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Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Sociologia Licenciatura em Serviço Social Trabalho de Fim de Curso TEMA: As Representações Sociais do Trabalho Infantil Para as Crianças no Mercado de Xiquelene na Cidade de Maputo. Discente: Alice Arnaldo Arone Orientadora: Msc. Catarina Cuambe Maputo, Julho de 2017

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Faculdade de Letras e Ciências Sociais

Departamento de Sociologia

Licenciatura em Serviço Social

Trabalho de Fim de Curso

TEMA: As Representações Sociais do Trabalho Infantil Para as Crianças no Mercado de

Xiquelene na Cidade de Maputo.

Discente: Alice Arnaldo Arone

Orientadora: Msc. Catarina Cuambe

Maputo, Julho de 2017

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Alice Arnaldo Arone

As Representações Sociais do Trabalho Infantil para as Crianças no mercado de Xiquelene na

Cidade de Maputo.

Monografia apresentada em cumprimento parcial dos requisitos

exigidos para obtenção do grau de licenciatura em Serviço Social na

Universidade Eduardo Mondlane.

Mesa de Júri

Orientador Presidente Oponente Data

Maputo, Julho de 2017

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ÍNDICE

Declaração de Honra .................................................................................................................... i

Dedicatória .................................................................................................................................. ii

Agradecimentos .........................................................................................................................iii

Lista de Tabelas ......................................................................................................................... iv

Glossário ..................................................................................................................................... v

Resumo ...................................................................................................................................... vi

Abstract ..................................................................................................................................... vii

Introdução ................................................................................................................................... 1

Capítulo1 – Revisão da Literatura e Colocação do Problema .................................................... 3

1.1. Colocação do Problema de Pesquisa.................................................................................. 12

1.2. Hipótese ............................................................................................................................. 13

1.3. Objectivos .......................................................................................................................... 13

Geral .......................................................................................................................................... 13

Específicos ................................................................................................................................ 13

1.4. Delimitação do Tema ......................................................................................................... 13

1.5. Justificativa ........................................................................................................................ 14

Capítulo 2 – Enquadramento Teórico e Conceptual ................................................................. 15

2.1. Teoria das Representações Sociais .................................................................................... 16

2.2. Conceptualização e Operacionalização de Conceitos ........................................................ 18

2.2.1. Criança ............................................................................................................................ 18

2.2.2. Representações Sociais ................................................................................................... 19

2.2.3. Reprodução Social .......................................................................................................... 20

2.2.4. Trabalho Infantil ............................................................................................................. 20

Capítulo 3 – Metodologia ......................................................................................................... 21

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ii

3.1. Fases da Pesquisa ............................................................................................................... 22

3.2. Natureza da Pesquisa ......................................................................................................... 22

3.3. Técnicas de Recolha de Dados .......................................................................................... 23

3.4. Métodos de Abordagem e de Procedimento ...................................................................... 23

3.5. Grupo Alvo e Amostra ....................................................................................................... 24

3.6. Questões Éticas .................................................................................................................. 24

3.7. Constrangimentos de Pesquisa ........................................................................................... 25

Capitulo 4 – Apresentação, Análise e Interpretação dos Dados ............................................... 26

4.1. Perfil Sócio-Demográfico dos Entrevistados ..................................................................... 26

4.2. Caracterização das Actividades Exercidas pelas Crianças no Mercado da Praça dos

Combatentes .............................................................................................................................. 30

4.3. Significados e Representações Socias do Trabalho Infantil para as Crianças ................... 33

4.4. Das Representações Socias do Trabalho Infantil pelas Crianças à sua Reprodução ......... 38

4.5. Desafios do Assistente Social na Temática do Trabalho Infantil ...................................... 41

4.6. Propostas de Intervenção do Assistente Social .................................................................. 42

Considerações Finais ................................................................................................................ 44

Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 47

Apêndices .................................................................................................................................. 50

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i

Declaração de Honra

Eu, Alice Arnaldo Arone, declaro por minha honra que o trabalho do fim do curso que se

segue, é de minha autoria e nunca foi apresentado parcial ou integralmente para obtenção de

qualquer grau académico, ou para outro fim desconhecido e que o mesmo é produto duma

investigação pessoal estando indicada toda bibliografia utilizada e as fontes de informação

utilizadas para sua elaboração.

Maputo, Julho de 2017

_____________________

(Alice Arnaldo Arone)

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ii

Dedicatória

Dedico esta monografia aos meus pais, Arnaldo Arone e Elisa Herinques Uache, pelos sábios

ensinamentos e pelo apoio incondicional.

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iii

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço a Jesus Cristo autor e consumador da minha fé, pela vida

e pela força e presença em todos momentos da minha vida.

Agradeço à minha mãe Elisa Herinques Uache, minha heroína e meu alicerce por ter

sido o melhor exemplo a seguir e pelos sábios ensinamentos. Com certeza és a melhor mãe do

mundo. Ao meu pai Arnaldo Arone, pelo suporte e sábios ensinamentos, por ter feito tudo

para que eu pudesse chegar aqui e por nunca ter deixado faltar nada apesar das dificuldades.

Agradeço de forma especial à Mestre Catarina Cuambe por ter aceite fazer a

supervisão deste trabalho desde o início até o fim, dando conselhos e sábios ensinamentos, o

meu muito obrigada. Ao Doutor Domingos Langa, pelo apoio e ensinamento e por ter me

ajudado a materializar este trabalho.

De forma especial, agradeço às crianças do mercado de Xiquelene que deram um

pouco de seu tempo para participarem do estudo, dando opiniões e comentários que sem eles

esta monografia não teria sido possível realizar.

Agradeço aos Tios Luís e Guida Loforte, aos meus primos Arão Massango e Ana

Baule, pelo suporte e apoio desde o início do curso em todos momentos e sempre que precisei.

Agradeço aos meus irmãos João Dinis, Laura, Vânia, Arénia e Vivalda pelo suporte e por

estarem por perto dando-me apoio em tudo.

Agradeço ao Cláudio Moiane e ao Dércio Gabriel Machavate que além de amigos

sempre estiveram pronto a dar o seu contributo na realização do trabalho. Sem o vosso apoio e

os vossos comentários dificilmente teria chegado até aqui.

Ao melhor amigo, companheiro: Hermenegildo Moreira, obrigada pelos debates que

tivemos, pelo apoio incondicional, companheirismo, carinho e por tua compreensão ao longo

desses anos.

Ao grupo dos “pais”, os melhores amigos que alguém pode ter: a Sila Baptista, a

Neide Matembeze, a Inocência Jossene, ao Juma Cantoria, e ao Felizmundo Maurício por

estarem sempre presentes em todos os momentos da minha vida, por fazerem da minha estadia

na residência universitária mais animada e produtiva. Tenho certeza que foi Deus que vos

colocou em minha vida. As minhas amigas Juscelina Machava e Felismina Chacha, obrigada

por tudo.

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iv

Lista de Tabelas

Tabela 01: Distribuição dos Entrevistados por Sexo

Tabela 02: Distribuição dos Entrevistados por Idades

Tabela 03: Distribuição dos Entrevistados por Nível de Escolaridade

Tabela 04: Distribuição dos Entrevistados por Proveniência

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v

Glossário

Txenecar – Refere-se ao Acto de Adquirir algo a Título de Empréstimo

Guevar – Refere-se ao Acto de Comprar/ Adquirir Bens ou Produtos em Quantidades

Maiores para Revender

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vi

Resumo

O presente trabalho procura compreender em que medida as representações sociais que as

crianças têm sobre o seu trabalho influenciam para a sua reprodução. Este é um estudo

qualitativo, realizado no mercado do Xiquelene, na cidade de Maputo, onde aplicamos as

entrevistas e a observação como técnicas para apreender a realidade. Para análise dos dados

recorremos a teoria das representações sociais de Moscovici, através da qual procuramos

captar e compreender as representações que as crianças atribuem ao seu trabalho e a influência

que estas tem para a sua reprodução. Da pesquisa constatamos que as representações que as

crianças têm de seu trabalho influenciam em grande medida para a reprodução do trabalho

infantil neste contexto, constatamos também que existem factores importantes que podem

propiciar a adesão ao trabalho infantil, como a participação na economia familiar, a

necessidade das crianças adquirirem bens e produtos para si e a divisão familiar do trabalho.

Palavras-chave:Crianças, Trabalho Infantil, Representações Sociais, Assistente Social.

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vii

Abstract

The present work seeks to understand to what extent the social representations that children

have about their work influence their reproduction. This is a qualitative study, carried out in

the market of Xiquelene, in Maputo city, where we applied interviews and observation with

techniques to apprehend the reality. In order to analyze the data, we used Moscovici’s theory

of social representations, through which we tried to capture and understand the representations

that children attribute to their work and analyze the influences they have for their

reproduction. From the research we found that the representations that children have of their

work influence to a large extent the reproduction of child labor in this context, we also found

that there are important factors that can foster adherence to child labor, such as participation in

the family economy, the need of children to acquire goods and products for themselves and

the family division of labor.

Keywords: Child, child labor, Social Representations, SocialWorker .

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1

Introdução

O presente trabalho tem como tema “As Representações Sociais do trabalho infantil

para as crianças no Mercado de Xiquelene na Cidade de Maputo”. O mesmo é um estudo de

caso que foi realizado no Mercado de Xiquelene e tinha como objectivo primordial

compreender em que medida as representações sociais que as crianças têm de seu trabalho

influenciam na reprodução do mesmo.

O trabalho infantil não é um fenómeno exclusivo do nosso contexto e não é recente

nas sociedades no seu todo. De acordo com Marchi (2013), este não é novidade histórica e

nem surgiu como se costuma supor durante a revolução industrial, mas o que acontece é que

houve uma mudança na sua concepção e essa mudança esteve atrelada a nova concepção do

que é ser criança. A ideia de trabalho infantil é recente, mas sempre houve crianças

trabalhadoras. Este com o tempo ganhou visibilidade como matéria de estudo nas ciências

sociais e de intervenção em serviço social ao ser concebida como questão social.

Para o estudo do tema partimos do princípio de que os actores sociais, no seu dia-a-

dia, constroem símbolos e interpretações para dar sentido às actividades desenvolvidas no seu

meio. Assim sendo, faz-se necessária a realização de uma pesquisa que toma os indivíduos

como principais actores e, neste caso concreto, as crianças.

No nosso entender, há uma relação entre a reprodução do trabalho infantil e as

representações que as crianças constroem à volta do mesmo. Ou seja, a reprodução do

trabalho infantil é consequência da maneira como elas representam o seu trabalho, pois estas

representações fazem com que esta prática seja aceite por elas e assim contribui para que mais

crianças nele se envolvam.

A pesquisa procura fazer suas análises centrando-se na visão das crianças que

vivenciam o trabalho infantil, diferenciando-se, desta forma, dos estudos que analisam este

fenómeno sobre diferentes pontos de vista, deixando de lado as crianças. Para o efeito,

levantamos a seguinte pergunta de partida: em que medida as representações sociais que as

crianças têm sobre seu trabalho influenciam na reprodução do mesmo?

O estudo foi realizado no mercado de Xiquelene e tinha como grupo alvo crianças

vendedoras independentemente de serem ou não moradas do bairro, sem distinção de idade,

sexo ou raça. O mesmo tinha como objectivo geral compreender em que medida as

representações sociais que as crianças têm sobre o seu trabalho influenciam para a sua

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reprodução e para atingir o objectivo, procuramos, em primeiro lugar, identificar as

representações sociais que as crianças têm de seu trabalho; reflectir sobre as actividades que

estas crianças desenvolvem; descrever o perfil das crianças que desenvolvem actividades

comerciais no mercado informal da Praça dos Combatentes (Xiquelene), procuramos

estabelecer a relação entre as representações sociais identificadas e a reprodução do trabalho

infantil e, por fim, procuramos identificar os desafios existentes na área e apresentar as

propostas em termos de intervenção para o assistente social nesta temática.

Para análise e interpretação dos dados utilizamos a teoria das representações sociais de

Moscovici, e através desta procuramos captar e interpretar as percepções que as crianças

constroem acerca do seu trabalho e a partir dai analisar a influência que estas têm na

reprodução do mesmo.

Quanto à metodologia o trabalho é um estudo de caso de natureza qualitativa, e

utilizamos como técnica de recolha de dados a observação não participante e a entrevista

semi-estruturada onde entrevistamos 10 crianças vendedoras do mercado do Xiquelene.

Por sua vez, em termos de organização, o trabalho encontra-se dividido em capítulos e

subcapítulos, onde depois da introdução encontramos no primeiro capítulo a revisão da

literatura onde tínhamos como objectivo conhecer o debate existente sobre o tema a nível da

literatura e a partir dai construir o problema de pesquisa. Em seguida, encontramos a secção

que trata da construção do problema de pesquisa que culmina com a pergunta de partida que

norteou a presente pesquisa, seguida pela hipótese de pesquisa, os objectivos geral e

específicos e a justificativa.

No segundo capítulo encontramos o enquadramento teórico e conceptual, onde

apresentamos a teoria de base usada para leitura dos dados na pesquisa e a conceptualização

dos conceitos usados.

No terceiro capítulo encontramos a metodologia onde demostramos os passos seguidos

para a elaboração da pesquisa, incluindo os constrangimentos enfrentados ao longo da sua

realização.

O quarto capítulo e último refere-se a análise e interpretação dos dados obtidos da

pesquisa, os desafios e propostas de intervenção e depois deste encontramos as considerações

finais, a bibliografia consultada para a realização do trabalho e os anexos compostos pelo

guião que utilizamos no processo de recolha de dados da presente pesquisa.

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Capítulo 1 – Revisão da Literatura e Colocação do Problema

Neste capítulo pretendemos demonstrar como a temática em discussão tem sido

abordada em algumas literaturas disponíveis. Assim sendo, faremos uma discussão de ideias

de diferentes autores tendo em conta os pontos convergentes e divergentes dos mesmos. Em

seguida procuraremos fazer a colocação do problema que norteou a pesquisa.

Na literatura disponível sobre trabalho infantil podemos destacar três abordagens. Por

um lado, a abordagem que procura fazer suas análises sobre o trabalho infantil olhando para

aspectos sociais, económicos e culturais que influenciam no fenómeno, onde encontramos

autores como KASSOUF (2005); MORAES e SILVA (2009) e OLIVEIRA (2013)1.

Temos uma segunda abordagem que trata o trabalho infantil sob um ponto de vista

funcional, ou seja, como uma actividade que desempenha uma certa função e esta abordagem

é representada por OLIVEIRA (2013)2 e, por fim, temos a abordagem que faz suas análises

privilegiando as percepções e representações sociais que famílias, crianças e profissionais

inseridos nesse contexto têm sobre o trabalho infantil. Nesta última encontramos autores como

MARCHI (2013), MANTOVANI e LIBÓRIO (2015) e LIMA e RIBEIRO (2011).

Indo ao encontro da primeira abordagem a que consiste em analisar o trabalho infantil

olhando para aspectos económicos e culturais, podemos encontrar Moraes e Silva (2009) que

analisam o trabalho infantil sob a perspectiva histórica, social e legal.

Num primeiro momento, trazem-nos uma visão geral do surgimento do trabalho

infantil, das questões legais e históricas. No que diz respeito a aspectos causais do trabalho

infantil apontam a pobreza na medida em que a miséria gera o trabalho infantil, salários

insuficientes, precarização do trabalho e o desemprego. Este factor impulsiona os pais a

colocarem seus filhos menores no trabalho, com o intuito de melhorarem a renda familiar.

Um segundo factor apresentado como causa do trabalho infantil é o sistema capitalista

que segundo Moraes e Silva (2009), contaminou a mente social, sendo que ao sistema

capitalista estão associados a busca incessante pelo lucro, a manutenção do status quo, a

1Felipe Braga de Oliveira, autor do texto intitulado as causas da exploração do trabalho infantil: discussão frente

a legislação brasileira e internacional, ano de publicação 2013, desenvolveu o seu estudo com o objectivo central

de trazer uma discussão acerca das causas do trabalho infantil, incluindo-se aspectos como direitos da crianças e

do adolescente. 2Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares.

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hierarquização preservada pelas relações de poder, e estes princípios enraizados na sociedade

contribuem para a perpetuação do trabalho infantil.

No tocante à pobreza, Moraes e Silva (2009) argumentam que ainda que a pobreza seja

recorrentemente apontada como causa do trabalho infantil, este fenómeno ultrapassa a linha

da pobreza e se engendra em outros horizontes e no mínimo deve-se trazer aspectos como

políticas educacionais deficitárias, legislação imprópria, falhas governamentais, indiferenças

sobre o assunto, interesse económico quando os próprios empregadores estimulam a

actividade infantil. Ou seja, não é tão linear afirmar que a pobreza causa o trabalho infantil,

pois a este fenómeno estão associados vários outros factores que contribuem para a inserção

das crianças no mercado de trabalho.

No estudo explica-se ainda que não se pode menosprezar a concepção cultural sobre o

tema, pois a concepção de que o trabalho dignifica o homem serve como justificativa do

trabalho infantil. Para Moraes e Silva (2009), o trabalho infantil não enaltece a dignidade da

criança muito pelo contrário, os meninos trabalhadores estão fadados a manter-se no mesmo

ciclo de pobreza pois impede-lhes que tenham oportunidades e ganhos educacionais e

financeiros.

Por fim, Moraes e Silva (2009) sublinham que para erradicar essa anomalia é preciso

muito mais do que um desenvolvimento distributivo ou um programa assistencialista, é

necessário uma transformação nas instituições sociais e no próprio sistema político-

económico.

Ainda nessa abordagem que faz sua análise olhando para aspectos económicos e

culturais, encontramos Oliveira (2013)3que aponta como causas do trabalho infantil questões

como a pobreza, baixa e deficiente escolaridade, o modo de produção capitalista, o mercado

de trabalho e aspectos culturais.

No que diz respeito à questão da pobreza, esta é tomada como um factor que de

alguma forma gera na sociedade diversos males. A pobreza vai além da falta do que comer e

beber, isto é, caracteriza-se, ainda, por não ter acesso a saneamento básico, ensino

fundamental, saúde pública e garantia de direitos humanos mínimos, etc.

3Felipe Braga de Oliveira, autor do texto intitulado as causas da exploração do trabalho infantil: discussão frente

a legislação brasileira e internacional, ano de publicação 2013, desenvolveu o seu estudo com o objectivo central

de trazer uma discussão acerca das causas do trabalho infantil, incluindo-se aspectos como direitos da crianças e

do adolescente.

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Assim sendo, a necessidade de sobrevivência faz com que o menor engrene no

mercado de trabalho como forma de suprir suas necessidades, e essa aderência ao mercado de

trabalho gera um ciclo vicioso de pobreza que dificilmente este menor e seus respectivos

filhos sairão, considerando a falta de oportunidades para quem não possui qualificação

educacional.

O argumento anteriormente apresentado de alguma forma vai ao encontro daquilo que

foi exposto por Moraes e Silva (2009) ao defenderem que a entrada das crianças no mercado

de trabalho gera um ciclo vicioso de pobreza pois priva-as das oportunidades educacionais e

financeiras. A questão da baixa e deficiente escolaridade é apontada por Oliveira (2013)4

como um factor que causa o trabalho infantil, argumentando que este faz com que crianças e

adolescentes não tenham conhecimento técnico-profissional para alcançarem novos horizontes

laborais.

No mesmo texto, faz-se menção ainda ao modo de produção capitalista e o mercado de

trabalho como causadores do trabalho infantil. Na sua óptica, o capitalismo, na sua busca pelo

lucro, insere as crianças no mercado de trabalho, pois a sua mão-de-obra oferece um baixo

custo o que se reflecte em um menor gasto e maior lucro. “O mercado de trabalho então insere

crianças e adolescentes em sua linha de produção, comércio, etc., para executarem tarefas,

ocasionando um barateamento dos custos empregatícios que a legislação obreira impõe aos

empregadores” (OLIVEIRA5, 2013, p. 19).

Outro aspecto trazido pelo autor refere-se às práticas culturais que de alguma forma

contribuem para o trabalho infantil, práticas como a necessidade de consumir imposta pelos

media e incorporada facilmente pela sociedade. Custódio e Veronese (2009) apud Oliveira6

(2013) sublinham que o desejo de consumo do núcleo familiar construído socialmente como

necessidade, pode ser um factor de estímulo para a inserção precoce dos filhos no mundo do

4Felipe Braga de Oliveira, autor do texto intitulado as causas da exploração do trabalho infantil: discussão frente

a legislação brasileira e internacional, ano de publicação 2013, desenvolveu o seu estudo com o objectivo central

de trazer uma discussão acerca das causas do trabalho infantil, incluindo-se aspectos como direitos da crianças e

do adolescente. 5Felipe Braga de Oliveira, autor do texto intitulado as causas da exploração do trabalho infantil: discussão frente

a legislação brasileira e internacional, ano de publicação 2013, desenvolveu o seu estudo com o objectivo central

de trazer uma discussão acerca das causas do trabalho infantil, incluindo-se aspectos como direitos da crianças e

do adolescente. 6Felipe Braga de Oliveira, autor do texto intitulado as causas da exploração do trabalho infantil: discussão frente

a legislação brasileira e internacional, ano de publicação 2013, desenvolveu o seu estudo com o objectivo central

de trazer uma discussão acerca das causas do trabalho infantil, incluindo-se aspectos como direitos da crianças e

do adolescente.

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trabalho, embora não seja factor primordial ou determinante, mas apenas componente de

reforço do processo, num contexto social mais amplo.

Para além da questão do consumo, existe como factor cultural a questão da aceitação e

incentivo do trabalho infantil como forma de moldar o carácter deste, ou como sendo um

processo normal da socialização das crianças. Para que se evite a ociosidade e os problemas

que desta decorrem, as famílias impõem aos infanto-juvenis o trabalho doméstico, tendo em

mente que o lazer representa perda de tempo ou um mal. Ou seja, existe a questão do

consumismo que é incutida pelo media e incorporada pela sociedade, e temos a questão da

supervalorização do trabalho pelo homem, que de alguma forma contribui para o trabalho

infantil, ao se considerar o mesmo como benéfico e dignificante.

Na mesma linha de abordagem encontramos Kassouf (2005) que traz um estudo que

tinha como objectivo apresentar de forma resumida, o que se conhece na literatura económica

sobre trabalho infantil e indicar direcções para futuros estudos. Neste estudo, apresentam-se

como causas do trabalho infantil a pobreza, a escolaridade dos pais e, acrescendo-se as causas

apresentadas anteriormente, traz-se o tamanho e a estrutura da família, o sexo do chefe da

família, a idade em que os pais começaram a trabalhar e o local de residência.

Segundo Kassouf (2005) a pobreza apresenta-se como controversa na medida em que

segundo Basu e Tzannatos (2003) apud Kassouf (2005), os filhos de advogados, médicos,

professores e, em geral, da população de classe media alta não trabalham na infância, o que de

alguma forma sugere-nos que crianças que não estão sujeitas a pobreza tendem a não realizar

trabalho infantil, mas em contrapartida, Bhalotra e Heady (2003) apud Kassouf (2005),

utilizando dados da área rural mostraram que famílias que são proprietárias de maiores áreas

de terra onde trabalham tendem a fazer seus filhos trabalharem mais.

Nesse sentido, tomando-se a posse de terra como um indicador de riqueza, pode-se

constatar que, nesse contexto, ainda que não estejam inseridos no meio da pobreza as crianças

tendem a ser inseridas no meio de trabalho o que sugere que não é linear afirmar que a

pobreza é motivadora do trabalho infantil. Isso não significa que a pobreza não é um

determinante do trabalho infantil, mas sim que ele responde a incentivos e oportunidades que

surgem com as imperfeições no mercado de trabalho (KASSOUF, 2005, p.21).

O argumento anteriormente apresentado de alguma forma toma-se como ponto de

convergência com os autores anteriormente mencionados pois os mesmos concordam ao

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afirmar que o factor pobreza em si não pode ser tomado como causador do trabalho infantil

visto que a ele podem ser associados vários outros factores.

No estudo revela-se que o nível de escolaridade dos pais tem uma grande influência na

decisão sobre a aderência dos filhos ao trabalho infantil, pois o seu nível de educação tende a

influenciar o nível de renda familiar que, por sua vez, determina se os filhos irão ou não ser

inseridos no mercado de trabalho. Todavia, o efeito da escolaridade da mãe é superior em

relação ao do pai.

A composição da família é também apresentado como um aspecto importante,

considerando-se que muitas crianças trabalham mais quando maior for o número de irmãos,

principalmente, mais novos, e que nas famílias chefiadas por mulheres têm maior

probabilidade de registar-se o trabalho infantil.

Nesse estudo apresentam-se ainda algumas consequências do trabalho infantil, sendo

que alguns pesquisadores, na realidade, admitem a possibilidade de o trabalho permitir que as

crianças estudem, uma vez que serão capazes de cobrir os custos de sua educação, o que seria

impossível para uma família de baixa renda. Mas alguns autores defendem que o trabalho

infantil impende a aquisição da educação e do capital humano, sendo que em linhas gerais, as

consequências apontadas giram em torno da baixa escolaridade, que limitam mais tarde as

oportunidades de emprego e os efeitos sobre a saúde.

Na segunda abordagem a que trata o trabalho infantil sob um ponto de vista funcional

encontramos Oliveira (2013)7que no seu trabalho tinha como objectivo estudar crianças

moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam de forma activa

nos negócios familiares de forma a desconstruir a noção de criança africana como órfã,

vulnerável e fora do lugar.

Segundo Oliveira (2013)8 à semelhança de muitas sociedades africanas, as crianças

constituem uma importante fonte de ajuda para as suas famílias. Sendo assim, deste estudo as

principais conclusões tiradas foram as de que as crianças são actores fundamentais nas

estratégias económicas das famílias pois estas ajudam nas tarefas domésticas, a cuidar dos

7Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares. 8Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares.

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outros membros da família e participam nos negócios familiares e ao terem essa participação

essas crianças compreendem o significado de práticas, normas e valores que a elas são

inerentes e, desta forma, contribuem para a reprodução social destas famílias. Outro

argumento trazido pela autora demonstra que através das actividades que desempenham, as

crianças apreendem todo um conjunto de mecanismos que lhes serão úteis na sua vida futura.

Na terceira abordagem, a que privilegia as percepções e representações das crianças,

pais ou profissionais que lidam com o trabalho infantil, encontramos Marchi (2013) que

discute dados de pesquisa que visava apreender as representações sociais sobre escola,

trabalho infantil e os significados de criança e infância junto a crianças e adolescentes do

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), com participação de seus pais e

professores. O estudo aponta para a inadequação da dicotomia entre razões económicas e

culturais na compreensão do trabalho infantil.

Como ponto de partida para o estudo, Marchi (2013) traz-nos uma visão sobre o

surgimento da infância e o trabalho das crianças, onde afirma que o trabalho infantil, não é

novidade histórica e nem surgiu como se costuma supor durante a revolução industrial, mas o

que acontece é que houve uma mudança na sua concepção e essa mudança esteve atrelada a

nova concepção do que é ser criança. A ideia de trabalho infantil é recente mas sempre houve

crianças trabalhadoras.

Sobre a situação do trabalho infantil no mundo, explica-se no texto que este tem sido

apontado como um dos negativos efeitos da pobreza, e que este fenómeno tende a ocorrer

geralmente em países periféricos ou em países centrais em que subsistem sectores marginais.

E ainda no que diz respeito a discussão a nível da literatura, podemos encontrar como

explicações para a sua ocorrência a pobreza, a desigualdade geradas pelo sistema capitalista e

a desestruturação familiar.

No entanto, ainda que a pobreza seja apontada como factor causal, Marchi (2013) diz

que às vezes esta é questionada. Assim, estudos agregam a este factor também a estrutura do

mercado de trabalho que incorpora esta mão-de-obra, as deficiências da educação escolar, as

restrições impostas pela tradição que associa seu valor educativo à formação de crianças e

adolescentes, o desejo de autonomia dos jovens e ainda traz-se como factor causal a questão

das variáveis culturais.

Partindo do pressuposto de que existe uma inadequada dicotomia entre razões culturais

e económicas na compreensão do trabalho infantil, a pesquisa realizada teve como primeira

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conclusão a de que o trabalho infantil ainda tem como grande motivação factores económicos

e este tendeu a ser representado como natural e como necessidade e que faz parte do sistema

relacional de ajuda e troca intrafamiliar.

Percebeu-se que embora a literatura recente sobre trabalho infantil aponte que na

lógica cultural das famílias pobres o trabalho assume significados para além do económico,

nas entrevistas que a autora efectuou durante a pesquisa percebe-se que as necessidades

económicas influenciam fortemente as acções das crianças e suas famílias e nestas o trabalho

infantil surge com um duplo papel, que seria auxiliar no sustento do grupo familiar e educar

para a vida adulta.

As crianças que constituíram grupo alvo na pesquisa realizada por Marchi (2013),

tenderam a defender a necessidade do trabalho para ajudar a família, mas apontavam também

que elas deviam brincar e estudar o que leva a autora a considerar que existe aqui uma forma

de pensar das crianças que consideram que o ser criança somente é possível para os mais

pequenos ou de famílias abastadas.

Neste estudo expõe-se ainda que embora exista uma rede de protecção à infância,

através de leis específicas, programas governamentais de saúde e educação e elaboração

científica dos cuidados que a infância requer, o que se observa é que as crianças aqui

consideradas não chegam a acessar estes direitos, e devido a isso surge o trabalho infantil,

como uma forma das desigualdades na medida em que para as famílias o trabalho infantil

surge como necessidade ao ajudar no seu sustento e na educação das crianças para a vida

adulta.

Nessa abordagem que privilegia as percepções e representações sociais, podemos

encontrar ainda Mantovani e Libório (2015) que tinham por objectivo estudar o trabalho

infantil a partir das representações sociais compartilhadas por famílias e profissionais da

educação de duas escolas públicas estaduais de Presidente Prudente/ SP.

Em primeiro lugar, Mantovani e Libório (2015) concordam com Marchi (2013) no que

se refere ao início do trabalho infantil, afirmando que este existia antes mesmo da revolução

industrial tendo sido fortalecido nessa época, pois:

“A industrialização modificou a forma de trabalho dos artesãos, até então detentores da força

de trabalho e de todo o processo de produção, dando lugar à mecanização, à produção em série,

à ascensão da burguesia, ao desenvolvimento urbano e ao início da utilização das mãos de obra

feminina e infantil, que compunham o quadro de trabalho preferido dos empregadores, pois os

seus salários eram bem inferiores em relação aos de um homem adulto” (MANTOVANI e

LIBÓRIO, 2015, p.76).

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Os autores acrescentam ainda que a participação das crianças no trabalho infantil pode

dar-se sob três modalidade, que são o trabalho infantil doméstico, informal urbano e rural.

Segundo Alberto et al. (2005) o trabalho infantil doméstico caracteriza-se como actividade de

cuidar de casas, pessoas ou animais, realizada para a própria família ou para terceiros,

podendo haver ou não pagamento de qualquer natureza; o trabalho informal urbano

caracteriza-se como aquele que se executa fora do mercado de trabalho organizado por leis e

fiscalizações disponíveis, como em estacionamentos, bares, lanchonetes, floricultura,

mercadinhos e olarias e, por fim, o trabalho rural que segundo Stropasolas (2012) caracteriza-

se como actividades de arar a terra, cultivar o solo, plantar ou colher produtos, manusear

elementos químicos e ou cortantes e cuidar de animais.

Portanto, os autores nessa discrição das modalidades do trabalho infantil acrescentam

ainda que o doméstico e o rural têm sido subnotificados, por razões que variam entre a

inviolabilidade do lar e a crença de que através destes trabalhos as crianças adquirem um certo

aprendizado e auxiliam nos afazeres domésticos.

Na sua pesquisa sob o direccionamento da teoria das representações sociais, junto a

profissionais da educação e famílias, com objectivo de compreender as representações sociais

por eles compartilhadas, Mantovani e Libório (2015), verificaram que o trabalho infantil ora é

descrito como negativo ora concebido como impulsionador e que pode ser uma forma de

prevenir as crianças dos perigos da rua.

Por sua vez, as famílias tenderam a representá-lo como natural, formador e que leva ao

desenvolvimento cognitivo, emocional e social, por um lado, mas que deve ser prevenido

porque a criança tem que estudar para ser alguém na vida. Já no que diz respeito aos

profissionais de educação, os resultados encontrados dão conta de que estes profissionais

tendem a considerar os estudantes trabalhador como mais maduros, mais responsáveis, mais

comprometidos com os estudos com facilidade de socialização mas que tendem a ter mais

dificuldades de aprendizagem devido ao cansaço pelo trabalho.

Os profissionais percebem que é preciso modificar as práticas docentes, adaptar

conteúdos, flexibilizar horários e trabalhos, principalmente para tornar a escola um local mais

agradável e de qualidade para todas as crianças e adolescentes e mais viável para os alunos

trabalhadores.

Das representações que os profissionais e as famílias atribuíram ao trabalho infantil os

autores argumentam que se faz necessário questionar as posições generalistas do trabalho

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infantil, que defendem sua total eliminação, apontando-o como o único, ou um dos únicos,

motivos para o abandono da escola, para rendimentos baixos no futuro e inserção em

trabalhos desfavoráveis na idade adulta.

Ainda na perspectiva que privilegia as representações sociais, encontramos Lima e

Ribeiro (2011), que desenvolvem um estudo com o objectivo de caracterizar a percepção de

crianças e adolescentes sobre o trabalho infantil e suas condições de ocorrência; identificar as

crenças e ideologias utilizadas por eles para justificar e validar suas práticas e caracterizar as

práticas de submissão e de disciplina corporal.

Segundo Lima e Ribeiro (2011), o capitalismo trouxe uma nova concepção de criança.

Com isso, um novo sentido passa a ser atribuído ao trabalho, onde este começa a ter uma

dupla função, servindo como educador e como formador. Esta nova concepção passou a ser

utilizada a favor da burguesia, porém, aos seus filhos oferecia-se o trabalho intelectual e aos

pobres a entrada precoce na indústria. Acreditava-se que essa seria a melhor forma de dar

dignidade ao homem.

A origem do trabalho infantil para Lima e Ribeiro (2011) está relacionada à pobreza

familiar. Os motivos para o trabalho precoce são a pobreza, necessidade de colaborar com os

pais, o desejo dos pais para que trabalhem e ganhem a vida por si mesmos, além da ideia de

que é melhor trabalhar do que ficar sem fazer algo.

Segundo Dimenstein e Feitosa (2004) apud Lima e Ribeiro (2011) o que acontece é

que se acaba tendo uma educação para e pelo trabalho nas famílias e transmite-se a ideia do

trabalho como ensinamento para os filhos. No seu trabalho, os autores verificaram ainda que

existe uma relação entre irregularidade escolar e o trabalho precoce. Não que o primeiro seja

causa do segundo, mas sim, os dois são consequências dos mecanismos que transpassam a

pobreza.

Segundo Lima e Ribeiro (2011), na sua pesquisa, verificou-se que as crianças

trabalhadoras conseguem criar linhas de fuga para o lúdico e consideram que o trabalho não

atrapalha o brincar uma vez que os pais permitem que esses brinquem. E ainda elas criam

momentos de brincadeiras e de expressão de criatividade.

Outra observação faz menção ao facto de nas percepções das crianças notar-se que

parece que para elas não há diferença entre trabalho doméstico e outro tipo de trabalho,

caracterizando tanto o outro tipo como o doméstico como ajuda aos pais. Os autores

observaram ainda que as crianças frequentam a escola e algumas delas tomam-na como a

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única forma de garantir um futuro melhor, relatando as vezes que no trabalho por vezes se

machucam, chegam cansados à escola devido ao trabalho e isso acaba atrapalhando no seu

desempenho escolar.

Os autores concluem que o trabalho infantil continua existindo em realidades onde há

pobreza. E nestes casos as crianças mostram interesse em trabalhar para ter seu próprio

dinheiro e ter uma certa independência. Este fenómeno deve se ao facto de existir uma

modelação das crianças pelo adulto como argumenta Guattari (1983) apud Lima e Ribeiro

(2011). As crianças na nossa sociedade já estão iniciadas nos sistemas de representação e

valores do capitalismo, modelação para o consumo, o que faz com que estas tenham valores

que vão de acordo com os valores capitalistas.

Os estudos apresentados permitem-nos visualizar o fenómeno e conhecer os aspectos

que estão correlacionados a ele. E, ao mesmo tempo, auxiliam-nos a compreender o mesmo

fenómeno sob uma perspectiva que privilegiamos na nossa pesquisa. Sendo assim propõe-se

aqui uma perspectiva de análise que sob a luz da teoria das representações sociais diferencia-

se dos outros estudos ao privilegiar as crianças como actores sociais capazes de produzir

símbolos, representações próprias do seu mundo não sendo estes meros reprodutores passivos

do mundo dos adultos.

1.1. Colocação do Problema de Pesquisa

Privilegiando a abordagem das representações sociais sobre o trabalho infantil,

partimos do princípio de que os actores sociais, no seu dia-a-dia constroem símbolos e

interpretações para dar sentido as actividades desenvolvidas no seu meio. E, neste caso

concreto entendemos que as crianças criam símbolos e interpretações sobre o trabalho que

elas realizam.

Por meio da observação podemos verificar que a presença de crianças em mercados

informais na cidade de Maputo tem sido um fenómeno que é cada vez mais visível, fazendo-

se assim necessário uma reflexão sobre a questão do aumento do número de crianças nesses

espaços.

No nosso entender há uma relação entre a reprodução do trabalho infantil e as

representações que elas constroem à volta do seu trabalho. Ou seja, a reprodução do trabalho

infantil é consequência da maneira como elas representam o seu trabalho, pois estas

representações fazem com que esta prática seja aceite por elas e assim contribui para que mais

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crianças se envolvam. Elas tendem a tomar o trabalho que realizam como uma actividade que

não chega a ser “trabalho”. A pesquisa desenvolvida pretende captar essas representações,

percepções, símbolos que as crianças têm de seu trabalho e analisar como as mesmas

influenciam na sua reprodução.

Sob olhar da teoria das representações sociais que procura captar as interpretações que

os indivíduos constroem acerca de um determinado fenómeno, pretendemos alongar o debate.

De salientar que a teoria das representações sociais demonstra que os indivíduos nas suas

actividades representativas não se limitam a reproduzir passivamente um objecto mas de

alguma forma reconstroem-no e ao fazê-lo constituem-se como sujeitos. Na presente pesquisa

entendemos que existe uma relação entre representações sociais das crianças trabalhadoras e a

reprodução do trabalho infantil, pelo que levantamos a seguinte pergunta de partida: em que

medida as representações sociais que as crianças têm sobre seu trabalho influenciam na

reprodução do mesmo?

1.2. Hipótese

As crianças entendem a actividade por si realizada não como trabalho, o que traz uma

forte influência na reprodução do mesmo.

1.3. Objectivos

Geral

Compreender em que medida as representações sociais que as crianças têm sobre o seu

trabalho influenciam para a sua reprodução

Específicos

Descrever o perfil das crianças que desenvolvem actividades comerciais no mercado

informal da Praça dos Combatentes (Xiquelene)

Reflectir sobre as actividades comerciais que elas executam

Analisar as representações sociais que as crianças têm do trabalho que elas exercem

Apresentar propostas de intervenção do assistente social na temática do trabalho

infantil

1.4. Delimitação do Tema

O presente trabalho, procura compreender em que medida as representações sociais

que as crianças têm sobre o seu trabalho influenciam na reprodução do trabalho infantil. O

mesmo realizou-se na cidade de Maputo, concretamente no mercado da praça dos

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combatentes popularmente conhecido por mercado do Xiquelene. A escolha deste local

prende-se ao facto deste ser um espaço de constantes dinâmicas, comércio intensificado e

maioritariamente informal e apresentar um fluxo maior de crianças vendedoras que

constituem o grupo alvo da pesquisa.

Quanto ao grupo alvo, focamo-nos nas crianças com idades compreendidas entre os 9

a 16 anos de idade, sem distinção de sexo, sendo elas vendedoras deste mercado em um

universo total de 10 crianças. No tocante ao horizonte temporal consideramos o período de

2016 a 2017 pois é neste período em que o trabalho infantil ganhou grande visibilidade no

nosso contexto, tendo este passando a fazer parte de agendas estatais e neste período

começaram a intensificar-se esforços e estratégias de erradicação do mesmo, como a

consideração do ano da erradicação do trabalho infantil na comunidade dos países de língua

portuguesa (CPLP) 9.

1.5. Justificativa

Nesta secção iremos apresentar aquilo que constitui o porque da pesquisa e a

relevância científica e social do tema, na medida em que esta pretende captar as

representações sociais que as crianças vendedoras têm de seu trabalho e compreender em que

medida estas representações influenciam na reprodução do mesmo.

A concepção do trabalho infantil varia de contexto para contexto, varia ainda no que

diz respeito a idade para a qual se considera trabalho infantil. No contexto nacional o cenário

não é diferente, sendo que é possível visualizar o trabalho infantil no nosso dia-a-dia.

Portanto, devido a essa situação justifica-se a realização do presente trabalho na medida em

que este procura ser um contributo para a sua compreensão.

A escolha do tema surge da necessidade de compreender as representações que as

crianças têm do trabalho infantil e a influência que estas representações têm para a reprodução

do mesmo, num contexto em que é cada mais visível a existência de crianças trabalhando,

principalmente, no sector informal.

Segundo Cruz e Silva (2005) sector informal é conceituado como sendo novos

mercados que vão nascendo, ocupam terrenos baldios e crescem de forma extraordinariamente

rápida e descontrolada. Este envolve vendedores ambulantes e outros.

9Informação disponível em www.sigame-cplp.com/notícias. Acesso em: 01/09/2017.

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Um segundo motivo que justifica a escolha do tema refere-se ao facto de a nível

nacional existir pouca literatura que procura estudar o trabalho infantil tomando como actores

as crianças que o praticam. Sendo assim, a pesquisa pretende ser um contributo para a ciência

na medida em esta procura pesquisar uma área pouco explorada, privilegiando as crianças

como actores sociais.

Justifica-se, também, a escolha do tema por este ser um campo de actuação do serviço

social ao ser tomado como questão social, interessando a sua análise no contexto do fazer

profissional do assistente social.

Este trabalho vem como contributo para a sociedade no referente a maneira de olhar

para as crianças, visto que são actores sociais capazes de produzir representações, símbolos e

percepções que orientam suas vivências e práticas no seu quotidiano.

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Capitulo 2 – Enquadramento teórico e conceptual

2.1. Teoria das Representações Sociais

Neste capítulo pretendemos fazer a discussão da teoria de base que sustenta e orienta a

nossa pesquisa e apresentamos, também, a conceptualização e operacionalização dos

conceitos-chave da pesquisa. Temos como teoria orientadora a teoria das representações

sociais de Serge Moscovici e como conceitos-chave, trabalho infantil, representações sociais,

e reprodução social.

A teoria das representações sociais foi introduzida por Moscovici em 1961 no seu

trabalho intitulado La Psychanalyse, son image et son public. As discussões sobre

representações sociais começaram na sociologia com Émile Durkheim e foi nesta, que

Moscovici buscou elementos para a elaboração da sua teoria.

Segundo Alves-Mazzotti (2008), em suas elaborações Durkheim fazia menção ao

conceito de representações colectivas, portanto, Moscovici vem mostrar que este conceito

proposto por Durkheim se referia a uma classe muito genérica de fenómenos psíquicos e

sociais, englobando entre eles os referentes a ciência, aos mitos e à ideologia, sem a

preocupação de explicar os processos que dariam origem a essa pluralidade de modos de

organização de pensamento.

Para Moscovici a concepção de representações colectivas era estática e, portanto, não

adequada ao estudo das sociedades contemporâneas, que se caracterizavam pela

multiplicidade de sistemas políticos, religiosos, filosóficos e artísticos e fluidez na circulação

das representações.

Sendo assim, Alves-Mazzotti (2008), afirma que a noção de representações sociais

proposta por Moscovici procura dialectizar as relações entre indivíduos e sociedade,

afastando-se igualmente da visão socializante de Durkheim e da perspectiva psicologizante da

psicologia social.

Moscovici (1961) desenvolveu uma teoria que buscou compreender e interpretar os

processos sociocognitivos através dos quais os indivíduos inseridos em determinados

contextos sociais produzem interpretações e ideias sobre a realidade.

A teoria das representações sociais parte do pressuposto de que não existe separação

entre o universo externo e o interno do sujeito e em suas actividades representativas ele não

reproduz passivamente um objecto, mas de alguma forma o reconstrói e ao faze-lo se constitui

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como sujeito, pois, ao apreendê-lo de uma dada maneira, ele próprio se situa no universo

social e material.

Segundo Moscovici (1961) as representações sociais são uma preparação para acção,

não apenas porque orientam o comportamento do sujeito, mas principalmente porque

reconstituem os elementos do ambiente no qual o comportamento terá lugar, integrando-o a

uma rede de relações as quais está vinculado o seu objecto.

Segundo Moscovici (1961) as representações sociais resultam do saber prático da

sociedade, do senso comum e ao facto destas facilitarem a comunicação entre os actores

sociais mediante as suas interrogações à volta dos objectos com os quais interagem. Através

das representações os actores sociais constroem noções e interpretações que dão sentido à

realidade. Para ele as representações sociais têm duas faces dissociáveis, a figurativa e a

simbólica, isso significa que a cada figura corresponde um sentido e a cada sentido uma figura

Para Alves-Mazzotti (2008) o que Moscovici procura enfatizar é que as representações

sociais não são só “opiniões sobre” ou “imagens de” mas são teorias colectivas sobre o real,

sistemas que têm uma lógica e uma linguagem particulares, uma estrutura de implicações

baseada em valores e conceitos, e que determinam o campo das comunicações possíveis, dos

valores ou ideias compartilhadas pelos grupos e regem subsequentemente as condutas

desejáveis ou admitidas.

Segundo Alves-Mazzotti (2008), os processos envolvidos na actividade representativa

tem por função destacar uma figura e ao mesmo tempo atribuir-lhe um sentido, integrando-lhe

ao nosso universo. Os dois processos que dão origem às representações sociais são a

objectivação e a ancoragem, sendo que a objectivação é a passagem de conceitos ou ideias

para esquemas ou imagens concretas e a ancoragem é a constituição de uma rede de

significações em torno do objecto, relacionando-o a valores e práticas sociais.

A teoria das representações sociais teve um grande contributo para o aprofundamento

teórico vindo de Jodelet (1984) apud Dalenogere (2010), que afirma que a representação

social designa um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal de conhecimento,

um saber de senso comum de caráter eminentemente prático e orientado para a comunicação,

a compreensão ou o domínio do ambiente social, material e ideal de um determinado grupo

Segundo Jodelet (1984) apud Dalenogere (2010) distingue-se quatro grandes

elementos que compõem as representações sociais: primeiro, entende que a representação

social é sempre representação de um objecto pois, as características do sujeito e do objecto

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nela se manifestam; segundo, defende que a representação social tem sempre um carácter de

simbolização e de interpretação pois, envolve a construção de expressões, conceitos,

percepções e noções do sujeito sobre o objecto; terceiro, a representação social é uma forma

de saber que se expressa com suportes linguísticos, comportamentais e materiais; quarto e

último, a representação social é uma construção, é inerente à experiência prática, aos

contextos e as condições nas quais determinada interpretação da realidade é produzida.

A teoria das representações sociais é a teoria que adoptaremos para ler a realidade que

pretendemos pesquisar, pois através desta procuraremos captar as interpretações e percepções

que as crianças constroem acerca do seu trabalho e a partir dai analisar a influência que estas

têm na reprodução do mesmo. Esta teoria para além de permitir conhecer as representações,

significações que elas têm sobre seu trabalho, permite também conceber o ser social como

agente activo na medida em que segundo Moscovici (1961), na sua actividade representativa

este não reproduz um objecto passivamente mas sim reconstrói-o e constitui-se como sujeito.

2.2. Conceptualização e Operacionalização de Conceitos

Nesta secção fazemos a definição, discussão e operacionalização dos conceitos que

serão utilizados no desenvolvimento da pesquisa. Esta pesquisa toma como conceitos

fundamentais os conceitos de criança, representações sociais, reprodução social e trabalho

infantil.

2.2.1. Criança

A concepção de criança sofreu transformações ao longo do tempo, sendo que na idade

mediável as crianças eram vistas como adultos em miniatura, e só na idade moderna é que

esse cenário altera-se e estas passam a ser vistas como seres sociais, assumindo um papel

central nas relações familiares e na sociedade, tornando-se um ser respeitado, com

características e necessidades próprias.

Segundo Amaral (s/d), criança é um sujeito social e histórico e faz parte de uma

organização familiar que está inserida em uma sociedade, com determinada cultura em

determinado momento histórico. Ela possui uma natureza singular que a caracteriza como ser

que sente e pensa sobre o mundo de um jeito muito próprio, precisando ser compreendido e

respeitada a partir de suas singularidades.

Ainda na conceituação de crianças, Sarmento afirma que:

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“Ser criança varia entre sociedades, culturas e comunidades, pode variar no interior da fratria

de uma mesma família e varia de acordo com a estratificação social. Do mesmo modo, varia

com a duração histórica, e com a definição institucional da infância dominante em cada época”

(SARMENTO, 2008, p.4).

De acordo com Sarmento (2005) podemos definir as crianças como seres bio-psico-

sociais que se encontram na primeira etapa das suas vidas. Por seu turno, a lei de promoção e

protecção dos direitos da criança considera criança toda pessoa menor de 18 anos de idade.

Ainda que os conceitos trazidos sejam de autores diferentes, eles apresentam alguns

pontos de concordância como a consideração das crianças como seres sociais, históricos

inseridos em uma sociedade. Para a presente pesquisa o conceito que usaremos é de Sarmento

(2005) o qual sustenta que criança é todo ser bio-psico-social que se encontra na primeira

etapa da sua vida. Adoptamos esse conceito porque o consideramos mais abrangente, pois

para a pesquisa tomamos a criança como um ser social capaz de criar e interpretar símbolos, e

representações no seu meio social.

2.2.2. Representações Sociais

Segundo Moscovici (1961), as representações sociais são uma modalidade de

conhecimento particular que têm por função a elaboração de comportamentos e a

comunicação entre os indivíduos. Elas têm uma das suas finalidades, tornar familiar algo não

familiar. As representações sociais classificam, categorizam e nomeiam novos acontecimentos

e ideias com as quais não tínhamos tido contacto anteriormente, possibilitando assim, a

compreensão e a manipulação desses novos acontecimentos e ideias a partir de ideias, valores

e teorias preexistentes e internalizados por nós e amplamente aceites pela sociedade.

Segundo Jodelet apud Alves-Mazzotti (2008), representações sociais são uma forma

específica de conhecimento, o saber do senso comum cujos conteúdos manifestam a operação

de processos generativos e funcionais socialmente marcados. De uma maneira ampla, ela

designa uma forma de pensamento social.

A partir dos conceitos trazidos por Moscovici (1961) e Jodelet apud Alves-Mazzotti

(2008) podemos entender que as representações sociais são uma forma específica de

conhecimento, que possibilitam a elaboração de comportamentos e comunicação entre os

indivíduos. As representações sociais classificam, nomeiam novos conhecimentos, tornando

familiar algo não familiar.

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Concordamos com os dois conceitos trazidos pelos autores, mas para a pesquisa que

pretendemos desenvolver adoptaremos o conceito de representações sociais trazido por

Moscovici (1961), pois consideramos que este poderá auxiliar-nos a captar as representações

que as crianças têm sobre o seu trabalho, e dai poderemos perceber como a sua partilha

influência na reprodução do mesmo.

2.2.3. Reprodução Social

O terceiro conceito a ser definido é de reprodução social. Segundo Giddens (2000)

apud Neto (2012), reprodução social são os processos que sustentam e perpetuam as

características da estrutura social ao longo do tempo.

Segundo Bourdieu (s/d) apud Garcia (2008) reprodução social como o processo

mediante o qual uma sociedade através de diversos mecanismos reproduz a sua própria

estrutura social. Este autor utiliza o conceito de Habitus para os mecanismos através dos quais

aprendemos a fazer parte de uma sociedade e a reproduzi-la continuamente através das nossas

acções, mas também a modificá-las.

Por seu turno, Pité (2004) define reprodução social como o processo de constante

renovação da produção material e cultural dos seres humanos, processo esse determinado

pelas necessidades de produção e reprodução económica e pelo interesse da classe dominante

em manter a ordem social.

Embora os conceitos trazidos pelos autores sejam diferentes, podemos notar que estes

tem algo em comum, que é o facto de associarem a reprodução social a uma estrutura social,

seja para sustentar ou perpetuar suas características ou para renová-las. Sendo assim, para a

pesquisa tomamos como reprodução social os processos que sustentam e perpetuam as

características da estrutura social ao longo do tempo, conceito trazido por Giddens (2000)

apud Neto (2012).

2.2.4. Trabalho Infantil

O último conceito a ser definido é o de trabalho infantil. Sendo assim, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) apud Collona (2014) considera como trabalho infantil aquele

que envolve crianças com as idades de:

5 - 11 anos que trabalham numa actividade económica;

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12 - 14 anos de idade que trabalham em actividades económicas, menos aquelas em

trabalhos ligeiros. Sendo que trabalho ligeiro é definido como aquele não perigoso, por

um máximo de 14 horas semanais;

15 - 17 anos de idade que se encontram nas piores formas de trabalho infantil. E as

piores formas de trabalho são a escravatura, tráfico e trabalho forçado, crianças

soldados, prostituição, uso de crianças em tráfico de drogas e outras actividades

criminais.

Por sua vez, Madeira (2009) categoriza, legalmente, o trabalho infantil como qualquer

trabalho mesmo sem pagamento, no sector formal ou informal ou ainda, em actividades

ilícitas, ocupando pelo menos uma hora semanal, por indivíduos com idade igual ou inferior a

16 anos.

O conceito de trabalho infantil tem sido abordado de diferentes maneiras, existindo

autores que o definem pelas horas de trabalho, pelo tipo de actividades realizadas e ainda

pelas consequências ou danos que essas actividades têm para o desenvolvimento das crianças.

Quanto ao trabalho doméstico, muitas vezes tem sido deixado de fora não sendo considerado

trabalho infantil. Sendo assim, para a presente pesquisa, entendemos como trabalho infantil

todas as actividades desempenhadas pelas crianças, dentro e fora de casa, e que contribuem

para a economia do agregado familiar.

Optamos por este conceito pois engloba as actividades domésticas e as não domésticas

(actividades comerciais neste caso concreto) que de alguma forma contribuam na renda

familiar. Este conceito vai de acordo com o tipo de trabalho que pretendemos estudar que é

especificamente, a comercialização de produtos no mercado informal do Xiquelene por parte

das crianças.

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Capítulo 3 – Metodologia

Neste capítulo procuramos fazer a apresentação da metodologia que foi seguida na elaboração

do trabalho onde encontramos as fases da pesquisa, os procedimentos e as abordagens e, por

fim, as técnicas que foram seguidas na recolha de dados.

3.1. Fases da Pesquisa

A primeira fase da pesquisa consistiu na recolha e sistematização de informações

acerca do assunto pesquisado e para a sua concretização recorreu-se a revisão bibliográfica e

documental e através de busca pela internet de artigos, relatórios e outro tipo de informações

que fossem pertinentes e ligadas à temática em pesquisa. Para esta fase, o objectivo central era

conhecer a literatura existente acerca do assunto e através destas leituras delimitarmos a

pesquisa e o problema que se pretendia pesquisar.

A segunda fase da pesquisa refere-se ao trabalho de campo o qual decorreu no

mercado localizado na Praça dos Combatentes popularmente chamado Mercado Xiquelene.

Nela efectuamos o contacto com a realidade pesquisada, a observação e as entrevistas ao

grupo alvo. E, por fim, a terceira e última fase dizia respeito a análise e interpretação dos

dados recolhidos no campo.

3.2. Natureza da Pesquisa

No que diz respeito à natureza, a pesquisa é qualitativa que segundo Gehardt e Silveira

(2009) apud Silva et al. (2014) é aquela que não se preocupa com a representatividade

numérica, mas sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma

organização, etc. Neste caso concreto a pesquisa qualitativa mostra-se mais conveniente

devido a tentativa de compreensão dos significados e representações sociais das crianças da

actividade que elas praticam. Ainda neste ponto, Laville e Dionne (1999), consideram

pesquisa qualitativa aquela que procura compreender o contexto onde os fenómenos ocorrem.

A escolha da pesquisa qualitativa deve-se ao facto desta ser exploratória, permitindo

compreender e interpretar comportamentos de grupos ou indivíduos, concretamente os das

crianças envolvidas no comércio informal no mercado da Praça dos Combatentes (Xiquelene).

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3.3. Técnicas de Recolha de Dados

Nesta pesquisa, utilizamos como técnicas de recolha de dados procuramos aliar a

observação directa não participante e a entrevista semi-estruturada.

Com a técnica da observação conhecemos a dinâmica do mercado, a maneira como acontecem

as vendas e observamos também o grupo alvo na execução da sua actividade no local da

pesquisa. Segundo Marconi e Lakatos (2003), esta técnica não consiste apenas em ver e ouvir,

mas também em examinar factos ou fenómenos que se desejam estudar.

A técnica da entrevista semi-estruturada foi aplicada ao nosso grupo alvo que são as

crianças vendedoras do mercado da Praça dos Combatentes (Xiquelene). Segundo Marconi e

Lakatos (2003), a entrevista consiste em uma conversa efectuada face a face, de maneira

metódica, proporcionando ao investigador verbalmente a informação. Esta permitiu fazer

questões ao longo da conversa com base na necessidade de se obter informações adicionais

que nos permitissem chegar ao nosso objectivo. Por sua vez, as entrevistas efectuadas foram

do tipo individuais, nas quais procuramos perceber como as crianças representam a actividade

que elas realizam e como estas representações influenciam na sua reprodução. Ainda nas

entrevistas há que salientar que elas foram efectuadas com recurso a língua portuguesa e nos

extractos colocados neste trabalho optamos por ser fiéis à forma que estes se expressaram.

3.4. Métodos de Abordagem e de Procedimento

Quanto ao método de abordagem, a pesquisa é hipotético-dedutiva. Esta segundo

Demo (2000), parte de um problema definido pelo pesquisador e que é solucionado através de

hipóteses de investigação. E essas hipóteses são sujeitas a verificação através da pesquisa

empírica. No caso do presente trabalho, definimos o problema, levantamos uma hipótese e

através deste método de abordagem fizemos a verificação da mesma.

Quanto ao método de procedimento, adoptamos o método monográfico, também

considerado estudo de caso que segundo Gil (2008), parte do princípio de que o estudo de um

caso em profundidade pode ser considerado representativo de muitos outros ou mesmo de

todos os casos semelhantes. Estes casos podem ser indivíduos, instituições, grupos,

comunidades, etc. Esta pesquisa é um estudo de caso sobre as representações sociais das

crianças sobre o trabalho que elas praticam.

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3.5. Grupo Alvo e Amostra

Para atingir-se o objectivo proposto realizamos uma pesquisa no mercado localizado

na Praça dos Combatentes, popularmente conhecido como mercado Xiquelene onde foram

entrevistadas crianças com idades compreendidas entre os 7 e 16 anos de idade, sem distinção

de sexo nem raça. Para estas crianças aplicamos o critério de estarem a comercializar produtos

nesse mercado independentemente de serem ou não residentes deste bairro e

independentemente também do tempo em que se encontram a praticar essa actividade.

Como amostra aplicou-se uma amostra não probabilística que segundo Gil (2008) é

aplicada em pesquisas exploratórias ou de carácter qualitativo, que não tem preocupação com

o rigor estatístico. Esta foi composta por 10 entrevistados sendo estes crianças vendedoras do

mercado de Xiquelene.

3.6. Questões Éticas

Em pesquisas com crianças existem aspectos a serem considerados para uma

organização da investigação e para garantir uma participação informada e ética.

Segundo Soares et al. (2005), o consentimento informado é na investigação

participativa com crianças um dos momentos mais importantes. Este consiste em informar as

crianças acerca dos objectivos e dinâmica da pesquisa com uma linguagem clara e adequada

para elas. A sua participação deve ser voluntária e estas devem ter toda a liberdade para

recusar de participarem em qualquer momento da pesquisa.

Sendo assim, para observar as questões éticas adoptamos o consentimento informado

onde explicamos as crianças todos aspectos envolvidos na pesquisa, as vantagens e

desvantagens de sua participação e, desta forma, só foram realizadas entrevistas à crianças que

consentiram participar da pesquisa.

Ainda como questão ética, nesta monografia apresentam-se apenas nomes fictícios ou

pseudónimos dos participantes como forma de preservar a sua identidade e garantir a

confidencialidade.

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3.7. Constrangimentos de Pesquisa

No processo da recolha de dados deparamo-nos com vários constrangimentos. A

recolha de dados para o caso das crianças foi realizada no mercado da Praça dos Combatentes,

ou seja no mercado de Xiquelene. Neste local, o primeiro constrangimento teve a ver com o

facto de ser um mercado bastante movimentado. Isso de alguma forma dificultava a realização

das entrevistas com as crianças que ao mesmo tempo tinham que olhar pelos seus produtos e

responder as perguntas, o que gerou algumas dificuldades de concentração por parte dos

entrevistados. Como estratégia para superar esse constrangimento optamos por aplicar a

entrevista em locais do mercado que não tivessem muita agitação, optamos também para o

caso de crianças vendedoras ambulantes em deslocarmo-nos a um canto mais calmo do

mercado e efectuar a entrevista.

Outra dificuldade deveu-se ao facto de no mercado da Praça dos Combatentes ter uma

presença constante da polícia municipal o que fazia com que os entrevistados tivessem que

ficar atentos aos movimentos da polícia para retirar-se do local assim que esta se aproximasse

dos seus produtos. Este facto fez com que algumas entrevistas fossem interrompidas e

retomadas em um momento mais tranquilo e calmo. Para a superação deste constrangimento,

optamos por fazer as entrevistas em períodos em que não houvesse muita presença da polícia

municipal no mercado, especificamente, no período da manhã.

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Capitulo 4- Apresentação, Analise e Interpretação dos Dados

Neste capítulo temos como objectivo fazer a análise e interpretação dos dados colhidos

no campo de pesquisa à luz da teoria de base escolhida. Em primeiro momento, apresentamos

o perfil sócio-demográfico dos entrevistados, seguido pela caracterização das actividades

executadas pelas crianças no local da pesquisa, seus significados e representações sociais, a

relação entre representação e reprodução do trabalho infantil. Trazemos ainda uma análise

sobre as acções e desafios do serviço social em meio a essa temática e, por fim, as propostas

de intervenção do assistente social nesta temática.

4.1.Perfil Sócio-Demográfico dos Entrevistados

Neste subcapítulo apresentamos o perfil sócio-demográfico dos entrevistados. No seu

todo foram entrevistadas 10 crianças vendedoras do mercado do Xiquelene. Para compreender

o perfil sócio-demográfico dos entrevistados traçou-se como critérios de análise: sexo, idade,

nível de escolaridade e proveniência.

Nesta ordem de ideias, analisando a primeira variável sexo, conseguimos constatar que

80% das crianças entrevistadas são do sexo masculino e 20% das crianças entrevistadas são

do sexo feminino tal como ilustra a tabela que se segue referente a distribuição por sexo.

Tabela 01: Distribuição dos Entrevistados por Sexo

Sexo Nº de Entrevistados Frequência (%)

Masculino 8 80%

Feminino 2 20%

Total 10 100%

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (Adaptado pela Autora)

Com os dados ilustrados na tabela podemos perceber que foram entrevistadas em

maior número crianças do sexo masculino. Este facto não foi pré-determinado na pesquisa

nem está relacionado a outros factores de análise que excluem as crianças do sexo feminino,

mas sim deve-se ao facto de no local existir um maior número de crianças vendedoras do sexo

masculino e serem estas que se mostraram mais disponíveis a participar das entrevistas em

detrimento das do sexo feminino.

Outro aspecto refere-se ao facto de as crianças do sexo feminino estarem no mercado

acompanhadas por um adulto que não permitia por vezes que essas participassem. Para além

destas explicações constatadas no campo, ao nível da literatura encontramos autores como

Kiddo (2012), que explica que a existência de um maior número de crianças do sexo

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masculino e um menor das do sexo feminino exercendo o trabalho infantil deve-se a questões

ligadas a distribuição do trabalho tendo em conta o género.

Este explica que essa diferenciação acontece já na infância com crianças e

adolescentes que exercem o trabalho infantil. A sociedade define qual é o trabalho exercido

por meninas e qual exercido por meninos. Nesta divisão aos meninos cabe realizar actividades

que envolvam força física e actividades informais, já as meninas exercem maioritariamente o

trabalho doméstico.

Uma vez que o trabalho doméstico acontece no espaço privado da família, crianças

trabalhadoras do sexo feminino acabam não se visualizando tanto quanto as do sexo

masculino pois as suas actividades decorrem na rua, ou seja no espaço público. Desta forma

visualiza-se mais crianças do sexo masculino exercendo o trabalho infantil do que as do sexo

feminino.

Tabela 02: Distribuição dos Entrevistados por Idades

Idade No de Entrevistados Frequência (%)

9 1 10%

10 2 20%

11 3 30%

12 0 0%

13 1 10%

14 0 0%

15 1 10%

16 2 20%

Total 10 100% Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (Adaptado pela Autora)

Analisando a variável idade percebe-se que as idades das crianças entrevistadas variam

entre os 9 aos 16 anos de idade, tendo a maioria das crianças entrevistadas 10, 11 e 16 anos.

Por sua vez, o menor número de crianças entrevistadas tem apenas 9 anos como ilustra a

tabela anterior referente a distribuição das idades. A variável seguinte é referente ao nível de

escolaridade.

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Tabela 03: Distribuição dos Entrevistados por Nível de Escolaridade.

Nível de Escolaridade No de Entrevistados Frequência (%)

4ª Classe 3 30%

5ª Classe 0 0%

6ª Classe 2 20%

7ª Classe 0 0%

8ª Classe 1 10%

Não frequentam a escola 4 40%

Total 10 100% Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (Adaptado pela Autora)

Quanto à variável referente ao nível de escolaridade verifica-se que 40% das crianças

entrevistadas não frequenta a escola e os restantes 60% frequenta a escola e estão distribuídos

em classes que variam de 4ª a 6ª classes, estando o maior número a frequentar a 4ª classe em

uma percentagem de 30% tal como ilustra a tabela acima.

No que diz respeito a idade e o nível de escolaridade, os dados no campo mostraram

que a maioria das crianças frequentam a escola intercalando com o exercício da actividade no

mercado. Percebe-se, também, analisando essas variáveis que algumas das crianças

frequentam classes que não correspondem a idade que tem e que algumas nem frequentam a

escola.

A interpretação que fica é a de que não é linear afirmar que o trabalho infantil

influencia directamente na evasão e fraco aproveitamento escolar. Neste posicionamento

encontramos Alves-Mazzotti (2002) que afirma que o trabalho infanto-juvenil e “fracasso

escolar” estão relacionados não porque o primeiro é causa do segundo, e sim porque ambos

são consequências dos mecanismos que transpassam a pobreza.

Com isso percebe-se que deve-se olhar para outros factores que podem estar por detrás

da evasão escolar ou do fracasso escolar, factores estes que como afirmam Mantovani e

Libório (2015) podem ser a qualidade da escola que frequentaram em sua infância ou

adolescência, a condição de pobreza de sua família que os impedia do acesso e da

permanência na escola e a realidade em que viviam pois existe um número de crianças

também que nem trabalham mas também não estudam. Acrescenta-se a essa lista as horas

dedicadas ao trabalho por semana.

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Segundo Alves-Mazzotti (2002) em alguns casos, pode acontecer o inverso, ao invés

do trabalho infantil causar a evasão escolar e as dificuldades, a evasão escolar, as dificuldade

associada a outros factores podem estimular a ingressar no mercado de trabalho. E esse

posicionamento é encontrado nos entrevistados onde alguns dos que não frequentam a escola

relataram ter deixado de estudar por razões de ordem económica e resolveram engrenar no

trabalho infantil como forma de suprir suas necessidades.

Outro dado analisado refere-se a proveniência das crianças. Nesta variável,

verificamos que algumas crianças afirmaram que são provenientes de outras províncias como

Inhambane, Gaza e Zambézia. Estes afirmam também que se deslocaram para Maputo, alguns

para morar com parente e outras deslocaram-se mesmo para exercer uma actividade

económica o que de alguma forma evidencia que há uma tendência de elas saírem das

províncias para a cidade de Maputo para vários fins, incluindo-se nestes a venda em mercados

por conta própria ou sob controlo de um adulto que paga pelos serviços que elas prestam.

Tabela 04: Distribuição dos Entrevistados por Proveniência

Proveniência No de Entrevistados Frequência (%)

Gaza 1 10%

Inhambane 2 20%

Maputo 4 40%

Zambézia 3 30%

Total 10 100% Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (Adaptado pela Autora)

Dos dados acima, percebe-se que a maioria das crianças são provenientes da província

de Maputo seguidas pela província da Zambézia que apresenta um maior número de crianças

na ordem de 30 % seguidos pela província de Inhambane e, por fim, Gaza com apenas 10%.

O perfil sócio-demográfico dos entrevistados demonstra que o grupo dos entrevistados

é composto na sua maioria por rapazes se comparado com as raparigas. Verificamos também

que quanto às idades o grupo apresenta idades mistas que variam dos 9 aos 16 anos de idade.

Desse grupo, a sua maioria frequenta a escola estando, nas classes entre a 4ª e 6ª classe

respectivamente, existindo um certo número de crianças, 4, que não frequentam a escola.

Outro dado que o perfil sócio-demográfico dos entrevistados nos revela diz respeito à sua

proveniência, e neste constatamos que no local existem crianças provenientes de outras

províncias como Gaza, Inhambane e Zambézia que se deslocaram para a cidade de Maputo a

fim de exercerem uma actividade económica ou para morar com um parente e acabam

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engrenando na actividade comercial. As crianças entrevistadas normalmente são residentes

dos bairros circunvizinhos do mercado, bairros como Polana Caniço e na sua maioria do

bairro de Minguene.

4.2. Caracterização das Actividades Exercidas pelas Crianças no Mercado da Praça dos

Combatentes

Nesta secção pretendemos apresentar de forma detalhada aspectos relacionados a

forma como decorrem as actividades das crianças no local da pesquisa e a dinâmica em que

estas acontecem. Esse olhar irá nos permitir conhecer melhor o nosso grupo alvo e o

fenómeno pesquisado.

No decorrer da pesquisa, com o uso da observação constatou-se que no mercado da

Praça dos Combatentes (Xiquelene) existe um grande número de crianças vendedoras. E estas

crianças são, na sua maioria, do sexo masculino, as do sexo feminino, geralmente, na sua

maioria aparecem na companhia de um adulto que também é vendedor deste mercado.

É possível encontrar no mercado crianças que vendem produtos, outras carregam

trouxas dos clientes e outras auxiliam as mães a vender nas suas bancas. Todavia, na sua

maioria são vendedoras ambulantes de produtos como plásticos, temperos, sumos e outros

produtos de fácil aquisição e venda.

Um ponto importante que constatamos no local é que existem crianças que vendem a

conta própria; crianças que vendem a mando de um adulto que paga pelo serviço prestado; e

as que acompanham as mães nas vendas. Este último grupo enquanto as mães vendem em

bancas fixas, estas, por vezes, vão vendendo plásticos, ajudando a carregar trouxas ou

controlam as bancas enquanto as mães estiverem ausentes.

Logo cedo, por volta das 7 horas da manhã é possível ver no mercado a existência de

crianças e, é possível verificá-las também no final do dia por volta das 18 horas. As crianças

entrevistadas relatam que se fazem presentes no mercado todos os dias e o tempo de

permanência neste local varia de criança para criança e da modalidade em que a sua

actividade decorre. Com a observação constatamos que as crianças fazem-se ao mercado

todos os dias com maior incidência no período da tarde e aos finais de semana. Com recurso

as entrevistas apuramos que esta incidência no período da tarde e aos finais de semana deve-se

ao facto de na sua maioria as crianças frequentarem a escola e só se fazem ao mercado nos

tempos livres que são o período da tarde e aos finais de semana como podemos verificar nos

extractos que se seguem:

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“Eu estudo de manhã, a muito tempo que estudava a tarde eu vinha às 7 até as

11 depois as 12 estou a ir na escola, mas agora que estuda de manhã 6 estou a

ir na escola volto 12 comer depois vir vender ir em casa as 16 (Entrevista:

03/2017, Nildo, 11 anos, 4ª classe) ”.

“No sábado, domingo venho às 6 até as 17 horas e outros dias de escola venho

as 6 até as 9 horas depois vou na escola (Entrevista: 03/2017, Júlio, 11 anos,

6ª classe) ”.

“Eu venho vender de tarde quando volto da escola, e fica até 17 ou 18 assim

(Entrevista: 04/2017, Elias, 15 anos, 8ª classe) ”.

Para além de compreendermos acerca da afluência no período da tarde e aos finais de

semana os dados fazem-nos perceber também a questão que diz respeito ao tempo de

permanência no mercado. Desta, percebe-se que as crianças permanecem no mercado em

intervalos de tempo que variam de 5 a 6 horas para os dias em que estas devem ir à escola e

chegam a ficar até 12 horas de tempo nos finais de semana. Mas esses períodos de tempo não

se aplicam para as crianças que não frequentam a escola e vendem produtos que pertencem a

um adulto que paga por esses serviços. Para esse grupo de crianças a vinda ao mercado é

diária de segunda a sábado, em horas que podem ser das 7h até as 17h ou 18h, ou mesmo 19

horas, ou ainda até a hora em que o produto comercializado acabe.

Outro dado importante encontrado no local da pesquisa refere-se ao facto de a maioria

das crianças, excluindo apenas as que se fazem ao mercado acompanhadas pelas mães,

relatarem que efectuam as vendas por conta própria e ao serem questionadas sobre as

motivações podemos compreender que estas estão associadas a motivações de ordem

económica como podemos verificar nos extractos das entrevistas que se seguem:

“Eu estou a procura de dinheiro, porque meu pai não trabalha, já eu não tinha

dinheiro para comprar uniforme eu por causa disso deixei estudar e veio aqui

no Maputo vender para ter dinheiro, assim consigo comprar roupas, sapatos e

guardar dinheiro. Eles não conseguiam assumir minhas despesas e eu vi que já

sou grande então vim trabalhar (Entrevista: 03/2017, Carlos, 16 anos) ”.

“Ninguém me mandou vender, vendo porque eu queria dinheiro para lanche, e

outro para comprar roupa, sapatos, bicicleta (Entrevista: 03/2017, Didí, 10

anos) ”.

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“Eu só estou a vender porque quero dinheiro para comprar minhas coisas,

ninguém me mandou vender (Entrevista: 03/2017, Júlio, 11 anos) ”.

A associação da actividade que as crianças realizam às motivações de ordem

económica não é um facto exclusivo das crianças do mercado de Xiquelene, mas sim um facto

que se pode verificar em outros contextos onde existem crianças trabalhando como argumenta

Marchi (2013) ao afirmar que embora a literatura recente sobre trabalho infantil aponte que na

“lógica cultural” das famílias pobres o trabalho assume significados para “além do

económico”, percebe-se que as necessidades económicas influenciam fortemente as acções

das crianças e suas famílias (MARCHI, 2013, p. 262).

As entrevistas demonstram também que as crianças tendem a relatar que vendem para

poder comprar coisas para si como, bicicletas, roupas, sapatos, etc. esse argumento das

crianças no nosso entender está alicerçado ao que Guatarri (1985) apud Lima e Ribeiro (2010)

chama de modelização das crianças para o consumo. Ou seja, as crianças mostraram que

vendem porque tem o desejo de comprar algo e ter independência, nesta ordem de ideias,

podemos afirmar que elas já estão modelizadas para o consumo, preocupando-se em adquirir

bens disponíveis no mercado que de alguma forma os pais não conseguem comprar e daí

surge a necessidade de se tornarem independentes e poderem comprar por si só. Como diriam

Lima e Ribeiro (2010) a criança na nossa sociedade já está iniciada nos sistemas de

representação e valores do capitalismo, estão modelizadas para o consumo.

Outro dado importante refere-se ao valor mensal que o grupo de crianças que

trabalham com uma espécie de contracto, ou seja, as que trabalham para um adulto aufere.

Nas entrevistas constatamos que esse valor varia entre os 1000 a 1500 meticais dependendo

muito do tipo de produtos que elas comercializam.

No local da pesquisa, questionadas as crianças sobre a finalidade do dinheiro colectado

há crianças que afirmaram que o dinheiro era para elas mesmas comprar coisas para si, outro

grupo afirmou que ajuda em casa na renda familiar. Ou seja, a maioria das crianças respondeu

que era para ela própria comprar coisas para si, mas existiu uma margem de crianças que

afirmou que o dinheiro colectado acaba indo uma parte para ajudar na renda familiar como

demonstram os extractos a seguir:

“Eu vendo, junto dinheiro depois minha mãe Txencar para comprar arroz,

peixe e outras coisas de comer (Entrevista: 03/2017, Nildo, 11 anos) ”.

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“O dinheiro que apanho aqui minha mãe compra comida e coisas da escola

(Entrevista: 04/ 2017, Elias, 15 anos) ”.

“Dinheiro que vendemos aqui minha mãe que utiliza para comprar comida e

outras coisas que precisamos (Entrevista: 04/2017, Gilda, 9 anos) ”.

Este fenómeno em que as crianças participam de forma activa na renda familiar não é

novo e nem é exclusivo das crianças entrevistadas, pois Oliveira (2013)10 argumenta que as

famílias tendem a combinar um emprego formal e um pequeno negócio numa economia de

carácter informal como uma estratégia de sobrevivência e reprodução social e, nesta estratégia

familiar de sobrevivência, as crianças são actores fundamentais pois ajudam nas tarefas

domésticas e participam nos negócios familiares na sua maioria relacionados com o comércio

informal.

4.3. Significados e Representações Sociais do Trabalho Infantil para as Crianças

Nesta secção pretende-se captar as representações que as crianças vendedoras têm em

relação a actividade que elas realizam. Segundo Moscovici (1961), representações sociais são

uma modalidade de conhecimento particular que têm por função a construção de

comportamentos e a comunicação entre os indivíduos. Elas têm uma das suas finalidades

tornar familiar algo não familiar. As representações sociais classificam, categorizam e

nomeiam novos acontecimentos e ideias com as quais não tínhamos tido contacto

anteriormente, possibilitando assim, a compreensão e a manipulação desses novos

acontecimentos e ideias a partir de ideias, valores e teorias preexistentes e internalizados por

nós e amplamente aceites pela sociedade.

No decorrer da pesquisa, ao procuramos captar as representações sociais que as

crianças têm em relação a actividade por elas realizada foi possível constatar que existia um

grupo de crianças que a representava como trabalho e um outro grupo que a representava

como ajuda aos pais ou encarregados de educação. Da representação da actividade como

trabalho constatou-se que apenas 3 dos 10 entrevistados assim a representaram como

demonstram os extractos das entrevistas abaixo:

10

Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares.

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“Bem senhora é mesma coisa, posso dizer que é trabalho porque eu trabalho

mas não é um bom trabalho. É trabalho porque estou a trabalhar mas só ando

a dar voltas aqui e queimar com sol só (Entrevista: 03/2017,Mauro, 13 anos) ”.

“Eu sai de Inhambane para aqui para procurar trabalho, então eu apanhei

esse aqui de vender e me pagarem dinheiro, então eu sim para mim vender é

trabalhar porque me dá dinheiro (Entrevista: 03/2017, Carlos, 16 anos) ”.

“Vender! Sim é trabalho porque me pagam (Entrevista: 04/2017,Luis,16 anos) ”.

As entrevistas evidenciam dois aspectos importantes para a compreensão desta

representação que são os seguintes:

As crianças têm uma remuneração pela actividade que elas realizam;

As crianças não trabalham por conta própria, mas sim, possuem uma espécie de

“contracto” com uma pessoa para qual elas trabalham.

Sendo assim, o que se verifica é que este grupo de crianças tende a representar a sua

actividade como trabalho e à medida que o fazem vão evidenciando algumas características

daquilo que eles concebem como trabalho. Desta forma, constata-se que a actividade que este

grupo realiza decorre nos moldes daquilo que eles consideram trabalho, ou seja esta tem

características que se encaixam naquilo que este grupo considera trabalho uma vez que esta

actividade para elas é remunerada e decorre em meio a existência de uma espécie de

“contracto”. Sendo assim, entende-se que esta representação resulta do facto desta para elas

ser uma actividade remunerada e estarem a fazê-la para uma terceira pessoa. Esta análise para

além de encontrar bases nas evidências das entrevistas encontra bases também na análise das

características deste grupo onde podemos constatar que estes vendem produtos sob o mesmo

regime ou seja possuem uma espécie de contracto com um adulto e auferem um salário

mensal.

Nesse ponto importa referenciar que as representações sociais classificam e categorizam

novos conhecimentos e, ainda auxiliam um determinado grupo com características especificas

a se comunicar e interagir entre eles. Incorporando o conceito de Moscovici (1961), podemos

notar que, especificamente, este grupo detém características próprias, comuns e, por meio

desta representação que elas atribuem ao trabalho que elas exercem permite-se a comunicação

entre ele.

As representações sociais para além de classificarem, categorizarem e nomearem novos

acontecimentos e ideias com as quais não tínhamos tido contacto anteriormente, estas segundo

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Jodolet (1984) apud Dalenogere (2010), designam um fenómeno de produção dinâmica,

quotidiana e informal de conhecimento, um saber de senso comum de carácter eminentemente

prático e orientado para a comunicação, a compreensão ou o domínio do ambiente social,

material e ideal de um determinado grupo.

Ainda no decorrer da pesquisa, um outro grupo de crianças entrevistadas representou a

actividade por elas realizadas como ajuda aos pais ou aos encarregados de educação como

demonstram os extractos abaixo:

“Vender é ajudar minha mãe nas coisas porque trabalhar é carregar saco de

arroz, ficar trânsito, ficar polícia (Entrevista: 03/2017, Nildo, 11 anos) ”.

“Eu vendo porque tenho que ajudar meus encarregados. Na sala sempre vem

esse professor quer dinheiro de prova, quer dinheiro daquilo e meus pais nem

sempre têm, então eu vi que tenho que vender para ajudar a eles (Entrevista:

03/2017, Júlio, 11 anos) ”.

“Vender ajuda a minha mãe a poder ir fazer outras coisas em casa, e ajudar a

ela a comprar coisas da escola porque não é fácil (Entrevista: 04/2017, Elias,

15 anos) ”.

“Minha mãe também vende, ela não tem dinheiro para comprar outras coisas,

eu vender aqui para lhe ajudar a comprar coisas que ela não pode (Entrevista:

04/2017, Mandinho, 10 anos) ”.

A representação da actividade como ajuda está relacionada ao facto destas crianças

conceberem como trabalho outras actividades e excluírem a venda no universo daquilo que

consideram trabalho. Devido a esta concepção, elas vêem a sua actividade como não se

encaixando nas actividades consideradas trabalho como demonstra o primeiro extracto de

entrevista. Ainda nesta ordem de ideias, constatamos que a representação da actividade como

ajuda aos pais ou encarregados de educação vai muito além do facto destas não conceberem

essa actividade como trabalho. Esta representação, como retrata Marchi (2013), alicerça-se em

outros moldes. A autora explica que o facto de as crianças representarem o seu trabalho como

ajuda aos pais diz respeito a uma visão de reciprocidade onde os pais fazem algo pela criança

e ela sente que deve retribuir ajudando a estes. E Neves (1999) apud Marchi (2013) afirma

que este facto exprime uma divisão familiar do trabalho. Este sacrifício forçado valoriza a

forma de participação na vida familiar. A questão da ajuda, também é retratada por Oliveira

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(2013)11 que no seu estudo sobre as crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas

domésticas e que participam de forma activa nos negócios familiares, ao afirmar que as

crianças que constituíam seu grupo alvo demonstravam um forte espírito de entreajuda em

relação aos restantes membros da família.

Nos depoimentos das crianças é possível visualizar a questão da reciprocidade e ainda

da divisão do trabalho. Nestes pontos alguns entrevistados afirmavam que trabalham porque

sentem que devem ajudar em casa em várias situações.

Para outras crianças a ajuda a que se referem não se incorpora na ajuda no sentido

monetário, ou da participação económica familiar mas sim inclui-se na ajuda mesmo em

termos de auxílio na actividade em si, ou porque a venda faz parte da divisão familiar do

trabalho como demonstra a entrevista abaixo:

“Minha mãe que vende aqui, eu vendo só quando ela sai para um sítio ou no

final de semana como agora que ela foi no salão eu fico aqui. Vender não é

trabalhar só estou a ajudar minha mãe aqui (Entrevista: 03/2017, Lura, 11

anos) ”.

Sendo assim, percebe-se que o ajudar os pais ou encarregados de educação pode se

configurar sob dois moldes, existindo crianças que afirmam que a actividade é ajuda aos pais

ou encarregados de educação pelo facto destas estarem a participar activamente da economia

familiar, ou seja, o dinheiro colectado por estas também conta para a renda familiar ou para

suprir algumas necessidades de ordem económica, mas para algumas crianças o ajudar os pais

ou encarregados de educação refere-se a ajuda nos moldes de auxiliar no acto da venda não

necessariamente na ajuda económica, ou seja, esta actividade faz parte da divisão familiar do

trabalho mas, não necessariamente da participação económica tanto que tal.

Esse posicionamento não é exclusivo das crianças entrevistadas, pois na pesquisa

desenvolvida por Oliveira (2013)12, demonstra-se que as crianças têm de ajudar nas tarefas

domésticas e comerciais para que os pais se possam ausentar-se e dedicarem-se a outras

actividades. E este posicionamento encontra bases nos depoimentos acima que demonstra a

11

Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares. 12

Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares.

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tendência de ajudar na venda para que a mãe se possa ausentar, configurando assim uma ajuda

aos pais no exercício da tarefa e não necessariamente da ajuda económica.

Ainda no exercício de captar as representações que as crianças têm da sua actividade,

conseguimos captar uma terceira representação que diz respeito a actividade como não

trabalho que está directamente ligada a representação da actividade como ajuda aos pais e

encarregados de educação. Essa representação não pode ser tratada de forma separada da

representação da actividade como ajuda aos pais ou encarregados de educação, isto porque

conceber a actividade como ajuda tem a ver com o facto destas crianças não a considerarem

trabalho. Desta representação importa destacar que apenas os entrevistados que representaram

como ajuda retrataram a actividade como não trabalho como demonstram ao extracto abaixo:

“Vender não é trabalho, trabalho é ir no serviço, trabalhar carregar saco, não

vender, vender é ajudar para eu ter dinheiro se querem na escola meu tio não

tem, eu vou levar esse meu (Entrevista: 03/2017, Didi, 10 anos) ”.

A entrevista acima evidencia que a criança não concebe a actividade que realiza como

trabalho, e que esta tem outras actividades que ela considera trabalho. As entrevistas

evidenciam também o facto de estas crianças associarem o não trabalho a ajuda. Ou seja da

mesma forma que afirmaram que não trabalham logo a seguir afirmaram que consideram a sua

actividade uma ajuda aos pais e encarregados de educação.

Este posicionamento de considerar que não trabalham não é um facto exclusivo das

crianças do mercado de Xiquelene, o mesmo já foi retratado por Marchi (2013) que afirma

que este facto pode dever-se a dois factores fundamentais, primeiro porque elas não

consideravam certas actividades como “trabalho” e o segundo facto porque temiam “assumir”

o facto porque isto poderia prejudicar os pais.

Captadas as representações, conseguimos verificar que dos dois grupos de crianças um

grupo, representa como trabalho e já o segundo representa como ajuda e como não trabalho.

Importa referenciar que através das representações os actores sociais constroem noções e

interpretações que dão sentido à realidade.

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4.4. Das Representações Sociais do Trabalho Infantil pelas Crianças à sua Reprodução

Na secção anterior o objectivo era captar e discutir as representações sociais que as

crianças atribuem ao seu trabalho. Nesse processo foi possível captar 3 representações que são

a actividade como trabalho, como ajuda aos pais e encarregados de educação e ligada a esta

última, a actividade como não trabalho. Atingido o proposto, nesta secção o objectivo é

compreender como estas representações influenciam na reprodução do trabalho infantil.

Para esta secção sob a luz da teoria das representações sociais pretendemos

compreender de que forma as representações sociais que as crianças têm de seu trabalho

influenciam na reprodução do trabalho infantil. Partimos do pressuposto de que as crianças no

seu dia-a-dia criam símbolos, significados e interpretações acerca do seu trabalho, aspectos

esses que dão sentido à realidade. Defendemos que esta forma própria de ler a realidade em

que estas se encontram inseridas influencia na reprodução do trabalho infantil.

Dito de outra forma seria, entendemos que a reprodução do trabalho infantil é

consequência da maneira como as crianças representam o seu trabalho, pois estas

representações fazem com que esta prática seja aceite por elas e assim contribui para que ele

se reproduza. Elas tendem a tomar o trabalho que realizam como uma actividade que não

chega a ser “trabalho”. Isso faz com que mais crianças venham a trabalhar, principalmente no

mercado de trabalho informal.

Depois de captadas as representações, para melhor compreensão da reprodução do

trabalho infantil, procuramos ainda conhecer as formas como as crianças estabeleceram

contacto com a actividade que elas realizam. Deste exercício notamos que as crianças

relataram que tiveram contacto com a actividade por via de três modalidades que são: por

ordem dos pais ou encarregados de educação, especificamente, as mães que também exercem

a mesma actividade no local ou em outro mercado; por intermédio de amigos que já exerciam

a mesma actividade e, por iniciativa própria, tal como ilustram as entrevistas que se seguem.

“Minha mãe que mandou vender a muito tempo, mas agora já não me manda,

ela me emprestou dinheiro de comprar plásticos vir vender aqui (Entrevista:

03/2017, Nildo, 11 anos) ”.

“Eu comecei a vender aqui mesmo na banca da minha mãe com ela, a lhe

ajudar, ela que me mandava, agora já sei que quando voltar da escola tenho

que vir vender (Entrevista: 04/2017, Elias, 15 anos) ”.

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“Eu comecei a vender aqui porque minha mãe que me manda vender, ela

vende aqui também (Entrevista: 04/2017,Gilda, 9 anos) ”.

Os depoimentos acima demonstram que as crianças entrevistadas retratam que

estabeleceram o primeiro contacto com a actividade com auxílio das mães, que ora as levam

como ajudantes nas vendas ou lhes mandavam venderem e, ainda em alguns casos são essas

mães que criaram as condições necessárias para elas iniciarem com a actividade, condições

como fornecer o dinheiro para adquirir o produto comercializado.

Este fenómeno se analisado com profundidade pode notar-se o mesmo está alicerçado

na divisão familiar do trabalho entre os diversos membros e ainda em uma das várias

estratégias económicas que as famílias encontram, principalmente, no mercado informal.

Essas estratégias nas suas diversas formas tendem a inserir as crianças como actores que

auxiliam neste processo. Oliveira (2013)13 afirma que as crianças são actores fundamentais

nessas estratégias familiares, ajudam nas tarefas domésticas, a cuidar de outros membros da

família e participam nos negócios familiares, na sua maioria relacionados com o comércio

informal.

Dito de outra forma seria, os depoimentos acima nos levam a verificar que essas

crianças são inseridas no mercado de trabalho pelas próprias mães por vários motivos,

motivos esses que giram em torno de estratégias económicas familiares e ainda pela divisão

familiar do trabalho, onde de alguma forma todos membros da família desempenham uma

certa função e desta divisão fazem parte também as crianças. Encontramos também um

segundo grupo de crianças, as que afirmaram que estabeleceram o primeiro contacto por

intermédio de amigos que já exerciam a actividade, que por sua vez as convidou e as auxiliou

a trilhar os primeiros passos na actividade como ilustram os extractos de entrevista a seguir:

“Este meu amigo que me chamou para vender, disse não queres vender plásticos? Eu

disse quero logo veio com ele (Entrevista: 03/2017, Didi, 10 anos) ”.

E, por fim, a terceira forma de acesso descrita pelas crianças entrevistas tem a ver com

as que tiveram o contacto com a actividade por iniciativa própria, ou seja por si próprias

iniciaram a actividade como demonstram os extractos de entrevistas abaixo:

13

Deborah Capela de Oliveira, autora do texto intitulado trabalho infantil e estratégias familiares: crianças nos

mercados informais de Maputo, ano de publicação 2013. Estudo desenvolvido no contexto Moçambicano e este

tinha por objectivo estudar crianças moçambicanas que ajudam em casa nas tarefas domésticas e que participam

de forma activa nos negócios familiares.

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“Comecei a vender aqui a muito tempo quando plástico era 1 metical, eu vim

vender porque queria dinheiro, ninguém me mandou eu apenas pedi dinheiro a

minha mãe de guevar e veio aqui vender plásticos (Entrevista: 03/2017, Júlio,

11 anos) ”.

Ainda neste exercício, questionadas se estas convidavam ou convidariam os amigos para

exercerem a mesma actividade, na sua maioria afirmaram que convidam e outras que

convidariam mais crianças para a mesma actividade.

“Eu posso chamar meus amigos se eles tiverem dinheiro de vir. Não lhes

chamar para subir carro com meu dinheiro não! Com dinheiro deles basta

dizer que tem dinheiro de vir e que pode aguentar trabalhar aqui pode vir

(Entrevista: 03/2017Mauro, 16 anos) ”.

“Sim pode convidar, mesmo ele eu que chamei ele aqui eu lhe disse você não

quer vender? Ele disse quero depois ele falou com a tia dele e veio (Entrevista:

03/2017, Nildo, 11 anos) ”.

“Eu posso convidar, mas alguns meus amigos não vem dizem aah vender da

vergonha, tem vergonha não vem, mas se eles quiserem podem vir (Entrevista:

03/2017,Júlio, 11 anos) ”.

“Sim chamo meus amigos, até tem dois aqui que vendem água outro plásticos

também eu que lhe chamei disse vamos la no mercado vender ele aceitou

(Entrevista: 04/2017, Mandinho, 10 anos) ”.

Deste capítulo a inferência que fica é a de que no exercício desta actividade pelas

crianças existem dois momentos importantes que devem ser considerados, o momento da

inserção na actividade e o da permanência na mesma. O da inserção pelos dados

anteriormente descritos fica claro que acontece de várias formas e este não está directamente

relacionado à forma que as crianças representam ou interpretam a actividade que elas

realizam, mas sim, está associado a outros factores que podem ser até exteriores, as visões e

representações que as crianças estabelecem acerca da actividade.

O segundo momento, o da permanência no exercício da actividade está relacionado à

maneira como as crianças representam o seu trabalho. Ou seja, as crianças iniciam a exercer a

actividade de várias formas; uma vez inserida neste espaço, elas criam símbolos e

interpretações próprias sobre a sua actividade e esta forma própria já por sua vez influencia na

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sua permanência fazendo assim com que o número de crianças trabalhando aumente. Dito de

outra forma seria, as crianças inserem-se na actividade de diversas formas que podem ou não

depender delas mesmas, ao se inserirem nesta, elas criam símbolos, representações próprias

deste trabalho, concebendo-o como já foi dito como ajuda, como não trabalho e esta forma de

representar faz com que estas mesmas crianças permaneçam no trabalho, acontecendo assim o

segundo momento acima descrito o da permanência. Criadas as condições para permanência o

número de crianças nos mercados exercendo a actividade aumenta e se torna cada vez mais

visível, acontecendo assim a reprodução do trabalho infantil.

4.5. Desafios do Assistente Social na Temática do Trabalho Infantil

Nas secções anteriores o objectivo era captar e discutir as representações sociais que as

crianças atribuem ao seu trabalho e ainda analisar a influência que estas têm para a reprodução

do mesmo.

Atingido o objectivo das secções anteriores, importa nesta fazer uma discussão acerca

da intervenção do assistente social em meio a essa temática, focalizando a discussão para os

desafios existentes uma vez que ela constitui-se como área de intervenção do serviço social.

Segundo Lourenço (2013), o trabalho infantil é uma das expressões da questão social

cujo epicentro é o modo de produção capitalista, pois este para se reproduzir e se ampliar

precisa revolucionar de forma constante os meios de produção.

De acordo com Fronza (s/d) foi a partir de 1990 que o trabalho infantil que por muitas

pessoas é considerado um fenómeno natural e inerente às relações capitalistas, passa a ser

visto como um problema social a ser enfrentado e a compor a agenda do governo.

Com isto o Estado é convocado a criar vários serviços, programas e projectos para

amenizar os impactos da pobreza e das desigualdades sociais próprias do sistema capitalista. É

nestes moldes que o trabalho infantil é incorporado nas temáticas em que o serviço social

intervém de várias formas.

Em meio a essa intervenção coloca-se a este profissional vários desafios que com a

transformação da realidade social vão se transfigurando e se reformulando. Nesta ordem de

ideias, Fronza (s/d) argumenta também que o trabalho infantil é um fenómeno antigo que

persiste até hoje e que vai se reproduzindo e se manifestando sob novas formas de exploração

relacionadas às transformações do mundo do trabalho contemporâneo.

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Sendo assim em meio a essa transformação constante, o desafio que se coloca ao

assistente social passa pela necessidade deste ter um amplo conhecimento das novas formas

de produção e das expressões da questão social o que irá permitir uma intervenção adequada e

contextualizada.

Coloca-se ainda como desafio ao assistente social inserido na realidade do trabalho

infantil, adoptar uma acção profissional crítica que segundo Fronza (s/d) significa que através

da actividade teórica ele deve apreender e compreender a realidade e os processos em que os

fenómenos ocorrem. Essa apreensão da realidade e de seus contornos permitirá ao assistente

social uma intervenção melhor pois só conhecendo a realidade e a maneira como esta se

comporta pode-se aplicar técnicas e procedimentos próprios e adequados a realidade e que

poderão produzir a desejada mudança social.

No seu exercício profissional, o assistente social é também elaborador e executor de

políticas sociais ligadas a várias áreas. Neste contexto o desafio que se coloca tem a ver com a

elaboração de políticas sociais como estratégia de protecção. Ou seja constitui desafio a

participação activa destes profissionais através de várias estratégias para criação de políticas

sociais específicas desta área e para sua implementação eficaz que possibilite a transformação

social e de vida deste grupo específico. É necessário que o assistente social participe de forma

activa na sua implementação como na elaboração destas políticas.

4.6. Propostas de Intervenção do Assistente Social

Depois de identificado e estudado o fenómeno, importa ao assistente social intervir

sobre ele através de vários modelos de intervenção e ferramentas profissionais que lhe

possibilitam modificar da melhor forma uma dada realidade social. Assim sendo, neste

subcapítulo trazemos propostas de intervenção que o assistente social pode adoptar no seu

exercício profissional para modificar a realidade do trabalho infantil, de modo a garantir a

observância dos direitos dos indivíduos no caso específicos das crianças vendedoras do

mercado de Xiquelene.

Durante a pesquisa conseguimos perceber que o trabalho infantil não afecta apenas as

crianças mas também suas famílias, que por vezes são essas que possibilitam a adesão das

crianças ao trabalho. Sendo assim, propomos o modelo de intervenção em rede. O qual

pressupõe um novo olhar sobre os fenómenos sociais dando importância às redes sociais do

indivíduo na resolução dos seus problemas sociais.

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Tendo em conta o modelo escolhido, todas acções aqui propostas giram em busca de

soluções não somente no individual mas em meio a sua rede primária envolvendo o nível

macro que é a rede secundária. Esta permitirá conferir às crianças, especificamente, e as suas

redes, o sentimento de colectivo e ainda a autonomia, garantindo dessa forma que estes e suas

redes tenham a capacidade de responder as suas necessidades sem ter que ser dependentes.

Ao nível da rede primária (Conjunto natural de indivíduos em interação uns com os

outros) propomos:

A realização de palestras e debates abertos com crianças, famílias. Estes poderão

permitir que os indivíduos se conscientizem sobre o fenómeno, que eles por si só

identifiquem os problemas e as possíveis soluções. As palestras auxiliarão ainda a

conferir às crianças, um conhecimento real acerca do trabalho infantil e todos aspectos

a este correlacionados.

A conscientização destes grupos sobre o fenómeno e todos aspectos relacionados a ele,

permitira que as soluções sejam propostas pelos próprios intervenientes e, desta forma, estas

não serão como algo imposto de fora o que aumentará as chances destas soluções surtirem

verdadeiros efeitos uma vez que serão os próprios intervenientes a sugerir sem contar com o

facto de estes estarem a ser capacitados a resolver problemas com soluções locais.

Que o assistente social faça o devido encaminhamentos à crianças deste grupo que se

encontram fora do convívio familiar, ou seja que vivem sozinhas. Para este grupo para

além do encaminhamento propomos que o assistente social acompanhe o processo da

ressocialização ou reintegração destes, esses processos incluem para além das famílias

a integração em políticas sociais que irão beneficia-los.

Ao nível da rede secundária (construções sociais baseadas sobre as ligações dos

indivíduos de natureza funcional) sendo o assistente social um profissional que trabalha na

elaboração e execução de políticas sociais propomos:

Que este participe de forma activa na elaboração e execução de políticas públicas que

beneficiem este grupo específico. Nesta fase importa que o assistente social sirva de

elo de ligação entre família e instituições que implementam tais políticas sociais.

Que ao nível macro (institucional) com o auxílio do assistente social se crie e se

implemente um programa de eliminação do trabalho infantil que retire as crianças dos

mercados. O programa proposto deve incluir áreas que garantam que as crianças à

medida que frequentarem o programa adquiram habilidades e conhecimentos úteis e,

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que de alguma forma respondam as necessidades relatadas na pesquisa, necessidades

essas que foram apontam como motivações para o trabalho.

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Considerações Finais

O presente trabalho buscou compreender em que medida as representações sociais que

as crianças têm de seu trabalho influenciam para a sua reprodução. Partimos do princípio de

que as crianças como actores sociais, no seu dia-a-dia constroem símbolos e interpretações

para dar sentido às acções desenvolvidas no seu meio. Tivemos como fio condutor o

argumento de que a reprodução do trabalho infantil é consequência da maneira como as

crianças representam o seu trabalho, pois esta mesma representação faz com que esta prática

seja aceite por elas e assim contribui para que mais crianças venham a exercer a actividade. E

Para a análise dos dados tivemos como teoria de base a das representações de Moscovici.

Nesta monografia privilegiamos a perspectiva das representações sociais e, com base

nos resultados apresentados e analisados, consideramos que foram atingidos os objectivos

previamente definidos na medida em que foi descrito o perfil das crianças que desenvolvem

actividades comerciais no local da pesquisa, Reflectimos sobre as actividades comerciais que

elas executam, analisamos as representações sociais que as crianças têm do seu trabalho e

apresentarmos algumas propostas de intervenção do assistente social na temática do trabalho

infantil.

No decorrer do trabalho, procurou-se articular a teoria de base escolhida e os conceitos

definidos com os dados do campo, este exercício permitiu nos concluir que a nossa hipótese

de pesquisa foi confirmada. A nossa hipótese refere que as crianças entendem e encaram a

actividade por si realizada não como trabalho, o que traz uma forte influência na reprodução

do trabalho infantil. A hipótese foi confirmada na medida em que observamos que as crianças

representam a sua actividade na sua maioria como ajuda aos pais ou encarregados de

educação, e como não trabalho o que de alguma forma contribui para que estas crianças já

inseridas no trabalho infantil ao desenvolverem essas representações venham a permanecer

nesta actividade acontecendo desta forma a reprodução do mesmo.

Importa nesta fase sublinhar que os dados de campo permitiram concluir que nesta

actividade existem dois momentos importantes a serem considerados, o primeiro o da inserção

esse que não depende das crianças podendo estar envolvidos os pais, e outras motivações, e

um segundo momento o da permanência na actividade esse que os dados mostraram que

depende das representações e interpretações que as crianças desenvolvem sobre a sua

actividade.

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Verificamos também que neste contexto existem outros factores importantes a serem

considerados. Os mesmos dizem respeito a factores como: participação das crianças na renda

económica familiar, divisão familiar do trabalho, baixo rendimento das famílias. O que

conseguimos constatar é que esses factores de alguma forma também têm uma influência no

trabalho infantil principalmente no que diz respeito a inserção das crianças nesta actividade.

Os dados demonstram também que há necessidade duma intervenção contextualizada

e que envolva para além das crianças mas também suas redes de sociabilidade, pois o que se

verifica é que este fenómeno não envolve apenas as crianças mas também suas famílias, ou

seja, observa-se a necessidade de intervenção em redes interligando indivíduos, famílias e

instituições.

A teoria das representações sociais permitiu-nos captar as representações sociais que

as crianças têm de seu trabalho, analisa-las e conferir as crianças o papel de sujeitos o que

permitiu-nos chegar as conclusões acima apresentadas, mas esta teoria não permitiu-nos

captar os processos de construção dessas representações, em que elas são alicerçadas,

residindo ai uma limitação da nossa pesquisa e demonstrando-se também uma outra

perspectiva que ainda pode ser estudada sublinhando que neste estudo privilegiamos as

representações sociais das crianças atribuídas ao seu trabalho e a influencia que estas exercem

para sua reprodução.

Importa realçar que o estudo não é acabado, e que este pretende contribuir para área

científica e criar debates na área e nos estudos que tomam as crianças como sujeitos activos, e

contribuir para enriquecer e propiciar uma intervenção do assistente social contextualizada e

em uma realidade conhecida.

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Apêndices

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Guião de Entrevista para as Crianças

I. Identificação

1. Nome: (Opcional ou Fictício)

2. Sexo:

3. Idade:

4. Classe que frequenta:

5. Local de residência:

6. Com quem reside?

II. Actividades comerciais que as crianças exercem

1. Quando e onde começou a praticar esta actividade?

2. Como começou a exercer essa actividade?

3. Que produtos normalmente comercializa?

4. Porque vende estes produtos e não outros?

5. Quem lhe manda para vender?

6. Para que fins utiliza o dinheiro colectado da venda?

7. Em que períodos do dia comercializa produtos neste mercado?

III. Representações Socias da comercialização de produtos pelas crianças

7. O que significa para si o trabalho que realiza?

8. Considera “trabalho” a actividade que realiza?

9. Pensa em exercer outra actividade diferente da que exerce actualmente?

IV. Relação entre reprodução e representações

10. O que lhe motiva a exercer essa actividade?

11. Como foi que você começou a vender produtos neste mercado?

12. Com quem brincas e o que fazem teus amigos?

13. Convida seus amigos para virem vender também?