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1/17 1) INTRODUÇÃO Vamos começar a estudar fungos patogénicos para o Homem, mas um tipo muito particular. Quando pensamos em fungos, pensamos num cogumelo . É extremamente patogénico para o Homem, extremamente tóxico, sendo a causa mais frequente de insuficiência hepática. Os transplantes hepáticos por toda a Europa, mais concretamente em França, estão relacionados com a hepatotoxicidade dos cogumelos, os Hemanitas. Não é este tipo de fungos que vamos falar, mas, apesar de tudo, serve para relembrar algumas noções fundamentais: Os fungos reproduzem-se por esporos (não é verdade em 100% dos casos); A estrutura básica é formada por: Um através do qual o fungo recebe nutrição do solo onde está implantado; Uma porção aérea que tem lamelas onde há formação dos esporos que caem e depois formam uma nova estrutura. 2) CLASSIFICAÇÃO TAXONÓMICA Ouvimos falar em subdivisões, classes e depois há vários nomes para o mesmo fungo. Há que ter atenção às ambiguidades. NOTA: A taxonomia fúngica não é tão consensual como acontece com a classificação das bactérias, uma vez que o mesmo fungo pode ter mais do que um nome, como veremos mais à frente quando falarmos dos esporos. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Microbiologia Introdução à Micologia. Estrutura, metabolismo, crescimento e mecanismos de reprodução dos fungos. Mecanismos de patogenicidade. Classificação das micoses. Prof. Dr. Acácio Gonçalves Rodrigues 9/2/2007

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Microbiologiausers.med.up.pt/cc04-10/Microdesgravadas/22_Intro_Micologia.pdf · vez que o mesmo fungo pode ter mais do que um nome,

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1) INTRODUÇÃO

Vamos começar a estudar fungos patogénicos para o Homem, mas um tipo

muito particular.

Quando pensamos em fungos, pensamos num cogumelo. É extremamente

patogénico para o Homem, extremamente tóxico, sendo a causa mais frequente de

insuficiência hepática. Os transplantes hepáticos por toda a Europa, mais

concretamente em França, estão relacionados com a hepatotoxicidade dos

cogumelos, os Hemanitas.

Não é este tipo de fungos que vamos falar, mas, apesar de tudo, serve para

relembrar algumas noções fundamentais:

▪ Os fungos reproduzem-se por esporos (não é verdade em 100% dos

casos);

▪ A estrutura básica é formada por:

▫ Um pé através do qual o fungo recebe nutrição do solo onde está

implantado;

▫ Uma porção aérea que tem lamelas onde há formação dos esporos

que caem e depois formam uma nova estrutura.

2) CLASSIFICAÇÃO TAXONÓMICA

Ouvimos falar em subdivisões, classes e depois há vários nomes para o mesmo

fungo. Há que ter atenção às ambiguidades.

NOTA:

A taxonomia fúngica não é tão consensual como acontece com a classificação das bactérias, uma

vez que o mesmo fungo pode ter mais do que um nome, como veremos mais à frente quando falarmos

dos esporos.

FFaaccuullddaaddee ddee MMeeddiicciinnaa ddaa UUnniivveerrssiiddaaddee ddoo PPoorrttoo MMiiccrroobbiioollooggiiaa

Introdução à Micologia. Estrutura, metabolismo, crescimento e

mecanismos de reprodução dos fungos. Mecanismos de patogenicidade. Classificação das micoses.

Prof. Dr. Acácio Gonçalves Rodrigues 9/2/2007

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3) CLASSIFICAÇÃO DAS MICOSES

Quando falamos em patologia micológica, falamos em micoses.

a) Tíneas

Como micoses clássicas temos as tíneas (micoses do cabelo), sobretudo nos

miúdos nas aldeias (mais raro) ou nos bairros suburbanos (actualmente mais

frequente).

Na fig.1 existem lesões que não fazem cair o cabelo, não causam alopécia e a

lesão da fig.2 constitui aquilo que o povo chama de peladas.

Fig.1 Fig.2

b) Micoses cutâneas

Estas micoses são cutâneas, pois atingem fundamentalmente a pele.

Reparem aqui nesta zona do pescoço e nas virilhas:

provavelmente o fungo é diferente, mas não pelo aspecto da lesão.

O primeiro atinge uma zona da pele com

poucos pêlos e relativamente mais seca

do que aquela das virilhas. Nestas já

existe mais humidade, mais calor e, provavelmente, a

fisiologia deste agente patogénico é diferente daquele

que está a causar a lesão no pescoço.

Nos espaços interdigitais há também um aspecto que não é normal: a pele está

seca e descamada, significando que este fungo tem um

tropismo muito especial para a pele, sobretudo desses

espaços, uma vez que não vai para a planta do pé, nem

para o dorso dos dedos do mesmo. Esta capacidade de

observação é muito importante, não só na Microbiologia,

mas também na Medicina, na clínica.

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As lesões seguintes têm um aspecto mais húmido, mais eritematoso, com

algumas vesículas pequenas, surgindo onde existe calor e humidade:

▫ Axila, sobretudo na prega axilar (fig.3);

▫ Sulco infra-intermamário (fig.4);

▫ Espaço interdigital da mão (pode aparecer um pouco seca à periferia,

mas há, fundamentalmente, um aspecto eritematoso e com algum

edema) (fig.5).

Fig.3 Fig.4 Fig.5

Este é um caso muito grave de um indivíduo com uma imunodeficiência de tipo

T (tema que será abordado numa próxima aula teórica).

Não desenvolve uma micose sistémica ao nível dos órgãos

profundos, mas a nível cutâneo tem estas lesões que são

destrutivas e infectam secundariamente por bactérias

piogénicas (exemplo: cocos Gram+ que fazem parte da PMN da

pele).

Sobretudo porque esta senhora é obesa, diabética e passava

muito tempo deitada, a micose que surgiu ao nível da mucosa genital

sofreu uma rápida progressão e casou lesões cutâneas extensas.

c) Onicomicoses ou oníquias

Isto representa unhas atingidas por aquilo que se

chama uma onicomicose. Reparem que já se vê pouca

unha e está a ser atingida do sentido distal para proximal.

Existe um pouco de pele íntegra na base da unha, ou seja,

há uma porção macerada no leito ungueal, mas este fungo não tem tropismo para

a pele.

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Reparem nesta unha: tem um atingimento completamente diferente. Só está

poupado uma pequena porção distal da unha, pois o

atingimento começou no sulco ungueal e progrediu em

sentido distal. Outro aspecto é que esta pele, este sulco

ungueal, também está atingido (com edema e rubor), ou

seja, constitui uma perioníquia (oníquia com atingimento

do sulco ungueal).

d) Evolução das micoses humanas

Até aos anos 70, os principais tipos de micoses eram todas as referidas

anteriormente.

A partir dos anos 80, começamos a fazer transplantações de órgãos e a manter

vivos os doentes críticos durante semanas a fio logo, se as UCI não fossem muito

ricas, se houvesse muita contaminação ambiental, aquilo que dominava eram as

infecções por Enterobacteriaceae ou bacilos Gram- (cruzadas de doente para

doente). Mas a partir do momento em que conseguimos ter um bom controlo da

higiene ambiental, começam a predominar as infecções endógenas. A grande fonte

de microrganismos no corpo humano é o tubo digestivo onde predominam, para

além dos anaeróbios, bacilos Gram-. Portanto, estes doentes desenvolviam uma

sepsis causada por estes últimos microrganismos.

No final dos anos 80, com uma melhor política de gestão de antimicrobianos, o

doente consegue sobreviver aqueles 8-10 dias críticos, sobrevive à primeira sepsis

por bacilos Gram- e depois desenvolve uma infecção por um coco Gram+ (exemplo:

Staphylococcus aureus ou Staphylococcus coagulase negativo multirresistente).

Quando passamos da transição da 2ª para a 3ª semana de vida, o doente

sobreviveu a tudo isso e posteriormente desenvolve uma infecção por agentes que

muitas vezes até são tipicamente endógenos, ou seja, as leveduras que aproveitam

o desequilíbrio do ecossistema das PMN e que agora proliferam. Isto acontece

porque estes doentes têm muitos implantes médicos e recebem uma série de

fármacos que interferem com a fisiologia dos microrganismos (promovem o seu

crescimento ou alteram a sua susceptibilidade aos medicamentos usados).

Dos meados da década de 80 até ao fim do séc.XX (agora ainda continua, mas

já com algumas mudanças), surgem as micoses disseminadas relacionadas com:

▫ Implantes médicos;

▫ Administração maciça de antimicrobianos;

▫ Imunossupressão;

▫ Manobras farmacológicas de ressuscitação cardiovascular e hemodinâmica

(exemplo: catecolaminas) que estimulam directamente o desenvolvimento

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de alguns agentes fúngicos ou promovem a sua resistência aos anti-

fúngicos.

e) Frequência das micoses

A frequência das micoses é de 10-30% na última década e, em alguns casos, a

mortalidade atinge os 95%, mas de um modo geral é de 35-60%.

Um doente destes, que tenha esta mortalidade, é capaz de fazer por dia €1500

a €2000 de custo só em anti-fúngicos (é apenas a terapêutica de base).

4) CLASSIFICAÇÃO DOS FUNGOS

a) Fungos unicelulares Quais são as células fúngicas mais simples, mais básicas que existem? São as

leveduras ou fungos leveduriformes.

A levedura reproduz-se por gemulação: forma-se uma gémula que é um

esporo, ou seja, também tem reprodução por esporos. Estas células podem ter uma

forma cocóide, umas mais arredondadas, outras mais piriformes (não é isto que é

crítico). A levedura não é uma bactéria: se fosse, formava-se outra exactamente

igual, do mesmo tamanho e com um septo intercalar.

Mas nesta situação, forma-se uma célula mais pequena que, em princípio,

separa-se da mãe (cada célula-mãe dá origem a só uma célula-filha, mas até pode

surgir mais do que uma) e depois vai crescer até atingir o tamanho adulto.

Muitas vezes quando a própria gémula aparece, o início da sua gemulação

também já está a ocorrer (“as leveduras já nascem grávidas”). Portanto, a própria

gémula já tem activado, na parede, o local que vai dar origem à sua própria célula-

filha.

Esta gémula é, no fundo, um esporo. Não é um esporo no sentido de uma célula

que está quiescente. É importante estabelecer a seguinte distinção:

▪ O esporo bacteriano representa a forma de resistência da célula,

estando quiescente;

▪ O esporo fúngico é uma célula que, em alguns casos está quiescente,

mas noutros casos está viva, tem metabolismo e cresce

imediatamente. Também há quem chame a estas células,

blastoconídias.

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Às vezes, a gémula não se separa da célula-mãe (muito embora este septo seja

completo), começa a crescer e a alongar-se. Depois forma-se uma nova gémula,

dando origem a uma estrutura mais ou menos alongada, e vai parecer uma hifa

verdadeira, mas a isto chamamos pseudohifa (as células que a constitui são

independentes): se injectar um marcador numa extremidade é improvável que ele

apareça na extremidade oposta, porque o septo está completo. Esta célula

alongada também pode sofrer uma nova gemulação.

As leveduras fazem isto com extrema facilidade in vivo, sendo uma capacidade

de alterar a sua superfície celular, a sua forma, o que constitui um bom mecanismo

de escape imunológico.

Às vezes as leveduras fazem outro processo: forma-se uma hifa verdadeira,

geralmente são microscópicas, mas este septo não é completo, existindo uma

estrutura contínua.

Estes microrganismos, em qualquer ponto, podem voltar à sua forma inicial e

começar a gemelar. Este polimorfismo confere várias capacidades à célula, entre

elas, de baralhar o sistema imunológico.

Isto acontece in vivo.

Vemos aqui uma imagem de uma cultura que tem as pseudohifas, mas também

uma hifa contínua, e as células a gemelar. Estamos a

ver um exsudado de um esfregaço vaginal corado

pelo método de Gram: células do epitélio

pavimentoso, bacilos que, provavelmente,

correspondem a Lactobacillus (Gram+) e hifas a

gemelar (Candida albicans).

Mais uma vez insisto e é importante: isto tem tudo dimensões microscópicas,

não as vemos a olho nu. É importante que se lembrem disto.

Numa imagem da superfície de um cateter venoso central tratado e observado

por microscopia electrónica de scanning vêem-se alguns leucócitos, sobretudo

neutrófilos, a tentar fagocitar as leveduras. Estas deixam-se fagocitar calmamente

e, no interior do neutrófilo, emitem o tubo germinativo que o fura, permitindo que

elas “saltem cá para fora”.

Há leveduras que, perante condições adversas, como em termos de carga

osmótica, salinidade, desidratação e condições agressivas de temperatura, são

capazes de formar um esporo, uma estrutura quiescente e extremamente densa;

tem uma parede tão dura de cortar que, quando está incluída no epon, saltam

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deste no momento em que a lâmina de diamante tenta fazer os cortes para

microscopia electrónica. Este esporo, como forma de estrutura quiescente e

resistente, é diferente daquele que representa o modo de reprodução dos fungos.

Cerca de 0,001% dos fungos não se reproduzem por gemulação. O

Schizosaccharomyces pombe divide-se, tal como uma bactéria, por divisão binária

(não vou perguntar isto, não tem importância).

b) Fungos pluricelulares Excluindo os cogumelos, toda a gente lá em casa já viu no pão, na fruta ou até

nos livros se não os abrir muito, o crescimento de bolor. Estes fungos são visíveis

macroscopicamente.

Características de um bolor:

▪ É extremamente frágil;

▪ Desenvolve-se rapidamente (ele desenvolve-se lentamente, nós é que

nos apercebemos dele quando ganha cor);

▪ Adquire cores variáveis.

Têm um crescimento completamente diferente: parece que crescem do centro

para a periferia. Isto é aquilo que se chama um fungo filamentoso ou bolor.

Aqui se vê, em mais detalhe, o aspecto da colónia de um

fungo filamentoso. As margens são brancas, porque o fungo

ainda está imaturo. Ele provavelmente está na zona central,

onde as hifas estão mais maduras e onde há maior

quantidade de esporos.

Qual é a estrutura básica deste fungo filamentoso?

É uma hifa que se origina de um esporo (que está quiescente), vai crescendo

por um mecanismo de germinação e de alongamento, como nas leveduras. A partir

de uma determinada altura torna-se macroscópico.

Quais são os tipos de hifas que caracterizam estes fungos?

▪ Hifa septada;

▪ Hifa não septada – corresponde a várias células; em cada uma destas

divisões incompletas existe um núcleo1 ().

1 Onde é que nós temos uma estrutura deste género no corpo humano? Nos tecidos musculares mais antigos.

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Contrariamente às leveduras e às bactérias, que quando crescem em meio de

cultura, crescem à superfície e fazem relevo para a parte aérea, os fungos

filamentosos têm um micelo (conjunto de hifas) com relevo para a parte aérea e

um crescimento para a profundidade, no meio de cultura.

Quem diria que este micelo que é branco (em termos de micelo aéreo) iria ter,

no reverso, um micelo vegetativo com pigmento acastanhado. O relevo não tem

rigorosamente nada a ver com a profundidade, tendo características morfológicas

distintas, nomeadamente a nível de cor e textura (isto é muito importante).

Ambos permitem a caracterização e identificação fúngica.

O que é que acontece na porção central do fungo?

Destas hifas estão a emergir esporos e estruturas especializadas (estão na base

da sua origem) que, à medida que vão amadurecendo, vão dando cor ao fungo.

Vejamos dois exemplos:

Dois fungos, com a mesma cor, têm texturas diferentes. Não é de certeza o

mesmo fungo se o meio de cultura for o mesmo e preparado com os mesmos

constituintes, como os metais.

O mesmo fungo preparado com água do Porto e com água de Coimbra pode

aparecer azul no primeiro e verde no último, resultando da “dureza” da água e das

suas características químicas.

As estruturas especializadas na reprodução de esporos estão no micelo aéreo. A

imagem representa micelos aéreos, mas as estruturas especializadas são

completamente diferentes: aquelas do Aspergillus fumigatus e do Aspergillus

terreus têm um aspecto de “alho-porro”, enquanto que as do Aspergillus niger e do

Aspergillus flavus têm uma aparência digitiforme. Isto põe-nos logo na pista de

fungos completamente diferentes, pertencentes a espécies distintas.

Micelo aéreo Micelo vegetativo

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5) DIMORFISMO, POLIMORFISMO E PLEOMORFISMO (atenção aos termos!)

Na Micologia existem termos que estão associados a definições muito concretas.

a) Dimorfismo

Há raros fungos que em condições culturais e temperaturas diferentes podem

apresentar-se ou na forma de levedura ou na forma de fungo filamentoso, mas

nunca as duas em simultâneo.

Geralmente estes fungos são ubiquitários e, portanto, a forma mais fácil de

conseguirem resistir no ambiente é como fungos filamentosos: produzem

esporos que estão quiescentes, tendo uma grande capacidade de resistência.

Mas quando entram no meio interno do hospedeiro (corpo humano ou um

animal) – habitualmente, a porta de entrada é o pulmão, mas também pode ser as

escoriações em feridas cutâneas – chegam a um meio rico e com uma temperatura

superior à que existe na Natureza (10-12ºC � 37ºC). Consequentemente,

convertem-se à forma de levedura.

Tudo isto tem lógica. Não fazia muito sentido o fungo crescer no meio do baço

ou do fígado e estar a formar todas aquelas hifas complicadas. É melhor que só se

consiga dividir em poucas células: 2 a 2 ou 3 a 3.

Como é que posso reproduzir isto no laboratório?

Se semear este fungo ou o produto biológico da amostra humana num meio de

cultura rico (que usamos para muitas bactérias) e o incubar a 37ºC, ele cresce na

forma de levedura, exclusivamente. No entanto, se fizer uma repicagem para um

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meio de cultura não tão rico em nutrientes e o incubar a 18-20ºC, ele cresce na

forma de fungo filamentoso. Isto é que é um fungo dimórfico.

Relembrem que nunca se converte às duas formas em simultâneo.

b) Polimorfismo

Por exemplo, aquela levedura que pode constituir hifas, pseudohifas e pode

formar-se por gemulação, faz tudo em simultâneo num meio rico a 37ºC.

É uma situação claramente distinta daquela do caso anterior.

c) Pleomorfismo

Se realizarmos várias repicagens no laboratório, o fungo filamentoso vai

alterando as suas características macroscópicas, o seu aspecto típico. Podemos

dizer que é uma capacidade de “degenerescência”.

Há, então, uma variação morfológica em função das condições de cultura do

meio no qual o fungo está inserido.

6) MECANISMOS DE REPRODUÇÃO

Como é que os fungos se reproduzem? Basicamente, há três formas a

considerar.

a) Reprodução vegetativa

É verdade sobretudo naqueles que formam hifas e pode acontecer com algumas

plantas.

Plantas – se cortarem um raminho e introduzirem-no num substrato

nutritivo, conseguem reproduzir uma nova planta, porque enraizou.

Fungos – se partirem o topo de uma hifa (que não seja intercalar para não

quebrar duas células), as células intactas são capazes de originar um novo fungo.

Há no género Mycelia a espécie Mycelia sterilia que tem, exclusivamente,

reprodução vegetativa.

b) Reprodução assexuada

A maioria dos fungos patogénicos para o Homem tem só este tipo de

reprodução. Chamam-se fungos imperfeitos e a forma resultante da reprodução é o

anamorfo.

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Pode resultar de dois processos:

▪ Fragmentação das hifas (como na reprodução vegetativa);

▪ Formação de esporos, denominados por conídios (mas há excepções), a

partir de hifas diferenciadas.

Os esporos assexuados formam-se dentro de estruturas unicelulares ou

externamente a partir do talo (hifa).

O mesmo fungo pode produzir, simultaneamente, macro ou microconídios,

como acontece com os agentes que causam tíneas no cabelo.

Os conídios resultam de um processo que conidiogénese que pode ser tálica

ou blástica.

Estes fungos produzem hifas especializadas, porquê?

O micelo vegetativo é quase como se fosse uma planta que é a evolução directa

de um fungo filamentoso. No micelo aéreo, forma-se uma hifa (uma cogumela) e

depois uma membrana, que mais tarde há-de romper, envolvendo muitos

esporangiosporos.

Há algumas plantas, como os dentes-de-leão, cuja produção de sementes e

forma de disseminação são análogas aquelas dos fungos.

▪ Conidiogénese tálica

Os exosporos que se formam directamente do talo, podem formar-se por

vários mecanismos: num fungo filogeneticamente mais antigo, cada uma das suas

células correspondentes aos septos separam-se e cada uma delas é um conídio

(neste mecanismo existe uma perda).

O conídio típico dos Dermatófitos é muito especializado e é um

macroconídio intercalado.

Os esporos que vimos anteriormente a propósito das leveduras, tendo

referido que são esporos de resistência, é mais um exemplo de conidiogénese tálica.

▪ Conidiogénese blástica

É uma forma mais exuberante (do Inglês blast) e significa que, na hifa,

aconteceu algo que implicou um grau de diferenciação mais avançado para originar

Endosporos ou esporangiosporos Exosporos ou

conídios

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esporos e, vulgarmente, formam-se mais do que um. Isto é importantíssimo na

classificação fúngica.

Representa um mecanismo extremamente eficiente: a partir de uma única

estrutura produz-se uma grande quantidade de esporos.

A classificação dos fungos filamentosos é muito morfológica e não é

compatível com o diagnóstico microbiológico clínico, dado que:

▫ Passa por observar estas estruturas durante horas ao microscópio,

levando vários dias;

▫ As células de onde se originam são diferentes: bisseriadas ou

unisseriadas, implicando um grande pormenor de observação;

▫ O agrupamento das células conidiogéneas pode formar um

corémio, picnídio ou acérvula.

Há pouco, na descrição da gemulação, referi que à gémula também se chama

blastoconídia: quando surgiu a teoria de que os esporos resultantes da

reprodução assexuada, desde que não se formassem dentro de estruturas (dentro

do tal esporângio), poderiam chamar-se conídios; alguém decidiu olhar para uma

levedura e entendeu que, isolada, quase que funcionava como um talo e que era

um exemplo de uma codiniogénese blástica.

c) Reprodução sexuada

Alguns fungos também podem ter, independentemente da reprodução

assexuada, a forma sexuada e o fungo continua a ser o mesmo, sendo o

teleomorfo. O que pode baralhar a classificação taxonómica é a sua mudança de

género ou de espécie, adquirindo um novo nome.

Anamorfo Teleomorfo

Cryptococcus neoformans Filobasidiela neoformans

Pseudoallescheria boydii Sudosporium apiospermum

Alguns destes aspectos só são descrições de laboratório e faz todo o sentido: o

microrganismo está a tentar ser patogénico para um hospedeiro e este tenta

defender-se o mais possível. Portanto, a corrente sanguínea ou o pulmão não são

bons locais para que as hifas se reproduzam assexuadamente. É mais fácil ter uma

reprodução sexuada. No entanto, não é totalmente um artefacto; isto acontece

realmente, mas alterou a sistematização que havia na taxonomia fúngica.

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Dos fungos que vamos estudar e que são patogénicos para o Homem,

geralmente estão nestas divisões:

▪ Zigomicota;

▪ Ascomicota;

▪ Diziriomicota;

▪ Zeuteromicota.

São termos correntes que se devem utilizar, embora as pessoas ainda utilizem

muitas vezes os conceitos de Zigomicetos, Astomicetos e Basidiomicetos. Não é

uma designação tão correcta (no entanto, o professor utilizou, algumas vezes, estes termos

durante a aula).

Cada uma destas divisões têm muitas espécies e normalmente só cerca de

cerca de 150 é que são patogénicas específicas ou primárias para o Homem e para

os animais.

Mas é das áreas da Microbiologia em que estão a aparecer cada vez mais

espécies emergentes. Cada vez mais se descreve patogenicidade humana, grave e

séria, que curiosamente não é tíneas, nem lesões cutâneas; é lesões fulminantes

por agentes que eram antes considerados não patogénicos para o Homem.

A reprodução sexuada implica a existência de um

terminal masculino e outro feminino: nos fungos

imperfeitos pode ser dentro da mesma hifa, tendo

polaridades diferentes, mas nos fungos mais

desenvolvidos há uma estrutura na hifa que tem

características diferentes, ou seja, uma tem propriedades

masculinas e a outra possui as femininas.

Na reprodução sexuada resultam esporos sexuados e adquirem o nome da

estrutura onde eles são formados:

Divisão Estrutura Esporos

Ascomicetos Ascos Ascósporos

Zigomicetos Zigosporângio Zigósporos

Basidiomicetos Basídeo Basidiósporos

Este tipo de reprodução é dividido em três fases distintas:

▪ Plasmogamia - união de protoplamas de duas células sexualmente

compatíveis, dando origem a uma única célula com dois núcleos;

Mating-type

▪ Homotálica

▪ Heterotálica

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▪ Cariogamia – fusão dos dois núcleos, originando o zigoto;

▪ Meiose2 - origem a 4 células haplóides, mas, muitas vezes, dentro de

algumas estruturas formadoras destes esporos não existem só 4

células: podem existir 8 ou 12 células, porque cada uma delas pode

sofrer mitoses sucessivas, mas, no mínimo, tem que haver inicialmente

formação de quatro resultantes do processo de meiose.

Os zigomicotas constituem o grupo no qual há poucas espécies descritas. São

os fungos onde se tem verificado a escalada de violência, nova patogenicidade em

espécies consideradas inofensivas para o Homem.

Os ascósporos formam-se dentro do asco que é uma estrutura tubular,

geralmente saculiforme com 4, 8, 16,… esporos. É o processo mais eficiente de

produzir uma grande quantidade de esporos. Esta reprodução é mais eficaz do que

a gemulação das leveduras que pode dar origem a 1, 2 células, mas em cada caso

formam-se, no mínimo, 4 esporos. Se este fungo conseguir encontrar um local

onde se formem vários ascos e se estes estiverem protegidos por uma estrutura

externa, mais facilmente asseguram a disseminação da espécie. Os ascos formam-

se (nem sempre) dentro dos ascocarpos que podem ter o nome de peritécio ou

cleistotécio conforme está aberto ou fechado (pessoalmente, apresento isto para

perceberem as figuras dos livros; não considero isto relevante, mas sim saber por

que motivo é basidiomicota ou ascomicota, por exemplo).

In vivo, numa amostra biológica, não conseguem ver os ascocarpos, os

peritécios ou os cleistotécios e mesmo isto não tem interesse em diagnóstico

micológico clínico/laboratorial, porque seria preciso perder muito tempo a esperar

que eles se formassem.

Há um aspecto muito importante que podemos observar directamente num

produto biológico: posso ter um fragmento de uma hifa septada de um ascomicota

e se conseguir ver no septo incompleto um poro com um corpo que parece obliterar

parcialmente o seu centro constitui o corpo de Woronin. Este tipo de septo é típico

dos ascomicotas. Basta uma observação destas para dizer que este fungo pertence

à divisão dos ascomicotas.

Os basidiósporos formam-se no basídeo, uma estrutura que resulta da

conjugação de duas hifas. É nas lamelas dos cogumelos que estão os basídeos onde

se depositam os basidiósporos: os cogumelos típicos reproduzem-se pela formação

2 Obrigado pela pesquisa, Guida ☺

15/17

de basidiósporos. Mais uma vez, não tem relevância em termos de diagnóstico

clínico o termo basídeo, pois, provavelmente, ele não está presente.

Estes fungos também se reproduzem assexuadamente e, quando estão a ser

patogénicos, não passam pela forma sexuada da reprodução.

O que é típico destes fungos é produzirem hifas septadas em túnel ou em barril:

o esporo que está a ser libertado passa pelo meio da estrutura. Isto põe-nos na

pista de um fungo basidiomicota.

7) RECOMBINAÇÃO MITÓTICA

Qual é a grande vantagem da reprodução sexuada em relação à reprodução

assexuada?

Dizem os geneticistas que a partir do momento em que surgiu a cariogamia na

reprodução sexuada, houve um grande contributo para a diversidade das

espécies. Há também trocas genéticas, segregação de caracteres, etc.

Apesar de tudo, nos fungos, pode acontecer recombinação mitótica sem haver

reprodução sexuada – ciclo parassexuado: o mesmo fungo, com genoma

haplóide, pode tornar-se diplóide (em alguns casos, até mesmo tetraplóide) e

depois dá-se a segregação de caracteres. Isto acontece em fungos que podem ter

reprodução sexuada, nomeadamente, Aspergillus, Sacharomyceas e Candida

albicans.

8) ORGANISMO HUMANO E PATOGENICIDADE FÚNGICA

Para os fungos com grande impacto patogénico humano, sobretudo em termos

de micoses disseminadas, não existe um único mecanismo de patogenicidade ao

qual podemos atribuir relevância. Parece que é da conjugação de várias pequenas

alterações, como a imunossupressão (incapacidade de defesa por parte do

hospedeiro), mas principalmente a capacidade de iludir o sistema imunológico, de

alterar as suas características fisiológicas, conferindo uma grande aptidão para se

ajustar a ambientes adversos, como o meio interno do hospedeiro (não é fácil uma

bactéria, fungo, parasita ou vírus aderir à parede dos vasos ou tentar invadir um

órgão).

A grande porta de entrada dos fungos (a não ser aqueles que causam lesões

pequenas) é classicamente o pulmão, sobretudo para aqueles que produzem

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esporos que se disseminam pelo ar. Mal entra no organismo, o fungo tem que

ultrapassar logo, por exemplo, a barreira alvéolo-capilar com pneumócitos tipo II.

9) FISIOLOGIA DOS FUNGOS

Isto é o aspecto que tem uma cultura de leveduras. Se eu

vos perguntasse “descreva as colónias de Staphylococcus

aureus”, vocês diriam que têm um aspecto leveduriforme.

Olhando para a imagem, não sei se é uma levedura ou uma

bactéria, a não ser que conheça o meio de cultura ou realize um

esfregaço, um exame a fresco.

Enquanto que é muito fácil preparar uma suspensão de leveduras, porque é

igual à de bactérias, todos vocês já se aperceberam o que acontece quando cai

água em cima do bolor: parece que a água escorre à sua superfície, pois os

esporos e as hifas são extremamente hidrofóbicos. Para observar a cultura há que

aplicar a técnica de cultura em lâmina (não foi explicada).

a) Distinção de outras células eucariotas “mais evoluídas”

Seja um fungo unicelular ou pluricelular, é sempre eucariota, mas há que

apontar as principais características que os distingue das restantes células

eucarióticas:

▪ Membrana plasmática – os fungos têm tipicamente esteróides, não

propriamente colesterol, mas ergosterol;

▪ Parede celular – ultraestruturalmente é semelhante a uma Gram+3,

mas tem maior teor de hidratos de carbono do que proteínas,

sobretudo de quitina (confere rigidez estrutural) e é mais robusta.

b) Levedura vs fungo filamentoso

▪ Levedura

É a primeira célula eucariota na evolução das espécies, em quase tudo

semelhante às células que constituem o organismo humano e cuja fisiologia ainda

está programada para habitar na água. Se nasceu na água, é muito sensível à

3 Às vezes podem corar como Gram-, mas como?

▪ Se estiver muito velha e a parede já está fracturada;

▪ Se houve alguma agressão durante a fixação.

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desidratação, necessitando de um ambiente mais conservador e acolhedor do que

um fungo filamentoso.

Não tem boas condições para causar lesões ou atingir a superfície dos

cabelos ou das unhas, mas não quer dizer que não o possa fazer. Aquelas lesões

que vimos anteriormente com uma aparência húmida e eritematosa,

presumivelmente, terão como agente patogénico um fungo leveduriforme.

▪ Fungo filamentoso

Independentemente do grau de evolução, é o primeiro ser vivo que

colonizou a terra sólida, mas há um problema muito crítico: os fungos são

heterotróficos, muito pouco exigentes, mas precisam de matéria orgânica. A Terra,

depois de arrefecer, não tinha matéria orgânica à superfície, apenas minerais.

Um líquen resulta da simbiose entre um fungo filamentoso e uma levedura

fotossintética (alga): o fungo filamentoso fornece à alga a superfície física para

permanecer “cá fora” e uma cerca humidade que retém do ambiente, enquanto que

esta disponibiliza matéria orgânica para o fungo filamentoso sobreviver e crescer.

A partir do momento em que a Terra começou a ter matéria orgânica

suficiente, passou a ser colonizada por fungos filamentosos que evoluíram para

plantas.

Tem uma capacidade muito maior, em relação às leveduras, para resistir a

condições ambientais adversas, embora haja algumas excepções à regra.

Para ser patogénico no meio interno (a não ser que exista uma cavidade

natural), o fungo filamentoso não tem grandes condições para formar uma hifa

muito comprida, esporângios, etc. Se percorresse a circulação sanguínea nesta

forma era capaz de entupir em qualquer local. Portanto, é melhor andar como

célula-a-célula.

Sónia Marina Rocha

Turma 4