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FACULDADES INTEGRADAS DE TAQUARA
CURSO DE PSICOLOGIA
MATERNIDADE OU PATERNIDADE: OS ASPECTOS PSÍQUICOS DA
HOMOPARENTALIDADE MASCULINA
Taquara
2013
�2
MATERNIDADE OU PATERNIDADE: OS ASPECTOS PSÍQUICOS DA
HOMOPARENTALIDADE MASCULINA
Autor
DIEGO DE VARGAS DALTOÉ
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profª. Me. Paula Kegler
Orientadora
_____________________________________
Profª. Drª. Simone Jung
_____________________________________
Profª. Me. Silvia Dutra Pinheiro Coiro
Taquara, 12 de dezembro de 2013.
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MATERNIDADE OU PATERNIDADE: OS ASPECTOS PSÍQUICOS DA
HOMOPARENTALIDADE MASCULINA 1
Diego de Vargas Daltoé ² Paula Kegler ³
RESUMO A família contemporânea tem passado por complexas mudanças, uma delas diz respeito à configuração homoparental. Considerando essa realidade, o presente trabalho, de caráter qualitativo, buscou investigar os aspectos psíquicos envolvidos na constituição da homoparetalidade em homens homossexuais. Os dados resultantes da pesquisa foram coletados por meio de uma entrevista semi-estruturada e um questionário sociodemográfico, posteriormente tratados pelo método de Análise de Conteúdo. Participaram do estudo cinco homens homossexuais com idades entre 26 e 29 anos, sem filhos, engajados em um relacionamento estável. Como resultados, obteve-se características referentes à vivência da homossexualidade, das relações edípcas experienciadas e propriedades da parentalidade homossexual, nas quais observou-se a presença de uma mãe suficientemente boa contemporânea, flexibilidade dos papéis parentais, reparação da história individual como filho e acesso à heteronormatividade.
Palavras-chave: Homossexualidade. Homoparentalidade. Família contemporânea.
INTRODUÇÃO
A cada dia que passa a família contemporânea vivencia diferentes configurações no
exercício da parentalidade. A homoparentalidade é um novo formato familiar, o que torna
imprescindível a direção da atenção acadêmica à essas relações ainda pouco conhecidas e
compreendidas, tanto pela população científica, como também, pela cultura em geral (NETO,
2010). Assim, um dos principais interesses da comunidade científica sobre essa modalidade
de família diz respeito à diferenciação sexual dos futuros e atuais pais homossexuais, pois o
modelo conhecido pela sociedade ainda é o patriarcal, constituído por um homem e uma
mulher com vistas à procriação, evidenciando a necessidade da criação de uma ética que trate
desses sujeitos (PASSOS, 2005). Dada essa realidade, a homoparentalidade masculina ainda é
¹Artigo de Pesquisa apresentado ao Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT) como requisito para aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão II, dez./2013. ²Psicólogo, Mestrando em Psicologia Clínica (UNISINOS). Email: [email protected] ³Psicóloga, Mestre em Psicologia (PUCRS), Doutoranda em Psicologia (PUCRS), Professora Orientadora e Docente do Curso de Psicologia da FACCAT. Email: [email protected]
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bastante desconhecida, pois a maioria das famílias homoparentais são formadas por mulheres
homossexuais (GATO; FONTAINE, 2010).
No Brasil, ainda há carência de dados precisos concernentes às famílias
homoparentais. O último censo realizado no país não apresentou registros de filiação
homoafetiva, contudo, apontou mais de 60 mil casais homossexuais, sendo 47% desses
formados por homens. Até o momento da pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2010), 99,6% das uniões declaradas não possuíam reconhecimento civil,
já que o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo, a ADI nº4277, foi julgada e
declarada pelo Supremo Tribunal Federal somente em 05 de maio de 2011 (BRASIL, 2011).
Atualmente, a comunidade gay vivencia um dos maiores marcos históricos
relacionados aos seus direitos. No dia 14 de maio de 2013 foi sancionada pelo Conselho
Nacional de Justiça a Resolução nº175 que aprova o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo. Esse fato retira os homossexuais da clandestinidade e reconhece suas relações afetivas
da mesma forma que as heterossexuais, admitindo perante o estado como família a união de
gays e lésbicas, tendo esses adquirido, também, o direito pleno de adoção (BRASIL, 2013).
Tal fato corrobora positivamente para uma cultura de igualdade e evidencia a atenção para
uma subjetiva e familiar pertinente à contemporaneidade.
Indo ao encontro do desconhecido, percebe-se, ainda, um grande interesse da mídia
acerca das relações homossexuais e, em particular, sobre as famílias homoparentais. Ao longo
do ano corrente emissoras de televisão, de âmbito nacional e internacional, exibiram
programas nos quais a homoparentalidade está inserida em suas histórias, demonstrando a
hodiernidade do tema. Assim, diante dessa carência de estudos sobre a homoparentalidade,
em especial a masculina, optou-se, no desenvolvimento deste trabalho, realizar uma
investigação a respeito dos aspectos psíquicos envolvidos na constituição da
homoparentalidade em homens homossexuais.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Uma Compreensão Psicanalítica da Homossexualidade
Na proposta de abordar a temática da homossexualidade, optou-se por realizar a
compreensão de alguns conceitos-chave do referencial psicanalítico a fim de fundamentar a
discussão. Usado para caracterizar um objeto de difícil alcance para o sujeito, o desejo se
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mostra quando um indivíduo busca algo que lhe é faltante. Mesmo que se configure como
uma energia que mobiliza o sujeito em direção à satisfação, sua gratificação total é remota.
Dotado de um caráter mnêmico, o desejo pode ser compreendido como uma memória
gratificante cuja atualização continua persistindo. Assim, quando deparada às suas faltas, uma
pessoa passa a procurar por satisfação, surgindo, dessa forma, o desejo, que, por sua vez,
poderá ser realizado por meio de uma fantasia (ZIMERMAN, 2012). A fantasia, um fenômeno
inconsciente, pode ser caracterizada como uma grande simulação psíquica que tem como
objetivo satisfazer um desejo não passível de satisfação real. Ao gratificar vontades
inconscientes, a fantasia ameniza os conflitos internos advindos da impossibilidade de
realização da satisfação desejada (NASIO, 2007). É essa realidade psíquica, ou fantasia
inconsciente, que determina como o eu se relaciona com outro (COSTA; RINALD, 2007).
Dessa forma, a fantasia é o principal instrumento que a criança utiliza para estruturar
seus desejos incestuosos decorrentes do Complexo de Édipo. Dada a impossibilidade da
realização de uma cena erótica inconsciente, a criança descarrega a energia psíquica e elabora
de forma satisfatória o conteúdo edípico. Pode-se dizer, ainda, que o Complexo de Édipo é em
sua totalidade uma grande fantasia de realização e satisfação de desejos dirigidos aos pais e
aos significados e símbolos que esses representam para a criança (BARRETTA, 2012).
Assim, a vivência edípica e sua inscrição simbólica demarca a realidade psíquica e a
configuração das relações objetais.
Para Quinidoz (2004) a homossexualidade masculina, então, pode ser entendida como
uma escolha objetal narcísica. Dada a identificação do menino com sua mãe, esse terá o amor
de sua genitora refletido sobre ele mesmo. Tomar a mãe como objeto de identificação
proporciona ao homem amar a si mesmo da mesma forma que a mãe o ama. O homossexual,
então, dirige seu afeto a outros homens na tentativa de amá-los como sua mãe o amou,
espelhando, novamente, o afeto de sua mãe sobre ele. Percebe-se, aqui, a presença de um
Complexo de Édipo invertido, que é quando o filho passa a reagir de forma passiva - chamada
de posição feminina - à castração do pai, identificando-se com a mãe e dirigindo suas
fantasias incestuosas ao pai (QUINIDOZ, 2004).
Seja qual for a gênese edípica da homossexualidade masculina, o homem adulto dirige
seu desejo e afeto a outros homens na tentativa de preservação do falo. Essa preservação
existe por meio da rejeição do genital feminino, que ativa as angústias de castração, pois o
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órgão feminino é tido como símbolo da castração. E, sendo o significado simbólico do pênis
tão importante, é necessário que o parceiro sexual também o tenha, já que um sujeito sem este
órgão desperta afetos altamente angustiantes (FENICHEL, 2004). Assim, uma mãe fálica,
representante do superego, uma genitora simbiotizada ou um pai cruel/distante, podem ser
fatores decisivos na construção da homossexualidade masculina, pois permitem que o filho
goze plenamente do falo a ponto de o menino não abdicar do mesmo em suas relações
afetivas (FOGUEL, 2005). Para as mulheres, sujeitos sem pênis e, portanto, desprovidas do
poder simbólico do falo, o desejo de possui-lo fica marcado até o nascimento de um filho.
Pode-se dizer, com isso, que com a maternidade a mulher se aproxima de uma vivência de
plenitude narcísica, pois a criança é o equivalente simbólico a esse falo, representando a
conquista do poder até então atribuído ao masculino. Então, um homem homossexual temente
à castração também o deseja possuir, pois um filho é uma garantia simbólica de completude e
preservação do próprio falo (SIGAL, 2009).
1.2 Sobre a Homoparentalidade
Advinda do termo “parente”, parentalidade designa uma relação de vínculo familiar
relativa, ou igual, a pai e mãe (CERVENY, 2006). Homoparentalidade, então, é o exercício
parental de homossexuais (ROTENBERG; WAINER, 2007).
Um dos princípios fundamentais na constituição de uma família e sobre a qual se tem
bastante atenção em estudos de pais ou mães homossexuais, diz respeito à diferenciação
sexual. Tais princípios geram padrões relacionais muito diferentes da família dita tradicional,
constituída pelos padrões patriarcais. Outro aspecto importante é a clandestinidade em que
vivem pessoas homossexuais, demonstrando o intenso preconceito pelo qual ainda passam
esses indivíduos, sobrevivendo ao medo de declarar ou “nada a declarar” diante uma cultura
repressora e persecutória, na qual a homossexualidade é vista como vergonhosa. Assim, deve-
se levar em conta uma ética na qual se considera um contexto familiar baseado nos laços de
afeto e, para isso, se faz necessário deixar de lado as leis que fundamentam a ordem familiar
patriarcal (PASSOS, 2005).
Com base nos estudos de Passos (2005), o primeiro desafio pelo qual passam casais
homossexuais, depois de revelada e aceita sua orientação sexual por amigos e familiares, diz
respeito à concepção do filho. A autora cita quatro possibilidades de composição familiar
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homoparental, são elas: 1) quando um dos membros do casal traz, de um relacionamento
heterossexual anterior, um filho; 2) a co-parentalidade, na qual um dos membros gera um
filho com outro indivíduo, não necessariamente homossexual, e este filho passa a fazer parte
do núcleo parental de um dos pais biológicos; 3) a adoção, legalizada ou não e 4) a
possibilidade de inseminação artificial com óvulo doado e uma mãe substitutiva que gera um
filho com o sêmen de um dos parceiros homossexuais (PASSOS, 2005).
Para Vieira (2011) a parentalidade se dá por meio da imaginação e do simbólico dos
pais, que irão investir energia em seu filho a partir de suas concepções e experiências,
erogenizando-o e tornando-o um indivíduo desejante. De acordo com Oliveira e Maia (2009),
as funções parentais não são determinadas pela sexualidade orgânica mas, sim, pela posição
de cada sujeito que as assume. Essas funções de pai e mãe não mais dizem respeito ao sexo
biológico dos pais, podendo esses nem ocupar tais papéis e sim, irmãos ou pessoas próximas à
criança. Pode-se dizer que, na atualidade, mãe é aquele sujeito que ama incondicionalmente e
pai é aquele que, mesmo amando, impõe limites e exerce o papel castrador (NETO, 2010).
Assim, a existência de um pai e de uma mãe não necessita de um homem e uma
mulher, pois tais funções se estruturam por meio de uma construção simbólica do sujeito que
deseja exercer a parentalidade. Para a criança, é imprescindível a presença de figuras que a
desejam e lhe forneçam os recursos necessários para a sua sobrevivência, tanto do ponto de
vista material quanto psíquico. Assim, as famílias homoparentais se constituem do desejo de
parentalidade existente, logo, pai é o sujeito que exerce a função paterna e mãe é o que exerce
a função materna, indiferente do sexo (FÉRES-CARNEIRO, 2007).
2 MÉTODO
De caráter qualitativo, essa pesquisa buscou entender um fenômeno específico em
profundidade, descrevendo e analisando os dados coletados (CRESWELL, 2007). Esta
modalidade metodológica não busca quantificar um dado, mas sim interpretá-lo, pois almeja a
coleta de informações de ordem psíquica, que não seriam alcançadas por meio de outros
métodos (STRAUSS; CORBIN, 2008).
2.1 Participantes
Participaram do presente estudo cinco homens homossexuais com idades estabelecidas
entre 20 e 30 anos, em um relacionamento estável com duração mínima de dois anos anos,
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sem filhos e com desejo de tê-los; residentes na região metropolitana de Porto Alegre e da
serra gaúcha. Tais participantes foram incluídos na pesquisa por conveniência (HULLEY et
al., 2008) e a quantidade de sujeitos foi determinada pelo método de amostragem
discriminada (STRAUSS; CORBIN, 2008).
2.2 Instrumentos
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados desse estudo foram uma entrevista
semi-estruturada - composta por questões norteadoras - e um questionário sociodemográfico,
ambos elaborados especialmente para essa investigação. A modalidade de entrevista semi-
estruturada caracteriza-se pela existência de um roteiro de perguntas previamente preparado
que serve como um guia orientador durante a entrevista (COSTA, ROCHA, ACÚRCIO,
2004). Já o questionário sociodemográfico serviu-se para caracterizar a população que
participou da pesquisa (HULLEY et al., 2008).
2.3 Procedimento para coleta de dados
Primeiramente, o projeto desse estudo foi submetido à avaliação e aprovação do
Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas de Taquara (processo número 463).
Posteriormente, a pesquisa foi anunciada em páginas do Facebook, por meio de um flyer
eletrônico, onde os interessados em participar fizeram contato com o pesquisador: os cinco
sujeitos que atenderam aos critérios de inclusão do estudo foram contatados e incluídos na
amostra. Assim, foram realizadas combinações sobre data e hora para explicação da pesquisa,
leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após esse
momento, iniciou-se a aplicação dos instrumentos (entrevista semi-estruturada e questionário
sociodemográfico) que juntos duraram, em média, 50 minutos e foram gravados em áudio
para posterior transcrição. Vale lembrar que a pesquisa foi guiada pelos preceitos éticos da
resolução do Conselho Nacional de Saúde nº466/2012 (Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos), que garante autonomia, não
maleficência, justiça e beneficência, assegurando direitos e deveres dos participantes e
pesquisador (BRASIL, 2012).
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2.4 Procedimentos para análise de dados
Os dados foram analisados, de forma qualitativa, por meio da Análise de Conteúdo de
Bardin (2002). Esse modelo é utilizado para estudar e analisar o material qualitativo,
buscando uma melhor compreensão do conteúdo latente do discurso, extraindo os aspectos
mais significativos a partir dos seguintes passos: pré-análise, exploração do material e
tratamento dos resultados (BARDIN, 2002).
3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Inicialmente será apresentada uma breve caracterização dos sujeitos que participaram
dessa pesquisa, a fim de possibilitar a melhor compreensão dos resultados. Isto posto,
percebe-se que a idade dos participantes ficou na faixa entre 26 e 29 anos, tendo esses, pelo
menos, o ensino superior completo e situação financeira estável. Observou-se que a renda
mensal média dos participantes era de R$ 3.120,00, e o tempo de relacionamento médio foi de
5 anos e 1 mês. Assim, sugere-se que os sujeitos dessa amostram sejam pessoas de classe
média, já presentes em um relacionamento duradouro e bem instruídas intelectualmente.
Como pode ser observado no quadro abaixo:
Quadro 1: Dados Sociodemográficos.
A partir da Análise de Conteúdo de Bardin (2002) dos dados obtidos por meio das
entrevistas realizadas, foram criadas unidades de registro a fim de dar sentido ao discurso dos
participantes e, logo, foram agrupadas em nove subcategorias elaboradas através do
significado dessas unidades. Dessa forma, três categorias foram formuladas de forma a
agrupar os resultados obtidos, aglutinando os conteúdos em comum advindos do discurso dos
participantes. O tratamento dos dados pode ser observado no quadro a seguir:
Participantes Participante 1 Participante 2 Participante 3 Participante 4 Participante 5Idade 26 anos 26 anos 29 anos 29 anos 28 anos
Estado Civil União Estável União Estável Solteiro Solteiro União EstávelTempo de
Relacionamento 2 anos 2 anos 7 anos e 8 meses 8 anos 6 anos
Escolaridade Ens. Superior Completo Pós-Graduação Pós-Graduação Pós-Graduação/
MestradoEns. Superior
Completo
Profissão Farmacêutico Fonoaudiólogo Professor (anos iniciais)
Professor (universitário)
Analista de Mídias Sociais
Renda Mensal R$ 2.900,00 R$ 3.000,00 R$ 4.000,00 R$ 3.000,00 R$ 2.700,00
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Quadro 2: Descrição das Unidades de Registro, Subcategorias e Categorias referente aos aspectos psíquicos da homoparentalidade masculina obtidos por meio da amostra estudada.
A primeira categoria - Vivência da Homossexualidade - foi dividida em duas
subcategorias referentes ao estágio de desenvolvimento em que se deram. A subcategoria
Infância e Adolescência diz respeito às experiências mais significativas decorrentes das
vivências da homossexualidade e o manejo dessas nessa etapa da vida dos entrevistados:
UNIDADES DE REGISTRO SUBCATEGORIAS CATEGORIAS
Jogos Sexuais Homossexuais; Experiência Heterossexual Prévia;
Descoberta Precoce da Homossexualidade; Negação da Homossexualidade; Reclusão;
Busca de Aceitação Social; Medo; Confusão; Ideia de Contaminação;
Infância e Adolescência
Vivência da Homossexualidade
Aceitação da Homossexualidade; Alívio; Identificação com o
Feminino; Ideia de Diferença;Adultez
Apoio Incondicional; Identificação com a Figura Materna; Mãe
Suficientemente Boa Contemporânea;
Figura Materna
Relações Edípicas
Pai Distante; Pai Tirânico; Disputa pela Mãe; Relação Conflituosa;
Ideia de Desapontamento.Figura Paterna
Apoio Incondicional; Carinho; Amor Incondicional; Cuidado;
Sustentação Emocional; Abdicação Pessoal;
Função Materna
Homoparentalidade Masculina
Pragmatismo; Ensino; Provedor Financeiro; Função Paterna
Acesso à Heteronormatividade; Flexibilidade das Funções
Parentais; Naturalidade das Funções Parentais; Aspiração de
Parentalidade Melhor Desenvolvida;
Família Homoparental Masculina
Identificação com a Função Materna; Atualização da
Maternagem Recebida; Exercício da Paternagem não Vivenciada;
Reparação da Paternagem Experienciada; Intenção Construída
desde a Infância;
Paternidade Homoparental
Transmissor de um Legado; Reconstrução da Própria História
como Filho; Etapa da Conjugalidade; Segurança na
Velhice; Atualização dos sentimentos de Preconceito; Falo;
Amor Incondicional;
Significado do Filho(a)
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Jogos Sexuais Homossexuais, Experiência Heterossexual Prévia, Descoberta Precoce da
Homossexualidade, Negação da Homossexualidade, Reclusão, Busca de Aceitação Social,
Medo, Confusão e Ideia de Contaminação.
De acordo com Maia (2005), percebe-se que as crianças, muito precocemente,
manifestam sua sexualidade a partir do brincar, como forma de descoberta do corpo dos
demais e do seu próprio. Esses jogos sexuais se dão por meio do toque e de brincadeiras como
a de “médico”, por exemplo, por meio da qual as crianças exploram o universo do gênero e da
sexualidade. Meninos, comumente, surgem nesse campo com ações do tipo “lutinha” ou, até
mesmo, masturbação junto de outros garotos. Tais jogos sexuais homossexuais ainda são
exploratórios nessa fase do desenvolvimento, pois dão condição às crianças de se
experimentarem e se reconhecerem como sujeitos sexuais (MAIA, 2005). Ainda que estes
fenômenos sejam característicos da infância e comum na vida de muitas pessoas, os
participantes da pesquisa se referem a eles relacionando-os à construção de sua condição
homossexual, tal como pode ser observado na fala do Participante 4: “Tive na infância
algumas experiências com meninos da minha idade. Umas coisas bem de toque, tipo lutinha:
pegar aqui, pegar alí, meio sem querer”.
O discurso dos participantes revelou aspectos negativos relacionados à vivência da
homossexualidade na infância e na adolescência. Sentimentos hostis e de inadequação,
advindos de demandas sociais externas, resultaram na tentativa de negação da orientação
sexual desses, propiciando confusão sobre quem eram e medo do que isso representava ser.
Santos (2008) diz que o conflito da homossexualidade no adolescente surge a partir dos
preconceitos dos adultos para com essa: “São os significados que a manifestação da
homossexualidade tem para os adultos que geram a dor e o sofrimento para ele” (SANTOS,
2008, p. 9).
As falas dos sujeitos pesquisados ilustram a cena supracitada:
“Um tempo atrás, isso para mim seria um desespero. Inclusive, um tempo atrás,
quando alguém me dizia assim: 'Nossa, mas tu não pareces gay!' Isso para mim era um
elogio. 'Que bom, estou escondendo bem'” (Participante 3).
“Eu sentia medo, bastante medo. Tentava evitar qualquer suspeita (...) O principal era
esconder, não deixar ninguém desconfiar. E manter escondido para mim. Isso me machucava
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muito. Me machucava muito, foi bem difícil. Eu praticamente não tive vida
social” (Participante 1).
Sabe-se que a infância e a adolescência são momentos da vida caracterizados pelo ato
de desvendar o corpo e a sexualidade, o que pode, muitas vezes estar acompanhado de
angústia frente ao desconhecido. Na perspectiva dos entrevistados neste estudo, pode-se
perceber que o deparamento com a homossexualidade foi acompanhado de grande pesar.
Alguns participantes chegaram a ter experiências heterossexuais prévias, na tentativa de não
confirmar a sua identidade homossexual, o que revela a vivência conflitiva presente neste
contexto.
Por outro lado, a subcategoria Adultez compreende as resoluções das conflitivas da
fase anterior. Observou-se, nos sujeitos entrevistados, uma maior Aceitação da
Homossexualidade, o Sentimento de Alívio, Identificação com o Feminino e Ideia de
Diferença. Andrade e Ferrari (2009), sugerem que, na modernidade, o homossexual jovem
adulto supera o paradigma social de preconceito e vai em busca de sua realização pessoal.
Esse fato acontece pela ruptura do silêncio de sua sexualidade e pela consciência de seu lugar
na comunidade, buscando reconhecimento, respeito dos demais e evidenciando sua
diferenciação sexual frente à heteronormatividade (ANDRADE; FERRARI, 2009).
O Participante 2 relata o acontecimento dessa etapa aos 24 anos: “Bom, o que é que
me prende? (...) Eu acabei me dando conta que nada me prendia, e que isso era uma coisa só
da minha cabeça. Então foi quando eu me assumi homossexual”. Da mesma forma, o
Participante 5 revela: “Desde sempre eu tive muito mais amigas do que amigos. Eu queria
brincar de ser o Ken, a Barbie, não de carrinho! (...) Então, eu sempre me dei muito melhor
com mulheres”. Assim, sugere-se que ao chegar na idade adulta, as pressões do ambiente
externo relacionadas à homossexualidade e internalizadas a partir de significados hostis,
deram espaço a um manejo menos doloroso e mais adequado da orientação homossexual.
A segunda categoria - Relações Edípicas - resultou em duas subcategorias: Função
Materna e Função Paterna, as quais discorrem sobre a relação dos participantes com os seus
pais. Na subcategoria Função Materna, obteve-se conteúdos relacionados à figura da mãe:
Apoio Incondicional, Identificação com a Figura Materna e Mãe Suficientemente Boa
Contemporânea.
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Winnicott (1990), caracteriza a mãe suficientemente boa como um sujeito capaz de
atender, com suficiência, todas as necessidades do seu filho. No entanto, essa figura materna
também é provida de um caráter castrativo, pois ainda que ame o seu filho, deve frustrá-lo
(WINNICOTT, 1990). Contudo, os autores Grando, Katzwinkel e Braz (2012) definem a mãe
suficientemente boa na contemporaneidade como aquele sujeito dotado de habilidades
capazes de atender completamente as demandas de seu filho nas diversas etapas da vida
desses. A mãe contemporânea, ao oferecer um ambiente afetuoso e protegido aos filhos, torna-
os indivíduos amados e saudáveis (GRANDO; KATZWINKEL; BRAZ, 2012). Essa figura
materna boa o bastante na modernidade pode ser identificada na fala do Participante 5,
quando relata as ações de sua mãe frente a sua homossexualidade: “Minha mãe foi super
aberta, é até hoje. Ela já foi até em festa GLS comigo (...) Como ela sabe da minha
orientação, às vezes ela consegue fazer cosas para me ajudar, mais do que ela faria não
sabendo”. O mesmo ocorre no discurso do Participante 3: “Parece que ela tinha lido o
manual do que fazer quando seu filho revelar que é homossexual”. Instila-se, a partir dos
dados, que os participantes experimentaram, e ainda experimentam, mães suficientemente
boas contemporâneas, capazes de amá-los incondicionalmente e, por isso, a identificação
desses para com suas mães.
Os achados dessa subcategoria vão ao encontro do que Quinidoz (2004) discorre sobre
a homossexualidade: frente à identificação do menino com a sua mãe, esse terá o amor dela
refletido sobre ele mesmo. Assim, o homossexual dirige seu afeto a outros homens na
tentativa de amá-los como sua mãe o amou, espelhando, novamente, o afeto de sua mãe sobre
si (QUINIDOZ, 2004). No entanto, uma mãe fálica que não deixa o pai entrar na relação com
seu filho, atuará como a instauradora do superego do menino, assim, a aliança esperada do
garoto com o seu pai não acontecerá e o resultado será a identificação do filho com a mãe
(ZIMERMAN, 2001).
Assim, identificou-se, nas entrevistas realizadas com os participantes a construção da
subcategoria Função Paterna, mediante a qual os significados provenientes da relação dos
participantes com seus pais foram: Pai Distante, Pai Tirânico, Disputa pela Mãe; Relação
Conflituosa e Ideia de Desapontamento. Para Zimerman (2001), a homossexualidade tem sua
gênese no Complexo de Édipo Invertido e o desenvolvimento desse acontece, entre outras
formas, a partir desta presença de uma figura paterna ausente e tirânica (ZIMERMAN, 2001)
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Observa-se, nos dados coletados, a presença dessa paternagem conflituosa:
Participante 2 “É uma relação distante. É uma pessoa que não se fez presente na minha vida,
significativamente e positivamente. As memórias que eu tenho da relação com o meu pai são
sempre memórias negativas, coisas ruins (...) O meu pai foi a primeira pessoa que disse que
eu era gay, quando eu nem sabia o que era ser gay”. Tal conteúdo se repete na fala do
Participante 3: “A impressão que eu tinha é que ele chegava em casa procurando coisas
erradas. Então ele chegava em casa procurando alguma coisa desorganizada e eu sempre fui
uma pessoa muito desorganizada (...) ele brigava muito pelo meu quarto ser muito
bagunçado”.
Dessa forma, frente à mãe suficientemente boa contemporânea, o pai que não se
coloca como um sujeito próximo, afetivo e acolhedor acaba deixando o menino se identificar
com a mãe, pois a imagem paterna não será introjetada de forma suficiente para uma
identificação com do filho com mesmo (ZIMERMAN, 2001). Ainda, a partir desses
resultados, sugere-se que a experiência da relação edípica vivenciada pelos participantes dessa
pesquisa servem como base para suas relações conjugais e parentais.
Tem-se, então, a terceira categoria - Homoparentalidade Masculina - a qual apontou
cinco subcategorias: Função materna, Função Paterna, Família Homoparental,
Parentalidade Homoparental e Significado do Filho(a). Tais divisões abarcam os discursos
referentes às idealizações do exercício de maternagem e paternagem em famílias
homoparentais, bem como concepções acerca de uma família constituída por homens
homossexuais. Demonstram, também, especificidades da paternidade homoparental e do
significado de um filho sob a ótica de homossexuais do sexo masculino.
Assim, a subcategoria Função Materna apontou os conteúdos incumbidos à
maternagem exercida por homens homossexuais: Apoio Incondicional, Carinho, Amor
Incondicional, Cuidado, Sustentação Emocional e Abdicação Pessoal. Laia (2008) e Vieira
(2011) ao estudarem as funções parentais em famílias homoparentais, sugerem que a figura da
mãe - aqui entendida como qualquer sujeito indiferente do sexo biológico - é responsável pelo
cuidado e investimento afetivo do filho. Dessa forma, os dados colhidos nas entrevistas dessa
pesquisa indicam que os participantes almejam o exercício desta maternagem conceituada
pelo autores, como demonstra o Participante 1: “Dar todo amor e carinho que eu posso dar,
dar o meu melhor. Trabalhar por aquela pessoa, ajudar, estar sempre pronto para ouvir, para
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abraçar (...) Acordar de manhã, levar para o colégio, ajudar a se vestir, a escolher a
roupinha, escovar os dentes (...) Que ajuda, que está lá para apoiar quando o filho tá em uma
crise”. Dado esse significado sobre a função materna em famílias homoparentais, percebe-se
que o discurso aludido pelos participantes a respeito de suas expectativas quanto ao cuidado
com o futuro filho tem significado psíquico semelhante à experiência desses com suas mães.
À vista disso, propõe-se que os homossexuais identificados com suas mães suficientemente
boas na contemporaneidade esperam propiciar tal experiência positiva para seus filhos, como
pode ser observado na fala do Participante 3: “Filho é isso: alguém que se ama
incondicionalmente”.
Vista a função materna, discuti-se, então, a subcategoria referente a Função Paterna
em famílias formadas por homens homossexuais. Os significados atribuídos à paternagem
foram: Pragmatismo, Ensino e Provedor Financeiro. Para Freitas et al. (2009), mesmo nos
dias atuais, o modelo patriarcal de família perpassa o exercício da paternagem, pois, acredita-
se, ainda hoje, que o papel do pai diz respeito a favorecer condições materiais favoráveis aos
filhos. Seguindo essa perspectiva, Laia (2008) concede à figura do pai o poder da lei,
conferindo ao filho as ferramentas necessárias para lidar com a realidade objetiva. Esses
aspectos podem ser observados na falas dos Participantes a seguir:
“Uma pessoa que coloca limite, que coloca regra, que impõe essas leis” (Participante
2).
“De postura para resolução de problemas, muito mais pragmática, mais prática. Tem
que resolver alguma coisa, resolve” (Participante 4).
Observou-se, nas entrevistas realizadas, poucos conteúdos relacionados à paternagem
homoparental. Propõe-se, então, que os sujeitos dessa pesquisa não vivenciaram, com seus
pais, aspectos positivos o suficiente para conceber ideias mais desenvolvidas sobre função
paterna, indicando que as vivências relacionadas à maternagem tiveram característica mais
presente em suas vidas. Expostas as funções parentais em famílias homoparentais, pode-se,
agora, discorrer sobre os achados pertinentes a essa configuração familiar.
A subcategoria Família Homoparental Masculina disserta sobre as peculiaridades da
instituição parental constituída por homens homossexuais. Nela, os sentidos encontrados são
os seguintes: Acesso à Heteronormatividade, Flexibilidade das Funções Parentais,
Naturalidade das Funções Parentais e Aspiração de Parentalidade Melhor Desenvolvida. Os
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aspectos notados nessa subdivisão indicaram as percepções dos participantes a respeito de
famílias homoparentais. Segundo Rotenberg e Wainer (2007) a formação de uma família por
homossexuais pode ser vista não só como um desejo genuíno de se ter um filho, como
também, pode ser a inscrição desse sujeito na normatividade social: ter um filho representa
igualdade frente à heteronormatividade (ROTENBERG; WAINER, 2007). O pressuposto
apontado pelos autores é evidenciado na fala dos Participantes abaixo:
“Isso é importante. E se eu quero estabelecer uma família com o A., é natural que
uma família tenha filho (...) Eu acho que o significado da presença de filhos numa relação
homoafetiva é a mesma de uma família tradicional, formada por um pai e uma mãe, homem e
mulher” (Participante 4).
“Eu acho que todas as etapas vão acontecer na família homoafetiva (...) Diferente,
mas vai acontecer, não tem como pular etapas (...) Tipo uma pessoa que está conquistando,
está crescendo, está evoluindo, está passando pelos processos digamos normais da
sociedade: casar, ter filhos, enfim” (Participante 5).
Amazonas e Braga (2006) reafirmam essa característica ao propor que grupos sociais
minoritários, em seu processo de identificação, reivindicam não só o poder de suas
identidades como, também, o acesso a outros recursos simbólicos e materiais da sociedade.
Assim, com o direito de ter filhos, os homossexuais afirmam suas identidades e diferenças
enquanto grupo, garantido permissão para obter esses bens sociais. Segundo estes autores, a
filiação se configura como uma tentativa de acessar esses recursos.
No que tange ao exercício das funções parentais em famílias formadas por homens
homossexuais, observou-se, com unanimidade entre os participantes, a ideia de que tais
funções são flexíveis e naturais: os pais exercem, entre si, maternagem e paternagem de forma
intercalada e espontânea. Esse dado pode ser observado no pressuposto de Passos (2005)
quando a autora sugere a ausência de papéis fixos entre os cônjuges, indicando
horizontalidade nas relações homoparentais, como mostra a fala do Participante 5: “Eu acho
que no nosso caso, os dois vão exercer tanto papel de mãe quanto de pai. Na verdade, ao meu
ver, são dois pais. Ela vai ter dois pais, não vai ter uma mãe (...) No caso de uma menina, ela
vai menstruar, né. É a mãe que vai lá e diz pra filha, explica. A gente vai ter que lidar com
isso, vai ter que explicar como se fosse uma mãe”. Ainda sobre as funções parentais, o
Participante 2 refere: “Eu não vejo que crianças consigam definir isso tão claramente: 'Você
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faz a função materna, você faz a função paterna.' (...) Até porque, nos casais heterossexuais
não é tão claro assim”.
Para Murphy (2013), diferentemente de sujeitos heterossexuais, os homossexuais não
compreendem a filiação como um processo natural de procriação mas, sim, como um desejo
desenvolvido a partir de suas experiências como indivíduos. Nessa ótica, a impossibilidade de
consumar a vontade de ter um filho a qualquer momento torna esse objetivo mais
amadurecido e, consequentemente, mais exultante (MURPHY, 2013). Esse conceito é
manifesto do discurso do Participante 5: “Um homossexual quando ele quer uma criança, no
meu ver, ele quer porque ele vai amar aquela criança; ele quer porque ele já está preparado
para aquilo. Então ele já vem construindo, já vem preparando (...) Já em um casal
heterossexual pode ser 'Ah, engravidou, não estava esperando'. Num casal homo nenhum dos
dois vai engravidar, então tu já estás preparado, é o momento. E é tu que decides qual é o
momento de ter um filho, quando tu já estás estruturado para isso”. Exposto isso, pode-se
particularizar aspectos condizentes à Paternidade Homoparental, tarefa da próxima
subcategoria.
Forma-se, então, uma subcategoria relacionada às singularidades da paternidade em
homens homossexuais. As acepções resultantes indicam: Identificação com a Função
Materna, Atualização da Maternagem Recebida, Exercício da Paternagem não Vivenciada,
Reparação da Paternagem Experienciada e Intenção Construída desde a Infância. Rodriguez
(2012), conclui que ao almejar ser pai, o homem deseja reparar a vivência negativa
experienciada enquanto filho (RODRIGUEZ, 2012). Declarado isso, observa-se esse aspecto
através da fala do Participante 2: “Uma coisa legal é tu poderes exercer a paternidade que tu
não recebeste”. Murphy (2013), ainda sugere que homens homossexuais possuem o desejo de
parentalidade de forma inata, pois sempre viveram com a mensagem de que homossexuais
não poderiam ter filhos e, mesmo assim, os querem (MURPHY, 2013). Ao citarem a
paternidade como um desejo concebido desde a infância, os sujeitos da amostra validam a
ideia do autor, como pode ser visto na fala do Participante 1: “Eu sempre quis, desde
pequeno, constituir uma família. Mesmo quando eu me descobri gay (...) Eu sempre tive esse
desejo, sabe, de ser pai”; o que se repete com o Participante 3: “Eu acho que eu nunca me
pensei não sendo pai”.
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Percebe-se, também, a identificação dos participantes com a função materna e a
intenção desses em atualizar, por meio da paternidade, a maternagem positiva que
experienciaram com suas mãe, conforme o relato dos Participantes a seguir:
“Uma coisa que é herança minha, acho que é ser superprotetor que nem a minha
mãe. Eu acho que ia ser bem difícil não ser com ele” (Participante 4).
“Eu já penso como é que eu vou vestir, o que eu vou fazer, onde é que eu vou levar,
sabe. Ah, tem gravatinha, camisa. Um menino de gravata com aqueles blazerzinhos.
Lindo” (Participante 5).
De acordo com Souza e Benetti (2009), destaca-se a motivação para paternidade como
um fruto da relação dos filhos com seus pais (SOUZA; BENETTI, 2009). Doravante os
achados, emerge-se o significado do filho para homens homossexuais que pretendem ser pais:
incumbência da última subcategoria gerada pela análise dos dados.
A subcategoria Significado do Filho(a) arrola sobre os conteúdos vislumbrados
através deste, são eles: Transmissor de um Legado, Reconstrução da Própria História como
Filho, Etapa da Conjugalidade, Segurança na Velhice, Atualização dos Sentimentos de
Preconceito, Falo e Amor Incondicional. Por meio das entrevistas, pode-se observar que os
participantes imaginam o filho como um elemento legitimador da família frente à
conjugalidade. Essa ideia perpassa a expectativa dos sujeitos diante as relações íntimas, pois
acredita-se que a filiação seja uma etapa normal e esperada do casamento entre duas pessoas.
Junto dessa perspectiva, dota-se ao filho um papel de transmissor dos legados desses pais
como indivíduos e casal, garantindo significado à existência dessa família. Ainda, indica-se a
possibilidade de um cuidador, referenciando o filho como um dispositivo de segurança frente
à velhice dos pais. Os conteúdos expostos nesse parágrafo podem ser observados nas falas a
seguir:
“Eu acho que é o significado da continuidade. Acho que as crianças oferecem essa
continuidade (...) é a possibilidade de a família continuar, de tu conseguir passar os teus
valores (...) Muita gente tem filhos até para solidificar o casamento (...) Então uma criança
acaba sendo esse elo entre as pessoas” (Participante 3).
“Eu não sei se é bem necessidade, mas a expectativa de ter filhos que zelem por ti na
tua velhice” (Participante 4).
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“Seria uma realização, sabe, eu acho que para nós é uma próxima etapa, sabe. A
próxima etapa como família mesmo” (Participante 5).
Conforme os estudos realizados por Bergman et al. (2010), assim como as
heteroparentais, famílias formadas por homens homossexuais vivenciam as mesmas
expectativas e experiências referentes à parentalidade e ao ciclo vital familiar (BERGMAN et
al. 2010). Contudo, Dias (2010) declara que os filhos de um casal homossexual estão
marcados pelo estigma de uma sociedade que recrimina a homossexualidade e, por isso,
existe a possibilidade dessas crianças experimentarem o mesmo preconceito vivenciado pelos
pais. O fragmento da entrevista do Participante 2 faz menção ao que a autora diz, sugerindo
receio dos futuros pais no que diz respeito à atualização dos preconceitos pelos quais viveram:
“Eu não tenho a expectativa de que a sociedade vá acolher o nosso filho, a nossa filha, da
forma como acolheria um filho de um heterossexual. (...) Eu sei que um casal de lésbicas ou
de gays ter um filho é uma situação social complicada (...) Eu fico com uma pulga atrás da
orelha: será que esse desenvolvimento social normal de fato vai acontecer com meus filhos?
Eu acho que um pouco dos medos que eu tinha, de cunho social, meus, eu acabo transferindo
e dizendo: 'Pode ser que aconteça com meus filhos também' ”.
Por fim, discute-se a construção da ideia de que, para os sujeitos dessa pesquisa, um
filho pode significar a reconstrução da própria história dos pais como filhos. Para Piccinini e
Alvarenga (2012), uma pessoa ao desejar uma criança reatualiza a trajetória da relação com
seus pais. Assim, tornar-se pai ou mãe pode ser um exercício reparador da história individual
do sujeito: um filho pode ocupar a fantasia de curar as feridas narcísicas dos seus
responsáveis (PICCININI; ALVARENGA, 2012). A compreensão dos autores citados pode
ser observado no discurso do Participante 1: “Minha família é bastante preconceituosa. Eu
não quero que o meu filho ouça as coisas que eu ouvi (...) Ele não vai ouvir esse tipo de
coisa. Eu pretendo dar a ele uma educação mais adequada”.
Dessa forma, percebe-se que os conteúdos sugeridos por esta amostra estão fortemente
ligados à maternagem, parentalidade reparadora e ao acesso da heteronormatividade. Durante
as entrevistas, observou-se que a figura materna, sempre acompanhada de características
positivas, apareceu nos discursos com maior intensidade e frequência em relação à figura
paterna, essa, em sua maior parte, relatada de forma negativa. Indicando-se, assim, o quanto
identificados com suas mães estão os participantes e, o quanto esses desejam ter filhos para
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reconstruírem positivamente a história com seus pais por meio da maternagem. Também,
expressões ditas como “igual aos héteros”, indicam o desejo dos sujeitos da pesquisa em
acessarem as normas heterossexuais e de serem reconhecidos como “normais” pela sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da realização desta pesquisa, na qual buscou-se investigar os aspectos
psíquicos envolvidos na constituição da homoparentalidade masculina em sujeitos ainda sem
filhos, percebeu-se que os desafios do tema surgiram logo na formação da amostra de
participantes. Notou-se que, diante da característica de clandestinidade social, inúmeros
indivíduos contataram o pesquisador indicando interesse em participar do estudo, no entanto,
acabavam por desistir da participação dias antes da entrevista acontecer. Outro dado que
merece importância diz respeito a faixa etária estipulada para inclusão amostral dos sujeitos
na pesquisa (de 20 a 30 anos), pois percebeu-se que a maior parte dos sujeitos que
demonstraram interesse em participar da pesquisa tinham idades acima de 35 anos, sugerindo,
dessa forma, que o desejo concreto de filiação em homens homossexuais se dá em sujeitos
adultos jovens. Visto isso, a análise das entrevistas permitiu propor um conjuntos de aspectos
referentes à parentalidade dos homens homossexuais entrevistados.
Assim, percebeu-se que esses sujeitos experimentaram as etapas do ciclo vital de
forma semelhante aos heterossexuais. Contudo, inseridos em uma sociedade marcada pelo
preconceito contra homossexuais, os sentimentos de inadequação social resultaram na
negação da homossexualidade dos participantes até o início da idade adulta, sendo a reclusão
social a forma mais observada para manejar essa recusa. Na idade adulta, a aceitação e
reconhecimento da diferença da sexualidade permitiram que os sujeitos experimentasse
sensações de alívio e acolhimento frente a uma maior apropriação identitária que permiti
assumir a identificação com o feminino. Em se tratando das relações edípicas dos
participantes, observou-se a presença de uma mãe suficientemente boa contemporânea e uma
figura paterna conflituosa, indicando que essas vivências serviram de base para o experienciar
as demais relações objetais dos sujeitos da pesquisa, principalmente no que se refere ao
significado das relações parentais.
As características atribuídas pelos entrevistados às funções de pai e mãe em famílias
homoparentais sugerem a maternagem como responsável pelos cuidados físicos e emocionais
da criança, sendo a figura materna dotada de amor incondicional para com o seu filho. À
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paternagem, concede-se o papel da lei e o de prover condições materiais e financeiras.
Observou-se, também, o caráter flexível dessas funções entre o casal homossexual e a ideia de
que famílias formadas por pessoas do mesmo sexo aspiram com melhor estrutura emocional e
material um filho do que as heteroparentais, devido à dificuldade em conceber uma criança.
Acredita-se, ainda, que a homoparentalidade masculina está identificada com a função
materna, uma vez que a experiência de maternagem recebida foi positiva, espera-se atualizar
essa vivência com o filho. E, frente a paternagem negativa experimentada, enseja-se
reconstruí-la positivamente por meio da filiação: maternidade nomeada e executada em forma
de paternidade.
De acordo com os autores pesquisados e o conteúdo das entrevistas, observa-se que as
expectativas depositadas nos filhos por homossexuais sugerem ser as mesmas que as
heterossexuais: etapa da conjugalidade, transmissão de legados familiares e reparação da
história dos pais como filhos. Entretanto, nas configurações homoparentais, nota-se o temor
dos futuros pais a respeito do preconceito: preocupam-se com atualização da discriminação
através dos filhos, isto é, a possibilidade dos filhos sofrerem socialmente por terem pais
homossexuais.
Acredita-se que os resultados dessa pesquisa não sejam conclusivos sobre a população
geral de homens homossexuais que desejam ter filhos. Por isso, diante da emergência do
assunto e o pequeno número de trabalhos científicos publicados sobre homoparentalidade
masculina, sugere-se a continuidade de investimento acadêmico sobre o tema, tanto de caráter
qualitativo como quantitativo.
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