24
FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA - FESP BACHARELADO EM DIREITO JOSÉ GERALDO MEDEIROS FILHO CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: A Sonegação Fiscal e o seu Combate JOÃO PESSOA 2013

FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA - FESP ... · 1. Creimes tributários 2. Direito tributário 3. Ordem tributária I. Título. ... (talha, corvéia, banalidades, etc.), em

Embed Size (px)

Citation preview

FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA - FESP

BACHARELADO EM DIREITO

JOSÉ GERALDO MEDEIROS FILHO

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: A Sonegação Fiscal e o seu Combate

JOÃO PESSOA

2013

JOSÉ GERALDO MEDEIROS FILHO

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: A Sonegação Fiscal e o seu Combate

Artigo Científico apresentado à Coordenação do

Curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior

da Paraíba - FESP, como exigência parcial para a

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof.

JOÃO PESSOA

2013

M488c Medeiros Filho, José Geraldo

Crimes contra a ordem tributária: a sonegação fiscal e o seu combate / José Geraldo Medeiros Filho. – João Pessoa, 2013.

20f.

Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior da

Paraíba – FESP.

1. Creimes tributários 2. Direito tributário 3. Ordem tributária I.

Título.

BC/FESP CDU: 34:336.2(043)

JOSÉ GERALDO MEDEIROS FILHO

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: A Sonegação Fiscal e o seu Combate

Artigo Científico apresentado à Banca

Examinadora de Artigos Científicos da Faculdade

de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como

exigência parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

____________________________

Orientador

_________________________________

Membro da Banca Examinadora

_________________________________

Membro da Banca Examinadora

1

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA: A Sonegação Fiscal e o seu Combate

JOSÉ GERALDO MEDEIROS FILHO*

RESUMO

Desde os primeiros momentos em que os homens passaram a viver em comunidade, surgiu a

necessidade da criação de mecanismos de se financiarem para promover a sua proteção. Ao longo

do tempo o Estado evoluiu, tendo hoje em dia a principal função de manter o equilíbrio social, o

que passa pela distribuição de rendas, que se dá através de uma política tributária. Nessa ótica,

considera-se a própria sociedade como o bem jurídico protegido pelo Estado no combate aos

Crimes Contra a Ordem Tributária, cujas situações configuradoras foram estabelecidas através da

Lei Nº 8.137/90.

Palavras chave: Crimes tributários. Direito tributário. Ordem tributária.

“Só conheço duas espécies de governos: os bons e os maus. Os bons que estão ainda por

fazer; os maus, em que toda a arte consiste, por diferentes meios, em passar o dinheiro

da parte governada à bolsa da parte governante. Aquilo que os governos antigos

arrebatavam pela guerra, nossos modernos obtêm com mais segurança pelo fiscalismo. É

apenas a diferença desses meios que constitui sua variedade. Creio, no entanto, na

possibilidade de um bom governo em que, respeitadas a liberdade e a propriedade do povo, ver-se-ia resultar o interesse geral, em contraposição ao interesse particular.”

Claude-Adrien Helvétius, Carta a Montesquieu (1748)

1 INTRODUÇÃO

É fato corrente nas democracias contemporâneas os cidadãos se organizarem cada vez

mais com o principal objetivo de conquistarem os seus direitos, que se expandem por todos os

setores da sociedade. Esses reclames se dão tanto através de seus representantes escolhidos para

esse fim, que são os políticos eleitos, como também, e mais intensamente nos últimos tempos,

através da intitulada governança global, que nada mais é do que organizações não

governamentais.

* Graduando em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP. Email: <[email protected]>.

2

Existe um princípio da economia que afirma que “o homem é insaciável por sua própria

natureza”. Em rápidas palavras, esse princípio nada mais afirma que o ser humano sempre está

em busca de algo que ainda não conseguiu. No momento em que consegue aquilo que buscava,

cria imediatamente um outro desejo e em busca dele segue. Esse processo ocorre dentro de uma

cadeia de substituição contínua de prioridades, fazendo com que sempre pense em se buscar, ter,

alcançar, conquistar... Assim, criamos um cenário prioritariamente da exigência para com

terceiras pessoas, físicas ou jurídicas, envolvidas no processo, fazendo com que, as vezes, nos

esqueçamos de exigir de nós próprios a nossa participação na conquista, principalmente quando

ela é dissipada por toda a sociedade.

Não nos causa estranheza ouvirmos dos cidadãos, de uma forma geral, constantes

reclamações quando eles são chamados a participarem dos custos do financiamento das despesas

do Estado, principalmente quando não é a ele perceptível o retorno que possa ter pessoalmente.

Por vários fatores construídos ao longo dos tempos, as pessoas são tendentes a associar o seu

desprendimento nos custos com a manutenção do Estado, a desvios desses recursos praticados

por aqueles que detêm e se encontram no Poder.

Pode-se dizer que isso era uma resultante da forma de atuação do Estado que pouco se

importava com a proteção e bem estar da sua população, aliado a forma extremamente coercitiva

da exigência em que a coletividade participasse das despesas. Para os que então detinham o

poder, nada mais importante do que o cidadão destinar parte de sua produção ao ente estatal, por

eles representados, não importando os reflexos que poderiam vir a ter até na sobrevivência

familiar. Daí vir a primeira designação para esse tipo de cobrança estatal que foi o “imposto”,

cujo significado é: “que se impôs; colocado; posto; que se obrigou a aceitar ou realizar”1.

Podemos afirmar, hoje, que a sociedade sofreu grandes transformações fazendo com que

os seus integrantes tenham um elevado nível de conscientização no sentido de fazer exigir do

Estado o retorno, em seu benefício, dos recursos por ele arrecadados, através de políticas

públicas. Embora ainda existam pessoas dentro da esfera do poder, ou mesmo fora dela, que

tenham a visão medieval de se apossar dos recursos públicos em seu favor, isso não poderá servir

de argumento para que não venhamos a participar do rateio das despesas públicas. Devemos sim,

além de darmos nossa parcela de contribuição, exigir desse mesmo Estado, através dos meios

1 HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da

língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1056.

3

legais que nos são postos, que ele crie instrumentos e adote ações para inibir a prática do mau uso

dos recursos públicos, bem como fazer com que os recursos cheguem aos seus cofres sem que

sejam atropelados no meio do caminho por pessoas que deles se apoderam utilizando-se de meios

escusos.

A identificação dos principais práticas ilegais adotadas pelas pessoas com o objetivo de

se eximirem do pagamento dos tributos a que estão sujeitas e obrigadas ao seu pagamento, bem

como a reação legal que o estado brasileiro pode adotar para que se evite essa prática criminosa

que tem seus reflexos em toda a sociedade, é o principal foco que daremos neste trabalho.

2 BREVE HISTÓRICO DO TRIBUTO

No período denominado de pré-história os homens viviam em uma sociedade

desorganizada, morando em cavernas, lutando contra os grandes predadores, o clima, frio ou

quente, e a fome. Viviam do que encontravam na natureza. Não tinham ainda o conhecimento

nem a percepção para produzirem alimentos, fato esse que provocava uma intensa mudança de

moradia sempre em busca de sua sobrevivência e segurança. Eram nômades.

A medida em que esses povos descobriam técnicas de produção agrícola e de

domesticação de animais foram se fixando ao solo, deixando de serem nômades, o que tornava a

terra cultivada objeto de cobiça, gerando assim grandes conflitos pela sua posse. Naturalmente

entre os integrantes das comunidades foram surgindo seus líderes, aos quais todos os demais,

assim como aos deuses, lhes ofereciam presentes de forma espontânea. Esses presentes eram

denominados tributos.

Com a intensificação das guerras entre os povos, o tributo começa a adquirir uma

característica compulsória, tendo em vista que os povos vencidos eram obrigados a entregar aos

vencedores todos os seus bens, quando não a si próprios.

Os Assírios, há 3.000 anos a.C, que era um povo essencialmente guerreiro, pois vivia de

saques, ficaram conhecidos pela sua crueldade com os povos vencidos na exigência dos impostos

e tributos que deveriam ser pagos. Na antiguidade o Rei Davi, embora não tenha construído o seu

reino com base em saques, segue a mesma linha de exigência de tributos dos povos vencidos. Já o

seu sucessor, Salomão, que adotou uma política de expansionismo, se viu obrigado a exigir

4

também uma alta carga de impostos do seu próprio povo, o que causou grande descontentamento

pelo empobrecimento gerado na população.

Sempre na mesma linha de raciocínio de exploração dos povos vencidos, os romanos

consideravam os tributos como sendo uma reparação de guerra, enquanto que os gregos

utilizavam os tributos como um meio de defesa coletiva do seu povo.

Na Idade Média quando prevaleceu o sistema feudal, os servos que habitavam as terras

dos senhores feudais eram obrigados a pagar tributos, que receberam várias denominações (talha,

corvéia, banalidades, etc.), em forma de trabalho e de mercadorias. Na realidade funcionava um

regime de escravidão disfarçada uma vez que quase tudo o que os servos produziam ia para os

senhores feudais, sobrando-lhes apenas um pouco para a sobrevivência da sua família.

Com o início da Idade Moderna se dá a transformação dos feudos em reinados, quando

se tem os primórdios da formação dos Estados atuais. Diante de um comércio em crescimento

cujo monopólio cabia a aliança árabe-italiano (genoveses, venezianos, etc.), os reis, que já se

encontravam fortalecidos, se viram necessitados de financiar os seus projetos de crescimento e

sustentação no poder, o que passava pelas grandes navegações. Foi dessa época que começou a se

cobrar tributos em forma de moeda.

Iniciando-se com uma completa desorganização fiscal, os Estados viram-se obrigados a

desenvolverem políticas com o fim de lhes dá sustentação financeira, o que passava

necessariamente pela instituição de uma estrutura fiscal organizada. E foi nessa linha que temos

nos dias atuais uma completa sustentação dos Estados contemporâneos vinculados a adoção de

uma política fiscal em seus mais diversos aspectos, nas mais contraditórias correntes econômicas,

sejam monetaristas, sejam fiscalistas de controle do superávit fiscal, sejam heterodoxas

Keynesianas de intervenção do Estado na economia, todas elas passam pela política arrecadatória

implementada pelo governo.

O Brasil, onde se implementou inicialmente uma concepção arrecadatória de

transferência de riquezas para a metrópole, foi palco de várias revoltas da população contra os

tentáculos do Leviatã português, pois achavam aqueles que era função da colônia arcar com as

despesas da corte, sem que houvesse contrapartida. Não muito distante daquela época nos

encontramos nos dias atuais, visto que a política exigida pelos organismos internacionais de

estrito controle dos superavit’s primários com o objetivo de se honrar as dívidas da forma que é

exigida, deixa a desejar o retorno aos seus cidadãos, em sentido amplo, dos recursos deles

5

amealhados. Tal qual na época da Conjuração Mineira a população cada vez mais cobra dos seus

governantes o retorno daquilo que eles dispõem ao Estado.

Nesse sentido tem a sociedade o direito e dever de exigir que os recursos arrecadados

sejam melhor utilizados em políticas públicas. Mas, ao mesmo tempo, deve exigir que o Estado

esteja sempre presente no combate àqueles que se utilizam de meios escusos com o objetivo de se

eximirem do pagamento dos tributos a que estão sujeitos, prática essa delituosa com graves

conseqüências para toda a sociedade.

3 ELISÃO, EVASÃO E ELUSÃO FISCAL

3.1 ELISÃO FISCAL (PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO LEGAL)

É fato bastante difundido no meio que as pessoas que figuram no pólo passivo das

relações tributárias devem buscar meios de reduzirem o volume de recursos que terão que

destinar com o pagamento dos tributos a que estão sujeitos. São várias as alegações por eles

utilizadas, que vão desde uma excessiva carga de tributos que onera consideravelmente o preço

final dos produtos, até a propalada má utilização dos recursos arrecadado pelos governos. Na

verdade, seja por qual razão for, o não recolhimento dos tributos utilizando-se de meios

juridicamente tidos como legais, ou ilegais, torna-se fato real no seio da sociedade.

A palavra elisão tem a sua origem no latim, e significa suprimir, eliminar. No sentido da

palavra, utiliza-se a prática da elisão fiscal com o objetivo principal de diminuir o pagamento dos

tributos através da sua supressão ou eliminação. Para os seus defensores, constitui-se em um

direito do contribuinte assegurado pela nossa constituição federal, uma vez que ele está agindo no

seu interesse dentro da lei.

Configura-se Elisão Fiscal a prática de planejamento tributário que, respeitando o

ordenamento jurídico, é utilizado com a principal finalidade de reduzir, ou anular, o resultado

tributário a que está submetido o sujeito passivo da relação tributária. O contribuinte, utilizando-

se dos meios legais evita que o negócio jurídico chegue a gerar a obrigação fiscal e,

consequentemente, nasça a sua obrigação de pagar o tributo.

Em outras palavras, para que seja considerada elisão fiscal a técnica legal terá que ser

utilizada pelo contribuinte antes da ocorrência do fato gerador da obrigação principal, que é quem

6

determina a natureza jurídica do tributo. Por essa razão, a elisão fiscal é considerada nos meios

jurídicos-tributários como sendo lícita.

De uma forma geral considera-se como sendo duas as formas de se praticar a elisão

fiscal, embora sejam elas muito parecidas entre si: a) a decorrente da própria lei; b) a decorrente

de lacunas e brechas existentes na lei. No primeiro caso, pode-se afirmar que a possibilidade de

se praticar a elisão fiscal encontra respaldo na própria vontade clara e consciente do legislador

que oferece a chance do contribuinte ter benefícios fiscais. Nesse caso em algumas situações é

possível que o fato gerador da obrigação tributária venha a ocorrer, e posteriormente seja

afastado, como nos casos de incentivos fiscais para instalação de indústrias em uma determinada

região do país. Já no segundo caso o contribuinte faz a opção de evitar a ocorrência do fato

gerador em uma determinada situação, fazendo com que apareça em situações mais vantajosas

para ele, como, por exemplo, as empresas de prestação de serviços que transferem sua sede para

as cidades cuja alíquota de ISS sejam menores.

Embora seja por muitos considerados como a principal forma de se combater a elisão

fiscal, o parágrafo único do art, 116 do CTN a nosso ver não atende a essa finalidade. Na

realidade, por ser considerado como um meio legal e legítimo de se reduzir a carga tributária a

que o contribuinte está sujeito, não se visualiza meios legais, ou mesmo a necessidade de se

combater a elisão fiscal. Procura-se, sim, identificar se realmente a prática configura-se como

sendo elisiva, caso positivo, aceitá-la, caso negativo, combater por não ser mais considerado

como elisão fiscal, e sim um crime tributário com outra configuração.

3.2 EVASÃO FISCAL (PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ILEGAL)

Outra forma de planejamento tributário que é utilizado pelo sujeito passivo da obrigação

tributária é a Evasão Fiscal, que consiste na utilização de procedimentos que violem diretamente

a legislação fiscal em vigor. Ou seja, o contribuinte se utiliza de meios escusos para se eximir do

pagamento dos tributos por ele devidos, ou mesmo conseguir a sua redução ou o seu retardo.

Trata-se de ação deliberada de confronto com as normas legais, uma vez que o

contribuinte tem consciência de que está praticando atos ardilosos, ou seja, conscientemente e

intencionalmente o contribuinte age em confronto com a Lei. Assim, por se encontrar presente o

elemento intencional caracterizador da ocorrência do dolo, a prática da Evasão Fiscal é

7

considerada como um Crime Contra a Ordem Tributária, levando a responsabilizar pelo

cometimento do crime as pessoas nele envolvidas.

Considerando que a natureza jurídica do tributo é determinada pelo seu fato gerador,

para que seja considerado a ocorrência da evasão fiscal primeiro se faz necessário que haja

ocorrido as situações causadoras do seu nascimento. A partir desse momento, o contribuinte

utiliza-se de técnicas, consideradas escusas, com o objetivo de enganar o fisco no sentido de não

lhe dar conhecimento do nascimento da obrigação tributária, e se der conhecimento que não seja

na sua totalidade. Ou seja, o tributo já é devido, mas o contribuinte deixa de recolhê-lo, recolhe a

menor ou retarda o seu recolhimento, procurando sair da relação tributária então surgida. Sem

conhecimento da existência da obrigação tributária principal fica a Fazenda Pública refém desses

recursos, que, por sua vez, passarão a ser utilizados pelo próprio contribuinte que deu origem à

ilegalidade.

Como exemplo citamos as técnicas mais utilizadas para se praticar a evasão fiscal,

dentre outras, que são a da Nota Fiscal Fria e a da Nota Fiscal Calçada. A Nota Fiscal Fria

consiste na falsificação do próprio documento fiscal, ou seja, é uma nota fiscal legalmente

inexistente, cujos valores nela expressos não serão escriturados na contabilidade da empresa. Já

na Nota Fiscal Calçada quando do seu preenchimento o contribuinte que utiliza talonário coloca

após a 1ª via da nota fiscal a ser emitida algum elemento que impeça que o valor real a ser

registrado seja copiado nas vias seguintes, as quais serão preenchidas posteriormente com valores

menores. Se o meio de emissão de notas fiscais é o eletrônica, o calçamento da nota se dá através

da alteração dos programa do computador. De uma forma ou de outra, o valor a ser escriturado

será sempre os que não constam na 1ª via da Nota Fiscal, ou seja, os menores.

3.3 ELUSÃO FISCAL

Embora ainda não exista uma grande aceitação doutrinária, pois muitos consideram

como sendo situações já presentes tanto na elisão fiscal quanto na evasão fiscal, pode-se

considerar a disponibilidade de mais um instrumento que possa levar a que não haja a subsunção

tributária de um determinado fato gerador. Trata-se da Elusão Fiscal, que para muitos é tratada

como sendo a evasão lícita, e para outros como sendo a elisão ineficaz.

8

Na realidade a elusão fiscal pode ser considerada como sendo um misto entre a elisão

fiscal e a evasão fiscal, visto que em sua essência contem elementos das duas condutas

mencionadas: a licitude e a ilicitude.

Pode-se dizer que o contribuinte não utilizou-se de instrumentos que sejam

essencialmente ilícitos, visto que a sua prática foi se utilizar de situações previstas na legislação.

Mas, uma vez que ele não se encontra no campo instituído pelo ordenamento jurídico, no

momento em que dele faz uso em seu benefício com a contra-partida de prejuízo fiscal para o

Estado, considera-se que se tenha praticado um ato ilícito.

O contribuinte faz simulações através de uma combinação de atos tidos como lícitos,

mas que estão desprovidos de elementos que lhe proporcione uma segurança jurídica, com o

principal objetivo de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Dessa forma

pode-se considerar dois momentos passíveis em que seja praticada a elusão fiscal: antes ou

depois do fato gerador. Em todo caso, havendo conhecimento desse procedimento por parte do

fisco, deve-se proceder com o lançamento de ofício para cobrar totalmente, ou o que falta, do

imposto apurado.

Podemos citar como exemplo o fato de duas pessoas (X e Y) constituírem uma empresa

(A) com capital social na ordem de R$ 300.000,00, com participação de 50% cada um. A pessoa

X integraliza sua parte de R$ 150.000,00 em moeda, enquanto que a pessoa Y integraliza sua

parte através de um imóvel de mesmo valor. Algum tempo depois a sociedade é dissolvida, e na

divisão do capital social o imóvel é destinado ao sócio X e o dinheiro ao sócio Y, o que

caracteriza uma venda de imóvel dissimulada.

A principal de forma de se combater a prática da elusão fiscal é a utilização do previsto

no Parágrafo único do art. 116 do CTN, que, muito embora seja conhecido como uma norma anti-

elisiva, a sua aplicabilidade leva a ser considerada como uma norma anti-elusiva, uma vez que as

situações em que se aplicada a norma jurídica citada leva a conclusão de que o ato praticado não

estava de acordo com o que se pretende alcançar

4 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Para que possamos ter um melhor entendimento das situações previstas pelo legislador

como se tratando de Crimes Contra a Ordem Tributária, necessariamente teremos que recorrer a

conceitos jurídicos específicos de outros ramos do direito, principalmente o Direito Penal.

9

A Teoria do Crime preconiza que para que uma ação seja convertida em delito se faz

necessário a presença de três elementos: o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade,

podendo ele ser conceituado sob os aspectos material, formal ou analítico. É o que temos

conceituado no nosso Código Penal (BRASI, 2013).

4.1 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO

Para que determinado ato praticado pelo agente venha a ser considerado como crime se

faz necessário que tenha ocorrido lesão ao bem jurídico que deva ser protegido pelo Estado.

Dentro de uma visão mais ampla do direito pode-se dizer que existem ilícitos de natureza penal,

civil, administrativa, etc., cujas diferenças da ilicitude podem ser consideradas como inexistentes

entre si. Mas de acordo com Rogério Greco “o ilícito penal, justamente pelo fato de o Direito

Penal proteger os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade, é mais grave". 2

Embora não seja pacífica a identificação do bem jurídico atingido pelo agente que

pratica o Crime Contra a Ordem Tributária, pois a grande tendência é achar que a lesão ocorreu à

Fazenda Pública, e os mais conservadores ainda apontam como sendo o próprio governo a parte

lesada, na realidade o reflexo final se dá na própria sociedade e, notadamente, na população de

mais baixa renda, uma vez que o resultado da arrecadação tributária deve representar uma

distribuição de renda na população, muito embora os resultados das ações do Estado terminem

por atingir todas as camadas da sociedade.

Na estrutura do Estado brasileiro, cabe ao Poder Executivo arrecadar e fiscalizar os

recursos advindos da sociedade. Mas, embora seja precípuo o exercício dessas funções, pode-se

afirmar que os governos não são os possuidores dos bens jurídicos atingidos pelo crime tributário,

pois a eles cabe a função de intermediação entre os agentes sociais com o objetivo de diminuir as

diferenças de condições de vida, e para isso utiliza-se do seu poder coercitivo. Assim, por ser a

sociedade como um todo, e principalmente os integrantes das classes menos favorecidas, os

diretamente atingidos pelo resultado da ilicitude praticada pelo agente quando se utiliza de meios

não convencionais para se eximir do pagamento dos tributos a que estão sujeitos, que

teoricamente não mais lhes pertence, deve o Estado se fazer presente no combate a essa prática.

2 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 139.

10

Pode-se dizer, por fim, que o bem jurídico protegido pelo Estado quando atua no combate as

práticas ilícitas tributárias é o direito difuso da própria sociedade.

4.2 TIPOS PENAIS E LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA: Lei Nº 8.130/90 – art. 1º e 2º - natureza

jurídica

A tipicidade é uma característica comum a toda norma jurídica penal, porque é nela que

se descreve a conduta objetiva ou subjetiva do agente que uma vez praticada constitui uma

antijuridicidade. Intrinsecamente relacionada com o princípio da legalidade, uma vez que deve

necessariamente estar consubstanciada em norma jurídica, teve a sua inspiração em Rousseau e

Beccaria e sua consagração na Declaração dos Direitos do Homem de 1789. Em sua defesa

afirmava Cesare Beccaria que “só as leis podem decretar penas para os delitos, e esta autoridade

não pode ser maior do que a do legislador”.3

No Direito Penal o princípio da tipificação penal é elemento necessário e fundamental na

aplicação da norma. Consagrado na nossa Constituição Federal de 1988, o princípio da

anterioridade conjuntamente com o princípio da legalidade compõem o denominado “princípio da

Reserva Legal”, ao estabelecer no inciso XXXIX do art. 5º que "não há crime sem lei anterior

que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Afirma-se que para que uma ação ou

omissão venha a ser considerada como crime, necessário se faz que exista uma norma anterior ao

fato tipificando-as como tal.

Apesar de ser considerado um Crime Contra a Ordem Tributária, com regência através

de legislação específica, a sonegação fiscal também se sujeita ao Princípio da Reserva Legal, até

porque o resultado proveniente do evento da sua prática necessariamente redundará em

penalidade cuja essência se encontra no Direito Penal. Vale dizer que o fato imponível do crime

de sonegação fiscal interessa tanto ao Direito Tributário quanto ao Penal. Ao primeiro para

legitimar a exigência do pagamento do que fora sonegado, e ao segundo para punir o agente que

praticou a sonegação. O diferencial nesse caso é que, a nosso ver, o bem jurídico lesado tem

natureza supra-individual, é difuso, ou seja, é toda a sociedade, só podendo ser concebido e

entendido sob uma perspectiva comunitária.

3 BECCARIA, Cesare, Dos Delitos e das Penas. 2000. p. 29.

11

No Brasil não é recente a preocupação que se tem em reprimir as condutas que tenham

como finalidade o não recolhimento dos tributos através da utilização de meios ilícitos. O Código

Criminal do Império de 1830, em seu art. 177, representa o primeiro disposit ivo legal que

condena as ações que resulta em não pagamento de tributos ao criminalizar o contrabando e o

descaminho4. No mesmo diapasão, o Código Penal Republicano de 1890 reafirma o conteúdo do

código anterior com respeito ao contrabando, porém dá-lhe uma nova capitulação regrando esses

como sendo Crimes Contra a Fazenda Pública.1

Embora pareça ter uma composição diferente, até porque sofreu fortemente a influência

da corrente individualista, o Código Penal de 1940 dá a prática do contrabando, conforme

previsto no seu art. 334, tratamento parecido com o que constava no Código Criminal do Império

de 1830 (4). Podemos dizer até que houve um retrocesso com relação ao Código de 1890 que

considerou o contrabando como sendo um Crime Contra a Fazenda Pública, ao tratá-lo sob um

ponto de vista do patrimônio individual considerando-o como Crime Praticado Por Particular

Contra a Administração Pública em Geral.

Encontrava-se o Estado brasileiro sem uma legislação específica que tratasse dos crimes

de evasão fiscal, desde a sua tipificação até a estipulação das penas passíveis de serem aplicadas.

Não resta dúvida que com o flanco completamente aberto, se não ocorreu um estímulo, ao menos

facilitou com que houvesse um crescente aumento de evasão tributária, ocasionando sérias

conseqüências nas contas públicas.

Diante dessa situação, e considerando a necessidade de pelo menos inibir a prática de

atos que redundassem em não recolhimento tributário, em 1965 foram editadas as leis Nº 4.357 e

Nº 4.729, que criaram, respectivamente, a figura do crime de apropriação indébita pelo não

recolhimento de impostos (Imposto de Renda, Imposto de Consumo e Imposto sobre valor de

selos recebidos de terceiros, pelos estabelecimentos sujeitos aos regimes de venda especial), a

qual não será tratada neste trabalho, e o crime de sonegação fiscal.

Na análise da Lei Nº 4.729/65 identifica-se que a sua pretensão é tutelar como bem

jurídico o patrimônio público de uma forma geral, uma vez que ela previa a intenção do agente

4 Código Penal de 1940 - Art. 177, Importar ou exportar gêneros, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos

dos que são permitidos, na sua importação ou exportação. Penas – perda das mercadorias ou gêneros, e de multa

igual à metade do valor delles. (BRASIL, 2013)

12

em praticar a ação configurada do crime de sonegação, tendo eleito quatro condutas reprováveis

de redução ou supressão de tributos, e adotando como núcleo a falsidade ideológica

e a falsidade material. Assim, considerava-se configurado o crime de sonegação fiscal se

constatada a presença de qualquer das condutas previstas como forma de eximir-se do pagamento

do tributo, independentemente do efetivo resultado. A esse respeito se posicionou Rui Stoco

quando afirmou que a previsão contida no artigo 1º da Lei Nº 4.729/65 “deixam claro que os

tipos não reclamam a efetiva sonegação do tributo para a consumação, afinal o simples propósito

ou a mera intenção já eram aptos à consumação do delito fiscal”5.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 que traz no seu bojo tanto

questões de cunho liberal quanto social, e passando o Estado brasileiro por séria crise na

economia, foi imperioso que se procurasse instrumentos de estabilização da economia. Passava

também a política brasileira por um período de pseudo-moralização que utilizava como principal

instrumento o poder coercitivo estatal.

Foi nesse cenário que editou-se a Lei Nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que teve

como principal objetivo tratar dos crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as

Relações de Consumo. A nossa ênfase será dada aos dispositivos que tratam dos crimes contra a

Ordem Tributária por ser o objetivo do presente trabalho, e que são definidos nos artigos 1º e 2º

do mencionado diploma legal.

Foi a intenção do legislador colocar em um único diploma legal todas as situações que

caracterizassem crimes contra a Ordem Tributária, fossem eles de natureza material ou apenas de

resultado, exigindo-se, porém, a presença do dolo, por ser um tipo de crime que para que ocorra a

sua configuração se exige a presença do elemento objetivo, ou seja, a vontade de se praticar o

delito.

Dessa forma o art. 1º da Lei 8.137/90 é bastante taxativo na caracterização do crime

contra a ordem tributária. Na redação está patente a exigência da materialização do fato. Ao

sujeito ativo do delito não se faz necessário apenas que tenha tido a intenção de praticá-lo, exige-

se que o crime tenha ocorrido como resposta a uma das ações descritas nos seus incisos. Fica

claro que é a supressão ou redução do tributo o elemento configurador do crime, o tipo penal, que

deve ser apurado através de procedimento administrativo fiscal constituindo definitivamente o

5 STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1997, p. 2087.

13

crédito tributário, que é peça imprescindível para a ação penal, que sem ela não pode ter

prosseguimento, conforme está pacificado pelo STF através da Súmula Vinculante 24, que

estabelece: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos

I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Quando da edição da Lei Nº 8.137/90 muitas questões surgiram a respeito da

interpretação que deveria ser dada ao seu artigo 2º. Por serem nele previstas apenas condutas que,

uma vez praticadas, configuram o crime contra a Ordem Tributária, sem a exigência do resultado,

estaríamos diante de crimes de tipos formais, e não de crimes de tipo materiais descritos no artigo

anterior.

Embora guarde muita semelhança com o que está previsto na Lei Nº 4.729/65, que

definiu os crimes de Sonegação Fiscal, e até entendemos que foi essa a intenção do legislador,

essa concepção é bastante questionada no meio jurídico. A esse respeito o STJ se posicionou

quanto a necessidade da constituição prévia do crédito tributário para que as condutas descritas

no art. 2º da Lei Nº 8.137/90, sejam consideradas fraudulentas. É esse o teor de acórdão do STJ

de relatoria do Ministro Nilson Naves, cuja ementa transcrevemos a seguir:

Ainda que possua natureza formal a prática atribuída ao paciente – aquela descrita no art.

2º, I, da Lei nº 8.137/90 –, em casos tais, de igual forma, o procedimento penal não

prescinde do prévio esgotamento da esfera administrativa, ou seja, também se faz

necessária a constituição definitiva do crédito tributário.” (HC 73.353/RJ, Rel. Ministro

NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 24/11/2008).(BRASIL, 2013)

Assim podemos dizer que atualmente para que se possa considerar caracterizado o crime

contra a Ordem Tributária além da presença do dolo se faz necessário que se prove a

materialização desse crime, ao que se faz através da constituição do crédito tributário através do

lançamento de ofício do que havia sido sonegado, ou ao menos tentado. Ou seja, hoje está

praticamente pacificado que esse tipo de crime é de natureza material.

5 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Em relação às questões tributárias pode-se dizer que a primeira vez em que se tratou da

extinção de punibilidade para os crimes regidos pelas normas específicas se deu através do §1º do

art. 11 da Lei Nº 4.357/64. Embora tratasse especificamente das situações em que se

caracterizasse o crime de apropriação indébita, o dispositivo foi taxativo ao afirmar que se os

14

débitos fiscais fossem recolhidos “antes da decisão administrativa de primeira instância no

respectivo processo fiscal” o fato típico criminal deixava de ser punível.

Posteriormente quando da definição dos crimes de sonegação fiscal através da Lei Nº

4.729/65, esta tratou no seu art. 2º da extinção da punibilidade dos crimes nela previstos, caso

houvesse o recolhimento dos tributos sonegados antes do início da respectiva ação fiscal.

Percebe-se claramente que a intenção do legislador foi o de inibir a própria prática do evento

crime, uma vez que a sua extinção estava vinculada a procedimentos administrativos fiscais, que

iniciados teria o autor que ser incriminalizado se constatada a ocorrência da infração.

Na sequência vieram outros diplomas legais que tratavam especificamente da repressão

a sonegação fiscal, quais sejam o Decreto-Lei Nº 157/67 e Nº 316/67, que, em suma, ampliavam

o prazo para pagamento até a decisão administrativa de primeira instância, sendo que o segundo

se referia ao Imposto Sobre Produtos Industrializados.

Novo tratamento da extinção da punibilidade só veio a ser dado quando da edição da Lei

Nº 8.137/90, que previa, em seu art. 14, a extinção da punibilidade quando o agente efetuasse o

pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive dos seus acessórios (multa e juros), antes

do recebimento da denúncia pelo judiciário. Este foi um dispositivo que durou pouco, pois diante

das várias discussões que surgiram no meio jurídico bem como pelo quadro político institucional

por que passava o país, ele foi expressamente revogado no ano seguinte pelo art. 98 da Lei Nº

8.383.

Com a instituição do Plano Real em 1994, que tinha como principal objetivo o combate

do processo inflacionário através do controle das contas públicas proporcionado, dentre outros

fatores, pelo aumento da arrecadação tributária, e tendo como princípio que o principal objetivo

da política tributária é o processo de financiamento do Estado, e não a criminalização dos seus

agentes sonegadores, a extinção da punibilidade foi retomada através da Lei Nº 9.249, de 26 de

dezembro de 1995, que praticamente reeditou em seu art. 34, o dispositivo legal anteriormente

revogado6. Como vemos, segui-se o mesmo diapasão de considerar como último momento para

que o agente praticante do crime tivesse extinta a sua punibilidade o recebimento da denúncia.

Vasta discussão passou a existir entre doutrinadores no sentido de que a Lei ao afastar o

dolo penal tributário pelo pagamento do “quantum debeatur” em sua integridade não era

6 Art. 34 da Lei N 9.249/95 – Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro

de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou

contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia

15

extensiva aos agentes que apresentassem a vontade de realizar o pagamento mas que, por

condições diversas, não dispusesse de toda a quantia exigida, se dispunha a parcelá-la nas

condições estabelecidas pela legislação fiscal. Embora a administração fazendária,

principalmente a federal, não se dispusesse a aceitar a tese levantada, o judiciário quando

provocado seguia a linha da aceitação, como bem ficou demonstrado em decisão proferida pela

então juíza, hoje ministra do STF, Eliana Calmom, nos seguintes termos: “Proposta de

parcelamento bem anterior à denúncia, mas só deferido em data posterior. Desinfluência do

processo burocrático... Manifestada a intenção de pagar, mesmo parceladamente, antes da

denúncia, extinta está a punibilidade”.7

Várias outras decisões foram proferidas na mesma linha ao que fez com que a

administração fazendária passasse a rever o seu posicionamento sobre o assunto. Primeiramente

de uma forma mais tímida a Lei Nº 9.964/00, em seu art. 15, considerava suspensa a pretensão

punitiva do Estado aos agentes aderentes ao programa de parcelamento nela previsto que

tivessem praticados crime contra a Ordem Tributária8. Para atender os diversos interesses

envolvidos, tanto do governo quanto dos devedores, quando da edição da Lei Nº 10.684, de 30 de

maio de 2003, que diz na sua ementa dispor, também, “sobre parcelamento de débitos junto à

Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional

do Seguro Social”, finalmente assumiu-se, de uma forma bastante ampla, a suspensão da

punibilidade dos crimes praticados contra a ordem tributária e correlatos quando os débitos

fossem parcelados. 9

Atualmente esse regramento está estabelecido nos artigos 68 e 69, e seus parágrafos

únicos, da Lei Nº 11.941, de 27 de maio de 2009, que trata taxativamente das situações em que se

considera extinta ou suspensa a punibilidade dos agentes que praticaram Crimes Contra a Ordem

Tributária, ou a eles correlatos.

7 COSTA, Cláudio. Crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 111. 8 Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137,

de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a

pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no

referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal 9 Art. 9 da Lei Nº 10.684/03 - É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts.

1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos

aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. (BRASIL, 2013)

16

A discussão ainda anda muito longe de terminar sobre a oportunidade e razoabilidade da

edição desses institutos diretamente relacionados com o impedimento da aplicação da legislação

penal àqueles agentes que tenham sonegado recursos públicos.

Duas foram as correntes que claramente se formaram: os que acham que devido a alta

carga tributária o agente quase sempre é forçado a tomar atitudes que se conflitam com a

legislação penal em benefício da sustentação de seus negócios, com reflexos na geração de

empregos, e os que se posicionam firmemente em defesa dos interesses públicos, representados

por uma distribuição de rendas mais equitativa oriunda dos tributos, não se justificando, em

qualquer hipótese, que esses recursos fiquem nas mãos de poucos quando deveria ser gasto com

toda a sociedade.

Não entraremos no foco dessa discussão, mas considerando que o principal objetivo da

administração tributária é trazer para a sociedade aquilo que lhe cabe, não questionando se está

ou não sendo bem aplicado, uma vez que detectada a situação que incorreu o agente em praticar o

Crime Contra a Ordem Tributária, e estando este se dispondo a reparar a situação causadora

daquela infração penal, creio que é muito mais plausível dar a oportunidade de reparação com a

permanência do agente na sociedade do que promover o seu isolamento aplicando pena

meramente exemplificativas, que, tem-se provado, não traz nem a reparação do dano material

nem social do agente, pois nada garante que o mesmo não venha a praticá-lo novamente.

6 REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS

Considerando que os tributos representam um interesse da sociedade, muito embora seja

administrado pelo Poder Público da esfera Executiva, os Crimes Contra a Ordem Tributária são

todos eles de ação penal pública incondicionada, conforme prevê o art. 15 da Lei 8.137/9010.

Assim, por ser o detentor da legitimidade estatal, cabe ao Ministério Público o ajuizamento da

ação penal relativa a esses delitos.

Embora qualquer pessoa possa levar ao conhecimento do Ministério Público a

ocorrência de prática que configurem crime contra a Ordem Tributária, em regra essa

comunicação é feita pelos órgãos estatais responsáveis pela fiscalização tributária.

10 Lei 8.137/90, Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes o disposto no art.

100 do Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (BRASIL, 2013)

17

Com o objetivo de instrumentalizar esse procedimento, a Administração Tributária

Federal instituiu a Representação Fiscal Para Fins Penais (RFPFP). Sendo a fase administrativa

da ação penal, esta só deverá ser elaborada após a constituição do crédito tributário através do

auto de infração.

Apesar de ser o art. 83 da lei 9.430/96 bastante taxativo quanto ao momento do

encaminhamento da RFPFP ao Ministério Público, que será somente “depois de proferida a

decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário

correspondente”11 , contra ele se insurgiu o Procurador-Geral da República por meio da ADIN Nº

1.571-1, alegando que as instâncias administrativas e judiciais eram independentes, e ao vincular

o ajuizamento da ação penal pública incondicionada à prévia comunicação dos agentes fiscais

estava-se violando o art. 129, I, da Constituição Federal. Essa ADIN foi julgada improcedente

pelo STF com o argumento de que o MP pode ajuizar a ação independentemente de receber a

RFPFP, desde que ele tenha conhecimento, por quaisquer outros meios, do lançamento definitivo

do crédito tributário.

Atualmente a RFPFP, no que se refere ao previsto nos artigos 1º e 2º da Lei Nº 8.137/90,

é disciplinada pela Portaria RFB Nº 2.439, de 21 de dezembro de 2010, a qual determina que em

se constatando indícios da prática de Crimes Contra a Ordem Tributária ou de apreensão de bens

sujeitos à pena de perdimento, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá formalizar a

mencionada representação em autos apartados do processo administrativo fiscal.

Quanto ao momento da sua formalização, a Receita Federal está em completa sintonia

com a orientação do STF ao condicionar expressamente o encaminhamento da RFPFP ao

Ministério Público a decisão final administrativa confirmando o crédito tributário e o seu

respectivo pagamento ou parcelamento. Essa posição do órgão fiscalizador leva em consideração

o entendimento de que os crimes tributários como previstos na Lei Nº 8.137/90 são de natureza

material, visto que depende do seu efetivo resultado.

11 Lei 9.430/96, art. 83 - A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária

previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social,

previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será

encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a

exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010) (BRASIL,

2013)

18

7 CONCLUSÃO

É indiscutível que o Estado brasileiro adotou uma política tributária que se tornou

bastante onerosa para a população, a qual foi plenamente intensificada durante a década de 1990,

cujo principal objetivo era o de alcançar o superavit primário determinado pelos organismos

credores internacionais do Brasil, passando por um arrocho das constas públicas bem como pelo

aumento da arrecadação tributária, o que fez com que a carga tributária fosse elevada de cerca de

25% do PIB no início, para aproximadamente 37% no final da década.

Se comparada com a carga tributária de países tidos como desenvolvidos, tipo Suécia,

Suiça, e Japão, chegaremos à conclusão de que a carga tributária brasileira não é das maiores. A

diferença se encontra exatamente no retorno propiciado pelo Estado arrecadador a grande massa

de contribuintes. No Brasil, nunca antes, e atualmente com menor discrepância, o produto da

arrecadação foi direcionado para se manter um equilíbrio maior entre os integrantes da sua

população com adoção de políticas públicas de inclusão social, com investimentos nas áreas de

saúde, educação e segurança como prioridade.

Mesmo diante desse cenário nebuloso de seriedade no trato da coisa pública poderá isso

servir de argumento justificativo para que parte da população se aproprie do que pertence a toda a

sociedade utilizando-se de meios ardilosos. Nesse ponto acertou o legislador ao instituir

instrumentos legais de penalização dos agentes que não querem participar do financiamento do

Estado brasileiro e, ainda por cima, ficar o que não lhe pertence, quando não subtraído de outrem

no momento em que assume a posição de substituto tributário.

Apesar de defender a rigidez na aplicação da legislação quando se trate da prática do

crime contra a Ordem Tributária, temos que levar em consideração qual o principal objetivo da

política tributária: trazer aos cofres públicos aquilo que lhe cabe ou colocar em recintos prisionais

aqueles que em um determinado momento infringiu dispositivo legal mas se dispõe a fazer a sua

total reparação? Não existe erro insanável. O resultado do erro pode até ser insanável, mas o erro

sempre poderá ser sanado. Todos merecem oportunidades na vida, mesmo quando agem de forma

intencional na prática de uma ação conflitante com as normas legais.

A doutrina brasileira com relação ao Direito Penal, na sua essência, adotou a teoria mista

unificadora. Mas em matérias específicas é fácil constatar a adoção de outras teorias, como é o

caso da Lei dos Juizados Especiais que adota a Teoria Retributiva, cuja finalidade é a reparação

19

do dano. A nosso ver, o legislador ao criar os diversos institutos relativos ao direito penal

tributário se baseou na Teoria Retributiva pois, ao oportunizar o agente infrator a corrigir o seu

erro com o pagamento integrar do que havia sido sonegado do Estado, está pensando, acima de

tudo, na reparação do dano como fator principal para extinção da relação penal então

estabelecida.

ABSTRACT

From the earliest times when men were living in the community, the need of mechanisms to

finance to promote their protection. Over time the state has evolved, and today the main function

of maintaining social equilibrium, which passes through the income distribution, which is given

through a tax policy. From this perspective, it is society itself as the legal interest protected by the

state to combat the Crimes Against Tax Order, whose situations configuradoras were established

by Law No. 8.137/90.

Keywords: Tax Crimes. Tax law. Tax order

REFERÊNCIAS

BASTOS, Roseli Quaresma. Elisão e evasão fiscal: Os limites do planejamento tributário.

Âmbito Jurídico.com.br. Disponível

em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=

8325>. Acesso em: set. 2013.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2000. p. 29.

BOTELHO, Paula de Abreu Machado Derzi. Sonegação fiscal e identidade constitucional.

Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

BRASIL. Código Penal. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del2848.htm>. Acesso em: set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SEXTA TURMA. HABEAS CORPUS 73.353/RJ, Rel.

Ministro Nilson Naves. Impetrante: Maria Elizabeth Queijo: Eduardo Medaljon Zynger: Tiago

Oliveira de Andrade: Daniela Truffi Alves De Almeida Paciente: Joao Batista de Almeida Assis.

Advogado: Maria Elizabeth Queijo. Impetrado: Juízo Federal da 1 Vara De Campinas julgado em

06/05/2008, DJe 24/11/2008. Publicação 08/03/2010. Disponível em: <http://trf-

20

3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8161680/habeas-corpus-hc-200803000187583-

20080300018758-3/decisao-monocratica-13447168>. Acesso em: set. 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

COSTA, Cláudio. Crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

CRIMES Contra a Ordem Tributária Lei (8137/90). Leiout Artigos e Notícias do Mundo

Jurídico. Disponível em:<http://leiout.com.br/post/11640047297/crimes-contra-a-ordem-

tributaria-lei-8137-90>. Acesso em: set. 2013.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.

Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

LOBATO, Vinícius Couto. Crimes tributários: breves considerações. Disponível

em:<http://www.lfg.com.br.>. Acesso em: 28 set. 2008.

MARQUES, Rogério Cesar. O Parágrafo único do Artigo 116 do CTN e a Simulação em Matéria

Tributária. Disponível em:<http://www.apet.org.br/artigos/imprimir.asp?art_id=1384>. Acesso

em: set. 2013.

NERY, Déa Carla Pereira. Teoria da Pena e sua finalidade no direito penal brasileiro. Disponível

em:<HTTP://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2146>. Acesso em: jul. 2013.

SILVA, Marcos Antonio Duarte. Crimes contra a ordem tributária e contra o consumidor. Juris

Way, 2009. Disponível em:<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1425>. Acesso em

set. 2013.

STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.