene, duradoura, sendo raros os casos de teses renegadas pelos seus autores.

    Coligimos já num livro precisamente editado no Brasil, um primeiro conjunto de arguições de provas

    académicas : Direito Constitucional e Fundamentos do Direito, Rio de Janeiro / São Paulo / Recife, Renovar,

    2008. Todos estes anos passados, e sem feed-back sobre a obra, quase a havíamos esquecido, embora

    diutirnamente apegado ao hábito de escrever as nossas intervenções neste tipo de labores académicos. Qual

    não é a nossa surpresa quando, tendo proferido quatro comunicações no XXVI Congresso Mundial de Filosofia

    do Direito e Filosofia Social, vários colegas, de vários workshops e sessões (o que foi para nós mais

    surpreendente) recordaram esse livro, considerando não só inovadora a ideia da publicação, como adequado o

    procedimento da arguição escrita, lida em provas.

    Esse facto, de par com o convite e acolhimento sempre fidalgos da Senhora Prof. Doutora Monica

    Herman Salem Caggiano, ilustre Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da

    Universidade de São Paulo, para arquivar nas páginas destes prestigiados e também inovadores Cadernos,

    levaram-nos a que nos animássemos a esta publicação, de duas das mais recentes intervenções como

    arguente, enquanto Professor Visitante da mesma Faculdade.

    O nosso muito obrigado aos Colegas que nos recordaram aquela antiga publicação, e à Senhora

    Professora Doutora Monica Herman Salem Caggiano. Esperamos que estas laudas possam ser úteis como

    memória para os candidatos, agora já senhores dos respetivos títulos, designadamente para efeitos da

    publicação dos seus trabalhos, e muito particularmente para os futuros candidatos aos mesmos, que ao verem

    o exemplo dos precedentes, melhor para tal se poderão preparar.

    São Paulo, 29 de julho de 2013

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    SAÚDE, MÍNIMO EXISTENCIAL E DIREITO

    Arguição da Tese de Doutorado da Senhora Dr.ª Ione Maria Domingues de Castro, Direito à Saúde no âmbito do SUS: um direito ao mínimo existencial garantido pelo Judiciário, orientada pela Professora Associada Livre-Docente Doutora Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux, São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 12 de março de 2012.

    Desejo previamente sublinhar a enorme honra de haver sido convidado, mais uma vez, como

    professor visitante na vossa tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de

    São Paulo, a clássica Faculdade das Arcadas. Arcadas essas onde aliás há dias tive há dias o gosto de

    presenciar a Abertura das aulas, e escutar a oração de Sapiência, proferida por um Professor cuja obra sobre

    ativismo judicial creio que deveria figurar na bibliografia deste trabalho: o Prof. Dr. Elival da Silva Ramos.

    Nesta estada, tenho, além da docência, também a incubência muito honrosa e responsabilizante de

    participar de várias bancas doutorais ou comissões julgadoras.

    Desejo registar publicamente um agradecimento muito especial à Senhora Prof. Titular Elza Boiteux,

    que orientou esta tese, preside a estes Actos, e que também faz parte activíssima do grupo de pesquisa luso-

    brasileiro que une já a vossa e a minha Universidades.

    Peço assim, Senhora Presidente da Comissão Julgadora, que transmita ao Senhor Reitor da

    Universidade de São Paulo e ao Senhor Diretor da Faculdade de Direito os cumprimentos académicos das

    autoridades académicas da minha Universidade.

    Cumprimento ainda, muito cordial e respeitosamente, os ilustres membros da Mesa: o Senhor Prof.

    Titular Doutor Celso Lafer, que de há muito admiro, e os colegas que tenha agora o gosto de conhecer, a

    senhora Prof. Doutora Denise Auad, e o Senhor Prof. Doutor Renato Santos de Oliveira Filho. E, obviamente, a

    Senhora Candidata, a quem desejo as maiores felicidades nestas provas. Cumprimento também as Senhoras

    e Senhores Professores, Estudantes, Funcionários e demais público.

    Como tive ocasião de dizer em provas aqui realizadas há poucos dias, sendo argumente de fora, e

    com hábitos académicos já mitificados, até no Brasil – a chamada arguição ou arguência dita aqui “coimbrã” –

    peço que relevem alguns atavismos de que me não livrei ainda nas minhas diuturnas travessias do Atlântico.

    Sobretudo a candidata não veja em algum realce do meu discurso senão uma oportunidade para que brilhe na

    defesa documentada e rigorosa do seu trabalho. Creia que, normalmente, as arguições mais plácidas são aquelas

    em que os arguentes menos prezam o perfil intelectual e a capacidade dialética dos doutorandos. Pelo que, no caso,

    serei um pouco contundente. E desde logo simpatizei com a sua démarche, embora a ela tenha alguns reparos.

    Gostaria de ser breve (creio que não conseguirei). Para mais, abro nesta Casa com uma palestra uma

    Pós-graduação em Princípios da Ordem Política daqui a poucas horas, e ainda hoje terei de enfrentar o

    trânsito de São Paulo e tomar um avião de volta. Amanhã abrirei o meu segundo semestre no Porto com o

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    Mestrado em Direito, Ciências Jurídico-Políticas...

    Gostei de ler a tese. Ela não é suporífera, é pelo contrário instigante, corajosa (pelo menos para os

    padrões portugueses, pois, como dizia Agostinho da Silva, o brasileiro será mais “à solta”, mais livre...), e é

    realmente uma tese, não um alinhavado de citações, ou um repescar de teorias. O tema é importantíssimo,

    para mais no Brasil, e de plena atualidade. Isso também lhe dá, porém, alguns escolhos.

    A tese não será verdadeiramente originalíssima, na sua ideia central. Mas há nela um fio condutor

    próprio que convoca argumentos, alguns de peso, outros menos, mas muitos argumentos, para se provar. É

    assim um estudo muito instrutivo, que vai enriquecer muito os dados de que disponho sobre o tema e matérias

    conexas. As teses também valem pelo que ensinam aos arguentes.

    Aliás, a primeira perplexidade que levanta é mesmo se não exagera nos dados convocados. São

    tantos os materiais, médicos, estatísticos e afins, que recordamos o aticismo termal do “qui mieux abreuve

    mieux preuve”. Tanta prova não poderá fragilizar a tese?

    Desde já quero felicitar a candidata pelo imenso trabalho que teve, para mais creio que salutar e

    jubiloso, porque trabalhou por uma causa que defende. E quem corre por gosto não cansa...

    Se em termos um tanto provocatórios quiséssemos sintetizá-la, diríamos, glosando o fiat iustia, pereat

    mundus: Aplique-se em cada caso o direito à saúde, ainda que pereça o Mundo. Claro que é um exagero, e

    que a autora, aqui e ali, designadamente a partir da p. 233 ss., vai matizando a sua perspetiva, dando também

    o lado menos simpático e justiceiro da aplicação judicial do direito à saúde. E a reclamar, pelo menos,

    acessorias médicas (alguns dirão, porém: mais gastos!).

    Confesso desde já que para quem vive, desde a reinstauração da democracia em Portugal em 1974,

    num sistema de saúde muito diferente, já tendo sido chamado pelo nosso SUS para uma cirurgia umas três

    vezes nos últimos meses (o que demonstra, ainda que pontual e ilustrativamente, a nossa geral rapidez dos

    serviços), é complexo avaliar a situação brasileira. Embora o Brasil seja, inegavelmente, como profetizaram

    muitos, entre os quais Stephen Zweig, esse país do futuro que ficará certamente imune às crises e derrocadas.

    Feita esta prevenção, queria sublinhar o polémico da tese. Numa tese muito polémica, e para mais de

    polémica atual, e que entra pelos interesses e pelos bolsos de todos (que interpela a saúde e até a vida), o

    arguente fica numa situação difícil: porque frequentemente não sabe se há-de ser um mero árbitro formalista,

    apenas controlando se a tese cumpriu certos requisitos exteriores, se deve pelo contrário entrar na contenda,

    assumindo um partido. Há também a possibilidade de agir advocatus diaboli, correndo o risco de ninguém

    afinal o compreender. Porque isto de ser arguente é também ser julgado...

    No plano formal, a tese é escrita com empenhamento, sem rodeios, diretamente, como se falasse

    com o leitor, e convocando os argumentos alheios de forma muito instrumental, sem vontade de erudição,

    antes alinhando autores como argumentos. Por vezes, há autores que não são propriamente as grandes

    autoridades mundiais sobre a matéria (e não me refiro a brasileiros citados), mas compreende-se que hajam

    sido utilizados pela perspetiva não de levantamento exaustivo da doutrina mundial, mas de vozes (nem sempre

    em coro, reconheça-se) para o geral concerto.

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    Numa análise muito “micro-“ detetei poucas gralhas. Na n. 153 da p. 76, uma tese tão antiargentarista

    fica traída por um cifrão onde deveria estar um sinal de parágrafo, na p. 346 há uma repetição do nome de

    Fábio Konder Comparato que, porque a dobrar, deveria ter sido omitida. Coisa idêntica, mutatis mutandis, se

    diga de algumas notas de rodapé, onde um ibidem teria poupado muita tinta, como na p. 10, notas 241 e 242.

    Sempre se poderia notar ausências na bibliografia (há dois artigos de Canotilho publicados numa obra coletiva

    no Brasil que seria interessante meditar) e insuficiências de diálogos: neste caso, com o neoconstitucionalismo

    e o ativismo judicial. E pouco mais notámos. Errare humanum...

    A velha escola teria muito a observar no domínio linguístico, digamos assim. Citar Alexy e mesmo

    Zagrebelsky em castelhano, e não em alemão ou italiano era para os puristas (ainda há não muito tempo em

    Portugal isso seria anátema, cremos nós) falta grave. Hoje já se está compreendendo que se um doutorando

    tiver que aprender todas as línguas cultas primeiro e depois fazer a tese, estará fazendo-a no tempo da

    aposentadoria. Contudo, obviamente que seria melhor citar Canotilho em português e não em espanhol (p.

    102, n. 246).... Mas o romeno Mircea Eliade, por exemplo, explicou já como por vezes é difícil encontrar um

    livro na língua original. Mais ainda um artigo.

    O estilo nem sempre nos soou muito jurídico ; não parece ser muito o das teses jurídicas. Por

    momentos, e largos momentos, pensámos - apesar da falta de algumas bienséances metodológicas das

    ciências da saúde já aqui aliás lembradas - estar a ler uma tese de Saúde Pública, ou de Sociologia da Saúde.

    Mas, para quem já se atreveu a publicar nas Presses Universitaires de France um livro para médicos, e é há

    dez anos diretor de um Instituto Jurídico Interdisciplinar, a observação não é crítica, porque a

    interdisciplinaridade é um bem. Mesmo assim, perguntamo-nos se, em rigor, não haverá mais multi- ou trans-

    disciplinaridade que verdadeira interdisciplinaridade. E se o olhar para alguns problemas jurídicos não será

    excessivamente exterior e determinado médica, sócio-médica e politicamente.

    Para dar apenas um exemplo : eu, admirador que sou de Miguel Reale, não vislumbrei muito bem a

    razão de ser da invocação da sua célebre teoria tridimensional na p. 266. Mesmo a invocação de Walzer na

    página seguinte me parece merecer explicações. E em geral me parece muito exterior (como se fora um

    médico cirurgião usando luvas e bisturi) o manejo dos conceitos base deste problema. Ao ponto de serem

    descartados.

    Assim, por exemplo – o grande exemplo – a forma como é encarado o valor do princípio da reserva do

    possível. Não está em causa a tese, mas o olhar sobre ela. Vemos aí alguma exterioridade. Pessoalmente,

    consideramos que este princípio é gémeo do da proibição do retrocesso, o qual, compreensivelmente, tem

    menos aplicabilidade onde não exista já um Estado social. De qualquer forma, por coincidência, acaba de ser

    publicado aqui em São Paulo uma nova versão de um estudo nosso publicado em França e na Internet

    primeiramente, em que apontamos para uma compreensão holística de certos princípios, que se esgrimem por

    vezes ferozmente, mas que são faces do mesmo grande princípio. Brevitatis causa, se tiver interesse, terei

    muito gosto em indicar-lhe essa fonte, que está no último número da revista Collatio1.

    Mas não apenas no caso polémico da reserva do possível. Mesmo na simples forma de encarar a 1Dos princípios positivos e dos princípios supremos. Collatio, n. 11, p. 5-16. Disponível em:

    .

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais parece haver uma utilização muito instrumental da

    perspetiva dicotómica Direitos Humanos / Direitos Fundamentais (p. 70 ss.). No limite, dir-se-ia que tudo

    conspira nos factos e na doutrina para levar água ao moinho da tese. Pessoalmente, vemos com mais

    verrumância os Direitos Humanos. E faltaria apreciar ainda vários aspetos do problema, como o híbrido direitos

    humanos fundamentais, e a questão linguístico-cultural. Além de conceitos como direitos civis, liberdades

    públicas, etc... Depende de que ponto de vista geo-cultural se aprecia um problema. Human rights não são

    Droits de l’Homme ou Grundrechte. E cada um, nutrido num ambiente de um deles, vê os demais à sua

    maneira. Num livro meu traduzido na China não conseguiram equivalente para a palavra « direito », tout court,

    e parece que já tinha sido o cabo dos trabalhos para traduzir Estado de Direito (que se diz, como sabe, em

    ambiente anglo-saxónico rule of law) para o russo.

    Confesso que há armas poderosas nesta argumentação. Não esperaria ver uma citação como a de

    Isaiah Berlin, como exergo da tese. Eu, que tanto costumo citar Lacordaire, quando ele diz que entre o fraco e

    o forte, o rico e o pobre, é a liberdade que oprime e a lei que liberta, devo conceder que, dito por Berlin, a tese

    avançada tem muito maior força.

    Gostei também muito de ver o dicurso pró- e contra- nas demandas judiciais nas p. 211 ss. Belo

    exemplo, e esclarecedor da dialética em apreço.

    Mas uma coisa são sempre as ideias gerais, e outra a concretização.

    Julgo que é caso para felicitar também a diretora de tese pela boa estruturação do trabalho. E fico

    sempre deliciado quando, numa tese, se fazem perguntas, a que se procurará responder – como ocorre logo

    na p. 24. Para mais se tem logo a seguir hipóteses: p. 24 ainda. Embora, como se deduz já, a tese tenha mais

    teses que hipóteses. Gostei também da explanação de p. 26 e seguintes, ainda neste terreno metodológico.

    A contraposição feita entre o concreto e o abstrato deixa-me imensas perplexidades. Afigura-se-me

    que há algum dogmatismo, ou apriorismo quando se qualifica a reserva de possível como argumento abstrato

    (logo a p. 25) e o Sistema Único de Saúde como “substrato concreto”. Como pode comparar-se um princípio

    com uma realidade social, institucional, etc.? Será um fumus de “força normativa” dos simples factos, uma

    falácia naturalística sui generis?

    A crítica de abstração, e de profunda e dissolvente polissemia, poderia volver-se ao super-conceito de

    “dignidade humana”, em que declara assentar, em última análise, “todas as análises” que fez. Aliás, há dúvidas

    que, do ponto de vista do rigor filosófico, ela seja eticamente um “valor”. Mas, sem querer colocar em questão

    o valor desse quid – mesmo que não seja valor, é muito valioso – a verdade é que tem servido para justificar,

    mesmo judicialmente, as posições de gregos e troianos. Em terreno de algum modo médico-biológico: a

    dignidade humana defende-se para uns criminalizando a interrupção voluntária da gravidez, para outros, pelo

    contrário, liberalizado-a. E quem em definitivo, sem teologia e ideologia e sem paixões, diz quem tem razão?

    Ainda a propósito de “valor”, com o maior respeito por Perez Luño, que não consegui consultar no

    escasso tempo de que dispus, não posso conceber que normas programáticas possam transformar normas

    constitucionais em valores. Os valores, na minha concepção, estão antes dos princípios, e brilham com luz

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    própria no universo ético, podendo, isso sim, baixar à política e ao direito. Não o inverso. Que prodigiosa

    máquina seria essa, que como Midas (lembremos a imagem do próprio Hans Kelsen), transmutaria em oiro

    valorativo simples normas.

    Quando cheguei à p. 69, anotei que António Sérgio, um grande filósofo e ensaísta português que

    também andou aqui pelo Brasil, tinha razão quanto aos nossos trabalhos científicos nessa nossa comum

    língua, que é nossa casa comum de pensamento: muitas forças queimamos nas introduções. Mas ao contrário

    dele, que dizia que nos esvaíamos sem atingir a terra prometida do tema, a candidata sobrou o cabo da

    introdução e entrou na matéria central.

    A tese está cheia de tópicos de grande valia, mas que nem sempre parecem dialogar entre si. Por

    exemplo, que consequências não se poderiam tirar do quadro constitucional descrito pelo art. 196 da

    Constituição Federal, e pela interpretação, logo aparesentada, a p. 75, pelo Prof. José Afonso da Silva! Não

    parece, porém, ser essa a tese da candidata...

    Claro que com Zagrebelski (p. 79), ou com o vosso (nosso) Paulo Bonavides também pensamos que

    os princípios não são meramente acessórios das regras. Claro que o mínimo existencial pode ser, pese

    alguma doutrina, algum luzeiro. Mas precisamente como mínimo.

    Pode pensar-se que se argumenta muito pro domo quando se diz o que se diz no final da p. 101: o

    direito à saúde estaria fora da reserva do possível. Não poderão outros argumentar o mesmo para todos os

    demais direitos? E não é extremamente dogmático afirmar que “não há que se falar nesta seara em

    ponderação de princípios, mas sim de aplicação de regras” (p. 102). Do mesmo modo quando se afirma a

    exigua discricionaridade da administração nesta matéria (p. 296). Não haverá discricionaridade, hoc sensu, da

    prescrição deste ou daquele medicamento?

    Apesar de tudo, não comparo, como faz a p. 107, as posições de Vieira de Andrade e Gomes

    Canotilho, nos locais citados. Creio que são bem diferentes. Uma coisa é nem sequer considerar os direitos

    sociais como direitos subjetivos. Outra fazê-los depender da competência do legislador e de condições

    circunstanciais. Mas como poderia ser de outra maneira? Um neoliberal extremo diria: mas foi assim que a

    Europa se endividou. Quem paga a conta? É certo que o Brasil é hoje um país realmente muito rico. Mas os

    recursos nunca são inesgotáveis... Achei muito interessante que em várias ocasiões se refira que sempre se

    cumprem as decisões liberais (agora no sentido de liberalidade), e acompanho a questão de ser interessante e

    útil saber-se de onde vieram então os recursos para tanto (p. 118, por exemplo; p. 337). A Prof. Zélia Pierdonà

    numa conferência em Portugal, deu o exemplo de um município que teria ficado à míngua para pagar um

    medicamento estrangeiro que chegou depois do paciente já ter morrido. Conhecerão o caso... Mas afora esta

    situação, quais outras?

    O contexto brasileiro invocado é um, mas parece ele ser ambivalente (v. p. 299).

    Apesar de todas as referidas “mazelas”, o Brasil é hoje riquísissimo. E enquanto os outros países

    comprimem, cortam, castigam funcionários, trabalhadores, consumidores, cidadãos, o Brasil liberalmente pode(ria)

    pagar o que antes e alhures seria impensável (p. 325). Parece ser para alguns o paraíso de aposentadorias, por

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    exemplo, enquanto na Europa elas ameaçam acabar, de tão castigadas que já estão a ser.

    Não deixa de ser interessante o invocado (p. 109) Pacto Internacional sobre Direitos Económicos,

    Sociais e Culturais, de 12 de Dezembro de 1991, de que não se fala muito na Europa... Pois se proibiria a

    limitação dos direitos sociais, cada dia mais comprimidos entre nós...

    Também acompanhamos a candidata quando refere que a reserva do possível não pode ser um álibi

    permanente do Poder Público (p. 117) para denegar o direito à saúde... ou outros direitos.

    Contudo, no plano estritamente jurídico, achamos que a tese não é cabalmente convincente. Tem

    uma grande atenuante, porém - tinha diante de si uma dificuldade imensa: Como convencer que o caso da

    saúde é mesmo especial, como afastar o princípio da reserva do possível, como abrir as portas a um ativismo

    judicial como algo normal e persuadir que a separação dos poderes clássica (nem sequer já a de Locke ou de

    Montesquieu, mas o arquétipo de separação que está na cabeça dos juristas comuns que nem sequer leram o

    Segundo Tratado do Governo Civil ou o capítulo sobre a Constituição – mitificada – de Inglaterra do Espírito

    das Leis) hoje pode implicar um ativismo judicial concretizador deste direito, etc., etc. A neutralidade dos juízes

    de que falava Montesquieu infelizmente é muito raramente compreendida hoje, porque os problemas são

    realmente diferentes. Isso dá recorrentes mal entendidos e interpretações desfazadas do contexto histórico (p. 313).

    Fruto certamente da minha circunstância, sou defensor do Estado social europeu, e mais

    especificamente do Serviço Nacional de Saúde português, que considero conquistas civilizacionais ainda antes

    que constitucionais. Contudo, a crise europeia dá-nos um exemplo dramático de que, em casa onde não há

    pão, todos ralham e pouco terão razão. O provérbio diz mesmo que ninguém a terá. Pode ser que tenha que,

    no limite, se amputar um membro para salvar o corpo. Sempre há que escolher entre canhões e manteiga,

    como no velho exemplo relatado por Paul Samuelson.

    É verdade que há alguma dose de demagogia no argumento da falta de legitimidade democrática dos

    magistrados (p. 287 ss., p. 318, etc.) – esse argumento a meu ver não colhe. O problema é antes de

    competência, prudência e normalidade. Posso conceber numa grande emergência um juiz Zorro, ou Robin

    Hood. Mas transformar o poder judicial em segundo prescritor, espécie de carimbador de receita cara, nada

    tem a ver com a vocação dos tribunais – crie-se então outro serviço público. Para a eutanásia alguns dizem:

    não é vocação do médico matar. Será vocação de juiz prescrever medicamentos e cirurgias?

    Antes de mais, cremos estar em causa o modelo da Saúde. Não ficaria até mais barato um modelo

    que não passasse pela judicialização?

    Com vantagens de legitimação, de eficiência, etc., certamente.

    Cremos ser recomendável o maior cuidado em questionar, mesmo invocando Rousseau, a legitimidade

    democrática e o próprio poder constituinte ou a formação dos eleitores (pp. 287-288 e também citação de Ana

    Paula Barcellos na p. 300) ainda que para contrapor ao argumento da aristocracia dos juízes... É que Rousseau,

    que aliás celebra o seu tricentenário este ano, e deve ser comemorado, é contudo arauto de um outro tipo de

    construção política. Que também já tem frutos à vista, pelo menos em algumas das suas modalidades.

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    O poder interpretativo da lei pelo poder judiciário não pode ser entendido em termos tão latos como os

    de p. 288, depois da n. 756. Se assim fosse, o judiciário também seria executivo.

    Finalizo agradecendo o ensejo que a doutoranda me deu de pensar de novo estes problemas, de

    rever muita bibliografia e tomar contacto com novos dados. Foi realmente um prazer lê-la. Gostaria que a sua

    tese, que é a muitos títulos louvável, me tivesse persuadido de forma mais profunda e rigorosa da bondade de

    certas práticas. Mas vejam o meu cepticismo como o de um viajante... E que está de partida já. Muito obrigado.

    Sinta-se à vontade para se concentrar apenas no essencial das minhas observações.

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    QUESTÕES JURÍDICO-POLÍTICAS PRÉVIAS NA QUESTÃO DA AUDITORIA À

    CONTABILIDADE MUNICIPAL

    Arguição da tese de Doutoramento da Senhora Dr.ª Tatiana Penharrubia Fagundes, O Controle das Contas Municipais, orientada pela Senhora Prof. Associada Livre-Docente Doutora Monica Herman Salem Caggiano. São Paulo, 5 de março de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

    Antes de mais, quero agradecer a subida honra de ter sido convidado, nesta estada como professor

    visitante na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo, a

    participar de várias bancas doutorais ou comissões julgadoras (como se sabe, cada país lhes chama de forma

    diferente: em Portugal dizemos júris, já em Espanha, “tribunais”). E um agradecimento muito particular e

    especial vai, desde já, para a Senhora Prof. Associada Livre-Docente Doutora Monica Herman Salem

    Caggiano, que coincidentemente orientou esta tese.

    Saúdo, assim, a Senhora Presidente da Comissão Julgadora e peço-lhe que transmita ao Senhor

    Reitor da Universidade de São Paulo e ao Senhor Diretor da Faculdade os cumprimentos académicos do

    Reitor da Universidade do Porto.

    Cumprimento ainda, muito cordial e respeitosamente os ilustres membros da Mesa: a Senhora

    Professora Doutora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o Senhor Professor Doutor Claudio Lembo, e o Senhor

    Professor Doutor Fernando Dias de Menezes de Almeida. E, obviamente, a Senhora Candidata, a quem desejo

    as maiores felicidades nestas provas. Assim como as Senhoras e Senhores Professores, Estudantes,

    Funcionários e demais público.

    Já não é a primeira vez que aqui venho e que tenho o gosto de participar neste significativo ritual de

    passagem académico, e sempre saio daqui muito enriquecido, nessa qualidade antropologicamente ambígua,

    mas pessoalmente rica, de insider / outsider: ao mesmo tempo participante e observador. E observador que,

    nomeadamente em Portugal, nunca deixa de louvar a excelência do trabalho académico que aqui tem visto

    fazer-se. Não por simpatia, que obviamente pelo Brasil e pela USP nutro, mas por merecida Justiça.

    O tempo para o decurso das provas é sabiamente regulado. Se não houvesse esse limite de tempo,

    certamente algumas discussões, não sendo propriamente intermináveis – Aristóteles dizia ananké stenai, é

    preciso terminar em algum momento – acabariam por consumir muitas horas, quiçá dias. Ora esta necessidade

    de limitação temporal impõe assim sacrifícios, um “custo de oportunidade” como se diria na Economia. É pois

    mister que delimite o sentido da minha intervenção, até também porque, sendo os usos aqui que todos se

    pronunciem, desde logo fica assegurada uma cobertura geral das matérias da tese, podendo assim cada um

    dos arguentes nela ressaltar o que mais lhe chamou a atenção, ou o que mais se relaciona com a sua

    especialidade.

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    Irão compreender a forma algo barroca da minha arguição, que é fruto da minha formação académica

    portuguesa, contudo moderada pelo cartesianismo da minha experiência universitária francesa, e modelada

    pela ulterior, em que o convívio brasileiro não tem pequena parte. Não consegui foi limitar uma arguição

    doutoral a 8 minutos, como já vi fazer em colegas de outras latitudes. Em Portugal, a regra é a da crítica

    aberta, vigorosa, e por vezes altissonante (e longa), que contudo não é dirigida nem ao candidato, nem (muito

    menos) ao orientador, apenas à obra, sendo caso disso. Verão que não faço (nem mesmo em Portugal) esse

    tipo de apreciação mais crítica, mas não deixarei de apresentar as minhas razões. E aqui e ali a candidata, que

    parece apreciar Montesquieu, verá nalguns pontos do que direi certamente um olhar de Persa...

    A arguição dividir-se-á, assim, em duas partes: Uma primeira versando sobre aspectos gerais e

    formais, e uma segunda, em que procurarei centrar-me sobre algumas temáticas mais substanciais, sempre

    seleccionadas na perspectiva – mais ou menos óbvia sempre, mas nem sempre assumida e apercebida – do

    que mais pessoalmente me sensibilizou e mais relacionou com os meus próprios estudos e predileções.

    Deixarei o fulcro temático da tese aos meus Caríssimos Colegas especialistas do cerne da tese,

    contentando-me com alguns aspetos formais e prévios. Confesso que adentrar-me no direito brasileiro desta

    matéria seria quase « ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano », e, além disso, grande

    atrevimento para quem costuma passar meses e meses de ruminação das teses que julga, o que, pela

    natureza das coisas, não pôde desta feita ocorrer.

    I. Parte Geral e Formal

    Sempre achei que as teses, em concreto não são grandes nem pequenas. Elas podem ser ou não de

    tamanho adequado ou inadequado ao tema e ao ponto de mira do seu tratamento. Num tempo de geral

    liofilização de teses (até porque as bancas não têm tempo para ler milhares e milhares de páginas em tempo

    record – agora os prazos são levados mais a sério que outrora, pelo menos em Portugal), apraz-me registar

    que a presente tese não sacrificou à facilidade e ao laconismo, não se amputando de questões prévias e

    fundantes essenciais.

    A tese poderia ter começado, sucessivamente, a páginas 66, ou a páginas 99, ou a páginas 136,

    tornando a tese mais curta, e obviamente poupando à candidata muita pesquisa. Contudo, é para nós óbvio

    que a ausência, na tese, das questões aí presentes, tornaria a tese um estudo sem a abragência e o diálogo

    com os fundamentos que todo o Doutoramento tem que conter. Não vamos teorizar aqui, mas realmente, tese

    que não prove que se está em diálogo com os grandes princípios, os grandes problemas, os grandes autores,

    pode ser uma monografia bem conseguida, mas nunca uma verdadeira tese de doutoramento.

    Creio que é desde já ocasião de parabenizar quer a candidata, quer a orientadora (que nesta matéria

    deve ter tido também intervenção) por não alinharem por modelos redutores de dissertação (lato sensu).

    Evidentemente que, como veremos na parte seguinte desta apreciação, como diz um provérbio

    português a que não será alheia a gesta dos Cabrais, “grande nau, grande a tormenta”. É óbvio que ao

    assumir-se um diálogo com fontes mais ou menos clássicas, e com temas mais gerais, abrangentes e

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    fundantes, anões que somos todos, ainda que tentemos saltar para os ombros dos gigantes (como diria São

    Bernardo de Claraval), não podemos deixar de experimentar uma sensação de vertigem.

    É inevitável que, numa tese que não é especializadamente sobre a teoria e a filosofia do Poder do

    Estado, ou o Controlo do Poder, em geral, desde logo, os especialistas destas matérias sempre hão-de ver, até

    por deformação de especialização, lacunas, imprecisões, etc. Mas o que julgamos dever verificar-se nesta

    sede é não uma incomensurável erudição, nem uma outra tese, que se anteporia à propriamente dita, antes

    uma geral correção e compreensão dos problemas básicos dos temas fundantes, apta ao enquadramento da

    sequência.

    Não deixaremos de colocar aqui e ali alguma questão.

    A tese parece pois equilibrada, com o tratamento temático e a extensão adequadas ao que pretende

    dizer, dentro do estilo próprio das teses de doutoramento sérias e da boa escola internacional que as tem,

    obviamente não como a obra prima de um autor, mas como a grande obra de pesquisa de quem já tem licença

    para estudar (como o licenciado, aqui bacharel, ainda com a saborosa e clássica designação, que deu até o

    vocábulo “bacharelismo”), e é até mestre (embora mestre menor, porque o mestre maior é mais que emérito).

    Está escrita em estilo fluente, correto e sóbrio (como convém à gravitas do tema e de um

    doutoramento em geral).

    Devo desde já dizer que gostei particularmente de alguns aspectos estruturais da tese. Por vezes, os

    candidatos de países latinos, e até mesmo apenas do Sul da Europa, e todos os do hemisfério Sul, são

    criticados por professores mais agelásticos (refiro-me ao conceito de rigidificação cristalizadora de

    personalidade, já presente em Rabelais, e retormado por Rorty) doutras latitudes como dispersos, imprecisos,

    impressionistas, etc. Ora nada disso se encontra na tese. O plano parece muito bem elaborado, a Introdução é

    uma verdadeira introdução, o plano do trabalho esclarecedor, e embora a Conclusão pareça ser mais do que

    uma conclusão, é uma forma possível. Além de que o desenvolvimento é um verdadeiro desenvolvimento.

    Mais ainda, o estilo (ou a metodologia expositiva e até a heurística) adotado na mais complexa parte

    inicial, acaba por ser interessante. Como que o da Tópica jurídica do Prof. Francisco Puy, encaminhado para a

    tese que se procura apresentar.

    Explico. Achei interessante que a forma de lidar com a problemática tão complexa dos primeiros

    capítulos tenha sido em boa medida a de um alinhamento sucessivo, comentado e dirigido para conclusões de

    um conjunto de citações de autores, uns clássicos, outros mais modernos.

    Poderia ter-se feito de outra forma: assimilando e dizendo por palavras próprias o que era a lição

    deles. Gostaria de saber qual a razão desta escolha. Talvez assim a autoridade dos autores mais clássicos ou

    mais renomados brilhe mais. Embora a originalidade das teses da própria autora quanto a estes prolegómenos

    acabe por ficar na sombra. Seria interessante uma “tradução” desta parte da obra noutro registo – num texto

    ortónimo e autónomo sem citações, meramente com notas de rodapé referindo as fontes. Não é uma crítica, é

    uma observação, dessas do laboratório de ideiais e métodos que também temos em Direito, embora por vezes

    julguemos que, em nós, o “método” é evidente e natural. E não é.

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    É óbvio que não devo objetar culturalmente sobre alguns localismos (cores locais). Tal seria até

    indelicado e desrespeitoso por parte de um convidado. Contudo, como o saber é e deve ser universal, vou

    fazer uma observação que não é crítica, mas será, certamente, para a candidata, uma informação, alargando

    as perspetivas. Em Portugal, e noutros países europeus, somos ingratos quando somos académicos. Por isso,

    nas próprias teses normalmente não agradecemos a ninguém (até porque se houvesse um desaire nas provas,

    como ficariam os que são assim distinguidos? Como ficaria Deus, se a tese, agradecendo a Ele, fosse

    condenada por uma banca? Como ficaria banca, julgando uma tese que, pelo agradecimento, pode ter

    influência (quem sabe se coautoria) transcendente? Agradecimentos, pois, só muito lacónicos, a pessoas

    vivas, e próximas, com real influência na tese, e mesmo assim só depois, na publicação. Essa era a regra.

    Com a internacionalização, e certamente com a ida para a Europa de muitos estudantes brasileiros, já

    começamos a ver teses mais generosas nos Agradecimentos. Volta a não ser uma crítica. Mas o aticismo

    europeu nestas coisas, pelo menos na velha escola, tem uma razão para assim pensar (que vale o que vale):

    uma tese deve ser o mais impessoal possível. Isso seria garantia de objetividade. Todos os elementos de

    subjetividade, de eu, de família, de crença, de sentimento, fariam perder a cientificidade da tese. Claro que se

    pode separar as coisas, e até Sigério de Bravante pode ser invocado.

    Ainda no plano forma, gostei que a (creio que de algum modo nova) forma de citar brasileira não

    tenha sido levada às últimas consequencias, não se tendo utilizado o (para o nosso gosto) deselegante negrito

    nos títulos das obras.

    Claro que um apesar de tudo estrangeiro deteta sempre curiosidades na bibliografia do seu próprio

    país citada: surpreende-se com umas presenças, e com algumas ausências. Mas isso é porque os livros e os

    autores têm difusão (e mesmo prestígio) diferentes em terras diversas. E por vezes não se é profeta em sua

    terra. Não importará muito insistir nessa questão. Obviamente que uma tese portuguesa vista pelos olhos de

    um brasileiro daria o mesmo. Um dia um comentador espanhol espantou-se com a variedade de

    constitucionalistas, de tantos quadrantes políticos diferentes, que citei no meu Teoria da Constituição, que leva

    local de São Paulo e Lisboa, aliás. Não me passara pela cabeça que isso iria, no conjunto geral de citações de

    tantos países, causar admiração em Espanha.

    II. Parte Especial

    Vai longa demais a parte formal e geral. Passemos a assuntos concretos, pontuais. De importância

    naturalmente desigual.

    Seguiremos o curso da tese.

    Numa tese, as afirmações peremtórias, sobretudo em matérias histórico-conceituais, são perigosas, e

    necessitam de grande justificação, para não serem meros ecos de lugares comuns. A um espírito mais

    meandroso, mais verrumante, mais nuancé, poderá chocar a afirmação sobre a irresponsabilidade do Estado,

    logo no início da Introdução, na p. 14. Os mecanismos da obrepção e da subrepção, as próprias

    consequências do the king can do no wrong, o princeps legibus solutus, tudo isso não pode esquecer uma

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    outra limitação do poder, hoje esquecida: a limitação pela obediência a Deus (os reis são, precisamente, reis

    “pela Graça de Deus”), e em alguns casos aos seus vigários, e, por outro lado, a limitação do poder pela

    própria consciência do governante. É apenas um detalhe, mas que parece significativo. Há muita literatura,

    demasiada, que não atenta às subtilezas das épocas mais recuadas. É preciso compreender esses tempos na

    limitação focada, e os tempos mais modernos do absolutismo pela demofilia, não pela democracia dos

    soberanos.

    Logo na mesma página – e estamos a fazer, como não pode deixar de ser, uma apreciação de

    exemplo, de ilustração – duas outras questões chamaram a nossa atenção.

    A meio dela, diz-se que se esquece que o poder legislativo possui outras funções típicas, como, por

    exemplo, o poder financeiro e o controle político. Quem esquece? Seria também preciso precisar. Alguns

    autores, a vox populi, a comunicação social? Na verdade, não é coisa que se possa esquecer facilmente,

    embora a expressão “poder financeiro” possa suscitar dúvidas: apenas a expressão, não o quid em si mesmo.

    Finalmente, parece afirmar-se que é a partir da Magna Carta inglesa, de 1215, que “aparece a função

    legislativa”. Ficamos verdadeiramente perplexo. Enquanto função, tout court, legisla-se desde tempos

    imemoriais. Portanto, não pode ser nesse sentido que se marca esse início do séc. XIII como começo da

    função. Se se está a pensar na função num contexto efetivo de separação dos poderes, então talvez se esteja

    a datar o começo cedo demais...

    Depois continua a Introdução a nosso ver muito bem, designadamente com a problematização clara,

    dir-se-ia à francesa...

    Só no final do Plano de Trabalho (p. 23), segundo os critérios a que estamos habituado, não cumpriria

    à doutoranda apreciar a vastidão da pesquisa jurisprudencial empreendida. Sempre a ideia de objetividade e

    distanciamento, de que falámos.

    Entremos no “miolo” da tese.

    Na p. 24 fala-se na importância, para o trabalho, de se estudar o “poder social”. Não ficámos

    esclarecido sobre a diferença que tenha com “poder político”. Lembramos que mesmo o zoon politikon é tanto

    traduzido por « animal social » como por « animal político ».

    Logo na p. 25 não pudemos deixar de recordar as vicissitudes da tese de um grande estudioso da

    Política, Julien Freund. Não há infelizmente tempo para recordar as peripécias por que passou, mesmo no

    momento das provas, precisamente porque o seu primeiro orientador, e arguente, não concordava com a

    dicotomia « amigo / inimigo ». Pois a nós – sem o drama daquelas provas – também nos parece que, sem

    dúvida sendo o caso mais corrente o do dominante e do dominado, contudo nos perguntamos se não poderá

    haver poderes suficientemente democráticos e representativos em que se não possa falar mais dessa rígida e

    de alguma forma sempre fera dicotomia. Num Estado de Direito democrático, a sério, não nominal ou

    semântico, terá sentido falar em dominantes (ou dominadores) e dominados? E utilizando esta perspetiva para

    o contexto do trabalho, tal não daria conclusões realmente devastadoras, e contrárias às próprias teses

    avançadas?

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    Passemos à p. 32. É verdade que mais adiante a impressão parece atenuar-se. Mas há algumas

    afirmações histórico-culturais que mereceriam quiçá alguma matização.

    Primeiro, “L’Etat c’est moi” é uma expressão mítica atribuída apenas a Luís XIV (1643-1715), nos

    finais do séc. XVII. Ora o Estado Absoluto, que teve várias versões, aliás, é anterior, e será ulterior também.

    Há aliás vários « absolutismos ». Dizer, porém que a Idade Moderna tem como outro cenário o Estado de

    Direito é que nos não parece historicamente aceitável. O que é aliás é referido logo no final da p. 32. Contudo,

    a criação de Estados modernos está longe de ser apenas um fenómeno subsequente à independência dos

    Estados. Também Estados velhíssimos, desde logo Portugal (que se constituiu como entidade política

    independente no séc. XII, em 1143 – sendo assim um dos mais velhos países da Europa com fronteiras

    continentais relativamente estáveis), passariam a constitucionalizar-se de forma moderna. O fenómeno das

    independências só se dá, realmente, nesta perspetiva, fora da Europa. E compreende-se a perspetiva da

    autora.

    Outra afirmação peremtória que mereceria atenuação, matização – posto que obviamente saibamos

    que apenas se referem estas coisas como prolegómenos: mas nem por isso é menos necessário cuidado e

    rigor – é a que abre a p. 37.

    Não cremos que se possa atribuir à vontade real da candidata o que realmente está aí escrito:

    Montesquieu não formulou, de facto, a separação dos poderes na Inglaterra do séc. XVIII. Montesquieu passou

    por Inglaterra, aí esteve um certo tempo; era em grande medida anglófilo; e o seu célebre capítulo sobre a

    separação dos poderes não se sabe onde terá sido escrito durante os vinte anos que durou a elaboração da

    obra em que se integra, De l’Esprit des lois, que saiu, como se sabe, primeiramente em Genebra. É certo que o

    capítulo em causa se chama “Da Constituição da Inglaterra”. Mas: Em Inglaterra não vigorava então realmente

    o sistema que aí é apresentado; o texto é uma colagem de ideias de Locke com ideias próprias (provavelmente

    fichas de diversas épocas foram justapostas). Mas mais importante, para o nosso caso: ao contrário do que

    parece estar pressuposto na tese, que refere Montesquieu em diversas passagens, as atuais aplicações do

    princípio da separação dos poderes distam muito da teoria de Montesquieu. Desde logo, porque ele tinha em

    vista, além de problemas que nós hoje temos, como o de que o poder trave o poder, para evitar o abuso, uma

    perspetiva sobre como tal se deveria fazer, em relação com os pretendentes ao poder da época. A separação

    dos poderes de Montesquieu, ao contrário da nossa, é uma distribuição de funções e poderes por grupos

    sociais (e pelo rei) aspirando ao poder. Por isso também, parece não se poder afirmar com plena tranquilitas

    animi que “A famosa teoria da separação de Poderes, tal como conhecem – talvez melhor se diria, “a

    conhecem” – os Estados contemporâneos, dentre os quais o Brasil, foi formulada por Montesquieu (...)”. A

    teoria foi celebrizada por Montesquieu que sabiamente distribuiu algumas centenas de livros gratuitamente, e

    vendia a sua teoria conjuntamente com os seus excelentes vinhos de Bordéus, num marketing muito eficaz...

    Mas não cremos que na sua formulação atual, como se diz nesse início da p. 37.

    Já agora, achámos curioso o subtítulo da versão portuguesa consultada da obra prima do barão de La

    Brède. Não conhecemos o livro. Trata-se de uma tradução completa, ou parcial? É que se for completa, é

    parcial no subtítulo... Mas essa crítica, a sê-lo, não é feita à doutoranda, mas ao tradutor.

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    A universalidade de uma obra doutoral é uma exigência fundamental. Já vai longa a arguição, e

    terminaremos com esta temática. Obviamente que compreendemos que todos nós temos a nossa

    circunstância (como dizia Ortega, e no singular), e que é natural que olhemos o mundo do local onde estamos,

    com as instituições que mais diretamente conhecemos. Mas precisamente a internacionalização universitária

    parece poder propiciar outros olhares sobre as questões.

    É nesse sentido que louvamos o esforço comparatístico feito pela candidata a páginas 84 ss., e não

    pudemos deixar de nos sentir impressionado (bem impressionado) com a invocação da velhíssima Casa dos

    Contos. Aliás, embora extinta pelo Marquês de Pombal (que a substituíu pelo Erário Régio), essa expressão

    passou a designar popularmente o Fisco português, como cremos que aqui também há uma designação não

    oficial para a homóloga entidade. O facto de que o Tribunal de Contas se encontre previsto na Constituição

    Portuguesa fará dele uma entidade com “status de órgão constitucional”? Confessamos que nunca havíamos

    pensado no assunto. Que consequências especiais daí resultarão? Ou terá a candidata apenas querido dizer

    que ele tinha direito a honras de presença na Constituição?

    Além disso, esta parte comparatística afigura-se-nos um tanto formal, e exterior. Na verdade, o que

    mais interessa, em Portugal como noutros países, quanto ao Tribunal de Contas, não é tanto a descrição do

    seu estatuto jurídico, mas os problemas concretos de conflito entre quem maneja as contas e quem as

    controla. Ao ponto de ter havido quem tenha perguntado já ao Tribunal como fazer: segundo ouvimos dizer...

    Compreendendo-se, porém, que a alusão da candidata é apenas uma referência, e não um estudo de direito

    comparado específico.

    No mesmo plano comparatístico e da universalização de vistas, entremos em linha de conta com o

    Presidencialismo brasileiro, que talvez haja motivado uma referência de p. 237, talvez excessivamente

    restritiva, se olharmos a questão no contexto do vasto Mundo.

    Fala-se aí da “proliferação do Welfare State (...) que exigia a presença ativa do Presidente da

    República a executar as políticas públicas para a classe social mais carente”. Entende-se, num sistema

    presidencialista, que se possa imputar ao Presidente da República o mérito ou o demérito dessas múltiplas,

    extensas e complexas políticas públicas do Estado de bem-estar social. Mas o que não se pode compreender

    é que isso seja universal. Há, como concordará decerto a doutoranda, muitos países que adotaram e ainda

    (tant bien que mal) adotam o Estado social, digamos assim – a Europa era até conhecida pelo seu modelo

    social de proteção social – e que têm regimes monárquicos, ou repúblicas não presidencialistas. E num e

    noutro dos casos o Presidente não pode considerar-se o responsável por essas políticas.

    Ananké stenai, dizia Aristóteles. Vamos ter que ficar por aqui. Das principais teses da sua tese

    curarão com muito maior competência os Caros Colegas desta banca. Do mesmo modo que me senti à

    vontade para escolher os temas que mais captaram a minha atenção, como que nas margens do seu trabalho,

    pelo princípio da igualdade de gládios sinta-se também à vontade a doutoranda para responder e comentar, do

    que eu disse, o que mais lhe aprouver, e pela ordem que lhe agradar mais. Não irei em princípio interrompê-la,

    salvo se, e com a permissão da Senhora Presidente, isso for para ajudar a esclarecer algum ponto, ou lhe

    manifestar que estou satisfeito já com a sua resposta. Muito obrigado pela vossa atenção.

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

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    ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO

    Normas para Apresentação

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    Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 21, 2013

    CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

    ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO

    Normas para Apresentação

    A apresentação do artigo para publicação nos Cadernos de Pós-Graduação em Direito deverá obedecer as

    normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

    ● Titulo: Centralizado, em caixa alta. Deverá ser elaborado de maneira clara, juntamente com a versão em

    inglês. Se tratar de trabalho apresentado em evento, indicar o local e data de realização.

    ● Identificação dos Autores: Indicar o nome completo do(s) autor(res) alinhado a direita. A titulação acadêmica,

    Instituição a que pertence deverá ser colocado no rodapé.

    ● Resumo e Abstract: Elemento obrigatório, constituído de uma seqüência de frases concisas e objetivas e não

    de uma simples enumeração de tópicos, não ultrapassando 250 palavras. Deve ser apresentado em português

    e em inglês. Para redação dos resumos devem ser observadas as recomendações da ABNT - NBR 6028/maio

    1990.

    ● Palavras-chave: Devem ser apresentados logo abaixo do resumo, sendo no máximo 5 (cinco), no idioma do

    artigo apresentado e em inglês. As palavras-chave devem ser constituídas de palavras representativas do

    conteúdo do trabalho. (ABNT - NBR 6022/maio 2003).

    As palavras-chave e key words, enviados pelos autores deverão ser redigidos em linguagem natural, tendo

    posteriormente sua terminologia adaptada para a linguagem estruturada de um thesaurus, sem, contudo, sofrer alterações

    no conteúdo dos artigos.

    ● Texto: a estrutura formal deverá obedecer a uma seqüência: Introdução, Desenvolvimento e Conclusão.

    ● Referências Bibliográficas - ABNT – NBR 6023/ago. 2000.

    Todas as obras citadas no texto devem obrigatoriamente figurar nas referências bibliográficas.

    São considerados elementos essenciais à identificação de um documento: autor, título, local, editora e data de

    publicação. Indicar a paginação inicial e final, quando se tratar de artigo de periódicos, capítulos de livros ou partes de um

    documento. Deverão ser apresentadas ao final do texto, em ordem alfabética pelo sobrenome do autor.

    ● Citações: devem ser indicadas no texto por sistema numérico, obedecendo a ABNT - NBR 10520/ago. 2002.

    As citações diretas, no texto, de até 3 linhas, devem estar contidas entre aspas duplas.

    As citações diretas, no texto, com mais de três linhas devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem

    esquerda, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas.