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FACULDADES OSWALDO CRUZ INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS ELIENE NUNES DA COSTA DA SILVA O CORDEL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA SÃO PAULO 2014

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FACULDADES OSWALDO CRUZ

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO DE LETRAS

ELIENE NUNES DA COSTA DA SILVA

O CORDEL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA

SÃO PAULO

2014

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ELIENE NUNES DA COSTA DA SILVA

O CORDEL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

às Faculdades Oswaldo Cruz como parte dos

requisitos exigidos para a conclusão do curso

de Licenciatura Plena em Letras

Português/Inglês.

Orientadora: Professora Cecília Canalle

Fornazieri.

SÃO PAULO

2014

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ELIENE NUNES DA COSTA DA SILVA

O CORDEL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado às Faculdades Oswaldo Cruz como parte

dos requisitos exigidos para a conclusão do curso de Licenciatura Plena em Letras

Português/Inglês

Trabalho aprovado em ____ de ________________ de 2014.

_____________________________________________

Professora Cecília Canalle Fornazieri - orientadora

_____________________________________________

Professora Rita de Cássia Mendonça Lopes

_____________________________________________

Professora Patrizia Romana de Toledo Bergamaschi

SÃO PAULO

2014

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Aos meus filhos Eliomar José e Luciano Gabriel, ao meu esposo Luciano, a minha mãe

Maria Zélia, meus irmãos Hélio, Élcio, Erilene e Erilane, aos meus sobrinhos, Maria

Eduarda, Stefany e Enrique, toda minha família que é a minha base.

A minha tia Maria José (Nega) que foi uma das fontes de inspiração para este trabalho.

Ao meu Pai José Nunes e minha avó paterna Maria Rufina (in memoriam).

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu forças para chegar até aqui.

A minha família: meu marido Luciano, meus filhos Eliomar José e Luciano Gabriel, que

estiveram me apoiando durante esses quatro anos.

A minha Mãe, Maria Zélia, meus irmãos: Hélio, Élcio, Erilene e Erilane.

Aos meus sobrinhos: Maria Eduarda, Stefany e Enrique.

Aos sobrinhos do coração: Beatriz, Natan, Júlia, Camila Eduarda e Claudia Samira.

Aos meus professores: Ramon Américo Vasques, Elizete Ramalho, Lilian Suzuki,

Sandra Papesky, Carlos Roberto Teixeira de Vasconcellos, Cecília Canalle Fornaziere e

Patrizia Bergamaschi que transmitiram o conhecimento que vou levar.

A Diretora Walmirian Aparecida Geralde, aos vice-diretores Solange Barbosa Chaves,

Clebert Sidney Oliveira de Araujo, Daniela da Silva Novaes Venâncio e Maria de

Lourdes Ramos, coordenadores Claudineia A. Guerra Vukovic Zavarco, Mirna Orsi

Lula e Jesualdo da Nobrega Sousa (PCAGP) e professoras Sílvia Maria da Silva

Sanches, Cristiane Brito da Silva, Selma Craveiro Pantoja, Ana Lúcia Elizeu de

Oliveira, Magali Cunha Pinheiro, em especial, a professora Adriana Ventura da Escola

Estadual Heckel Tavares, pela oportunidade de trabalhar e vivenciar a rotina da sala de

aula.

Aos alunos dos 7º anos D e E e 9º ano G, que acompanhei durante os trabalhos com o

cordel

Aos meus colegas do curso Aelieuda Dantas e Nathalia Correa, pelo apoio durante os

quatro anos que estivemos juntos.

Aos Professores Márcia Abreu, Mark J. Curran e Francisco Diniz pela colaboração.

Aos meus ex-colegas de trabalho, Diego Rosendo, Flavia Sarti e Anna Claudia (Fada)

por contribuírem de forma indireta, mas muito importante para chegar ao fim do curso.

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RESUMO

Estudo do cordel, das origens aos dias atuais.

A cultura popular em versos, a identidade de um povo através dos folhetos desde o

início da colonização do Brasil.

O uso da Literatura de Cordel na sala de aula como instrumento de aprendizagem.

Palavras chaves: Cordel. Literatura. Aprendizagem. Colonização.

ABSTRACT

Study of the cordel, the origins to today.

Popular culture in verse, the identity of a people through the brochures from the

beginning of the colonization of Brazil.

The use of Cordel Literature in the classroom as a learning tool.

Keyswords: Cordel. Literature. Learning. Colonization

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SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................................... 6

ABSTRACT .............................................................................................................................. 6

1.1.OBJETIVO ........................................................................................................................ 13

1.2 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................. 13

1.3 METODOLOGIA ............................................................................................................. 13

1.4 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 13

1. O CORDEL ......................................................................................................................... 15

2.1 AS ORIGENS ................................................................................................................... 15

2.2 CONSTRUÇÃO DO CORDEL: DOS PRIMORDIOS À ATUALIDADE ...................... 17

2.2.1 Leandro Gomes De Barros ......................................................................................... 17

2.2.2 A gráfica a Lira nordestina e a confecção do cordel .................................................. 20

2.2.3 A importância da xilogravura ..................................................................................... 22

2.2.4 Estruturas do cordel .................................................................................................... 23

2.2 TRÊS EXPERIÊNCIAS DE DESTAQUE NA ÁREA DO CORDEL ............................. 25

2.2.1 Márcia Abreu: as relações entre literatura erudita e literatura de cordel .................... 26

2.2.2. Mark J. Curran: a história do cordel .......................................................................... 27

3.3 FRANCISCO DINIZ: CORDEL COMO DISCIPLINA CURRICULAR ............................ 29

3.4 Dona Geni e Tia Nega ....................................................................................................... 30

4.ALUNOS EM AÇÃO COM O CORDEL: A EXPERIÊNCIA EXITOSA DA ESCOLA

ESTADUAL HECKEL TAVARES ............................................................................................ 31

4.1 Preparando a feira .......................................................................................................... 32

4.1.1 A origem do cordel ..................................................................................................... 33

4.1.2 São Miguel nordestino ............................................................................................... 34

4.1.3 Coração delator .......................................................................................................... 34

4.1.4 Texto João-Joana ........................................................................................................ 36

4.1.5 A feira cultural ........................................................................................................... 38

4.1.6 concluindo a os trabalhos ........................................................................................... 39

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 41

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 44

ANEXOS .................................................................................................................................... 45

Anexo A .................................................................................................................................. 45

O coração delator .................................................................................................................. 45

Anexo B .................................................................................................................................. 49

Entrevista do professor Francisco Diniz por e-mail em 13/06/2014: ................................ 49

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Anexo C .................................................................................................................................. 50

Estória de João-Joana Carlos Drummond de Andrade .................................................... 50

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Figura 1. O baú de recordações

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INTRODUÇÃO

A literatura de cordel teve um significado muito importante na minha infância. Os

primeiros livros lidos eram os cordéis da minha tia Nega que a minha avó paterna

guardava.

As histórias eram muito interessantes, a linguagem fácil, a rima parecendo poesia me

encantava. Trabalhar cordel é uma forma carinhosa de lembrar a infância. Várias vezes

ouvi dos meus avós muitos contos e crendices que depois descobri que eram tiradas dos

livros que eram vendidos em feiras nos barbantes.

Lembra o sertão, na sua essência rústica, sol escaldante, povo sofrido e simples, que

trabalha de sol a sol, que olha o céu procurando a chuva que às vezes não vem e planeja

seu ano de acordo com inverno, das vaquejadas, das festas juninas que alegram o mês

de junho inteiro. Não perde a esperança, luta, não esmorece diante das dificuldades.

A natureza é inspiração para exaltar sua beleza, os versos são criados para eternizar o

colorido único do nascer e pôr do sol, que só é possível perceber quando se está lá, os

pássaros migratórios acrescentam o cenário exuberante do calor escaldante do meio dia.

Os tios que ainda estão lá trazem a certeza que tudo continua como na minha infância, a

saudade dos que já partiram também deixam um vazio na alma, mas o carinho por eles

estará sempre comigo.

Sem dúvida, foram anos duros, mas que acrescentaram muito na minha formação como

pessoa, pois a partir de tudo isso é possível olhar com mais carinho para o próximo, a

buscar melhores ferramentas de trabalhar com essa realidade e transformar a sala de

aula para acrescentar e divulgar essa preciosa história de superação que é a vida no

sertão.

A forma simples, mas coerente como contavam as histórias me fizeram ter um olhar

diferente para os livros mais tarde na escola, tornei-me uma leitora assídua dos clássicos

da Literatura Brasileira. Com o incentivo da minha professora Eunice, de português, li

muitas obras que facilitaram muito meus estudos na aprendizagem na sala de aula.

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O cordel traz uma proposta de leitura interessante porque as histórias contam o

cotidiano, podem parecer tiradas de um clássico da literatura, falam do sagrado e do

profano, amores que deram certo ou não, podem também fazer críticas sociais.

As primeiras histórias referem-se amores quase impossíveis, personagens que saem da

sua terra e depois retornam para resgatar sua amada, ou são perseguidos e voltam para

vigarem seu sofrimento sempre acompanhado de uma moral ao final das narrativas.

Os livros de cordel mais atuais trazem a capa mais atrativa, colorida com desenhos

representando os personagens principais. Diferente dos primeiros exemplares que eram

feitos a partir da xilogravura com tinta preta e papel bem rústico.

Em contato pessoas que possuem os livros de cordel é possível perceber o afeto pelas

histórias, já que algumas são parecidas com a sua história da sua vida, em versos. Esse

tipo de literatura sempre lhe foi querida por quem os lê, não os empresta ou doa, pois

tem orgulho em exibir sua coleção.

Fiquei surpresa ao constatar que superar barreiras não é apenas para os moços valentes

ou paras as mulheres virtuosas do cordel. Geni, vizinha da minha mãe, leitora assídua,

na simplicidade sertaneja, semialfabetizada, os folhetos de cordel foram seus grandes

companheiros nos anos de mudanças de fazenda em fazenda entre o Sertão de

Pernambuco e da Paraíba. Eram responsáveis em treinar a leitura, melhorar a escrita e

companheiros na imensidão solitária dos pés de serra em que morou, longe dos vilarejos

e cidades, paisagem comum do nordeste.

A simplicidade e praticidade da leitura é bem aceita por quem não tem um vocabulário

muito extenso, a beleza dos versos mostram uma realidade que se vê em vários

momentos, a natureza sempre é exaltada, mesmo ela sendo muito castigada pelas

grandes secas que assolam o nordeste por vários anos seguidos, a índole do sertanejo,

correto, sofrido e ao mesmo tempo muito bruto é outra característica marcante dessas

histórias. Com esses cenários são criados muitos mitos, contos e lendas que viram

poesia para o povo ler.

Todas as formas de trabalhar com esses tipos de textos são surpreendentes, projetos que

começaram pequenos e tornaram-se permanentes, como o projeto do Professor

Francisco Diniz, na Paraíba.

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O uso do cordel na sala de aula é possível porque sua linguagem fácil e cotidiana é bem

aceita pelos alunos, a experiência de trabalhar esse tipo de texto com os alunos foi

produtiva na festa junina repetida na semana cultural da Escola Estadual Heckel Tavares

nos dias 17,18 e 19 de setembro de 2014, desta vez, conhecendo a história do bairro de

São Miguel Paulista, da grande concentração de nordestinos na região e adaptação do

texto João-Joana do caderno do aluno volume 1 ano 2014, que trata do cordel.

O grande desafio é mostrar como se faz, encontrar um tema que agrade os alunos, o

tema favorito foi o cangaço, com as histórias de cangaceiros violentos, que venciam

seus oponentes pela valentia e frieza que é uma característica perceptível no sertanejo.

As histórias do Bando de Lampião, que viviam no Sertão também fizeram parte da

minha infância, uma vez que a terra natal de Virgulino Ferreira, Serra Talhada-PE é

próxima da cidade onde nasci, São José do Egito-PE. Meus avós contavam várias

aventuras do bando na nossa região. Há vários cordéis com o tema, como a chegada de

Lampião ao céu, que serviu de modelo para o trabalho em sala de aula.

Os trabalhos foram feitos em sala de aula, contemplaram também a literatura brasileira e

a literatura inglesa com montagem de textos baseados nos grandes autores como Castro

Alves, Clarisse Lispector, Edgar Allan Poe, Willian Shakespeare entre outros.

A história do Brasil está contada em cordel, pelo Professor Mark J. Curram (Arizona

State University), os estudos da Professora Márcia Abreu (UNICAMP) relacionam a

Literatura erudita com as obras dos cordelistas. É possível perceber o entusiasmo das

pessoas que se propõem a falar da Literatura de Cordel, a primeira impressão de que é

exclusivo do Nordeste, mas na verdade começou na Europa, apenas recebeu um toque

dos nordestinos que acharam nos folhetos uma forma de mostrarem seu talento para

quem gosta de uma boa poesia misturada à realidade e bravura de um povo tipicamente

brasileiro, que gosta de ouvir uma boa história que um dia alguém já contou, ou já ouviu

um cantador declamar.

Figura 2. Lampião e Maria Bonita J. Borges

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1.1. OBJETIVO

A importância do cordel em si, como recurso pedagógico integrador da língua e da

literatura.

1.2 JUSTIFICATIVA

O estudo do cordel na sala de aula para introduzir a literatura, praticar a escrita e a

declamação, estimulando a leitura.

Explorar os gêneros textuais que trazem ironia, sarcasmo e a moral da história que

remetem as fábulas.

1.3 METODOLOGIA

Os dois professores, Márcia Abreu e Mark J. Curran, pesquisaram o resgate das

tradições e cultura da região nordestina. Privilegia o povo, pois busca a essência da

identidade conhecida apenas na região onde teve maior aceitação, que após as

migrações espalhou-se pelo Brasil e tornou-se conhecida nos quatro cantos do país.

Pesquisa teórica no que tange a retomada histórica, entrevistas e uma pesquisa

qualitativa ao estudar o caso da Escola Estadual Heckel Tavares.

1.4 REFERENCIAL TEÓRICO

Márcia Abreu (UNICAMP)

Licenciada em Letras pela Unicamp (1984) e fez doutorado direto em Teoria e História

Literária na mesma Universidade (1993). Fez pós-doutorado em História Cultural na

Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris (1996-1997) e Livre-docência em

Literatura Brasileira pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp (2002).

É professora do Departamento de Teoria Literária do IEL, coordenadora do projeto

Práticas e leituras libertinas no mundo luso-brasileiro (juntamente com o professor Luiz

Carlos Villalta).

É pesquisadora do Projeto Memória de Leitura e foi coordenadora do Projeto

Temático “Caminhos do Romance no Brasil: séculos XVIII e XIX”, da Fapesp.

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Publicou vários livros, capítulos de livros e artigos, dentre os quais se destacam

Histórias de Cordéis e Folhetos (Mercado de Letras/ALB, 1999), Os Caminhos dos

livros (Mercado de Letras/ALB/Fapes, 2003), Cultura Letrada: literatura e leitura

(Unesp, 2006). Organizou os livros Leitura, História e História da Leitura (Mercado de

Letras/ALB/Fapesp, 2000), Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas (org. com

Nelson Schapochnik. Mercado de Letras/ALB/Fapesp, 2005), Antologia de Folhetos de

Cordel – amor, história e luta (Editora Moderna, 2005) e Trajetórias do Romance:

circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e XIX. (Mercado de Letras/Fapesp,

2008).

Mark J. Curran (Arizona State University)

Professor Emeritus da Arizona State University, dedica mais de 45 anos da sua carreira

de professor e pesquisador à coleção do cordel e seu papel na cultura e história do

Brasil.

Escreveu alguns livros relacionados com o cordel, sendo que A literatura de Cordel,

Universidade Federal de Pernambuco, 1973, 91, pp” foi o primeiro livro publicado por

um estudioso estrangeiro. Destaca-se também História do Brasil em Cordel, Editora da

Universidade de São Paulo, 1998, 283 pp, entre outros também escritos em espanhol.

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1. O CORDEL

“Eu vou contar uma história

De um pavão misterioso

Que levantou voo na Grécia

Com um rapaz corajoso

Raptando uma condessa

Filha dum conde orgulhoso”1

O cordel representa o povo anônimo, que ganhou espaço na voz nos repentistas

e emboladores, que são coadjuvantes nesse percurso que levou a literatura para o

interior e grandes centros

2.1 AS ORIGENS

Diferentemente de outras formas de literatura, o cordel é derivado da tradição oral. Isto

é, surge da fala comum das pessoas, e também das histórias cotidianas contadas por

elas, e não como fixadas no papel.

A origem dos cordéis são as cantigas dos trovadores medievais, que comentavam as

notícias da época usando versos, que eles próprios cantavam, frequentemente de forma

cômica no papel. "Por volta do século 16, as cantigas eram praticadas na península

Ibérica por meio dos trovadores, que recitavam louvações e galanteios para agradar

aos poderosos", diz Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da Academia Brasileira de

Literatura de Cordel.

O cordel chegou ao Brasil junto com os colonizadores portugueses. A pesquisadora

Márcia Abreu aponta o cordel como herança não só das folhas volantes portuguesas e

dos pliegos sueltos espanhóis, mas também da littérature de colportage francesa. O

cordel inicialmente era transmitido oralmente, os trovadores portugueses cantavam em

versos, muitas vezes eram fidalgos decaídos.

1 Romance do pavão misterioso de Jose Camelo de Melo Resende

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Figura 3. Trovadores (http://freitasarte.blogspot.com.br)

O nome Literatura de Cordel provém de Portugal e data do século XVII, esse nome

deve-se ao cordel ou barbante que os livros ficavam pendurados, em exposição. No

nordeste brasileiro manteve-se o costume e o nome. Os folhetos são expostos à venda

pendurados e presos por pregadores de roupa, em barbantes, esticados entre duas

estacas, fixadas em dois caixotes ou em barracas de feira.

Os primeiros exemplares chegaram inicialmente na Bahia, espalhou-se pelo nordeste e

chegou ao Rio de Janeiro, onde se localiza hoje a Academia Brasileira de Literatura de

Cordel, fundada em 1988.

Por se tratar de livros pequenos e de fácil compreensão, caiu no gosto do povo, visto o

alto índice da taxa de analfabetismo da população na época, as histórias e versos

chegavam oralmente para a grande maioria das pessoas que se reuniam para ouvir a

declamação do Cordel.

Durante muito tempo os folhetos foram divulgados como começou, nas feiras do

interior, nas festas religiosas, ou seja, onde o povo estivesse.

2 Trovador era o artista que compunha, cantava e podia instrumentar as cantigas, Massaud, Moises, A

Literatura Portuguesa, Cultrix,.

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2.2 CONSTRUÇÃO DO CORDEL: DOS PRIMORDIOS À ATUALIDADE

“Os nossos antepassados

Eram muito prevenidos

Diziam: matos tem olhos

E paredes tem ouvidos

Os crimes são descobertos

Por mais que sejam escondidos”3

2.2.1 Leandro Gomes De Barros

“A cabeça, um tanto grande e bem redonda,

O nariz, afilado, um pouco grosso:

As orelhas não são muito pequenas,

Beiço fino e não tem quase pescoço.

Tem a fala um pouco fina, voz sem som,

Cor branca e altura regular,

Pouca barba, bigode fino e louro,

Cambaleia um tanto quanto no andar.

Olhos grandes, bem azuis, têm cor do mar:

Corpo mole, mas não é tipo esquisito –

Tem pessoas que o acham muito feio,

Mas a mamãe, quando o viu, achou bonito!”

Autorretrato de Leandro Gomes de Barros. 4

Leandro Gomes de Barros foi o primeiro artista que divulgou e viveu das vendas dos

livros que ele mesmo escrevia, nasceu na Paraíba em 1868 e por volta de 1890

3 O cachorro dos mortos, Leandro Gomes de Barros

4 Autorretrato de Leandro Gomes de Barros na Quarta-capa do folheto Peleja de Manoel Riachão com o

Diabo). A definição do autor por ele mesmo. (Fonte: acordacordel.blogspot.com)4

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mudou-se para o Estado de Pernambuco onde escrevia e vendia suas produções. Montou

na própria casa a oficina que confeccionava os livros. Foi o primeiro poeta que

conseguiu publicar, editar e vender seus próprios poemas.

Figura 4. Leandro Gomes de Barros (www.cecordel.com.br)

Na crônica intitulada Leandro, O Poeta, publicada no Jornal do Brasil em 9 de setembro

de 1976, Carlos Drummond de Andrade o chamou de "Príncipe dos Poetas" e assinala:

"Não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do

povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro". E diz

mais: "Leandro foi o grande consolador e animador de seus

compatrícios, aos quais servia sonho e sátira, passando em revista

acontecimentos fabulosos e cenas do dia-a-dia, falando-lhes tanto do

boi misterioso, filho da vaca feiticeira, que não era outro senão o

demo, como do real e presente Antônio Silvino, êmulo de

Lampião".

Criou várias histórias que ao longo do tempo que se dedicou ao cordel, Ocorre que após

a sua morte, vários títulos foram vendidos pela sua esposa para outras pessoas que

começaram assinar as obras de Leandro Gomes de Barros como suas. O pesquisador

Sebastião Nunes Batista, empenhou-se em resgatar a autoria dos folhetos de Leandro e

outros artistas, que tiveram suas obras publicadas apenas com nomes diferentes.

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Estima-se que o autor publicou mais de 600 obras, sendo que pelo menos 50 delas

viraram clássico do cordel, não se sabe ao certo quantas histórias foram publicadas.

Figura 5. Cordéis de autoria de Leandro Gomes de Barros (coleção particular Geni)

Conforme o cordel se popularizou, as evoluções gráficas vieram pelas mãos dos artistas

das gerações seguintes: as capas com textos meramente decorativos aos poucos foram

substituídas por imagens de cartão-postal e de estrelas de Hollywood, mais atrativas.

Até que, nos anos 1950, o folheto alcançasse a sua cara definitiva nos desenhos

"rústicos" da xilogravura.

No último século, o teor da literatura de cordel jamais parou de se desenvolver. Os

versos não abandonaram o tom matuto, o diálogo do sertanejo com suas crenças, suas

percepções e seus dilemas cotidianos, embora ao longo das décadas a realidade do

povo nordestino mudasse e muitos autores e leitores partissem, em ondas migratórias,

para o centro-sul do país. "O cordel se revelou uma fonte de história não oficial do

século 20, narrada pelos poetas do Nordeste", diz Mark J. Curran, professor da

Universidade do Estado do Arizona e autor de livros como Retrato do Brasil em

Cordel. Segundo o pesquisador americano, os folhetos cumpriram o papel de jornal e

novela do povo sertanejo, exerceram a função de ao mesmo tempo informar e entreter,

em muitos momentos integrando à vida nacional populações que ainda não haviam

sido atendidas pelos serviços tradicionais de comunicação.

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Figura 6. Vários cordéis (coleção particular Geni)

2.2.2 A gráfica a Lira nordestina e a confecção do cordel

A Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte, é a mais antiga gráfica de cordel do Brasil.

Sucedeu a Tipografia São Francisco, que pertenceu a José Bernardo da Silva, o mais

importante editor de cordel depois de João Martins de Athayde e Leandro Gomes de

Barros.

O cordel teve suas primeiras edições nas primeiras prensas nordestinas, no Recife, na

virada do século XIX para o XX, com o pioneirismo do poeta Leandro Gomes de

Barros. Com o ritmo cadenciado, com um aspecto lúdico, os folhetos de cordel

aproximaram pessoas que queriam ouvir histórias e foram à escola de alfabetização para

a população do sertão nordestino.

A Lira foi adquirida dos herdeiros de José Bernardo em 1980 pelo governo do Ceará, e

hoje pertence à Universidade Regional do Cariri. Além da edição de cordéis, é um

importante centro de criação de xilogravura.

Publicou um folheto mostrando o passo-a-passo, abaixo:

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Figura 7. Poeta escrevendo Figura 8. Cortando a xilo

Figura 9. Pegando papel

Figura 10. Composição (tipos de móveis, para

montar as linhas letra por letra

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Figura 12. Vista da gráfica

Figura 11. Preparando a cola

O cordel é um grande texto oral e escrito ao mesmo tempo, porque ele é feito para ser

lido em voz alta, e por isso há vários aspectos: do relato mítico, ancestral, que conta

histórias de princesas, de cavalaria, de encantamento, de heróis, etc., e que dialogam

intimamente com questões ligadas à Idade Média.

O poema, para ser um cordel, deve obedecer a uma estrutura poética fixa, com poucas

variações de métrica e rima.

2.2.3 A importância da xilogravura

A ilustração não nasceu com o cordel. Antes eram usadas as chamadas “capas cegas”,

sem qualquer ilustração. A xilogravura é um fenômeno relativamente recente, apesar de

ter sido usada em 1907, na ilustração de uma capa de um folheto de Francisco das

Chagas Batista enfocando Antônio Silvino. Fato isolado. Os desenhos e os clichês de

cartões postais e com fotos de artistas de Hollywood eram os preferidos dos editores. A

xilogravura nunca teve ampla aceitação no meio popular, mas a ABLC5 a adotou como

a ilustração por excelência dos folhetos de cordel. A bem da verdade, diga-se: a

xilogravura é a ilustração mais característica, mas não a única. A

Xilogravura significa gravura em madeira. É uma antiga técnica, de origem chinesa,

conhecida desde o século VI, em que o artesão utiliza um pedaço de madeira para

entalhar um desenho, deixando em relevo a parte que pretende fazer a reprodução. Em

5 Academia Brasileira de Literatura de Cordel

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seguida, utiliza tinta para pintar a parte em relevo do desenho. Na fase final, é utilizado

um tipo de prensa para exercer pressão e revelar a imagem no papel ou outro suporte.

Um detalhe importante é que o desenho sai ao contrário do que foi talhado, o que exige

um maior trabalho ao artesão. A essência de um bom cordel está no texto e não na capa,

no vestuário. O cordel (texto e ilustração) evoluiu, e nenhum poeta ou editor antenado

abre mão da tecnologia para oferecer ao público edições bem cuidadas. Sem esquecer a

tradição, sem desprezar a modernidade. O cordel, por conta disso, chega vivo e com

fôlego ao século XXI. A xilogravura é muito popular na região Nordeste do Brasil, onde

estão os mais populares xilogravadores (ou xilógrafos) brasileiros, J. Borges6 é o mais

conhecido, tendo seus trabalhos conhecido pelo mundo, vive em Bezerros PE, tem um

ateliê onde faz trabalhos com xilogravura e cordéis.

2.2.4 Estruturas do cordel

Os poemas em cordel seguem regras de métrica e rima inescapáveis, sem elas não se faz

um cordel.

Verso

É cada uma das linhas constitutivas de um poema. (O mesmo que pé).

Versos brancos: versos não rimados; versos soltos.

Verso de seis pés: sextilhas

Verso de pé quebrado: Verso errado ou malfeito

Estrofe

Estrofe (do grego strofé “volta”, “conversão”) é um grupamento rítmico formado de

dois ou mais versos que em geral, se combinam pela rima. Quanto maior o número de

versos, tanto maior a possibilidade de variar a distribuição das rimas. 7

É um grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo, o mesmo que

estância. Existem vários tipos de estrofes, no cordel as mais usadas são: quadra (que

caiu em desuso), sextilha, setilha e décima.

6 José Francisco Borges, xilogravurista e escritor de cordel.

7 Nova gramática do português contemporâneo, Cunha, Celso, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.p

719

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24

Sextilha

Geralmente, o cordel é escrito em forma de sextilha, estrofes de seis versos, com versos

de sete sílabas poéticas. Obrigatoriamente, o segundo, o quarto e o sexto versos devem

rimar entre si.

Setilha

Também usada, a setilha, com estrofes de sete versos, tem a seguinte rima: o segundo,

quarto e o sétimo verso rimam entre si e o quinto e sexto têm uma segunda rima entre

si.

Décima

Em geral, a décima é a simples justaposição de uma quadra (quatro versos) e uma

sextilha (seis versos) ou de duas quintilhas (cinco versos)8

A Décima, mais usada pelo repente, é uma estrofe de dez versos de sete sílabas poéticas,

ela é o gênero usado pelos cantadores repentistas para os versos de mote. Nas décimas,

as rimas são: o primeiro verso rima com o quarto e quinto, o segundo rima com terceiro,

o sexto rima com o sétimo e décimo, e o oitavo rima com o nono.9

Métrica

As sílabas Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos.

Sistema de versificação particular a um poeta.10

Uma sílaba poética é diferente de uma sílaba comum. É possível unir duas ou mais

sílabas ou fonemas em apenas uma sílaba poética.

A sílaba poética é pronunciada como ouvimos os versos, por isso a sonoridade é

importante num verso metrificado (a essa contração dá-se o nome de crase ou elisão) e

só se conta até a sílaba tônica da última palavra.

8 Nova gramática do português contemporâneo, Cunha, Celso, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.p

725 9 Nova gramática do português contemporâneo, Cunha, Celso, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.p

725 10

Dicionário Aurélio

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Rima

Rima é uma coincidência de sons, não de letras. 11

Definida pelo cordel como identidade de som na terminação de duas ou mais palavras.

Palavra que rima com outra.

Rimas ricas

Rimas entre palavras de que só existem poucas, ou raríssimas, (chamadas também de

rimas difíceis) com a mesma terminação.

Rimas pobres

Rimas entre palavras de que se encontra superabundância com a mesma terminação,

(chamadas também de rimas fáceis)

Rimas toantes

Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais tônicas até a

última letra ou fonema, ou algumas vezes, só nas vogais tônicas (essa forma não é

aceita na cantoria nem na literatura de cordel).

Rimas aparentes (em hipótese alguma se usa no cordel)

São palavras que enganam pelas suas sonoridades parecem que rimam com outras,

porém não rimam,

Importante: Não se rima plural com singular.

2.2 TRÊS EXPERIÊNCIAS DE DESTAQUE NA ÁREA DO CORDEL

“Leitor vou narrar um fato

De um boi da antiguidade

Como não se viu mais outro

Até a atualidade

Aparecendo hoje um desses

Será grande novidade”12

11

Nova gramática do português contemporâneo, Cunha, Celso, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.p

712 12

História do boi misterioso Leandro Gomes de Barros

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2.2.1 Márcia Abreu: as relações entre literatura erudita e literatura de cordel

Márcia Abreu, professora e pesquisadora da UNICAMP.

Conhece a história do cordel e estudou a relação dos mesmos com a Literatura,

analisando esses conhecimentos e publicando-os “Então se forma a história bonita” -

Relações entre folhetos de cordel e literatura erudita.

Estudou a relação da Literatura de cordel com homens e mulheres pobres. O papel que

cada um assume, suas posições de autores, leitores, editores e críticos de composições

poéticas, como a literatura clássica é interpretada nos folhetos de cordel. O sucesso dos

folhetos deve-se a um conjunto de fatores, entre os quais se destaca a forte relação com

a oralidade mantida por essas composições” (ABREU, 2004)

Os cotidianos das pessoas estão nos versos, o que facilita a compreensão da obra. A

distinção entre a composição e a recepção de folhetos nordestinos e a produção e a

leitura de obras literárias eruditas ficam claras quando se examinam versões para

folhetos de narrativas eruditas. (op. cit. 2004)

Quando se estuda as alterações que se colocam nas narrativas, percebe-se o que é

original e o que é adaptação. Necessário para compreender e apreciar o que está escrito

na obra lida.

Há uma subdivisão dos romances de cordel, os três núcleos são:

Mulheres virtuosas, perseguidas por perversos apaixonados;

Amores contrariados (condição social ou religiosa);

Enfrentamentos entre poderosos e valentes.

Adequar o texto é importante, porque a realidade do leitor não se compara ao texto,

portanto muitas palavras, lugares e situações tem que estar próximo ao cotidiano de

seus leitores.

Outro fator importante é o desenrolar da história, precisa ser simplificado, sem muitos

personagens, para não confundir o leitor, ainda assim tem que respeitar o esquema do

cordel e fazer sentido para quem o ler. A melhor forma é separar os personagens bons

dos maus. O narrador-personagem praticamente não existe.

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A oralidade é, sem dúvida, um grande aliado do cordel, a história precisa ser

compreendida e ao mesmo tempo possuir uma sonoridade agradável.

Falando do cordel nordestino Márcia Abreu destaca:

Identificando os momentos em que a produção escrita entra em conflito com

os anseios de uma comunidade próxima do universo oral, interferem nas

narrativas aproximando-as dos padrões nordestinos de composição. Então se

forma uma história bonita. (op. cit. 2004)

2.2.2. Mark J. Curran: a história do cordel

Mark J. Curran, professor emeritus da universidade do Arizona EUA, dedica-se há mais

de 40 anos a pesquisa e escreveu vários livros sobre o cordel.

Faz uma comparação do cordel antes e agora. Mostra as fases que o cordel brasileiro

viveu. Por se tratar de uma cultura popular e folclórica, muitas vezes apresentam-se na

forma oral, pelos cantadores nordestinos e na forma escrita nos folhetos de cordel,

vendidos para a população nas feiras do interior.

Fala do início da Literatura de Cordel no Brasil desde os séculos XVI e XVII, com os

colonizadores portugueses e da forma definitiva que conhecemos hoje que data do final

do século XIX no nordeste do Brasil.

Os textos em prosa foram vertidos para a poesia na forma de estrofes características do

cordel. Os temas foram adaptados para as realidades nordestinas.

O termo literatura de cordel é relativamente novo no Brasil, sendo produto dos

estudiosos do tema que basearam seu uso na tradição e terminologia de um fenômeno

ancestral em Portugal. In A Literatura de Cordel: Antes e Agora, Hispania Volume 74,

Number 3, September 1991.

Não se sabe quem escreveu o primeiro folheto de cordel brasileiro, porém acredita-se

que foi sobre a guerra de Canudos (1896). O primeiro grande nome do cordel foi

Leandro Gomes de Barros, já citado anteriormente. Suas histórias são conhecidas até

hoje. Após a morte de Leandro Gomes de Barros, vieram outros autores que deram

continuidade ao trabalho e espalharam o cordel pelo país inteiro.

Com o crescimento do Brasil, as pessoas migrando de uma região para outra, o cordel

acompanhou essas mudanças e saiu do nordeste para todos os cantos de norte a sul. Por

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estarem sempre ligadas ao cotidiano das pessoas, as histórias são sempre atuais, fala das

crises na economia, da política, ou seja, uma nova modalidade, até então desconhecida

para muitos.

Nos anos 50, as vendas caíram devido ao momento econômico do Brasil, outro fator

importante foi à morte ou envelhecimento dos autores, e a chegada dos meios de

comunicação também contribuiu para que o cordel fosse esquecido.

A partir dos anos 60 e 70, surgiu um novo público para o cordel, os estudantes da classe

média, turistas em busca do folclore e os imigrantes em São Paulo e principalmente no

Rio de Janeiro. O recife deixou de ser o centro de produção do cordel.

A xilogravura desperta o interesse das pessoas pelas ilustrações bem características que

ilustram os folhetos de cordel.

As produções eram feitas para agradar ao público do cordel.

Os poetas não se preocupam com pesquisas ou teorias, escrevem para agradar o leitor,

se o povo gosta, então o poema é bom.

Assim sendo, a poesia de cordel é uma das literaturas que mais fazem sucesso.

Hoje é possível encontrar uma nova geração de escritores do cordel, agora nos grandes

centros e não mais no sertão nordestino.

Mark J. Curran conclui que:

hoje em dia o cordel não é o que era. Os tempos mudaram. A produção ativa

caiu muito e muitos dos poetas desapareceram. Mas o cordel não pode ser

esquecido, porque já se tornou uma parte íntegra da herança —popular

brasileira e do patrimônio nacional. In A Literatura de Cordel: Antes e

Agora, Hispania Volume 74, Number 3, September 1991.

O professor Mark J. Curran mantém uma página na internet onde compartilha suas

experiências com o leitor: www.currancordelconnection.com.

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3.3 FRANCISCO DINIZ: CORDEL COMO DISCIPLINA

CURRICULAR

Literatura de Cordel

É poesia popular,

É história contada em versos,

Em estrofes a rimar,

Escrita em papel comum

Feita pra ler ou cantar.

A capa é xilogravura,

Trabalho de artesão,

Que esculpe em madeira

Um desenho com ponção

Preparando a matriz

Pra fazer reprodução.13

Francisco Ferreira Filho Diniz, paraibano, sertanejo de Santa Helena, autor de mais de

60 folhetos, é professor de educação física da escola municipal Instituto São Marcus,

em Santa Rita-PB e desenvolve um trabalho de valorização e divulgação do folheto de

cordel nas escolas de Santa Rita, Bayeux, Cabedelo e João Pessoa desde o ano 2000.

Em contato com o professor Francisco, foi possível entender a dimensão do trabalho e

da persistência para fazer o projeto acontecer.

Em 2007 conseguiu a aprovação do Projeto Cordel através do FMC- Fundo Municipal

de Cultura - da Prefeitura de João Pessoa, para se apresentar em 48 escolas municipais

com o grupo de música regional, composto de sanfona, gaita, 3 violões, zabumba,

percussão em tubadoras e triângulo, fazer palestra sobre o cordel e distribuir

gratuitamente, em cada escola, 500 folhetos de sua autoria, sendo 10 títulos diferentes e

totalizando 24 mil exemplares.

No ano de 2006 foi o vencedor do Prêmio Novos Autores Paraibanos pela Universidade

Federal da Paraíba com o folheto de cordel: Quadrilha Junina.

Foi a partir essa experiência que comecei perceber que é possível trazer o cordel para o

meio dos nossos alunos, fui muito feliz em conhecer este projeto que começou pequeno

e hoje está presente em várias escolas e que contribui muito para o desenvolvimento de

13 Trecho da música que o Professor Francisco Diniz define o cordel.

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trabalhos importantes como a leitura, a produção textual e interpretação, além de

promover entre os alunos a socialização e troca de experiências.

Figura 13. Professor Francisco Diniz

3.4 Dona Geni e Tia Nega Fora da sala de aula conheci Geni, apaixonada por cordéis, desde sua época de escola, a

mesma confidenciou que os folhetos a ajudavam com a leitura, possui vários livros os

quais pude fotografar, porém, emprestar nem pensar. O que chama a atenção é seu zelo

pela coleção, lembra-se de todos e os guarda como joias preciosas, conversando com a

mesma entendem-se porque dedica tanto carinho pelos livros.

Casada com um vaqueiro, hoje aposentado, seu Gonzaga, viveu muitos anos em

fazendas, onde seus companheiros eram os folhetos, a solidão e o afastamento da

cidade, preenchia parte do seu tempo, após a lida diária lendo as histórias.

Seus relatos são de um amor incondicional ao cordel, porque durante muitos anos foram

essas histórias que conheceu, morava muito longe da cidade, sempre que ia à feira trazia

alguns folhetos para ler a tardinha depois do término das tarefas diárias. Aperfeiçoou a

leitura com o cordel, já que não podia mais frequentar a escola, devido aos afazeres da

fazenda e não tinha condições financeiras para pagar seus estudos. Tem uma única filha,

que é pedagoga, um dos grandes orgulhos de Geni, fez da filha o que gostaria de ter sido

ou pelo menos estudado mais.

Dentro da minha família paterna, minha Tia Maria José, que chamamos carinhosamente

de Nega, sempre gostou das histórias do cordel, foi daí o meu primeiro contato com os

livros. Minha avó, Maria Rufina, chamávamos de Mãe de Dinha, tinha vários cordéis,

livros, orações era maravilhoso mexer naquelas caixas. Ela lia bem pouco, não

frequentou a escola por muito tempo, boa parte era da minha tia, infelizmente após a

morte da minha avó esse material se perdeu, mas ensinou-me o carinho e o respeito aos

livros que sempre tive.

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4.ALUNOS EM AÇÃO COM O CORDEL: A EXPERIÊNCIA

EXITOSA DA ESCOLA ESTADUAL HECKEL TAVARES

Figura 14. Painel eposto na festa junina da Escola

Estadual Heckel Tavares em 06/06/2014

Figura 15. Alunos da 6 ª série D

Os trabalhos com cordel com os alunos começaram no segundo bimestre 2014,

trabalhando o caderno do aluno volume 1, um dos temas era o cordel.

O primeiro contato foi com o texto João-Joana de Carlos Drummond de Andrade, na

forma de cordel. Partindo deste exemplo, os alunos criaram cordéis, com temas livres

que foram expostos na festa junina da escola em 06/06/2014.

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Figura 16. Alunos da 6ª série E

Seguindo a proposta de aprendizado, os alunos voltaram novamente a produzir cordéis,

desta vez para a feira cultural da escola, que foi realizada nos dias 17,18 e 19 de

setembro de 2014.

Sob a orientação da Professora de Português, Adriana Ventura, foram criados os textos

a para o teatro de fantoches e uma sala dedicada ao cordel.

4.1 Preparando a feira

A primeira ExpoHeckel da Escola Estadual Heckel Tavares envolveu todas as

disciplinas.

Os alunos prepararam várias oficinas como: a sala 50 anos, golpe de 64 com vídeos e

fotos das pessoas que foram torturadas durante a ditadura militar, a sala da física e

química com o tema luminescência, a sala da matemática, com palestras sobre

Aristóteles, Pitágoras e Leonardo da Vinci e a importância dos seus trabalhos e

descobrimentos, a sala da literatura modernista com pinturas de quadros famosos como

o Grito e Abapuru, a sala do cordel que além das apresentações dos fantoches contou

com cordéis feitos a partir de textos da literatura brasileira e inglesa, como Clarice

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Lispector, Castro Alves, Edgar Allan Poe, Willian Shakespeare entre outros, a sala da

biologia com vários animais empalhados, fetos14

e vários insetos.

O objetivo foi fazer um trabalho voltado para a interdisciplinaridade, visando ampliar os

conhecimentos dos alunos, melhorar a qualidade do aprendizado.

Figura 17 Ensaios para o teatro de fantoches

A montagem da sala do cordel começou dividindo as turmas para montagem dos textos.

Cada grupo trabalhou um tema:

A origem do cordel.

São Miguel Nordestino

Coração delator

Texto João-Joana (caderno do aluno, volume 1)

4.1.1 A origem do cordel

Os alunos falaram das origens do cordel vindas de Portugal, como o cordel chegou ao

Brasil, dos artistas que se apresentam em feiras e da Academia Brasileira de Literatura

de Cordel.

14

Doados pela Universidade Cruzeiro do Sul para palestras e aulas

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4.1.2 São Miguel nordestino

Falaram do Bairro em que moram, suas origens indígenas e nordestinas, dados indicam

que o Bairro de São Miguel Paulista, na capital de São Paulo possui a maior

concentração de nordestinos na cidade.

4.1.3 Coração delator

Cordel criado pela 8ª série/9º ano foi encenado pelos alunos da 6ª série/ 7º ano.

Baseado no conto de Edgar Allan Poe Coração denunciador.

O conto foi lido, interpretado e adaptado para o cordel. Visando a introdução da

literatura o tema foi proposto ao 9º G e várias outras adaptações foram feitas, como A

hora da estrela de Clarice Lispector, O navio negreiro de Castro Alves entre outros.

Coração delator

Olá meus amigos

Uma história eu vou contar

Conta as noites de um homem

Que um velho quis matar

Ele gostava do velho

O velho nunca lhe fez mal

Mas o olho do velho lhe atormentava

De maneira sem igual

Com o velho foi gentil

E quando o sino do relógio batia

Meia noite!! Ele ouvia

E com delicadeza a porta ele abria

Na oitava noite

O louco tomou cuidado

Mas por um deslize ou por acaso

O velho acordou assustado

O louco já contava vitória

Em voz baixa para não chamar atenção

Mas o velho já acordado

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Assustado morreu do coração

Se ainda acha ele louco

Não perde por esperar

Pois em pedaços resolveu

O corpo do homem desmanchar

Separou cabeça, perna e braço

Foi macabro seu trabalho

Juntou as partes do corpo do velho

Depositando tudo no assoalho

Recolocou as pranchas de madeira

Com muito cuidado

Para nenhum olho humano

Detectar algo errado

Quando terminou o trabalho

Um suspiro de alívio ecoou

Mas quem será? Uma visita?

A campainha, na porta tocou.

Sorrindo a porta abriu

Para os policiais receber

Deu boas- vindas aos senhores

Seguro, pois não tinha o que temer

Então acompanhou a visita

Que na casa se realizou

Levou-os para o quarto do velho

E a busca incentivou

Todos os tesouros do velho

Para a polícia mostrou

No entusiasmo de sua confiança

Na louca audácia triunfou

Levou as cadeiras para o quarto

E convidou-os para sentar

Sentou-se sobre o ponto

Que o cadáver estava a repousar

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O policial satisfeito

Com os modos do loucão

Havia se convencido

Que mal ali, não tinha não

De repente um barulho

Seria um zumbido?

Atormentado se perguntou:

O que toca em meu ouvido?

Era o pulsar e as batidas

Do coração daquele velho.

Fui eu!! Sou culpado!!

Acabou o louco com o mistério.

4.1.4 Texto João-Joana

Retirado do caderno do aluno volume 1 6ª série/7° ano, o texto de Carlos Drummond de

Andrade, fala de uma forma bem humorada da história de um sertanejo João que vira

Joana.

Foram necessárias algumas modificações para adequar o texto para o fantoche, mas o

resultado ficou muito bom, devido a criatividade e dedicação dos alunos.

Todo o trabalho de pesquisa, foi feito pelos alunos, incentivando-os conhecer a região

em que moram, visto que há uma grande concentração de nordestinos no bairro e

também possui a capela mais antiga construída no Brasil.

A atividade foi bem aceita pelos alunos, que produziram os textos, ensaiaram e

dividiram entre si as tarefas para execução do projeto com êxito. O teatro de fantoches

deu maior segurança já que muitos alunos são tímidos, e puderam se expressar com

mais naturalidade

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. Figura 18. Palco para apresentação do teatro de fantoches

Figura 19. Porta da sala do cordel na feira cultural

Figura 20. Sala do cordel mural e plateia

A sala decorada com bandeiras de papel de seda, característica nordestina, um varal de

cordel, produzidos pelos alunos das 6ª Séries D e E, e da 8ª série G, cartazes com os

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autores trabalhados nos cordéis como Clarisse Lispector (a hora da estrela), Castro

Alves (navio negreiro), Willian Shakespeare (Romeu e Julieta), além da casinha do

fantoche com cortinas para apresentação.

Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a nossa literatura,

visto que vários cordéis são inspirados nos romances de grandes nomes de autores

consagrados.

4.1.5 A feira cultural

As apresentações aconteceram nos três dias da feira.

Figura 21. Apresentação As origens do cordel

Figura 22. Mural lateral da sala do cordel

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Outras turmas também trabalharam o cordel, o 4º termo (EJA) participou representando

o turno noturno.

Destacando a cultura nordestina dentro da feira, o cordel foi bem aceito e prestigiado.

A comunidade participou, pois a escola abriu as portas para as pessoas do bairro

conhecer os trabalhos realizados pelos alunos de todas as séries.

Figura 23. Professoras Eliene Nunes e Adriana Ventura

4.1.6 concluindo os trabalhos

O sucesso para o trabalho é a orientação do professor. Desde a escolha dos grupos até a

execução final. Partindo da elaboração do projeto é preciso colocar os alunos dentro da

proposta e liderar com competência. O conteúdo bem explicado faz as tarefas fluírem

melhor, sem crises.

O aluno deve estar envolvido nas atividades com interesse, porque ele precisa executar a

tarefa e ao mesmo tempo aprender com isso, não pode ser algo vago e sem sentido. A

interdisciplinaridade é essencial, a pesquisa de fatos históricos, a definição do tema,

todo conhecimento tem que ser repassado aos demais colegas, dessa forma os

educandos fixam o conhecimento melhor.

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A pesquisa do meio em que vivem é muito importante, os fazem conhecer suas raízes,

sentem-se parte da comunidade.

O desenvolvimento dos textos é um momento único. A facilidade de alguns alunos foi

surpreendente, conseguiram através das criações encontrarem um bom motivo para

escrever, colocaram o seu melhor na escrita, ou seja, encontraram-se no cordel.

A associação do cordel com a Literatura é um ponto muito importante. Os alunos que

fizeram a ligação gostaram do desafio, como disse anteriormente nada pode ser sem

sentido, visto que a literatura fará parte no Ensino Médio, esse primeiro contato é

fundamental para formar um leitor potencial que terá que ler obras que já teve contato

com a atividade ainda no Ensino Fundamental.

A partir de um livro literário foi criado um cordel. O passo seguinte foi a ilustração e

acabamento, aproveitaram-se as habilidades e conhecimentos do grupo, alguns criaram,

outros ilustraram, o mais importante: todo trabalho feito em equipe.

Outro ponto importante são as relações interpessoais, a oportunidade de conversarem,

trocarem ideias, representarem em público, desenvolver-se como pessoa.

O trabalho na sala de aula deve sempre estar voltado para contribuir com a formação de

bons leitores, principalmente a Língua Portuguesa, aluno que lê, será mais crítico, mais

participativo e compreenderá mais fácil as questões, além de adquirir uma bagagem

cultural que o destacará como um dos melhores, isso foi bem perceptível nas atividades

com o cordel.

Os apoios da coordenação e direção também são importantes, é necessário que todos

trabalhem em conjunto.

Figura 24. A professora J. Borges

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi uma experiência única falar de algo que gosto muito. O tema é amplo e mostra a

identidade de um povo, várias gerações dedicaram seus esforços para manter viva a

tradição e a história de um recanto esquecido e mágico do Brasil. O nordeste foi sem

dúvida uma terra que serviu de cenário para amores impossíveis, homens valorosos e

destemidos lutam por ideais, a religiosidade que manteve viva a esperança por dias

melhores. O cordel foi uma ponte para levar todas essas questões para os quatro cantos

do mundo.

Todas as pessoas que pedi a opinião, que falasse um pouco sobre o cordel se mostraram

solicitas e responderam com entusiasmo sobre suas experiências.

O Professor Francisco Diniz consegue fazer um trabalho muito bom na Paraíba, a

realidade vira tema para escrever e expor as produções dos seus alunos e quer levar esse

projeto para várias escolas, feiras e eventos.

A professora Márcia Abreu responde assim a pergunta como surgiu o interesse pelo

cordel:

Quando era criança, ouviu dois cantadores se batendo em desafio e ficou encantada!

Quando entrou no curso de Letras, também escreveu seu TCC sobre os folhetos

nordestinos.

O trabalho analisado se refere a comparação, folhetos de cordel, leitura, romance.

A relação dos folhetos de cordel com a Literatura Erudita, “Então se forma uma história

bonita.”.

A história da literatura de cordel, a comparação das histórias criadas pelos cordelista

com os textos originais, a análise de várias obras que fazem sucesso junto ao público

que aprecia esse tipo de leitura.

Mark J. Curram, Professor da Arizona State University, conheceu a literatura de cordel,

na pós graduação, gostou do tema, veio ao Brasil e escreveu 14 livros sobre o tema.

Trabalhar com os alunos na Escola Estadual Heckel Tavares, a base para entender como

funciona de fato o Cordel. A identificação de alguns alunos foi nítida. As melhores

produções foram de alunos que não gostam de outras atividades escritas, mas

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conseguiram produzir textos de acordo com o se pede. A professora Adriana Ventura,

conseguiu coordenar os trabalhos dos alunos com muita competência. Marcou o início

para a Literatura, visto que todas as obras criadas pelos alunos foram baseadas nos

livros de autores consagrados da Literatura Brasileira e da Literatura Inglesa.

Serviu para mostrar que diferentes métodos de aprendizagem precisam ser utilizados

para a sala de aula e murais da escola. A intertextualidade do cordel com a História é

bem próxima. Falando do passado e presente faz os educandos refletirem sobre vários

temas que são discutidos diretamente nos livros e transformados em cordel com muita

competência.

O gosto pela leitura, o cordel como ferramenta de aprendizagem. Como o hábito da

leitura pode virar um recurso para ser semeado e cultivado em sala de aula. É necessário

investir em novas metodologias para atrair os estudantes, precisam-se resgatar histórias,

buscar no passado as raízes para entender o presente.

O cordel, paradoxal e incentivou o uso da tecnologia para novas pesquisas e ao mesmo

conhecer o próprio bairro, essa experiência foi surpreendente para os alunos, pois alguns

não conheciam as origens de onde moram. Passaram a olhar com mais atenção uma

simples capela que conta muito da colonização do Brasil pelos portugueses, da relação

com os índios que aqui estavam. A contribuição dos Jesuítas na formação educacional

de um povo, tudo relacionado com o bairro de São Miguel Paulista, São Paulo-SP.

As lições estão além da sala de aula, no dia a dia dos alunos, cada um deve ser

respeitado, como indivíduo que pensa e interage em sociedade, a partir dessas reflexões

é que se constrói uma sociedade mais fraterna, mais respeitosa.

O cordel é uma ferramenta para resgatar a história e ao mesmo tempo nos convida a

viver o presente, visando contribuir com a leitura e o entretenimento sem perder a

essência popular.

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Meu leitor (não eleitor,

que eu nada te peço a ti

senão me ler com paciência

de Minas ao Piauí):

tendo contado meu conto,

adeus, me despeço aqui.15

Figura 25. Os cantadores de viola J.Borges

15 Foi extraído do livro "Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa", Editora Nova Aguilar - Rio

de Janeiro, 2002, pág. 617.

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REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia de Azevedo, Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n.22,

p.199-218, jul/dez.2004) acesso em 27/05/2014

Caderno do aluno do aluno 6ª série/7º ano volume 1 2014

CUNHA, Celso. Cintra, Lindley, Nova gramática do português contemporâneo,

Lexikon, 5ª edição, Rio de Janeiro, 2008.

http://cordeldobrasil.com.br/v1/aprenda-fazer-um-cordel/ acesso em 22/09/2014

http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/hispania--11/html/p0000013.htm acesso

em 25/09/2014

http://www.currancordelconnection.com acesso em 10/10/2014

http://www.memoriasdocordel.com.br/2013/03/grandes-nomes-do-cordel-1-leandro-

gomes.html acesso em 12/08/2014

http://www.releituras.com/eapoe_coracao.asp acesso em 23/10/14

http://www.releituras.com/i_ciro_drummond_imp.asp acesso em 23/10/14

http://www.unicamp.br/unicamp/premios-e-distincoes/premio-zeferino-

vaz/2008/marcia-azevedo-de-abreu-iel acesso em 11/10/2014

MOISÉS, Massaud A Literatura Portuguesa, Cultrix,) 14° edição, São Paulo, 1977

Revista Literatura, edição 45, outubro 2012 p.p 6,7,8 e 9

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ANEXOS

Anexo A

O coração delator

Edgar Allan Poe

É verdade! Nervoso, muito, muito nervoso mesmo eu estive e estou; mas por que

você vai dizer que estou louco? A doença exacerbou meus sentidos, não os destruiu, não

os embotou. Mais que os outros estava aguçado o sentido da audição. Ouvi todas as

coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco?

Preste atenção! E observe com que sanidade, com que calma, posso lhe contar toda a

história.

É impossível saber como a ideia penetrou pela primeira vez no meu cérebro, mas, uma

vez concebida, ela me atormentou dia e noite. Objetivo não havia. Paixão não havia. Eu

gostava do velho. Ele nunca me fez mal. Ele nunca me insultou. Seu ouro eu não

desejava. Acho que era seu olho! É, era isso! Um de seus olhos parecia o de um abutre -

um olho azul claro coberto por um véu. Sempre que caía sobre mim o meu sangue

gelava, e então pouco a pouco, bem devagar, tomei a decisão de tirar a vida do velho, e

com isso me livrar do olho, para sempre.

Agora esse é o ponto. O senhor acha que sou louco. Homens loucos de nada sabem.

Mas deveria ter-me visto. Deveria ter visto com que sensatez eu agi — com que

precaução —, com que prudência, com que dissimulação, pus mãos à obra! Nunca fui

tão gentil com o velho como durante toda a semana antes de matá-lo. E todas as noites,

por volta de meia-noite, eu girava o trinco da sua porta e a abria, ah, com tanta

delicadeza! E então, quando tinha conseguido uma abertura suficiente para minha

cabeça, punha lá dentro uma lanterna furta-fogo bem fechada, fechada para que

nenhuma luz brilhasse, e então eu passava a cabeça. Ah! o senhor teria rido se visse com

que habilidade eu a passava. Eu a movia devagar, muito, muito devagar, para não

perturbar o sono do velho. Levava uma hora para passar a cabeça toda pela abertura, o

mais à frente possível, para que pudesse vê-lo deitado em sua cama. Aha! Teria um

louco sido assim tão esperto? E então, quando minha cabeça estava bem dentro do

quarto, eu abria a lanterna com cuidado — ah!, com tanto cuidado! —, com cuidado

(porque a dobradiça rangia), eu a abria só o suficiente para que um raiozinho fino de luz

caísse sobre o olho do abutre. E fiz isso por sete longas noites, todas as noites à meia-

noite em ponto, mas eu sempre encontrava o olho fechado, e então era impossível fazer

o trabalho, porque não era o velho que me exasperava, e sim seu Olho Maligno. E todas

as manhãs, quando o dia raiava, eu entrava corajosamente no quarto e falava Com ele

cheio de coragem, chamando-o pelo nome em tom cordial e perguntando como tinha

passado a noite. Então, o senhor vê que ele teria que ter sido, na verdade, um velho

muito astuto, para suspeitar que todas as noites, à meia-noite em ponto, eu o observava

enquanto dormia.

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Na oitava noite, eu tomei um cuidado ainda maior ao abrir a porta. O ponteiro de

minutos de um relógio se move mais depressa do que então a minha mão. Nunca antes

daquela noite eu sentira a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Eu

mal conseguia conter meu sentimento de triunfo. Pensar que lá estava eu, abrindo pouco

a pouco a porta, e ele sequer suspeitava de meus atos ou pensamentos secretos. Cheguei

a rir com essa ideia, e ele talvez tenha ouvido, porque de repente se mexeu na cama

como num sobressalto. Agora o senhor pode pensar que eu recuei — mas não. Seu

quarto estava preto como breu com aquela escuridão espessa (porque as venezianas

estavam bem fechadas, de medo de ladrões) e então eu soube que ele não poderia ver a

porta sendo aberta e continuei a empurrá-la mais, e mais.

Minha cabeça estava dentro e eu quase abrindo a lanterna quando meu polegar deslizou

sobre a lingueta de metal e o velho deu um pulo na cama, gritando:

— Quem está aí?

Fiquei imóvel e em silêncio. Por uma hora inteira não movi um músculo, e durante esse

tempo não o ouvi se deitar. Ele continuava sentado na cama, ouvindo bem como eu

havia feito noite após noite prestando atenção aos relógios fúnebres na parede.

Nesse instante, ouvi um leve gemido, e eu soube que era o gemido do terror mortal. Não

era um gemido de dor ou de tristeza — ah, não! Era o som fraco e abafado que sobe do

fundo da alma quando sobrecarregada de terror. Eu conhecia bem aquele som. Muitas

noites, à meia-noite em ponto, ele brotara de meu próprio peito, aprofundando, com seu

eco pavoroso, os terrores que me perturbavam. Digo que os conhecia bem. Eu sabia o

que sentia o velho e me apiedava dele embora risse por dentro. Eu sabia que ele estivera

desperto, desde o primeiro barulhinho, quando se virara na cama. Seus medos foram

desde então crescendo dentro dele. Ele estivera tentando fazer de conta que eram

infundados, mas não conseguira. Dissera consigo mesmo: "Isto não passa do vento na

chaminé; é apenas um camundongo andando pelo chão", ou "É só um grilo cricrilando

um pouco". É, ele estivera tentando confortar-se com tais suposições; mas descobrira

ser tudo em vão. Tudo em vão, porque a Morte ao se aproximar o atacara de frente com

sua sombra negra e com ela envolvera a vítima. E a fúnebre influência da despercebida

sombra fizera com que sentisse, ainda que não visse ou ouvisse, sentisse a presença da

minha cabeça dentro do quarto.

Quando já havia esperado por muito tempo e com muita paciência sem ouvi-lo se deitar,

decidi abrir uma fenda — uma fenda muito, muito pequena na lanterna. Então eu a abri

— o senhor não pode imaginar com que gestos furtivos, tão furtivos — até que afinal

um único raio pálido como o fio da aranha brotou da fenda e caiu sobre o olho do

abutre.

Ele estava aberto, muito, muito aberto, e fui ficando furioso enquanto o fitava. Eu o vi

com perfeita clareza - todo de um azul fosco e coberto por um véu medonho que

enregelou até a medula dos meus ossos, mas era tudo o que eu podia ver do rosto ou do

corpo do velho, pois dirigira o raio, como por instinto, exatamente para o ponto maldito.

E agora, eu não lhe disse que aquilo que o senhor tomou por loucura não passava de

hiperagudeza dos sentidos? Agora, repito, chegou a meus ouvidos um ruído baixo,

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surdo e rápido, algo como faz um relógio quando envolto em algodão. Eu também

conhecia bem aquele som. Eram as batidas do coração do velho. Aquilo aumentou a

minha fúria, como o bater do tambor instiga a coragem do soldado.

Mas mesmo então eu me contive e continuei imóvel. Quase não respirava. Segurava

imóvel a lanterna. Tentei ao máximo possível manter o raio sobre o olho. Enquanto isso,

aumentava o diabólico tamborilar do coração. Ficava a cada instante mais e mais rápido,

mais e mais alto. O terror do velho deve ter sido extremo. Ficava mais alto, estou

dizendo, mais alto a cada instante! — está me entendendo? Eu lhe disse que estou

nervoso: estou mesmo. E agora, altas horas da noite, em meio ao silêncio pavoroso

dessa casa velha, um ruído tão estranho quanto esse me levou ao terror incontrolável.

Ainda assim por mais alguns minutos me contive e continuei imóvel. Mas as batidas

ficaram mais altas, mais altas! Achei que o coração iria explodir. E agora uma nova

ansiedade tomava conta de mim — o som seria ouvido por um vizinho! Chegara a hora

do velho! Com um berro, abri por completo a lanterna e saltei para dentro do quarto. Ele

deu um grito agudo — um só. Num instante, arrastei-o para o chão e derrubei sobre ele

a cama pesada. Então sorri contente, ao ver meu ato tão adiantado. Mas por muitos

minutos o coração bateu com um som amortecido. Aquilo, entretanto, não me

exasperou; não seria ouvido através da parede. Por fim, cessou. O velho estava morto.

Afastei a cama e examinei o cadáver. É, estava morto, bem morto. Pus a mão sobre seu

coração e a mantive ali por muitos minutos. Não havia pulsação. Ele estava bem morto.

Seu olho não me perturbaria mais.

Se ainda me acha louco, não mais pensará assim quando eu descrever as sensatas

precauções que tomei para ocultar o corpo. A noite avançava, e trabalhei depressa, mas

em silêncio. Antes de tudo desmembrei o cadáver. Separei a cabeça, os braços e as

pernas.

Arranquei três tábuas do assoalho do quarto e depositei tudo entre as vigas. Recoloquei

então as pranchas com tanta habilidade e astúcia que nenhum olho humano — nem

mesmo o dele — poderia detectar algo de errado. Nada havia a ser lavado — nenhuma

mancha de qualquer tipo — nenhuma marca de sangue. Eu fora muito cauteloso. Uma

tina absorvera tudo - ha! ha!

Quando terminei todo aquele trabalho, eram quatro horas — ainda tão escuro quanto à

meia-noite.

Quando o sino deu as horas, houve uma batida à porta da rua. Desci para abrir com o

coração leve — pois o que tinha agora a temer? Entraram três homens, que se

apresentaram, com perfeita suavidade, como oficiais de polícia. Um grito fora ouvido

por um vizinho durante a noite; suspeitas de traição haviam sido levantadas; uma queixa

fora apresentada à delegacia e eles (os policiais) haviam sido encarregados de examinar

o local.

Sorri — pois o que tinha a temer? Dei as boas-vindas aos senhores. O grito, disse, fora

meu, num sonho. O velho, mencionei, estava fora, no campo. Acompanhei minhas

visitas por toda a casa. Incentivei-os a procurar — procurar bem. Levei-os, por fim, ao

quarto dele. Mostrei-lhes seus tesouros, seguro, imperturbável. No entusiasmo de minha

confiança, levei cadeiras para o quarto e convidei-os para ali descansarem de seus

afazeres, enquanto eu mesmo, na louca audácia de um triunfo perfeito, instalei minha

própria cadeira exatamente no ponto sob o qual repousava o cadáver da vítima.

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Os oficiais estavam satisfeitos. Meus modos os haviam convencido. Eu estava bastante

à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia animado, falaram de coisas familiares.

Mas, pouco depois, senti que empalidecia e desejei que se fossem. Minha cabeça doía e

me parecia sentir um zumbido nos ouvidos; mas eles continuavam sentados e

continuavam a falar. O zumbido ficou mais claro — continuava e ficava mais claro:

falei com mais vivacidade para me livrar da sensação: mas ela continuou e se instalou

— até que, afinal, descobri que o barulho não estava dentro de meus ouvidos.

Sem dúvida agora fiquei muito pálido; mas falei com mais fluência, e em voz mais alta.

Mas o som crescia - e o que eu podia fazer? Era um som baixo, surdo, rápido — muito

parecido com o som que faz um relógio quando envolto em algodão. Arfei em busca de

ar, e os policiais ainda não o ouviam. Falei mais depressa, com mais intensidade, mas o

barulho continuava a crescer. Levantei-me e discuti sobre ninharias, num tom alto e

gesticulando com ênfase; mas o barulho continuava a crescer. Por que eles

não podiam ir embora? Andei de um lado para outro a passos largos e pesados, como se

me enfurecessem as observações dos homens, mas o barulho continuava a crescer. Ai

meu Deus! O que eu poderia fazer? Espumei — vociferei — xinguei! Sacudi a cadeira

na qual estivera sentado e arrastei-a pelas tábuas, mas o barulho abafava tudo e

continuava a crescer. Ficou mais alto — mais alto — mais alto! E os homens ainda

conversavam animadamente, e sorriam. Seria possível que não ouvissem? Deus Todo-

Poderoso! — não, não? Eles ouviam! — eles suspeitavam! — eles sabiam! - Eles

estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa

seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse

escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Senti que

precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais alto! mais

alto! mais alto!

— Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o que fiz! Levantem as

pranchas! — aqui, aqui! — são as batidas do horrendo coração!

http://www.releituras.com/eapoe_coracao.asp acesso em 23/10/14

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Anexo B

Entrevista do professor Francisco Diniz por e-mail em 13/06/2014:

As dificuldades para implantar o projeto Quando se domina o conteúdo da métrica e da estrutura da construção de um folheto, as

dificuldades pairam na burocracia dos gestores e coordenadores pedagógicos, mas nada

que a persistência e uma boa justificativa não consigam vencer.

Qual a aceitação dos alunos? Sempre há uma boa aceitação por se tratar de uma forma inusitada de trabalhar os

conteúdos escolares. Podemos estimular a leitura, a declamação (memorização), o

cântico de estrofes, a produção de textos (a criatividade).

Qual o tema preferido dos alunos?

Sem dúvida, o texto humorístico.

Como está o projeto atualmente? No momento estou de licença, mas quando eu retornar continuarei com a mesma forma

de divulgação do cordel, ou seja, realizando leitura, ensinando os elementos necessários

para a elaboração de um cordel e cantando os textos.

Quais são os planos para o futuro? Levar o projeto para feiras livres e também para o horário de recreio de escolas

interessadas.

Teve o projeto Literatura de Cordel na Escola aprovado pela lei estadual de incentivo à

cultura em 2002 e, através deste projeto, distribuiu em 2003 uma coletânea de 20

folhetos, em parceria com Valentim Martins Quaresma Neto, para 189 escolas estaduais

de João Pessoa e Santa Rita, além de 75 instituições culturais da Paraíba.

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Anexo C

Estória de João-Joana Carlos Drummond de Andrade

Meu leitor, o sucedido

em Lajes do Caldeirão

é caso de muito ensino,

merecedor de atenção.

Por isso é que me apresento

fazendo esta relação.

Vivia em dito arraial

do país das Alagoas

um rapaz chamado João

cuja força era das boas

pra sujigar burro bravo,

tigres, onças e leoas.

João, lhe deram este nome

não foi de letra em cartório

pois sua mãe e seu pai

viviam de peditório.

Gente assim do miserê

nunca soube o que é casório.

Ficou sendo João, pois esse

é nome de qualquer um.

Não carece excogitar,

pedir a doutor nenhum,

que a sentença vem do Céu,

não de lá do Barzabum.

De pequeno ficou órfão,

criado por seus dois manos.

Foi logo para o trabalho

com muitos outros fulanos

e seu muque, sem mentira,

era o de três otomanos.

Na enxada, quem que vencia

aquele tico de gente.

No boteco, se ele entrava

pra bochechar aguardente,

o saudavam com respeito

Deus lhe salve, meu parente.

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João moço não enjeitava

parada com sertanejo.

Podiam brincar com ele

sem carregar no gracejo.

Dizia que homem covarde

não é cabra, é percevejo.

Um dia de calor desses

que tacam fogo no agreste,

João suava que suava

sem despir a sua veste.

Companheiro, essa camisa

não é coisa que moleste?

lhe perguntou um amigo

que estava de peito nu.

E João se calado estava

nem deu pio de nambu.

Ninguém nunca viu seu pêlo,

nem por trás do murundu.

João era muito avexado

na hora de tomar banho.

Punha tranca no barraco

fugindo a qualquer estranho.

Em Lajes nenhum varão

tinha recato tamanho.

João nas últimas semanas

entrou a sofrer de inchaço.

Mesmo assim arranca toco

sem se carpir de cansaço.

Um dia, não güenta mais,

exclama: O que é que eu faço?

Os manos vendo naquilo

coisa mei desimportante,

logo receitam de araque

meizinha sem variante

para qualquer macacoa:

Carece tomar purgante.

João entrou no purgativo

louco de dor e de medo

se entorcendo e contorcendo

na solidão do arvoredo

pois ele em sua aflição

lá se escondera bem cedo.

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O gemido que exalava

do peito de João sozinho

alertou os seus dois manos

que foram ver de mansinho

como é que aquele bravo

se tornara tão fraquinho.

No chão de terra, essa terra

que a todos nós vai comer,

chorava uma criancinha

acabada de nascer,

E João, de peito desnudo,

acarinhava este ser.

Aquela cena imprevista

causou a maior surpresa.

O que tanto se ocultara

se mostrava sem defesa.

João deixara de ser João

por força da natureza.

A mulher surgia nele

ao mesmo tempo que o filho,

tal qual se brotassem junto

a espiga com o pé de milho,

ou como bala que estoura

sem se puxar o gatilho.

Se os manos levaram susto,

até eu, que apenas conto.

E o povo todo, assuntando

a estória ponto por ponto,

ficou em breve inteirado

do que aí vai sem desconto.

Nem menino nem menina

era João quando nasceu.

A mãe, sem saber ao certo,

o nome de João lhe deu,

dizendo: Vai vestir calça

e não saia que nem eu.

À proporção que crescia

feito animal na campina,

em João foi-se acentuando

a condição feminina,

mas ele jamais quis ser

tratado feito menina.

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Pois nesse triste povoado

e cem léguas ao redor,

ser homem não é vantagem

mas ser mulher é pior.

Quem vê claro já conclui:

de dois males o menor.

Homem é grão de poeira

na estrada sem horizonte;

mulher nem chega a ser isso

e tem de baixar a fronte

ante as ruindades da vida,

de altura maior que um monte.

A sorte, se presenteia

a todos doença e fome,

para as mulheres capricha

num privilégio sem nome.

Colhe miséria maior

e diz à coitada: Tome.

É forma de escravidão

a infinita pobreza,

mas duas vezes escrava

é a mulher com certeza,

pois escrava de um escravo

pode haver maior dureza?

Por isso aquela mocinha

fez tudo para iludir

aos outros e ao seu destino.

Mas rola não é tapir

e chega lá um momento

da natureza explodir.

João vira Joana: acontecem

dessas coisas sem preceito.

No seu colo está Joãozinho

mamando leite de peito.

Pelo menos esse aqui

de ser homem tem direito.

De ser homem: de escolher

o seu próprio sofrimento

e de escrever com peixeira

a lei do seu mandamento

quando à falta de outra lei

ou eu fujo ou arrebento.

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Joana desiste de tudo

que ganhara por mentira.

Sabe que agora lhe resta

apenas do saco a embira.

E nem mesmo lhe aproveita

esta minha pobre lira.

Saibam quantos deste caso

houverem ciência, que a vida

não anda, em favor e graça,

igualmente repartida,

e que dor ensombra a falta

de amor, de paz e comida.

Meu leitor (não eleitor,

que eu nada te peço a ti

senão me ler com paciência

de Minas ao Piauí):

tendo contado meu conto,

adeus, me despeço aqui.

Esse cordel musical de autoria de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo, foi

gravado no Estúdio Transamérica - Rio de Janeiro, em fevereiro, março e abril de

1985, com voz e arranjo de Sérgio Ricardo, orquestração de Radamés Gnattali e

regência de Alexandre Gnattali.

Foi extraído do livro "Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa", Editora

Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 2002, pág. 617.

http://www.releituras.com/i_ciro_drummond_imp.asp acesso em 23/10/14.